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CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” (ESPECIALIZAÇÃO) A DISTÂNCIA PLANTAS ORNAMENTAIS E PAISAGISMO PAISAGISMO I – HISTÓRICO, DEFINIÇÕES E CARACTERIZAÇÕES Patrícia Duarte de Oliveira Paiva UFLA - Universidade Federal de Lavras FAEPE - Fundação de Apoio ao Ensino, Pesquisa e Extensão Lavras - MG

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CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO

“LATO SENSU” (ESPECIALIZAÇÃO) A DISTÂNCIA

PLANTAS ORNAMENTAIS E PAISAGISMO

PAISAGISMO I – HISTÓRICO, DEFINIÇÕES E CARACTERIZAÇÕES

Patrícia Duarte de Oliveira Paiva

UFLA - Universidade Federal de Lavras FAEPE - Fundação de Apoio ao Ensino, Pesquisa e Extensão

Lavras - MG

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Parceria UFLA - Universidade Federal de Lavras FAEPE - Fundação de Apoio ao Ensino, Pesquisa e Extensão

Reitor Antônio Nazareno Guimarães Mendes

Vice-Reitor Ricardo Pereira Reis

Diretor da Editora Marco Antônio Rezende Alvarenga

Pró-Reitor de Pós-Graduação

Luiz Edson Mota de Oliveira Pró-Reitor “Adjunto” de Pós-Graduação “Lato Sensu”

Antônio Ricardo Evangelista Coordenadora do Curso

Patrícia Duarte de Oliveira Paiva Presidente do Conselho Deliberativo da FAEPE Edson Ampélio Pozza Editoração

Centro de Editoração/FAEPE Impressão

Gráfica Universitária/UFLA

Ficha Catalográfica Preparada pela Divisão de Processos Técnicos da Biblioteca Central da UFLA

Paiva, Patrícia Duarte de Oliveira Paisagismo I – histórico, definições e caracterizações / Patrícia Duarte de Oliveira Paiva. - Lavras: UFLA/FAEPE, 2004. 127p.: il. - Curso de Pós-Graduação “Lato Sensu” (Especialização) a Distância: Plantas Ornamentais e Paisagismo.

Bibliografia

1. planta ornamental. 2. Paisagismo. 3. Jardinagem. 4. Classificação. 5. Caracterização. 6. Antigüidade. I. Alves, S.F.N. II. Universidade Federal de Lavras. III. Fundação de Apoio ao Ensino, Pesquisa e Extensão. IV. Título.

CDD – 635.9

Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida, por qualquer meio ou forma, sem a prévia autorização.

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SUMÁRIO

A. CRONOLOGIA ...........................................................................................................................6

B. EVOLUÇÃO DOS JARDINS....................................................................................................6

1. OS JARDINS DA ANTIGÜIDADE ..............................................................................................6

1.1. JARDINS DA MESOPOTÂMIA................................................................................................7

1.2. JARDINS EGÍPCIOS.............................................................................................................. 10

1.3. JARDINS DA PÉRSIA............................................................................................................ 15

1.4. JARDINS GREGOS ............................................................................................................... 17

1.5. JARDINS ROMANOS ............................................................................................................ 19

2. INFLUÊNCIA DOS JARDINS DA ANTIGÜIDADE NOS JARDINS DO ORIENTE MÉDIO ......................................................................................................................................... 27

2.1. BIZÂNCIO ................................................................................................................................ 28

2.2. PERSIA..................................................................................................................................... 29

2.3. MONGÓLIA.............................................................................................................................. 32

2.4. SÍRIA......................................................................................................................................... 32

2.5. ARÁBIA..................................................................................................................................... 32

3. INFLUÊNCIA DOS JARDINS DA ANTIGÜIDADE NOS JARDINS DA EUROPA OCIDENTAL ............................................................................................................................... 35

4. JARDIM MEDIEVAL (SÉC. XIII a XV) .................................................................................... 36

5. RENASCIMENTO (SÉCULO XV-XIX) .................................................................................... 47

5.1. JARDIM HUMANISTA............................................................................................................ 47

5.2. ESTILO CLÁSSICO................................................................................................................ 50 5.2.1. Jardim italiano......................................................................................................................56 5.2.2. Jardim francês......................................................................................................................66

5.3. ESTILO BARROCO................................................................................................................ 82

5.4. ESTILO PITORESCO ............................................................................................................ 87

5.4.1. Jardim Inglês (1700)...........................................................................................................87 5.4.2. Jardim de Cottage ...............................................................................................................94 5.4.3. Jardim Eclético Inglês (Séculos XIX e XX)......................................................................96

B. OUTROS ESTILOS DE JARDINS .......................................................................................... 99

1. ESTILO ORIENTAL: CHINÊS E JAPONÊS .......................................................................... 99

1.1. CHINA....................................................................................................................................... 99

1.2. JAPÃO....................................................................................................................................105

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2. JARDIM HOLANDÊS...............................................................................................................107

3. JARDIM ÁRABE.......................................................................................................................108

3.1. ÍNDIA.......................................................................................................................................109

3.2. ESPANHA..............................................................................................................................110

3.3. MARROCOS..........................................................................................................................114

4. JARDIM CASTELHANO .........................................................................................................114

C. HISTÓRIA DO PAISAGISMO NO BRASIL .........................................................................116

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1 INTRODUÇÃO

Em todas as épocas da história e em todos os povos, sempre se faz menção ao jardim. A evolução dos jardins acompanha os fatos históricos: quando ocorria decadência dos impérios, nas épocas de guerra e nos anos que marcaram a Idade Média, os jardins também tiveram seu período de decadência. Ao contrário, nos períodos de ascensão, com o enriquecimento e a necessidade de luxo, vê-se o progresso dos jardins como aconteceu no período do Renascimento.

Em Roma, desde a época dos imperadores, os jardins s ignificavam um grande luxo da aristocracia e isto se tornou uma tradição, sendo estes, até hoje, considerados locais nobres.

Em função da ordenação e do estilo, do traçado e da seleção de plantas e elementos que compõem um jardim, é revelada a psicologia de quem o concebeu. O jardim reflete também o coletivo, a sensibilidade dominante em uma geração, uma época, “o modismo que impera numa sociedade e as tendências políticas de um Estado”.

A história da arte dos jardins é construída pelas figuras sucessivas da dupla Homem/Natureza; e é neste ponto crucial que esta história encontra uma noção muito próxima: a paisagem, com suas intervenções e reproduções.

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2 HISTÓRICO

Patrícia Duarte de Oliveira Paiva1 Schirley Fátima Nogueira da Silva Cavalcanti Alves2

A. CRONOLOGIA

A história da humanidade é assim dividida:

- Pré –história: até aproximadamente 4000 a.C.

- Antiguidade: 4000 a.C. – 476 d.C (Queda do Império Romano). - Idade Média: 476 d.C. – 1453 d.C. (Tomada de Constantinopla).

- Modernismo: 1453 d.C. – 1789 d.C. (Revolução Francesa). - Contemporâneo: 1789 d.C. até os dias atuais.

B. EVOLUÇÃO DOS JARDINS

1. OS JARDINS DA ANTIGÜIDADE

"No começo Deus criou um jardim. Éden era o seu nome. Segundo a tradição ele se situava na Mesopotâmia, provavelmente ao norte, e possuía um pomar e outras plantas que desenvolviam sem irrigação. Antes da sua queda, o Éden era um lugar de paz e de prazer, de fecundidade e de fragâncias, com os encantamentos da música, do riso e da alegria. Depois dos primeiros reinados assírios, tornou-se um lugar recreativo, um paraíso mítico".

(Gabrielle Van Zuylen).

Os primeiros jardins surgiram nos planaltos da Pérsia, atual Irã. Mas os primeiros 1 Professora Adjunto, Floricultura e Paisagismo, Departamento de Agricultura, Universidade Federal de

Lavras. 2 Engenheira Agrícola, MSC - Jardins, Paysages, Terri toires - École des Hautes Études en Sciences

Sociales et École D'Architecture Paris La Villette; Doutoranda pela Université Paris I - Panthéon Sorbonne.

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indícios e documentos encontrados não provêm desta região, e s im, da Mesopotâmia (atual Iraque). Os jardins mais antigos foram plantados no meio dos desertos, como se os homens pudessem dar qualquer preço a esta arte, pois essa começou justo em países onde as condições naturais não favoreciam em nada a seu êxito. O estudo da arte da Mesopotâmia mostra que o gosto pelas formas vegetais aparece bem cedo, e este cresceu com o passar dos séculos. Mas, durante muito tempo, falar sobre “arte de jardins” ainda era uma audácia, pois as culturas ainda eram muito rudimentares.

1.1. JARDINS DA MESOPOTÂMIA

Desde o começo do Terceiro Milênio antes de Cristo, Gilgamesh, rei de Uruk, se orgulhava de seus pomares e dos jardins de seu palácio. Há 2000 anos antes de Cristo, todos os reis da Mesopotâmia possuíam seus jardins reais, onde sempre aconteciam banquetes e cerimônias. Os pátios interiores dos palácios eram sombreados por árvores e ornamentados com flores.

Os jardins da Mesopotâmia, sem considerar as hortas e os pomares, estritamente utilitários, conservaram por muito tempo um caráter religioso. Os deuses da fecundidade possuíam perto de seus santuários um pouco de terra e uma plantação sagrada que manifestava seu poder. Nos jardins dos templos se plantavam frutas e legumes para se oferecer aos deuses, além de servirem como alimento para os serviçais. Os jardins eram plantados sobre os terraços dos prédios de vários pavimentos onde se celebravam os rituais e suas folhagens eram tão familiares, que os artistas sugeriam sua presença na decoração de palcos ou de altares.

Os habitantes da Mesopotâmia conseguiram, após grandes esforços, aclimatar a palmeira. Começaram também a trabalhar suas terras, até então estéreis. Neste clima hostil e em locais que hoje se comparam aos oásis saharianos ou egipcianos, as palmeiras protegiam as plantas que cresciam à sua sombra, e contribuíam para a diminuição da perda de água do solo, fator que favorecia a condensação noturna permitindo assim a criação de jardins.

Com o trabalho de manutenção e irrigação manualmente realizados, estes asilos de fecundidade e frescor tornavam-se ainda mais maravilhosos. Assim, os príncipes babilônicos puderam conhecer o prazer de aclimatar espécies.

Cada planta era disposta dentro de uma espécie de vaso preparado com antecedência para recebê-la, isoladamente, e onde se mantinha o grau de umidade necessário através de uma irrigação constante.

Pouco a pouco, à medida que o mundo babilônico crescia, os jardins ganhavam uma maior importância, com a formação de verdadeiros “parques de aclimatação” e de “jardins botânicos”.

No final do século VIII a.C. (721-705), o grande conquistador Sargon II, descreveu em seus anais seu desejo de plantar, na capital Dur Sharroukin, um imenso parque,

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réplica dos montes de Amansus, onde ele dispôs lado a lado todas as essências aromáticas do norte da Síria. Sargon II reuniu assim as essências nativas deste país: coníferas, cedros e ciprestes e ainda plátanos, salgueiros, a murta ou mirto, e todos os tipos de louro. Com isto, ele queria sem dúvida trazer as maravilhas de uma terra estrangeira, de onde a capital de seu reino não haveria mais nada a desejar. Talvez a vontade deste rei fosse também um obscuro desejo de possuir plenamente a sorte deste país abençoado, e este jardim era o símbolo e a imagem desta conquista.

Representar o parque de Sargon com alguma precisão é muito difícil hoje em dia. Pode-se imaginá-lo como uma grande “reserva”, ou um destes paraísos onde os persas impuseram como modelo a todo o oriente mediterrâneo. Existem estudos que probabilizam a hipótese de que estes povos não se contentavam em apenas aclimatar as essências desejadas, mas ainda criavam em liberdade nos campos, animais selvagens destinados às caçadas reais, como leões e outros animais.

O Rei Sennachérib, sucessor de Sargon, transferiu sua capital para Nínive, onde criou parques e jardins, chegando até a reconstituir com sucesso o meio ambiente natural pantanoso do sul da Babilônia. No terreno do palácio, que foi construído no alto de uma colina, construiu-se um quiosque de colunas sobrepostas, cujo terraço era arborizado.

Pode-se observar nestes parques assírios, as velhas formas arquiteturais, e o gosto pelos jardins suspensos, os quais foram conservados, sobrevivendo assim um arcaísmo que maravilhou os viajantes helenos (da Grécia antiga), mais pela sua estranheza e pela sua técnica árdua, do que propriamente por sua beleza.

Os jardins mais famosos da Antiguidade foram os Jardins Suspensos da Babilônia, sendo considerados uma das Sete Maravilhas do mundo antigo. Segundo os historiadores, estes jardins foram construídos pelo Rei Nabucodonosor II (605-562 A.C.) e dedicados a sua esposa, rainha Semiramis. A Rainha, que era de origem persa, tinha saudades das montanhas e colinas cobertas dos bosques de seu país (região noroeste do atual Irã) e esta construção tinha a intenção de amenizar este sentimento. Nabucodonosor construiu estes jardins ao longo das muralhas da cidade, próximo à porta de Istar1.

1 Dentro da tradição semita, Istar é deusa do céu e da fecundidade.

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FIGURA 1 - Esquema ilustrativo dos Jardins Suspensos da Babilônia (Grimal, 1974).

De acordo com os resultados de pesquisas e descrições de historiadores, os Jardins Suspensos eram compostos de uma sucessão de terraços, sendo que os inferiores debordavam bastante sua área em relação aos superiores. Assim eles formavam verdadeiros patamares onde eram plantadas diversas espécies de árvores, e outras plantas de menor porte, as quais eram protegidas pela sombra das árvores. As floreiras presentes nestes patamares tinham o fundo impermeabilizado. Inspirados nestes jardins suspensos, os romanos passaram a cultivar plantas nas partes altas das casas.

No eixo dos dois terraços superiores, havia uma grande escada entre duas séries de planos levemente inclinados, onde corria a água da irrigação. Esta água era levada até o terraço superior através de baldes presos a uma corrente. Depois, esta água era distribuída entre os vasos de plantação e o excesso era drenado dentro de um sistema complexo de canais subterrâneos.

O conjunto formava em sua base um retângulo de aproximadamente 40x45m. O segundo terraço tinha medidas em torno de 30x40m. As medidas dos terraços superiores eram aproximadamente as mesmas. A parte inferior do edifício era um vasto emaranhado de tijolos crus, recoberto de tijolos cozidos. No alto, cada terraço possuía varias salas e galerias, onde seus vis itantes encontravam sombra e frescor.

As folhagens, que se ressaltavam acima das muralhas da cidade, podiam ser avistadas de longe pelos viajantes que por ali passavam. Assim, para estes e suas caravanas, este recinto meio real e meio sagrado, aparecia como um símbolo do poder babilônico, e pouco a pouco, suas descrições forjaram uma imagem tão interessante, a ponto de que os “Jardins de Semiramis” tornaram-se uma das maravilhas do mundo daquela época. Apesar disto, estes jardins não exerceram grande influência sobre os jardins do mundo mediterrâneo. Isto se pode atribuir ao fato de que estes jardins foram admirados pelos gregos e pelos romanos, não pela sua beleza propriamente dita, mas pela força que esta torre representava. Tem-se apenas o registro da influência deste

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jardim na construção do jardim barroco de Borromées em Isola Bella (Itália).

Com a decadência do império, a Babilônia provocou o afastamento da Mesopotâmia da cultura ocidental, o que fez com que os jardins suspensos da Babilônia se tornassem uma lenda.

FIGURA 2 - Isola Bella (Enge e Schröder, 1992).

1.2. JARDINS EGÍPCIOS

Os jardins egípcios são datados de 2000 a.C. O Egito deixou sobre os jardins as mais antigas testemunhas picturais, criando uma tradição que foi transferida ao mundo ocidental. Estes jardins não eram construídos unicamente para o lazer, assim como os jardins da Mesopotâmia, mas produziam também vinho, frutas, legumes e papiros, produtos estes, destinados ao consumo da população. O critério de plantio seguiu a tradição das atividades agrícolas desenvolvidas na planície do rio Nilo. O traçado dos jardins era caracterizado por linhas retas e formas geométricas perfeitamente s imétricas. Tudo orientado segundo os quatro pontos cardeais, expressando a importância da astrologia.

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FIGURA 3 - Esquema representativo de um jardim egípcio (Plantas e Flores, 1972).

O apogeu do jardim egípcio data da VIII Dinastia, sete séculos antes do parque de

Sargon, e oito séculos antes dos Jardins de Semiramis. Mas, como estes, eles devem muito aos exemplos dos paraísos persas. Nesta época, os egípcios entravam em contato com a Ásia através das expedições de Thoutmosis IV e de Anemóphis III, trazendo assim sua influência.

O Egito, país agrícola por influência da presença do rio Nilo, já conhecia durante muito tempo a deleitação dos jardins e da água. Desde o antigo império já existiam pomares plantados com videiras, figueiras, sombreados por sicômoros2; divididos em tabuleiros por canais de irrigação. Havia também as palmeiras e plantas aquáticas como o Lotus e o papiros. Todas plantas úteis e sagradas. Nesta época, surgiram as casas de campo, conseqüência direta da transformação do jardim como um lugar de repouso agradável e autosuficiente.

2 Sicômoros: Em grego sykómoros, e latim sycomoru. Falso plátano.

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FIGURA 4 - Caixa para coleta e transporte de mudas. Eram colocadas nas pirâmides para a eternidade (Zuylen, 1994).

Devido à topografia plana e ao pensamento ético e religioso, não haviam muitos elementos decorativos, efeitos de água ou terraços sobrepostos. Nos jardins egípcios eram cavadas bacias nas beiradas do rio onde a água era captada por infiltração, e estes eram transformados em tanques retangulares, repletos de plantas aquáticas e de pássaros, com árvores dispostas em um traçado regular.

Somente com a XVIII Dinastia o luxo dos jardins generalizou, e todos os palácios, fossem do rei ou de um alto funcionário, tinham como complemento obrigatório uma plantação de árvores e de flores. As escavações revelaram que nesta época houve um grande número de jardins. Foram encontradas capelas, em cujo centro haviam recintos retangulares fechados onde se plantavam árvores em linhas bem regulares, ao pé das quais corriam canais de irrigação. No Egito, assim como na Mesopotâmia, os templos tinham seus enclausos sagrados.

Nos jardins se criavam os íbis, os flamingos e os pombos que se divertiam em liberdade. No meio das folhagens apareciam o cimo dos pavilhões, torres denteadas, em formas maciças, características da arquitetura egípcia, e que mais tarde figurariam como fab riques3 nos jardins romanos. Assim, alguns dos temas do jardim egípcio, foram modelos diretos do jardim ocidental antigo. Sendo que seu destaque foi devido ao desenvolvimento de canais e à presença da água.

3 Pequenas construções que criavam cenários nos jardins.

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FIGURA 5 - Fabrique (Zuylen, 1994).

Estes jardins se caracterizavam por serem planos, fechados por muros e subordinados a uma propriedade com seus pavilhões dispersos em vários locais para aproximar o vis itante da natureza. Muitas destas formas reapareceram no sul da Itália onde exerceram por muitos séculos sua influência.

Pode-se citar como exemplo de jardins egípcios o de Rekhmirê e Mery-Aton.

a. Jardim de Rekhmirê

O jardim de Rekhmirê tinha na entrada uma porta monumental e era dividido em três retângulos concêntricos situados em volta de um grande canal, grande o suficiente para um passeio de barco. No perímetro exterior havia uma alameda de sicômoros, seguida de uma faixa de flores aquáticas e palmeiras anãs. Entre estes canteiros e o canal, havia uma vasta alameda descoberta, servindo de caminho para as embarcações. E enfim, no coração do jardim, o canal, sobre o qual um barco passeava com o mestre do palácio, transportado a remo por outros homens.

b. Jardim de Mery-Aton

Nas escavações do palácio de verão conhecido pelo nome de Mery-Aton, pode-se constatar um jardim análogo ao de Rekhmirê. Encontravam-se neste jardim dois recintos retangulares. Eles eram justapostos, sendo que a superfície de um era o dobro da outra. O jardim maior apresentava na sua parte central um vasto lago de tamanho 130 x 60m, apresentando um trapiche para o embarque que avançava em direção ao centro do lago. A oeste, atrás de um muro, eram dispostos os compartimentos dos serviçais. Três pavilhões se dispersavam entre as árvores, um ao norte, outro ao sul, e outro a leste. Dentre eles, dois tinham seus próprios tanques, e talvez um dentre estes três, era de caráter religioso.

O jardim menor se situava ao sul do maior, apresentando uma disposição análoga, porém em menores dimensões. Por entre estes muros encontrava-se o típico jardim

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egípcio. Além da palmeira, havia nestes jardins indícios de espécies vegetais tais como o álamo4 e a espirradeira5.

FIGURA 6 - Esquema do Jardim de Mery-Aton (Grimal, 1974).

A influência dos jardins egípcios no mundo ocidental foi mais direta que a dos povos sírio-babilônicos. Esta influência talvez possa ser explicada pela relativa estabilidade desta civilização, que possuiu uma fortuna mais durável que a dos povos precedentes.

4 Álamo, ou choupo-branco (Populus alba): árvore ornamental da famíl ia das salicáceas de flores pequenas

e casca rugosa. Fornece madeira alva, leve e macia. Álamo preto ou choupo-preto(Populus nigra): apresenta casca lisa acizentada, e madeira úti l para

marcenaria. 5 Espirradeira rosa ou ainda eloendro, aloendro, loendro, oleandro e adelfa (Nérium oleander): arbusto

ornamental da famíl ia das Apocináceas considerado tóxico, de flores róseas.

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1.3. JARDINS DA PÉRSIA

Os jardins persas, datados desde 3500 a.C., eram caracterizados pela harmonia de plantações, espaçamento de árvores, o prazer de aromas refinados; tudo isto para suprir as aspirações dos reis presas. Estes jardins influenciaram os jardins egípcios e os jardins da Babilônia.

O estilo dos jardins persas era estritamente formal. O jardim era cortado por dois canais principais, dividindo o jardim em quatro regiões, que representavam as quatro moradas do universo: terra, fogo, água e ar. Ao centro, havia tanques com fontes, revestidos de azulejos (ladrilhos azuis) para acentuar o frescor da água. Não havia estátuas pois o islamismo não permitia a reprodução de imagens (humanas).

Nestes jardins se cultivavam frutíferas, plantas ornamentais e aromáticas (aspecto bastante valorizado pelos persas), plátanos, ciprestes, pinus, álamos, palmeiras, amendoeiras, laranjeiras, roseiras, tulipas, lírios, prímulas, narcisos, jacintos, jasmins, açucenas.

Sobre os jardins persas há a descrição do paraíso de Cyrus (424-401 a.C.), localizado em Sardes. Neste jardim ocorriam vastas plantações de árvores de grande porte, alinhadas segundo uma disciplina rígida, e sobre estas árvores, se estendiam um amplo gramado abundantemente irrigado. Ao lado deste alinhamento encontravam-se árvores frutíferas e outras essências. Assim como no parque de Sargon, algumas partes do jardim eram reservas para caça. Além da disposição geométrica do todo, característica que parecia ter dominado esta época, encontrava-se ainda no paraíso de Cyrus a presença de:

• Construções (tipo quiosques) dispersas entre as árvores;

• Postos de tiro para os caçadores;

• Áreas para descanso, onde se realizavam recepções ou simplesmente serviam como locais de frescor para os períodos de calor verão.

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FIGURA 7 - Miniatura representativa do jardim persa (Zuylen, 1994).

As fontes de informação destes jardins eram as descrições efetuadas pelos viajantes gregos, as quais se assemelhavam às obras de arte persa da época “Sassanida”, dinastia do império Persa, no período 226-651 d.C.

Durante a época Sassanida, o jardim persa era dividido em quatro cantos, por dois eixos retangulares. Estes eram demarcados, ora por alamedas, ora por linhas d’água. Em algumas destas intersecções, eram construídos pavilhões, ou um palácio, ou ainda uma fonte, com motivos bem complexos. Uma das hipóteses é de que esta representação significava o universo, muito freqüente na Ásia, ou então a divisão do cosmos em quatro partes por quatro rios divergentes. Estes rios representavam os quatro rios do Paraíso: Leite, Mel, Água e Vinho.

O número quatro tem uma simbologia especial nos jardins persas. A divisão dos jardins em quatro partes s imboliza também os quatro elementos sagrados: fogo, ar, água e terra. Para os persas da antiguidade, uma cruz dividia o mundo em quatro partes e no seu centro encontra-se uma fonte, que simboliza a origem e o poder.

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Paisagismo I – Histórico, Definições e Caracterizações

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FIGURA 8 - Representação de um pequeno jardim privado persa (Zuylen, 1994).

Independente do sentido profundo destes jardins, eles exerceram grande influência sobre a história ulterior dos jardins. Agiram diretamente sobre a estética dos jardins muçulmanos, que por sua vez transportaram certos temas até o extremo ocidente.

1.4. JARDINS GREGOS

Devido ao solo rochoso e montanhoso, e ao clima quente e seco, a Grécia nunca foi uma região ideal para uma jardinagem organizada. Suas formas se aproximavam das naturais, fugindo das linhas s imétricas

Têm-se registros da presença de jardins na Grécia desde o séc IV a.C. Na realidade os jardins gregos eram, sobretudo até a época clássica, um jardim sagrado, cultivado próximo a algum santuário e consagrado a uma das divindades da fecundidade. Os gregos criaram o conceito de Bosque Sagrado, um lugar natural, abençoado e dedicado aos deuses, com vegetação virgem e sem intervenção humana. Era um jardim lírico-religioso, no qual expressava-se a antitese de uma concepção agrícola da exploração da natureza. Os gregos não procuravam a beleza nos jardins.

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FIGURA 9 - Jardim Grego (Zuylen, 1994).

Os gregos se mostraram contra a moda dos jardins importados do oriente e o que

eles fizeram foi seguir uma tradição bem estabelecida da cidade democrática. Os sábios se expressavam da seguinte forma sobre os pavões e os rouxinóis : “não existe lugar para estes ob jetos na Vila”. E completavam: “Existem pessoas que embelezam as culturas com vinhas trepadeiras e arbustos de mirto; eles criam pavões, pombos, perdizes e rouxinóis para cantarem para eles! Em tal situação, não tardará para estarmos a pintar um monte de lixo!”

Era este o aspecto do espírito grego, racional, ponderado e, determinantemente intelectual. Eles repugnavam os jardins e tudo aquilo que estava ligado ao prazer em torno dos objetos da natureza que, segundo eles, era a guarda do irracional e do indefinido. A tradição grega apresentava o pequeno jardim de Epicure em Atenas, que segundo suas descrições, tinha um pomar onde se cultivam legumes. Era um jardim sem magnificência e destinado a uma única satisfação: a dos prazeres naturais e necessários. A aridez, e a sobriedade ática (região da Grécia, cuja capital é Atenas) repugnava a este luxo oriental do “paraíso”.

Nos jardins gregos, então, se cultivavam legumes para consumo, trigo para confeccionar pão, mas as flores eram destinadas aos deuses. Os gregos cultivavam também peras, romãs, maçãs, figos, uvas, além das azeitonas.

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Muitas das descrições de jardins assim como os famosos jardins de Alcinos, descritos por Homero eram irreais. Os jardins naturais eram abundantes na mitologia grega. Eles representavam o locus amoenus ideal, um lugar mágico, distinto do resto da natureza, onde reinavam uma atmosfera e um espírito particular, o genius loci.

Genius loci: os gregos se tornavam mestres na utilização do potencial da paisagem. A localização de templos, teatros e ágoras, além de dar uma proteção natural a estas construções, oferecia perspectivas espetaculares. As árvores eram dotadas de uma personalidade mística, divinizadas e faziam parte naturalmente dos projetos.

O primeiro traçado de jardim regular foi descoberto próximo ao templo de Hephaistos, no ágora de Atenas. Este jardim que se s ituava na frente do alinhamento de colunas do templo era constituído de dois agrupamentos principais de arbustos, tendo a sua frente, canteiros de flores; É possível que tinham também vinhas cultivadas sobre o muro que o cercava. O traçado das plantações desta construção datada do séc. V d.C., era certamente típico dos santuários do período clássico. A sombra era fornecida pelos ciprestes, louros e plátanos.

Os verdadeiros jardins do helenismo foram aqueles criados pelos tiranos sicilianos e pelos reis que sucederam Alexandre. Mas pouco a pouco as “Villas” helênicas foram apresentando os pórticos6 completados com passeios arborizados. O plátano tornou-se uma planta muito estimada. Os ginásios, inicialmente devassados, foram então completados com bosques e passeios. Árvores também foram plantadas próximo aos mercados e aos locais de reuniões como a Academia de Platão e o Liceu de Aristóteles. Na época da conquista romana, os gregos apresentavam a arte de jardins em sua fase inicial, mas foram estes conquistadores que a terminaram, unindo todas estas tendências e criando uma nova estética.

Com as conquistas de Alexandre, a aristocracia grega começou a copiar os jardins da Pérsia e do oriente. Os parques públicos ornamentados com fonte e grutas se tornaram então um elemento das Vilas das colônias gregas. As plantas mais utilizadas nos jardins privados, ornamentados de esculturas instaladas em nichos e fontes, eram as rosas, íris , lírios, cravos, bulbosas floridas e as ervas. Encontravam-se também pequenas frutas. O luxo apareceu pela primeira vez no jardim de Epicure, mas pouco se conhece de sua descrição.

1.5. JARDINS ROMANOS

O nascimento da arte dos jardins na civilização romana teve diversas causas, sendo que uma das mais profundas está, associada a certas tradições e características deste povo, como por exemplo, o fato de que os romanos, mesmo após tantas conquistas, jamais se esqueceram de suas propriedades familiares. Após vencerem suas batalhas, era para estes lugares que os generais retornavam. A vida política os obrigava a permanecerem nas cidades e então eles começaram a adquirir suas casas de campo nos

6 Do latim porticus. Átrio amplo com teto suspenso por colunas ou pilares, portal.

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arredores de Roma. As mais tradicionais famílias da aristocracia possuíam grandes propriedades rústicas próximo a Roma. Estas terras foram se dividindo e aos poucos foram se transformando em Villas onde surgiram os Jardins dos Prazeres.

FIGURA 10 - Jardim dos Prazeres (Zuylen, 1994)

O jardim romano é uma mistura das artes gregas (eles trouxeram diversos monumentos e estátuas quando saquearam a Grécia) com a criatividade dos romanos. Os jardins eram metódicos e ordenados, integrando-se às residências, característica esta visualizada nas Villas romanas onde havia a interpenetração casa-jardim: as paredes eram pintadas com paisagens e os muros revestidos com trepadeiras.

Os refinamentos da época helenística exerceram uma forte influência sobre a arte dos jardins em Roma e seus arredores, a qual se propagou por todo o império. Estes jardins se inspiravam no oriente – do Egito à Pérsia, sem no entanto imitá-los, criando uma estética s intética e sofisticada. Os romanos retomaram o tema da bacia central da arte dos jardins egípcios e quando possuíam espaço suficiente, adotavam um canal para fazer um Euripo7. Os gregos influenciaram na criação destes jardins através da estética de sua poesia, pintura, e escultura.

A grande novidade consistia nas composições de paisagens, onde dispor s imetricamente as árvores já não era mais suficiente. As plantas, a água e o solo se

7 Euripo (Euripe): por origem, estreito que separava a Ática da Eubéia. Os Euripos dos jardins são canais

percorridos por correntes d’água que, com a ajuda de uma engenhosa combinação de válvulas, variam seu sentido, movimentando ora para um lado, ora para outro, simulando o movimento das correntes marítimas.

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tornaram a partir deste momento o suporte para pesquisas de composições plásticas. Os jardins romanos marcaram profundamente a história dos jardins na Europa.

Marcus Porcus Catu (234-139 a.C.), funcionário de alto posto do Estado, “agrônomo”, escreveu o tratado De agri cultura, com conselhos práticos e de agricultura. Tinha como intenção valorizar a s implicidade rural e natural. Este tratado foi uma crítica à sofisticação e ornamentação dos jardins e à sociedade romana, valorizando as características do comportamento dos gregos e constituindo uma ode à natureza.

Nos primeiros textos em latim, onde são citados os Jardins dos Prazeres, o jardineiro era chamado de topiarius, ou seja, paisagista. Sua arte era chamada de arte topiária, palavra que os historiadores modernos sempre restringiam o sentido, afirmando que esta designava apenas a poda pitoresca de arbustos. Na verdade, esta poda pitoresca foi inventada e praticada pelos jardineiros romanos, mas era somente um dos procedimentos da arte topiária desta época e que só apareceu 50 anos após o início do jardim paisagista romano. Para esta arte, os romanos utilizavam ciprestes, buxos e louro-anão, as mesmas plantas ocorrentes nos jardins gregos e persas.

Esta arte dos jardins paisagísticos nasceu graças à pintura grega, que impôs sua estética e seus temas aos jardins. A arquitetura helênica foi caracterizada pelo desenvolvimento sistemático de pórticos e colunas. Cada cidade possuía o luxo de ter em volta de suas praças públicas, de seus ginásios e nos arredores de seus teatros, grandes passeios cobertos. Durante muito tempo, os pintores representavam nos muros cenas mitológicas como os episódios das viagens de Ulisses, a guerra de Tróia, visões do mundo infernal, trabalhos de Hércules e outras imagens deste tipo. Pouco a pouco, os personagens foram perdendo seu lugar de destaque e os artis tas começaram a se interessarem mais pela decoração do que pelo conteúdo histórico. Assim, “Pintavam-se portos, promontórios, margens de rios ou riachos, fontes, canais, santuários, bosques sagrados, montanhas, rebanhos e pastores”.

A invenção dos jardineiros romanos consistia simplesmente em destacar a paisagem pintada, e transportá-la para as áreas descobertas que contornavam o pórtico. Em sua origem, o jardim paisagístico romano, era um quadro projetado no espaço, em três dimensões, um diorama8 construído com os verdadeiros materiais da natureza. Estas paisagens deixadas aos jardineiros romanos pela pintura helênica eram paisagens sagradas. A maioria dos temas que as compunham, exprimia uma visão da natureza, onde jamais eram ausentes os deuses, os heróis e os mortos. Capelas, túmulos, santuários de todos os tipos eram sempre encontrados. Segundo os artis tas gregos a natureza era impregnada de um sentido de divino. Para eles, este tratamento da paisagem era por um lado uma intenção de realismo e por outro, uma tradição estética.

Nos campos helênicos eram encontrados monumentos sagrados, estátuas e túmulos. A paisagem só era considerada digna de ser interpretada por um artista, quando esta era a testemunha da presença humana. A imagem de um túmulo, por exemplo, não 8 Diorama: pintura panorâmica, que em certos momentos luminosos proporciona a ilusão do real em

movimento.

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despertava nenhum sentido de tris teza, pois os mortos estavam presentes nestes jardins como estão presentes os gênios da terra. Ali, eles continuavam a viverem a vida secreta da natureza, sensíveis ao retorno da primavera e às flores que lhes eram oferecidas pelos vis itantes. Muitos epigramas da antologia testemunhavam esta crença de uma comunhão entre a vida e a morte. Priape, o deus da fecundidade, estava presente tanto perto dos túmulos, quanto dentro dos pomares.

Os temas dos jardins romanos eram inspirados na paisagem helênica, caracterizada pelo panteísmo latente e pelo naturalismo romano, onde a natureza tinha muitos poderes e demônios mal definidos, originados da paisagem sagrada.

Os jardins romanos eram obras de arquitetos e estavam, portanto, subordinados à arquitetura. Eles completavam a casa romana com passeios e pórticos dispostos em todas as orientações para gozar do sol, da sombra e da natureza em todas as horas do dia. Construíam-se também varandas que serviam como locais de lazer.

Nos jardins romanos se cultivavam coníferas, plátanos, amendoeiras, pessegueiros, macieiras e figueiras. A maioria possuía horta. Os canteiros eram plantados como bordaduras. Havia também lagos, que possuíam o fundo escuro para causar efeito de espelho.

FIGURA 11 - Jardim Romano (Grimal, 1974).

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FIGURA 12 - Jardim Romano (Grimal, 1974).

O Parque de Amaltheum

Este parque foi organizado por Atticus, amigo de Cícero. Era um santuário consagrado à Ninfa, que, segundo a mitologia, em outros tempos, sobre o monte de Creta, havia cuidado de Zeus nos seus primeiros anos de vida.

Para chegar à gruta, era preciso percorrer uma alameda de plátanos, ao longo de um riacho. O Amaltheum, propriamente dito, era um conjunto de rochas, uma gruta artificial, evocando a gruta onde Zeus havia passado sua infância. Dentro desta gruta havia uma estátua representando a ninfa alimentando a criança com néctar e mel. Os poetas julgavam ouvir as vozes das ninfas vindas das grutas. O frescor da água corrente, o murmúrio e a impressão da abundância divina faziam deste lugar um santuário digno de uma divindade. Era um quadro mitológico que se transformou em uma verdadeira obra, valorizando todos os sentidos humanos pela magia do jardim. O Amaltheum de Atticus se tornou um modelo que multiplicou pelos jardins romanos.

A pedra pomes, comum nos terrenos vulcânicos do sul da Itália, era utilizada para construir a parte rochosa das grutas. Esta tradição se perdeu, não sendo mais encontrada nos jardins modernos, devido às imitações realizadas na época do renascimento.

Para os conceitos religiosos da Antigüidade o fato de se servir dos santuários dedicados às divindades para seu próprio prazer, não constituía nenhum sacrilégio. Por todas estas razões, havia nos parques romanos diversas estátuas e os artis tas procuravam representar os cenários das lendas e poesias.

Como exemplo têm-se as caçadas de Meleagre9 com outros caçadores e sua tropa de cães, o javali acuado em seu desespero, e toda uma composição vivificada para decorar os bosques. Encontrava-se ainda, o massacre de Niobe, onde Apolo e Artemísia matavam as crianças de Niobe, para punir sua mãe de se comparar insolentemente com Léto. A Niobe dos jardins de Sallustre em Roma também pertencia a uma composição deste gênero. O touro Farnésio (atualmente no Museu de Nápoles) pertencia ao quadro mitológico sobre a punição de Dirceu, destinado a ser valorizado pelo quadro da natureza. As obras da estatuária grega eram largamente utilizadas nestas encenações, conferindo- 9 Um dos caçadores que na mitologia grega, matava o javali de Calydon e o oferecia à Atlante.

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lhes assim uma grande valorização.

Como nem todos os romanos dispunham de grandes recursos, os jardineiros imaginaram “esculpir”, eles mesmos, as árvores para satisfazer uma clientela cada vez maior naquela época. Foi então que surgiu a poda plástica, a nemora tonsilia, hoje em dia chamada de arte topiária. O buxinho (Buxus sempervivens), o taxus (Taxus baccata), e o louro (Laurus nobilis) eram muito utilizados na arte topiária. Apareceram então gramados ornamentados com barcos, veleiros, e ainda caçadas inteiras, onde uma lebre de buxinho era perseguida pelos cães de caça. Jardineiros engenhosos escreviam também com o mesmo princípio o nome do proprietário.

Da mesma maneira como nas paisagens da pintura helênica eram representados capelas e templos, no jardim romano se apresentavam pavilhões, as diaetae. Estes pavilhões eram utilizados como locais para alimentação, repouso, reuniões e ainda para a leitura. Às vezes, estes pavilhões tinham a forma de uma torre de dois andares e evocavam temas da paisagem egípcia, popularizada pela pintura e pelos mosaicos. Próximo as diaetae se cultivavam parreiras, que no verão filtravam a luz do sol, e ofereciam ao salão uma iluminação esverdeada. Algumas também eram rodeadas por um fosso de água, formando uma ilha.

Os convidados costumavam se deitar sobre a margem de mármore do fosso e eram servidos por barcos ou pássaros flutuantes que substituíam as bandejas. Haviam banquetes místicos, servidos por gênios invisíveis como o de Psiquê no palácio de Éros. O jardim era assim um mundo encantado, onde os homens se tornavam companheiros de Silene10, que podia ser visto deitado num bosque vizinho. Ou ainda de Dionysos11 que descobria maravilhado a presença de alguma Ariane adormecida.

O gosto pela presença divina às vezes se confundia com o bizarro e nos jardins isto reinava como numa cena de ópera italiana, a qual se repetiu quinze séculos mais tarde nos jardins clássicos. Mesmo dominados pela expectativa de evocações legendárias e poéticas, eles ainda eram submissos à arquitetura. Os motivos pitorescos eram sempre apresentados a partir de elementos arquiteturais tais como a presença de perspectiva a partir de um pavilhão ou de uma alameda para caminhadas ajardinada e ainda a de terraços com bordaduras, de onde se podia contemplar uma paisagem ordenada.

Assim, o jardim romano perdeu sua unidade e se dividiu em setores de maneira que cada um servia a um pavilhão ou a uma parte do castelo. Freqüentemente era o pórtico que comandava o jardim e por esta razão, os romanos tinham adotado em suas Villas os temas helênicos do ginásio, que nada mais era que um percurso por entre os bosques. Já para os gregos, os ginásios das cidades eram destinados ao exercício físico, com pista de corrida, área descoberta para o lançamento de dardo e de disco. A área descoberta, denominada de xyxtos (lugar plano), se transformava em um simples terraço, normalmente gramado.

10 Filho de Hermes, representado sobre a forma de um velho careca que está sempre embriagado. 11 Deus da vinha, que cultivava a arte e a poesia, e foi o responsável pelo surgimento do teatro.

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Cícero, em uma de suas Villas (em Tusculum) construiu dois ginásios: um chamado Academia e o outro Liceu. Estes nomes provam que o valor dado a estas composições é ligado às associações filosóficas e culturais do ginásio. Os ginásios para os romanos eram um lugar de reuniões, colocado sobre a proteção de uma estátua de Atenas, a deusa das atividades intelectuais, se tornando um retiro do filósofo, um local ideal para o lazer estudioso e onde ocorreram os grandes debates retóricos e filosóficos, tais como quando Cícero se rivalizava contra Aristóteles e Platão.

O esplendor romano de suas Villas pode ser registrado na Villa do imperador Adriano (117-138 d.C.) em Tivoli, onde se tem o exemplo máximo do Topia, jardim concebido como um lugar imaginário. Este jardim situava-se próximo à colina de Tibur e era uma reconstituição de monumentos e construções admirados pelo Imperador nas viagens que realizava pelo seu império. Assim como em diversos outros jardins romanos, na Villa de Adriano se explorou as perspectivas naturais da paisagem como os vales que eram vistos dos terraços e as construções que eram abrigadas em pequenas grutas.

A Villa de Marcus Lucrecius s ituava-se próximo a Pompéia. Era um exemplo dos Jardins dos Prazeres, com arquitetura integrada à paisagem, a qual tinha como fundo o vulcão Vesúvio. Estátuas de Hermes garantiam a proteção divina. No jardim cultivavam árvores frutíferas, rosas, buxinhos destinados à arte topiária, plantas aromáticas, especialmente as perfumadas.

FIGURA 13 - Villa de Marcus Lucrecius (Zuylen, 1994).

Um século e meio após, apareceu outro motivo arquitetural também originado da

Grécia: o Hipódromo. Esta estrutura apresentava uma pista longa, retilínea, com uma curva em uma de suas extremidades. As longas alamedas retilíneas eram às vezes terminadas por um pórtico, ou então plantadas de árvores, onde seus troncos substituíam as colunas. Guirlandas de hera corriam de um tronco a outro, formando arcos vegetais. Ao longo da alameda principal existia sempre um gramado com composições esculturais ou arbustos podados, além de árvores em arco onde se encaixavam bancos semicirculares. Dentro do semicírculo do hipódromo, a alameda se dividia e se perdia

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dentre os bosques e pérgolas cobertas de roseiras. Neste lugar, contemplava-se, à medida que se caminhava, jogos de culturas contrastantes e transições calculadas de luz e sombra.

Nos hipódromos, encontravam-se ainda fontes em todos os cantos. Devido ao clima, nos jardins romanos, a presença da água corrente era bastante valorizada. Dentro das diaetaes havia fontes onde o murmúrio e o frescor da água convidavam o visitante ao relaxamento e ao descanso. A água, assim como as árvores, os arbustos e os animais domésticos, eram nestes jardins os elementos de sua magia.

Para dar a estes jardins a característica de um lugar imponente, havia sempre no eixo dos setores (que eram fechados), a presença de um canal chamado Euripe. Esta divisão dos jardins levava sempre a uma composição de terraços em diversos níveis. Isto ocorria na maioria das Villas do interior romano e sobre as colinas do Latium. Nestes jardins não ocorriam as vastas perspectivas, pois cada um dos elementos se fechava sobre s i mesmo. A presença de um pórtico ou um contorno transformava o setor em um novo quadro oferecido a cada instante à presença humana. Quando uma peça não podia se abrir, havia pinturas realistas enquadradas, que sugeriam assim uma paisagem se abrindo aos olhos por uma janela (Trompe oeil = “engana olho”).

Podiam ser encontradas ainda paredes inteiras da sala de estar, recobertas de afrescos representando bosques, dando a impressão ao visitante de se encontrar no meio de um bosque repleto de pássaros e frutas.

Com o tempo, a casa romana começou a se transformar para melhor acolher os jardins. O átrio, que não passava de uma peça de recepção, passou a ser ornamentado com jardineiras, dispostas em torno de uma bacia central para aproveitar a presença da luz. Eram pintadas ainda sobre as paredes das jardineiras, plantas como íris e papiros. As pinturas eram tão realistas que podia se ver no meio das folhagens a s ilhueta de um caracol ou ainda de pássaros. Nas grandes insulae (casas de alguns andares), que foram substituindo as casas de átrio, era freqüente a presença de floreiras nas janelas, traduzindo o forte desejo dos romanos de ter ao menos a imagem de um jardim.

Nas casas escavadas em Pompéia, pode-se conhecer como eram os jardins de grande parte da pequena burguesia. Um estudo minucioso das marcas deixadas pelas raízes nas cinzas e das representações dos jardins permitiu se ter uma idéia da flora de que dispunham os romanos. Havia árvores como: bordo (ácer), cipreste, plátano, ébano, sândalo, pinheiro, palmeiras, lódão (ulmo)12, álamo e o carvalho.

Os bosques eram uma composição paisagística de grande importância. Apresentavam dimensões médias onde se cultivavam variedades anãs de árvores, como por exemplo, Chamaeplatani (plátano anão), e diversos arbustos, tais como: rosas,

12 Celtis australis, da família Ulmaceae que apresenta em torno de 80 espécies de árvores e

arbustos. Ocorrente na regiões sul da Europa, Ásia Menor e Irã. Possui 8-20 m de altura e diâmetro de 5-12 m.

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taxus13, buxinho, medronheiro14, giesta, rododendro, oleandros (espirradeira) e louros. Como forração, revestindo os canteiros planos, encontrava-se nestes jardins: o acanto15, a hera e a pervinca16. As capilárias (designação comum dada a algumas avencas) apareciam nestes jardins cobrindo partes das rochas, próximo das fontes.

E por fim, os canteiros, que ora ocorriam em maciços uniformes, ora em composições variadas da flora italiana, eram compostos de: violetas, actínia ou anêmona, papoulas, dedaleiras, palmas, jasmins, vários tipos de lírios, íris , jacintos, margaridas, amor-perfeito, narcisos, orégano, trevo.

A cultura de rosas também fez grande progresso nesta época, e havia um grande número de variedades, sendo que umas eram originárias do sul da Itália e outras da Grécia. A conquista da Ásia permitiu aos dominadores o conhecimento de novas espécies de árvores frutíferas. A cerejeira, por exemplo, foi introduzida em Roma no primeiro século antes de Cristo. O limoeiro e a laranjeira provavelmente foram introduzidos durante o reinado de Augusto. Nesta época, estas plantas, assim como a palmeira, conservavam ainda um caráter exótico e tanto seus frutos quanto suas formas eram muito apreciados. Estas plantas contribuíam para o caráter exótico e a impressão do maravilhoso, os quais, para os romanos, eram inseparáveis da idéia de jardim.

Encontraram-se em algumas pinturas, trabalhos minuciosos dos jardineiros tais como paliçadas em treliças de caniço, guirlandas de parreiras ou de hera, túneis de vegetação, arcos de trepadeiras e fontes de onde a água escorria para tanques redondos e caía sobre um tanque cheio de peixes e rodeado de pássaros.

O jardim romano pode ser considerado como uma síntese original destinado a exercer uma influência durável sobre a arte e a civilização ocidentais.

2. INFLUÊNCIA DOS JARDINS DA ANTIGÜIDADE NOS JARDINS DO ORIENTE MÉDIO

O Império Romano impôs uma cultura comum a todo o mundo da Antigüidade. O jardim romano, que unia estética e sentimento em relação à natureza, bem como a arte de viver, persistiu durante séculos e sua influência foi tão durável quanto a de outras artes como escultura, arquitetura e literatura. Com a divisão do império em dois no final século III d.C., quando se separaram as províncias de língua latina das de língua grega, formaram-se duas linhas de influência deste jardim: uma oriental (Oriente médio) e outra 13 Arbusto da família das Taxaceae, apresentando oito espécies similares, dentre as quais cinco são de

porte arbustivo. São coníferas primitivas, onde se tem a árvore ou arbusto masculino separado do feminino.

14 Arbusto da família das Ericaceae, gênero Arbutus, ocorrendo cerca de 20 espécies. Comum no sudoeste da Europa e Ásia Menor.

15 Acanthus spinosus, A. moll is. Planta espinhosa, família Acanthaceae, muito decorativa, originária da Grécia e da Itál ia, cujas folhas serviam de modelo para ornatos arquitetônicos. O gênero Acanthus compreende cerca de 50 espécies, são plantas herbáceas e viváceas.

16 Pertencente à famíl ia Apocinaceae, gênero Vinca, que compreende 7 espécies. Planta sub-bosque, com flores tubulares de coloração violeta.

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ocidental. Muitos fatores contribuíram para que cada um destes domínios impusesse aos seus jardins estéticas divergentes.

2.1. BIZÂNCIO

Existe a hipótese, comprovada pelos escritores da língua grega que tinham como objeto de seus romances a descrição de jardins, de que Bizâncio tenha continuado a preservar os seus jardins da Antigüidade até seu fim.

Nestes jardins haviam pomares cultivados com macieiras, pereiras, murtas, romãzeiras, figueiras e oliveiras. A videira, planta predileta destes jardins, era utilizada como trepadeira e era conduzida sobre os troncos das árvores formando arcos. As plantas ornamentais eram cultivadas junto às frutíferas e eram as mesmas dos jardins romanos e dos parques da Babilônia. Estes jardins eram fechados por muros altos, sendo que às vezes se encontrava um pórtico. As flores contribuíam com a cor e o perfume dos jardins. Animais e pássaros de várias espécies animavam este lugar encantador, que apresentava como complemento obrigatório uma fonte central, geralmente uma pia redonda sobre uma coluna, aonde pássaros e pombos vinham banhar-se. Esta descrição caracterizava as típicas Villas imperiais do Bosforo se tornando um tema comum entre os romancistas, que com certeza confirmavam uma realidade.

Em romances posteriores, foram se introduzindo elementos menos tradicionais, como a descrição dos autômatos, equipamentos hidráulicos e eólicos que se movimentavam por meios mecânicos. Estes foram citados pela primeira vez em um texto do século XIII, mas com certeza foram criados antes desta época, pois retomavam os mesmos motivos imaginados por Heron de Alexandria, como, por exemplo, animais de pedra figurando uma fonte e dotados de movimentos. Havia ainda estátuas que pareciam nadar em piscinas, enquanto que, em volta destas, cantavam pássaros de ouro. Em outro romance, tinha-se ainda a descrição de um jardim com estátuas de alguns personagens, sendo que umas representavam os guerreiros e outras os músicos, dos quais suas flautas e harpas ressonavam sobre a brisa. Baseado nestas descrições pode-se concluir que as antigas encenações dos romanos não foram esquecidas e s im aperfeiçoadas, à medida que se generalizava a arte destes equipamentos engenhosos. Os jardineiros franceses também utilizaram destes artifícios nessa mesma época, provavelmente transmitidos pela cultura árabe.

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FIGURA 14 - Autômatos (Zuylen, 1994).

2.2. PERSIA

Ao mesmo tempo, ao lado do jardim Bizantino, continuava a se desenvolver o jardim Persa que, devido às conquistas árabes, se espalhou em todo o oriente asiático, do norte da África até à Espanha. Durante este tempo, os contatos entre os países que tiveram a influência do Império Romano com o reino persa eram freqüentes, o que fez com que a arte do jardim continuasse a se desenvolver nesta troca de influências. Após o século XIII, com novas conquistas, ampliou-se o contato com a China, recebendo algumas influências deste estilo. No século XIV foram introduzidos nos jardins o pavão e o marreco, trazidos da Itália e Ceilão.

Uma das simbologias possíveis do traçado deste estilo de jardim seria a representação de um microcosmo que rodeava a moradia de um principado. Dentro deste tema, é s ignificativo lembrar de um costume que durou muito tempo na Pérsia. Até o século XVIII, a cada ano, precisamente no dia 10 de fevereiro, os cortesãos ofereciam ao rei pequenos jardins artificiais de cera pintada, destinados a decorar o centro das mesas. Os artesãos que os fabricavam eram chamados de plantadores de tamareira. A tamareira era considerada a árvore da vida, árvore sagrada, e s imbolizava a fecundidade primaveril, a qual era simbolicamente guardada pelo rei durante o inverno, através destas oferendas de jardins artificiais. Estes apelavam a toda natureza, a benção do príncipe e testemunhavam a aliança entre o príncipe e seu povo.

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O jardim persa era formado por um endeusamento naturalista com o qual se poderiam fazer alusões aos jardins romanos, mas com diferenças evidentes. Os jardins persas não eram povoados de deuses e demônios como o topia romano. Neste jardim se ignorava a estatuária ornamental. A representação de seus deuses não possuía corpo, nem contorno definido, era um tanto quanto misteriosa. Não se encontrava nos jardins persas nenhuma destas representações morais, que se aproximavam dos fundamentos da cultura dos romanos.

Nos jardins da Pérsia, ao contrário, o luxo estava na sua gratuidade e nos fundamentos do valor que enfatizavam o religioso e moral. Para este povo, a melhor maneira de celebrar as festas dos deuses, era se retirando por um dia das atividades mercantis. Deveria-se recolher na companhia de alguns amigos, perto de uma fonte, à sombra de grandes árvores, ou sob um pavilhão, cuja arquitetura não colocava nenhuma barreira entre o homem e as forças primordiais da natureza. Este sentimento, que para os romanos foi uma descoberta tão laboriosa, no oriente apareceu espontaneamente, inspirando a estética do jardim tanto na Pérsia quanto em todo o mundo muçulmano. O jardim era considerado como a mais nobre forma de vida, aquela que Deus prometeu em seu paraíso: um lugar saudável, repleto de felicidade, de inteligência e de sabedoria.

Os tapetes

Uma das grandes fontes de informação sobre os jardins persas são os tapetes, pois os persas imortalizaram neles os seus jardins. Um exemplo deste jardim pode ser retirado deste tapete do século XVIII.

FIGURA 15 - Esquema de um tapete confeccionado com o tema de jardim (Gr imal, 1974).

Pode-se notar que, pelo desenho, o jardim era formado por um vasto enclauso retangular. Dentro deste enclauso, encontravam-se dois eixos retangulares, cuja interseção era marcada pela presença de um tanque de formato quadrado. No centro do

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tanque havia uma fonte com peixes dourado (talvez golfinho), cada um voltado para um dos quatro canais. Os dois grandes eixos eram marcados por um grande canal retilíneo, em cujas margens eram plantados coníferas, pinheiros ou ciprestes em intervalos regulares.

Os muros que fechavam o jardim eram cobertos por roseiras trepadeiras. No interior de cada retângulo, dois outros canais se interceptavam, sendo que em cada uma destas interseções, encontravam-se quatro grandes árvores de folhas caducas, tais como carvalho, plátano, sicômoro. Os retângulos eram subdivididos em retângulos menores, formando uma malha, e separados por um sistema de canais que situavam em um nível superior ao dos canteiros que ele dividia, e estavam em um nível inferior ao das alamedas principais. Este era um sistema que permitia a irrigação e foi largamente utilizado pelos jardineiros orientais desta época, pois, devido ao clima desértico, esta era uma necessidade e ao mesmo tempo, definiu um estilo de jardim.

Nos canteiros do jardim, haviam flores coloridas e arbustos. Dentre estas, destacavam-se as rosas, as tulipas, as calêndulas, a espirradeira rosa, o mirto, a romã, as laranjeiras e os limoeiros. A estrita disciplina que marcava a organização geral do jardim não era utilizada no plantio dos canteiros. No interior de cada um destes, as sementes das flores eram lançadas ao acaso.

O jardim persa era como um bosque sagrado onde se uniam os elementos fundamentais do universo. Nestes jardins, tanto os tanques quanto os canais, eram desprovidos de margem, pois era importante que o nível da água dos canais coincidisse exatamente com o nível das alamedas, para que o céu e a terra se confundissem com seus reflexos, transportando o olhar de um a outro sem nenhuma interrupção (origem da concepção de espelho d’água). Era um universo de sonhos ou de meditações, confusão de formas, onde a luz comandava o espetáculo.

Esta mistura de elementos justificava a mistura das artes característica deste povo, que expressava seu jardim através da música. Nesta cultura encontrava-se a música de jardim, assim como se tem na cultura ocidental a música noturna.

A partir do século X a.C., os jardineiros persas começaram a utilizar azulejos (ladrilhos de cor azul) para revestir os fundos e bordas das bacias e canais, como se uma linha de água com seu fundo azul, representasse um pedacinho do céu. Este elemento antecipa a concepção do reflexo, sendo ele o próprio reflexo e não simplesmente um espelho. Desta forma, o jardim recebe o céu.

Após o domínio romano sobre o oriente, pode-se notar a presença de pavilhões disseminados na arte dos jardins persas, com a particularidade de estarem sempre dispostos no ponto de fuga de algumas perspectivas. Outra característica destes jardins era a presença de pavilhões ou mesmo do castelo no centro deste, onde antes se encontrava uma bacia. Estes pavilhões, s ituados no lugar onde o s imbolismo colocava a Terra, eram elevados em relação ao resto do parque, e muitas vezes eram ainda contornado por um canal, formando ilhas. Os pavilhões situados em outros pontos dos jardins, tinham formas diversas: alguns lembravam as tendas, outros eram um ponto de parada em forma de baldaquim. Os mais s imples apresentavam um teto plano sobreposto

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por uma pequena torre hexagonal, com colunas de madeira, bastante rústicas. Havia também as pérgolas e diaetae do jardim romano e as construções em forma de torre dos jardins egípcios. Ainda, da pintura romana, a presença de uma arquitetura suave, com colunas finas, ou ainda pérgolas aéreas, abertas sobre as copas frondosas dos jardins.

Um outro tema desenvolvido pelos jardineiros persas foram os quiosques instalados entre os troncos mestres das árvores. Nestes, eram colocadas pranchas contornadas por parapeitos e que eram acessadas por uma escada. Segundo as miniaturas, eles tinham o costume de lanchar ou mesmo de dar recepções nesses locais.

Os grandes parques reais possuíam também pavilhões que eram verdadeiros palácios, em miniatura, com o seu pátio central, onde se estendia a bacia entre duas alamedas, um tema que teve grande sucesso no prosseguimento histórico dos jardins.

2.3. MONGÓLIA

Os imperadores da Mongólia também apreciavam a arte dos jardins. Antes de invadir a Índia, o Imperador Babour (1433 – 1530) vivia em Samarcande, no meio de pomares e jardins irrigados conforme o modelo persa. Este imperador deixou descrições detalhadas dos jardins criados por ele. Nestes jardins, os quatro canteiros geométricos de flores e plantas eram mais altos e separados por canais de irrigação, motivos estes também encontrados nos tapetes.

2.4. SÍRIA

Para os conquistadores árabes, os jardins tinham grande importância, tanto que esta cultura se expandiu desde o Irã até o Império Bizantino. Cita-se, por exemplo, os Omeyyades17 na Síria, que cultuavam o máximo possível todo o luxo e a cultura do mundo greco-romano. Os mosaicos da grande mesquita de Damas, que datam do início do século VIII, também são outro exemplo, que retoma temas dos decoradores romanos e bizantinos e, em particular, os temas adotados nos jardins. Haviam, em grande quantidade, pavilhões circulares, verdadeiras diaetae contornadas por folhagens de todos os lados, estruturas estas também encontradas nos parques de Roma e de Pompéia.

Através das descrições de Ibhn Abdrabih, viajante que percorreu a Síria no século X, a mesquita de Medina, foi reconstruída por Al-Walid, na mesma época em que se construía a grande mesquita de Damas, apresentando ambas, decorações análogas. Nas suas descrições, registrou-se que os artis tas criaram os mosaicos reproduzindo imagens de árvores e de castelos ali encontrados, refletindo o esplendor dos jardins da época, os quais, para os Omeyyades, eram símbolos da felicidade prometida por Deus ao seu povo.

2.5. ARÁBIA 17 Dinastia de cali fas que governaram de 660-750 o mundo mulçumano, durante o apogeu de sua

expansão.

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Nos palácios dos reis Sassanidas, como Quacr’i Chirin, existiam perspectivas formadas pelos canais de água e a presença do verde. As escavações em Samarra, s ituada nas margens do Tigre e a 100 Km de Bagdá, revelaram que no centro dos palácios, por entre os salões de recepção e do harém, se estendia uma vasta esplanada ajardinada de dimensões aproximadas de 300 x 200 m, limitadas por muros. Por esta esplanada corriam canais paralelos aos muros que fechavam o jardim, bordeados por canteiros de flores. Samarra foi considerada o Versailles dos povos Abassidas.

Os sassanidas, alguns anos antes da conquista árabe (fim do século VI), já tinham como tradição o hábito de possuir a imagem de seus jardins no interior do castelo durante o inverno. Para isso, eles desenhavam e teciam tapetes imensos onde se reproduziam exatamente as formas e as cores de seus jardins. Esta é a origem dos grandes tapetes com motivos de jardins, cuja produção persistiu durante doze ou treze séculos seguintes, passando esta tradição para a cultura árabe e se tornando preciosos documentos para os pesquisadores.

Esta tradição testemunhou tanto a concepção do jardim, quanto teve um significado do seu poder mágico e religioso: como o jardim era a imagem do universo e símbolo do poder sobre a natureza, era necessário que o rei o conservasse ao seu lado. Um rei sem jardim, não era um verdadeiro rei. Assim, quando as estações do ano não lhe permitiam este contato, os artifícios dos tapeceiros rendiam ao rei o seu reino.

A arte dos jardins árabes se desenvolveu sobre a base de dois modelos: a dos palácios iranianos e da tradição romano-bizantina, surgindo assim uma síntese bem original. A estética iraniana dos jardins dava uma idéia de vastos paraísos com uma rígida s imetria, graças aos seus pomares, bacias e canais. Da tradição romana vieram os jardins com peristilo18, as fontes com seus jatos d’água e margens trabalhadas e, sobretudo, a onipresença da arquitetura com colunatas19 e pórticos.

18 Galeria de colunas em volta de um pátio ou de um edifício. 19 Série de colunas dispostas simetricamente.

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FIGURA 16 - Colunas de peristilo, Grécia (Goitia, 1995).

Em meados do século X o centro do mundo muçulmano foi transferido de Damas para Bagdad, e os príncipes da dinastia Abbassida, herdeiros dos Sassanidas, construíram palácios inspirados em seus antecessores. Nestes palácios, os apartamentos estavam localizados dentro de um grande jardim de forma retangular. E nestes apartamentos, havia quatro salas se abrindo em cruz para uma área central quadrada, motivo este que se repetiria várias vezes na história dos jardins.

As maravilhas dos jardins Abassidas foram celebradas no conto "Mil e uma Noites" em uma descrição que se tornou famosa:

“Ali-Nour já conhecia Bassorah de muitos belos jardins, mas nenhum

nem em sonho como este! A grande porta era formada de arcadas

superpostas, do mais belo efeito, e coberta de vinhas trepadeiras que

deixavam cair magníficos cachos, uns vermelhos como o rubi, e outros

negros como o ébano. A alameda por onde entrávamos era sombreada por

árvores frutíferas que deitavam com o peso de seus frutos maduros. Sobre

seus galhos, os pássaros gorjeavam na sua linguagem, temas captados

pelos ares. O rouxinol moldava seus arredores, a rolinha arrulhava seu

lamento de amor, o melro assobiava como os homens, o pombo de coleira

respondia como que embriagado por fortes licores. Ali, cada árvore frutífera

era representada por duas de suas melhores variedades; encontrávamos

damascos de frutas doces e amargas, e até mesmo damascos de

Khorassan, ameixeiras com frutos da cor de belos lábios, e ameixas

amarelas de uma doçura de encantadora, figos vermelhos, figos b rancos e

figos verdes, todos de um aspecto admirável. Quanto às flores, estas eram

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como as pérolas e o coral; as rosas eram mais belas que as mais belas

faces, as violetas eram escuras como a chama de enxofre queimando; e

ainda existiam as flores b rancas do mirto; o goiveiro, goiveiro lilás, as

lavandas e anêmonas. Todas as suas corolas se derramavam em chuva de

lágrimas, e as camomilas se enchiam de sorriso para os narcisos, e os

narcisos olhavam para as rosas com seus olhos negros e profundos. O cedro

arredondado parecia um cálice sem pé nem gargalo, e os limões pendiam

como bolas de ouro. Toda a terra era coberta por um tapete de flores de

todas as cores, pois a primavera reinava e dominava todo o bosque, os rios

fecundos se enchiam e suas fontes tintiliavam, os pássaros produziam seus

ecos, o vento cantava como uma flauta, a b risa respondia docemente, e o ar

ressonava toda esta alegria”.

Não se acredita que toda esta descrição de Haron-al-Raschid seja apenas imaginação e literatura, pois existem detalhes que podem ser encontrados tanto nestas descrições quanto nos palácios de Samarra daquela época, como por exemplo, os jardins frutíferos, pavilhões de descanso, cabanas de jardineiro e grandes viveiros de peixes em canais que se comunicavam com o rio Tigre. Foi dentro da magia deste espaço que os príncipes muçulmanos implantaram os equipamentos construídos a partir dos modelos dos mecanismos bizantinos, criando e encantando a todos em seus jardins. Eram ainda freqüentes nestes jardins pássaros mecânicos que cantavam, e diversos tipos de estruturas que movimentavam como as folhas de metal, além de frutas de pedras preciosas.

O jardim se transformou em uma parte essencial da residência mulçumana em todo o mundo is lâmico. Estes jardins foram encontrados em todo o Oriente médio, na Espanha moura e nos palácios s icilianos. Os poetas os descreveram e os jardins, assim como no oriente Bizantino, eram tema obrigatório dos romances de amor e representavam a imagem do Paraíso e da vida feliz.

3. INFLUÊNCIA DOS JARDINS DA ANTIGÜIDADE NOS JARDINS DA EUROPA OCIDENTAL

Ao contrário do que se passou no Oriente, onde os Jardins dos Prazeres nunca foram abandonados, na Europa ocidental a arte dos jardins passou por um longo período de obscuridade com o fim da Antigüidade.

A sobrevivência dos jardins no Oriente foi devido à continuidade da tradição religiosa. O jardim no Oriente era parte integrante de uma concepção do mundo. Já no Ocidente, a doutrina cristã nunca permitiu este luxo secular. Os mosteiros deram a esta

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arte uma função dentro de seus valores materiais e espirituais, sendo esta, uma função subalterna, muito diferente do que acontecia no Oriente. Privado de toda significação religiosa, na cultura ocidental o jardim não podia conservar sua eminência. Sua expansão só aconteceu com evolução cultural e espiritual ocorrida por influências externas como o contato renovado com a Antigüidade, a retomada do comércio e das relações com o Oriente, o contato com a cultura céltica e enfim, o renascimento italiano.

A tradição do jardim da Antigüidade não desapareceu bruscamente. Esta arte, durante muito tempo, ocupou um lugar de destaque na vida cotidiana. Ovídio, importante escritor da Idade Média, descreve várias sugestões de jardins e temas de paisagens, onde a natureza era interpretada de acordo com a tradição topiária. A técnica do jardim foi transmitida, sem interrupção, de geração em geração, sobretudo na região de Provença, que compreendia as províncias meridionais da França e da Itália, e ainda, em todo o país romano. Foi assim que persistiram, no jardim medieval, as tradições dos jardins da Antigüidade como a utilização de buxinhos podados em bordadura. Havia ainda as treliças de caniço formando paliçadas para conter as cercas-vivas e parreiras formando arcos e pérgolas. A técnica dos jardins persistiu nesta transição da Antigüidade para Idade Média e Renascimento, mas o espírito desta arte sofreu grandes transformações.

4. JARDIM MEDIEVAL (SÉC. XIII a XV)

"A Idade média européia estabeleceu uma ponte de séculos entre a queda do Império Romano e o Renascimento. A prática dos jardins foi conservada nos mosteiros e foi a partir desta época que a igreja escolheu como símbolo o Jardim Secreto, ‘Hortus conclusus’. Ao contrário, príncipes e poetas preferiram o ‘Hortus deliciarum’, jardim paradisíaco, fonte de prazeres terrestres. Estas duas metáforas foram a essência do Jardim Medieval."

(Gabrielle van Zuylen)

A concepção de jardins foi bastante modificada na idade média. A cultura pagã foi renegada, pois todos os povos eram considerados pagãos: egípcios, persas, etc. As guerras devastaram grandes áreas e cidades e, somava-se a isto, a crença de que as florestas e jardins densos eram habitados por demônios.

O jardim medieval tinha como característica marcante a simplicidade, reflexo do retraimento que se seguiu à decadência de Roma. Havia, na Idade Média, três tipos de jardins: o jardim dos prazeres fechado, a horta utilitária e o jardim de plantas medicinais, explorado pelas ordens monásticas. Os jardins eram cultivados nos mosteiros e castelos, em pequenos espaços planos, quadrados e fechados por muros que eram revestidos de trepadeiras, Os passeios eram retos, cobertos de pérgolas, e se cortavam em ângulos retos, em alusão à cruz. Os assentos eram rústicos, feitos com troncos. As cercas mais baixas eram recobertas de rosas e as mais altas, por romãs. Neles se cultivavam plantas úteis para alimentação, medicinais e flores, sendo estas utilizadas para ornamentação dos

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altares. As plantas medicinais eram a base para fabricação de perfumes, cosméticos e remédios.

Nos mosteiros, que foram o centro de preservação da ciência e das artes, eram os próprios religiosos que cultivavam os jardins e estes monges tinham um real senso da natureza, incentivado pelo paraíso bíblico. Pelo trabalho com a terra, se purificava e alimentava a alma. Nos jardins dos monges se cultivavam apenas ervas medicinais. Nos jardins dos padres e nos pequenos jardins domésticos (cultivados pelas mulheres), se cultivavam flores, legumes, plantas medicinais e árvores frutíferas. Foi nesta época que teve início a troca de conhecimentos sobre as plantas. Sabe-se, por exemplo, que em Languedoc, o abade Benoît mantinha contato com seus colegas da Alemanha e da Inglaterra, como Alcuin d’York. Eles trocaram em torno de 800 espécies de plantas medicinais.

FIGURA 17 - Jardim Medieval (Zuylen, 1994).

O Jardim secreto, Hortus conclusus, era um jardim de sonhos e portador de um grande simbolismo religioso, inspirado na descrição da esposa bem amada de o Cântico dos Cânticos 4, 12-15:

“Jardim fechado és, irmã minha esposa, / jardim fechado, fonte selada. As tuas plantas formam um jardim de delícias, / toda a qualidade de romãs, / de frutos de cipre e de nardo; nardo e açafrão, canela e cinamomo, / com todas as árvores do Líbano, / mirra e aloés, de todos os perfumes mais finos. Tu, a fonte dos jardins, o poço das águas vivas,... ”

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Havia nele uma métafora visual, que tornou este jardim uma alegoria da Igreja, presidida pela virgem em glória. Nestes jardins de Maria, as flores eram portadoras de símbolos e emanavam a virtude. A rosa, a primeira, era dedicada à virgem Maria.

Rhénan, autor da pintura Jardim de Maria, datada do século XIV, fez uma reinterpretação do bosque sagrado da Antigüidade, isolado do mundo exterior por muros e convertido ao cristianismo. No quadro, a Virgem Maria estava no centro, cercada por anjos, santos e pássaros; dentro de uma representação de atos rituais, como por exemplo, Santa Dorotéia colhendo cerejas. Dentre as flores representadas podia-se distinguir em torno de 18 espécies, como o lírio, íris, pequenas margaridas, rosas, pivoine dentre outras, e morangos, florescendo e frutificando. Árvores e plantas contornavam os muros e cresciam num gramado, evidenciando uma tradição diferente daquela das plantações limitadas por pequenos canteiros geométricos, contornado por alamedas.

_______________________ – Paeonia da família Renonclulaceae – compreende 33 espécies de plantas herbáceas, vivaceas e

arbustivas. Cultivadas por suas flores atrativas.

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FIGURA 18 - Jardim de Maria (Zuylen, 1994).

O jardim medieval se destacava por suas formas mais artificiais e pelas ambições paisagísticas e simbolistas dos grandes jardins à moda italiana da época clássica, e nos parques pitorescos, muito empregados pelos paisagistas ingleses na segunda metade do século XVIII. Na Abadia de Saint Gall, na Suíça, que data do século IX, havia três jardins no seu interior: um jardim simples que ficava próximo à enfermaria e destinava-se ao cultivo de plantas medicinais; uma horta composta de canteiros de alface, cebola, beterraba, cenoura e plantas aromáticas e um cemitério plantado com árvores frutíferas em renque.

FIGURA 19 - Coleta de pétalas para fabricação de perfume (Zuylen, 1994).

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Com o tempo, o jardim dos prazeres adquiriu seu lugar na vida dos mosteiros, graças à evolução do pomar e dos seus anexos sempre subordinados à disciplina monástica. Um estilo destes jardins, o viridarium , constituía-se de um pomar sofisticado e decorativo, para que as árvores frutíferas fossem admiradas quando floridas e se podia passear pela sua sombra. Essas geralmente eram plantadas em torno de um grande tanque ou bacia. Saint Bernard de Clairvaux ensinava que o mosteiro deveria possuir um pomar onde os doentes pudessem passear. Assim, os enfermos passeando e assentando na beirada de um tanque podiam se distrair com o movimento dos peixes.

Dos jardins de Charlemagne, no seu palácio de Aix-la-Chapelle (capital de Provença), não se tem muitos registros, mas há a hipótese de que tenham refletido um pouco da arte oriental, sendo este um fato isolado. No Capitulare de villis vel curtis imperii, de Charlemagne, havia uma lis ta de oitenta espécies de plantas que deveriam ser plantadas nos jardins de seu império. A Chanson d' Roland (Canção de Roland), dois séculos mais tarde, falava de um pomar do rei Marsile e de um pinheiro sobre o qual Charlemagne construiu seu trono de ouro, ao lado de um grande roseiral. A arte dos jardins, a qual estas indicações se referiam, e que foram encontradas na maior parte das epopéias posteriores, era muito rudimentar.

Há ainda o testemunho das miniaturas dos séc. XIV e XV, onde se podia ver um pátio fechado com uma dama assentada e do outro lado do muro, a imensidão do campo. Do lado de dentro ficavam alguns canteiros de flores, plantados em jardineiras formadas por quatro muretas acima do nível do solo, quase que na altura do joelho da dama. Outros canteiros pareciam contornar a muralha, sem, no entanto, escondê-la. O restante do piso era pavimentado, com exceção de alguns quadrados, e contornados por bordaduras. Encontrava-se sempre uma fonte ou um pote sobre o pavilhão, ornamentado e cuja arquitetura foi ficando cada vez mais complexa, à medida que o tempo avançava. Às vezes, podia-se encontrar, ao longo de um dos lados da horta ou do pequeno jardim, uma longa treliça. Nessa época, a arte de dobrar os galhos como da tília para formar alamedas cobertas ou passeios ornamentados de verdes ainda era desconhecida. As roseiras-trepadeiras eram colocadas sobre armações em forma de roda.

Estes motivos eram freqüentemente encontrados nas pinturas de mestres franceses e flamengos. As pinturas, no entanto, não testemunharam grande desenvolvimento na arte dos jardins. Esta pobreza da imagem pode ser atribuída à falta de técnica dos pintores, pois estes ainda não dominavam a técnica da perspectiva, não lhe permitindo reproduzir jardins mais complexos que provavelmente existiam naquela época.

A horta ou o pequeno jardim que havia no interior dos castelos era sempre complementado por um pomar e um bosque de árvores sempre verdes, que se estendia livremente para o exterior das muralhas e onde viviam os animais selvagens.

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FIGURA 20 - Plano e perspectiva de um Jardim Medieval em miniatura (Grimal, 1974).

Têm-se ainda os jardins imaginários descritos pela literatura e pintura medievais.

Tristão e Isolda

No romance de Tristão, o autor imaginava que os aposentos de Isolda fossem atravessados por um riacho que provinha de uma fonte encontrada no pomar do rei. Acima da fonte havia uma grande árvore, onde o rei se escondia para surpreender suas amantes em seus encontros. Esta é uma descrição bem diferente da pequena horta ou jardim das miniaturas.

Romance da Rosa

A primeira parte do famoso Romance da Rosa, escrito no séc. XIII (1230) por Guillaume de Lorris, descreve detalhadamente um pomar cuja beleza e complexidade testemunhavam a favor da imaginação dos jardineiros daquela época.

O pomar de Deduit, o mestre dos jardins fechados, era inteiramente contornado por altos muros, acessado apenas por uma pequena entrada, após a qual se seguia um caminho com laterais plantadas com funcho e menta. No final havia um reduto onde ficava o senhor do castelo. Este reduto era um pavilhão coberto de verde, uma verdadeira

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pérgola da Antigüidade. No pomar havia macieiras, romãzeiras, nogueiras, tamareiras, figueiras, amendoeiras, canela, pessegueiros, sorveira20, lódão, aveleiras, castanheiros, nespereira, e todos os tipos de espécies úteis. Algumas destas plantas foram introduzidas. A estética do pomar de Deduit, que situava no vale do Loire (região de clima temperado) era a estética de um jardim de país quente: grandes árvores eram plantadas a 10-12 m de distância entre s i, proporcionando com sua sombra frescor ao gramado. Corria água por todos os lados, conduzida por vários pequenos tubos. Este jardim era cheio de diversos animais: corsas, esquilos, cervos e coelhos. Existiam, por todos os cantos flores como violetas, pervincas, rosas, arbustos de rosas s ilvestres, tudo aquilo que agradava a visão pelas suas cores, e ao olfato pelo perfume.

Como na tradição persa, o coração do jardim era marcado por uma fonte localizada próxima a um pinheiro. Havia uma nascente junto a uma pedra de mármore onde se encontrava a inscrição, em sentido contrário ao da corrente e em pequenas letras: "Aqui morreu o belo Narciso". Havia ainda dois cristais, ao longo da corrente da água, que se faziam refletir em todo o jardim, oferecendo ao vis itante a sua imagem em um único olhar. Este foi, em toda sua complexidade, o Jardim da Rosa. A lembrança de Narciso se uniu à influência dos modelos árabes. A Antigüidade clássica e a estética oriental aí se encontraram, e ambos contribuíram para a concepção desse jardim. A estética oriental contribuiu com o charme e o prestígio do exotismo das árvores preciosas, culturas raras, luxo legendário e sensual do Is lã. A Antigüidade clássica destacou mais o espírito que os sentidos, surpreendendo o leitor de Ovídio e os poetas latinos. O Romance de Narciso é uma bela história de amor, um conto cortês, uma história com uma mensagem moral. Nesta, o jardim era um dos seus pontos fortes, com o prestígio de ser o refúgio de toda a magia e do mito.

No Jardim da Rosa, havia a influência de um outro domínio literário, cuja ação sobre o pensamento ocidental foi importante a partir do séc. XII: as lendas arturianas. O romance de Herec e Eneida, escrito por Cristão de Tróia, por volta de 1165, contava, por exemplo, um episódio curioso: o da "Joie de la Cort" que se passava em um pomar encantado. No jardim, fechado por uma muralha impenetrável, havia um cavaleiro, Maboagrain, aprisionado por Nigromante. Neste local havia um pomar de frutos maduros de todas as estações, mas que apodreciam ao saírem de lá. Ninguém podia entrar nesse jardim sem correr risco de vida. Os contadores de estórias diziam que foram cortadas as cabeças de bravos cavaleiros que ali tentaram entrar, confirmando esta lenda. No centro desse jardim, onde no Jardim da Rosa ficava a fonte de Narciso, havia uma trombeta mágica suspensa. O cavaleiro que conseguisse vencer Maboagrain deveria tocá-la e então, todo o encantamento chegaria ao fim. Este pomar, com sua trombeta encantada, era um símbolo místico. A trombeta era a fonte de toda alegria e abundância e era s ignificativo que a lenda tivesse sido imaginada em torno dele.

Estes temas literários vindos do folclore celta exerceram uma influência decis iva sobre a arte dos jardins, dando-lhes mistérios e simbolismos, cujo pensamento cristão

20 Sorbier domestique, família Rosaceae.

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parecia ter se privado. Os jardins literários eram paradisíacos, lugares ideais, oníricos e alegóricos. Uma mistura da imaginação e da realidade, onde os símbolos cristãos se transformam em alegorias do prazer.

O Labirinto

No fim do séc. XI, o jardineiro flamengo, Louis, originário de Bourbourg, construiu para o Conde Arnold de Guiness um labirinto no seu castelo de Ardre. Este labirinto era constituído de muros e pavilhões cobertos de verde e foi o primeiro exemplo deste motivo que se perpetuou na história dos jardins. Estes jardins em labirintos eram conhecidos pelo nome de Palácio de Dédalo, e se inspiravam na tradição clássica. Boileau deu este mesmo nome aos maciços das Tuillenes. O antigo mito cretense tinha sido submetido a várias transformações. Sabe-se que o tema do labirinto apareceu primeiro na decoração religiosa e, sem dúvida, com uma significação moral que lhe aproximou dos valores familiares e pessoais. O Minotauro era um monstro infernal que ameaçava o viajante desprovido de luzes de amor e de graça. A imagem em si, sem dúvida, não era muito ortodoxa e se aproxima muito do motivo do pomar encantado dos povos romanos.

FIGURA 21 - Plano exemplificando um labirinto (Grimal, 1974).

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FIGURA 22 – Labirinto (Zuylen, 1994).

OUTRAS CARACTERÍSTICAS DO JARDIM MEDIEVAL O jardim acabou se tornando parte integrante de todas as residências, não apenas

as reais, mas também as senhoris e burguesas. Os conceitos de Piero dei Crescenzi, autor de Bononiensis Opus Ruralium Commodorum (1305), importante tratado de agricultura e economia rural da Idade Média e que foi traduzido para várias línguas, ensinavam que um pomar era necessário a todos.

Os jardins particulares tinham como objetivo, sobretudo, a utilidade. A disposição destes, assim como sua plantação, teria como finalidade gerar um lugar de repouso, ar puro, além de perfumado por várias plantas e ervas aromáticas como o basílico, sálvia, esopo, orégano, alecrim, menta e outros. Eles tinham o cuidado para que as árvores não fossem nem muito robustas nem em grande quantidade, evitando assim que o ar se estagnasse e se corrompesse. Pela mesma razão não se plantavam as nogueiras, mas sim árvores delicadas e aromáticas e de preferência, que produzissem flores atrativas e proporcionassem uma sombra agradável. Por exemplo, parreiras, macieiras, pereiras, ameixeiras, romãzeiras, loureiros, ciprestes, dentre outros. Quando era possível, se fazia uma fonte de água corrente, pura e límpida, a qual tornava o ambiente mais sadio e proporcionava um grande prazer.

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FIGURA 23 - Jardim conforme a descrição do Opus Ruralium Commodorum (Zuylen, 1994).

FIGURA 24- Esquema do jardim descrito por Crescenzi (Pizzoni, 1999).

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JARDIM BOTÂNICO

Na Idade Média, já existiam os Jardins Botânicos, criados a partir de influência islâmica e que serviram de inspiração para os jardins do Renascimento. Em 1250, em Montpellier, área de domínio do rei Aragão, existia um parque famoso que fazia parte da escola de medicina e que fora criado pelos árabes que habitavam na Espanha.

FIGURA 25 - PLANO DO JARDIM DO PARQUE DE MONTPELLIER (CRESTIN-BILLET ET AL. 1996).

Nesta época, no período caroligeano, os capitulares (textos com ordens e designações reais) ordenavam a criação de jardins públicos destinados ao lazer. Sabe-se que estes jardins existiram por volta do ano 1000. Havia o registro deles em Prado, na Espanha; Prater em Viena e Saint-Germain-des-Prés em Paris. Esta tradição foi provavelmente muito difundida, apesar de até recentemente não se ter conhecimento da existência deles. Sabe-se apenas que o conceito persa do jardim paradisíaco fechado, adotado pelos árabes, foi difundido pela Europa.

DECAMERON

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Boccace (1313-1375) em seu poema Decameron, faz a ligação entre a Idade Média e o Renascimento. Na sua história, um grupo de nobres de Florença abandonou a cidade, tomada pela peste, e procurou refúgio na Villa de Fiesole, onde retomaram os refinamentos da civilização, criando assim de um ambiente sadio. Apesar de serem os jardins deste refúgio ainda em estilo medieval, sua sofisticação anunciou o espírito dos magníficos jardins das Villas do Renascimento.

FIGURA 26 - Jardim imaginado por Boccace em Decameron (Zuylen, 1994).

5. RENASCIMENTO (SÉCULO XV-XIX)

Nesta época houve uma nova concepção da terra, humanidade e universo; com um caráter mais conquistador e imperialis ta. Ocorreu um movimento geral de renovação, inclusive dos jardins e parques. Este movimento na arte dos jardins passou pelo humanismo, que constituiu uma transição entre o medieval e o renascimento propriamente dito.

5.1. JARDIM HUMANISTA

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“...Os humanistas italianos do século XV que queriam reencontrar o ideal

estético e intelectual da antigüidade tinham uma visão sublime do passado e sonhavam em fazer triunfar a luz sobre os séculos da obscuridade.”

(Gabrielle van Zuylen).

No fim do séc. XIII foi criado, perto de Arrás, pelo Conde Robert II de Artois, o Parque de Hesdin. Este jardim era um lugar cheio de fontes, com uma grande galeria formada por vários tipos de engenhocas estranhas, como por exemplo: jato de água dissimulado que molhava os passantes, espelhos que deformavam, fontes que nunca derramavam, seja qual fosse a quantidade de água que se jogam nela, estátua de um ermitão que fazia chover, trovejar, nevar e relampejar. Havia ainda uma ponte que precipitava os passantes dentro da água e máquinas que espalhavam farinha ou pó de carvão. Estes elementos tinham provavelmente origem oriental, mais particularmente bizantina. Eles pertenciam à tradição dos autômatos e o Conde Robert II adquiriu-os na sua passagem por Palermo.

O parque de Hesdin foi restaurado em 1432 por Philippe Le Bom, Duque de Borgonha e seus registros são encontrados numa série de miniaturas. Este parque aparece nestas miniaturas como um imenso bosque plantado com todos os tipos de árvores, cheio de pássaros. A impressão é de que este parque foi um precedente dos jardins ingleses, que surgiriam alguns séculos mais tarde, não faltando nem mesmo as fab riques, pois nele havia um pavilhão, uma ponte sobre o riacho, um pequeno coreto e ainda uma galeria encantada. Esta liberdade e variedade de motivos ampliavam a concepção tradicional do jardim medieval, pois não se encontravam somente campos geométricos, alamedas retilíneas ou arcos vegetais, mas havia no jardim uma desordem planejada e bem mais próxima da natureza, evocavam os grandes mitos da Antigüidade clássica: a história de Narciso, de Orfeu, ou a metamorfose de Acteón. Assim, o jardim retomou a sua concepção criada na Antigüidade: uma imagem humanizada de um mundo maravilhoso.

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FIGURA 27 - Esquema de miniatura representado o parque de Hesdin (Grimal, 1974).

Os jardins reais se tornavam cada vez maiores e eram compostos de mais setores

variados como bosque para os animais selvagens, viveiro de peixes, viveiro de aves (este, coberto de tela de fios de latão), onde se criavam faisão, perdiz, rouxinol, melro, pintarroxo, pintassilgo, canários e outros pássaros que cantavam. As árvores eram plantadas em linhas perpendiculares para destacar as perspectivas. Este tipo de concepção aparece aqui pela primeira vez, e será dominante no jardim francês. Nesta época, não era conveniente que o rei ou mesmo os senhores se deleitassem sempre, mas quando o faziam para satisfazerem seus súditos, eles iam aos jardins para se refrescar, agradecer e glorificar a Deus, que é aquele que conserva, além de ser o começo e o fim de todas as boas deleitações. Assim pode-se concluir que o jardim era de inspiração cristã. Mas nada indicava que estes jardins fossem locais para rezar, não apresentando calvários ou oratórios.

O jardim se conservava estritamente laico, em todos os seus aspectos, se diferenciando assim dos jardins da Antigüidade. Nestes, não se encontrava nenhum tipo de estátua e os únicos ornamentos esculpidos eram as fontes. A presença dos leões na ornamentação dos parques reais era quase que obrigatória. Podem-se citar os jardins do Rei Renê, tanto em Angers como em Aix-en-Provence. Este rei, apaixonado por agricultura e pelos jardins, foi responsável pela introdução de amora e muscat (variedade de uva, branca e bastante açucarada) no sul da França. Aclimatou também as rosas de Provance, o que fez com que seus jardins se tornassem os “Jardins da França”.

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No fim da idade média, os jardins desenvolveram ao máximo seu caráter agrícola e utilitário. Neles se cultivavam plantas raras e preciosas. Segundo relatos históricos, o Hotel Saint-Pol, em Paris, por exemplo, adquiriu de uma só vez mil cerejeiras, cento e quinze pereiras enxertadas, cem pereiras comuns, doze macieiras "de Paradis", cento e cinqüenta ameixeiras, trezentas mudas de roseiras brancas e vermelhas, trezentas e setenta e cinco copos-de-leite, trezentos lírios, trezentas íris, e oito loureiros verdes.

Os jardineiros desta época trabalhavam na melhoria das espécies, principalmente das rosas. Realizavam enxertos extraordinários os quais foram registrados em um tratado de economia doméstica editado em Paris em 1399, onde tem-se a seguinte descrição: “se queres enxertar uma cerejeira ou uma ameixeira sob re e dentro de uma videira, pode-a e depois, no mês de março, faça uma fenda a quatro dedos de sua extremidade e coloque em contato o âmago das duas partes, e aí dentro desta fenda, coloque um caroço de cereja e amarre com fio o tronco da videira”. Existia também uma receita para enxertar a vinha sobre a cerejeira, e ainda enxertar dez ou doze essências diferentes sobre um mesmo tronco de carvalho. Estas pesquisas curiosas, que sem dúvida permaneciam teóricas na sua maioria, tiveram como possível origem as práticas dos jardineiros gregos ou árabes. Estas tinham como finalidade fazer do jardim um lugar encantado, cheio de plantas cuja s ingularidade não perdia em nada aos animais ou às aves, sendo este, mais uma vez, o tema do "pomar encantado" do Jardim de Armida.

5.2. ESTILO CLÁSSICO

Muitas diferenças separam os jardins do rei Renê dos jardins de Charles V, e o Parque de Versailles ou ainda o de Vaux-le-Vicomt, cujo estilo depois de 1660 se impôs por mais de um século às residências dos príncipes europeus. O jardim medieval tão rico e tão carregado de simbolismos complexos e também tão evoluído em suas técnicas não tinha, a princípio, a necessidade de "renascer". Ele se transforma, sem dúvida, mas ao mesmo tempo também evolui.

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FIGURA 28 – “O Triunfo da Virtude sobre os Vícios”. (Zuylen, 1994).

A criação do jardim clássico começa com o renascimento italiano e muitos dos seus temas apareceram no século XV. O quadro de Mantegna21, hoje no Louvre, intitulado de O Triunfo Da Virtude Sobre Os Vícios, mostra uma curiosa construção verde, verdadeiro pórtico vivo, feito de árvores cuidadosamente podadas e que anunciam a “Charmilles22” de Versailles. Havia ainda, as alamedas fechadas, característica típica do imaginário do século XV. Estas continuaram a serem utilizadas com sucesso para contornar os terraços que tornaram moda nesta época ou ainda para ornamentar (ou organizar) as passagens.

Ressurgiram e foram aperfeiçoadas nesta época as podas pitorescas e plásticas, que se desenvolveram a partir de uma imitação consciente das descrições feitas por Plínio, o Jovem, de seu jardim de Laurentes. As pesquisas das épocas precedentes continuaram a serem exploradas e impulsionaram as invenções de combinações artificiais de enxertos, criando novas formas vegetais. Assim se passou, sem uma transição muito sensível das intenções ornamentais do "Gótico florido" às fantasias barrocas que foram o apogeu dos jardineiros do século XVIII.

Foi na Itália que surgiram os primeiros exemplos deste novo estilo. Florença foi, desde os meados do século XIV, a capital dos jardins, assim como era também a capital da pintura. Os arredores de Florença, as colinas de Fiesole, e outras em todo o vale do Arno, se encheram de Villas e castelos onde banqueiros e comerciantes ricos se retiravam durante o verão. Foi aí que ocorreu a peste de 1348, citada por Boccace, em Decameron.

21 Andrea Mantegna (1431-1406). De origem italiana, foi um dos pintores mais famosos do início do

Renascimento. Tinha preferência pela arqueologia e o mundo antigo. 22 Alameda de árvores podadas em arco.

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A descrição de um destes jardins demonstrou que a sua estética ainda era muito próxima da medieval. Mas podia-se já prever os primórdios de um novo estilo. Este jardim se apresentava como uma transição entre o Jardim da Rosa e os jardins fechados dos romancistas gregos. Os motivos das pradarias, das fontes e seus riachos, retomados por Boccace, pertenciam ao estilo dos jardins Bizantinos. Retomaram-se ainda os motivos dos mitos da Antigüidade, que concorriam para restituir a vida agradável no seu sentido religioso profundo. Assim, as divindades pagãs ressurgiram nos jardins, s imbolizadas nas estátuas da Antigüidade que se tornaram mais conhecidas. Os artis tas aprenderam a esculpir estes deuses a sua maneira.

Verrochio esculpiu para o jardim de Cosme de Médicis uma criança com um golfinho, tema retomado dos helenos que se repetia sempre nos jardins da Antigüidade para ornamentar suas fontes. Para o jardim do Castello tem-se a "Vênus Penteando-se" que Jean de Bologne colocou sobre outra fonte.

As fontes foram outro elemento desta continuidade medieval na época do renascimento e que não perderam sua preeminência nem seu simbolismo. No centro do jardim, citado por Boccace, havia uma fonte ornamentada de estátuas. Nessas, os olhos de três mulheres derramavam lágrimas: a primeira em mármore branco, a segunda em mármore vermelho e a terceira em mármore preto. Esta era uma transferência alegórica das três fases da vida e tem correlação com o tema persa dos quatro rios paradisíacos. Havia, no entanto, entre estes dois temas uma diferença primordial: o jardim persa apresentava a ambição de ser o símbolo do mundo e de toda criação, já a alegoria de Boccace situava em um plano moral interior.

Este novo espírito da arte dos jardins apareceu da maneira mais clara possível no famoso Sonho de Poliphile, composto por Francesco Colonna na segunda metade do século XV: Poliphile e sua amante Polia foram levados por uma maravilhosa embarcação à ilha de Cythère, residência de Vênus e de Amours. Toda a ilha era um imenso jardim, cujas delícias foram abundantemente descritas. Reconhece-se aí o tema romanesco tratado freqüentemente na Idade Média. Não foi feita apenas uma descrição, mas também uma reconstituição exata de tudo através de vários desenhos.

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FIGURA 29 - Esquema ilustrativo do jardim do Sonho de Poliphile (Pizzoni, 1999).

JARDIM DA ILHA DE CYTHÈRE, O JARDIM DE VÊNUS

A ilha era perfeitamente circular, como convém a uma residência divina. Segundo Platão, o círculo e a esfera são as figuras perfeitas por excelência. Toda a ilha é contornada por um conjunto adensado de ciprestes e uma cerca-viva de mirto podada.

O jardim propriamente dito era dividido em vinte setores iguais. Da extremidade para o centro, cada setor era composto de uma série de jardins fechados, limitados por pórticos e balaustres, cobertos por plantas trepadeiras. Cada compartimento era consagrado a um tipo de planta ou a uma espécie com suas variedades. Apareciam também as árvores frutíferas e as essências s ilvícolas, assim como nos pomares e nos bosques das épocas precedentes. Também não faltavam pátios de animais.

A área de bosques terminava com uma cerca-viva composta de limoeiros e laranjeiras com várias aberturas, formando janelas e portas em arco. Havia ainda pomares e pavilhões reunidos por alamedas cobertas, além de numerosas fontes. As árvores frutíferas não cresciam livremente, eram impostas a elas formas geométricas, como, por exemplo, a de uma coroa. Havia macieiras que se s ituavam sobre um pedestal, como uma obra de arte. No meio deste pomar fantástico, encontravam-se arbustos

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podados em forma de gigantes encapuzados que carregavam em cada uma de suas mãos uma torre também formada de arbusto.

Um outro traçado característico do jardim de Vênus em Cythère foi a existência de um canal circular que corria entre duas bordas de mármore. Sobre este canal formava-se um arco de folhas de laranjeiras, e sobre a água deslizavam os botes cheio de jovens.

Quanto mais se aproxima do centro, os setores se tornavam cada vez menores e a decoração mais complexa. Os arbustos representavam todo o cortejo e o triunfo de uma frota. Haviam ainda canteiros bordados com folhagens entrelaçadas e flores de cores variadas.

Era este o Jardim de Vênus. Podia-se perceber que ele unia o charme sensual da natureza às belezas austeras da geometria. O intelectualismo entusiástico do renascimento fez sua marca sobre este jardim. Collona se inspirou naquilo que ele acreditava saber sobre a Antigüidade, mas fazendo-o dentro de um espírito inovador. O palácio por ele construído não era mais o do Jardim da Rosa, nem o de uma visão romântica. O seu jardim, assim como o pomar encantado da época precedente era um universo à parte: divino e impenetrável ao profano. Este universo estava submetido às formas clássicas. A pedra se uniu aos temas vegetais, formando sobre ela um verdadeiro todo.

FIGURA 30 - Jardim de Vênus – detalhe da decoração (Grimal, 1974).

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FIGURA 31 - Plano do Jardim de Vênus (Grimal, 1974).

JARDIM DE ARMIDA

Tasse, poeta italiano (1544-1595) autor da obra “Jerusalém délivré”, descreveu também um famoso jardim que retomava a tradição do sonho de Poliphilie. Assim como no jardim desta obra, no jardim de Tasse havia uma lembrança evidente do pomar de Alcinos. Mas este Jardim de Armida não era somente um tema literário, pois certamente muitos dos jardins daquela época tinham traçados semelhantes. Conforme o modelo medieval, o jardim de Armida era encantado, e por esta razão, ele se dissimulava no centro de um traçado circular. Uma vez superadas as dificuldades dos caminhos oblíquos deste “Dédalo confuso”, os visitantes chegavam a um maravilhoso espetáculo: “Lagos tranqüilos e riachos de cristal, flores, plantas de todas as qualidades, pequenos montes que se aqueciam ao sol, vales sombrios e frescos, florestas espessas e grutas que apareciam em uma só perspectiva, de uma beleza suprema, que enriqueciam esta ob ra de arte que não poderia ser encontrada em outro lugar”.

Pouco mais de um século depois, Mme. de Sevigné, para alugar uma área, comparou sua paisagem a este “lugar encantador” que era o jardim de Armida. Assim como os povos da Antigüidade sentiam, sobretudo dentro do jardim, o espírito dionisíaco e os demônios da terra e da água, os poetas italianos continuaram esta tradição, que teve um pouco da influência árabe, do provençal (aquilo que é oriundo de Provença) e do platônico, enfim, de um universo submisso ao amor. A sensualidade e os prazeres orgíacos do jardim da Antigüidade foram apurados, e pouco tempo depois, romancistas e

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autores de tragédias clássicas iriam aperfeiçoar as pinturas destes motivos. O jardim de Armida iniciou então esta era de preciosidades, e a arte dos jardins retomou assim, sem rompimento, as gentilezas dos trovadores.

Apesar do jardim clássico apresentar características severas, este estilo foi a expressão de um século pueril e grandioso, fiel, dentro do seu espírito, às grandes lições do renascimento italiano, com o orgulho de jogar com símbolos, formas, luzes e água.

5.2.1. Jardim Italiano

No período renascentista, os italianos começaram a retirarem-se para o campo, procurando locais mais frescos, sobretudo durante o verão e de vista agradável. Isto denominava-se villegiatura e para tanto construíram diversas Villas23 próximo a Roma e Florença. Estas propriedades pertenciam a homens prósperos e cultos que apreciavam a natureza. Iniciou-se neste período a intervenção dos arquitetos na arte dos jardins, cujo trabalho se caracterizou pela ordenação geral da área.

O jardim se caracterizava pelos seus passeios retos, coincidindo a avenida principal com o eixo central da residência, que servia de marco da Villa e se s ituava na parte mais alta do terreno. Chegava-se à resid~encia através de uma sucessão de escadarias, rampas, terraços, grutas e fontes. Estes elementos proporcionavam um efeito arquitetural perfeito com a paisagem, unindo a arte e a natureza.

Florença, no século XV, era um centro intelectual e é desta época que datam suas mais célebres Villas, sempre rodeadas de esplêndidos jardins. Carregi, adquirida em 1417, era uma delas. Pertencia a Cosme de Médicis e continha uma grande coleção de plantas exóticas e flores raras. Juan de Médicis (filho de Cosme) construiu em Fiesole uma Villa sobre um terraço com um estreito jardim. Em Quaracchi, apesar de suas formas tradicionais, apareceram algumas tendências novas, estabelecendo uma estreita união entre a casa e o jardim. Buscavam-se os pontos de vista, sendo preferidos os locais mais acidentados para se construir jardins em terraços, sendo necessário uma intervenção dos arquitetos, os quais passaram a comandar a construção dos jardins italianos e cuja influência foi difundida sobre todo o mundo. Uma destas tendências foi o estudo das formas geométricas do jardim, em contraposição ao jardim fantasia, fruto da imaginação, criação e prazer dos poetas e filósofos. Os pintores Poussin, Fragonard e Velázquez, dentre outros, imortalizaram em suas obras alguns dos mais esplêndidos jardins das Villas romanas.

Os jardins eram caracterizados pela exuberância, opulência. Houve uma renovação das Villas romanas. Aperfeiçoaram-se os jardins formais do estilo romano, que uniam as linhas entre os espaços internos e externos, tornando os jardins parte das Villas. Os jardins deixaram de ser canteiros para cultivar e colecionar plantas e passaram a serem construídos em áreas externas para realização de atividades diversas de lazer. Os projetos iniciais eram adaptações realizadas do Hortus Conclusus medieval, mas que evoluíram com o tempo, tornando-se mais organizados, com áreas s imétricas dispostas

23 Áreas que hoje se assemelhariam a chácaras, casas de campo.

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junto a um eixo central. Em terrenos acidentados formavam-se platôs, interligados com escadarias monumentais de pedra com corredeiras de água. Nos terraços haviam fontes, estátuas, pórticos, belvederes (mirantes), balaustradas (gradeado com pequenos pilares), arcadas em colunatas, pérgolas com trepadeiras, aléias sombreadas. A alvenaria dominava e por isso os jardins não eram demasiadamente grandes.

As casas eram construídas em locais com vistas panorâmicas, geralmente no alto do terreno e circundadas com os terraços bastante formais, onde haviam canteiros baixos cultivados com ervas e arbustos podados. A princípio, is to contradizia um pouco a idéia de villegiatura, como um lugar sombreado e fresco. Estes parterres24 eram bastante extensos e tinham como função equilibrar o volume das construções, proporção esta dada também pela simetria dos canteiros.

À medida que o jardim se distanciava da casa, se tornava mais verde e sombreado. A variedade das plantas utilizadas era pequena: ciprestes, tuias, buxinho (topiarias), louros, azinheiros, oliveiras.

A influência romana clássica podia ser sentida na presença dos teatros ao ar livre, construção bastante comum nestes jardins. Os maiores teatros possuíam o palco cercado pelos muros do terraço e eram enfeitados com colunas e estátuas de mármore de heróis e heroínas da mitologia clássica. Os teatros mais s imples eram feitos com plantas e muito se utilizou o teixo para confeccionar blocos plantados propositadamente espaçados para permitirem a entrada e saída dos atores. Havia também esculturas.

Abaixo ou ao lado do jardim principal, s ituava o Giardino Segreto, um local de s ilêncio e tranqüilidade. Neste local se cultivavam ervas, flores ou servia como área para criação das topiarias. A área era cercada por muros e o traçado dos jardins era bastante variado.

Cada um dos espaços do jardim, o parterre, a sala de jantar, o teatro e o Giardino Segreto eram definidos por um jardim circundante. No fundo, haviam bosques de castanheiras, plátanos ou azinheiros, para fornecimento de sombra. Em muitos jardins haviam muros de pedra, os quais podiam constituir um elemento livre ou paredes para contenção das colinas.

No final do século XV, as formas semicirculares expressas pelas paredes curvas ou escadas redondas passaram a ser bastante valorizadas. Estas formas foram utilizadas nos antigos coliseus, no templo de Delfos e na arcada que circundava o lago da Villa de Adriano. Os paisagistas utilizaram bastante as formas semicirculares e hemisféricas, criando espaços atraentes e graciosos.

24 Palavra francesa derivada de broderie par terre, traduzindo, bordados no solo. O termo parterre indica

simplesmente canteiro.

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FIGURA 32 - Villa de Adriano (Pizzoni, 1999).

Nas cascatas, a água descia pelos muros e caíam em bacias amplas onde haviam esculturas de Netuno ou cobras marinhas. Nos terraços haviam escadarias de pedras e os patamares eram decorados com fontes. Em alguns jardins haviam grutas que marcavam as nascentes de água. A água não era utilizada apenas como adorno, mas também para realçar as mudanças de nível, os cruzamentos dos caminhos.

Em muitos jardins haviam figuras esculpidas e colocadas em destaque. Estas figuras podiam ser poetas, mulheres, divindades, seres mitológicos, personagens históricos, animais. Os muros de alvenaria foram substituídos por sebes podadas e estátuas livres e eretas, denominadas de "termos" e eram colocadas nas extremidades dos corredores, arrematando a vista do jardim.

VILLA MADAMA

O projeto dos jardins desta Villa foram encomendados em 1519 a Rafael, que contou com o auxílio de Antônio Baptista e Francesco de San Gallo. Esta Villa foi construída sobre um terraço elevado e extenso. De um lado ficava Roma e existia o pátio de honra. Do oposto, uma estreita banda que dominava o panorama de Tíber. No projeto de Rafael, do lado esquerdo haviam três jardins: um quadrado, outro circular e na seqüência outro de forma elíptica, num nível mais baixo. O jardim quadrado era rodeado de muros e nichos nos ângulos, com uma fonte quadrada no centro. O jardim circular era decorado com quatro êxedras25, cinco nichos no fundo com quatro colunas na frente. Por duas rampas em escadaria se descia ao jardim elíptico, que possuía duas fontes. Desse,

25 Construção descoberta com assentos fixos.

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através de duas rampas menores, se chegava a um caminho de ciprestes que subia por toda a coluna.

FIGURA 33 – Entrada do Jardim da Villa Madama (Zuylen, 1994).

JARDINS DE BELVEDERE – VATICANO

A tomada dos arquitetos e da geometria sobre os jardins, sensível no Sonho de Poliphilie não tardou a ser traduzida para a realidade. Esta influência foi encontrada no projeto de Bramante em 1503, do Belvedere do Vaticano, que apareceu como primeiro parque estabelecido segundo um plano arquitetural. Neste, havia, de maneira simples e harmoniosa, um sistema de terraços, rampas e escadarias, os quais serviram de modelo para diversos outros jardins.

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FIGURA 34 - Perspectiva do Jardim de Belvedere (Pizzoni, 1999).

O problema que Bramante tinha a resolver consistia em reunir por um jardim o palácio do Vaticano com o terraço do Belvedere. Para isto, ele se inspirou na solução encontrada nas ruínas antigas ainda visíveis sobre a colina do “Pincio”, que se compunha de terraços superpostos da época do jardim de “Lucullus”. O projeto de Bramante era composto de três terraços em níveis diferentes: o mais alto tinha como fundo uma fachada em pórtico, cujo centro se encurvava em uma abside26 monumental para receber uma loggia27. No meio deste terraço havia uma grande fonte em forma de vasque28 que marcava a interseção das alamedas medianas as quais delimitavam quatro grandes canteiros.

Este primeiro terraço estava em comunicação com o andar intermediário por uma escada dupla lateral que terminava em uma gruta artificial. O terraço intermediário deveria, segundo o projeto primitivo, ser ocupado por dois grandes gramados contornados de uma paliçada (tapume feito de estacas) de caniço. Este terraço apresentava como continuidade dois outros levemente inclinados, entre os quais se encontrava uma escada monumental que estabelecia o eixo principal do conjunto, e conduzia ao terraço inferior, o qual posteriormente foi organizado em um terreno de carrossel (lugar onde os cavalos executam jogos de corrida e outros exercícios).

26 Extremidade de uma igreja, arredondada ou poligonal, capela mor. 27 Plataforma acessível por uma escada, pequeno alojamento. 28 Espécie de pia redonda.

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Pela primeira vez, um planejamento conjunto entre a jardinagem e arquitetura, submetia a decoração vegetal aos imperativos arquiteturais e algumas vezes o impunha como complemento de uma fachada, ou como transição entre diferentes conjuntos construídos. Na época da construção da nova Basílica de São Pedro, reapareceram os grandes temas monumentais da arquitetura da Antigüidade, e a estética do jardim romano renasceu nos terraços do Belvedere.

Através de terraços, pequenas escadas e muros de contenção, o jardim unia o pátio dos papas e a Basílica que se s ituava em um nível superior. No pátio haviam plantados louros, amoreiras e ciprestes e nos terraços foram colocadas fontes, flores e outras esculturas antigas herdadas da antigüidade.

O jardim do Belvedere pode ser visto, como o representante mais significativo do novo estilo. Sua decoração escultural era particularmente magnífica. Ele compreendia a maioria das obras primas da Antigüidade descobertas no solo romano. Nichos dispostos de maneira organizada ao longo dos muros abrigavam não apenas o Laocoonte29 mas também o Apolo do Belvedere e a famosa Vênus. No meio dos canteiros, harmonizando-se com as linhas horizontais, foram colocados dois grupos simétricos ao Tíber30 e ao Nilo. O jardim do Belvedere foi um dos primeiros jardins-museus, motivo este que se multiplicou principalemnte nas Villas florentinas.

No Belvedere se encontravam todos os princípios e temas da arte do jardim que foram conhecidos como os temas do renascimento italiano. Primeiramente pode-se citar como exemplo destes o emprego sistemático de terraços – novidade que trouxe consigo numerosas e importantes conseqüências.

A multiplicação dos terraços obrigou os jardineiros a recorrerem às escadarias, que deveriam ser monumentais, e serviam para sublinhar o eixo longitudinal, sobressaindo-o em relação ao eixo transversal, fazendo assim, ainda mais forte, o poder da geometria sobre a decoração. Cada terraço era ainda contornado por uma linha que o delimitava. Foi assim que nasceram as balaustradas de pedra, ritmando, sem interrupção, a perspectiva de toda a composição. Mas os terraços necessitavam também de muros de arrimo, que deveriam ser ornamentados. Nesses muros foram cavados nichos e grutas onde as rochas antigas permitiam a criação de ninfas e toda uma decoração da natureza.

Os jardins de Belvedere e a Villa Madama exemplificam a evolução produzida no traçado dos jardins na metade do século XVI, sendo observada a preponderância dos elementos arquitetônicos criados pela intervenção dos arquitetos na arte dos jardins, particularmente nos italianos.

29 Herói de Tróia, sacerdote de Netuno, que foi punido pelos deuses, e devorado junto com seus dois filhos

por duas imensas serpentes - escultura datada do século I a.C. 30 Rio i tal iano que banha a região de Toscana, Ombria e Latium, atravessando Roma.

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FIGURA 35 - Jardim de Belvedere, Vaticano (Zuylen, 1994).

Por volta de 1540, o arquiteto Tribolo (Nicolo Pericoli) criou em Florença, na Villa de Castello, a mais famosa das rocailles31 pavimentada de seixos rolados e inteiramente recoberta, no interior, de um tipo de pedra que imitava incrustações naturais. Três nichos secundários foram preenchidos por grupos de animais. Existia ainda a notável gruta do Orfeu, onde o velho tema pagão foi magnificamente tratado pelo escultor Jean de Bologne. Haviam jatos d'água por todos os lados, fontes da maneira como imaginavam ter existido nos jardins da Antigüidade.

A ordem geométrica dos jardins, e sobretudo, o emprego de terraços, produziram o efeito de criar perspectivas. Estas eram comandadas pelas próprias s imetrias do edifício, subordinando a composição à perspectiva principal (aquela que se desenvolveu segundo o eixo longitudinal). Nestes jardins se encontravam ainda outras perspectivas, criadas pelo arquiteto cada vez que este queria ressaltar alguma intenção secundária de fachada ou criar algum eixo transversal.

Este jardim se tornou, de uma certa maneira, no prolongamento da fachada em vários níveis. Este tipo de concepção resultou no fato de que nem todos os pontos do jardim tinham a mesma importância. Por exemplo, aqueles pontos que se encontravam na ponta da perspectiva eram privilegiados em relação aos demais. Nestes pontos o projetista normalmente instalava um pavilhão, ou uma loggia, verdadeira varanda de onde se via toda a área como um todo ou em parte. Por outro lado, o jardim era submisso ao ritmo das fachadas, as quais sugeriam o local da loggia central, impondo este motivo característico das Villas do Renascimento Italiano. Assim o jardim foi adquirindo sua autonomia, não sendo mais apenas um anexo destinado às caminhadas, mas sim um elemento integrante do espetáculo que a Villa oferecia.

Esta característica foi bem acentuada nos jardins criados a partir de 1544, pelo arquiteto e especialis ta em Antigüidade, Pirro Ligorio, para o cardeal Hippolyto d’Este, na sua residência de Tivoli. A dificuldade extraordinária devido ao relevo do terreno, que era constituído por uma falésia quase vertical que dominava o vale de l'Aniene, impôs a este projeto um problema quase que impossível de ser resolvido. Mas este grande problema

31 Revestimento de pedras, seixos e conchas.

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acabou por impor as tendências do estilo e se reverteu numa bela solução. Era impossível descobrir algum ponto do parque a partir do palácio, pois este se apagava desde o primeiro terraço. Devido a isto, decidiu então tratar o jardim "à rebour", is to é, oferecer a visão do espetáculo não mais da loggia central do palácio, mas a partir do ponto simétrico do outro lado do vale.

FIGURA 36 - Villa d'Este (Zuylen, 1994).

FIGURA 37 - Villa d'Este (Schinz, 1988).

A concepção deste jardim foi a partir de uma imensa fachada, uma continuidade do

edifício que o coroava. Existiam cinco terraços os quais dividiam a encosta em cinco

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ordres32 superpostas. A mais famosa delas era a alameda das fontes, ao longo da qual se encontrava um interminável buffet de água. Esta era bem estreita e seu desenvolvimento horizontal se restringia ainda mais devido às massas de folhagens que contribuíam para diminuir a perspectiva. A água era abundante, pois era fornecida por um riacho. Esta, além de animar todo o parque, trazia o frescor, que contrastava com a paisagem local. Na extremidade de cada terraço e, sobretudo, no plano inferior do jardim, foram cavadas grandes bacias, verdadeiros lagos, formando o espelho d'água, que refletia um brilho sombrio por entre as folhagens. Dominando estas águas sombrias, grutas artificiais e uma ninfa monumental foram cavadas dentro da colina. Desta colina se abria um imenso panorama, que alcançava a campanha romana chegando ao Dome longínquo de São Pedro em um único lance visual.

FIGURA 38 - Buffet de ,água (Zuylen ,1994).

Nos jardins da Villa Castello (1538) foi clara a valorização da entrada, criando um marco na residência. Os jardins se estendiam para detrás da casa, e constituíam áreas privadas e íntimas. Depois de um grande campo, tinha o jardim do labirinto, formado por buxos e ciprestes e terminava com um muro de contenção, com uma porta no seu centro e duas fontes, uma de cada lado. Na parte superior do jardim estava plantado um gramado, limitado por Pinus, logo atrás de uma estufa. No fundo, havia um muro, com uma gruta na parte central, elemento fundamental nestes jardins.

Mais acima, havia uma plantação de ciprestes, Pinus e louros. No centro, um tanque

32 Disposição regular do espaço. Ex: ordre de um jardim à francesa.

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com peixes e pedras que sustentavam uma figura de bronze. A água deste tanque alimentava diversas fontes adornadas de estátuas, dentre elas a famosa “Vênus Penteando-se”, obra de Jean de Bologne.

No outro terraço tinha uma curiosa reprodução dos monumentos da Roma antiga, um verdadeiro diorama em miniatura, chamado "Rometta", a pequena Roma. Mais adiante se encontrava a fonte “La Civètte"33. Ali cantavam pássaros esculpidos de pedra, que desapareciam com a aproximação deste animal saindo da gruta. A tradição dos autômatos bizantinos e árabes sobreviveu ainda ali.

Se os terraços caracterizavam o estilo italiano do renascimento, a água era também um elemento essencial nos jardins desta época. Na Villa d'Este, o alinhamento de ciprestes, existente até hoje, se harmonizava com a água que caia em forma de jatos sobre seus pés. Assim, a medida em que o século se avança, o papel da água se torna preponderante.

FIGURA 39 - Fonte da Villa d'Este (Schinz, 1988).

Na Villa de Falconieri em Frascati, a água era representada pelo espelho calmo de uma bacia retangular, com suas margens trabalhadas em rocailles, que refletia, entre as sombras dos ciprestes, o brilho da luz.

Vignola foi um importante jardineiro italiano, nobre nas suas criações arquitetônicas e palácios, assim como os jardins das Villas. Havia um interessante contraste entre a regularidade e a s imetria de seus traçados e o estilo livre da decoração dos mesmos.

33 Mamífero carnívoro, gênero Viverra.

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Durante quase dois séculos a Itália influenciou os jardins franceses, até que estes criaram um estilo próprio. Os jardins italianos eram mais fruto do capricho e da fantasia do que da lógica. O seu caráter era nobre e ao mesmo tempo íntimo e cheio de encanto, impressionando mais aos sentidos do que ao espírito. Os jardineiros italianos adaptavam o jardim ao lugar (ao contrário de Le Nôtre, nos jardins franceses, que adaptava o lugar ao jardim). Eles tiravam proveito dos desníveis do terreno, fazendo seus traçados de acordo com o relevo. Os jardineiros franceses nivelavam o seu terreno, submetendo a natureza a seus projetos, havendo um excesso de lógica, o que resultava em um traçado claro, preciso e grandioso.

5.2.2. JARDIM FRANCÊS

"A França do século XVII teve uma verdadeira revolução na sua concepção de jardins. Houve um período da história que sempre dominou a visão e a realização dos países. A Itália teve o renascimento e a França o classicismo. O Jardim Francês do período de Luís XIV transformou a paisagem, equilib rando e controlando, expressando uma dominação total sob re a natureza".

(Gabrielle Van Zuylen).

Os reis e os grandes senhores do renascimento quiseram também possuir seus próprios jardins. Charles VIII, por exemplo, encomendou um a Pacello da Mercoliano, que trabalhou também em Blois, fazendo o desenho do seu jardim em Amboise. O cardeal arcebispo de Rouen, George d'Amboise, recorreu a Fra Giovanni de Verona para desenhar seu castelo de Gaillon, perto de Rouen.

Todos estes jardins apresentavam as principais características dos jardins italianos, apesar de que a tradição nacional francesa continuava a se impor, pois muitos destes jardins acima citados, foram anteriores ao projeto de Bramante para o Belvedere e da revolução do estilo do qual ele foi o precursor. Tanto em Amboise como em Gaillon conservou-se o princípio do "jardim plano", com o tradicional pomar fechado de muros e dividido em canteiros de broderie. Em Blois, onde o terreno tinha um certo desnível, o jardim foi organizado em vários terraços, o que evidenciava a influência italiana nestes jardins. Mas cada terraço era um enclos34 autônomo, contornado de uma alameda em berceau35 com um pórtico quádruplo de um claustro. A parte descoberta era ocupada por canteiros em broderie36, e no centro encontrava-se uma fonte, que era dominada por um pavilhão em forma de cúpula. Como nesta época o estilo gótico dominava, foi criado um outro estilo de pavilhão que terminava em uma galeria de cervos.

34 Lugar fechado. 35 Árvores conduzidas formado arco. 36 Bordado. Canteiros cultivados em desenhos formando verdadeiros bordados no solo.

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FIGURA 40 - Broderie em corações partidos nos Jardins d'amour, Chateau de Villandry (Schinz, 1988).

FIGURA 41 - Broderie em cruz de malta nos Jardins d'amour, Chateau de Villandry (Schinz, 1988).

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FIGURA 42 - Esquema das Broderie dos Jardins d'amour, Chateau de Villandry (Enge e Schröder, 1992).

A antiga concepção do jardim como anexo do castelo, o "pátio do verde" continuava

imutável, e foi encontrada em Anet, Bury e em Chambord, e nunca desapareceu por completo. Assim se formou a base de um estilo de jardim próprio do renascimento francês. Du Cerceau, quando projetou o parque de Verneuil-sur-Oise, entre 1565 e 1575, criou ainda jardins plantados de alamedas cobertas por entre o fosso que contornava o castelo, e ainda, se inspirou no estilo italiano e subordinou os terraços uns aos outros com loggias e todo um sistema de escadarias. Encontrou-se ainda, no reinado de Henri II, no castelo de Vallery, criado pelo marechal de Saint-Andre, um jardim quase que inteiramente ocupado por um grande canal.

Estes jardins constituíram o prenúncio de um estilo original novo. Estas realizações ainda não eram muito perfeitas: suas proporções eram pouco satisfatórias, mas ao mesmo tempo, podia-se afirmar que o canal do castelo de Vallery já se encontrava no lugar onde a tradição francesa colocava seus canteiros e suas broderies florais, e formavam um vasto espelho, como em Frascati, em Tivoli, ou em Roma. Mas em torno do jardim fechado o que ainda se encontrava eram as alamedas em berceau do estilo francês.

A evolução do jardim aconteceu pouco a pouco e com grande lentidão. Os jardineiros franceses tinham uma grande predileção pelo trabalho em terrenos inclinados, e por toda esta "arquitetura verde" onde construções leves eram revestidas de folhagens e de plantas trepadeiras. Esta herança dos séculos precedentes e também dos jardins romanos, foi sendo gradualmente modificada, sempre de forma parcial. Foram aparecendo construções mais sólidas, como os arcos e pórticos de pedra, imaginados por Colonna.

O jardim clássico francês era caracterizado por plantações baixas, permitindo uma maior visão das construções. No renascimento, os jardins tendiam para o informal. Apesar de no início ter sido bastante influenciado pelo estilo italiano, no século XVII o jardim clássico em estilo francês se tornou uma “febre”. Os jardins deste estilo foram construídos com bastante arrogância e empregando um grande número de trabalhadores, como por exemplo, para a construção do palácio e jardim de Vaux-le-Vicomte, se arrasou com três aldeias e nele trabalharam 18.000 pessoas. Nos jardins de Versailles trabalharam 22.000 homens e 6.000 cavalos, os quais drenaram pântanos, construíram terraços e canais. Em

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Marly, um local de retiro de Luís XIV, se remodelou as colinas, se plantou e replantou árvores adultas e se construiu um jogo d’água com treze rodas-d’água.

FIGURA 43 - Marly (Zuylen, 1994).

Cada jardim tinha um plano geométrico preciso, sendo constituído de terraços,

espelhos d’água e caminhos traçados ao longo de um eixo central, em dimensões monumentais. A maior parte deste plano podia ser visto em um único golpe de vista, com intuito de provocar admiração e expressar respeito. A vista, ao longo do eixo central, levava ao infinito, como se o proprietário do jardim pudesse ter também um controle infinito. A presença de espelhos d’água planos, fontes requintadas e árvores em topiaria davam a sensação de que a natureza estava domada pelo homem.

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FIGURA 44 - Esquemas de poda da arte topiária (Zuylen, 1994).

O espírito do matemático Decartes (séc. XVII), criador da ciência da geometria analítica, também se aplicou aos jardins: a concepção de eixos e de eixos cruzados foi utilizada nos jardins, inclusive no de Versailles. O quarto do rei ficava no centro do castelo e os atendentes e cortesãos ficavam nos quartos adjacentes. O eixo principal do jardim começava no quarto do rei, garantindo para ele a vista mais perfeita.

A geometria e a lógica foram preponderantes para o surgimento do formalismo no jardim francês, onde platôs de forma abstrata eram desenhados antes de serem executados. As colinas eram trabalhadas para se transformarem em canteiros planos. A água ficava em espelhos d’água de formas geométricas. As árvores eram dispostas em linhas retas e o gramado ficava restrito a áreas retangulares. As árvores e arbustos eram podados de forma rígida, descaracterizando a sua forma natural. Na arte, a moda valorizava o óbvio e o excessivo: quanto mais elaborado fosse o projeto, com adornos mais atrativos, maior era o prestígio do seu proprietário.

Todos estes elementos complexos e estas adaptações "originais" que foram surgindo aos poucos acabaram formando esta síntese que foi o jardim clássico "a la française" em meados do século XVII.

O jardineiro mais famoso desta época foi André Le Nôtre, que trabalhava com simplicidade, elegância e requinte, no entanto sem excessos. Na sua história, sua origem era de uma família de jardineiros: pai (era jardineiro nas Tuilleries), avô e cunhados. Era um homem estudioso e viajado. Le Nôtre atendeu aos anseios dos seus patrões, assim como da própria época, criando vistas com aparência de infinito, escalas imponentes, planos que inspiravam admiração e respeito dos admiradores.

Seu primeiro trabalho importante como paisagista foram os jardins do castelo Vaux-le-Vicomte, pertencente ao Ministro das Finanças de Luís XIV, Nicolas Fouquet. Nele haviam parterres padronizados com o gramado, sebes perenes de porte baixo e espelhos d’água. O uso de alvenaria era mínimo: Le Nôtre utilizava as plantas para criar estruturas, como os teixos podados em forma de cone. Nos bosques que circundavam o jardim, foram criadas pequenas áreas para alívio do calor e para descanso da vasta extensão dos parterres. Este se tornou um dos modelos do jardim em estilo francês.

CASTELO VAUX-LE-VICOMTE

O domínio de Vaux, na época em que Fouquet o teria comprado, em 1641, era ainda uma residência feudal com seus fossos de água, suas granjas e suas dependências rústicas. Fouquet, assim que se tornou proprietário, começou imediatamente a realizar reformas e transformações profundas. Para liberar a quantidade de terreno necessária aos jardins que ele queria construir, suprimiu a vila de Vaux e dois lugarejos vizinhos. Neste vale havia um riacho chamado l’Anqueil e foi dele que se retirou a água para o grande canal.

O arquiteto responsável pela construção do castelo foi Louis le Vau que tinha a

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influência italiana na sua formação. O castelo por ele projetado tinha sua frente voltada para o sul e para o parque, sendo de inspiração clássica, com dois pavilhões laterais levemente avançados em relação a sua fachada central a qual era coberta por um dôme37 e uma lanterna. O fundamento da concepção foi então definido: uma simetria axial e dois eixos secundários que dominavam também o jardim. O paisagista Le Nôtre foi chamado por Fouquet para colaborar com o arquiteto Le Vau. Le Nôtre contava também com a influência italiana, e criou neste jardim uma composição de terraços, adaptando-os à inclinação que o terreno apresentava em direção ao riacho (l'Anqueil). Assim, ele compôs os terraços em três grandes planos sucessivos, sem grandes diferenças de nível. No sentido leste existia uma outra inclinação do terreno que seguia o curso do riacho. Le Nôtre trabalhou este desnível em contre-allées, ou seja, uma alameda lateral, paralela a uma alameda ou via principal, criando o equilíbrio do todo sem usar de uma simetria mecânica. O jardim aparecia neste lado como um "repouso" entre os dois movimentos do terreno.

FIGURA 45 – Le Nôtre e o Castelo de Vaux-le-Vicomte.

37 Abóbada.

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FIGURA 46 - Ornamento em buxos, (Vaux-le-Vicomte, 1992).

A área livre no entorno do castelo foi aplainada e limitada pelas grandes massas

verdes que se estendiam no sentido leste com uma alameda de tílias. Atualmente, esta composição proporciona a impressão de uma imensa clareira (na época de sua construção esta impressão não era tão evidente). A clareira tinha as árvores à distância e apresentava-se repleta de canteiros em broderies florais e vastos espelhos d'água. Estes canteiros, próximos do castelo, deveriam ser vistos das janelas do andar nobre. À frente, ficavam os tanques que refletiam a luminosidade do céu e no terceiro plano, na linha do horizonte, dominavam os grandes planos gramados que chegavam e margeavam o canal transversal.

Este jardim reuniu a arte de Le Nôtre, de Claude Robillon (construtor de fontes) e Antoine Turmel (produtor de flores) os quais reproduziram nesse os encantamentos do Palácio de Armida. O jardim era animado: ao longo da alameda mediana, encontravam-se dois canais com jatos d'água com espaçamento ritmado, tão próximos uns dos outros que davam a impressão de balaustradas de cristal. O que as tornavam ainda mais agradáveis era o fato de se projetarem sobre pequenos quadrados gramados, formando um contraste interessante com os dois canais que elas separavam. Na extremidade do primeiro terraço

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havia uma “grade de água” fechando a perspectiva transversal. Um buffet38 de água brilhava na base do terraço inferior, na frente do grande canal. Do outro lado do vale havia uma gruta artificial, e sobre ela estava representada uma montanha de onde se jorrava água. Assim como nas Villas italianas, nesse jardim tinha-se a água com sons e movimentos por todos os lados, trazendo vida e animação.

A impressão de encantamento era tão presente neste jardim, que La Fontaine assim o descreveu à Maucroix (à respeito da festa de 1661, que começou com uma encenação de contos de fada, onde uma rocha se transformava em concha, e depois esta se abria e aparecia La Béjart39):

“Dois planos encantadores e cheios de sabedoria

Fazem tanto pela sua imposição Que se acreditou que eles tinham o poder

De comandar a natureza.”

As apresentações culturais, com inspiração nos cavaleiros romanos davam uma tônica ora épica, ora teatral, aos encantamentos dos jardins. Isto fora demonstrado na festa oferecida por Fouquet ao rei onde todo o seu encantamento provinha do parque, em tempo integral, pois ele foi desenhado, calculado e plantado para o prazer dos vis itantes e também para ser o triunfo do espírito humano sobre a natureza. Os antigos temas mitológicos foram retomados e atualizados. Havia novamente nos jardins não apenas a vida intensa e sensual com que a Antigüidade animava a natureza, mas se criou uma nova mitologia para atender os desejos do proprietário, que às vezes era representado por Hércules ou Apolo e mesmo um esquilo (que para muitos se chamava Fouquet) brincando imprudentemente entre as patas de um leão.

38 Uma seqüência de fontes dispostas próximas umas das outras, como se estivessem servindo ao visitante. 39 Família de atores do grupo parisiense Molière, 1618.

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FIGURA 47 – Vaux-le-Vicomte com os figurantes que animavam o jardim (Zuylen, 1994.

Foram encomendados ao pintor Nicolas Poussin temas que representavam os gênios das flores e dos frutos e a decoração do parque retomava os motivos destas pinturas que ornamentavam os aposentos. Toda a propriedade se tornou então um universo fechado, com suas leis, símbolos e enigmas.

FIGURA 48 – Castelo Vaux-le-Vicomte (Schinz, 1988).

Ao visitar os jardins do Castelo Vaux-le-Vicomte, Luís XIV, ficou enciumado com

tanto bom gosto e grandiosidade. Mandou então prender o seu proprietário sob alegação de desvio de dinheiro público e contratou Le Nôtre para construir um jardim ainda mais magnífico, próximo a uma antiga cabana de caça, em Versailles, com dimensões espetaculares.

JARDINS DE VERSAILLES (1624-1688)

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O Jardim de Versailles teve sua construção iniciada pelo rei Luís XIV, sete anos antes do início da construção do palácio, através da equipe do paisagista André Le Nôtre. A área total era de 732 hectares, com 3 km de comprimento e 1400 fontes. Versailles teve por mérito o fator de surgir do meio de um pântano que a nada parecia se destinar e se tornou um palácio encantado.

FIGURA - Vista parcial do Palácio de Versallhes.

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FIGURA 49 - Parte do Plano do Jardim de Versailles (Grimal, 1974).

O jardim de Versailles foi projetado como uma ópera de verde, mármore e bronze. Uma imensa composição mitológica animada pelas águas. Na bacia de Apolo, coração da perspectiva central, tem-se a “Carruagem do sol que surge do oceano”. Mais adiante a representação de Latona e seus dois filhos transformando os camponeses de Lycie em sapo. Ou ainda do gigante Encélado cuja cabeça brilhava por entre as rochas onde se

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encontrava preso. Estes conjuntos sobreviveram até os dias de hoje, testemunhas do mito que o rei quis construir em torno dele. Outros foram condenados por suas construções bizarras e injustificáveis, como, por exemplo, a de Mme. Montespan: uma árvore de bronze com folhas de ferro, de onde saiam mil fontes minúsculas. Outro exemplo foram os dois buffets de mármore onde engenhosos tubos de vidro pareciam oferecer garrafas, formando um serviço móvel composto por finos jatos d'água.

Apesar da tradição das máquinas de Hesdin e da Villa d’Este não ter desaparecido da arte dos jardins clássicos, muitos não perduraram até os dias de hoje. Por exemplo, Versailles de Luís XIV, possuía seu labirinto, seu teatro de água, sua voûte40 de água, onde as inclinações dos jatos d'água eram tão bem calculadas que se podia caminhar por entre eles sem se molhar.

Nestes jardins predominavam a lógica, clareza e equilíbrio, sintetizados pelo seu traçado simétrico, valorizando a perspectiva e criando a sensação de grandiosidade. O jardim ficava em torno de um eixo central de grande comprimento (próximo de 2 Km), proporcionando uma aparência infinita. Este eixo não era cortado no sentido horizontal. Os parterres foram dispostos simetricamente a este eixo e separados dos bosques por cercas-vivas. Havia estátuas de mármore branco, fontes, canteiros floridos, gramados. A construção de urnas, vasos e imagens eram feitas inicialmente em gesso e somente após a aprovação do rei eram esculpidas em mármore.

No bosque foi construído o Grand Trianon, um palácio reservado, com jardins floridos, que era para o rei um local de privacidade e refúgio.

FIGURA 50 - Grand Trianon (Enge e Schröder, 1992).

40 Fontes com projeção dos jatos d’água para o centro, formando uma abóbada.

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FIGURA 51- Pequeno templo do jardim do Trianon (Enge e Schröder, 1992).

FIGURA 52 – Versailles na época de sua construção (Zuylen, 1994).

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Depois de finalizada a obra, Luís XIV criou um guia para circulação no jardim, indicando os caminhos a serem percorridos e as linhas de vista.

A monumentalidade de um jardim era conseqüência de uma escala que pudesse impressionar, expressão esta conseguida nos grandes espaços abertos. Em Versailles, os jardins foram estruturados em uma série de terraços planos e abertos. Nestes terraços foram construídos parterres (broderie parterre), onde o chão era todo bordado com buxinhos podados. Os espaços eram complementados com pedras trituradas ou pó de tijolo, além de possuírem vasos plantados com flores, oferecendo assim cor ao jardim. Um corredor principal ligava os parterres, que se estendia até árvores plantadas de forma bastante adensada. Entre o castelo e esta floresta, as árvores e arbustos eram rigidamente podados, criando uma transição de formas: partindo-se do castelo, estrutura de alvenaria e formas geométricas, passando-se pelas plantas elemento natural em forma também geométrica, chegava-se aos bosques cujas árvores se desenvolviam livremente.

As alamedas eram plantadas em ziguezague dentro dos bosques e florestas, as quais eram interrompidas por clareiras, utilizadas pelas mulheres da corte para realizarem seus piqueniques. No século XVII, estas áreas, denominadas de rond-points (“pontos-redondos” = pequenas áreas circulares), foram transformadas e nela introduzidos teatros, grutas, viveiros de pássaros e jogos de água. Era um local onde se mudava a dimensão da escala, sem, no entanto, interferir na idéia principal.

Os espelhos d’água eram realçados por fontes ou jatos de água únicos. Como a topografia francesa não favorecia a construção de quedas d’água, movimentos de terra foram realizados para se criar fontes que satisfizessem as vontades do rei. O jardim de Versailles possuía diversas fontes, apesar de não haver volume de água e pressão suficientes para abastecer e movimentar todas ao mesmo tempo. Para que tudo fosse perfeito, alguns meninos segurando bandeirolas corriam entre os bosques avisando o caminho realizado pelo rei. Assim, as fontes por onde ele passaria eram ligadas e as outras desligadas. Para Luís XIV, Versailles era um “jardim de águas”, e passear pelos jardins, s ignificava ver as fontes.

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FIGURA 53 - Fontes e jatos d'água de Versailles (Zuylen, 1994).

O movimento, a cor e animação dos jardins eram dados pelas pessoas que circulavam pelos jardins, encenavam peças teatrais, realizavam festas, espetáculos musicais e de fogos de artifício. O estilo formal dos jardins, mesmo na ausência dos reis, permaneceu ao longo dos anos, pois ostentava o poder e o bom gosto de uma época. Este estilo foi também seguido por outros povos, como os ingleses. Para suprir as necessidades destes jardins, construíram estufas, nas quais se cultivavam plantas exóticas e anuais floridas. Esta tradição permanece até os dias atuais nos parques e jardins europeus, onde, quanto maiores os canteiros e quanto mais freqüente são modificados, maior é o impacto.

FIGURA 54 – Fonte de Apollo (Enge e Schröder, 1992).

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O jardim francês, de Vaux a Versailles, e ainda outros, apresentava a decoração digna das representações dos contos de fada e das óperas, neste século em que reinava o gosto pelos grandes eventos e pela fantasia. A ópera italiana tinha um público cada vez maior e quase sempre a decoração que servia para estas apresentações era a de um jardim.

Desde o fim do século XVI, foram criadas na Itália decoração das paisagens típicas, nas quais eram representadas peças teatrais da mitologia. Por exemplo, o Julgamento de Pâri41 era apresentado no meio de um bosque. Florentin Torelli contribuiu para a introdução na França desta cultura que respondia exatamente às tendências profundas do século. Se o teatro fosse representado no interior do palácio deveria ser dentro de um salão, e se fosse fora do castelo, a apresentação deveria ser em um jardim. Produziam-se ações recíprocas entre os jardins e o teatro: se o jardim impunha sobre o teatro os seus bosques, suas fontes, seus vasos de mármore ou de cerâmica, o inverso também era verdadeiro, pois a decoração teatral também vem confirmar as tendências do jardim. Assim encontravam-se nos parques as coulisses42, onde se dispunham a maquinaria secreta que movimentava os buffets de água e espaços vazios deixados propositadamente para a representação dos atores, calculando ilusões e impondo perspectivas.

O jardim francês sempre foi destinado a ser visto de um ponto alto. Assim, no Parque de Tuilleries, uma das concepções de "Le Nôtre", a bacia mais distante do castelo foi aumentada voluntariamente para corrigir a redução da perspectiva. Assim como os arquitetos gregos, os jardineiros franceses se esforçavam para evitar a fuga infinita das linhas. No castelo de Tanlay, perto de Tonnerre, existia um canal que o terreno impunha um comprimento desproporcional a sua largura. Assim para corrigir este problema, o arquiteto resolveu aumentar sua largura gradualmente a fim de criar uma leve divergência compensando a fuga da perspectiva e restabelecendo, pelo menos visualmente, proporções harmoniosas. O jardim era o domínio por excelência das ilusões teatrais, e definido por leis cuidadosamente calculadas, mas a geometria e a razão não definiam em si o jardim francês, são somente servidores de uma arte cuja finalidade era atingir a fantasia e o encantamento.

41 Chamado também de Alexandre na mitologia grega. Príncipe de Tróia, filho de Príamo e Hécuba. 42 Alamedas cobertas sob "charmilles", que serviam como bastidores para o teatro.

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FIGURA 55 - Jardim das Tuilleries (Plantas e Flores, 1972).

No jardim francês as plantas faziam parte da arquitetura, sendo elementos fixos da paisagem para proporcionar a grandiosidade e isto era conseguido através da poda. As plantas eram dispostas de forma alinhada para cercarem os espaços dos jardins e conduzidas em formas geométricas. Havia a chamada poda en rivière que consistia em podar as árvores até onde as escadas pudessem alcançar e, a partir daí, permitia-se o crescimento livre.

O gramado era impecável e por isso denominados de “tapete verde”. Era circundado por caminhos de cascalho e as bordas eram demarcadas por sebes perenes baixas ou buxos e teixos podados em forma de cone. Esculturas enfileiradas, intercaladas ou não com topiárias eram colocadas nas bordas dos bosques ou nos limites dos gramados. Nos pedestais eram colocadas urnas e nos vasos eram cultivadas flores exóticas. Ainda se colocavam esculturas em mármore de deuses, deusas e personagens mitológicos.

5.3. ESTILO BARROCO

No fim do século XVI, Galileu, Newton e Kepler, transformaram a visão do mundo, abalando os conceitos religiosos. A visão do universo, até então limitada, foi modificada, passando a ter dimensões infinitas. A visão do movimento barroco marcou decis ivamente tanto a arquitetura quanto a arte dos jardins. A arte barroca, nascida em Roma, foi mais uma arte do espetáculo do que da contemplação, mais da ilusão do que da realidade. O barroco foi o estilo italiano exagerado. Nele se teve o auge da simetria, dos maciços cheios e da artificialidade.

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FIGURA 56 – Representação de um Jardim Barroco (Zuylen, 1994).

Nas primeiras pesquisas do barroco, a água foi um dos elementos preferidos do

jardim e uma das inspirações do escultor. Quanto aos arquitetos, eles criaram o espelho d'água. Os tanques perderam seus contornos geométricos para adotarem o desenho de uma concha, onde se encontravam representadas as ondas.

Nos jardins havia estátuas de deuses das águas, imitando os grupos da Antigüidade do Belvedere, com suas ninféias e todo o imaginário das fontes herdados dos romanos da Antigüidade. Contrastando com este tema, haviam os demônios da vegetação e foi na abundância dos termos de linhas compactas que se encontrou o jardim francês.

O urbanismo romano e a arquitetura das grandes igrejas nasceram de espaços espetaculares, com ilusões óticas, no qual o jardim teve um lugar secundário. Um exemplo da arte da paisagem barroca foram as Villas de Frascati, com destaque para as de Muti, Mondragone e Aldobrandini. Esta última constituiu uma transição do estilo clássico para o barroco, podendo ser ilustrado pelo desdobramento dramático das escadarias, pelo rigor que havia diante da Villa, de onde se podia ter uma vista esplêndida sobre toda a campanha. Havia um teatro de água em um grande semicírculo com cinco nichos ornamentados de esculturas, com fontes e jogos de água elaborados. Tudo isto se situava em um corte efetuado na colina, toda coberta de árvores, com o objetivo de se fundir à paisagem da Arcádia. Esta concepção foi retomada nos jardim francês do século XVII.

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Figura E5. Villa Aldobrandini (Enge e Schröder, 1992).

FIGURA 57 - Villa Aldobrandini (Pizzoni, 1999).

FIGURA 58 – Teatro de água, Villa Aldobrandini (Pizzoni, 1999).

Outros exemplos deste estilo foram os jardins de Florença, como o de Boboli (1583-1593), com sua famosa Grotta Grande, onde três grutas interiores conduziam a uma estátua de Vênus de Jean de Bologne e havia ainda quatro escravos de Miguelângelo. As grutas tiveram origem na Antigüidade, lugares de mistério, sagrados, constituindo elementos artificiais de decoração das residências romanas. Outro jardim barroco monumental, o da Villa Garzoni, foi construído em 1652, que tinha como característica marcante uma espetacular escada de água.

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FIGURA 59 - Jardins de Boboli (Enge e Schröder, 1992).

FIGURA 60 - Villa Garzoni, Collodi (Plantas e Flores, 1972).

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FIGURA 61- Escadaria da Villa Garzoni (Plantas e Flores, 1972).

O gosto barroco da mistura do rústico com o fantástico apareceu na descrição de Montaigne (escritor francês, século XVI) sobre a gruta da Villa de Médicis. Existia não somente a música e a harmonia conseqüente do movimento da água, mas também pelo movimento de várias estátuas e portas.

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FIGURA 62 – Villa Médicis (Zuylen, 1994).

5.4. ESTILO PITORESCO

O jardim paisagístico foi uma oposição ao estilo Barroco (riqueza de detalhes, ordem e simetria). Estes jardins se voltaram para as concepções do império chinês: imitação da natureza, com traçado livre e s inuoso, com água correndo livremente, enfim a s implicidade.

5.4.1. Jardim Inglês (1700)

No jardim inglês havia uma grande diversidade de plantas com arbustos floridos, plantas herbáceas e anuais, bulbosas, flores silvestres e forrações. Devido à pequena diversidade de plantas do período da Idade Média, no Renascimento houve um crescimento no interesse de se ter diversidade, demonstrado principalmente pelos ingleses. Assim, havia excursões, viagens para todo o mundo com o objetivo de se trazer espécies exóticas.

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A princípio, o jardim inglês parecia ser informal, pelo cultivo livre e de grande número de variedade de flores. Ao contrário, tinha um esquema bem detalhado e planejado. O jardim tinha um planejamento formal, mas o seu plantio era informal. Possuia muros, sebes, canteiros, bordaduras e caminhos pavimentados. São estes os elementos que proporcionam escala, forma e coerência ao jardim. No jardim inglês era fundamental a presença de muros e sebes, que delimitam os espaços, protegiam as plantas e serviam como fundo.

Grupos de árvores e arbustos de espécies variadas eram utilizados para limitar os espaços abertos irregulares. Cada espaço deveria ser projetado a partir de um ponto específico a ser destacado: podia ser uma árvore, um lago ou uma vista panorâmica.

O movimento e a imaginação eram estimulados por caminhos curvos e que desapareciam, por linhas de vista encobertas por galhos. No estilo paisagístico sempre havia um elemento surpresa ou a sensação de mistério. A ordenação assimétrica da paisagem provocava uma complexidade visual enquanto que nos jardins formais com traçados rígidos, todo ele poderia ser observado em um só lance visual. Os desenhos assimétricos eram mais difíceis de se compor, devendo-se sempre buscar o equilíbrio.

Muitos jardins foram projetados como se fossem quadros, divididos em planos: primeiro plano, plano médio e o plano mais distante. Tudo ordenado em torno de um ponto de vista principal como um templo, uma fonte ou um lago.

William Kent era pintor e foi um dos primeiros projetistas deste estilo. Humphrey Repton foi considerado o mestre do estilo paisagístico. As suas paisagens iniciavam nas fundações das construções e continuavam até o campo circundante, sendo mais importante a sua vista como um todo do que os adornos. Também pintor, os seus esboços eram feitos em aquarela, para tentar conquistar os clientes. Contradizendo, outros paisagistas famosos como Russel Page, Christopher Lloyd, defendiam a tese de que o cenário panorâmico não precisava fazer parte da paisagem projetada. Eles entendiam que, quando a paisagem externa era esplendorosa, o jardim servia como moldura; e ao contrário, quando a paisagem externa era inexpressiva, o jardim deveria ser mais elaborado, utilizando plantas bastante atrativas.

Nos espaços abertos se utilizavam a água e a grama. A água sempre era atrativa, seja parada, em forma de lagos ou em movimentos, nos córregos. As paisagens extensas sempre necessitavam de água, geralmente localizada em pontos mais distantes. Nesta época as construções eram bastante audaciosas e muitos lagos foram criados a partir de córregos.

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FIGURA 63 - Jardim Inglês (Enge e Schröder, 1992).

FIGURA 64 - Jardim Inglês (Enge e Schröder, 1992).

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Os gramados, ao contrário, eram utilizados nos planos mais próximos. Eles eram fundamentais para destacar as colinas, as depressões do jardim, proporcionando ótimos contrastes de vista. A característica mais marcante do jardim paisagístico eram os gramados extensos e bem cuidados, a qual foi herdada de um paisagista do século XVIII, Lancelot Brown. Os seus jardins eram marcados por árvores e extensos gramados, não havendo canteiros de flores, parterres com balaustradas ou outras plantações. Este cenário s imples influenciou diversos outros paisagistas e jardineiros, principalmente nos Estados Unidos.

O projeto global era definido pelos grupos de árvores, onde se fazia inclusão ou exclusão de espécies de acordo com o traçado ou a vista desejada. Em função disto, a maioria das árvores que compunham o jardim eram espécies nativas.

Os elementos arquitetônicos impunham ao jardim uma característica de época e ainda indicavam que o jardim constituía uma área projetada, trabalhada. No século XVIII, templos e ruínas, em homenagem a Antigüidade, eram utilizados. Com o tempo, estas estruturas foram substituídas por formas mais exóticas, como os Pagodes Chineses43, pontes indianas, ermida44 e abrigos rústicos, ruínas e arcos góticos desmoronando. Destacava-se ainda o que se denominava “natureza sublime”, onde se valorizavam árvores irregulares (principalmente faias45 e salgueiro-chorão), cenários com características selvagens (penhascos, cachoeiras) e até troncos de árvores mortas. As árvores eram plantadas próximo aos elementos arquitetônicos.

FIGURA 65 - Pagode Chinês (Pizzoni, 1999).

As pontes se tornaram o elemento arquitetônico mais comum neste estilo de jardim, 43 Templo budista sobre base circular, comum no século XVIII, como fabrique de jardim. 44 Igreja rústica ou capela. 45 Árvore européia.

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pois além de não serem um elemento cuja construção fosse tão dispendiosa, ainda constituíam um ótimo ponto de vista no jardim. Foram muito utilizadas para delimitar o jardim projetado e a paisagem natural. Mesmo quando não havia as pontes, esta delimitação era bastante suave, não podendo precisar estes limites, pois, as paisagens se confundiam. Esta transição era possível graças a uma construção denominada de ha-ha, uma estrutura mista de fosso e muro de contenção que tinha por finalidade impedir que o gado e os carneiros se aproximassem e pastassem próximo à casa. À distância, estas estruturas não eram visíveis e o gramado tinha uma aparência única.

FIGURA 66 – Ha-ha (Zuylen, 1994).

Foram formados parques e jardins públicos para o arejamento das áreas urbanas. Os jardins eram caracterizados pela presença de bosques, gramados extensos, rochas, árvores secas, lagos, ruínas, plantas nativas e plantas isoladas. Sempre havendo a presença de algo florido durante todo o ano.

A concepção dos jardins na Europa foi bem expressada na obra do Príncipe de Ligne intitulada "Coupe d'oeil sur beloeil et sur une grande partie des jardins de l'europe" (traduzindo, Visita a Beloeil e grande parte dos jardins da Europa) Este livro constituíu um resumo sobre os jardins e sua filosofia. Os grandes temas dos jardins que nasceram e perpetuaram, século após século, desde a Antigüidade, sempre coexistiram e se fundiram. O domínio familiar dos príncipes de Ligne e Beloeil, em Hainaut (França), tinha ao mesmo tempo estruturas que caracterizavam estes diferentes estilos como: tanques, charmilles, Berceaux46 à italiana, um charmoso jardim fechado construído em torno de uma estrutura de água, salões gramados; coberturas de flores, um pequeno grupo de roseiras plantadas em quincôncio (forma de plantar colocando as mudas nas

46 Plural de berceau.

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extremidades e no centro de quadrados, formando uma figura de cinco pontos), caminhos verdes que atravessavam a floresta dentro da qual se encontrava este jardim. Um exemplo da influência do jardim inglês na França foi o “Hameau” criado por Maria Antonieta em Versailles.

FIGURA 67 – Hameau de La Reine (Zuylen, 1994).

Os jardineiros ingleses tentaram imitar as sinuosidades e as irregularidades das alamedas do modelo chinês, adaptando-os aos conceitos ocidentais, criando o jardim anglo-chinês. Os paisagistas mais famosos deste estilo foram William Kent e William Chambers. Foram criadas formas ornamentais como espirais ou semicírculos (arcos). Nos jardins ingleses a geometria das curvas substituiu a geometria das linhas retas. Este tipo de traçado não se adaptou à concepção pura de um jardim chinês, pois este não era projetado num plano por ser este um conceito absurdo para o chinês.

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FIGURA 68 - Plano de um jardim anglo-chinês (Grimal, 1974).

FIGURA 69 - Jardim Inglês (Zuylen, 1994).

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5.4.2. Jardim de Cottage

Profusão é o termo mais adequado para definir e caracterizar este estilo de jardim. Neste estão presentes flores de diversos tamanhos, formas e cores; cultivadas entre muros, caminhos e associadas a ervas, arbustos, verduras, roseiras e árvores frutíferas. O plantio era feito ao acaso, procurando sempre o florescimento o ano todo e com cuidados mínimos. Estes jardins geralmente pertenciam a residências, os cottages, que se s ituavam nas aldeias. Os mais antigos eram construídos de pedra, tijolo ou madeira, com telhados bastante inclinados e cobertos com palha. Atualmente corresponderiam às casas de subúrbio.

O cottage situava-se em um dos cantos de um pequeno terreno, que era fechado por cercas, muros de pedra, cercas-vivas, onde se utilizavam o teixo, azevinho, estrepeiros, alfenas. A casa, geralmente, era coberta por roseiras trepadeiras ou madressilvas. Entre o portão e a entrada da casa, havia um caminho, marcado por um arco de rosas ou um par de pavões em topiaria. Os proprietários destas áreas eram de origem humilde e provavelmente os jardins tenham surgido no período medieval e eram utilizados para cultivo de ervas e legumes úteis à alimentação. Devido à origem humilde e à necessidade de desempenhar outras tarefas, o proprietário dedicava um tempo limitado ao jardim e por tradição era a mulher quem cuidava do jardim, cultivando, vendendo flores e produtos, além de trocar e introduzir novas sementes. Criavam-se porcos, coelhos e galinhas, mantidos dentro de cercas portáteis para evitar danos às plantas, mas ao mesmo tempo, o seu estrume era útil para a adubação do jardim.

FIGURA 70 - Jardim de Cotagge (Schinz, 1988).

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FIGURA 71 - Jardim de Cotagge (Schinz, 1988).

As plantas utilizadas eram agradáveis, puras, delicadas em tamanho, cor e perfume. As dez plantas clássicas destes jardins eram: lírios-branco, cravínea, madressilvas, resedá, rosa, prímula, alfazema, malva-rosa, pilriteiro e amaranto. Além destas ainda podia-se encontrar: tremoço, campânula, artemísia, narciso, alecrim, aquilégia, gerânio, astrância, pelargônio; muitas delas cultivadas em vasos. Havia também as perenes, como macieiras, dedaleira, roseiras e roseiras trepadeiras, verbasco.

A partir do início do século XIX, houve um crescimento dos cottages, com outros profissionais morando nestas áreas, como os artesãos, tecelões, fabricantes de luva e rendas. Com o tempo, os habitantes dos cottages especializaram no cultivo de apenas algumas variedades de flores, sendo chamados então de floristas e, através da hibridação, introduziram diversas flores aos tradicionais jardins. As mais trabalhadas foram as anêmonas, aurícolas, cravos, jacintos, prímulas, ranúnculos e tulipas. Ao mesmo tempo em que novas plantas eram introduzidas, as antigas eram mantidas e assim o jardim constituía um grande “arquivo”.

O jardim de cottage era bastante comum na Inglaterra, havendo alguns famosos próximo à cidade de Kent. Na França, uma versão famosa deste tipo de jardim foi de Monet, em Giverny.

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FIGURA 72 - Jardim de Monet, em Giverny (Schinz, 1988).

Atualmente ainda existem jardins neste estilo, pertencentes tanto a habitantes que

residem no campo como aqueles que o utilizam como refúgio das cidades. O jardim é atraente pela sua simplicidade e presença de plantas úteis e floridas, cultivadas em pequeno espaço, sem muito planejamento e de manutenção fácil; além de ser feito em um terreno fechado, proporcionando privacidade.

5.4.3. Jardim Eclético Inglês (Séculos Xix E Xx)

O estilo paisagístico era característico do Jardim Eclético Inglês, desenvolvido de acordo com o local, o terreno, clima, vegetação, sempre promovendo o equilíbrio com a natureza. Para um projeto, era fundamental se estabelecer um tema e a partir daí se criar uma ordem para a paisagem.

Os paisagistas

Russel Page (1906-1985) foi um importante paisagista inglês, que realizou jardins em diversos locais, como nas colinas italianas, em ilhas do mediterrâneo, diversos jardins ingleses, franceses e americanos (Nova York).

No jardim paisagístico, os caminhos e os gramados convidavam tanto à contemplação quando à exploração do jardim. Eles atuavam também como elementos organizadores do jardim, interligando suas várias partes. Os caminhos direcionavam a passagem, determinando como as pessoas deveriam contemplar a paisagem. Estes eram os elementos organizadores e interligavam as diversas partes do jardim. No estilo paisagístico os elementos eram dispostos de forma pouco rígida, com traçados curvilíneos e linhas extensas. Os caminhos sinuosos eram bastante utilizados.

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Gertrude Jekyll foi uma das mais famosas paisagistas inglesas do século XIX. O seu trabalho foi bastante influenciada pelo jardim de cottage, utilizando de maneira informal plantas nativas e resistentes. Para melhor estruturar os jardins, utilizou estruturas formais como um eixo central, longas perspectivas, a concepção do Giardino Secreto e dos parterres franceses e italianos. A concepção do jardim em setores diferenciados, comum nos séculos XVI e XVII, também foi utilizada.

O arquiteto Edwin Lutyens trabalhou junto com o paisagista William Robinson. Os jardins elaborados por Robinson eram caracterizados pela valorização das flores s ilvestres, espécies resistentes cultivadas de maneira informal. Para Robinson, o jardim era um local onde se deveriam exibir plantas raras.

Lutyens projetou terraços, muros, degraus, tanque d’água rebaixados, parterres, córregos, pérgulas e Ms. Jekyll completava os projetos com suas plantas, com destaque para jasmins, rosas. Utilizava arbustos para cobrir os muros, e espécies rupícolas entre as pedras.

Um exemplo de jardim projetado por eles foi o de Hestercombe, em Cheddon Fitzpaine, Somerset. O jardim era dividido em planos, iniciando próximo a casa, onde fora construído um terraço que proporcionava uma bela visão do plano inferior, onde estava o jardim aquático. Existiam vários caminhos construídos em plano superior ao dos canteiros ou bordaduras de plantas herbáceas. Os caminhos eram divididos em diagonal. Para cada caminho (eram dois, nos lados leste e oeste do jardim) Jekyll combinava cores de um modo particular: a mistura de tons pastéis como cinza e azul-esverdeado era muito comum nos seus projetos, assim como também a associação de formas pontiagudas com formas indefinidas. As plantas no jardim possuíam a função de suavizar as construções em alvenaria. A transição do jardim para o campo inglês era de maneira sutil: após os portões do jardim, as fazendas eram cultivadas, delimitadas por sebes e córregos.

Vita Sackville-West foi também considerada uma das grandes paisagistas inglesas. Segundo ela, “... cada canto indefinido do jardim deve ser preenchido com algo permanente, alguma coisa bela e interessante, algo entremeado com alguma coisa, à maneira natural das plantas quando se reproduzem e se combinam de uma forma que nós, com todo o nosso conhecimento e habilidade, jamais conseguiríamos fazer”. O seu jardim mais famoso foi o White Garden, em Sissinghurst, no qual todas as flores cultivadas eram brancas. A sua concepção se centrava na cor e nas associações de plantas. Áreas mais alegres e floridas foram intercaladas com locais mais tranqüilos, de predominância da cor verde. Nesta área, havia um jardim de rosas e próximo a este o rondel, um gramado circular cercado por sebes de teixos. No jardim havia também um pomar, com predominância para macieiras, um fosso, um caminho de tílias (jardim de primavera), um jardim de cottage, um jardim de ervas e diversas bordaduras. No centro do jardim havia ainda uma treliça de ferro com Rosa longicupis, espécie que floresce no verão.

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FIGURA 73 - White Garden (Zuylen, 1994).

O estilo paisagístico foi bastante difundido nos Estados Unidos. No século XIX, Redereick Law Olmsted, importante arquiteto e paisagista, criou em Manhattan um parque cênico paisagístico de 3,2 ha de área. A maioria dos jardins americanos são informais, compostos de árvores, arbustos e gramados, paisagens estas fáceis de se instalar e manter.

FIGURA 74 - Universidade de Purdue, EUA.

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B. OUTROS ESTILOS DE JARDINS 1. ESTILO ORIENTAL: CHINÊS E JAPONÊS

A arte do jardim na China e Japão sempre foi independente da arte ocidental. Os jardins criados neste meio completamente diferente, com outras crenças, foi destinado pelos habitantes à obtenção de uma possessão e uma compreensão mais íntima da natureza. O contraste existente entre os jardins ocidentais e orientais é devido às diferenças existentes entre os princípios destas duas estéticas. O ponto comum entre o jardim japonês ou chinês era a presença de uma montanha ou um lago.

1.1. CHINA

O início da jardinagem da China não é muito preciso, mas provavelmente data de 2000 a.C. A paisagem era bela e com flora muito rica e, nos parques dos antigos imperadores, os jardineiros se restringiam a ordenar o que já existia.

O verdadeiro jardim chinês não poderia ser comparado aos parques europeus nem aos jardins do estilo anglo-chinês, pois, ao contrário dos jardins ocidentais, não havia uma distinção muito clara da residência, sendo um incorporado ao outro. A delimitação entre a casa e o jardim era às vezes feita por apenas uma cortina de bambu. Colunatas mais leves, com aspecto mais vegetal que os pórticos e os peristilos da arquitetura clássica, formavam uma transição natural da parte vegetal para a arquitetônica. O jardim era sempre contornado, mas, ao mesmo tempo, apresentava a ambição de reproduzir paisagens imensas.

Na época do imperador Wu, da dinastia de Han (contemporânea de César Augusto em Roma e que desapareceu em 200 d.C.), acreditava que havia um lugar para os imortais no norte da China. Como na realidade não existia, se criou este local no imaginário o qual foi concretizado na forma de um Jardim, denominado de “Lago-Ilha”, um estilo bastante utilizado não só na China, como também no Japão. Neste mito, algumas das ilhas só poderiam ser atingidas se transportado por um pássaro, a cegonha gigante. Nos jardins, estes animais eram representados simbolicamente por rochas.

No século VI, com o surgimento de um novo imperador, houve a criação de um novo jardim “lago-ilha”, o Parque Ocidental. Tinha 113 Km de perímetro e quatro lagos cobertos com Lotus e rodeados por chorões. No meio da vegetação foram erguidos grandes palácios de cor vermelha. Na construção deste jardim trabalharam um milhão de pessoas.

Na China, os jardins eram construídos próximo às casas, s imbolizando a natureza. A natureza era recriada, com formas naturais e casualidade.

O jardim chinês era antes de tudo um jardim de contemplação, de imobilidade e de s ilêncio. Ele se estendia até os limites imprecisos do mundo interior dos objetos, e o jardim mais perfeito, era talvez o pequeno jardim fechado diante da cabana solitária onde meditava um poeta, um filósofo, um pintor, ou um escritor, que descrevia o verdadeiro jardim:

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"Um pequeno lago é o suficiente para tornar o verão agradável, não sendo necessário possuir um domínio muito grande... para guardar a primavera... Dentro do frescor de um pavilhão, pode-se beber um vinho gelado, ao mesmo tempo em que a brisa balança os bambus e as árvores. Dentro do pavilhão bem quentinho, pode-se assentar perto do fogo e derreter a neve para fazer o chá.

A sede se acaba e as angústias passam. As gotas da chuva que durante a noite caem sobre as folhas das bananeiras são como as lágrimas das sereias que choram suas pérolas. Quando a brisa da manhã sopra sobre os salgueiros, eles se cedem para ela como os jovens seios de uma dançarina.

Diante de uma janela, plantam-se bambus e pereiras entre os pátios. O clarão da lua se escorre como uma corrente de luz sobre a campanha. O vento suspira por entre as árvores e suavemente aflora o alaude (instrumento musical) e os livros colocados sobre a cama. Vê-se o espelho sombrio da água que ondula e engole a lua crescente. Na madrugada se é acordado pela brisa fresca que vem até a sua cama, e toda poeira do mundo sai do coração”.

Cada tema do jardim era proposto à imaginação como um poema. Tem-se aqui a descrição de um pavilhão à beira de um lago:

"Se fosse para escolher um lugar na beira de um curso d'água ou de um lago para construir uma cabana, ter-se-ia uma vasta perspectiva. A água, no meio da neblina vai longe, muito longe; as montanhas com seu capuz de nuvens se apagam no horizonte, os barcos dos pescadores se vão com o vento, as gaivotas escorregam graciosamente pelos ares, raios de luz atravessam a sombra das folhagens, um quiosque meio dissimulado por entre as árvores. Para ver a lua nascendo, sobe-se no terraço. Música e ritmo, nuvens no céu. A taça de vinho é levantada. O crepúsculo espera imóvel, por muito tempo".

Mas não era necessário possuir para si um panorama tão vasto, uma impressão fugitiva, um reflexo suficiente:

"Um só montículo, pode gerar muitos efeitos, de uma pequena pedra podem brotar muitos sentimentos. As sombras das folhas secas da bananeira perfilam-se harmoniosamente sobre o papel da janela. As raízes do pinheiro cavam um caminho através das fissuras das pedras esburacadas”.

No auge desta concepção, o próprio objeto não era mais necessário. Ele não passava de um pretexto para um estado de espírito. E era somente o significado mais profundo que justifica o jardim. No lugar de criar uma decoração onde se podia inserir o "homem em movimento" - decoração teatral ou s implesmente pictural, tanto no jardim clássico como no jardim à inglesa - o jardim chinês, ao contrário, tendia a procurar a purificação de toda presença humana. O jardim não esperava o homem e não tinha a necessidade dele, era a alma que o jardim esperava. O jardim acabava se entregando à alma, à medida que a alma crescia em direção à grandeza do espetáculo.

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Uma primeira conseqüência desta atitude fundamental que determinou a disposição real do jardim foi a de que os caminhos nunca eram retilíneos, não tinham vias de comunicação nem perspectivas praticáveis. Mesmo naqueles caminhos que ligavam um quiosque no meio de um plano de água à terra firme, sempre se evitava a linha reta. O traçado serpenteava como se existisse a intenção de não deixar a área antes de se contemplar todos os ângulos e aspectos da paisagem. No caminho sempre havia vários pontos de contemplação imóveis.

Outra conseqüência era a de que o jardim chinês nunca apresentava um plano compreensível e esta foi a característica que mais atraiu a atenção dos viajantes ocidentais os quais estavam habituados à disciplina das harmonias geométricas.

No extremo oriente, o jardim era concebido baseado na lei dos detalhes. Para elaborar um jardim devia se entregar à meditação daqueles detalhes os quais não se destacavam para o vis itante ocidental, como a forma de uma flor, de uma rocha, o reflexo de um riacho, ou de um ramo que cedia às carícias do vento. Comparando o jardim ocidental com o do extremo oriente, tinham-se duas composições que se opunham: o universo da razão e o universo da sensação. Em nenhuma outra arte havia uma antinomia de duas filosofias tão distintas como na arte dos jardins.

Os chineses, que por origem, eram um povo agrícola e viviam no campo desde muitos séculos, sempre atribuíam à natureza uma realidade espiritual: não apenas a vegetação era um milagre onde se manifestam as forças secretas, mas também o sol, as águas e o céu eram as próprias divindades. O jardineiro tinha então a função de captar estes poderes elementares. As rochas eram os ossos da terra, a água era o sangue que nutria a natureza, e esses dois elementos formavam as matérias essenciais, que mesmo apresentadas em um espaço pequeno conservavam sua significação cósmica. A rocha, imagem da montanha, era então a própria montanha, assim como no espelho a imagem era o próprio objeto refletido. O pensamento mágico, sempre presente, facilitava este jogo de equivalência, os quais eram encontrados em muitas lendas relativas aos sábios as quais comprovaram que estes jogos eram familiares ao espírito chinês.

O jardim chinês Tang e Sung era uma área para o encontro e a reflexão, além de ser uma área de grande ligação com a casa. É por isto que os chineses diziam "construir um jardim" e não "plantar um jardim". Os jardins eram construídos em função da topografia, clima e vegetação já existente, sem se prenderem a formas rígidas ou s imétricas. Esta concepção acabou por influenciar os jardins ingleses do século XVIII.

Pedras e montanhas

Todo jardim chinês possuía uma montanha. Para isto procuram-se rochas calcárias que foram formadas em lagos ou córregos e acabaram adquirindo formas estranhas: enrugadas, esburacadas, brocadas, enroscadas. Elas ofereciam silhuetas que estimulavam a imaginação como nuvens, figuras de monstros míticos, gênios ou vegetais contorcidos. Estas rochas eram utilizadas para contornar as bacias, margear os canais, ou quando agrupadas se construíam picos ou montanhas. Estas construções pareciam desafiar o equilíbrio, pois se costumava deixar a base da rocha mais estreita que seu

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cume, e as pedras mais esburacadas eram dispostas no alto. O corte era sempre feito de forma minuciosa e as rochas eram ligadas umas às outras se utilizando uma argamassa. As que apresentam cores azuladas ou amarronzadas eram colocadas em destaque. As brancas serviam para representar a neve das montanhas. Algumas eram polidas por escovas metálicas ou por jatos de areia.

Estas pedras eram consideradas elementos de grande beleza e preciosidade no jardim, eram sugestivas para o espírito e para meditação. Por isto, muitas vezes eram colocadas sobre um pedestal, no centro de uma espécie de vaso, como uma estátua ou um objeto a ser cultuado. Era oferecido incenso, cuja fumaça, na calma do jardim, se envolvia por entre as rugosidades, lembrando nuvens e montanhas longínquas.

As pedras e as montanhas do jardim expressavam por sua configuração as alternativas entre os princípios do mundo, o yin e o yang.

Água

Na contemplação das formas, o sábio era auxiliado pela água, que vivificava o jardim por todos os cantos. No Tao-te-king encontra-se escrito que:

"A água é a benfeitora de dez mil seres e, portanto, ela nunca luta. Ela se acha nos mais baixos lugares, lugares estes que todos desprezam. Isto só ocorre devido ao fato dela estar muito próxima do Tao”.

Mais adiante no texto encontra-se ainda: "Quando a água é tranqüila, sua claridade é capaz de iluminar os pelos da barba e

da sobrancelha. Ela possui um equilíbrio tão perfeito, que é dela que os grandes artesãos tiram o nível. Quanto maior for a luminosidade do espírito humano mais luminosa se apresentará a água tranqüila! O coração do Santo é calmo! Ele é o espelho no qual o universo e todos os seres se miram. Vazio, quietude, calma, neutralidade, solidão, não agir, é nisto que constitui o equilíbrio cósmico e a perfeição do Tao e do Tö."

Talvez sejam estas as razões que justifiquem o fato de se ter água por todos os cantos do jardim chinês; não somente nos lugares onde ela trazia vida às plantas, fecundando as árvores, mas também nos canais pedregosos, onde ela serpenteava sobre o pavimento de um pavilhão. Segundo uma regra estabelecida pelo Yüan Yen, num jardim, o lago deveria preencher uma área equivalente a três décimos de seu total. Em quatro décimos de sua área deveria se ter a presença de um montículo.

Enfim, a água constituía um espelho onde as sombras eram refletidas. O jardim era por si próprio mágico e o espelho contribuía, aumentando sua própria magia. O lago, segundo a filosofia chinesa do jardim, era um quadro no qual os objetos eram representados com a máxima perfeição.

Com a montanha e o lago, o jardim chinês, representava uma imagem do paraíso: além de ser um lugar de delícias, era um lugar de evidências, um sítio perfeito, organizado de acordo com a lei do cosmos.

Edificações Ao lado destes elementos fundamentais, o jardim chinês compreendia também os

pavilhões, pórticos, pontes, quiosques, e mesmo fabriques, que contribuíam para dar este

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aspecto tão característico. A primeira razão desta interpenetração entre o jardim e a arquitetura expressava o desejo de unir a vida quotidiana à natureza. Apesar disto, foram dispostas no jardim, de maneira excessiva, edificações de intenções puramente ornamentais, cujos modelos se apresentam sob as mais variadas formas. Os telhados tinham seus desenhos típicos, cobertos de telhas de barro de cores vivas. Alguns pavilhões apresentavam um grande terraço coberto, onde "se acolhia a lua".

Pontes

As pontes, muito pitorescas e normalmente em arco, eram numerosas sobre os canais dos jardins, refletindo-se na água. Elas podiam ser de mármore ou mesmo de pedra, mas o material mais comum era a madeira, e normalmente apresentavam uma balaustrada trabalhada. Os balaustres ornamentavam tanto as pontes quanto as galerias e aberturas dos pavilhões. Os desenhos complexos destas balaustradas em madeira talhada formavam figuras geométricas, continuamente repetidos, em motivos como riscos de escova, anéis, quadrados entrelaçados, triângulos e ainda temas florais. Às vezes, este tema básico era um ideograma que expressava bons fluidos, como por exemplo "felicidade".

Lanternas

À noite, o jardim era iluminado, e por esta razão as lanternas se tornaram um motivo ornamental, muito adaptado pelos jardineiros japoneses. A forma destas imitavam as lanternas sagradas que se encontravam dentro dos templos. Normalmente eram de pedra e muitas vezes podiam ser revestidas. Nos jardins eram colocadas sobre uma pequena pilastra sugerindo uma construção ao mesmo tempo realista e fantástica.

A localização de cada lanterna era cuidadosamente calculada para que fossem realmente úteis, clareando o caminho e ressaltando as belezas dos ornamentos de uma ponte ou de um embarcadouro sobre o lago. A escolha da localização considerava também o efeito produzido por sua luz, sempre com a finalidade de proporcionar uma impressão fantástica. Procurava-se ainda dissimular as lanternas por entre um grupo de árvores, num bosque de bambus ou ainda por entre a sinuosidade do riacho.

Vegetação Os jardins do extremo oriente apresentavam uma ornamentação arquitetural e

paisagística muito rica. Nestes, as árvores, plantas e flores não eram tão fundamenteis como a montanha e a água, mas participavam também da eternidade do mundo, sendo amadas e tendo o seu desenvolvimento acompanhado pelos orientais com curiosidade e paixão. Os pintores chineses e japoneses sempre procuravam representar motivos vegetais da maneira mais exata e minuciosa possível. E se os pintores amavam tanto as flores era porque os jardins as produziam e nele se destacavam.

Dentre as flores mais freqüentemente representadas e mais procuradas nos jardins orientais citam-se as flores da cerejeira do Japão, que são consideradas o primeiro sorriso da primavera, pois se abrem quando ainda se tem neve sobre o solo. Cultivavam ainda os

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pessegueiros, romãzeiras, hibiscos, macieiras, os crisântemos, as pivoines47 que os chineses chamavam de rainha das flores, camélias, rosas s ilvestres, papoulas, lírios, limoeiro e muitas outras espécies. Em todos os riachos ou lagos se cultivava o lótus. As árvores preferidas eram o pinheiro e as coníferas, principalmente o cipreste. Havia ainda as árvores tipicamente orientais como o Ginko Biloba, ailanto48, catalpa49 e sophora50.

Sempre se encontravam bambus e bananeiras. Nos jardins, tantos as flores como as árvores não eram utilizadas em maciços nem em canteiros. Elas formavam massas integradas na paisagem. Algumas eram cultivadas de maneira que seu desenvolvimento normal fosse conduzido e ou restringido, e os jardineiros criavam formas contorcidas e anãs para ficarem na mesma escala das montanhas rochosas e dos lagos em miniaturas.

FIGURA 75 - Jardim Chinês.

47 Flores da família Renonculaceae - bulbosa arbustiva com flores brancas, rosa s ou vermelhas. 48 Família Simarubaceae, originária da China. 49 Famíl ia Bignoniaceae, árvore ornamental com grandes folhas e flores brancas agrupadas em cachos na

extremidade dos galhos. 50 Família Papilionaceae, árvore de grande porte originária da Ásia.

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FIGURA 76 - Jardim Chinês.

1.2. JAPÃO

A origem do jardim japonês data do século VIII a.C. Este constituía parte da vida dos habitantes deste país, onde as artes tinham grande importância. A dedicação dos chineses e japoneses aos jardins se deve a sua filosofia panteísta e de sua religião budista.

O jardim japonês era um lugar para descanso, convidativo à meditação religiosa. No início, os jardins foram projetados pelos sacerdotes de Zen. Depois foram os pintores, que projetavam o jardim como se estivessem pintando a paisagem sobre a seda.

Nos seus jardins, os japoneses colocavam princípios filosóficos e doutrinas religiosas, os quais foram conservados com o tempo, através de seus símbolos. As superstições do povo refletiam na arte dos jardins, tanto que, em algumas épocas, a arte dos jardins consistia em se conhecer as superstições e saber expressá-las de maneira artística. Nos jardins sempre se representavam suas leis, a harmonia, os cinco elementos, princípios de causa e efeito, ativo e passivo, luz e sombra, masculino e feminino, os nove espíritos do panteão budista. Havia ainda o agrupamento de pedras, regido por regras bastante complicadas.

A intenção do jardineiro japonês era fazer que os homens se compenetrassem e unissem à natureza neste limitado espaço do jardim. Alguns jardineiros reproduziam nos jardins, em miniatura, lugares famosos do Japão e China; outros plantavam árvores

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procurando dar ao jardim um visual de extensão ou, ao contrário, procuravam dar a impressão de reclusão, convidando à meditação.

Rikyu ao projetar o jardim de Sakai, obstruiu a vista do mar, plantando uma alameda de árvores. O mar só podia ser visto a partir de um ponto, onde havia uma pia de pedra destinada a lavar as mãos. Isto fazia às pessoas relacionarem a quantidade de água da pia com a imensidão do mar, o seu ser e o Universo. O jardim japonês procurava ser natural, sem artifícios. Era um ambiente de paz e repouso, onde alma podia descansar.

No Japão também foram construídos jardins lago-ilha (séc. VII). No período de Heian foram criados belos parques em Kioto, os quais constituíam verdadeiros locais para meditação. Para comemorar os 1100 anos da capital Kioto, em 1894, fora construído um jardim, então denominado de Santuário Heian. Era um jardim alegre e de magnífico traçado. Havia pinus, cerejeiras, grandes maciços de lírios e azaléias, rochas cobertas com flores.

O princípio da arte nos jardins japoneses consistia em concentrar a atenção no essencial, seja nas formas precisas ou na sutileza dos matizes, valorizando sempre todas as plantas do jardim. Somente se utilizavam plantas perenes para se ter uma estabilidade da paisagem o ano todo.

Os elementos do jardim tinham distribuição muito elaborada, em formas simples, com aparência de casualidade. Havia água, vegetação, símbolos, pedras, cascalho. As flores anuais eram vistosas e proporcionavam movimento, renovação no jardim. O movimento poderia ser proporcionado também por efeito de cor, som e luz-sombra.

Os jardins primitivos eram conhecidos por Shinden e adaptados à arquitetura s imétrica deste mesmo estilo. Possuíam um grande tanque, com cascata, um riacho, uma ilha, grupos de pedras e árvores colocados para embelezar a casa.

Os jardins eram classificados em dois tipos, de acordo com o relevo do terreno: “Tsuki-yama”, que eram os jardins de colinas artificiais e vários poços e o “Hira-niwa”, os jardins planos. Nos jardins de colinas sempre havia água em forma de riacho e poços. Em alguns jardins, no entanto, de estilo denominado “Kare-Sansui”, utilizava-se no lugar da água e para imitá-la, pequenas pedras e areia.

Em outros jardins, ou bosques aquáticos, a água era um componente essencial, e sua principal apresentação, o lago. Estas características eram encontradas no Jardim de Shiba, cujos tanques eram conectados com o mar e foi posteriormente cedido à cidade de Tóquio.

As portas de entrada tinham grande importância nos jardins japoneses e eram bem características. Assim como as pontes, estas portas podiam ser de pedras ou madeira. Na estrutura dos jardins, encontravam-se ainda as valas, as pias de água, os pagodes e principalmente as lanternas de pedra, que brilhavam no momento do crepúsculo. Os caminhos de pedras em sucessão, de formatos irregulares e de tamanhos diferentes, permitiam atravessar o jardim sem molhar os pés nos dias de chuva e evitavam também desfigurar os passeios de areia.

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Os japoneses não admitiam nem os parterres nem os maciços de flores. Dentre as árvores, a preferida era o ácer, com suas variações de cores de folhas e o pinus com as folhas sempre verdes. Dentre as fruteiras cultivavam a cerejeira e amendoeira. A maioria dos jardins japoneses era caracterizada pela preponderância do verde em detrimento da escassez de flores. As pedras tinham uma função muito importante nos jardins japoneses, e muitos deles poderiam sim ser denominados de jardins de pedras.

Os japoneses que conheceram o jardim chinês através da Coréia, acrescentaram-lhe através dos séculos, regras e códigos que formaram um universo maravilhoso que caracteriza este estilo de jardim nos dias de hoje. A forma e a disposição de seus elementos, principalmente das pedras eram minuciosamente escolhidas e geralmente determinadas por razões religiosas. Era ensinado , por exemplo, que o rio de um jardim deveria correr de leste para oeste, s imbolizando o sentido do lado puro do mundo para o impuro. As pedras dispostas em forma de pequenos caminhos traçavam itinerários calculados. No centro sempre se tinha uma pedra para adorar os deuses, uma pedra que representava a fundação de um templo e uma outra que marcava o local onde o vis itante deveria tirar os sapatos, assim como nos santuários. O espírito japonês impôs rito aos jardins e com isso, nasceu um simbolismo que foi transferido do jardim ou mesmo dos jardins em miniatura com plantas anãs, para as dimensões humanas. Mas, independente da dimensão do jardim oriental, ele nunca deixou de ser um perfeito microcosmo, conservando todos os seus poderes.

2. JARDIM HOLANDÊS

O estilo do Jardim Holandês foi também influenciado pelos estilos francês e italiano. Mas em conseqüência da topografia plana, associada à tradição de cultivo de plantas bulbosas, particularmente as tulipas, os jardins holandeses eram bastante compactos e muito graciosos.

Os jardins eram fechados por portões de ferro e divididos em vários recintos. Junto aos portões haviam ciprestes podados, formando círculos. Nas áreas centrais haviam canteiros de flores misturadas, fontes douradas e baixas, as quais jorravam água em pequenos tanques, rodeados por bordaduras baixas. Apresentavam túneis cobertos por trepadeiras.

As casas mais elegantes dos séculos XVII e XVIII s ituavam-se nas margens do rio Vetch (entre Utrecht e Muiden) e eram todas ajardinadas. Estes já não existem mais e os jardins atuais são caracterizados principalmente pelo plantio de plantas bulbosas como as tulipas, narcisos e jacintos, num estilo “doméstico”, o Hortus floridus.

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3. JARDIM ÁRABE

Os árabes invadiram a Pérsia e outros países, levando para eles a sua cultura, uma mistura da influência persa, grega, egípcia, bizantina, dentre outras. Os árabes, após invadirem a Pérsia, se impressionaram com os jardins e levaram as idéias.

A idéia do jardim fazia parte da vida dos muçulmanos, lembrando o jardim do Paraíso, um lugar agradável e de extremo prazer, onde, para os muçulmanos, era um sonho poder habitar algum dia, para contemplar a beleza de Alá. O muçulmano tentava conseguir os gozos espirituais de que fala o Alcorão e transmitia isto para seus jardins.

O jardim is lâmico era quase sempre de forma retangular e fechado por muros. Sua geometria rigorosa era amenizada pelas árvores e plantas de porte menor. Nos jardins islâmicos, assim como na Pérsia, tudo era alegórico e baseado na bondade de Alá, ditado pelo Alcorão. As árvores possuíam sua própria simbologia: o cipreste, por exemplo, representava a eternidade e no seu lado poético, a beleza da mulher.

Esta tradição dos jardins era tão viva que o estilo foi transferido para os povos que se converteram ao is lamismo: mongols na Índia, mouros na África do Norte e Espanha.

A Europa medieval começou, assim como os árabes, a experimentar os prazeres dos sentidos. O conceito de jardim dos prazeres se desenvolveu. As duas civilizações apreciavam as fragrâncias do jardim e possuíam o mesmo amor pela rosa. O princípio árabe de semear grãos de diferentes espécies inspirou a criação dos campos floridos. Além dos maciços de flores eram cultivadas frutíferas exóticas de porte baixo (limão, laranja), tâmara, plátanos, romã.

A água circulava em regos para refrescar o ambiente. As cercas-vivas formavam um tapete e os quiosques apresentavam arquitetura elegante. Com estas características, o jardim se constituiu em um lugar agradável e tranqüilo.

O principal elemento dos jardins árabes era a água, acompanhado de cor e perfume das flores. As formas da água eram bem variadas: canais atravessando canteiros floridos, fontes no centro dos pátios, pequenos riachos que deslizavam por uma colina, nas laterais ou centro da escadaria. Os riachos faziam zigue-zague através do jardim, atravessando terraços de mármore, ladrilhos, pavilhões e entre estes, árvores, arbustos e flores, contrastando com ciprestes (de folhagem escura). A água era utilizada tanto para ornamentação quanto para refrescar.

Possuíam grandes extensões de grama que convidavam ao descanso e criavam uma área apropriada para as festas onde improvisavam versos com acompanhamento musical.

As plantas utilizadas em seus jardins eram semelhantes as do jardim persa: rosas, narcisos, jasmins, alfazemas, primaveras, ciprestes, chorões, plátanos. Havia ainda maciços verdes de forma livre onde se misturam frutíferas com plantas ornamentais: cerejeiras, laranjeiras, limoeiros, ciprestes, romãs, amendoeira.

Os jardins inspiraram os artis tas persas na confecção de tapetes, os quais apresentavam desenhos lembrando estas áreas floridas. Estes tapetes eram separados em quadros onde se viam flores, arbustos e pássaros. Estes quadros eram divididos por

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canais habitados por peixes e patos e interrompidos por tanques circulares. O artesanato fixou então o esquema dos jardins.

Os jardins árabes mais importantes localizavam-se próximo ao Tigre, Egito, Tunísia, Espanha e norte da África.

3.1. ÍNDIA

Deli foi considerada a cidade dos jardins. Nos séculos XIII e XIV, os jardins circundavam a cidade por três lados, numa extensão de 10 km. Até 1857, quando aconteceu a grande catástrofe, haviam sido conservados grande número destes jardins. Atualmente restam poucos sendo o mais famoso é o Taj (Taj Majal, séc. XVII). Este jardim faz parte da área do Palácio de Taj Majal, situado em Agra, construídos entre os anos de 1631 e 1648. O Palácio, construído em mármore branco, foi um homenagem do Príncipe Shah Jahan à Princesa Majal.

FIGURA 77 - Taj Majal (Plantas e Flores, 1972).

Os jardins e a arquitetura indianos foram importados da Pérsia e Samarkanda. A característica mais marcante dos jardins indianos era a harmonia entre seus traçados e as construções que os circundam. Assim, havia uma grande dependência entre a arte dos jardins e a arquitetura. Os artis tas indianos harmonizaram e conseguiram sensações novas com os perfumes diversos dos jardins e os efeitos plásticos e musicais dos córregos e cascatas. Buscar um manancial, cultivar flores, traçar um jardim e plantá-lo tinha para os muçulmanos um sentido religioso.

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Para os indianos, um jardim com água era um lugar de máximo prazer e de efeito mais refrescante, ao mesmo tempo, era um lugar de beleza completa, de absoluta calma espiritual, de bem-aventurança e amor perfeito sobre a terra. Os jardins eram locais para se celebrar festas ou para se desfrutar do seu ar e paz.

SCHALIMAR

O jardim possuía diversas espécies de árvores, peixes, cisnes e patos. Cascatas e canais com distribuição simétrica, sendo grande a variedade de traçados. A água umedecia o ar, refrescando o ambiente. Quiosques e avenidas sombrias aumentavam o encanto dos jardins.

3.2. ESPANHA

Na Idade Média (711), a Espanha foi invadida pelos árabes recebendo também sua tradição (cultura), inclusive o gosto pelos jardins. Ao se fixarem na Espanha, introduziram os “Jardins de Sensibilidade”, onde três elementos eram essenciais: água, cor e perfume, os quais tinham como objetivo a sedução e o encantamento.

Em 750, Córdoba era a capital do império e os califas e funcionários da corte possuíam casas de veraneio, rodeadas por hortas e jardins, com águas e criação de pássaros raros.

Os árabes transmitiram aos europeus os conhecimentos que haviam recebido de outras civilizações. Dos egípcios aprenderam a ciência da irrigação, muito útil na manutenção dos jardins. Da arte da cerâmica retiraram os conceitos de brilho e cor. Os jardins se distinguiam por sua lógica de traçado e pela claridade de sua ordenação.

A primeira influência destes jardins apareceu não somente na Ásia, mas em todos os povos do Magreb daquela época, dentre estes se pode citar o jardim de L’Aguedal em Marrakesh, que possuía um imenso pomar cujo ponto central era um viveiro de peixes tão grande quanto um lago. Outra influência, mais modesta, foram os jardins desenvolvidos nos pátios bastante comuns na arquitetura de Andaluzia. Estes pátios interiores das casas mouras eram derivados dos pátios helênicos e do peristilo romano. Assim como os pátios gregos, eles também eram pavimentados, mas com a presença de arbustos e flores. Assim como no jardim bizantino, sempre havia no seu centro uma fonte, e às vezes, conservava uma antiga tradição do jardim persa: um canal cruzando ao longo de seu eixo.

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FIGURA 78 - Fonte "La Cibele", Madrid.

FIGURA 79 - Canal em praça espanhola.

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Estes dois motivos podem ser encontrados no jardim de Alhambra (Jardim de Romã):

JARDIM DE ALHAMBRA, GRANADA

Situado em posição dominante em Romã, separava as águas dos rios Genil e do Darro. Estas águas abasteciam as casas e palácios e nos jardins, as fontes e lagos.

Nos jardins de Romã, o terreno era dividido em espaços fechados, com dimensões limitadas e que apresentavam analogia com os pátios das casas. A água corria de um lado a outro, através de canais abertos revestidos de barro cozido ou mármore. No fundo, cerâmica vitrificada esmaltada ou azulejos. Não havia esculturas. Os elementos decorativos eram os canais, fontes, lagos e bancos. As entradas apresentam pórticos.

A água era a alma do jardim e da casa. Atravessava os jardins em regos de mármore e jatos nas taças de mármores que ficaram no centro das estâncias ou debaixo dos pórticos. As fontes e tanques enfeitavam, regavam e amortizavam os efeitos do clima quente.

O bosque conduzia à grande maravilha do palácio árabe. Bosque sonoro, com fontes escondidas abaixo de árvores frondosas e centenárias.

Nos jardins se cultivavam plantas aromáticas com perfume sutil, como rosas, jasmim, cravínea, limoeiro, laranjeira, jacinto, dama-da-noite.

A cor também era muito importante. A coloração natural era dada por flores e árvores. Contrastes entre os matizes das rosas da Pérsia com as bouganvíleas, anêmonas, rosas, laranjas e romãs. A coloração artificial provinha da cerâmica policromada. Os ladrilhos para revestimento dos muros, bancos e fontes podiam ser azul profundo ou verde dos típicos azulejos da Espanha ou de Marrocos.

O pátio dos leões era inteiramente contornado por um pórtico, sendo que no meio de cada um dos lados havia um avançado de colunas. No centro havia a presença da famosa fonte sustentada por doze leões. O espaço era dividido em quatro cantos nos quais se encontravam ervas e flores plantadas, assim como no jardim persa.

O pátio dos mirtos, construído antes do pátio dos leões, apresentava as colunatas em dois dos menores lados do retângulo, e este era inteiramente ordenado segundo seu eixo longitudinal, que apresentava um euripe bordado por duas cercas de mirto.

A terceira parte deste jardim, era o pátio clássico da casa norte-africana, caracterizada por apresentar-se, na maioria das vezes, pavimentada por cerâmicas coloridas, quase que inteiramente, sendo interrompido às vezes por alguns quadrados de terra onde cresciam as árvores.

A concepção ds jardins muçulmanos da Espanha devem ter sido importada do Oriente ou da Pérsia, pois as plantas foram trazidas da Síria ou Índia, como por exemplo, a palmeira dactilífera.

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FIGURA 80 - Jardins de Alhambra

FIGURA 81 - Jardins de Alhambra.

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Na Espanha havia ainda outros jardins famosos como os Jardins de Alcázar, que eram diferentes dos de Romã por serem mais amplos e iluminados, planos e extensos. Havia laranjeiras, muros, canais, fontes, palmeiras. Generalife foi também outro jardim famoso.

3.3. MARROCOS

Riad era um importante jardim fechado de Marrocos, construído segundo a inspiração árabe.

Em nenhuma parte do jardim se pisava na terra. Utilizava-se o mármore, os ladrilhos esmaltados e outros. Havia balaustres circundando os passeios e protegendo as caídas do terreno.

Cultivavam laranja, laranja silvestre, limoeiro, romã, figueira, louro, plátano, amoreira, cipreste, melocotoneiro, pêra. Plantas aromáticas como menta, chá, rosa, artemísia, jasmim, madressilva, uva e outras flores. Trepadeiras eram usadas para cobrir os quiosques.

Tudo era retilíneo, tanto nos jardins quanto nas casas, que eram habitações sem teto. Apesar do caráter rígido e artificial dos jardins, não havia nada nele que recordasse esta característica, como ocorreu nos jardins franceses (topiarias, etc.).

Havia outros espaços verdes marroquinos como os Arsats que apresentavam residência com hortas e plantas úteis: oliveiras, romã, limoeiro, palmeira, aveia, pimenta, beringela, batata. Os passeios eram cobertos com parreiras e roseiras trepadeiras.

Os jardins árabes espanhóis influenciaram também jardins americanos como em Los Angeles, onde predomina a arquitetura em estilo colonial com jardins em estilo andaluz.

4. JARDIM CASTELHANO

Os primeiros jardins do Palácio foram criados por Felipe II que fez um pavilhão de recreio e descanso, plantando ao seu redor rosas, videiras e árvores diversas, principalmente as de formação espessa, criando assim passeios frondosos, como lugar de sombra. Fontes com figuras de Diana, Hércules e Apolo enriqueciam seus canais e praças.

Antes da influência neoclássica e barroca francesa em sua época de esplendor, estes jardins tinham caráter muito particular, onde dominavam espécies espanholas, tanto nos jardins como nas hortas, pois possuíam ambas, quando combinavam o jardim alto com o baixo. Havia buxinhos, laranjas, ulmo e videiras, o que davam a estes jardins um caráter distinto dos franceses contemporâneos, cuja influência estendeu por toda a Europa.

O buxinho, arbusto perene, espesso e resistente, aparecia também nas montanhas, oferecendo seu aroma acre aos jardins de Is la.

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JARDIM DE ISLA

Eram assim chamados por serem rodeados pelo rio Tajo e um canal que dele se derivava. O Jardim de Is la chegou a ter 12 hectares plantados e foi traçado pelo arquiteto e pintor Sebastián Herrera, entre 1660 e 1669. Às margens do Tajo, alinham-se suntuosos ulmos que serviam de fundo para a fonte que foi construída com pedras trazidas por D. Juan de Áustria do Golfo de Lepanto.

Neste, o chamado jardim baixo era a parte mais antiga e extensa, e atualmente estende-se em frente à fachada posterior do palácio. Apresentava quatro grandes lagos artificiais com grupos de esculturas, datando de 1728. Estava limitado nos seus lados maiores pelo Tajo e por um fosso, cujo muro, terminava com uma balaustrada de ferro trabalhado.

Em criações posteriores datadas do século XVIII, os jardins de acesso em frente à fachada principal eram de estilo neoclássico. No centro de um de seus lagos e entre as colunas que simbolizam o estreito de Gilbraltar, havia um grupo de esculturas de Hércules e Acteon. E entre outro lago de forma elíptica, s ituado sobre o mesmo eixo do parterre, havia uma estátua de Ceres. Os jardins altos se comunicam com os baixos por meio de duas pontes.

A Avenida, conhecida por Salão dos Reis, era flanqueada por plátanos de grande porte e estava situada junto ao Tajo. Dela se contemplava a fachada norte do Palácio e a cascata em escadaria construída em 1753. Nas pequenas praças que interrompiam o passeio central se encontram as fontes de Baco, Narciso, Alcides e Netuno.

Carlos IV, príncipe das Astúrias, tinha muita predileção por este lugar, onde construiu um pequeno jardim, denominado de Jardim do Príncipe. Situava-se entre a rua do Reino e o Tajo e foi muito ampliado durante o seu reinado e de seu sucessor. Este jardim tinha a forma de um triângulo alargado, cujos lados maiores com extensão aproximada de 4 Km, correspondiam às ruas do Reino e ao Tajo e eram plantados com plátanos e ulmo (Ulmus nigra) alinhados formando uma avenida.

ARANRUEZ

Aranruez e seus jardins serviram como fonte de inspiração para os pintores de muitas épocas, desde os da escola Velázquez, no século XVIII até Rusiñol atualmente. Estes jardins apresentavam características entre o clássico e romântico, tris te e melancólico.

Uma grande avenida conduzia à Casa do Lavrador, obra do arquiteto Isidro González Velásquez. Este pequeno palacete teve sua construção iniciada em 1803, no reinado de Carlos IV e foi decorado com luxo e elegância da época. Existiam muitos lugares de destaque no conjunto de jardins de Aranruez, como os jardins da Primavera, uma área bastante florida; o lago dos Chineses, a fonte de Apolo.

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JARDINS DE LA GRANJA

Situado em Peñalara, apresentava mais de 140 hectares e em cuja grande extensão se fundiam as obras do homem com o bosque, obra da natureza. Neste, os bosques com suas pequenas praças, trilhas e parterres, com ordenação clássica, formavam uma paisagem única e esplêndida, tanto que estes jardins foram denominados de Versailles espanhol. Associa-se a isto o fato de ter sido uma obra de Felipe V, da casa dos Bourbons, o qual segundo a história, mandou construir este jardim para curar-se da nostalgia dos jardins que havia deixado em seu país. O jardim foi traçado por Renato Carlier.

O jardim era regado por águas ou neve fundida de Guadarrama, que se acumulavam em “El Mar”, lago artificial s ituado na parte mais alta, servindo também para alimentar as famosas fontes.

Desde que seu idealizador, Felipe V, trouxe consigo o espírito francês, o qual influenciou o país no século XVIII e seus sucessores, todos os reis tinha predileção por esta área, que sempre foi melhorada e enriquecida. Carlos III, Fernando VII e Alfonso XII deixaram nele suas marcas, mas quem mais se dedicou a este jardim foi a Infanta Isabel, irmã de Alfonso XII.

As fontes deste jardim eram bastante famosas, pela sua arte e hidráulica, com jogos de água e suas surpresas de estilo italiano. A maioria foi construída por indicação da esposa do rei Felipe V. Dentre estas, pode-se citar a “Carrera de Caballos”, “Fama”, “Três Graças”, “Canastillo” e “Latona” que se destacavam pela riqueza de materiais e esculturas. A fonte “Carrera de Caballos” apresentava declive e a queda d’água formava espumas onde galopam as esculturas.

JARDINS DO MONASTÉRIO DE SAN LORENZO

Eram jardins muito especiais que refletiam a austeridade de Felipe II e acompanhavam a geometria da fachada (a arquitetura ditando as regras para os jardins). Paralelo à fachada do jardim dos frades, existiam maciços recortados, desenhados geometricamente sobre o terraço.

Segundo a descrição do Padre Siguenza, “eram quadros verdes cheios de flores, que combinavam suas cores de forma que assemelhavam às tapeçarias finas da Turquia, do Cairo e do Egito”.

C. HISTÓRIA DO PAISAGISMO NO BRASIL

Os primeiros s inais do paisagismo no Brasil tiveram início com a dominação holandesa. Na primeira metade do século XVII, Maurício de Nassau introduziu em Pernambuco laranjeiras, tangerineiras, limoeiros, com intuito de se urbanizar as cidades de Olinda e Recife.

Nas caravelas que faziam rotas da Europa e das Ïndias vieram outras espécies: Chapéu-de-sol (Terminalia catappa), coco-da-Bahia (Cocus nuciferae), nogueira-de-

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iguape (Aleurites moluccana) e a tiririca (Cyperus communis), cujas sementes eram liberadas quando se trocava o madeiramento dos navios.

Nas residências do período inicial de colonização havia um predomínio de plantas aromáticas, medicinais ou destinadas à alimentação. No período colonial, as residências ocupavam totalmente os lotes, não havendo recuo do passeio, nem divisas laterais, ficando apenas algumas áreas nos fundos. É o casario típico das cidades históricas.

Nas fazendas, um quintal contornava a casa-sede, sendo que a frente, quase sempre era ocupada por um terreiro, onde se secava o café e aconteciam as festas. Nos fundos havia o pomar, que não tinha importância ornamental, mas sim como fornecedor de alimentos. Cultivavam-se principalmente mangueiras, tamarindeiras, abacateiros, jaqueiras.

No período colonial não havia um estilo ou uma tendência paisagística marcante. A vegetação, sobretudo as árvores eram utilizadas como forma de amenizar o calor tropical. Há evidências de jardins ligados à cultura religiosa. Nos mosteiros e conventos se cultivavam plantas para ornamentação das igrejas.

O levantamento das espécies ocorrentes no território nacional foi bastante intensificado no século XIX tendo sido realizado por diversos pesquisadores estrangeiros, sobretudo os europeus. Um dos primeiros levantamentos foi realizado por Georg Marcgraf, entre 1638 e 1644, ainda durante a dominação holandesa. Diversas espécies nacionais foram disseminadas pelo mundo, como as bouganvíleas e gloxínias, enquanto que outras foram introduzidas e tiveram tão grande adaptação que se estenderam por toda a extensão territorial, como as amendoeiras (Madasgascar), eucaliptos (Austrália) e espatódeas (África).

No final do período colonial foram criados os primeiros passeios públicos: Passeio público do Rio de Janeiro (criado pelo mestre Valentim); Passeios públicos de Belém, Olinda, Ouro Preto e São Paulo.

No século XIX, D. João VI iniciou um processo de mudança nas características da colônia, procurando se adequar ao progresso do mundo europeu. Este processo foi mais intensificado em conseqüência da transferência da família real para o Brasil.

Em 1807 foi criado o Jardim Botânico, no Rio de Janeiro, que constituía um horto para aclimatação de plantas e onde se cultivavam espécies para chá, produção de carvão e matéria prima para produção de pólvora, cultivo em geral de plantas e ainda produção de especiarias (cravo, canela). Pela sua grande adaptação e disseminação na paisagem urbana e rural do século XIX, era uma espécie que podia ser considerada como naturalizada. Além da palmeira, cultivaram coração-negro (Albizzia lebeck ), eucalipto (Eucaliptus gigantea), cinamomo (Melia azedarach), carolina (Anadenanthera pavonia). Com a transformação do Jardim Botânico em Horto Real, outras espécies foram introduzidas: caneleira-do-ceilão (Cinnamomum ceylanieum), canforeira (C. Canphora), falsa-murta (Murraya exotica), utilizada como aroma para chá; gardênia (Gardenia jasminoides), aglaia (Aglaia odorata), magnólia amarela (Michelia champaca), jasmim-do-imperador (Osmanthus fragans), palmeirinha anã do Panamá (Carludovica palmata),

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fornecedora de fibra para chapéu Panamá), palmeira trepadeira Rotang (Calamus rotang)– fornecedora de palha para assentos em cadeiras .

Em 1809, com a invasão da Guiana Francesa, trouxeram para o Brasil o abacateiro, lichieira, caramboleira, jambeiro, jaqueira, tamarindeiro, noz moscada, fruta-pão, flor-de-abril.

D. João VI contratou Paul German, agrônomo francês, que introduziu acalifas, cassias, Brownea, crótons, datura, dombéia, furcrea, ixora, resedá, jasmim-manga, bico-de-papagaio, falmboyant, árvore-do-viajante.

No século XIX, foram introduzidos agapantos, copo-de-leite, dália, dracena, hibisco, jasmim, lírio, margarida, craveiro, roseira, dentre outras, vindos da Europa a pedido das mulheres.

Imigrantes portugueses vindos da Ilha da Madeira introduziram nos jardins plantas exóticas e nativas como alamandas, amarilis , begônias, biris , primaveras, brunfelsias, tinhorão, petúnias, onze horas, sálvias. Portugueses da Ilha Mauritius trouxeram a palmeira imperial (Roystonia regia) e D. João plantou-a no Horto Real (Este exemplar viveu 163 anos atingindo 40 m). A palmeira real (Roystonia oleraceae) foi introduzida um século depois, vinda de Porto Rico.

Para o casamento de D. Pedro I, com a arquiduquesa da Áustria, o alemão Ludwing Riedel, indicado por Langsdorf, foi contratado para arborizar as ruas do Rio de Janeiro (1836 -1860). A dificuldade encontrada foi de que o povo acreditava que a sombra causava doenças como maleita, febre amarela, sarampo, sarnas.

Em 1858, D. Pedro contratou Auguste Marie François Glaziou, engenheiro hidráulico e integrante de uma missão artística e científica francesa, para ocupar o cargo de Diretor Geral de Matas e Jardins. Dentre as suas obras destacam-se o Campo de Santana e a Quinta da Boa Vista, no Rio de Janeiro, cujo estilo era inspirado no jardim paisagístico inglês do século XVIII. Haviam grandes gramados, lagos s inuosos, caramanchões em estilo de templo grego, e a preocupação de situar o jardim dentro da paisagem, não havendo cercas ou outros estruturas que limitassem a visão.

O grande marco da obra de Glaziou foi o fato dele ter s ido o primeiro a utilizar em suas composições paisagísticas elementos da flora nativa, os quais, até então não eram valorizados pela sua aparência plástica. Um exemplo foi a alameda de Sapucaias e o reflorestamento das áreas da Tijuca e Paineiras. Utilizou também árvores floríferas no paisagismo, como a s ibipiruna, pau-ferro, cássias, paineira, jacarandá, oiti, mirindiba, ipês, quaresmeiras, dentre outras.

O exemplo do Rio de Janeiro se espalhou para outros estados. Entretanto, devido à falta de técnicos, nem sempre foram feitos em estilo coerente e bom gosto. Nem mesmo com a colocação de espécies em locais adequados. Por exemplo, a utilização de mangueiras, flamboyants e figueiras na arborização de ruas.

No século XIX houve ainda o trabalho do paisagista inglês John Tyndale, no Parque da Lage, Rio de Janeiro, realizado em 1840, no qual se destacou a utilização das palmeiras Raphia.

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A Europa sempre fora considerada modelo de civilização e desenvolvimento. Assim sempre serviu de modelo para a arquitetura e para os jardins nacionais. Isto foi ainda mais acentuado com as imigrações. Os imigrantes, principalmente, italianos, portugueses, franceses, alemães, trouxeram e implantaram aqui seus modelos de jardim. As espécies mais cultivadas eram as rosas, dálias, crisântemos, avencas e samambaias.

Houve grande influência dos jardins franceses nas praças brasileiras. A praça Paris, por exemplo, no Rio de Janeiro, obra do urbanista Alfred Agache, 1929, serviu de modelo para muitas outras. A s imetria se tornou um ponto comum e em muitos projetos havia demonstrações da arte topiária, com estranhas esculturas como poltronas, jogadores de futebol, camelos, cavalos, esferas.

O PAISAGISTA ROBERTO BURLE-MARX

FIGURA 82 - Roberto Burle-Marx (Frota, 1994).

Roberto Burle-Marx nasceu em São Paulo em 04 de agosto de 1909 e mudou-se para o Rio de Janeiro em 1913. Estudou na Alemanha de 1928 a 1929. Ainda era estudante de pintura em Berlim, quando visitou o Jardim Botânico de Dahlem e descobriu a riqueza da flora tropical, com vários exemplos de plantas nativas brasileiras.

De volta ao Brasil, ele foi convidado para fazer os jardins da casa da família Schwartz, projetada por Lúcio Costa e Gregório Warchavchik, em 1932, a primeira do Rio de Janeiro em estilo moderno.

Entre 1934 e 1937 exerceu a função de Diretor de Parques no Recife, onde projetou e executou os primeiros jardins com plantas que ocorriam naturalmente em diversas

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formações fitogeográficas do Brasil. Utilizou plantas da caatinga na praça Euclides da Cunha e da flora amazônica nos jardins da Casa Forte.

Em 1943, com a associação com Henrique Lahmeyer de Mello Barreto, botânico, a tendência de valorização da flora nativa foi acentuada, observando, sobretudo o comportamento das plantas em seu habitat, como se associavam com pedras, diferentes tipos de solo e outras plantas. Também coletou diversas plantas nas diferentes regiões brasileiras, algumas desconhecidas e as valorizou, utilizando-as em seus projetos. As plantas desconhecidas foram classificadas, recebendo o seu nome: Heliconia burle-marxii, Anturium burle-marxii, Begonia burle-marxii, Mandevilla burle-marxii, Vellozia burle-marxii, Philodendron burle-marxii, Pleurostima burle-marxii, Burlemaxia spiralis, são alguns exemplos.

O complexo arquitetônico da Pampulha e no parque da cidade de Araxá, são importantes obras paisagísticas realizadas por Burle-Marx. Nessas áreas ele procurou utilizar e valorizar espécies da flora nativa regional.

A definição de um estilo ou uma tendência não depende unicamente das plantas utilizadas, mas da forma de compor a vegetação, criando um movimento inovador. Como um artista moderno, Burle-Marx não poderia aceitar as formas e traçados rígidos impostos por outros estilos importados pelo país. "Detesto a fórmula, adoro princípios”.Assim, Burle-Marx utilizou em seus projetos curvas amplas, traçados sinuosos e livres, com a proporção relacionada com a paisagem do entorno, sem perder a sua relação com a arquitetura no qual o jardim está inserido. Não havia um compromisso com regras pré-estabelecidas. Preocupou-se sim em manter uma coesão entre as peças de suas composições, sempre com uma visão global.

Apesar disto, e como é característico do paisagismo eclético, se aproveitaram os conceitos de outros estilos, nos seus pontos mais importantes e marcantes. Burle-Marx utilizou, por exemplo, na residência de Odete Monteiro, os conceitos dos parques ingleses, onde o jardim fazia parte da paisagem local. O uso de volumes justapostos caracterizava a transição entre a arquitetura e a paisagem natural, sem, no entanto haver limitações fís icas visíveis. No Centro Cívico de Santo André, utilizou a geometrização do traçado dos jardins franceses e os parterres.

Burle Marx projetou inúmeros jardins no Brasil e também no exterior, tendo trabalhado nos EUA, Chile, Argentina, Venezuela, Uruguai, Equador, Paraguai e Porto Rico e na França.

Roberto Burle Marx faleceu em 04 d ejunho de 1994, aos 84 anos.

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FIGURA 83 - Residência Odette Monteiro (Frota, 1994).

FIGURA 84 - Guache sobre papel – Jardins do Palácio Gustavo Capanema, RJ (Frota, 1994).

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FIGURA 85 - NANQUIM SOBRE PAPEL. JARDIM DA CASA FORTE, RECIFE (FROTA, 1994).

FIGURA 86 - Palácio do Itamaraty, Brasília (Frota, 1994).

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FIGURA 87 - Sede da UNESCO, França (Frota, 1994)

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FIGURA 88 - Guache sobre papel: Parte da planta do Parque do Ibirapuera (Frota, 1994).

FIGURA 89 - Nanquim sobre papel: Parque Recreativo Rogério Python Farias (Frota, 1994).

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FIGURA 90 - Banco Safra (1983-1986) (Frota, 1994).

JARDIM CONTEMPORÂNEO (SÉCULO XIX E XX))

Nos séculos XIX e XX, praticamente não se criou nenhum estilo novo de jardim. Na verdade, os jardins se caracterizavam por serem fusão ou mescla dos grandes estilos já criados.

No século XIX, muito se usou dos quiosques, das passarelas e pavilhões de estilos exóticos, adaptando-os aos jardins da época, formando um estilo que consistia na mistura dos grandes estilos do passado. Este estilo consistia em rodear a casa com um jardim regular e este por sua vez, era rodeado por um parque em estilo inglês.

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Na França, durante o Segundo Império, o jardim paisagista foi modificado pela influência de Alphand, responsável pela transformação de Paris e autor da obra “Promenades de Paris”. Isto pode ser visto no Parque de Butles-Chaumont, Montsouris e Monceau, Bosques de Boulogne e de Vincennes.

No século XIX houve a decadência na arte dos jardins, não surgiu nenhuma teoria nova de jardins, nenhum estilo característico. O que se observou foi que os jardins deixaram de ser luxo de alguns para se transformarem em necessidade de todos. Passaram a ser parte das novas exigências da população, da saúde pública. A praticidade moderna era refletida também na arte dos jardins, onde se utilizava com maior freqüência o estilo paisagista em detrimento dos estilos francês ou italiano, por serem mais baratos de se implantar.

O jardim em estilo francês foi seguido em diversos locais, como, por exemplo, no Frick Museu de Nova York, criado por Russell Page. Neste jardim foram utilizados gramados, tanques baixos de água, caminhos de cascalho e vasos floridos. Para evitar a monotonia, Page criou variações no plano do jardim. As árvores centrais pertenciam a espécies diferentes e a localização quebrava a rigidez da geometria quadrangular. O tanque tinha disposição descentralizada. Assim, Page criou algumas modificações no estilo francês, infundindo-lhe dinamismo. Outros jardins contemporâneos que tiveram inspiração francesa são o da PepsiCo em Purchase (Nova York) e Hershey Chocolate Company em Hershey (Pensilvânia).

Nos jardins públicos contemporâneos, geralmente de estilo paisagista, não há construções exóticas como tumbas, ruínas, castelos, etc. Ao contrário, existiam obras mais práticas como estufas, cafés, restaurantes, salões de chá ou espetáculos, etc.

Nos parques públicos que existem na maioria das grandes cidades, há um maior destaque para as flores, em comparação ao que se utilizava nos jardins históricos (franceses, ingleses ou italianos), as quais eram continuamente renovadas.

O Jardim Contemporâneo, mesmo que tenha se submetido às pesadas "servitudes" econômicas, não é mais que a continuação, mais modesta, do estilo paisagístico que um jogo múltiplo de influências criou.

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