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Universidade Federal de Juiz de Fora História das Religiões Thaís Cabral Resenha do livro: MATA, Sérgio da. História & Religião. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2010. Análise historiográfica e conceitual da história da religião O que é encontrado no livro, não é um percurso cronológico e factual da história das religiões, mas sim uma proposta de reflexão a partir da visão historiográfica e conceitual, a historia da religião, sua construção e surgimento como um campo próprio. Na introdução do livro, o autor apresenta a importância e a heterogeneidade da religião no mundo contemporâneo e suas subjetividades e interpretações frente ao tema religião, através da aceitação, negação e curiosidade. A terceira a exemplo da frase do lírico grego Simônides, após refletir sobre o que seria “Deus”; “Quanto mais penso sobre esta questão, mais obscura ela se torna”. Esta é a atitude é a que mais agrada no estudo da história das religiões, fugir de afirmações categóricas sobre fenômenos religiosos para formar análises que abstenham de juízos de valor ou de fé. Sérgio da Mata, critica o desencadeamento do mundo, chamando atenção para a estreita relação entre religião e conflitos no mundo contemporâneo; entre o carisma religioso e as mídias modernas; entre a confessionalidade e a intensa discussão em torno das identidades étnicas. A história das religiões não está associada à história eclesiástica e da teologia, pois essa se define a partir de três aspectos fundamentais: o seu caráter autônomo como disciplina, a sua acepção multicultural na percepção do objeto, e a sua visão agnóstica. O primeiro capítulo – “Tempo, consciência histórica e religião” – fala da relação entre o pensamento religioso e o desenvolvimento da consciência histórica. Alerta sobre a visão equivocada de minorar a importância da religião no passado, sendo a mesma incompatível com a modernidade. Outro

História das Religiões

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Resenha do livro: MATA, Sérgio da. História & Religião. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2010. Análise historiográfica e conceitual da história da religião

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Na introduo do livro, o autor apresenta trs possveis atitudes frente ao tema religio

Universidade Federal de Juiz de Fora

Histria das Religies

Thas CabralResenha do livro: MATA, Srgio da. Histria & Religio. Belo Horizonte: Autntica Editora, 2010.

Anlise historiogrfica e conceitual da histria da religio

O que encontrado no livro, no um percurso cronolgico e factual da histria das religies, mas sim uma proposta de reflexo a partir da viso historiogrfica e conceitual, a historia da religio, sua construo e surgimento como um campo prprio.Na introduo do livro, o autor apresenta a importncia e a heterogeneidade da religio no mundo contemporneo e suas subjetividades e interpretaes frente ao tema religio, atravs da aceitao, negao e curiosidade. A terceira a exemplo da frase do lrico grego Simnides, aps refletir sobre o que seria Deus; Quanto mais penso sobre esta questo, mais obscura ela se torna. Esta a atitude a que mais agrada no estudo da histria das religies, fugir de afirmaes categricas sobre fenmenos religiosos para formar anlises que abstenham de juzos de valor ou de f.Srgio da Mata, critica o desencadeamento do mundo, chamando ateno para a estreita relao entre religio e conflitos no mundo contemporneo; entre o carisma religioso e as mdias modernas; entre a confessionalidade e a intensa discusso em torno das identidades tnicas. A histria das religies no est associada histria eclesistica e da teologia, pois essa se define a partir de trs aspectos fundamentais: o seu carter autnomo como disciplina, a sua acepo multicultural na percepo do objeto, e a sua viso agnstica.

O primeiro captulo Tempo, conscincia histrica e religio fala da relao entre o pensamento religioso e o desenvolvimento da conscincia histrica. Alerta sobre a viso equivocada de minorar a importncia da religio no passado, sendo a mesma incompatvel com a modernidade. Outro equivoco a indiferena pelo fenmeno religioso no presente, dificultando a penetrao na mentalidade religiosa do passado. Para o autor, a postura metodolgica possibilita compreender o crente, a partir do reconhecimento do fenmeno religioso;

uma fora capaz de gerar efeitos sociais concretos, de regular com maior ou menor xito uma conduta de vida, de moldar com maior ou menor sucesso algumas das estruturas de pensamento por meio das quais aprendemos a nos relacionar com o mundo. (p.22)

Atravs da perspectiva comparada das religies, possvel considerar que esse ajustamento ao mundo sistematiza crenas e rituais do passado, configurando uma espcie de estrutura elementar presente em todas as religies e vises de mundo. O mito um dos elementos presentes nessa estrutura elementar, e nele que se deve buscar as primeiras formas de representao do tempo, apesar da disposio a-histrica predominar nas sociedades dominadas pelo mito, j que nem toda cultura chegou a desenvolver uma concepo histrica do tempo. A concepo universal e linear de tempo a ganhou fora a partir do monotesmo judaico e de sua viso de um Deus histrico, apontando para uma libertao futura, colocada em uma direo linear para um fim, uma meta para a qual o povo eleito deveria caminhar.

A era axial, termo criado pelo filsofo Karl Jaspers, situou-se no perodo compreendido entre 800 a.C. e 200 d.C., quando ocorreu uma revoluo que teria marcado os sistemas tico-religiosos das grandes civilizaes. Esse perodo foi marcado pelo advento de Confcio e Lao-Ts na China; Buda na ndia; Zoroastro no Ir; os profetas na Palestina; os grandes filsofos na Grcia. Essas civilizaes axiais apresentaram um nvel superior de complexidade, acarretando a partir de ento, uma maior tenso entre o poder poltico e as camadas sacerdotais/intelectuais.

O segundo captulo, A religio como objeto: da histria eclesistica histria das religies, expe, atravs de uma perspectiva cronolgica, a constituio da religio como problemtica no estudo histrico, demonstrando como esse processo conseqentemente influenciou no desenvolvimento da prpria historiografia ocidental.

Comeando com a obra Historia eclesistica de Eusbio de Cesaria (260 - 340) autor do primeiro grande empreendimento historiogrfico voltado para o campo religioso. (p.35). Na idade mdia, o domnio cristo na Europa transformou todo o processo histrico em histria da salvao introduzindo, pela primeira vez, a perspectiva histrico-filosfica. O ocidente cristo condenava, no mbito da religio, tudo o que fugisse de seus preceitos teolgicos. O que estava fora dele era idolatria, paganismo, heresia, superstio. Esta postura estendeu-se por sculos, desestimulando qualquer tentativa de transformar a historia eclesistica em historia das religies.

Conseqentemente ao advento do movimento humanista e da crtica filolgica, ocorre uma grande virada nos estudos religiosos, embalada a crticas crescentes igreja de Roma. O sculo XVI o sculo da reforma e das grandes guerras religiosas, que teriam sido um obstculo ao desenvolvimento pleno da perspectiva do sculo precedente. As disputas entre catlicos e protestantes acabaram por submetendo a histria, a moldes de acordo com os interesses de catlicos e protestantes, tecendo uma tnue fronteira entre a crtica filolgica e a crtica da religio.

Durante o sculo XVII, a filologia ganharia maior espao e importncia para os estudos humanistas, e tambm para os estudos da matemtica e da natureza. Houve eruditos como Gottfried Leibniz e Jean Mabillon,

para os quais o uso do mtodo crtico na historiografia viria antes em beneficio do que em prejuzo do cristianismo. A contradio entre f e razo seria apenas aparente(p. 40).

No sculo XVIII, a reflexo sobre a cincia histrica est ocorrendo no interior da Igreja Catlica, porm a comunidade iluminista afasta a religio da concepo racional de Deus.

Para de Gottfried Arnold, em sua Histria Imparcial da Igreja e das Heresias, defendia a tese do declnio da Igreja j a partir da poca apostlica, propondo inclusive a reabilitao das heresias. Neste mesmo sculo estabelecida a destino entre histria eclesistica e histria universal, que ocorreu primeiramente nas universidades alems. O alemo Johann Lorenz Mosheim, quem formulou essa distino, libertou a historia da igreja do seu papel de disciplina instrumental da teologia, sendo assim considerado o pai da nova historiografia eclesistica. Logo na Alemanha, pas fundado nas razes e metodologias teolgicas, pioneiro na historiografia acadmica.

Para Mosheim, caberia nova disciplina, explorar de forma imparcial os aspectos externos e internos da comunidade crist. O historiador eclesistico deve sempre buscar o conhecimento da natureza humana, da tradio e poltica dos Estados cristos, mas tambm o universo dos saberes e crenas populares(supersties ) de um povo. Foi com Mosheim que a historia da igreja substitui, pela primeira vez, o mtodo dogmtico pelo mtodo pragmtico.

Da Mata destaca que na segunda metade do sculo XIX, o pluralismo moderno cresce junto com a importncia do surgimento da histria das religies. O pluralismo presente na Europa abria portas de liberdade religiosa, o que refletiu na esfera acadmica, tornando a anlise do fenmeno religioso cada vez mais diversificada. Na virada do sculo XIX para o XX, uma das principais inovaes metodolgicas ocorridas foi a articulao do enfoque histrico com o mtodo comparativo.

Os trabalhos liderados por Durkheim, possibilitaram a outros estudiosos a abordagem de forma sistemtica, de temas como; magia, o sacrifcio, a ddiva e o totemismo. O socilogo francs fez uma nova proposta terica de compreenso da religio, atravs de sua dimenso societria. O alemo, Max Weber, reconhece o carter social da religio, mas ao contrrio de Durkheim, diferencia religio e sociedade, acreditando que a religio tanto se ajusta s leis sociais, como gera conseqncias que alteram essas leis.

O captulo concludo com uma breve avaliao sobre o impacto que a sociologia religiosa causou nas historiografias francesa e alem, coincidindo essa influncia com a crise do historicismo. Segundo o autor, nas trs primeiras dcadas do sculo XX, ocorreu a fase de ouro da historia das religies impulsionada pelo debate com a escola sociolgica francesa de matriz durkheimiana e pelo debate em torno das obras filosficas de Dilthey e Husserl.

O captulo trs Mtodos, perspectivas, problemas: Mata procura busca discutir algumas possibilidades metodolgicas na construo da histria das religies. A primeira proposta diz respeito ao mtodo e s fontes. A religio reconhecida como forma de linguagem, sendo assim ela ultrapassa a dimenso simbolizante das categorias religiosas, que guardam a capacidade de instituir uma causa ltima para todas as coisas. (p.74)

O autor aponta as dificuldades no trabalho do historiador, uma dela dificuldade de manter o equilibrio entre excesso de identificao e o excesso de estranhamento frente ao objeto religio, em sua anlise hermenutica. Outra dificuldade no estudo das prticas religiosas populares, j que a documentao oficial, eclesistica e estatal, nada diria sobre elas.

Da Mata prope a literatura como sada para esse tipo de estudos. Carlo Ginzburg em seus estudos sobre processos inquisitoriais, demonstram que os inquisitores atuaram como verdadeiros etngrafos, devido ao seu estranhamento frente a cultura do outro, descreviam detalhes do universo que desejavam perseguir. Sendo assim uma leitura critica dessas descries possibilitam o historiador o estudo de uma viso para alm do agente eclesistico.

Em outra vertente o autor trabalha discusso em torno do mito da secularizao. O autor aborda a experincia poltica-religiosa e o seu recurso aos cdigos religiosos, dentro dessa experincia, podemos considerar os regimes totalitrios do sculo XX como momentos de consagrao do exerccio do carisma e do culto aos lderes.

O quarto e ltimo captulo, Pequena morfologia histrica da religio, apresenta dezenas de conceitos e categorias usados freqentemente na anlise histrica de fenmenos religiosos, visando fugir do senso comum e suas distores. So abordados conceitos como crena, sagrado/profano, ascetismo, carisma, entre outros.Nenhum historiador, o pesquisador descrente inclusive, est inteiramente liberto das concepes religiosas de sua sociedade e de seu meio sociocultural. Elas tendem a enquadrar nossa apreenso daquilo que numa outra sociedade, ou em pocas passadas, foi ou deveria ter sido religio. (p.92)

Srgio da Mata cumpre sua proposta em torno apresentao de uma introduo ao estudo histrico tendo como objeto religio, discutindo importantes questes sobre esse tema. Oferecendo tambm, importantes indicaes tericas e oportunas pistas metodolgicas ao historiador.

O autor no faz relaes do tema com estudo da religio e das religiosidades na historiografia brasileira, sendo a mesma carente em estudos nessa rea. Mas isso no desqualifica este trabalho, que se trata de um referencial a ser utilizado por aqueles que desejam abordar historicamente fenmenos religiosos.