HISTÓRIA DA LÍNGUA PORTUGUES A - Biblioteca Virtualbiblioteca.virtual.ufpb.br/files/histaria_da_langua_portuguesa... · A língua portuguesa pertence ao grupo das línguas românicas,

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    HISTRIA DA LNGUA PORTUGUESA

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    HISTRIA DA LNGUA PORTUGUESA

    MARIA CRISTINA DE ASSIS

    Introduo

    Neste curso, vamos abordar a lngua portuguesa sob uma perspectiva histrica, partindo de sua

    origem latina na Pennsula Ibrica. Compreendemos que a mudana lingustica est relacionada ao processo

    de modificao sociocultural de um povo, isto , a histria de uma lngua est ligada histria do seu povo,

    aos acontecimentos de natureza poltica e social.

    A preocupao em explicar as alteraes ocorridas nas lnguas pertence ao domnio da Lingustica

    Histrica, disciplina que busca investigar mudanas fnicas, mrficas, sintticas e semntico lexicais ao

    longo do tempo histrico, em que uma lngua ou famlia de lnguas utilizada por seus falantes em

    determinado espao geogrfico e em determinvel territrio, no necessariamente contnuo. Esto

    relacionados a essa rea dois tipos de estudos lingusticos: Em sentido amplo (Lato sensu) os que se baseiam

    em dados contextualizados, isto , datados e localizados (quando sabemos onde e quando foram produzidos).

    Em sentido estrito (Strictu sensu) os que investigam as mudanas que ocorreram nas lnguas atravs do

    tempo, levando em considerao fatores intralingusticos ou estruturais e fatores extralingusticos ou scio

    histricos.

    Nesse sentido, possvel estudar a histria de vrias lnguas ou apenas de uma lngua. Ivo Castro

    conceitua Histria da Lngua como o estudo das relaes estabelecidas entre uma lngua e a comunidade que a

    fala, ao longo da histria dessa comunidade. Em geral, apontam se duas perspectivas de estudo de histria da

    lngua: histria externa abrange acontecimentos polticos, sociais e culturais, que repercutem na lngua;

    histria interna descreve a evoluo fontica, morfolgica, sinttica e semntica da lngua.

    Nem sempre possvel explicar como ocorrem determinadas mudanas lingusticas. Nas escolas de

    ensino fundamental e mdio, o estudo da lngua numa perspectiva sincrnica adotada pelas gramticas

    tradicionais favorece o surgimento de regras e excees, fazendo com que o aluno sinta dificuldades para

    entender alguns fatos da lngua. Vejamos alguns dos questionamentos que podem surgir, ao estudar a lngua

    portuguesa:

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    Como explicar o nmero reduzido de palavras proparoxtonas no lxico da lngua portuguesa?

    Se a gramtica ensina que na lngua portuguesa temos apenas os gneros masculino e feminino, por

    que os pronomes isto, isso, aquilo so classificados como pertencentes ao gnero neutro?

    Qual a relao entre palavras comomcula emancha, ctedra e cadeira, solitrio e solteiro?

    Por que achamos to parecido o portugus e o espanhol?

    Respostas para essas e outras perguntas podem ser encontradas analisando se a lngua numa

    perspectiva histrica. o que veremos a seguir.

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    UNIDADE I

    DAS ORIGENS FORMAO DO GALEGO-PORTUGUS

    Antes dos romanos

    A lngua portuguesa pertence ao grupo das lnguas romnicas,

    tambm chamadas de neolatinas, resultado das transformaes que

    aconteceram no latim vulgar levado Pennsula Ibrica. O latim nasceu

    na Itlia, numa regio chamada Lcio, pequeno distrito margem do rio

    Tibre e foi levado ao territrio ibrico pelas legies romanas.

    Antes do estabelecimento do domnio romano na regio, os

    povos que habitavam a Pennsula eram numerosos e apresentavam

    lngua e cultura bastante diversificadas. Havia duas camadas de

    populao muito diferenciadas: a mais antiga Ibrica e outra mais

    recente os Celtas, que tinham o seu centro de expanso nas Glias.

    Muito pouco se conservou das lnguas pr romanas. Outros povos

    haviam se fixado na Pennsula Ibrica: iberos, celtas, fencios, gregos e

    cartagineses.

    A partir do sculo VIII a.C., os celtas comearam a invadir a Pennsula Ibrica. Embora o domnio

    cltico no tenha se exercido pacificamente, tiveram uma influncia profunda que perdurou mais ou menos

    at a conquista romana. Com o correr dos sculos, os celtas mesclaram se com os iberos, dando origem aos

    povos celtiberos. Mais tarde, outros povos, os fencios, os gregos e os cartagineses formaram colnias

    comerciais em vrios pontos da pennsula.

    Como os cartagineses pretendessem apoderar se do territrio peninsular, os celtiberos chamaram

    em socorro os romanos. Por esse motivo, no sculo III a.C., os romanos invadiram o territrio, com o objetivo

    de deter a expanso dos cartagineses.

    Com as Guerras Pnicas luta entre romanos e cartagineses , a Pennsula Ibrica passou para o

    domnio de Roma. Embora a invaso tenha ocorrido no sculo III a.C., a anexao como provncia s ocorreu

    no ano de 197 a.C. Entre os habitantes da pennsula, os lusitanos, povo de origem cltica chefiados por Viriato,

    resistiram aos romanos. Depois do seu assassinato (cerca 140 AC), Decius Junius Brutus pde marchar para o

    norte, atravs do centro de Portugal, atravessou o rio Douro e subjugou a Galiza. Os celtiberos terminaram

    adotando a lngua e os costumes dos romanos. Os romanos encontraram a Pennsula muito desunida, pois,

    alm da variedade tnica, a difcil estrutura geogrfica contribua para a fragmentao. So de origem

    Substrato lingustico a influncia da lngua de um povo vencido sobre a qual se sobrepe a lngua do vencedor.

    Superstrato - a lngua do povo vencedor deixa marcas na lngua do povo vencido, permanecendo esta ltima.

    Adstrato - Toda lngua que vigora ao lado de outra, num territrio dado e que nela interfere como manancial permanente de emprstimo. (Mattoso Camara)

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    celtibrica: Camisa, saia, cabana (cappana), cerveja (cerevisia), lgua (leuca), carro (carrus), manteiga

    (mantica), gato (cattus) etc

    A romanizao da Pennsula Ibrica

    Os romanos implantaram habilmente sua civilizao na Pennsula Ibrica, modificando o menos

    possvel as unidades territoriais que encontravam. Alm disso, organizaram comrcio e servio de correio;

    implantaram o servio militar e construram escolas. O latim, imposto

    como idioma oficial nas transaes comerciais, nos atos oficiais, passou

    a servir de veculo a uma cultura mais avanada. Dessa forma, a lngua

    e os costumes romanos foram progressivamente assimilados, de

    maneira que a Pennsula Ibrica chegou ao sculo V d.C.

    completamente romanizada, ou seja, politicamente pertencendo ao

    Imprio Romano e linguisticamente falando a lngua de Roma o

    latim.

    O territrio ocupado pelos romanos em sua expanso, a

    Romnia, constitua se de diversas provncias: a Hispnia, a Glia, a

    Itlia, a Dcia, todas integradas na unidade imperial at o sculo V d.C.,

    enquanto durou o apogeu do Imprio Romano.

    O Latim Vulgar, utilizado nas diversas regies conquistadas

    pelos romanos, fez desaparecer, na Pennsula Ibrica, as lnguas

    nativas dos primitivos habitantes e passou a sofrer o influxo dos

    substratos cltico, ibrico e ligrico.

    A romanizao foi condicionada por fatores diferentes, como

    o prestgio de Roma e a disperso das tribos. Esse perodo do contato entre hispnicos e romanos pode ser

    dividido em trs fases, que consistem em um momento inicial de expectativa, em que as diferentes culturas se

    confrontam; uma fase intermediria de marginalidade, em que h participao nas duas culturas, fase de

    bilinguismo; por ltimo, a vitria da cultura romana, em que ocorre a romanizao.

    A implantao do latim na Pennsula Ibrica constituiu um fator decisivo para a formao da lngua

    portuguesa, e ocorreu no sculo II a.C., quando as legies de Roma, depois de longas lutas, conquistaram a

    Hispnia e impuseram a sua civilizao. Com exceo dos bascos, todos os povos da Pennsula adotaram o

    latim como lngua e se cristianizaram. O territrio da Pennsula Ibrica (sculo I a.C.) foi dividido, inicialmente,

    em duas grandes provncias, Hispnia Citerior e Hispnia Ulterior. Esta ltima sofreu nova diviso em duas

    outras provncias, a Btica e a Lusitnia, onde se estendia uma antiga provncia romana, a Gallaecia.

    A romanizao da Pennsula no se deu de maneira uniforme, mas gradativamente, o latim foi se

    impondo, fazendo praticamente desaparecer as lnguas nativas. H vestgios apenas na rea do vocabulrio.

    A Pennsula Ibrica est situada no Sudoeste da Europa. formada por Portugal e Espanha, alm do territrio ultramarino de Gibraltar cuja soberania pertence ao Reino Unido.

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    Quando ocorreu a queda do Imprio Romano, a Pennsula Ibrica estava totalmente latinizada (no sculo I

    d.C.). Nesse quadro de mistura tnica, o latim apresentava feies particulares, mesclado de elementos celtas

    e ibricos, basicamente no vocabulrio. Os vestgios da lngua ibrica no vocabulrio portugus so poucos:

    bezerro, esquerdo, sarna, cama, arroio, baa, alm dos sufixos arra, erro, orro, urro. A influncia cltica

    maior na fontica do que no vocabulrio: brio, bico, casa, lgua, raio, touca e os topnimos Bragana, Coimbra

    (Conimbriga).

    Os vocbulos gregos podem ser divididos em quatro grupos, de

    acordo com o ingresso ao lxico portugus: palavras da poca anterior aos

    romanos, na colonizao grega (perderam se ou se confundiram com as

    latinas): bolsa, cara, cola, governar; palavras que ingressaram no

    vocabulrio, possivelmente incorporadas ao lxico latino, com o advento

    do Cristianismo: anjo, apstolo, bblia, crisma, diabo; palavras transmitidas

    atravs do rabe, como acelga, alambique, quilate, alcaparra; palavras de

    origem medieval, que ingressaram por intermdio das lnguas romnicas,

    como esmeralda (provenal), monge (provenal), esmeril, farol, guitarra e

    finalmente, palavras que, a partir do sculo XVI, incorporaram se ao

    idioma atravs da Cincia e da Tecnologia: telefone, fonema, homeopatia,

    microscpio. A contribuio de vocbulos fencios ao vocabulrio

    portugus mnima: saco (fencia), mapa, malha, (pnico).

    Invases dos brbaros e dos rabes

    J estava o latim bastante modificado quando os brbaros germnicos invadiram a Pennsula

    Ibrica, no sculo V. Os primeiros que chegaram foram os suevos e os

    vndalos. Posteriormente vieram os visigodos e os alanos. Outros povos

    brbaros, fugindo dos hunos, espalharam se por todo o Imprio Romano:

    burgundos, francos, saxes, alamanos, longobardos, normandos. Os

    suevos e os visigodos estabeleceram se na pennsula: os suevos

    implantaram se, resistindo por muito tempo aos visigodos. Fundaram um

    reino muito extenso. Em 570, o reino suevo reduziu se Gallecia a aos

    bispados lusitanos de Viseu e Conimbriga (Coimbra); os visigodos

    conquistaram e incorporaram o territrio a partir de 585 at 711. Alm

    disso, contriburam a dissoluo do imprio romano e provocaram a

    diversificao do latim falado (o escrito permaneceu como lngua de

    cultura). Com o domnio visigtico, a unidade romana rompeu se totalmente. Por outro lado, os visigodos

    romanizaram se, ou seja, fundiram se com a populao romnica, adotaram o cristianismo como religio e

    Figura 1 Reinos brbarosFonte:http://4.bp.blogspot.com/_0hasQbYINU8/S8t5Cgt404I/AAAAAAAAADQ/tAv2gTQbiew/s1600/REINOS+BARBAROS+495.bmp

    Morabes termo que designa os povos cristos que viviam subjugados aos rabes, sem adotarem lngua, a religio e os costumes, mas dos quais receberam profundas influncias na linguagem e nos costumes exceto na religio, pois continuavam cristos.

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    assimilaram o latim vulgar. Rodrigo, o ltimo rei godo, lutou at 711 contra a invaso rabe, defendendo a

    religio crist, tendo como lngua o latim vulgar na sua feio hispano romnica. Algumas contribuies das

    lnguas dos brbaros: guerra (wuerra), elmo (helms), espora (spaura), loja

    (laubja), trgua (triggwa), fresco (frisk), branco (blank) etc

    No sc. VIII d.C., os rabes invadiram a Europa, vindos do Norte da

    frica, pelo estreito de Gibraltar, e tambm assentaram domnios na pennsula.

    Tratava se de um povo de cultura, raa, costumes e religio diferentes dos

    peninsulares. Os mouros, como tambm eram chamados, no conseguiram

    impor se aos povos subjugados, tampouco absorveram a cultura crist. Do

    ponto de vista cultural, pode se dizer que houve tolerncia entre mouros e

    morabes, mas nenhuma integrao.

    No perodo da dominao rabe, a pennsula passou por um surto de

    desenvolvimento nos campos da cincia, das artes e das letras: filosofia,

    medicina, matemtica, histria, agricultura, comrcio e indstria.

    Desde 711, nas regies conquistadas, o rabe adotado como lngua oficial, mas a populao

    continuou a falar o romance. Entretanto, a lngua latina, apesar de todas as influncias sofridas por parte dos

    vrios povos, continuou sendo a lngua oficial. Algumas contribuies rabes ao vocabulrio portugus atual

    so arroz, alface, alicate, adaga, , alferes, alazo, corcel, aldeia, alcova, azulejo, almofada, aude, alcachofra,

    algodo, azeite, acar, alfndega, alfinete, alface, arroz, cuscus, algarismo, lgebra, zero, alcaide, alvar,

    almoxarife, refm e inmeras outras.

    No reinado dos reis catlicos da Espanha, Fernando e Isabel, encerrou se o perodo de dominao

    dos rabes e teve o importante papel de desencadear a formao de Portugal como Estado monrquico, bem

    como a definio do territrio portugus.

    A Reconquista e a Formao do Reino de Portugal

    Os cristos refugiaram se no norte da pennsula, onde levantaram castelos

    que deram origem ao reino de Castilla, ou terra dos castelos. Em Alcama, nas

    Astrias, o rei visigodo Pelgio derrotou os rabes dando o incio Reconquista, no

    ano de 718. Esse movimento foi alastrando se para o sul, atravs das cruzadas lutas

    para expulsar os mouros, os muulmanos, da Pennsula Ibrica , recuperando os

    territrios perdidos que originaram os reinos de Leo, Castela e Arago. Muulmanos

    e cristos desencadeiam uma guerra religiosa durante sete sculos de ocupao. (711 a 1492). Nas regies

    dominadas pelos rabes viviam os morabes, receberam maior influncia dos rabes na linguagem e nos

    costumes, exceto na religio, pois continuavam cristos.

    Figura 3 D. Afonso

    Henriques

    Figura 2 Mapa da Reconquistacrist do territrio de Portugal

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    Com a finalidade de libertar o territrio ibrico, nobres de diferentes regies participaram da guerra

    santa. Dois nobres franceses, D. Raimundo e D. Henrique, conde de Borgonha, descendentes dos reis da

    Frana, distinguiram se nessas lutas. Para recompens los pelos servios prestados na conquista, D. Afonso VI,

    rei de Leo e Castela nomeou D. Raimundo governador do condado da Galiza e ofereceu lhe em casamento a

    filha D. Urraca. A D. Henrique deu o governo do Condado Portucalense, territrio desmembrado da Galiza,

    junto ao rio Douro, do qual era dependente, e a mo da outra filha, D. Tareja (Teresa). Tiveram quatro filhos,

    dos quais apenas um era varo, chamado Afonso Henriques, que haveria de ser o fundador e o primeiro rei de

    Portugal.

    Dom Afonso Henriques tinha apenas trs anos quando seu pai morreu e, por isso, sua me assumiu o

    governo do condado. Anos aps a morte do conde, a viva envolveu se com um fidalgo galego D. Ferno Peres

    de Trava, que tinha a inteno de submeter ao controle da Galiza o Condado Portucalense. Em 1128, o jovem

    D. Afonso Henriques lutou contra as tropas de sua me, numa luta conhecida como a Batalha de S. Mamede,

    afirmando a independncia portuguesa face Galiza. Em 1139, depois de ter definitivamente expulsado os

    mouros na Batalha de Ourique, D. Afonso Henriques, conde de Borgonha, sagrou se rei de Portugal.

    medida que as batalhas aconteciam e novas terras eram reconquistadas, os grupos populacionais

    do norte foram se instalando mais a sul, originando o territrio portugus. Do mesmo modo, na regio central

    e leste da Pennsula, os leoneses e os castelhanos avanavam para o sul, ocupando as terras at ento

    dominadas pelos rabes. Mais tarde, essas terras viriam a se tornar territrio do Estado espanhol.

    Mudanas lingusticas do latim ao galego-portugus

    Dissemos anteriormente que a lngua portuguesa uma

    lngua neolatina, o que significa dizer que o prprio latim diversificado de

    suas origens. Inicialmente o latim era uma lngua tosca e rude, mas foi,

    gradativamente, absorvendo os demais falares itlicos, medida que o

    Imprio Romano se expandia.

    O idioma, a exemplo do que ocorre com todas as lnguas,

    no era rigorosamente uniforme. Revestiu se de dois aspectos que, com o

    passar do tempo, tornaram se cada vez mais distintos: o clssico e o

    vulgar. O latim clssico, chamado pelos romanos de sermo urbanus, era a

    lngua literria, conservadora e resistente s inovaes, que buscava a correo gramatical e estilstica;

    caracterizava se pelo apuro do vocabulrio e pela elegncia do estilo. Conhecida como uma lngua artificial e

    rgida, porm polida e requintada. Sinnimo de prestgio, a lngua era praticada por uma elite e usada nas

    escolas e nas obras dos grandes escritores latinos, como Ccero, Csar, Virglio e Horcio. A expresso latim

    vulgar refere se lngua com todas as suas variedades. Era usado pelo povo, sem preocupao com a correo

    gramatical. Era uma variedade falada que servia de instrumento de comunicao diria, com finalidades

    O latim brbaro, exclusivamente escrito, era o latim dos tabelies e copistas da Idade Mdia, usado nos documentos pblicos, escrituras, nos Fruns e Cartrios. Mistura das formas latinas com formas romances forma embrionria das lnguas romnicas. Chamava-se brbaro porque era mesclado de vocbulos romances e provinciais.

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    prticas e comerciais. Tambm chamado de sermo vulgaris, foi levado pelos soldados, colonos e funcionrios

    romanos a todas as regies do Imprio Romano. Sujeito a influncias locais de costumes, raas, clima e outros

    fatores, o latim vulgar veio a fracionar se em diferentes dialetos, o que resultou, logo a seguir, nas lnguas

    romnicas.

    O estudo do latim vulgar pode ser feito de duas maneiras. Uma delas a reconstruo lingustica,

    isto , da comparao entre as diferentes lnguas romnicas, observando se as evolues caractersticas de

    cada uma possvel reconstruir o timo latino, ou seja, a forma original comum a todas elas. Outra maneira de

    conhecer o latim vulgar atravs de algumas atestaes escritas como os graffiti de Pompeia, cartas pessoais,

    correo das formas errneas usuais pelos gramticos (Appendix Probi); vulgarismos em obras de

    comedigrafos, por meio da retratao de personagens populares (Satiricon); inscries em lousas

    confeccionadas por artistas plebeus; erros ocasionais dos prprios escritores cultos, principalmente dos

    ltimos tempos (escritores da decadncia romana, escritores pagos). Alguns documentos tambm atestam

    essa variedade do latim: Perigrinatio ad loca sancta (Sancta Aetereae) sc. IV,Mulomediinz Chironis (Tratado

    de veterinria) sc. V, De Architetura Sc. I; De Medicam pecorum sc. IV; Vulgata (Trad. da Bblia por So

    Jernimo); as glosas: espcie de dicionrio (glossrio) para leitura dos autores latinos. As palavras

    desconhecidas do povo aparecem nessas glosas acompanhadas das formas correspondentes semnticas mais

    familiares e tomadas lngua viva da poca.

    Embora se tratasse da mesma lngua, as variedades clssica e vulgar do latim apresentavam

    diferenas na fontica, na morfologia, no lxico e na sintaxe e a presena de caractersticas de uma ou de

    outra variedade atesta a origem das lnguas romnicas.

    importante ressaltar que algumas caractersticas existiam tambm no latim clssico, mas se

    acentuaram no latim vulgar. So algumas das particularidades do latim vulgar em relao ao latim clssico:

    a) Em relao fontica, uma mudana importante foi a perda das oposies de quantidade. O latim

    clssico caracterizava se pela existncia de cinco vogais, sendo que cada uma dessas vogais podia ser

    longa ou breve, e essa distino fonolgica estava aliada a uma diferena no significado das palavras:

    p pulum ( breve) significava povo, enquanto p pulum ( longo) significava choupo; l to (u breve)

    significava lodo enquanto l to (u longo) significava lodo.

    = fechadas

    = abertas

    No latim vulgar, as diferenas de durao foram se associando s de timbre, de modo que o timbre

    passou a ser distintivo e a diferena de durao de na pronncia das vogais desapareceu.

    Eis o quadro comparativo das vogais tnicas no latim clssico e vulgar:

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    Latim clssico Latim vulgar Portugus Exemplos

    ,

    ,

    ,

    a

    (aberto)

    (fechado)

    i

    (aberto)

    (fechado)

    u

    a

    (aberto)

    (fechado)

    i

    (aberto)

    (fechado)

    u

    pr tu > prado; p ce > paz qua > gua; quila > guia

    m lle>mel; n bulam > nvoa

    c ra> cera; p ra > pra

    f lu > fio; r vum > rio

    pr ba > prova; r tam > roda

    am re > amor; b cca>boca

    p ro > puro; sec rum > seguro

    Quadro 1: Quadro comparativo das vogais tnicas no latim clssico e vulgar

    b) Havia, no latim vulgar, uma tendncia para as vogais tonas carem, evitando o uso de palavras

    proparoxtonas, como ocorre nos exemplos a seguir: conducere (latim clssico) > conducere (latim

    vulgar) = conduzir (portugus); alacrem (latim clssico) > alacrem (latim vulgar) > alegre

    (portugus).

    c) No lxico, havia predominncia de uso de vocbulos mais populares e afetivos com sufixos

    diminutivos. Enquanto o latim clssico usava a palavra equus (cavalo de montaria), no sentido de

    cavalo, o latim vulgar preferia utilizar caballus com o mesmo sentido, embora originalmente essa

    palavra tivesse outra significao (cavalo de lavoura). O portugus adotou a palavra cavalo do latim

    vulgar.

    Latim vulgar Latim clssico Portugus

    apprendere discere aprender

    bucca os boca

    casa domus casa

    d) Outra caracterstica do latim vulgar que permaneceu no portugus foi a preferncia pelas palavras

    compostas, no lugar das palavras simples usadas no latim clssico:

    Latim clssico Latim vulgar Portugus

    ovis ovicula ovelha

    spes *sperantia esperana

    cor *coratio corao

    e) Algumas palavras do latim clssico recebiam uma significao especial no latim vulgar:

    parens, parentes: pai ou me ( latim clssico), parentes (latim vulgar)

    viaticum: proviso (latim clssico), viagem (latim vulgar)

    comparare: preparar ( latim clssico), comprar (latim vulgar)

    f) Do ponto de vista morfolgico, o latim clssico caracterizava se por um vasto sistema de flexo

    (cinco declinaes e seis casos) que se reduziram a trs no latim vulgar.

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    g)

    Declinaes Casos

    1 declinao rosa, ros nominativo sujeito e nome predicativo

    2 declinao lupus, lupi vocativo chamamento

    3 declinao ovis, ovis genitivo adj. restritivo

    4 declinao cantus, cantus acusativo objeto direto

    5 declinao dies, diei dativo objeto indireto

    ablativo complemento circunstancial e agente da passiva

    h) Terminao s como marca de nmero plural. O plural portugus originou se do acusativo latino.

    Como o plural dos nomes masculinos e femininos terminava com s em qualquer das declinaes,

    este se tornou o sinal da desinncia do plural: rosas, amicos, amores, fructus, dies.

    i) Decorrente da reduo das declinaes, houve o desaparecimento do gnero neutro e masculino e

    feminino passaram a ser indicados por o e a, respectivamente: caelus (cu), vinus (vinho), fatus

    (fato), do gnero neutro passaram para o masculino), enquanto ligna (linha), opera (obra) milia

    (milha), com tema em a passaram a feminino).

    j) Analitismo: o latim clssico no possua artigos, enquanto o latim vulgar apresentava pronomes

    demonstrativos e o numeral unus com o valor de determinativo (artigo definido e indefinido).

    Latim clssico Latim vulgar Portugus

    liber illu libru ou unu libru o livro ou um livro

    O latim clssico formava os comparativos e superlativos atravs de sufixos, enquanto o latim vulgar

    utilizava formas analticas na formao dos graus dos adjetivos, isto , mediante advrbios magis (na Pennsula

    Ibrica e na Romnia) e plus (na Glia e na Itlia) antepostos ao adjetivo. A forma passiva sinttica do

    comparativo e superlativo do latim clssico desapareceu, surgindo no latim vulgar a forma analtica ou

    composta.

    Latim clssico Latim vulgar Portugus

    dulcior magis ( plus) dulce mais doce

    dulcissimus multu dulce muito doce (dulcssimo)

    Do mesmo modo, nos verbos, as formas simples substitudas por formas perifrsticas:

    cantabo>cantare habeo;

    k) Na sintaxe, havia liberdade de colocao das palavras na frase, com tendncia ordem inversa. A

    frase portuguesa Deus ama o homem poderia ser dita em latim clssico das seguintes maneiras:

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    Deus hominem diligit.

    Hominem diligit Deus.

    Diligit Deus hominem.

    Hominem Deus diligit.

    l) Enquanto no latim clssico as preposies eram poucas, o latim vulgar usava as com maior

    frequncia, como consequncia da reduo dos casos.

    Petri liber (latim clssico) Liber de Petro (latim vulgar)

    Como resultado desses traos acima, o latim clssico era uma lngua sinttica, enquanto o latim

    vulgar era analtico. Muitas dessas caractersticas apresentadas foram herdadas nas lnguas romnicas.

    Alm de latim clssico e vulgar, havia outras modalidades do latim, como o baixo latim,

    intermedirio entre o clssico e o vulgar. Nessa variante foram escritos os trechos bblicos e em que foi

    divulgada a doutrina crist. A variante familiar era usada nas conversaes e nas cartas das pessoas instrudas.

    Diversos autores, como Leite de Vasconcelos, Ismael Coutinho e Carolina Michelis, estabelecem o

    sculo IX como o estgio de definio do romano galaico portugus, lngua corrente, falada a princpio na

    regio noroeste da Pennsula Ibrica e levada, depois, com o movimento da Reconquista, para o sul.

    Nessa poca, documentos escritos em latim brbaro atestam a existncia de palavras e expresses

    do romano galaico portugus, apenas falado: estrata (estrada, lat. via), conelio (coelho, lat. cuniculum),

    artigulo (artigo, lat articulum), ovelia (ovelha, lat. ovicula). So documentos pblicos, testamentos, doaes,

    contratos de compra e venda e tambm documentos jurdicos, como cartas, leis forais, inquiries sobre

    propriedades, todos escritos em cartrios, naquele latim brbaro, tabelionrio, pretensiosamente gramatical,

    mas, na verdade, estropiado, inorgnico, mistura de formulrios tabelinicos com locues e vocbulos do

    romano, numa forma pseudolatina. Vejamos um testamento escrito em 1177, em que Dona Urraca Pedro

    deixa alguns bens Igreja do antigo Mosteiro de So Salvador do Souto, localizada em Braga, Guimares,

    Souto.

    Mando ego Horraca Petri meum corpus ad monasterium Sancti Salvatoris de Sauto et ipsum meum casalem de Rial integrum

    cum omnibus que ad illum pertinent, in quo moravit Menendus Luz, et meum lectum cum almuzala et cum mea manta nova.

    Ad Mariam Pelagiz I ovelia, I capra et II quartarios de pan et I arca et I telega de pan in quocumque anno, donec habeat

    virum. Mando ut Petrus Pelagiz teneat in vita sua ipsas casas in quibus morat. Ad Petrum Gunsalviz, meum abbatem, I ovelia

    et I capra. Ad gafos de Vimarais et de Bragaa et de Barcelos singulas telegas. Ad Sanctum Martinum de Candaosu II

    morabitinos de hereditate de Portela de Lectes.

    Em portugus de hoje:

  • LETRAS | 124

    Eu, Urraca Pedro, lego ao mosteiro de So Salvador do Souto o meu corpo e o meu prprio casal, completo e com tudo o que

    lhe pertence, no qual morou Mendo Luz, e bem assim o meu leito com a coberta e a minha manta nova. A Maria Plgia deixo

    1 ovelha e uma cabra com a sua cria. A Maria, filha de Pedro Calvo, 1 ovelha, e 1 cabra e 2 quarteiros de po ( cerca de 32

    alqueires) e 1 arca e 1 teiga de po todos os anos, at que se case. Ordeno que Pedro Pelgio viva at morte nas prprias

    casas em que mora. A Pedro Gonalves, meu abade, deixo 1 ovelha e 1 cabra. Aos gafos (leprosos) de Guimares, de Braga e

    de Barcelos deixo 1 teiga (antiga medida de cereais) a cada. A S. Martinho de Candosa 2 morabitinos ( antiga moeda gtica)

    da herana da Portela de Leites.

    Do ponto de vista lingustico, algumas das principais mudanas que ocorreram no latim falado

    poca do Imprio estendem se s demais lnguas romnicas; outras so exclusivas do portugus. At o fim do

    perodo imperial, o latim falado no Oeste da Pennsula Ibrica conhece as evolues gerais do mundo romano;

    posteriormente, vai adquirindo caractersticas prprias. Acentuaram se as caractersticas distintivas dos

    romances peninsulares:

    a) Algumas das principais transformaes do latim imperial da pennsula ibrica aos falares romnicos,

    a) Generalizao do acento de intensidade e perda da oposio quantitativa das vogais: regin (nom. e

    voc.) regin (abl.) > regina (rainha); m lum (mal), m lum (ma)

    b) Monotongao de e: clum> cu;

    c) Sncope das vogais mediais (tendncia a evitar proparoxtonas): oc lum>oclu= olho; cal dum > caldu

    = caldo.

    d) Consonantizao de semivogais latinas I e U: iocu > jogo; uacca > vaca

    e) Sonorizao das consoantes surdas: l pu > lobo (influncia dos germnicos);

    f) Palatalizao dos grupos ce, ci, ge, gi, ly, le, ni, ss: ciuit tem (cidade); centum (cento > cem); regina

    (rainha); frigidum (frio); pretium (preo); platea (praa) , hodie (hoje); vdeo (vejo); facio (fao);

    spongia (esponja), seniorem (senhor); teneo (tenho); filium (filho); r ss um (roxo)

    g) Queda do n antes de s: ansa (asa)

    h) Evoluo do grupo consonantal ci (port.>lh; cast. >j): auric la> orecla> orelha (portugus) e >oreja

    (castelhano)

    i) Evoluo do grupo ct (port.>it; cast.>ch): nocte > *noyte > noite (portugus) e > noche (castelhano)

    j) Ditongao/no ditongao de , (port. e, o; cast. > eu, uo)

    EXERCCIOS

    1) Sabe se que o chamado latim vulgar era uma lngua viva, essencialmente falada ao longo dos sculos nas diferentes regies

    do Imprio Romano, questiona se:

    a. De que maneira podemos conhecer esse latim?

    b. Em que se distinguia do latim literrio?

    2) Apresente evidncias lexicais que confirmem a afirmao: no latim vulgar que tm origem as lnguas romnicas.

    (CARDEIRA 2006, p. 21).

    3) Quais as aes dos romanos para impor sua cultura e sua lngua aos territrios conquistados? Cite duas delas.

    4) Escolha duas alternativas abaixo, explicando se as afirmativas so verdadeiras ou falsas e justifique sua resposta.

    a. Durante as conquistas, nos territrios ocupados por Roma, a lngua latina foi imediatamente adotada pelos

    vencidos.

  • LETRAS | 125

    b. As caractersticas distintivas dos romances se acentuaram de maneira mais acentuada durante o domnio dos

    rabes.

    c. Os rabes conseguiram dominar a Pennsula Ibrica no s politicamente, como tambm lingisticamente.

    d. Podemos afirmar que o Latim Clssico e o Latim Vulgar eram duas lnguas distintas.

    e. Quando os brbaros invadiram a Pennsula Ibrica, impuseram sua lngua como oficial da regio.

    5) Explique de que modo a Reconquista contribuiu para a expanso do galego portugus em territrio portugus.

    6) Explique a origem do morfema a como caracterstica do feminino em portugus.

    7) Fale sobre a invaso dos rabes na Pennsula Ibrica, focalizando:

    O aspecto lingstico;

    O aspecto cultural;

    O perodo de abrangncia;

    A relao dos mouros com os peninsulares.

  • LETRAS | 126

    UNIDADE II

    O GALEGO-PORTUGUS AO PORTUGUS MODERNO: origens, caractersticas e expanso

    Os fatos histricos

    Aps a batalha de So Mamede, Dom Afonso Henriques proclama se como primeiro rei de Portugal,

    define se a fronteira ao norte e o reino portugus separa se da Galiza. Portugal vai estendendo os limites do

    reino de Portugal atravs de lutas contra os rabes. A expanso territorial amplia se em direo ao sul com a

    Tomada de Faro, 1249 e, finalmente, com a conquista do Algarve, fixam se os limites atuais de Portugal.

    medida que o territrio portugus se desenvolve em direo ao sul, os territrios ocupados passam a ser

    habitados por colonos do norte, que trazem consigo o galego portugus. A capital do reino se desloca de

    Guimares, (Afonso I), para Coimbra (libertada em 1064) at fixar se em Lisboa (Afonso III, 1255).

    Aclamao de Afonso Henriques

    Na Pennsula Ibrica, vocbulos das diferentes lnguas preexistentes ao latim incorporaram se ao

    vocabulrio latino. No perodo iniciado a partir do sculo V, termos germnicos e rabes incorporaram se ao

    vocabulrio latino. Esse fato tornou bastante inovadora a variedade do latim vulgar levado para o noroeste da

    Pennsula, conhecido como latim Lusitnico. A partir do incio do sculo IX, ocorre a grande diferenciao do

  • LETRAS | 127

    latim na multiciplicidade de falares, os Romanos (ou romances), denominao dada aos idiomas de transio

    entre o latim e as lnguas romnicas, incluindo o Portugus.

    Ao se separar da Galiza, Portugal foi estendendo os seus limites atravs de lutas contra os rabes e,

    com a conquista do Algarve, fixou os limites atuais de Portugal. O romano galego portugus, tambm

    conhecido como galaico portugus ou portugus antigo, consolidou se como lngua falada e escrita da

    Lusitnia. Simultaneamente ao avano dos cristos para o sul, os dialetos do norte interagem com os dialetos

    morabes do sul, comeando o processo de diferenciao do portugus em relao ao galego portugus. A

    separao entre o galego e o portugus, que comeou com a independncia de Portugal (1185), vem se

    efetivar com a expulso dos mouros em 1249 e com a derrota em 1385 dos castelhanos que tentaram anexar

    o pas. O galego absorvido pela unidade castelhana e o portugus tornando se lngua nacional de Portugal.

    As primeiras palavras portuguesas surgem por volta do sc. IX, em peas de utilidades, documentos,

    ou em monumentos. Em galego portugus so escritos os primeiros documentos oficiais e textos literrios no

    latinos da regio. Vejamos.

    Os documentos no portugus antigo comeam a surgir por volta do sculo XIII, no incio do reinado

    de D. Dinis, quando a chancelaria rgia adota o portugus como lngua escrita. Trazem uma lngua mais

    espontnea e diversificada que a dos Cancioneiros; muitos apresentam influncia de lnguas do norte (leons),

    fato explicvel por serem desertas as terras reconquistadas e repovoadas por colonos vindos da Galiza. Outros

    documentos do testemunho como o Testamento de Afonso II e a Notcia de Torto, de 1214, alm de

    testamentos, ttulos de venda, foros.

    A poesia lrica floresce entre finais do sculo XIII a meados do sculo XIV. Escritas em galego

    portugus, as cantigas foram conservadas em compilaes, como os cancioneiros (coletneas de poemas

    medievais), alm das cantigas de Santa Maria:

    Cancioneiro da Ajuda organizado ao tempo dos trovadores (copiado em fins do sculo XIII ou

    princpios do sculo XIV na poca ainda no havia imprensa), mais antigo cdice de poesia profana,

    menos rico quanto ao nmero de textos conservados; Cancioneiro da Ajuda . Encontra se na Biblioteca

    da Ajuda, em Lisboa. Das suas 310 cantigas, quase todas so de amor.

    Cancioneiro da Vaticana copiado na Itlia, provavelmente nos primeiros anos do sculo XVI. Entre

    as suas 1.205 cantigas, h composies de todos os gneros.

    Cancioneiro da Biblioteca Nacional de Lisboa (antigo Colocci Brancuti) copiado na Itlia,

    provavelmente nos primeiros anos do sculo XVI. Descoberto em 1878, na biblioteca do conde Paulo

    Brancutti do Cagli, em Ancona, foi adquirido pela Biblioteca Nacional de Lisboa, onde se encontra desde

    1924. Entre as suas 1.664 cantigas, h composies de todos os gneros.

    Cantigas de Santa Maria de Afonso X, o sbio (1221 1284), rei de Castela e de Leo a partir de

    1252; escritas numa lngua complexa baseada nos falares da Galiza e no norte de Portugal: presena de

    arcasmos, autores galegos e portugueses e at leoneses e castelhanos.

  • LETRAS | 128

    Nos cancioneiros, as poesias coletadas encontram se em trs categorias: Cantigas damigo poemas

    de amor, por vezes com traos populares, em que fala a mulher; so inspiradas nas muwaahas, poemas dos

    sculos XI e XII, escritos em hebraico ou em rabe; Cantigas damor poemas mais eruditos, de frequente

    inspirao provenal, nos quais o homem quem fala e, finalmente, Cantigas descarnho e de maldizer

    poemas satricos, no raro extremamente grosseiros.

    A cantiga a seguir, a Cantiga da Ribeirinha, de Paio Soares de Taveirs de Paio Soares de Taveirs,

    considerada um dos mais antigo texto escritos em galego portugus (1189 ou 1198). Foi dedicada a D. Maria

    Paes Ribeiro, apelidada "A Ribeirinha", amante do rei D. Sancho I. Pertence ao Cancioneiro da Ajuda.

    "No mundo nom me sei parelha,

    mentre me for' como me vai,

    ca ja moiro por vos e ai

    mia senhor branca e vermelha,

    queredes que vos retraia

    quando vos eu vi em saia!

    Mao dia que me levantei,

    que vos enton nom vi fea! "

    "E, mia senhor, des aquel di' , ai! me

    foi a mim muin mal,

    e vs, filha de don Paai

    Moniz, e ben vos semelha

    d'aver eu por vs guarvaia,

    pois eu, mia senhor, d'alfaia nunca

    de vs ouve nem ei

    valia d'ua correa".

    Parelha: do latim paricula (coisa alguma, semelhante)

    Mentre: conj. temporal (enquanto)

    Ca: do latim quia>ca. Significa porque. Moiro: Depoente de orio>moiro;

    Mia > m a>minha

    Queredes> quereis; Retraia: latim retrahere>retrair= retratar, recordar

    fea: do latim foeda no vi feia (Litote Ele a viu linda)

    Senhor: senhora

    Muin: do latim multu>muito

    E...semelha: O sentido e a vs bem vos parece

    guarvaya: pea de vesturio, capa, manto

    Dalfaia do rabe: bens de valor. Aqui significa de valioso, de precioso

    Valia dua Correa =sem valor

    No mundo ningum se assemelha a mim / enquanto a minha vida continuar como vai / porque morro por ti e ai / minha senhora de

    pele alva e faces rosadas, / quereis que eu vos descreva (retrate) / quanto eu vos vi sem manto (saia: roupa ntima) / Maldito dia! me

    levantei / que no vos vi feia (ou seja, viu a mais bela).

    E, minha senhora, desde aquele dia, ai / tudo me foi muito mal / e vs, filha de don Pai / Moniz, e bem vos parece / de ter eu por vs

    guarvaia (guarvaia: roupas luxuosas) / pois eu, minha senhora, como mimo (ou prova de amor) de vs nunca recebi / algo, mesmo que

    sem valor.

  • Vejamo

    portugus.

    Caracterstic

    No

    decorrendo

    simples do

    uma ideia, n

    eram ditado

    En'o notem teme(us)mia modeu enq(ue) esemmefilio bar

    glossrio

    os a seguir o

    O texto de

    cas do galeg

    o galego po

    o da grafias

    alfabeto lati

    nas cortes, a

    os para serem

    ome de Deue o dia de mfilios e de molier e me(upoder steni da raina del, o maior fr n ouuer

    Tem te: tem

    Saude: salva

    Molier: (lat.M

    a proe: (lat.p

    o Testamento

    e 27 de junho

    o-portugus

    ortugus, a

    diferentes p

    ino (menos o

    as cantigas er

    m copiados.

    s. Eu rei donmia morte, ame(us) uassus) filios e men paz e en

    dona Orracafilio q(ue) ourmos, a mai

    mendo

    o

    Muliere) mulh

    prode>proe) p

    Figura

    o de d. Afon

    o de 1214.

    grafia era

    para as mesm

    o k) e as gem

    ram recitada

    n Afonso pea saude de msalos e de tomeu reino e mn folgcia. Pa agia meu ruuer da rainior filia q(ue

    her

    roveito

    4 Testamento de

    nso II (sc. XI

    essencialm

    mas palavras

    minadas ss e

    as; nas orden

    ela gracia dmia alma e aodo meu reime(us) uassP(ri)meiramreino entegna dona Orre) ouuuerm

    li

    e D. Afonso II

    II), o primeir

    ente fonti

    s. O portugu

    rr. A lngua

    ns religiosas,

    e Deus rei da proe de mino fiz mia msalos e toda

    m(en)te mdg(ra)m(en)teraca agia oos agia'o ...

    glossrio md

    sten

    folgtran

    semdes

    L

    ro documen

    ca, com ra

    s arcaico u

    era escrita p

    a leitura era

    de Portugal,mia molier ramda p(er)as aq(ue)lasdo q(ue) meue e en paz. Ereino enteg.

    da: testament

    n: (de estare>

    gcia: (lat. follnquilidade

    mel: (lat. semincendncia

    LETRAS | 12

    to real datad

    aras escritas

    tilizava alfab

    para ser ouv

    a feita oralm

    , seendo sanaina dona Oq(ue) de/pos cousas q(uu filio infanE ssi este forgram(en)te

    to

    stent) estejam

    licare) descan

    nem) semente

    29

    do e escrito

    s etimolgic

    beto com let

    vida. Para se

    mente e os liv

    no e saluo,Orraca e deos mia mortue) De(us) mte don Sancr/morto sene en paz. E

    m

    so,

    e,

    em

    cas,

    tras

    ter

    vros

    temichonssi

  • LETRAS | 130

    1. A partir da segunda metade do sculo XIII, observou se o estabelecimento de certas tradies grficas.

    a) Uso de ch para a africada [t], consoante diferente do [] ao qual se aplica a grafia x: Sancho, chus. Observa se a distino de

    sons s e , s (intervoclico) e z, ch e x;

    ex.: ch soava como tch: chuva (tchuva)

    z soava como dz: cozer (codzer)

    x soava como ch: luxo > luxo

    soava como ts: pao (patso)

    b) Uso da grafia das grafias de origem provenal nh e lh para o [n] palatal e o [l] palatal s comeam a ser usadas a partir de

    1250: gaanhar, velha;

    c) Uso do til (~) como sinal de nasalizao das vogais, alm do uso da consoante nasal: raz, razom, razon;

    d) confuso entre as grafias (indistino entre i u, e j v)

    e) emprego arbitrrio do y;

    f) troca do nn por nh e l por lh;

    g) sonorizao do t em d;

    h) juno, separao e abreviao de palavras.

    i) emprego de r simples com valor de geminado:

    ex.: barete (barrete); tera (terra)

    j) emprego do ss com som de z:

    ex.: conssa

    k) emprego de li por lh e ni por nh:

    ex.:filia (filha), tenio (tenho)

    l) emprego de e no lugar de i quando se seguia um o:

    ex.: peor (pior)

    m) o o surdo grafava se u

    ex.: pudiam

    n) como g (brando) soava o i ou o j:

    ex.: traie

    o) o h inicial comumente no se grafava:

    ex.: omem, aver, omilde

    p) eram de uso muito frequente as palavras iniciadas por grupos consonantais:

    ex.: smeralda, spargir, star

    q) o x, quando no final do vocbulo, tinha o som de eis:

    ex.: sex (seis), lex (leis), rex (reis)

    r) o u representava o v no comeo ou no meio da palavra:

    ex.: uez (vez), caualgar (cavalgar)

    2. Da perspectiva fontica, observou se a criao de fonemas novos do galego portugus

    a) /ts/ cidade, cem, preo, praa, fao (hoje /s/);

    b) /dz/ prezar (hoje /z/);

    c) /d/ gente, hoje, vejo, esponja (hoje //);

    d) // roxo (ssy; sse) sem modo no port. Moderno);

    e) /lh/ filho;

    f) /nh/ senhor, tenho (sem mod. no port. Moderno).

  • LETRAS | 131

    3. Abundncia de sequncias hiticas resultantes da sncope das oclusivas sonoras e de N e L intervoclicos.

    Ex. vidi> vi i, solo> so o, tela> te a, vinu> v o, manu>m o.

    4. As terminaes latinas ANU, ANE, ANT, ONE e UNT evoluram para ao, e .

    SINGULAR

    ANTIGO

    PLURAL

    ANTIGO

    SINGULAR

    MODERNO

    PLURAL

    MODERNO

    MANU Mo Mos Mo Mos

    PANE P Pes Po Pes

    CORATIONE cora coraes Corao coraes

    5. Na morfologia e na sintaxe, observam se as seguintes caractersticas

    a) inmeros substantivos e adjetivos com a terminao on que corresponde hoje a o:

    ex:. perdion, coraon

    b) grafia e pronncia de vogais que hoje so craseadas:

    ex.:creer, leer, poer, teer, meestre, doer, coor

    c) formas verbais com terminao om corresponde a ao:

    ex.: vierom, matarom

    d) formas terminadas em eo que hoje corresponde a eio

    ex.: creo, meo, veo, feo

    e) desinncia da 2 pessoa do plural em des

    ex.: amades, devedes, credes,

    f) particpios verbais em eito correspondentes aos terminados em ido

    ex.: colheito ( colhido) coseito, maltreito, (maltratado)

    g) particpios em eso tambm correspondentes aos terminados em ido.

    ex.: defeso ( defendido), ofeso ( ofendido)

    h) particpios em udo igualmente correspondentes aos terminados em ido

    ex.: correspondudo, mantedo, sabudo, entendudo, prendudo

    i) verbos terminados em er correspondentes hoje aos terminados em ir

    ex.: confunder, caer

    j) emprego de formas pronominais hoje completamente fora de uso

    ex.: al ( outra coisa), aquello ( aquilo), aquesto ( isto),

    k) nomes terminados em nte, or, e s uniformes quanto ao gnero. Constituam excees as palavras corts e monts,

    que eram biformes:

    ex. : senhor (masc. e fem.) lngua portugus, a infante

    l) flexo de nmero: muitos hoje invariveis eram flexionados antigamente.

    ex. ourvezes, alferezes

    m) mudana de gnero:

    ex.: fim, mar planeta e cometa eram femininos; tribo, coragem e linguagem eram masculinos

    n) tempos verbais hoje inteiramente desconhecidos

    ex.: como teve feita a petion

    o) particpios presentes no desempenho de sua funo prpria.

    ex.: ao mercador ali distante, (estando)

  • LETRAS | 132

    p) e assim tambm se empregavam as formas:

    amante, regente, agente, ouvinte

    q) particpio passado da ativa, concordando com o objeto direto.

    ex.: como se no a tiveramerecida

    r) pleonasmos nas frases negativas:

    ex.: aquela nocte toda nenh a irm non dormyo...

    s) emprego da preposio para assinalar ideia de partitivo:

    t) passiva pronominal com agente expresso:

    ex.: cada dia se negavam nesta casa per as irms solteiros e outras coisas.

    u) nomes terminados por l : o lmantm se no singular, mas cai no plural:

    ex.: sinal sinaes

    cruel cruees

    v) quando o sujeito era um coletino no plural, o verbo podia estar no singular:

    ex.: e hi moreo grandes gentes

    w) infinitivo regido de preposio, aps certos verbos quer transitivos quer intransitivos:

    ex.: e comearom de fugir

    comeou hir em pos ella

    outro caminho conven a buscar

    x) as formas tnicas dos pronomes pessoais: mi ou mim, ti, si, ns, vs, e ainda ele, eles e elas podiam ter a funo de objeto

    direto

    ex.: quem vus ouve, min ouve.

    E Judas dezia a Josef que tomasse ele per servo.

    y) oraes interrogativas diretas e indiretas podiam principiar pelo pronome cujo.

    Ex.: Cujo filho s?

    Do ponto de vista lexical, observam se as particularidades a seguir:

    a) emprego da palavra homem com sentido de algum

    b) emprego de muitos vocbulos desusados nas pocas subsequentes e hoje totalmente desaparecidos:

    ex.: doma (semana) ardileza (valentia)

    fuiza (confiana) esguardar (olhar)

    dultar (recear) pestinena (peste)

    dividos(parentes) lavrar (costurar)

    aficar (teimar) leixar (deixar)

    c) emprego de termos hoje completamente desaparecidos: ex. asinha (depressa), ende (inde da, disso), mentre

    (enquanto), per (porisso), est (esteja), trouve (trouxe),

    Do portugus Mdio ao Clssico

    No comeo do sculo XV, outras mudanas ocorrem na nao portuguesa. Acontecimentos como a

    crise da dinastia, a depresso econmica, o declnio das zonas rurais e o crescimento da burguesia urbana

    somam se peste, a fome e a guerra que devastou a Europa.

  • LETRAS | 133

    Ao morrer D. Fernando I, da Dinastia de Borgonha, descendente de Dom Afonso Henriques, sua nica

    filha D. Beatriz deveria suced lo. D. Beatriz, ainda criana, casara se com o rei de Castela, encerrando vrios

    conflitos contra aquele reino. D. Leonor Teles, a viva de D. Fernando, passou a governar o reino como

    regente at que um filho de D. Beatriz completasse 14 anos, e viesse reinar pessoalmente em Portugal. Isso

    provocou revoltas populares e apoio dos burgueses ao Mestre de Avis contra a antiga nobreza que apoiava

    Castela. Na Batalha de Aljubarrota, em 14 de agosto de 1384, D. Joo I, o Mestre de Avis aclamado rei de

    Portugal, dando origem a uma nova dinastia.

    H necessidade de afirmao nacional e de consolidao da nova monarquia. A Casa de Avis

    promove o surgimento de inovaes sociais e culturais em Portugal, como a criao de escolas e bibliotecas, a

    contratao de escrives, letrados e professores nas cortes e residncias dos burgueses mais ricos. So criadas

    algumas instituies, como o Mosteiro de Alcobaa e o Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, que

    desempenham importante papel cultural.

    Os deslocamentos da Universidade em Lisboa (1288/1290) no eixo Lisboa Coimbra e, definitivamente

    em Coimbra (1537), alm da residncia do rei em Lisboa tornam essa regio, antes morabe, o eixo do

    domnio da lngua portuguesa. As inovaes que surgem na lngua portuguesa apresentam caractersticas do

    sul e se constituem a norma a ser seguida e Lisboa torna se modelo urbano e lingustico. A linguagem vulgar,

    ou seja, o portugus, estende se a todos os ramos do pensamento.

    A literatura passa a envolver outras reas, alm da esfera eclesistica, embora os mosteiros de Santa

    Cruz de Coimbra e de Alcobaa ainda se mantenham como centros de cultura. Na literatura, os nobres

    valorizam a cultura e interessam se pela traduo e pela leitura de novelas de cavalaria. Dom Joo promoveu a

    Traduo do Novo Testamento e escreveu o Livro de Montaria, que trata da caa ao javali, o Livro das horas de

    Santa Maria, os Salmos certos para finados. D. Duarte (o Rei Eloquente, rei Filsofo), filho de D. Joo I

    escreveu o Leal Conselheiro e o Livro da Ensinana de Bem Cavalgar Toda

    Sella e incentivou a expanso de Portugal e a explorao martima. D.

    Henrique, o Navegante, durante o reinado de D. Duarte, seu irmo,

    estabeleceu se na vila martima de Sagres para dirigir as navegaes. Ele

    escreveu um pequeno tratado de teologia. D. Pedro, escreveu o Livro da

    virtuosa benfeitoria. Nesse tempo, a historiografia florescimento e cria se o

    cargo de cronista mor do reino (Ferno Lopes).

    No final do sculo XIV, tem incio o desenvolvimento da prosa

    literria em portugus, com a Crnica Geral de Espanha (1344), redigida por

    ordem de Afonso X, o Sbio, e o Livro de Linhagens, de dom Pedro, conde

    de Barcelos. Extinta a escola literria galego portuguesa, uma nova

    atividade potica, a poesia palaciana, surge na corte, paralelamente

    prosa. A composio das obras em lngua portuguesa deixa o latim limitado a tratados de filosofia, teologia ou

    cientficos.

    Figura 5 D. Joo I, o Mestre de Avis

  • LETRAS | 134

    Entre os sculos XIV e XVI, o imprio portugus de ultramar foi construdo. No sculo XIV, os

    portugueses j haviam descoberto os arquiplagos de Madeira e dos Aores, colonizando os no sculo

    seguinte. Em 1415, aconteceu a Tomada de Ceuta. Em 1488, Bartolomeu Dias dobrou o Cabo da Boa

    Esperana, Vasco da Gama chegou ndia em 1498 e, em 1500, aconteceu o Descobrimento do Brasil e de

    outras regies em Malaca, China e Japo.

    Em consequncia dos descobrimentos e das conquistas ultramarinas, a lngua portuguesa recebeu

    influncias das lnguas dos locais para onde foi levada. Alm disso, Portugal passou a ser a ponte entre a

    Europa e a novas culturas, novas gentes, lugares e animais exticos. Essas descobertas acabaram por se refletir

    no ingresso ao vocabulrio de novos termos, como jangada, de origem malaia, e ch, de origem chinesa, entre

    outros. Por outro lado, a lngua portuguesa deixou marcas em outros idiomas, como: no malaio encontram se

    as palavras kadera (de cadeira), kamija (camisa); no japons, furasuko (frasco), bisukettu (biscoito); no

    quicongo (lngua da frica), kesu (queijo), lozo (arroz). Por outro lado, com o Renascimento, cresceu o nmero

    de italianismos e palavras eruditas derivadas das gregas, como consequncia de uma crescente valorizao aos

    modelos gregos e latinos.

    O surgimento da imprensa permitiu maior difuso e acessibilidade de livros e, como consequncia, o

    aumento da produo literria. Seguiu se um perodo de normalizao e elaborao da lngua portuguesa,

    centrada no eixo centro meridional: caractersticas lingusticas arcaicas se extinguiram e mudanas lingusticas

    iniciadas nos sculos anteriores se concretizaram.

    Vejamos a seguir um trecho do Livro de Esopo, do Sc.XIV, comentado pelo fillogo Sousa da Silveira,

    publicado pela Revista de Lngua Portuguesa em 1921.

    Conta se que no tempo do inverno una serpente mui

    fremosa (1) jazia a riba (2) duna auga (3) corrente e jazia

    tanto (4) fria con o regelado, que non sabia de si parte. (5)

    E unu vilo, (6) passando per (7) o dito ribeiro, vio a dita

    serpente muito fremosa con muitas diversas colores (8) e

    ouve doo (9) dela, por que a via assi (10) morta de frio, e

    tomou a e meteu a no seo (11). E levou a a sua casa e

    mandou fazer (12) mui grande fogo e tirou a serpente do

    seo (11) e pose a (13) acerca dele e aqueentava (14)a o

    milhor (15) que ele podia, e, quando a serpente foi (16)

    bem queente (14), vio se poderosa e levantou se em pee

    (17) contra o vilo, deitando contra ele peonha (18) pela boca (19), e queria o morder. E o vilo,

    veendo (20) esto (21), fez quanto pde, ataa (22) que a lanou fra de casa con gran trabalho.

    En aquesta (23) estoria (24) o doutor nus (25) ensina que non devemos ajudar os maos omenes (26)

    quando os veemos (20) en algunus perigoos (27), por que, se algunu ben lhe fazemos, sempre deles

    averemos maos merecimentos, como fez esta coobra (28), que deu mao galardon aaquel (29) que a

    livrou do perigoo da morte.

    Figura 6 Viagens de Vasco da Gama

  • LETRAS | 135

    Comentrio

    (1) fremoso = fermoso, do lat. formosu.

    (2) riba < lat. ripa. Significa margem; a riba = margem, ao lado, ao p

    (3) auga < lat. aqua; auga = gua.

    (4) tanto: forma plena; a contracta to que hoje se empregaria aqui.

    (5) non sabia de si parte = no dava acordo de si.

    (6) vilo < villanu; sign. habitante de vila, campons.

    (7) per, preposio = por.

    (8) colores = cores. A conservao do l intervoclico mostra que a palavra um latinismo, ou, talvez,

    castelhanismo.

    (9) doo = d (pena, compaixo). Ouve (= houve) doo = teve pena.

    (10) assi = assim.

    (11) seo (=seio); do lat. Sinu.

    (12) fazer, forma activa, mas significao passiva: ser feito.

    (13) pose (= ps, v. pr); pose a = p la.

    (14) aqueentava = aquentava; observa se aqui o hiato ee resultante de queda de consoante

    intervoclica. O lat. calere = estar quente; o radical cal v se em calor, clido, caldeira, rescaldo,

    escaldar.

    (15) milhor, forma antiga = melhor.

    (16) foi (= ficou).

    (17) pee (< pede) = p; levantou se em pee = levantou se, ergueu se, aprumou se; contrape se ideia

    acima expressa por jazia e sem saber de si parte: h pouco era uma coisa inerte, dcil, inteiramente sem

    vontade; agora j se levanta, j mostra a sua inteno perversa.

    (18) peonha = veneno. Em latim h o verbo potare (= beber), cujo radical pot se mostra no adj. port.

    potvel (gua potvel, isto , boa para beber). O subst. lat. potio, potionis = aco de beber, bebida,

    beberagem medicinal, bebida com veneno; potione > poo (= beberagem medicinal).

    (19) boca < lat. bucca.

    (20) veendo = vendo. videre > veer > ver.

    (21) esto = isto.

    (22) ataa = at.

    (23) aquesta = esta.

    (24) estoria = histria.

    (25) nus = nos.

    (26) omenes = homens; forma normal tirada do plural homines (hmenes).

    (27) Do lat. periculu > pergoo > perigo.

    (28) coobra = cobra; do lat. colubra.

    (29) aaquel = quele.

  • LETRAS | 136

    Evoluo fontica do portugus europeu do perodo Mdio ao Clssico

    a) Reduo do sistema das africadas. No sistema arcaico, em que as apicais eram fricativas e as dentais

    africadas, a correspondncia entre grafia e etimologia era quase sistemtica. Mas o sistema evolui no sentido

    do desafricamento e, quando as dentais perdem o elemento oclusivo inicial,a distino torna se menos clara.

    b) Eliminao dos encontros voclicos

    Desenvolvimento de uma consoante entre duas vogais: Ex.: sardina>sard a>sardinha

    Contrao das duas vogais numa vogal nica: Ex.: lana> l a>l

    Contrao de duas vogais orais num ditongo oral: Ex.: credo> cre o>creio

    Contrao de uma vogal nasal e de uma vogal oral em ditongo nasal: Ex.: senu>s o: seio

    c) Encontros voclicos provindos da queda de d nas desinncias verbais (2 pessoa do plural): amades>

    ama es>amais

    d) Sistema de reduo das consoantes sibilantes. No Portugus Antigo, as sibilantes surdas e sonoras

    apicoalveolares, herdadas do sistema latino eram grafadas [s,ss] e se opunham s predorsodentais,

    constitudas por consoante dental [t] ou velar[k] e elemento voclico palatal , a que correspondiam os

    grafemas[c,,z]. Por volta de 1500, as duas africadas /ts/ e /dz/ tinham perdido o seu elemento oclusivo inicial,

    mas a oposio entre os dois pares de fonemas continuava a manter se,porque o seu ponto de articulao no

    era o mesmo. Tnhamos, assim, em posio intervoclica:

    Pre dorsodentais Apico alveolares

    Surdas /s/ escrito c, e c antes de e e i: ex.: pao / / escrito s e ss. ex.: passo

    Sonoras /z/ escrito z: ex.: cozer / / escrito s. ex.:coser

    No final do sculo XVI, o portugus comum reduziu a dois os quatro fonemas, e essa reduo fez se em

    favor das predorsodentais, idnticas as do Frances. Desde ento, os dois fonemas seguintes:

    Uma predorsodental surda /s/; ex.: pao e passo confundidos.

    Uma predorsodental sonora /z/; ex.: cozer e coser confundidos.

    e) Unificao dos substantivos singulares anteriormente em o, an e on: Os nomes portugueses

    terminados em o tm origem em palavras latinas de diferentes terminaes:

    anu > o one > om> o ane > > o udine > om > o

    s manu > mo s leone > leom > leo s cane > c > co s multitudine > multidom > multido

    p manos > mos p leones > lees p canes > ces p multitudines > multides

  • LETRAS | 137

    f) Permanncia da distino entre /b/ e /v/ no portugus comum: bala e vala, cabo e cavo

    g) Pronncia chiante de s e z implosivos. Conforme Paul Teyssier, em geral, no portugus europeu normal

    atual, todos os s e todos os z implosivos ou seja, em posio final de slaba so pronunciados como

    chiantes ([] ou []). A realizao surda ([]) ou sonora ([]) da chiante automaticamente determinada pela

    posio desta consoante, o que significa que se trata de duas realizaes fonticas de um nico fonema. A

    regra de repartio a seguinte: a surda [] em final absoluta (ex.: atrs, uma vez) ou diante de uma

    consoante surda (ex.: vista, faz frio); a sonora [] diante de uma consoante sonora (ex.: mesmo, atrs dele).

    Do portugus Clssico ao Moderno

    A produo escrita ampliou a reflexo sobre a lngua portuguesa, favorecem o surgimento das

    primeiras gramticas do portugus: a Grammatica da linguagem portuguesa de Ferno de Oliveira (1536) e a

    de Joo de Barros, Gramtica da Lngua Portuguesa (1540). Essas gramticas trazem informaes sobre a

    construo das palavras e das frases e servem de fontes para o estudo da lngua atravs de informantes que

    refletem sobre mudanas lingusticas. Esses estudiosos gramticos, lexicgrafos, ortgrafos e os pedagogos

    representam o testemunho direto para o conhecimento da lngua falada, e vem juntar se aos documentos

    literrios e no literrios, e ainda aos dialetos arcaizantes do portugus

    No teatro, ainda no ano de 1536, foi representado o ltimo ato de Gil Vicente (Floresta de enganos),

    que representava a transio entre a cultura e as lnguas medievais e o

    Renascimento, entre o Portugus Mdio e o Clssico, e morria Garcia de

    Resende, tambm representante da literatura pr clssica. A Universidade

    instala se definitivamente em Coimbra, tornando se o foco principal do

    Humanismo portugus. O ensino, em 1555, estava nas mos dos jesutas e o

    desenvolvimento cultural condicionado pela censura. Como podemos ver,

    inmeros e importantes acontecimentos ocorreram neste momento,

    modificando as estruturas culturais portuguesas.

    A lngua j no era encarada apenas como um meio de transmitir

    uma mensagem, mas como objeto de estudo em si. O portugus, ento,

    passou a ser analisado, estudado, descrito em suas caractersticas, atravs

    de cartinhas (cartilhas), vocabulrios, dicionrios e gramticas. Basta citar a

    Ortographia da Lngua Portuguesa de Nunes Leo que, em 1576, j apresentava o betacismo, isto , a

    confuso entre v e b (vs>bos; vosso>bosso; vida>bida), como um trao dialetal, apesar de no fazer parte da

    norma. Em regras que ensinam a Maneira de Escrever a Orthographia da Lingua Portuguesa (1574),

    Magalhes de Gndavo afirma, referindo se reduo do sis/tema de sibilantes do portugus antigo:

    Figura 7 Grammatica da lingoagemportuguesa de Joo de Barros

  • LETRAS | 138

    As letras que se costumam muitas vezes trocar huas por outras, e em que se cometem mais vcios nesta

    nossa linguagem, so estas que se seguem, convem a saber: c,s.z,e isto nace de no saberem muitos a

    diferena que h de h as as outras na pronunciao.

    A viso humanista do mundo chegou a Portugal atravs de S de Miranda, Andr de Resende, entre

    outros. Essa nova viso possibilitou a criao de novos gneros literrios e a utilizao da lngua cada vez mais

    elaborada.

    Alm do interesse lingustico, havia tambm o interesse em divulgar a lngua, em valoriz la e louv

    la como instrumento de consolidao do imprio. O interesse dos gramticos em fixar uma norma da lngua

    para ser ensinada poderia representar o nacionalismo e o ideal unificador e expansionista que vigoravam em

    Portugal.

    No incio do sculo XVI, Portugal havia se transformado em um dos mais prestigiados Estados

    europeus, mas logo as despesas com tornam se maiores que as receitas, decorrentes dos custos em defesa

    imprio, do crescimento da nobreza e da alta burguesia que monopolizavam o comrcio, a importao de

    produtos manufaturados, entre outros fatores. Nesse contexto, a descoberta do ouro no Brasil faz com que

    milhares de portugueses emigrem para a colnia.

    Diversas mudanas lingusticas ocorridas na lngua podem ser encontradas em textos dos sculos XIV

    e XV. A morfologia e a sintaxe da lngua definiram se com as primeiras gramticas, a lngua entrou na sua fase

    clssica do perodo moderno: em Os Lusadas, de Luis de Cames (1572), o portugus j , tanto na estrutura

    da frase quanto na morfologia, muito prximo do atual.

    Nos meados do sculo XV a fins do sculo XVII, Portugal e Espanha se unem em decorrncia de

    casamentos entre reis portugueses e princesas espanholas. Do ponto de vista lingustico e literrio, a

    dominao espanhola resultou em um interesse cada vez maior na lngua e literatura castelhana, permitindo o

    ingresso de inmeros vocbulos castelhanos, entre os quais bobo, bolero, castanhola, caudilho, gado, moreno,

    gal, pandeiro, granizo. Durante esse perodo, muitos autores portugueses so bilngues, entre eles, podemos

    citar Gil Vicente, S de Miranda, Lus de Cames. Ressalte se que esse bilinguismo no era encarado como

    traio para com o seu pas, pelo contrrio, tinha caractersticas bastante peculiares e caracterizava se pela

    presena de lusismos no lxico, na morfologia e na sintaxe.

    Por outro lado, a valorizao ao modelo clssico fez retomar se o modelo frasal latino,

    principalmente a sintaxe, em relao subordinao e ao lxico, inserindo inmeros latinismos no acervo

    vocabular portugus: indmito, arqutipo, hemisfrio. A base lexical do portugus , como j vimos, de origem

    latina, mas foi durante o Renascimento que muitos emprstimos eruditos foram extrados de obras de

    escritores romanos. Por esse caminho que se desenvolveu um processo de derivar palavras do latim literrio,

    em vez de se partir do termo popular portugus correspondente. Como consequncia, h hoje no portugus

    uma srie de adjetivos com radical distinto do respectivo substantivo: ocular / olho, digital / dedo, capilar /

    cabelo, ureo / ouro, pluvial / chuva). Esse processo responsvel pela coexistncia de razes distintas para

    termos do mesmo campo semntico. Em outros casos, ocorreu a substituio de muitos termos populares por

    termos eruditos (palcio / paao, louvar / loar, formoso / fremoso, silncio / seeno, joelho / geolho ).

  • LETRAS | 139

    Ao final do sculo XVII, o portugus uma lngua que se encontra ainda em expanso e com o

    padro lingustico firmado por literatura, gramticas, ortografias e dicionrios. o reflexo das profundas

    transformaes na sociedade e na mentalidade do povo lusitano, moldada pelo Renascimento, pelos

    Descobrimentos e pela Inquisio. Nesse perodo, fixa se o modelo lingustico a norma , ao mesmo tempo

    em que se torna o modelo de uma instituio social, o idioma nacional, representando a expresso do

    sentimento de nacionalidade.

    Vemos, no texto seguinte, um documento de D. Joo III, rei de Portugal. O documento designa D.

    Garcia de Almeida reitor da Universidade. A Universidade de Coimbra, a mais antiga do pas, foi fundada pelo

    rei D. Dinis, com o nome de Estudos Gerais, em 1290, mas s foi definitivamente instalada em Coimbra em

    1537. O contedo do texto perfeitamente inteligvel, apesar de o texto ser do sculo VI.

    Texto: 1537

    1 de maro:

    Eu elRey ffao saber a vos lemtes officiaes e estudantes da vniversidade dos meus estudos de Coimbra

    que eu ey por bem que emquanto no for elegido Reitor para Reger eses estudos seg forma dos

    estatutos delles ou por minha provisam tenha o dito cargo do Rector Dom garia dalmeida noteficovollo

    asy e mandovos que o ajaes por Rector desa vniversidade e lhe obedeaes em todo o que no dito cargo

    de Reitor toca nas cousas do Regimento e governana desa vniversidade somente porquanto no que toca

    aos colegios de sancta cruz entendera o padre frey bras de braga governador do dito mosteiro comprio

    asy posto que esto no pase pela chancelaria amRq da mota o fez em ev ao primeiro dia de maro de

    mil bj XXX bij anos.

    Rey

    O portugus sofreu, do sculo XIV ao XVI, uma srie de transformaes que fixaram a morfologia e a

    sintaxe de tal modo que, da por diante, pouco variaro. Citaremos algumas das transformaes apontadas por

    Teyssier (1994):

    a) A morfologia do nome e do adjetivo absorve as consequncias das evolues fonticas: os plurais

    dos nomes em ao so fixados (tipo mos, ces e lees), assim como o feminino dos adjetivos em ao; ex.:

    so s.

    b) Na morfologia do verbo, os paradigmas simplificam se sob o efeito da analogia.

    c) As primeiras pessoas do tipo senco,meno, aro so substitudas por sinto,minto, ardo.

    d) Os particpios passados em udo da segunda conjugao cedem lugar a ido; ex.: perdudo > perdido.

    e) Plurais dos substantivos e adjetivos em l; ex.: sol, plural sois (escrito ento soes); cruel, plural crueis

    (escrito cruees ou crueis).

    f) Sao eliminadas as formas tonas dos possessivos femininos (ma, ta, sa).

    g) Os anafricos em e (h)i desaparecem como palavras independentes.

    h) O emprego do homem, com o sentido do on Frances, desaparece

    i) durante o mesmo perodo, assim como o partitivo; ex.: quero do po. As duas preposies per e por

    reduzem se a uma nica, por, mas em combinao com o artigo definido e pelo que suplanta polo.

  • LETRAS | 140

    j) A volta ao latim abstinncia, abranger,apropriar, circostancia, circonspecto, encorrer, eficacia,

    entrepretar, evidente,fugitivo, infinito, infruencia, insensibilidade, intelectual, letradura.

    Do perodo clssico ao moderno, o portugus tornou se instrumento de comunicao de mais de

    duzentos milhes de pessoas. A transplantao para outros pases, o contato com outros povos e com outras

    culturas resultou em uma grande diversidade de falares, embora no tenha impedido a intercomunicao

    entre os falantes europeus, africanos, asiticos e americanos.

    O perodo Moderno da lngua portuguesa tem incio sculo XVIII, na periodizao proposta por

    muitos autores atuais. Em Portugal, o espanhol substitudo pelo francs como segunda lngua de cultura. A

    influncia francesa, sentida principalmente em Portugal, fez o portugus metropolitano afastar se do que era

    falado nas colnias.

    Portugal encontrava se dividido entre o Brasil, com suas riquezas agrcolas e minerais, e a Europa,

    com as inovaes tecnolgicas que promoviam o avano do

    conhecimento cientfico.

    Diversas personalidades, como Rafael Bluteau e Lus Antnio

    Verney destacaram se pelo desenvolvimento de mtodos experimentais

    para ensino de portugus e sobre seus estudos sobre a lngua

    portuguesa. Alm disso, possibilitaram as reformas impostas pelo

    Marqus de Pombal. Das reformas pombalinas resultou o avano da

    alfabetizao, o crescimento no nmero de mestres de ler e escrever, a

    fundao de uma tipografia oficial, a Impresso Rgia. Em 1759, a

    Companhia de Jesus foi expulsa de Portugal, encerrando um longo

    perodo de dominao dos jesutas no ensino. Com a expulso dos

    jesutas, foram criados o Colgio dos Nobres, os Estudos Menores e a Academia Real das Cincias.

    O programa do Colgio dos Nobres promovia o ensino de portugus e das lnguas modernas,

    ampliando o interesse de autores como Lus Caetano de Lima, Madureira Feij, Monte Carmelo, Jernimo

    Contador de Argote entre outros, pelas questes gramaticais e ortogrficas. O tema da ortografia dividia se

    entre a tradio grfica, a etimologia e a realidade fontica. A Academia, por sua vez, promove um saber de

    cunho racionalista e apoia a pesquisa cientfica, responsvel pela publicao de documentos medievais

    importantes.

    O crescimento do ensino e da imprensa e o crescimento econmico e demogrfico trouxeram um

    grande empenho no estudo da lngua portuguesa e na fixao e divulgao da norma culta, para o que foi

    eleita a variedade lingustica falada na especialmente na Corte, em Estrematura.

    No sculo XIX, perturbaes polticas e sociais sacudiram a Europa. As invases francesas provocam a

    fuga da corte portuguesa para o Brasil, em 1807, enquanto, em Portugal, os ingleses combatem os franceses.

    Tem incio uma revoluo liberal para recolocar o centro da deciso poltica em Lisboa e instituir um regime

    constitucional, dando incio a uma srie de conflitos que resultar no fim do antigo regime.

    Figura 8 Marqus de Pombal

  • LETRAS | 141

    Intelectuais como Almeida Garret e Alexandre Herculano apoiam a revoluo liberal e se empenham

    na difuso da literatura popular e verdadeiramente nacional. Os jornais e as revistas chegam a um pblico

    cada vez mais vasto, abrangendo toda a classe mdia e, em 1837, em todos os distritos foi criado um Liceu.

    Na segunda metade do sculo XIX, ao ensino da lngua portuguesa alia se o propsito de

    compreender e descrever o funcionamento da lngua, como o trabalho de Adolfo Coelho, A lngua portuguesa.

    A partir de 1880, todos esses estudos so publicados pela Revista Lusitana, que traz um panorama da nova

    cincia da lingustica.

    Em 1911 o governo nomeia uma comisso para estabelecer a ortografia a usar nas publicaes

    oficiais, que tem Gonalves Viana como um dos integrantes da comisso. Nessa reforma desaparecem o grupo

    das consoantes dobradas (abbate=abade/ vacca=vaca/ allgumas=algumas/ flamma=flama) o grupo ph

    (pharmcia= farmcia) e alguns exageros pseudos etimolgicos, j se aproximando da ortografia de hoje.

    A partir dos sculos XIX e XX, ao vocabulrio portugus integram se novos termos de origem latina e

    grega. Em geral, esses termos designam avanos tecnolgicos da poca (como automvel e televiso) e

    termos tcnicos em ingls em ramos como as cincias mdicas e a informtica (por exemplo, check up e

    software).

    Nem sempre o ingresso de novos termos no vocabulrio percebido como algo positivo. O grande

    nmero de novos termos estimula a criao de uma comisso composta por representantes dos pases de

    lngua portuguesa, em 1990, para uniformizar o vocabulrio tcnico e evitar o agravamento do fenmeno de

    introduo de termos diferentes para os mesmos objetos.

    Inovaes fonticas do sculo XIX

    Poucas so as inovaes fonticas na lngua portuguesa, a partir do sculo XIX. Vejamos algumas delas:

    1. [e] > [a] antes de iode ou consoante palatal

    a) ei ([ey]) > [ay] ditongo oral, e em ([ ]) [a ], ditongo nasal que aparece em posio final nas palavras em em ou ens

    (ex.: bem, tem, correm, tens, homens)

    b) [! ] tnico > [a] diante de consoante palatal: ex.: venho ([vanhu]), espelho ([ispalhu]), vejo ([vau])

    2. Pronncia uvular do /r/ forte em Portugal, em registros formais, o r intervoclico brando, como em carro; nas outras

    posies, mesmo em final de slaba no interior da palavra pronunciado [r] (r brando de caro.

    3. Tendncias atuais da evoluo

    No Brasil, para o ditongo ei, como nas palavras lei e primeiro, conserva se a pronncia de [ey] ou algumas vezes monotonga

    se (): lei, primeiro ou primero); em Portugal, esses ditongos tendem a pronunciar se como bem [b ], tem [s ], correm

    [corr ], pronunciam se [a ] e nao [ ].

  • LETRAS | 142

    A lngua portuguesa no mundo

    Como vimos anteriormente, no perodo das grandes Navegaes, a lngua portuguesa foi levada a

    diversos continentes: sia, frica Amrica. H dois aspectos a serem considerados: O mundo lusfono, ou seja,

    o povo que fala portugus, hoje avaliado entre 200 e 240 milhes de pessoas. O portugus a oitava lngua

    mais falada do planeta, terceira entre as lnguas ocidentais, aps o ingls e o castelhano.

    importante ainda ressaltar, conforme alerta Castro (1991), que as consequncias lingusticas

    decorrentes da exportao do portugus para outros territrios dependem de diferentes fatores:

    a. a quantidade de falantes portugueses que foram para um mesmo destino;

    b. as relaes entre colonizadores portugueses e populaes locais;

    c. o interesse dos falantes em relao s regies (colonizao, explorao, comrcio

    etc.) influenciava na variedade do portugus, mais ou menos distanciada em relao

    norma europeia.

    Dos fatores acima citados resultam duas situaes diferentes: a

    lngua portuguesa afirma se, suplantando as lnguas nativas e a criao

    de crioulos de base portuguesa. Muitos pases da frica ainda conservam

    seus crioulos, convivendo em maior ou menor grau com a lngua

    portuguesa, tornada lngua oficial. Em outros, porm, os crioulos

    praticamente j desapareceram como o crioulo indo portugus nas

    costas da ndia.

    Silva Elia (1989), em trabalho sobre a lngua portuguesa no

    mundo, e, baseando se no conceito de Romnia, faz uma classificao

    dos pases de lngua portuguesa. Vejamos essa classificao:

    Por Lusitnia espao geolingustico ocupado pela lngua portuguesa, no conjunto de sua unidade e

    variedades. Compreende:

    a) Lusitnia Antiga Portugal (bero da lngua portuguesa), Madeira (arquiplago descoberto oficialmente pelos portugueses em

    1419 1420) e Aores (1431 tradicionalmente considerado como o do descobrimento);

    b) Lusitnia Nova Brasil

    c) Lusitnia Novssima cinco naes africanas constitudas em consequncia do processo de descolonizao e que adotaram o

    portugus como lngua oficial: Angola, Moambique, Guin Bissau, Cabo Verde e So Tom e Prncipe;

    d) Lusitnia Perdida regies da sia ou da Oceania onde j no h esperana de sobrevivncia para a lngua portuguesa;

    e) Lusitnia Dispersa comunidades de fala portuguesa espalhadas pelo mundo no lusfono, em consequncia do afluxo de

    correntes imigratrias.

    Crioulos variedades lingusticas de base portuguesa com influncia das lnguas indgenas, com estrutura gramatical muito simplificada que ir se complexificando medida das necessidades comunicativas de seus falantes. Lnguas de emergncia tornadas lnguas maternas. (Esperana Cardeira).

    Provrbio guineense

    Koca fichadu ka ta ientra moska (em boca fechada no entra mosca).

  • LETRAS | 143

    Figura 9 Pases de lngua portuguesaFonte: http://www.observatorio lp.sapo.pt/pt

    Lusitnia Antiga

    A lngua falada no portugus europeu apresenta os seguintes traos sociolingusticos:

    a) Lngua bero fonte de todos os falares. trao exclusivo do falar europeu, no encontrado em

    nenhuma das outras faces da Lusitnia.

    b) Lngua materna a lngua de nascimento dos portugueses. Apresenta grande unidade, j que os

    chamados dialetos, na verdade falares, pouco diferem entre si.

    c) Lngua oficial adotada nos atos e documentos pblicos desde o reinado de D. Dinis, fundador da

    Universidade Portuguesa (1290).

    d) Lngua nacional falada em toda a extenso do Portugal continental e insular.

    e) Lngua de cultura ostenta um dos mais ricos patrimnios literrios do mundo ocidental. Em

    decorrncia desse carter, tornou se lngua padro: ensinada nas escolas e que recorrem as pessoas

    cultas em situaes formais (no plpito, nas ctedras, na tribuna parlamentar ou judiciria), utilizada em

    editoriais da grande imprensa.

    Lusitnia Nova

    A lngua falada no Brasil apresenta os mesmos traos sociolingusticos que os do portugus europeu,

    com exceo de lngua bero. Em seu lugar ser colocado o de lngua transplantada. Na poca do

    Descobrimento, os portugueses encontraram a terra brasileira povoada de tribos indgenas que falavam cerca

    de 350 lnguas diferentes. O Professor Aryon Rodrigues distingue as lnguas entre troncos (Tupi e Macro J),

    famlias (Caribe, Aruaque/Arau e famlias menores ao sul do Amazonas (guaicuru, nhambiquara, txapacura,

    pano, mura, catuquina) e famlias menores ao norte do Rio Amazonas (tucano, aican ou mund, o coai,

    auaqu, o caraj, entre outras) e lnguas isoladas.

    Os espanhois e portugueses usavam a expresso lngua geral para qualificar lnguas indgenas de

    grande difuso numa rea: quchua (Peru, sculo XVI), guarani (Paraguai, sculo XVII). No Brasil, a

  • LETRAS | 144

    denominao que se firmou foi a de lngua braslica (sculo XVII), para designar a lngua popular, com base na

    lngua dos ndios tupis, comum a ndios missionados e aculturados e no ndios, falada nas reas mais

    afastadas do centro administrativo da Colnia (Bahia). Aryon Rodrigues salienta a existncia de duas lnguas

    gerais: a lngua geral do Sul, ou Paulista (abanheenga), e a lngua geral do Norte, ou amaznica (nheengatu).

    As lnguas gerais foram progressivamente sendo substitudas pelo portugus. A do Sul deve ter desaparecido

    no decorrer do sculo XVIII; a do Norte ainda resistia na regio amaznica durante o sculo XIX.

    Alm da lngua geral e das inmeras lnguas indgenas, o portugus concorreu com as lnguas dos

    africanos de diferentes grupos tnicos. Eram duas as principais correntes de afluxo africano para o Brasil: uma,

    ao Norte, de procedncia sudanesa (Bahia: nag ou iorub que se converteu, por algum tempo, em lngua

    geral dos negros); outra, ao Sul, de origem banto (Rio de Janeiro, Minas Gerais: quimbundo). As lnguas

    africanas, trazidas pelos escravos negros tambm foram sendo absorvidas pela lngua portuguesa. A partir da

    segunda metade do sculo XVIII foi se acentuado o predomnio do idioma portugus, processo oficializado

    pela Lei do Diretrio, de 3 de maio de 1757, do Marqus de Pombal, que proibia o uso da lngua geral nas

    escolas.

    Posteriormente, principalmente aps a Independncia (1822), o Brasil recebeu novos contingentes

    imigratrios. Os primeiros imigrantes, alemes, permaneceram inicialmente no Rio de Janeiro, na regio de

    Petrpolis, e os seguintes, deslocaram se para o Sul. Distinguiram se na agricultura e na criao de centros

    urbanos. Os italianos fixaram se em So Paulo e na serra Gacha, originando um notvel surto industrial e a

    plantao de vinhedos no Rio Grande do Sul. Os japoneses destacam se na agricultura, encontrando se hoje

    principalmente em So Paulo, Paran, Mato Grosso, Par, Amazonas e Braslia.

    Aos poucos, esses imigrantes, bilngues a princpio, vo se tornando falantes do portugus, medida

    que se integram aos novos costumes, nova ptria, que tem no portugus a lngua das escolas, da imprensa,

    da literatura, do rdio, da conversa do dia a dia. Ainda segundo Elia (1989:29), da terceira gerao em diante,

    a aculturao entra num ritmo mais rpido e decisivo.

    Castro (1991) lembra que a rigor a populao brasileira no monolngue em portugus: h outras

    lnguas europeias, faladas por imigrantes, sobretudo italianos, espanhois e alemes, h cerca de 170 lnguas

    ndias e, ainda, vestgios de antigos crioulos de escravos.

    Lusitnia Novssima

    Em Angola e Moambique, onde o portugus se implantou mais fortemente como lngua falada, ao

    lado de numerosas lnguas nativas, que servem de fato como instrumento de comunicao no cotidiano. A

    variedade oficial da lngua assemelha se ao modelo europeu, embora com alguns traos prprios, em geral

    arcasmos ou dialectalismos lusitanos semelhantes aos encontrados no Brasil. A influncia das lnguas negras

    sobre o portugus de Angola e Moambique foi muito leve, podendo dizer se que abrange somente o lxico

    local. Nos demais pases africanos de lngua oficial portuguesa, o portugus utilizado na administrao, no

    ensino, na imprensa e nas relaes internacionais. Nas situaes da vida cotidiana so utilizadas tambm

  • LETRAS | 145

    lnguas nacionais ou crioulos de origem portuguesa. Essa convivncia com lnguas locais vem causando um

    distanciamento entre o portugus regional desses pases e a lngua portuguesa falada na Europa,

    aproximando se em muitos casos do portugus falado no Brasil. Os pases africanos de lngua oficial

    portuguesa apresentam as seguintes caractersticas:

    Angola

    De todas as naes africanas de expresso portuguesa, a que tem mais ligaes histricas, raciais e

    culturais com o Brasil. Do ponto de vista de suas lnguas nativas quase todas da famlia banto uma

    nao plurilngue, O portugus, lngua do colonizador, usado como forma de comunicao, como lngua

    veicular, entre falantes das lnguas nativas. Em 1983, 60% dos moradores declaram que o portugus sua

    lngua materna. A lngua oficial convive com o bacongo, o chacue, o ovibundo e o quibundo. A lngua

    portuguesa foi se consolidando como lngua de cultura e se tornou lngua oficial, predominando nas zonas

    urbanas ou urbanizadas, mas no interior a hegemonia pertence aos falares nativos.

    Moambique

    O portugus a lngua oficial falada por 25% da populao, mas apenas 1,2% a considera como

    lngua materna. a lngua de comunicao usada pelo Governo e utilizada na alfabetizao de adultos, no

    ensino e precariamente na informao escrita, mas maioria da populao fala lnguas do grupo banto.

    Cabo Verde

    Em Cabo Verde fala se um crioulo que mescla o portugus arcaico a lnguas africanas. Segundo

    Castro (19, h pelo menos dois grupos crioulos: o de Barlavento, ao norte (ilhas de S. Vicente e Santo Anto) e

    o de Sotavento, ao sul (Santiago, Fogo, Brava). O portugus a lngua oficial e a lngua de ensino no pas.

    Podem se encontrar diferentes nveis do seu uso:

    um portugus vernculo falado e escrito por determinada camada culta da populao. Presente em obras literrias, revistas,

    discursos...

    um portugus regional correto mas polvilhado de modismos e regionalismos;

    um portugus rudimentar, falado por camadas populares em determinados momentos, particularmente solenes

    Guin Bissau

    Por conta da ocupao precria na Guin, o portugus no criou razes no solo guineense. H uma

    predominncia de lnguas nativas, todas grafas, mas a necessidade de intercomunicao entre as diferentes

    etnias dentro do mesmo territrio colonial portugus levou formao de um falar de intercmbio, espcie de

    denominador comum entre vrias dessas lnguas, que veio a ser uma lngua veicular, ainda grafa, o crioulo da

    Guin. Segundo Elia, a situao normal do falante guineense o ser bilngue: fala a sua lngua materna e fala o

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    LETRAS | 14

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  • LETRAS | 147

    LENDA DO REI LEIR

    Este rrey Leyr n ouue filho, mas ouue tres filhas muy fermosas e amaua as mujto. E hu dia ouuve sas

    rrazoes com ellas e disse lh