36
Informativo 650-STJ (05/07/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 1 Informativo comentado: Informativo 650-STJ Márcio André Lopes Cavalcante ÍNDICE DIREITO AMBIENTAL RESPONSABILIDADE CIVIL A responsabilidade administrativa ambiental é de natureza subjetiva DIREITO CIVIL LOCAÇÃO DE IMÓVEIS URBANOS Não são exigíveis aluguéis no período compreendido entre o incêndio que destruiu imóvel objeto de locação comercial e a efetiva entrega das chaves pelo locatário. Notificado o locador ainda no período determinado da locação acerca da pretensão de exoneração dos fiadores, os efeitos desta exoneração somente serão produzidos após o prazo de 120 dias da data em que se tornou indeterminado o contrato de locação. CONTRATO DE HONORÁRIOS Os honorários advocatícios contratuais que adotarem a quota litis devem ser calculados com base na quantia efetivamente recebida pelo cliente, em razão da cessão de seu crédito a terceiro, e não pelo valor apurado na liquidação da sentença. DIREITO DO CONSUMIDOR VÍCIO DO SERVIÇO A instituição financeira responde por vício na qualidade do produto ao emitir comprovantes de suas operações por meio de papel termossensível. DIREITO PROCESSUAL CIVIL PROCEDIMENTO A prioridade na tramitação do feito é direito subjetivo da pessoa idosa e a lei lhe concede legitimidade exclusiva para a postulação do requerimento do benefício. AGRAVO DE INSTRUMENTO / AÇÃO DE EXIGIR CONTAS O recurso cabível contra decisão que julga procedente, na primeira fase, a ação de exigir contas é o agravo de instrumento. RECURSO ESPECIAL O art. 1.035, § 5º do CPC/2015 não determina a suspensão automática dos processos, devendo esse entendimento ser aplicado aos recursos especiais que impugnam acórdão publicado e com a repercussão geral reconhecida na vigência do CPC/1973. EXECUÇÃO FISCAL É possível que seja dispensada a garantia do juízo para o oferecimento dos embargos à execução se ficar demonstrado que o devedor não possui patrimônio para isso. O encargo do DL nº 1.025/69 não foi revogado pelo CPC/2015.

Informativo comentado: Informativo 650-STJA divergência entre locador e locatário ficou por conta do período de agosto a dezembro. João está cobrando os alugueis referentes a

  • Upload
    others

  • View
    3

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Informativo comentado: Informativo 650-STJA divergência entre locador e locatário ficou por conta do período de agosto a dezembro. João está cobrando os alugueis referentes a

Informativo 650-STJ (05/07/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 1

Informativo comentado: Informativo 650-STJ

Márcio André Lopes Cavalcante

ÍNDICE DIREITO AMBIENTAL

RESPONSABILIDADE CIVIL

A responsabilidade administrativa ambiental é de natureza subjetiva

DIREITO CIVIL

LOCAÇÃO DE IMÓVEIS URBANOS

Não são exigíveis aluguéis no período compreendido entre o incêndio que destruiu imóvel objeto de locação comercial e a efetiva entrega das chaves pelo locatário.

Notificado o locador ainda no período determinado da locação acerca da pretensão de exoneração dos fiadores, os efeitos desta exoneração somente serão produzidos após o prazo de 120 dias da data em que se tornou indeterminado o contrato de locação.

CONTRATO DE HONORÁRIOS

Os honorários advocatícios contratuais que adotarem a quota litis devem ser calculados com base na quantia efetivamente recebida pelo cliente, em razão da cessão de seu crédito a terceiro, e não pelo valor apurado na liquidação da sentença.

DIREITO DO CONSUMIDOR

VÍCIO DO SERVIÇO

A instituição financeira responde por vício na qualidade do produto ao emitir comprovantes de suas operações por meio de papel termossensível.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

PROCEDIMENTO

A prioridade na tramitação do feito é direito subjetivo da pessoa idosa e a lei lhe concede legitimidade exclusiva para a postulação do requerimento do benefício.

AGRAVO DE INSTRUMENTO / AÇÃO DE EXIGIR CONTAS

O recurso cabível contra decisão que julga procedente, na primeira fase, a ação de exigir contas é o agravo de instrumento.

RECURSO ESPECIAL

O art. 1.035, § 5º do CPC/2015 não determina a suspensão automática dos processos, devendo esse entendimento ser aplicado aos recursos especiais que impugnam acórdão publicado e com a repercussão geral reconhecida na vigência do CPC/1973.

EXECUÇÃO FISCAL

É possível que seja dispensada a garantia do juízo para o oferecimento dos embargos à execução se ficar demonstrado que o devedor não possui patrimônio para isso.

O encargo do DL nº 1.025/69 não foi revogado pelo CPC/2015.

Page 2: Informativo comentado: Informativo 650-STJA divergência entre locador e locatário ficou por conta do período de agosto a dezembro. João está cobrando os alugueis referentes a

Informativo comentado

Informativo 650-STJ (05/07/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 2

MANDADO DE SEGURANÇA

O mandado de segurança deverá ter seu mérito apreciado independentemente de superveniente trânsito em julgado da decisão questionada pelo mandamus.

DIREITO PENAL

DOSIMETRIA DA PENA

Súmula 636-STJ ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA

Crime de embaraçar investigação previsto na Lei do Crime Organizado não é restrito à fase do inquérito.

DIREITO TRIBUTÁRIO

INCENTIVOS FISCAIS

Decreto regulamentar, em sede do programa REINTEGRA, que estipula a alíquota de cálculo do crédito por período de tempo, e não por espécie de bem exportado, não extrapola o art. 22, § 1º, da Lei nº 13.043/2014.

ICMS

Viola o art. 20, § 6º da LC 87/96 a disposição contida em norma infralegal estadual que restrinja seu âmbito de aplicação a produtos agropecuários da mesma espécie.

DIREITO AMBIENTAL

RESPONSABILIDADE CIVIL A responsabilidade administrativa ambiental é de natureza subjetiva

Importante!!!

A aplicação de penalidades administrativas não obedece à lógica da responsabilidade objetiva da esfera cível (para reparação dos danos causados), mas deve obedecer à sistemática da teoria da culpabilidade, ou seja, a conduta deve ser cometida pelo alegado transgressor, com demonstração de seu elemento subjetivo, e com demonstração do nexo causal entre a conduta e o dano.

Assim, a responsabilidade CIVIL ambiental é objetiva; porém, tratando-se de responsabilidade administrativa ambiental, a responsabilidade é SUBJETIVA.

STJ. 1ª Seção. EREsp 1318051/RJ, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 08/05/2019 (Info 650).

Imagine a seguinte situação hipotética: A Ipiranga Produtos de Petróleo S/A contratou uma empresa (Ferrovia Centro Atlântica) para transportar, por meio de vagões-tanque, sessenta mil litros de óleo diesel. Ocorre que, durante o transporte, um dos vagões descarrilhou, derramando óleo na Baía de Guanabara e na Área de Proteção Ambiental de Guapimirim. O órgão de proteção ambiental lavrou um auto de infração impondo à Ipiranga (dona da carga) uma multa (penalidade administrativa) em virtude da infração ambiental. A Ipiranga ingressou com ação judicial questionando a multa aplicada sob o argumento de que não foi ela a causadora direta do acidente, tendo este sido ocasionado pela transportadora do produto. Alegou que o proprietário da carga transportada é considerado “terceiro”, por não ser o efetivo causador do dano ambiental, e que a sua responsabilidade pela infração administrativa é de natureza subjetiva, ou seja, depende da demonstração de que agiu com dolo ou culpa, o que não foi demonstrado pelo órgão ambiental.

Page 3: Informativo comentado: Informativo 650-STJA divergência entre locador e locatário ficou por conta do período de agosto a dezembro. João está cobrando os alugueis referentes a

Informativo comentado

Informativo 650-STJ (05/07/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 3

Os argumentos da empresa autuada são acolhidos pela jurisprudência do STJ? A responsabilidade administrativa ambiental tem caráter objetivo ou subjetivo? SIM. A responsabilidade administrativa ambiental é de natureza SUBJETIVA. Tríplice responsabilização ambiental O art. 225, § 3º, da CF/88 prevê a tríplice responsabilização ambiental, estando, portanto, o causador de danos ambientais sujeito à responsabilização administrativa, cível e penal, de modo independente e simultâneo:

Art. 225 (...) § 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

A responsabilidade civil por dano ambiental é OBJETIVA. Por outro lado, as responsabilidades penal e administrativa são de natureza SUBJETIVA. Responsabilidade civil x responsabilidade administrativa A responsabilidade por danos ambientais na esfera cível é objetiva. Isso significa, por exemplo, que, se o Ministério Público propuser uma ação contra determinado poluidor, ele não precisará provar a culpa ou dolo do réu. Por outro lado, para a aplicação de penalidades administrativas, não se obedece a essa mesma lógica. A responsabilidade administrativa ambiental apresenta caráter subjetivo, exigindo dolo ou culpa para sua configuração. Assim, adota-se a sistemática da teoria da culpabilidade, ou seja, deverá ser comprovado o elemento subjetivo do agressor, além da demonstração do nexo causal entre a conduta e o dano. A diferença entre os dois âmbitos de punição e suas consequências fica bem estampada da leitura do art. 14, caput e § 1º, da Lei nº 6.938/81. No § 1º do art. 14 está prevista a responsabilidade na esfera cível. Lá ele fala que esta é independente da existência de culpa:

Art. 14 (...) § 1º Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.

Já o caput do art. 14, que trata sobre a responsabilidade administrativa, não dispensa a existência de culpa. Logo, interpreta-se que ele exige dolo ou culpa:

Art. 14. Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores: I - à multa simples ou diária, nos valores correspondentes, no mínimo, a 10 (dez) e, no máximo, a 1.000 (mil) Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional - ORTNs, agravada em casos de reincidência específica, conforme dispuser o regulamento, vedada a sua cobrança pela União se já tiver sido aplicada pelo Estado, Distrito Federal, Territórios ou pelos Municípios; II - à perda ou restrição de incentivos e benefícios fiscais concedidos pelo Poder Público; III - à perda ou suspensão de participação em linhas de financiamento em estabelecimentos oficiais de crédito; IV - à suspensão de sua atividade.

Page 4: Informativo comentado: Informativo 650-STJA divergência entre locador e locatário ficou por conta do período de agosto a dezembro. João está cobrando os alugueis referentes a

Informativo comentado

Informativo 650-STJ (05/07/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 4

A aplicação e a execução das penas (responsabilidade administrativa) limitam-se aos transgressores (somente podem ser aplicadas a quem efetivamente praticou a infração). Por outro lado, a reparação ambiental, de cunho civil, pode atingir todos os poluidores, a quem a própria legislação define como “a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental” (art. 3º, V, da Lei nº 6.938/81). Assim, o uso do vocábulo “transgressores” no caput do art. 14, comparado à utilização da palavra “poluidor” no § 1º do mesmo dispositivo, deixa a entender aquilo que já se podia inferir da vigência do princípio da intranscendência das penas: a responsabilidade civil por dano ambiental é subjetivamente mais abrangente do que as responsabilidades administrativa e penal, não admitindo estas últimas que terceiros respondam a título objetivo por ofensas ambientais praticadas por outrem. Em suma:

A responsabilidade administrativa ambiental é de natureza subjetiva A aplicação de penalidades administrativas não obedece à lógica da responsabilidade objetiva da esfera cível (para reparação dos danos causados), mas deve obedecer à sistemática da teoria da culpabilidade, ou seja, a conduta deve ser cometida pelo alegado transgressor, com demonstração de seu elemento subjetivo, e com demonstração do nexo causal entre a conduta e o dano. Assim, a responsabilidade CIVIL ambiental é objetiva; porém, tratando-se de responsabilidade administrativa ambiental, a responsabilidade é SUBJETIVA. STJ. 1ª Seção. EREsp 1318051/RJ, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 08/05/2019 (Info 650).

RESPONSABILIDADE POR DANOS AMBIENTAIS

Responsabilidade CIVIL Responsabilidade ADMINISTRATIVA Responsabilidade PENAL

Objetiva Subjetiva Subjetiva

§ 1º do art. 14 da Lei 6.938/81. Caput do art. 14 da Lei 6.938/81. É vedada a responsabilidade penal objetiva.

DIREITO CIVIL

LOCAÇÃO DE IMÓVEIS URBANOS Não são exigíveis aluguéis no período compreendido entre o incêndio que destruiu imóvel

objeto de locação comercial e a efetiva entrega das chaves pelo locatário

Importante!!!

A locação consiste na cessão do uso ou gozo da coisa em troca de uma retribuição pecuniária, isto é, tem por objeto poderes ou faculdades inerentes à propriedade.

Assim, extinta a propriedade pelo perecimento do bem, também se extingue, a partir desse momento, a possibilidade de usar, fruir e gozar desse mesmo bem, o que inviabiliza, por conseguinte, a manutenção do contrato de locação, já que o locatório não terá como realizar a exploração econômica dessas faculdades da propriedade.

STJ. 3ª Turma. REsp 1707405/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Rel. p/ Acórdão Min. Moura Ribeiro, julgado em 07/05/2019 (Info 650).

Page 5: Informativo comentado: Informativo 650-STJA divergência entre locador e locatário ficou por conta do período de agosto a dezembro. João está cobrando os alugueis referentes a

Informativo comentado

Informativo 650-STJ (05/07/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 5

Imagine a seguinte situação hipotética: João (proprietário/locador) celebrou contrato de locação comercial com Pedro (locatário). Por meio deste ajuste, João alugou um imóvel para Pedro, que desenvolve comércio de roupas no local. Em contrapartida, Pedro paga, mensalmente, R$ 2 mil de aluguel. Em 04/08/2012, houve um incêndio que destruiu completamente o imóvel, inviabilizando o seu uso. Em 04/12/2012, Pedro efetivamente devolveu as chaves ao proprietário. Vale ressaltar que as causas do acidente ainda não foram apuradas (não se sabe de quem foi a culpa). A divergência entre locador e locatário ficou por conta do período de agosto a dezembro. João está cobrando os alugueis referentes a esse período e Pedro afirma que não tem obrigação de pagar porque deixou de utilizar o imóvel desde o dia do incêndio. João invoca, em seu favor, o art. 567 do Código Civil:

Art. 567. Se, durante a locação, se deteriorar a coisa alugada, sem culpa do locatário, a este caberá pedir redução proporcional do aluguel, ou resolver o contrato, caso já não sirva a coisa para o fim a que se destinava.

Quem tem razão: João (locador) ou Pedro (locatário)? Pedro (o locatário). Lei nº 8.245/91 A locação de prédios urbanos rege-se pela Lei nº 8.245/91, que dispõe sobre as locações dos imóveis urbanos e os procedimentos a elas pertinentes. Quando o Código Civil de 2002 entrou em vigor, ficou determinado que a Lei nº 8.245/91 continuaria regendo a locação de imóveis urbanos. Isso porque o art. 2.036 do CC previu a seguinte regra:

Art. 2.036. A locação de prédio urbano, que esteja sujeita à lei especial, por esta continua a ser regida.

Desse modo, em princípio, deve-se buscar a solução jurídica na lei especial e, somente se ela for omissa, recorre-se às regras do Código Civil. Extinção do contrato de locação O art. 9º da Lei nº 8.245/91 prevê quatro formas de extinção do contrato de locação:

Art. 9º A locação também poderá ser desfeita: I - por mútuo acordo; II - em decorrência da prática de infração legal ou contratual; III - em decorrência da falta de pagamento do aluguel e demais encargos; IV - para a realização de reparações urgentes determinadas pelo Poder Público, que não possam ser normalmente executadas com a permanência do locatário no imóvel ou, podendo, ele se recuse a consenti-las.

Uma informação importante é a de que esse rol do art. 9º é exemplificativo. Assim, existem outras hipóteses por meio das quais a locação pode se extinguir e que não estão elencadas no art. 9º. No caso, deve-se recorrer ao CC, mas não ao art. 567 A Lei nº 8.245/91 não prevê o que acontece com o contrato de locação caso o imóvel seja completamente destruído em um incêndio. Não há regra que discipline esse tema. Logo, deve-se recorrer ao Código Civil. Ocorre que o art. 567 do CC não pode ser aplicado ao caso concreto. Isso porque este dispositivo fala em “deteriorar” (deterioração) e o incêndio ocasionou mais que uma deterioração. O incêndio acarretou o perecimento do bem.

Page 6: Informativo comentado: Informativo 650-STJA divergência entre locador e locatário ficou por conta do período de agosto a dezembro. João está cobrando os alugueis referentes a

Informativo comentado

Informativo 650-STJ (05/07/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 6

• Deteriorar: significa alterar para pior o estado de alguma coisa (danificar, estragar); • Perecer: ocorre quando uma coisa ou direito deixa de existir (é a destruição). Não há previsão sobre os casos de deterioração do bem locado Nem a Lei nº 8.241/91 nem o Código Civil tratam da hipótese em que ocorre o perecimento do bem. Logo, é caso de se invocar o art. 4º da LINDB, devendo ser aplicados o princípio geral do Direito identificado pelo brocardo latino res perit domino (a coisa perece para o dono), ou seja, se o bem pereceu, quem deve sofrer o prejuízo é o proprietário. Perecimento do bem locado acarreta a extinção da locação O objeto do contrato de locação não é exatamente a coisa ou prédio locado, mas sim o uso ou a fruição que deles se faz. Assim, o perecimento da coisa ou do prédio extingue a locação, porque não há mais possibilidade de cobrar aluguel pelo uso ou fruição de um bem que não mais existe ou que não mais se presta à locação. A locação consiste na cessão do uso ou gozo da coisa em troca de uma retribuição pecuniária. Desse modo, é possível afirmar que a locação tem por objeto poderes ou faculdades inerentes à propriedade. Assim, extinta a propriedade pelo perecimento do bem, também se extingue, a partir desse momento, a possibilidade de usar, fruir e gozar desse mesmo bem, o que inviabiliza, por conseguinte, a exploração econômica dessas faculdades da propriedade por meio do contrato de locação. O contrato de locação é oneroso e bilateral, de forma que, não sendo mais possível a exploração útil do bem, isso deve significar o encerramento do contrato, com a isenção do pagamento do aluguel e seus consectários. Essa relação jurídica é baseada no mutualismo e o mutualismo pressupõe que existam prestações e contraprestações recíprocas. Se não existe mais imóvel para ser locado, há uma quebra desse sinalagma e a cobrança de alugueis pode configurar até mesmo enriquecimento sem causa para o locador. Seria possível considerar que a extinção do contrato ocorreu com a entrega das chaves? Essa entrega seria um requisito indispensável para o término da locação? NÃO. O perecimento do bem alugado implica a automática extinção do contrato de locação e, por conseguinte, impede a cobrança de aluguéis. E se, ao final, a perícia demonstrar que o locatário foi culpado pelo perecimento? Neste caso, ele terá o dever de indenizar o locador/proprietário do bem. No entanto, neste caso, não se trata de pagamento de alugueis, mas sim de indenização (perdas e danos). Em suma:

Não são exigíveis aluguéis no período compreendido entre o incêndio que destruiu imóvel objeto de locação comercial e a efetiva entrega das chaves pelo locatário A locação consiste na cessão do uso ou gozo da coisa em troca de uma retribuição pecuniária, isto é, tem por objeto poderes ou faculdades inerentes à propriedade. Assim, extinta a propriedade pelo perecimento do bem, também se extingue, a partir desse momento, a possibilidade de usar, fruir e gozar desse mesmo bem, o que inviabiliza, por conseguinte, a manutenção do contrato de locação, já que o locatório não terá como realizar a exploração econômica dessas faculdades da propriedade. STJ. 3ª Turma. REsp 1707405/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Rel. p/ Acórdão Min. Moura Ribeiro, julgado em 07/05/2019 (Info 650).

Page 7: Informativo comentado: Informativo 650-STJA divergência entre locador e locatário ficou por conta do período de agosto a dezembro. João está cobrando os alugueis referentes a

Informativo comentado

Informativo 650-STJ (05/07/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 7

LOCAÇÃO DE IMÓVEIS URBANOS Notificado o locador ainda no período determinado da locação acerca da pretensão de

exoneração dos fiadores, os efeitos desta exoneração somente serão produzidos após o prazo de 120 dias da data em que se tornou indeterminado o contrato de locação

O art. 40, X, da Lei nº 8.245/91 prevê o seguinte:

Art. 40. O locador poderá exigir novo fiador ou a substituição da modalidade de garantia, nos seguintes casos:

X – prorrogação da locação por prazo indeterminado uma vez notificado o locador pelo fiador de sua intenção de desoneração, ficando obrigado por todos os efeitos da fiança, durante 120 (cento e vinte) dias após a notificação ao locador.

Não é necessário que a notificação seja realizada apenas no período da indeterminação do contrato de locação, podendo, assim, os fiadores, no curso da locação com prazo determinado, notificarem o locador de sua intenção exoneratória, mas os seus efeitos somente poderão se projetar para o período de indeterminação do contrato.

Notificado o locador ainda no período determinado da locação acerca da pretensão de exoneração dos fiadores, os efeitos desta exoneração somente serão produzidos após o prazo de 120 dias da data em que se tornou indeterminado o contrato de locação, e não da notificação.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.798.924-RS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 14/05/2019 (Info 650).

Imagine a seguinte situação hipotética: Ricardo (proprietário/locador) celebrou contrato de locação com Gustavo (locatário). Por meio deste ajuste, Ricardo alugou um apartamento para Gustavo pelo prazo DETERMINADO de 12 meses. Manoel figurou no contrato como fiador de Gustavo. O contrato foi assinado em 09/01/2016. Em 09/07/2016, ou seja, 6 meses após a celebração do pacto, Manoel enviou uma notificação extrajudicial para Ricardo afirmando que não desejava mais ser fiador do contrato. Isso é chamado de “notificação exoneratória”. Ricardo, depois de consultar seu advogado, não deu importância para a notificação. Em 06/01/2017, poucos dias antes de terminar o prazo de duração da locação, Ricardo e Gustavo decidiram prorrogar o contrato por prazo indeterminado. Indaga-se: Manoel ficou exonerado desde o dia em que Ricardo recebeu a notificação? NÃO. Manoel ficou vinculado ao contrato até quando? Até 120 dias depois de 06/01/2017, ou seja, até 120 dias depois da data em que o contrato se tornou indeterminado. É essa a interpretação conferida pelo STJ ao art. 40, X, da Lei nº 8.245/91:

Art. 40. O locador poderá exigir novo fiador ou a substituição da modalidade de garantia, nos seguintes casos: (...)

Page 8: Informativo comentado: Informativo 650-STJA divergência entre locador e locatário ficou por conta do período de agosto a dezembro. João está cobrando os alugueis referentes a

Informativo comentado

Informativo 650-STJ (05/07/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 8

X – prorrogação da locação por prazo indeterminado uma vez notificado o locador pelo fiador de sua intenção de desoneração, ficando obrigado por todos os efeitos da fiança, durante 120 (cento e vinte) dias após a notificação ao locador. (Incluído pela Lei nº 12.112/2009)

A melhor interpretação do art. 40, X, da Lei nº 8.245/91 é a de que: • não é imprescindível que a notificação seja realizada apenas no período da indeterminação do contrato; • assim, o fiador, no curso da locação com prazo determinado, já pode notificar o locador de sua intenção exoneratória; • essa notificação, no entanto, não produzirá efeitos de imediato. Somente com a prorrogação do contrato começarão a contar os 120 dias que antecedem a sua exoneração. • desse modo, notificado o locador ainda no período determinado da locação acerca da pretensão de exoneração do fiador, os efeitos desta exoneração somente serão produzidos após o prazo de 120 dias da data em que se tornou indeterminado o contrato de locação, e não da notificação. Em suma:

Notificado o locador ainda no período determinado da locação acerca da pretensão de exoneração dos fiadores, os efeitos desta exoneração somente serão produzidos após o prazo de 120 dias da data em que se tornou indeterminado o contrato de locação, e não da notificação. STJ. 3ª Turma. REsp 1.798.924-RS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 14/05/2019 (Info 650).

CONTRATO DE HONORÁRIOS Os honorários advocatícios contratuais que adotarem a quota litis devem ser calculados com

base na quantia efetivamente recebida pelo cliente em razão da cessão de seu crédito a terceiro, e não pelo valor apurado na liquidação da sentença

Ex: João (advogado) foi contratado para ajuizar reclamação trabalhista em favor de Pedro, mediante celebração de contrato de prestação de serviços advocatícios com cláusula quota litis, cuja remuneração seria de 20% sobre o crédito apurado em sentença em benefício do reclamante. A reclamação foi julgada procedente e, na liquidação da sentença, ficou reconhecido que a empregadora deveria pagar R$ 100 mil ao ex-empregado. Ocorre que a empresa vencida entrou em processo de falência. Diante disso, Pedro (credor) realizou acordo com terceiro cedendo seu crédito, com a finalidade de receber ao menos parte de sua verba alimentar, por valor bem inferior ao judicialmente reconhecido. Assim, Pedro “vendeu” seu crédito de R$ 100 mil, recebendo apenas R$ 10 mil. João (advogado) receberá 20% de 100 ou de 10? R: 20% de 10.

Para o STJ, uma vez celebrado o contrato de prestação de serviços advocatícios com emprego de cláusula quota litis, deve a remuneração ad exitum, ali fixada em percentual, ser calculada com base no benefício efetivamente alcançado pela parte com a cessão de crédito, e não com base no valor total do crédito reconhecido na demanda trabalhista e não satisfeito, ante a manifesta insolvência da devedora falida.

STJ. 4ª Turma. REsp 1.354.338-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Rel. Acd. Min. Raul Araújo, julgado em 19/03/2019 (Info 650).

Imagine a seguinte situação hipotética: João (advogado) foi contratado para ajuizar reclamação trabalhista em favor de Pedro, mediante celebração de contrato de prestação de serviços advocatícios com cláusula quota litis, cuja remuneração seria de 20% sobre o crédito apurado em sentença em benefício do reclamante.

Page 9: Informativo comentado: Informativo 650-STJA divergência entre locador e locatário ficou por conta do período de agosto a dezembro. João está cobrando os alugueis referentes a

Informativo comentado

Informativo 650-STJ (05/07/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 9

Cláusula quota litis Cláusula ad exitum (ou quota litis) é aquela na qual fica previsto que o advogado somente irá receber de seu cliente os honorários advocatícios contratuais ao final da causa, se esta for exitosa. Voltando ao exemplo: A reclamação foi julgada procedente e, na liquidação da sentença, ficou reconhecido que a empregadora deveria pagar R$ 100 mil ao ex-empregado. Ocorre que a empresa vencida entrou em processo de falência. Pedro (credor) ficou com receio de não conseguir receber nada ou de demorar muito tempo. Assim, ele fez um acordo com um terceiro por meio do qual cedeu seu crédito trabalhista, aceitando receber à vista um valor menor do que aquele ao qual ele tinha direito. Este terceiro é uma sociedade empresária arrendatária da massa falida. Assim, Pedro “vendeu” (cedeu) seu crédito de R$ 100 mil, recebendo apenas R$ 10 mil. Vale ressaltar que João não anuiu com esse acordo e agora cobra de Pedro seus honorários com base no valor total do crédito reconhecido na demanda trabalhista. O pedido de João foi acolhido pelo STJ? João receberá 20% de 100 mil (valor originário definido na liquidação) ou de 10 mil (quantia efetivamente recebida por João)? NÃO foi acolhido. João receberá 20% de 10 mil:

Uma vez celebrado o contrato de prestação de serviços advocatícios com emprego de cláusula quota litis, deve a remuneração ad exitum, ali fixada em percentual, ser calculada com base no benefício efetivamente alcançado pela parte com a cessão de crédito, e não com base no valor total do crédito reconhecido na demanda trabalhista e não satisfeito, ante a manifesta insolvência da devedora falida. STJ. 4ª Turma. REsp 1.354.338-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Rel. Acd. Min. Raul Araújo, julgado em 19/03/2019 (Info 650).

O contrato de prestação de serviços advocatícios, elaborado pelo advogado com o cliente, adotou como critério remuneratório a cláusula quota litis. Por meio desta, estipula-se que os honorários serão fixados com base na vantagem obtida pelo cliente, sujeitando, portanto, a remuneração do advogado ao seu sucesso na demanda, pois, em caso de derrota, nada receberá. E mais: a sua adoção implica, necessariamente, que a remuneração do advogado constituído jamais poderá ser superior às vantagens advindas em favor do constituinte. É nesse sentido, aliás, que o Código de Ética e Disciplina, editado pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, com base nos arts. 33 e 54, V, da Lei 8.906/94 (EAOAB), assim dispõe sobre a conduta dos profissionais da advocacia:

Art. 50. Na hipótese da adoção de cláusula quota litis, os honorários devem ser necessariamente representados por pecúnia e, quando acrescidos dos honorários da sucumbência, não podem ser superiores às vantagens advindas a favor do cliente. § 1º A participação do advogado em bens particulares do cliente só é admitida em caráter excepcional, quando esse, comprovadamente, não tiver condições pecuniárias de satisfazer o débito de honorários e ajustar com o seu patrono, em instrumento contratual, tal forma de pagamento. § 2º Quando o objeto do serviço jurídico versar sobre prestações vencidas e vincendas, os honorários advocatícios poderão incidir sobre o valor de umas e outras, atendidos os requisitos da moderação e da razoabilidade.

Page 10: Informativo comentado: Informativo 650-STJA divergência entre locador e locatário ficou por conta do período de agosto a dezembro. João está cobrando os alugueis referentes a

Informativo comentado

Informativo 650-STJ (05/07/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 10

Embora fizesse jus à percepção de quantia maior, o trabalhador, pessoa pobre, não suportou a espera pelo incerto pagamento de seu crédito habilitado na falência e viu-se obrigado a negociar sua verba alimentar por valor menor, recebido de terceiro, arrendatário da massa falida. Assim, não parece razoável seja obrigado a pagar a seu advogado quantia superior à que efetivamente percebeu, calculada com base de cálculo distante do proveito econômico auferido. Deve-se invocar também o princípio da boa-fé objetiva, previsto no art. 422 do CC/2002, por meio do qual se almeja estabelecer um padrão ético de conduta entre as partes nas relações obrigacionais, assim como o disposto no art. 423 do mesmo diploma legal, que assegura ao aderente a interpretação mais favorável das cláusulas ambíguas.

DIREITO DO CONSUMIDOR

VÍCIO DO SERVIÇO A instituição financeira responde por vício na qualidade do produto ao

emitir comprovantes de suas operações por meio de papel termossensível

A instituição financeira, ao emitir comprovantes de suas operações por meio de papel termossensível, acabou atraindo para si a responsabilidade pelo vício de qualidade do produto. Isso porque, por sua própria escolha, em troca do aumento dos lucros - já que a impressão no papel térmico é mais rápida e bem mais em conta -, passou a ofertar o serviço de forma inadequada, emitindo comprovantes cuja durabilidade não atendem as exigências e as necessidades do consumidor, vulnerando o princípio da confiança.

É da natureza específica do tipo de serviço prestado emitir documentos de longa vida útil, a fim de permitir que os consumidores possam, quando lhes for exigido, comprovar as operações realizadas.

A “fragilidade” dos documentos emitidos em papel termossensível acaba por ampliar o desequilíbrio na relação de consumo, em vista da dificuldade que o consumidor terá em comprovar o seu direito pelo desbotamento das informações no comprovante.

STJ. 4ª Turma. REsp 1414774/RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 16/05/2019 (Info 650).

Imagine a seguinte situação hipotética: Determinado Instituto de Defesa do Consumidor ajuizou ação civil pública contra o Banco Santander pedindo para que a instituição financeira fosse condenada a fornecer, gratuitamente, segunda via dos comprovantes dados em papel termossenssível. Papel termossensível (papel término) O papel termossensível é aquele bem fininho, utilizado em impressoras térmicas, geralmente encontradas em caixas eletrônicos, aparelhos de fax, caixas registradoras ou máquinas de cartão de crédito. Ele é utilizado porque a sua impressão é mais rápida e barata, já que não requer tinta. O cabeçote da impressora esquenta e marca em preto o formato das letras, contrastando com a cor do fundo branco ou amarelo do papel. A desvantagem é que as informações ali escritas se apagam com extrema facilidade, em poucos meses. Dessa forma, imagine que o consumidor pagou uma conta e recebeu o comprovante em papel termossensível. Ele guarda o documento em sua casa pensando que está seguro e, depois de um, dois anos, percebe que as informações que estavam ali registradas sumiram.

Page 11: Informativo comentado: Informativo 650-STJA divergência entre locador e locatário ficou por conta do período de agosto a dezembro. João está cobrando os alugueis referentes a

Informativo comentado

Informativo 650-STJ (05/07/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 11

O STJ concordou com os argumentos do instituto de defesa do consumidor? O banco foi condenado? SIM.

Responsabilidade pelo vício do serviço Vício é a inadequação do produto ou serviço para os fins a que se destina. O vício pode ser de duas subespécies: vício de qualidade ou de quantidade. O art. 20 do CDC trata sobre os vícios de qualidade:

Art. 20. O fornecedor de serviços responde pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ao consumo ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha: (...)

Serviço impróprio São considerados serviços impróprios aqueles “que se mostrem inadequados para os fins que razoavelmente deles se esperam, bem como aqueles que não atendam as normas regulamentares de prestabilidade” (art. 20, § 2º). Exemplos de vícios de qualidade do serviço • instalação elétrica com curto-circuito; • bloqueio injustificado do cartão de crédito; • conta corrente bloqueada ou encerrada indevidamente; • lançamento indevido na fatura do cartão de crédito; • pintura de automóvel que ficou manchada; • qualquer serviço de eletrônicos mal executado.

(RIZZATTO, Nunes. Curso de direito do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 297-298). Utilização do papel termossensível representa vício de qualidade A instituição financeira, ao emitir comprovantes de suas operações por meio de papel termossensível, incidiu em vício de qualidade e deve ser responsabilizada por isso. O banco, ao escolher o papel térmico (mais barato e mais rápido), passou a ofertar o serviço de forma inadequada, emitindo comprovantes cuja durabilidade não atendem as exigências e necessidades do consumidor, vulnerando o princípio da confiança. Trata-se de incidência dos princípios gerais da boa-fé objetiva e da função social do contrato na compreensão da responsabilidade civil dos estabelecimentos comerciais, incumbindo ao fornecedor do serviço o dever de prestá-lo com a qualidade e a funcionalidade esperadas. O consumidor tem a legítima expectativa de que, com o papel fornecido pelo banco ao final da transação, possa comprovar as operações realizadas. Além disso, a “fragilidade” dos documentos emitidos em papel termossensível acabam por ampliar o desequilíbrio na relação de consumo, notadamente em razão da vulnerabilidade do consumidor, “afinal, a empresa fornecedora terá agora a seu favor, além da sua natural superioridade econômica, técnica e jurídica, também a dificuldade do consumidor de provar o seu direito - com um papel desbotado nas mãos...” (DESSAUNE, Marcos. Desvio produtivo do consumidor: o prejuízo do tempo desperdiçado. São Paulo: RT, 2011, p. 333).

Em resumo:

A instituição financeira responde por vício na qualidade do produto ao emitir comprovantes de suas operações por meio de papel termossensível. STJ. 4ª Turma. REsp 1414774/RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 16/05/2019 (Info 650).

Page 12: Informativo comentado: Informativo 650-STJA divergência entre locador e locatário ficou por conta do período de agosto a dezembro. João está cobrando os alugueis referentes a

Informativo comentado

Informativo 650-STJ (05/07/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 12

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

PROCEDIMENTO A prioridade na tramitação do feito é direito subjetivo da pessoa idosa e a lei lhe concede

legitimidade exclusiva para a postulação do requerimento do benefício

A pessoa com idade igual ou superior a 60 anos que figura como parte ou interveniente na relação processual possui prioridade na tramitação do feito (arts. 71 da Lei nº 10.741/2003 e art. 1.048 do CPC/2015).

Quem tem legitimidade para postular a prioridade de tramitação do feito atribuída por lei ao idoso?

O próprio idoso. A pessoa idosa é a parte legítima para requerer a prioridade de tramitação do processo, devendo, para tanto, fazer prova da sua idade.

A prioridade na tramitação depende, portanto, de manifestação de vontade do interessado, por se tratar de direito subjetivo processual do idoso. A necessidade do requerimento é justificada pelo fato de que nem toda tramitação prioritária será benéfica ao idoso, especialmente em processos nos quais há alta probabilidade de que o resultado lhe seja desfavorável.

Ex: determinada pessoa jurídica ajuizou execução contra um idoso e pediu prioridade na tramitação do feito alegando que o executado possui mais de 60 anos. O pleito não foi aceito, considerando que falta legitimidade e interesse à exequente para formular o referido pedido.

STJ. 3ª Turma. REsp 1801884/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 21/05/2019 (Info 650).

Imagine a seguinte situação hipotética: Pedro (30 anos) ingressou com execução contra João, de 60 anos, cobrando uma dívida de R$ 100 mil. O exequente pediu ao juiz, então, que a presente ação tramitasse com prioridade, tendo em vista a previsão do art. 71 da Lei nº 10.741/2003 e do art. 1.046 do CPC/2015:

Lei nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso) Art. 71. É assegurada prioridade na tramitação dos processos e procedimentos e na execução dos atos e diligências judiciais em que figure como parte ou interveniente pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, em qualquer instância. § 1º O interessado na obtenção da prioridade a que alude este artigo, fazendo prova de sua idade, requererá o benefício à autoridade judiciária competente para decidir o feito, que determinará as providências a serem cumpridas, anotando-se essa circunstância em local visível nos autos do processo. (...)

CPC/2015 Art. 1.048. Terão prioridade de tramitação, em qualquer juízo ou tribunal, os procedimentos judiciais: I - em que figure como parte ou interessado pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos ou portadora de doença grave, assim compreendida qualquer das enumeradas no art. 6º, inciso XIV, da Lei nº 7.713, de 22 de dezembro de 1988; (...) § 1º A pessoa interessada na obtenção do benefício, juntando prova de sua condição, deverá requerê-lo à autoridade judiciária competente para decidir o feito, que determinará ao cartório do juízo as providências a serem cumpridas.

Page 13: Informativo comentado: Informativo 650-STJA divergência entre locador e locatário ficou por conta do período de agosto a dezembro. João está cobrando os alugueis referentes a

Informativo comentado

Informativo 650-STJ (05/07/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 13

(...)

O pedido do exequente deverá ser acolhido? NÃO. O idoso é quem possui legitimidade para requerer a prioridade de tramitação do processo. Cabe ao titular do direito à preferência (no caso, o idoso), por meio de pedido dirigido ao magistrado, demonstrar o seu interesse em fazer jus ao benefício legal. A prioridade na tramitação depende, portanto, de manifestação de vontade do idoso (interessado) porque se trata de um direito subjetivo processual do idoso (e não da parte que litiga contra ele). Como a lei exige a iniciativa do idoso e como se trata de um direito do idoso, a parte que litiga contra ele não possui legitimidade para requerer a prioridade. Aplica-se a regra do art. 18 do CPC/2015: “ninguém poderá pleitear direito alheio em nome próprio, salvo quando autorizado pelo ordenamento jurídico”. Em suma:

A prioridade na tramitação do feito é direito subjetivo da pessoa idosa e a lei lhe concede legitimidade exclusiva para a postulação do requerimento do benefício. STJ. 3ª Turma. REsp 1801884/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 21/05/2019 (Info 650).

AGRAVO DE INSTRUMENTO / AÇÃO DE EXIGIR CONTAS O recurso cabível contra decisão que julga procedente, na primeira fase,

a ação de exigir contas, é o agravo de instrumento

Importante!!!

Cabe agravo de instrumento contra a decisão que julga procedente, na primeira fase, a ação de exigir contas, condenando o réu a prestar as contas exigidas.

Como essa decisão não gera o encerramento do processo, o recurso cabível será o agravo de instrumento (arts. 550, § 5º, e 1.015, II, do CPC/2015).

Por outro lado, se a decisão extinguir o processo, com ou sem resolução de mérito (arts. 485 e 487), aí sim haverá sentença e o recurso cabível será a apelação.

STJ. 4ª Turma. REsp 1.680.168-SP, Rel. Min. Marco Buzzi, Rel. Acd. Min. Raul Araújo, julgado em 09/04/2019 (Info 650).

Ação de exigir contas (ação de prestação de contas) No CPC 1973, havia a previsão de um procedimento especial chamado de “ação de prestação de contas”. O CPC 2015 alterou o nome para “ação de exigir contas” (art. 550). Duas fases O procedimento da ação de prestação de contas (ação de exigir contas) tem como característica a existência, em regra, de duas fases. 1ª fase: nela, o juiz irá decidir se existe ou não a obrigação de o réu prestar contas. Se o julgador decidir que não, o processo encerra-se nesta fase. Contudo, se decidir que sim, será aberta uma segunda fase. 2ª fase: servirá para que o réu propriamente preste as contas pleiteadas pelo autor e para que o julgador avalie se aquele o fez corretamente, reconhecendo a existência de saldo credor ou devedor. Em suma, tem-se que a ação de prestação de contas ocorre em duas fases distintas e sucessivas – na primeira, discute-se sobre o dever de prestar contas; na segunda, declarado o dever de prestar contas, serão elas julgadas e apreciadas, se apresentadas (STJ. 3ª Turma. REsp 1.567.768/GO, DJe 30/10/2017).

Page 14: Informativo comentado: Informativo 650-STJA divergência entre locador e locatário ficou por conta do período de agosto a dezembro. João está cobrando os alugueis referentes a

Informativo comentado

Informativo 650-STJ (05/07/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 14

“É preciso notar, porém, que não se está diante de dois processos distintos, tramitando simultaneamente nos mesmos autos. O processo, em verdade, é único, embora dividido em duas fases distintas. Há, pois, o ajuizamento de uma única demanda, contendo um único mérito. A análise deste, porém, é dividida em dois momentos: o primeiro, dedicado à verificação da existência do direito de exigir a prestação de contas, o segundo, dirigido à verificação das contas e do saldo eventualmente existente.” (CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. São Paulo: Atlas, 21ª ed., 2014, p. 391). Petição inicial Na petição inicial, o autor especificará, detalhadamente, as razões pelas quais exige as contas, instruindo-a com documentos comprobatórios dessa necessidade, se existirem. O réu será citado para, no prazo de 15 dias: a) apresentar as contas que foram exigidas; ou b) contestar a ação. Sentença de procedência Se o juiz considerar que o autor da ação tem razão, ele irá proferir uma decisão determinando que o réu preste as contas no prazo de 15 dias. É o que prevê o art. 550, § 5º do CPC/2015:

Art. 550 (...) § 5º A decisão que julgar procedente o pedido condenará o réu a prestar as contas no prazo de 15 (quinze) dias, sob pena de não lhe ser lícito impugnar as que o autor apresentar.

Qual é o recurso cabível contra esta decisão? Qual é o recurso cabível contra a decisão que julga procedente, na primeira fase, a ação de exigir contas? Agravo de instrumento.

Cabe agravo de instrumento contra a decisão que julga procedente, na primeira fase, a ação de exigir contas, condenando o réu a prestar as contas exigidas. Como essa decisão não gera o encerramento do processo, o recurso cabível será o agravo de instrumento (arts. 550, § 5º, e 1.015, II, do CPC/2015). STJ. 4ª Turma. REsp 1.680.168-SP, Rel. Min. Marco Buzzi, Rel. Acd. Min. Raul Araújo, julgado em 09/04/2019 (Info 650).

E qual é o recurso cabível contra a decisão que julga improcedente, na primeira fase, a ação de exigir contas? Apelação. Isso porque, neste caso, haverá a extinção do processo. Assim, se a decisão extinguir o processo, com ou sem resolução de mérito (arts. 485 e 487), aí haverá sentença e o recurso cabível será a apelação. A 3ª Turma do STJ também já decidiu nesse sentido:

(...) o ato judicial que encerra a primeira fase da ação de exigir contas possuirá, a depender de seu conteúdo, diferentes naturezas jurídicas: se julgada procedente a primeira fase da ação de exigir contas, o ato judicial será decisão interlocutória com conteúdo de decisão parcial de mérito, impugnável por agravo de instrumento; se julgada improcedente a primeira fase da ação de exigir contas ou se extinto o processo sem a resolução de seu mérito, o ato judicial será sentença, impugnável por apelação. (...) STJ. 3ª Turma. REsp 1746337/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 09/04/2019.

Qual é o recurso cabível contra a decisão que julga a segunda fase da ação de exigir contas? Apelação.

Page 15: Informativo comentado: Informativo 650-STJA divergência entre locador e locatário ficou por conta do período de agosto a dezembro. João está cobrando os alugueis referentes a

Informativo comentado

Informativo 650-STJ (05/07/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 15

RECURSO CABÍVEL CONTRA A DECISÃO QUE JULGA A AÇÃO DE EXIGIR CONTAS?

Julga a 1ª fase da ação Se julga procedente: AGRAVO DE INSTRUMENTO

Se julga improcedente (ou extingue o processo sem resolução do mérito): APELAÇÃO

Julga a 2ª fase da ação APELAÇÃO

RECURSO ESPECIAL O art. 1.035, § 5º do CPC/2015 não determina a suspensão automática dos processos, devendo esse entendimento ser aplicado aos recursos especiais que impugnam acórdão publicado e com

a repercussão geral reconhecida na vigência do CPC/1973

O art. 1.035, § 5º do CPC/2015 prevê o seguinte:

§ 5º Reconhecida a repercussão geral, o relator no Supremo Tribunal Federal determinará a suspensão do processamento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão e tramitem no território nacional.

A suspensão prevista nesse § 5º não é uma consequência automática e necessária do reconhecimento da repercussão geral. Em outras palavras, ela não acontece sempre. O Ministro Relator do recurso extraordinário paradigma tem discricionariedade para determiná-la ou modulá-la (STF. Plenário. RE 966177 RG/RS, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 7/6/2017).

Esse mesmo entendimento deve ser aplicado aos recursos especiais que impugnam acórdão publicado e que tenha tido repercussão geral reconhecida na vigência do CPC/1973.

Assim, o STJ poderá julgar um recurso especial que esteja naquele Tribunal mesmo que o tema a ser discutido esteja aguardando para ser julgado pelo STF sob a sistemática da repercussão geral, salvo, obviamente, se o Ministro Relator do STF determinou a suspensão de todos os processos pendentes.

STJ. Corte Especial. REsp 1.202.071-SP, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 01/02/2019 (Info 650).

Multiplicidade de recursos extraordinários tratando sobre o mesmo tema O legislador percebeu que havia no STF e no STJ milhares de recursos que tratavam sobre os mesmos temas jurídicos. Diante disso, a fim de otimizar a análise desses recursos, a Lei nº 11.672/2008 acrescentou os arts. 543-B e 543-C ao CPC/1973, prevendo uma espécie de “julgamento por amostragem” dos recursos extraordinários e recursos especiais que tiverem sido interpostos com fundamento em idêntica controvérsia ou questão de direito. No CPC/2015 o tema é agora tratado nos arts. 1.036 a 1.041:

Art. 1.036. Sempre que houver multiplicidade de recursos extraordinários ou especiais com fundamento em idêntica questão de direito, haverá afetação para julgamento de acordo com as disposições desta Subseção, observado o disposto no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal e no do Superior Tribunal de Justiça.

Procedimento de julgamento dos recursos extraordinário e especial repetitivos 1) Em primeiro lugar, o Presidente ou Vice-Presidente do tribunal de origem (TJ ou TRF) irá identificar e separar todos os recursos interpostos que tratem sobre o mesmo assunto.

Page 16: Informativo comentado: Informativo 650-STJA divergência entre locador e locatário ficou por conta do período de agosto a dezembro. João está cobrando os alugueis referentes a

Informativo comentado

Informativo 650-STJ (05/07/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 16

Exemplo: reunir os recursos especiais nos quais se discuta se o prazo prescricional das ações contra a Fazenda Pública é de três ou cinco anos. 2) Desses recursos, o Presidente do tribunal selecionará 2 ou mais que representem bem a controvérsia discutida e os encaminhará ao STJ ou STF (conforme seja Resp ou RE). Serão escolhidos os que contiverem maior diversidade de fundamentos no acórdão e de argumentos no recurso especial.

Art. 1.036 (...) § 1º O presidente ou o vice-presidente de tribunal de justiça ou de tribunal regional federal selecionará 2 (dois) ou mais recursos representativos da controvérsia, que serão encaminhados ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça para fins de afetação, determinando a suspensão do trâmite de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitem no Estado ou na região, conforme o caso.

3) Os demais recursos especiais e extraordinários que tratem sobre a mesma matéria e que não foram remetidos como paradigma (modelo) ficarão suspensos no tribunal de origem até que o STJ/STF se pronuncie sobre o tema central. Vale ressaltar que não cabe nenhum recurso contra a decisão proferida no Tribunal de origem que tenha determinado o sobrestamento do RE ou do Resp com fundamento no art. 1.036 do CPC 2015. Interessante novidade introduzida pelo CPC 2015. Se o recurso sobrestado tiver sido interposto fora do prazo, não há motivo para ele ficar suspenso aguardando a decisão do STJ/STF. Logo, a outra parte poderá alegar a intempestividade e pedir que ele não seja conhecido:

Art. 1.036 (...) § 2º O interessado pode requerer, ao presidente ou ao vice-presidente, que exclua da decisão de sobrestamento e inadmita o recurso especial ou o recurso extraordinário que tenha sido interposto intempestivamente, tendo o recorrente o prazo de 5 (cinco) dias para manifestar-se sobre esse requerimento.

4) Selecionados os recursos, o Ministro Relator do Tribunal Superior, constatando que realmente existe multiplicidade de recursos extraordinários ou especiais com fundamento em idêntica questão de direito, proferirá decisão de afetação, na qual: I - identificará com precisão a questão a ser submetida a julgamento; II - determinará a suspensão do processamento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão e tramitem no território nacional; III - poderá requisitar aos presidentes ou aos vice-presidentes dos tribunais de justiça ou dos tribunais regionais federais a remessa de um recurso representativo da controvérsia. A providência tratada no item II acima (suspensão do processamento de todos os processos pendentes) está prevista no art. 1.037 e também no § 5º do art. 1.035 do CPC/2015:

Art. 1.037. Selecionados os recursos, o relator, no tribunal superior, constatando a presença do pressuposto do caput do art. 1.036, proferirá decisão de afetação, na qual: (...) II - determinará a suspensão do processamento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão e tramitem no território nacional;

Art. 1.035 (...) § 5º Reconhecida a repercussão geral, o relator no Supremo Tribunal Federal determinará a suspensão do processamento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão e tramitem no território nacional.

Page 17: Informativo comentado: Informativo 650-STJA divergência entre locador e locatário ficou por conta do período de agosto a dezembro. João está cobrando os alugueis referentes a

Informativo comentado

Informativo 650-STJ (05/07/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 17

Esse sobrestamento é obrigatório, ou seja, reconhecida a repercussão geral, automaticamente todos os processos pendentes ficarão suspensos? NÃO. O Relator do recurso extraordinário tem a faculdade de determinar ou não o sobrestamento dos processos.

A suspensão de processamento prevista no § 5º do art. 1.035 do CPC não consiste em consequência automática e necessária do reconhecimento da repercussão geral realizada com fulcro no “caput” do mesmo dispositivo, sendo da discricionariedade do relator do recurso extraordinário paradigma determiná-la ou modulá-la. STF. Plenário. RE 966.177 RG/RS, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 7/6/2017 (Info 868).

Assim, o § 5º do art. 1.035 deverá ser lido: reconhecida a repercussão geral, o relator no Supremo Tribunal Federal poderá determinar. Imagine agora a seguinte situação hipotética: O Ministério Público ajuizou ação de improbidade administrativa contra o Município X e contra o advogado Y em virtude de ele ter sido contratado, com dispensa de licitação, para atuar nos processos envolvendo a municipalidade. Para o MP, essa conduta configura ato de improbidade administrativa. O juiz e o TJ concordaram com o Parquet. Assim, o advogado e o Município interpuseram, simultaneamente, recurso especial para o STJ e recurso extraordinário para o STF. Em 2010, o STF recebeu o recurso extraordinário e reconheceu a existência de repercussão geral (Tema 309). No entanto, o Ministro Relator decidiu não determinar o sobrestamento dos processos. O advogado Y pediu, então, ao Ministro Relator do STJ que sobrestivesse o recurso especial até que o STF julgasse o tema. O STJ acolheu o pedido? NÃO.

Conforme já explicado acima, a suspensão prevista no § 5º não é uma consequência automática e necessária do reconhecimento da repercussão geral. Em outras palavras, ela não acontece sempre. O Ministro Relator do recurso extraordinário paradigma tem discricionariedade para determiná-la ou modulá-la (STF. Plenário. RE 966177 RG/RS, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 7/6/2017). Esse mesmo entendimento deve ser aplicado aos recursos especiais que impugnam acórdão publicado e que tenha tido repercussão geral reconhecida na vigência do CPC/1973. Assim, o STJ poderá julgar um recurso especial que esteja naquele Tribunal mesmo que o tema a ser discutido esteja aguardando para ser julgado pelo STF sob a sistemática da repercussão geral, salvo, obviamente, se o Ministro Relator do STF determinou a suspensão de todos os processos pendentes. STJ. Corte Especial. REsp 1.202.071-SP, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 01/02/2019 (Info 650).

O sobrestamento do trâmite de centenas ou de milhares de feitos por todo o País, por tempo indefinido, não se coaduna com os princípios da eficiência e do acesso ao Judiciário, especialmente quando há a possibilidade de o relator estipular a suspensão dos feitos em que o andamento possa causar incerteza jurídica.

Page 18: Informativo comentado: Informativo 650-STJA divergência entre locador e locatário ficou por conta do período de agosto a dezembro. João está cobrando os alugueis referentes a

Informativo comentado

Informativo 650-STJ (05/07/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 18

EXECUÇÃO FISCAL É possível que seja dispensada a garantia do juízo para o oferecimento dos embargos à execução

se ficar demonstrado que o devedor não possui patrimônio para isso

Importante!!!

Deve ser afastada a exigência da garantia do juízo para a oposição de embargos à execução fiscal, caso comprovado inequivocadamente que o devedor não possui patrimônio para garantia do crédito exequendo.

STJ. 1ª Turma. REsp 1487772/SE, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 28/05/2019 (Info 650).

Execução fiscal Execução fiscal é a ação judicial proposta pela Fazenda Pública (União, Estados, DF, Municípios e suas respectivas autarquias e fundações) para cobrar do devedor créditos (tributários ou não tributários) inscritos em dívida ativa. A execução fiscal é regida pela Lei nº 6.830/80 (LEF) e, subsidiariamente, pelo CPC. O seu procedimento pode ser assim sintetizado: Embargos à execução fiscal A forma típica (ordinária, comum, “normal”) de defesa do executado na execução fiscal é por meio dos embargos à execução fiscal, estando disciplinado no art. 16 da Lei nº 6.830/80:

Art. 16. O executado oferecerá embargos, no prazo de 30 (trinta) dias, contados: I - do depósito; II - da juntada da prova da fiança bancária; III - da intimação da penhora.

(Juiz Federal TRF2 2018) O termo inicial para a oposição dos embargos à execução fiscal é a data da juntada aos autos do mandado cumprido de intimação da penhora. (ERRADO) A assertiva acima está errada porque o termo inicial para a oposição de embargos à execução fiscal é a data da efetiva intimação da penhora, e não a da juntada aos autos do mandado cumprido (STJ. 2ª Turma. REsp 1799993/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 09/04/2019). Para que o executado apresente embargos à execução fiscal, é necessária a garantia do juízo? É necessário que o executado ofereça garantia para que possa apresentar embargos à execução fiscal? SIM. A Lei nº 6.830/80 prevê, expressamente, que, na execução fiscal, para que o devedor possa se defender por meio de embargos, é indispensável a garantia da execução:

Art. 16 (...) § 1º Não são admissíveis embargos do executado antes de garantida a execução.

Assim, a garantia da execução é considerada uma condição de procedibilidade dos embargos à execução. Caso os embargos sejam apresentados sem que a execução tenha sido garantida, o juiz deverá extingui-los sem resolução do mérito por falta de pressuposto processual específico. Cuidado: na execução “comum”, ou seja, regida pelo CPC, o executado não precisa oferecer garantia ao juízo para que possa apresentar impugnação ou embargos à execução. No julgamento do Resp 1.272.827/PE, o STJ sedimentou orientação segunda a qual o dispositivo do CPC que dispensa a garantia da execução para o oferecimento dos embargos não se aplica às execuções fiscais considerando que na LEF há um dispositivo específico (art. 16, § 1º, da Lei nº 6.830/80):

(...) Em atenção ao princípio da especialidade da LEF, mantido com a reforma do CPC/73, a nova redação do art. 736, do CPC dada pela Lei n. 11.382/2006 - artigo que dispensa a garantia como condicionante dos

Page 19: Informativo comentado: Informativo 650-STJA divergência entre locador e locatário ficou por conta do período de agosto a dezembro. João está cobrando os alugueis referentes a

Informativo comentado

Informativo 650-STJ (05/07/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 19

embargos - não se aplica às execuções fiscais diante da presença de dispositivo específico, qual seja o art. 16, §1º da Lei n. 6.830/80, que exige expressamente a garantia para a apresentação dos embargos à execução fiscal. STJ. 1ª Seção. REsp 1272827/PE, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 22/05/2013.

O simples fato de o executado ser beneficiário da assistência judiciária gratuita faz com que ele fique dispensado de garantir o juízo no momento de apresentar embargos à execução? NÃO. O art. 3º da Lei 1.060/50 (atual art. 98, § 1º do CPC/2015), que prevê a assistência judiciária gratuita, é cláusula genérica, abstrata e visa à isenção de despesas de natureza processual, como custas e honorários advocatícios, não havendo previsão legal de isenção de garantia do juízo para embargar. Desse modo, em conformidade com o princípio da especialidade das leis, o disposto no art. 16, § 1º, da Lei nº 6.830/80 deve prevalecer sobre o art. 3º, VII, da Lei nº 1.060/50 (art. 98, § 1º, VIII, do CPC/2015), o qual determina que os beneficiários da justiça gratuita ficam isentos dos depósitos previstos em lei para interposição de recurso, ajuizamento de ação e demais atos processuais inerentes ao exercício da ampla defesa e do contraditório. Assim, em regra, exige-se a garantia do juízo mesmo que o executado seja beneficiário da justiça gratuita. STJ. 2ª Turma. REsp 1.437.078-RS, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 25/3/2014 (Info 538). Existe alguma possibilidade de ser dispensada a garantia do juízo para o oferecimento dos embargos à execução? SIM. Se ficar demonstrado que o devedor não possui condições para apresentar essa garantia do juízo.

Deve ser afastada a exigência da garantia do juízo para a oposição de embargos à execução fiscal, caso comprovado inequivocadamente que o devedor não possui patrimônio para garantia do crédito exequendo. STJ. 1ª Turma. REsp 1487772/SE, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 28/05/2019 (Info 650).

Qual é o fundamento? Os princípios constitucionais do acesso à justiça, contraditório e ampla defesa. Como a CF/88 resguarda a todos os cidadãos o direito de acesso ao Poder Judiciário, ao contraditório e à ampla defesa (art. 5º, CF/88), é possível, com base em tais princípios constitucionais, que seja mitigada a obrigatoriedade de que o devedor ofereça garantia integral para se defender por meio dos embargos à execução fiscal. Assim, nessa linha de interpretação, deve ser afastada a exigência da garantia do juízo para a oposição de embargos à execução fiscal, caso comprovado inequivocadamente que o devedor não possui patrimônio para garantia do crédito exequendo. Vale ressaltar que nada impede que, no curso do processo de embargos à execução, a Fazenda Nacional diligencie à procura de bens de propriedade do embargante aptos à penhora, garantindo-se posteriormente a execução. Em outras palavras, se, durante a execução, o Fisco localizar bens penhoráveis do devedor, a execução poderá ser garantida mesmo que já tenham sido apresentados os embargos. Insuficiência da penhora O STJ já possuía outros julgados dizendo que, mesmo em caso de penhora insuficiente – ou seja, houve a penhora de um bem do devedor, mas ele é inferior ao valor total da dívida cobrada –, ainda assim seria possível apresentar os embargos à execução fiscal:

Não se deve obstar a admissibilidade ou apreciação dos embargos à execução pelo simples fato de que o valor do bem constrito é inferior ao valor exequendo, devendo o juiz proceder à intimação do devedor para reforçar a penhora. A insuficiência patrimonial do devedor é justificativa plausível para que se aprecie os embargos à execução sem que o executado faça o reforço da penhora, desde que comprovada inequivocamente.

Page 20: Informativo comentado: Informativo 650-STJA divergência entre locador e locatário ficou por conta do período de agosto a dezembro. João está cobrando os alugueis referentes a

Informativo comentado

Informativo 650-STJ (05/07/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 20

STJ. 1ª Turma. AgRg no AREsp 548.507/PE, Rel. Min. Sérgio Kukina, julgado em 04/08/2015.

Isso significa dizer que, agora, todo beneficiário da justiça gratuita terá direito de apresentar embargos à execução fiscal sem garantia do juízo? NÃO. Teoricamente, não é isso que se está afirmando. Neste julgado, a 1ª Turma do STJ afirmou expressamente que não basta que o executado seja beneficiário da justiça gratuita. É necessário que, além disso, ele comprove, inequivocadamente, que não possui patrimônio para garantia do crédito exequendo. Confira:

(...) 8. Num raciocínio sistemático da legislação federal aplicada, pelo simples fato do executado ser amparado pela gratuidade judicial, não há previsão expressa autorizando a oposição dos embargos sem a garantia do juízo. 9. In casu, a controvérsia deve ser resolvida não sob esse ângulo (do executado ser beneficiário, ou não, da justiça gratuita), mas sim, pelo lado da sua hipossuficiência (...)” STJ. 1ª Turma. REsp 1487772/SE, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 28/05/2019 (Info 650).

Aprofundando: Na prática, as situações são muito parecidas, considerando que, se o executado não tem condições de pagar as custas, é provável que também não tenha como oferecer a garantia do juízo. No entanto, a fundamentação teórica é diversa e as peculiaridades do caso concreto poderão revelar situações nas quais o beneficiário da justiça gratuita teria condições de oferecer garantia do juízo. Ex: alguém que tenha patrimônio imóvel passível de ser penhorado, mas esteja sem liquidez financeira, ou seja, a pessoa tem imóveis, mas está sem dinheiro disponível. Neste caso, ela, em tese, poderia ser beneficiada pela justiça gratuita, mas ter o bem penhorado e, assim, a execução estar garantida.

EXECUÇÃO FISCAL O encargo do DL nº 1.025/69 não foi revogado pelo CPC/2015

Atenção! Concursos federais

O encargo do DL nº 1.025/69, embora nominado de honorários de sucumbência, não tem a mesma natureza jurídica dos honorários do advogado tratados no CPC/2015, razão pela qual o novo CPC não revogou o DL, em estrita observância ao princípio da especialidade.

STJ. 1ª Turma. REsp 1.798.727-RJ, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 09/05/2019 (Info 650).

Encargo do DL nº 1.025/69 Quando os Estados, o DF ou os Municípios propõem uma ação de execução fiscal, eles irão cobrar, além da dívida principal, juros e multa moratórios, que serão um percentual sobre o montante principal. Até aí, tudo bem, nenhuma peculiaridade. O interessante é que, quando a União, uma autarquia ou fundação federal ajuíza uma execução fiscal, ela irá cobrar do executado: • a dívida principal, acrescida de juros e multa; e • um valor de 20% sobre o montante principal, conhecido na praxe forense como “encargo de 20%”, sendo esta verba prevista no art. 1º do Decreto-lei nº 1.025/69 (e no art. 37-A, § 1º, da Lei nº 10.522/2002). Esse encargo passa a ser devido a partir do instante em que ocorre a inscrição em Dívida Ativa da União. Desse modo, quando a dívida é inscrita, já se acrescenta estes 20% e eles serão cobrados junto com o principal, os juros e a multa na execução fiscal proposta pela União. Como este encargo é pouco conhecido, é comum as pessoas que estão sendo executadas pela União acharem que o valor está maior por conta destes 20%. No entanto, tal encargo possui previsão no DL 1.025/69, que se encontra em pleno vigor com status de lei ordinária.

Page 21: Informativo comentado: Informativo 650-STJA divergência entre locador e locatário ficou por conta do período de agosto a dezembro. João está cobrando os alugueis referentes a

Informativo comentado

Informativo 650-STJ (05/07/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 21

Destinação dos recursos Em caso de execução fiscal proposta pela União, até 75% dos valores arrecadados com o encargo legal do DL 1.025/69 são revertidos em favor dos advogados públicos federais, a título de honorários advocatícios de sucumbência. Em caso de execução fiscal proposta por autarquias ou fundações federais, 100% dos valores arrecadados com o encargo legal do DL 1.025/69 são revertidos em favor dos advogados públicos federais: É o que prevê a Lei nº 13.327/2016:

Art. 30. Os honorários advocatícios de sucumbência incluem: (...) II - até 75% (setenta e cinco por cento) do produto do encargo legal acrescido aos débitos inscritos na dívida ativa da União, previsto no art. 1º do Decreto-Lei nº 1.025, de 21 de outubro de 1969; III - o total do produto do encargo legal acrescido aos créditos das autarquias e das fundações públicas federais inscritos na dívida ativa da União, nos termos do § 1º do art. 37-A da Lei nº 10.522, de 19 de julho de 2002.

A Lei nº 13.327/2016 prevê que os honorários advocatícios de sucumbência das causas em que forem parte a União, suas autarquias e fundações pertencem aos ocupantes dos cargos de: I - Advogado da União; II - Procurador da Fazenda Nacional; III - Procurador Federal; IV - Procurador do Banco Central do Brasil; V - dos quadros suplementares em extinção previstos no art. 46 da MP n.º 2.229-43/2001 (antigos cargos que faziam a assistência jurídica da União, suas autarquias e fundações antes da AGU/Procuradoria Federal e que estão atualmente extintos, havendo, contudo, pessoas que foram aposentadas neles). Assim, os membros dessas carreiras recebem 75% do valor arrecadado com o encargo do art. 1º do DL 1.025/69. O restante dos recursos arrecadados com o encargo previsto no art. 1º do DL 1.025/69 são destinados a cobrir as despesas efetuadas para arrecadar (cobrar) a dívida ativa da União, incluindo projetos de modernização e despesas judiciais (art. 3º, parágrafo único, da Lei nº 7.711/88). Natureza jurídica O encargo do art. 1º do DL 1.025/69 possui, portanto, dupla natureza jurídica: a) Serve como encargo legal destinado a fomentar, desenvolver e aperfeiçoar os meios para a arrecadação fiscal (art. 3º, parágrafo único, da Lei nº 7.711/88). É uma forma de remuneração das despesas com os atos judiciais para a propositura da execução. b) Substitui os honorários sucumbenciais que seriam pagos pelo devedor em favor da Fazenda Nacional caso o executado apresentasse e perdesse os embargos à execução (Súmula 168-TFR). Pode-se dizer então que o encargo do art. 1º do DL 1.025/69 possui natureza jurídica de honorários de sucumbência? NÃO. O STJ afirmou que o encargo do art. 1º do DL 1.025/69, apesar da denominação utilizada pelo art. 30, II, da Lei nº 13.327/2016 (vista acima), não possui natureza jurídica de honorários advocatícios de sucumbência (STJ REsp 1.521.999-SP). Para o STJ, o art. 30, II, da Lei nº 13.327/2016 concede aos advogados públicos um benefício remuneratório. Se a União ajuíza execução fiscal contra a massa falida, ela poderá cobrar o encargo? O encargo do DL 1.025/69 é cobrado da massa falida? SIM. Havia uma discussão a respeito do assunto e o STJ, para pacificar o tema, editou um enunciado:

Page 22: Informativo comentado: Informativo 650-STJA divergência entre locador e locatário ficou por conta do período de agosto a dezembro. João está cobrando os alugueis referentes a

Informativo comentado

Informativo 650-STJ (05/07/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 22

Súmula 400-STJ: O encargo de 20% previsto no DL nº 1.025/1969 é exigível na execução fiscal proposta contra a massa falida.

O encargo do DL 1.025/69 possui a natureza jurídica de “crédito tributário”? NÃO. O encargo de 20% do art. 1º do DL 1.025/69 possui natureza jurídica de crédito não tributário e seu valor se destina à recomposição das despesas necessárias à arrecadação, à modernização e ao custeio das despesas relacionadas com a atuação judicial da Fazenda Nacional. Tese de que o encargo do DL 1.025/69 teria sido revogado pelo CPC/2015 Determinada empresa alegou, em juízo, que o encargo do DL 1.025/69 teria sido revogado pelo CPC/2015. Essa empresa alegou que esse encargo é uma verba de sucumbência judicial, devida pelo vencido ao vencedor e que é revertida em favor dos advogados públicos federais. Ocorre que o § 19 do art. 85 do CPC/2015 afirma que os advogados públicos possuem direito aos horários advocatícios:

Art. 85 (...) § 19. Os advogados públicos perceberão honorários de sucumbência, nos termos da lei.

Logo, como a parte vencida já têm que pagar honorários advocatícios em favor dos advogados públicos federais, ela não teria que arcar também com o encargo do DL 1.025/69. O CPC/2015 determina, em seu art. 85, § 3º, que, nas causas envolvendo a Fazenda Pública, os honorários advocatícios deverão ser pagos em percentuais que variam de 1% a 20% (e não sempre em 20%, como prevê o DL 1.025/69). Dessa feita, o CPC/2015, por se tratar de norma posterior e específica, teria revogado tacitamente o encargo do DL 1.025/69. A tese da empresa foi acolhida pelo STJ? O CPC/2015 revogou o encargo do DL 1.025/69? NÃO. O STJ entende que, mesmo com a previsão do art. 30, II, da Lei nº 13.327/2016, o encargo legal do DL 1.025/69 não se qualifica como honorários advocatícios de sucumbência, mas sim como um benefício remuneratório instituído em prol dos servidores públicos. Assim, o CPC/2015 não revogou o encargo do DL 1.025/69 por dois motivos: 1) o encargo do DL 1.025/69 não possui natureza jurídica de honorários advocatícios (logo, não foi afetado pelo art. 85 do novo CPC); 2) o DL 1.025/69 trata de um encargo que incide apenas no âmbito das execuções fiscais, cujo processo é regido pela Lei nº 6.830/80. Desse modo, este DL é uma norma especial em relação ao CPC (norma geral). Norma geral, ainda que posterior, não revoga norma especial. Em suma:

O encargo do DL nº 1.025/69 não foi revogado pelo CPC/2015. O encargo do DL nº 1.025/69, embora nominado de honorários de sucumbência, não tem a mesma natureza jurídica dos honorários do advogado tratados no CPC/2015, razão pela qual o novo CPC não revogou o DL, em estrita observância ao princípio da especialidade. STJ. 1ª Turma. REsp 1.798.727-RJ, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 09/05/2019 (Info 650).

Page 23: Informativo comentado: Informativo 650-STJA divergência entre locador e locatário ficou por conta do período de agosto a dezembro. João está cobrando os alugueis referentes a

Informativo comentado

Informativo 650-STJ (05/07/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 23

MANDADO DE SEGURANÇA O mandado de segurança deverá ter seu mérito apreciado independentemente de

superveniente trânsito em julgado da decisão questionada pelo mandamus

Importante!!!

É incabível mandado de segurança contra decisão judicial transitada em julgado (art. 5º, III, da Lei nº 12.016/2009 e Súmula nº 268-STF).

No entanto, se a impetração do mandado de segurança for anterior ao trânsito em julgado da decisão questionada, mesmo que este venha a acontecer posteriormente, o mérito do MS deverá ser julgado, não podendo ser invocado o seu não cabimento ou a perda de objeto.

STJ. Corte Especial. EDcl no MS 22.157-DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 14/03/2019 (Info 650).

Mandado de segurança e ato judicial

Cabe mandado de segurança contra ato judicial?

O que diz a Lei 12.016/09 O que diz a súmula O que diz o STJ

Art. 5º Não se concederá mandado de segurança quando se tratar: (...) II - de decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo;

Sumula 267-STF: Não cabe mandado de segurança contra ato judicial passível de recurso ou correição.

Em regra, não cabe mandado de segurança contra decisão judicial da qual caiba recurso. Isso porque o MS não pode ser utilizado como sucedâneo recursal (ou seja, como substituto de recurso). Exceção: será cabível MS contra decisão judicial manifestamente eivada de ilegalidade, teratologia ou abuso de poder.

Cuidado com o MS impetrado por terceiro:

Súmula 202-STJ: A impetração de segurança por terceiro, contra ato judicial, não se condiciona à interposição de recurso.

Todas as formas acima expostas são cobradas em concursos públicos: (DPE/AM 2018 FCC) É cabível mandado de segurança contra decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo, desde que exista violação a direito líquido e certo. (ERRADO) (Juiz TJ/CE 2018 CESPE) Salvo nos procedimentos regulados pela lei dos juizados especiais, não cabe mandado de segurança contra ato judicial passível de recurso. (ERRADO) (Promotor MPE SC 2016 banca própria) É pacífico o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal de que é inadmissível a impetração de mandado de segurança contra ato revestido de conteúdo jurisdicional, salvo em hipóteses excepcionais em que se verifique ilegalidade ou teratologia, sendo incabível mandado de segurança contra decisão que determina a aplicação da sistemática de repercussão geral. (CERTO) (Juiz TJ/PA 2014 VUNESP) A impetração de mandado de segurança por terceiro, contra ato judicial, condiciona-se à interposição de recurso. (ERRADO) Cabe mandado de segurança contra decisão judicial transitada em julgado? NÃO. É incabível mandado de segurança contra decisão judicial transitada em julgado. Nesse sentido, é o art. 5º, III, da Lei nº 12.016/2009 e a Súmula nº 268-STF:

Art. 5º Não se concederá mandado de segurança quando se tratar: (...)

Page 24: Informativo comentado: Informativo 650-STJA divergência entre locador e locatário ficou por conta do período de agosto a dezembro. João está cobrando os alugueis referentes a

Informativo comentado

Informativo 650-STJ (05/07/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 24

III - de decisão judicial transitada em julgado.

Súmula 268-STF: Não cabe mandado de segurança contra decisão judicial com trânsito em julgado.

Peculiaridade:

O mandado de segurança deverá ter seu mérito apreciado independentemente de superveniente trânsito em julgado da decisão questionada pelo mandamus. Se a impetração do mandado de segurança for anterior ao trânsito em julgado da decisão questionada, mesmo que este venha a acontecer posteriormente, o mérito do MS deverá ser julgado, não podendo ser invocado o seu não cabimento ou a perda de objeto. STJ. Corte Especial. EDcl no MS 22.157-DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 14/03/2019 (Info 650).

Ex: João impetrou mandado de segurança contra determinada decisão judicial manifestamente teratológica; antes que o MS fosse julgado, houve o trânsito em julgado do processo no qual a referida decisão foi proferida; ocorre que o writ foi impetrado antes do trânsito em julgado; logo, o MS deverá ser conhecido e seu mérito julgado. Conforme explicou com muita propriedade o Min. Mauro Campbell Marques:

“O interesse na desconstituição da decisão judicial objeto do mandado de segurança não desaparece com o trânsito em julgado. Essa, com efeito, foi impugnada antes de seu transito em julgado e a mora judicial para seu exame não deve acarretar prejuízos para o impetrante. (...) Não há razoabilidade na perda superveniente do interesse no mandado de segurança quando a decisão por ele impugnada transita em julgado após a sua impetração. Interpretação em sentido contrário se afasta, então, do disposto no art. 5º, XXXV, da CF/1988.”

DIREITO PENAL

DOSIMETRIA DA PENA Súmula 636-STJ

Folha de antecedentes criminais é um documento válido para comprovar maus antecedentes ou reincidência

Súmula 636-STJ: A folha de antecedentes criminais é documento suficiente a comprovar os maus antecedentes e a reincidência.

STJ. 3ª Seção. Aprovada em 26/06/2019, DJe 27/06/2019.

Critério trifásico A dosimetria da pena na sentença obedece a um critério trifásico: 1º passo: o juiz calcula a pena-base de acordo com as circunstâncias judiciais do art. 59, CP; 2º passo: o juiz aplica as agravantes e atenuantes; 3º passo: o juiz aplica as causas de aumento e de diminuição. Este critério trifásico, elaborado por Nelson Hungria, foi adotado pelo Código Penal, sendo consagrado pela jurisprudência pátria (STJ. 6ª Turma. AgRg no REsp 1021796/RS, Rel. Min. Assusete Magalhães, julgado em 19/03/2013).

Page 25: Informativo comentado: Informativo 650-STJA divergência entre locador e locatário ficou por conta do período de agosto a dezembro. João está cobrando os alugueis referentes a

Informativo comentado

Informativo 650-STJ (05/07/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 25

Maus antecedentes Na primeira fase, as chamadas circunstâncias judiciais analisadas pelo juiz são as seguintes: a) culpabilidade, b) antecedentes, c) conduta social, d) personalidade do agente, e) motivos do crime, f) circunstâncias do crime, g) consequências do crime, h) comportamento da vítima. Antecedentes são as anotações negativas que o réu possua em matéria criminal. Se o juiz entender que o réu possui maus antecedentes, ele irá aumentar a pena-base imposta ao condenado. Trata-se, portanto, de uma circunstância analisada na 1ª fase da dosimetria. O STJ afirma que, em face do princípio da presunção de não culpabilidade, os inquéritos policiais e ações penais em curso não podem ser considerados maus antecedentes.

Súmula 444-STJ: É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base.

Esse é também o entendimento do STF:

A existência de inquéritos policiais ou de ações penais sem trânsito em julgado não podem ser considerados como maus antecedentes para fins de dosimetria da pena. STF. Plenário. RE 591054/SC, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 17/12/2014 (repercussão geral) (Info 772).

Exemplo de maus antecedentes: Em 05/05/2012, Pedro cometeu um roubo. Em 06/06/2013, ele foi condenado pelo roubo, mas recorreu contra a sentença. Em 07/07/2013, Pedro praticou um furto, iniciando outro processo penal. Em 08/08/2013, a condenação pelo roubo transitou em julgado. Em 09/09/2013, Pedro é condenado pelo furto. Na sentença condenatória pelo furto, o juiz não poderá considerar Pedro reincidente (art. 61, I, do CP). Isso porque quando praticou o segundo crime (furto), a condenação pelo delito anterior (roubo) ainda não havia transitado em julgado. Logo, não se enquadra na definição de reincidência. Por outro lado, na sentença condenatória pelo furto, o juiz poderá considerar a condenação pelo roubo, já transitada em julgado, como circunstância judicial negativa.

A condenação por fato anterior ao delito que se julga, mas com trânsito em julgado posterior, pode ser utilizada como circunstância judicial negativa, a título de antecedente criminal. STJ. 5ª Turma. HC n. 210.787/RJ, Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe 16/9/2013.

Uma vez existente condenação transitada em julgado por fato anterior ao cometimento do delito sub examine, mostra-se correta a conclusão pela existência de maus antecedentes. STJ. 6ª Turma. HC 399.029/PE, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 26/06/2018.

Reincidência A definição de reincidência, para o Direito Penal brasileiro, é encontrada a partir da conjugação do art. 63 do CP com o art. 7º da Lei de Contravenções Penais. Com base nesses dois dispositivos, podemos encontrar as hipóteses em que alguém é considerado reincidente para o Direito Penal (inspirado no quadro contido no livro de CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal. Salvador: JusPodivm, 2013, p. 401):

Se a pessoa é condenada definitivamente por

E depois da condenação definitiva pratica novo(a)

Qual será a consequência?

CRIME (no Brasil ou exterior)

CRIME REINCIDÊNCIA

CRIME CONTRAVENÇÃO REINCIDÊNCIA

Page 26: Informativo comentado: Informativo 650-STJA divergência entre locador e locatário ficou por conta do período de agosto a dezembro. João está cobrando os alugueis referentes a

Informativo comentado

Informativo 650-STJ (05/07/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 26

(no Brasil ou exterior) (no Brasil)

CONTRAVENÇÃO (no Brasil)

CONTRAVENÇÃO (no Brasil)

REINCIDÊNCIA

CONTRAVENÇÃO (no Brasil)

CRIME NÃO HÁ reincidência. Foi uma falha da lei.

Mas gera maus antecedentes.

CONTRAVENÇÃO (no estrangeiro)

CRIME ou CONTRAVENÇÃO NÃO HÁ reincidência.

Contravenção no estrangeiro não influi aqui.

A reincidência é uma agravante da pena Se o réu for reincidente, sofrerá diversos efeitos negativos no processo penal. O principal deles é que, no momento da dosimetria da pena em relação ao segundo delito, a reincidência será considerada como uma agravante genérica (art. 61, I do CP), fazendo com que a pena imposta seja maior do que seria devida caso ele fosse primário.

Art. 61. São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime: I — a reincidência;

Outras consequências da reincidência Além de ser uma agravante, a reincidência produz inúmeras outras consequências negativas para o réu. Vejamos as principais: a) torna mais gravoso o regime inicial de cumprimento de pena (art. 33, § 2º do CP); b) o reincidente em crime doloso não tem direito à substituição da pena privativa de liberdade por

restritiva de direitos (art. 44, II); c) o reincidente em crime doloso não tem direito à suspensão condicional da pena – sursis (art. 77, I),

salvo se condenado apenas a pena de multa (§ 1º do art. 77); d) o réu reincidente não poderá ser beneficiado com o privilégio no furto (art. 155, § 2º), na apropriação

indébita (art. 170), no estelionato (art. 171, § 1º) e na receptação (art. 180, § 5º, do CP); e) a reincidência impede a concessão da transação penal e da suspensão condicional do processo (arts.

76, § 2º, I e 89, caput da Lei nº 9.099/95); f) no concurso de agravantes e atenuantes, a pena deve aproximar-se do limite indicado pelas

circunstâncias preponderantes, entendendo-se como tais as que resultam dos motivos determinantes do crime, da personalidade do agente e da reincidência (art. 67 do CP);

g) influencia no tempo necessário para a concessão do livramento condicional (art. 83); h) o prazo da prescrição executória aumenta em 1/3 se o condenado é reincidente (art. 110) (obs.: não

influencia na prescrição da pretensão punitiva); i) é causa de interrupção da prescrição executória (art. 117, VI); j) é causa de revogação do sursis (art. 81, I e § 1º), do livramento condicional (art. 86, I e II, e art. 87) e da

reabilitação, se a condenação for a pena que não seja de multa (art. 95). Imagine agora a seguinte situação hipotética: Na sentença condenatória, o juiz, no momento da dosimetria da pena, majorou a pena-base, assim fundamentando sua decisão: “O réu ostenta maus antecedentes, conforme demonstrado pela folha de antecedentes criminais juntada aos autos pelo Ministério Público às fls. 111-112, razão pela qual majoro a pena-base, fixando-a em...” A defesa apelou alegando que os “maus antecedentes” e a “reincidência” somente podem ser comprovados mediante certidão cartorária, não sendo suficiente a mera juntada de folha de antecedentes, considerando que esta poderia conter erros, não sendo confiável.

Page 27: Informativo comentado: Informativo 650-STJA divergência entre locador e locatário ficou por conta do período de agosto a dezembro. João está cobrando os alugueis referentes a

Informativo comentado

Informativo 650-STJ (05/07/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 27

A tese da defesa é acolhida pelo STJ? A comprovação dos maus antecedentes e da reincidência precisa ser feita, obrigatoriamente, por meio de certidão cartorária? NÃO. Para o STJ, a comprovação dos maus antecedentes ou a comprovação da reincidência pode ser feita com a juntada da mera folha de antecedentes criminais do réu.

(...) a folha de antecedentes criminais é documento hábil e suficiente à comprovação da existência de maus antecedentes e reincidência, não sendo, pois, imprescindível a apresentação de certidão cartorária. (...) STJ. 6ª Turma. AgRg no REsp 1716998 RN, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 08/05/2018.

O registro de condenação transitada em julgado em folha de antecedentes criminais é suficiente para a caracterização da reincidência, não sendo obrigatória a apresentação de certidão cartorária. STJ. 6ª Turma. HC 212789 SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 07/10/2014.

Assim, a folha de antecedentes criminais é documento hábil à comprovação tanto dos maus antecedentes como da reincidência. Por que? Porque a folha de antecedentes criminais já possui fé pública e valor probante para o reconhecimento das informações nela certificadas. (STJ. 6ª Turma. HC 272899 SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 18/09/2014. A folha de antecedentes criminais expedida contém a identificação do réu, o crime que o condenou e a data do trânsito em julgado da condenação. Essas informações já são suficientes para o reconhecimento da circunstância judicial dos “maus antecedentes” ou para a agravante da “reincidência”, não sendo necessário, portanto, nenhum documento a mais (STJ. 5ª Turma. REsp 285750/DF, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 07/10/2003). Esta súmula trata apenas sobre aspectos formais Vale ressaltar que a Súmula 636 do STJ versa unicamente sobre a forma de comprovação dos registros criminais que existem contra o réu, ou seja, ele trata apenas de aspectos formais. Este enunciado não dispõe sobre os registros que se enquadram ou não juridicamente como “maus antecedentes” ou como “reincidência”. Em outras palavras, ela não discute o conteúdo do conceito desses institutos. Logo, a Súmula 444 do STJ não foi afetada e continua sendo plenamente aplicável: “É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base”. A Súmula 636 do STJ diz apenas o seguinte: os registros criminais do réu podem ser comprovados pela “folha de antecedentes”. Os registros que estão, portanto, na folha de antecedentes são presumivelmente verdadeiros e produzem efeitos para o processo. A partir daí, se tais registros serão, ou não, considerados como maus antecedentes ou reincidência não é assunto tratado pela Súmula 636. Ex: imaginemos que o MP junta, no processo criminal, a folha de antecedentes do réu e que nela consta a existência de um inquérito instaurado contra ele. Esse documento (folha de antecedentes) é válido e eficaz para o processo. No entanto, apesar desse registro ser verídico – a folha de antecedentes comprovou validamente que existe um inquérito contra o réu – isso não servirá para aumentar a pena-base. Presunção relativa Vale ressaltar que a folha de antecedentes faz presunção relativa de veracidade. Assim, a defesa poderá provar, por exemplo, que alguma informação que ali consta está incorreta.

Page 28: Informativo comentado: Informativo 650-STJA divergência entre locador e locatário ficou por conta do período de agosto a dezembro. João está cobrando os alugueis referentes a

Informativo comentado

Informativo 650-STJ (05/07/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 28

ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA Crime de embaraçar investigação previsto na Lei do Crime Organizado

não é restrito à fase do inquérito

Importante!!!

A Lei das organizações criminosas (Lei nº 12.850/2013) prevê o seguinte crime:

Art. 2º (...) § 1º Nas mesmas penas incorre quem impede ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que envolva organização criminosa.

Quando o art. 2º, § 1º fala em “investigação”, ele está se limitando à fase pré-processual ou abrange também a ação penal? Se o agente embaraça o processo penal, ele também comete este delito?

SIM. A tese de que a investigação criminal descrita no art. 2º, § 1º, da Lei nº 12.850/2013 limita-se à fase do inquérito não foi aceita pelo STJ. Isso porque as investigações se prolongam durante toda a persecução criminal, que abarca tanto o inquérito policial quanto a ação penal deflagrada pelo recebimento da denúncia.

Assim, como o legislador não inseriu uma expressão estrita como “inquérito policial”, compreende-se ter conferido à investigação de infração penal o sentido de “persecução penal”, até porque carece de razoabilidade punir mais severamente a obstrução das investigações do inquérito do que a obstrução da ação penal.

Ademais, sabe-se que muitas diligências realizadas no âmbito policial possuem o contraditório diferido, de tal sorte que não é possível tratar inquérito e ação penal como dois momentos absolutamente independentes da persecução penal.

O tipo penal previsto pelo art. 2º, §1º, da Lei nº 12.850/2013 define conduta delituosa que abrange o inquérito policial e a ação penal.

STJ. 5ª Turma. HC 487.962-SC, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 28/05/2019 (Info 650).

Crime do art. 2º, § 1º da Lei nº 12.850/2013 A Lei das organizações criminosas (Lei nº 12.850/2013) prevê o seguinte crime:

Art. 2º (...) § 1º Nas mesmas penas incorre quem impede ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que envolva organização criminosa.

Quando o art. 2º, § 1º fala em “investigação”, ele está se limitando à fase pré-processual ou abrange também a ação penal? Se o agente embaraça o processo penal, ele também comete este delito? SIM. Investigação não se limita à fase pré-processual; investigação = persecução penal A palavra “investigação” mencionada no art. 2º, § 1º, da Lei nº 12.850/2013 não se limita à fase do inquérito policial. Isso porque a “investigação” da infração penal se prolonga durante toda a persecução criminal, que abarca tanto o inquérito policial quanto a ação penal iniciada com o recebimento da denúncia. Assim, como o legislador não inseriu uma expressão restritiva como “inquérito policial”, deve-se entender que a expressão “investigação de infração penal” foi utilizada no sentido de “persecução penal”.

Page 29: Informativo comentado: Informativo 650-STJA divergência entre locador e locatário ficou por conta do período de agosto a dezembro. João está cobrando os alugueis referentes a

Informativo comentado

Informativo 650-STJ (05/07/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 29

Inquérito e ação penal não são momentos absolutamente independentes Ademais, sabe-se que muitas diligências realizadas no âmbito policial possuem o contraditório diferido, de tal sorte que não é possível tratar inquérito e ação penal como dois momentos absolutamente independentes da persecução penal. Não faria sentido punir a conduta de embaraçar o inquérito e não a ação penal Não seria razoável punir mais severamente a obstrução das investigações ocorridas durante o inquérito policial e deixar de sancionar a obstrução realizada na ação penal (processo judicial). Em suma:

O tipo penal previsto pelo art. 2º, §1º, da Lei nº 12.850/2013 define conduta delituosa que abrange o inquérito policial e a ação penal. STJ. 5ª Turma. HC 487.962-SC, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 28/05/2019 (Info 650).

Qual foi a técnica de hermenêutica utilizada para se construir o raciocínio acima? Analogia? NÃO. Não houve emprego de analogia. Trata-se unicamente de interpretação extensiva. Nesse sentido:

“o crime em exame não se perfaz apenas quando o sujeito ativo impede ou de qualquer forma, embaraça o andamento de inquérito policial de infração que envolva organização criminosa e tampouco, se circunscreve à primeira fase da persecução penal (...) Impedir ou embaraçar processo judicial também se enquadra no § 1º do art. 2º da Lei 12.850/2013, conclusão a que se chega mediante interpretação extensiva. Ora se é punido o menos (investigação), há de ser punido o mais (processo penal). Não se pode olvidar que o bem jurídico tutelado é a própria Administração da Justiça. Assim, o dispositivo em questão peca por inadequação de linguagem, e não por ser lacunoso. Portanto, não há falar em analogia in malam partem, esta sim vedada em matéria penal. Com esse entendimento, busca-se apenas a mens legis e não uma solução além da vontade do legislador (...)” (MASSON, Cleber; MARÇAL, Vinícius. Crime organizado. 2ª ed., São Paulo: Método, 2016).

É a posição também de Nucci:

“Segundo cremos, impedir ou embaraçar processo judicial também se encaixa nesse tipo penal, valendo-se de interpretação extensiva. Afinal, se o menos é punido (perturbar mera investigação criminal), o mais (processo instaurado pelo mesmo motivo) também deve ser.” (NUCCI, Guilherme de Souza. Organização criminosa. 2ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2015).

DIREITO TRIBUTÁRIO

INCENTIVOS FISCAIS Decreto regulamentar, em sede do programa REINTEGRA, que estipula a alíquota de cálculo do crédito por período de tempo, e não por espécie de bem exportado, não extrapola o art. 22, §

1º, da Lei nº 13.043/2014

O crédito do REINTEGRA é um benefício fiscal, caracterizado por transferência financeira a entidade privada para o custeio de atividade econômica setorial, daí porque se trata de espécie de subvenção econômica.

Page 30: Informativo comentado: Informativo 650-STJA divergência entre locador e locatário ficou por conta do período de agosto a dezembro. João está cobrando os alugueis referentes a

Informativo comentado

Informativo 650-STJ (05/07/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 30

O art. 22, § 1º, da Lei nº 13.043/2014 determina que o Poder Executivo estabeleça o fator percentual de cálculo do valor do crédito, o qual pode variar entre 0,1% e 3%.

O decreto regulamentar que fixa percentuais variáveis, por períodos, não extrapola os limites da delegação.

O critério temporal, entre outros, é relevante para a dinâmica própria do mercado de exportação, e sua estipulação decorre da discricionariedade técnica que é exigida do regulamento.

STJ. 1ª Turma. REsp 1732813/RS, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 14/05/2019 (Info 650).

REINTEGRA Reintegra é a sigla de “Regime especial de reintegração de valores tributários para empresas exportadoras”. Trata-se um programa econômico instituído pelo governo federal com o objetivo de incentivar as exportações. Veja o que diz o art. 21 da Lei nº 13.043/2014:

Art. 21. Fica reinstituído o Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários para as Empresas Exportadoras - REINTEGRA, que tem por objetivo devolver parcial ou integralmente o resíduo tributário remanescente na cadeia de produção de bens exportados.

Este programa prevê que a empresa que exporte bens terá direito a créditos. Esses créditos serão apurados mediante a aplicação de um percentual sobre a receita auferida com a exportação. Esse percentual poderia variar entre 0,1% e 3%:

Art. 22. No âmbito do Reintegra, a pessoa jurídica que exporte os bens de que trata o art. 23 poderá apurar crédito, mediante a aplicação de percentual estabelecido pelo Poder Executivo, sobre a receita auferida com a exportação desses bens para o exterior. § 1º O percentual referido no caput poderá variar entre 0,1% (um décimo por cento) e 3% (três por cento), admitindo-se diferenciação por bem. (...)

Assim, o art. 22, § 1º, da Lei nº 13.043/2014 determina que o Poder Executivo estabeleça o fator percentual de cálculo do valor do crédito, o qual pode variar entre 0,1% e 3%. Ato do Poder Executivo pode diferenciar o percentual de crédito com base no tipo de bem Vale ressaltar que o § 1º do art. 22 prevê a possibilidade de o ato do Poder Executivo estabelecer alíquotas diferenciadas de apuração dos créditos com base no tipo de bem. Ex: se for um bem que o Estado brasileiro deseja incentivar a exportação (ex: bens tecnológicos), o percentual de apuração do crédito seria 3%. Por outro lado, se for um bem que o Governo não tem tanto interesse na exportação (ex: um bem que esteja sendo necessário ao mercado interno), esse percentual poderia ser fixado em 0,1%. Decreto previu a alíquota com base em um período de tempo O Decreto nº 8.415/2015 (modificado por outros decretos posteriores) previu percentuais diferenciados não de acordo com o tipo de bem, mas sim conforme períodos de tempo. Exemplo: • entre 1º de março de 2015 a 30 de novembro de 2015: o percentual seria de 1%; • entre 1º de dezembro de 2015 a 31 de dezembro de 2016: o percentual seria de 0,1%; • entre 1º de janeiro de 2017 a 31 de maio de 2018: o percentual seria de 2%.

Page 31: Informativo comentado: Informativo 650-STJA divergência entre locador e locatário ficou por conta do período de agosto a dezembro. João está cobrando os alugueis referentes a

Informativo comentado

Informativo 650-STJ (05/07/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 31

Essa previsão foi questionada por algumas empresas que alegaram que o art. 22, § 1º da Lei nº 13.043/2014 somente autorizaria a variação dos percentuais em função do tipo de bem, mas não em razão dos períodos de tempo. Logo, para essas empresas, esse decreto seria ilegal. A questão chegou até o STJ. O Poder Executivo pode diferenciar a alíquota de cálculo do crédito por período de tempo (e não por espécie de bem exportado, como expressamente autoriza a lei)? Em outras palavras, a previsão acima do Decreto nº 8.415/2015 é compatível com a Lei nº 13.043/2014? SIM. O art. 22, § 1º, da Lei nº 13.043/2014 delegou ao Poder Executivo a estipulação de percentual variável para determinação do valor do crédito do benefício fiscal e, concomitantemente, previu a possibilidade de a variação se dar por espécie de bem. Não se trata, pois, de delegação para fixação de alíquota de tributo, mas de fator para o cálculo do benefício fiscal, que tem por fim “anular”, parcialmente ou integralmente, o resíduo tributário remanescente na cadeia de produção de bens exportados, como dispõe o art. 21 da Lei nº 13.043/2014. Ressalta-se que o crédito do REINTEGRA é benefício fiscal, caracterizado por transferência financeira a entidade privada para o custeio de atividade econômica setorial, daí porque se trata de espécie de subvenção econômica. Nesse contexto, considerando que o benefício tem por objetivo proporcionar às empresas exportadoras igualdade de condições em ambiente de competição cada vez mais acirrada, dentro de um cenário de crise econômica mundial, o fim buscado pelo legislador com o REINTEGRA realmente depende de estudo administrativo para especificação do momento em que as exportações necessitam do estímulo por meio da subvenção, qual deve ser a sua medida e quais bens merecem maior ou menor incentivo, daí a previsão legal de aceitação da diferenciação das alíquotas por espécies de bem. Assim, nem sempre as exportações necessitam de incentivo uniforme, por prazo certo e em valor previamente determinado, pois as regras do mercado internacional não ficam dependentes das diversas condicionantes a que estão submetidos os produtores-exportadores brasileiros. Nessa linha, a estipulação de percentuais variáveis, por períodos de tempo, não extrapola o comando do art. 22, § 1º, da Lei nº 13.043/2014, que, na verdade, autoriza a variação do percentual conforme necessidade apurada pelo Poder Executivo. Em suma:

Decreto regulamentar, em sede do programa REINTEGRA, que estipula a alíquota de cálculo do crédito por período de tempo, e não por espécie de bem exportado, não extrapola o art. 22, § 1º, da Lei nº 13.043/2014. STJ. 1ª Turma. REsp 1732813/RS, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 14/05/2019 (Info 650).

ICMS Viola o art. 20, § 6º, da LC 87/96 a disposição contida em norma infralegal estadual que restrinja

seu âmbito de aplicação a produtos agropecuários da mesma espécie

O art. 20, § 6º, da LC 87/96 prevê a possibilidade de compensação do ICMS:

§ 6º Operações tributadas, posteriores a saídas de que trata o § 3º, dão ao estabelecimento que as praticar direito a creditar-se do imposto cobrado nas operações anteriores às isentas ou não tributadas sempre que a saída isenta ou não tributada seja relativa a:

I - produtos agropecuários;

II - quando autorizado em lei estadual, outras mercadorias.

Page 32: Informativo comentado: Informativo 650-STJA divergência entre locador e locatário ficou por conta do período de agosto a dezembro. João está cobrando os alugueis referentes a

Informativo comentado

Informativo 650-STJ (05/07/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 32

Assim, a LC 87/96, em harmonia com a CF/88, assegura o direito à compensação, levando em consideração o imposto devido em cada operação na qual haja circulação de mercadoria ou prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, sem impor que a operação antecedente refira-se a uma determinada mercadoria ou serviço. Determinado Decreto estadual exigiu que a compensação ocorra entre produtos agropecuários da mesma espécie da que originou o respectivo crédito (não estorno).

O STJ considerou que essa exigência viola o art. 20, § 6º, da LC 87/96, considerando que criou regra nova de compensação do ICMS por ato infralegal.

STJ. 1ª Turma. AgInt no REsp 1.513.936-RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 27/05/2019 (Info 650).

ICMS O ICMS é um imposto estadual previsto no art. 155, II, da CF e na LC 87/96:

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (...) II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;

Principais características do imposto: • plurifásico: incide sobre o valor agregado, obedecendo-se ao princípio da não-cumulatividade; • real: as condições da pessoa são irrelevantes; • proporcional: não é progressivo; • fiscal: tem como função principal a arrecadação. Fatos geradores Eduardo Sabbag afirma que, resumidamente, o ICMS pode ter os seguintes fatos geradores (Manual de Direito Tributário. 4. ed., São Paulo: Saraiva, 2012, p. 1061): • circulação de mercadorias; • prestação de serviços de transporte intermunicipal; • prestação de serviços de transporte interestadual; • prestação de serviços de comunicação. Regra da não cumulatividade O art. 155, § 2º, I, da CF/88 determina que o ICMS “será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal”. Ricardo Alexandre explica a regra da não cumulatividade:

“A cada aquisição tributada de mercadoria, o adquirente registra como crédito o valor incidente na operação. Tal valor é um “direito” do contribuinte (“ICMS a recuperar”), que pode ser abatido do montante incidente nas operações subsequentes. A cada alienação tributada de produto, o alienante registra como débito o valor incidente na operação. Tal valor é uma obrigação do contribuinte, consistente no dever de recolher o valor devido aos cofres públicos estaduais (ou distritais) ou compensá-los com os créditos obtidos nas operações anteriores (trata-se do “ICMS a recolher”). Periodicamente, faz-se uma comparação entre os débitos e créditos. Caso os débitos sejam superiores aos créditos, o contribuinte deve recolher a diferença aos cofres públicos. Caso os créditos sejam maiores, a diferença pode ser compensada posteriormente ou mesmo, cumpridos

Page 33: Informativo comentado: Informativo 650-STJA divergência entre locador e locatário ficou por conta do período de agosto a dezembro. João está cobrando os alugueis referentes a

Informativo comentado

Informativo 650-STJ (05/07/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 33

determinados requisitos, ser objeto de ressarcimento.” (Direito Tributário. Salvador: Juspodivm, 2019, p. 721).

Veja o seguinte exemplo e explicação fornecidos por Eduardo de Castro em suas exatas palavras: - Pensemos, inicialmente, numa Operação Interna A de compra e venda de peças de vestuário num montante total de R$ 100,00 celebrada diretamente entre indústria têxtil e consumidor a uma alíquota de 17%. - Em seguida, imaginemos uma Cadeia Econômica de Circulação B, mais longa, das mesmas mercadorias, em que as peças de vestuários fossem vendidas da indústria para um lojista, por um valor de R$ 80,00, e, depois, deste para o consumidor final, pelo montante de R$ 100,00, aplicando-se a todas as operações a alíquota de 17%. - Na primeira situação, o montante recolhido a título de ICMS ao Estado em que realizada a operação pode ser facilmente calculado. Basta ao contribuinte (indústria) aplicar a alíquota de 17% sobre a base de cálculo fornecida (R$ 100,00) para chegar ao total de R$ 17,00; - Operação A: O valor recolhido é igual a aplicação da alíquota sobre a base de cálculo (17% X RS 100,00), ou seja, R$ 17,00. - Na segunda operação, graças ao princípio da não-cumulatividade, ao final do ciclo econômico de circulação da mercadoria - da indústria até o consumidor final, passando pela empresa varejista - seriam recolhidos ao Estado os mesmos R$ 17,00 supracitados. - Aqui, quando da venda dos bens da indústria para a loja, a primeira recolheria ao Estado o montante de R$ 13,60 (17% x R$ 80,00). Na operação seguinte, por sua vez, a loja recolheria ao Poder Público, a título de ICMS o equivalente a 17% da operação (17% X RS 100 = RS 17,00) menos os valores já creditados quando da aquisição (RS 13,60), ou seja, RS 3,40. A soma dos valores é igual aos mesmos RS 17,00 recolhidos na primeira operação: - Operação B.1: Tendo sido a mercadoria vendida pela indústria à loja pelo valor de R$ 80,00, haverá o recolhimento de R$ 13,60 ao Estado (17%XR$ 80,00 =R$ 13,60). - Operação B.2: Na venda da loja ao consumidor pelo valor de RS 100,00, a contribuinte irá recolher aos cofres públicos o total de R$ 3,40, correspondente ao valor creditado quando da compra (R$ 13,60) menos o débito da operação (17% X R$ 100,00 = 17,00). - O valor final recolhido será de R$ 17,00 (R$ 13,60 + R$ 3,40)

Dados Indústria → Loja → Consumidor

Preço R$ 80,00 R$ 100,00

Alíquotas 17% 17%

Débito R$ 13,60 R$ 17,00

Crédito R$ 0,00 R$ 13,60

ICMS recolhido R$ 13,60 R$ 3,40

Total: R$ 17,00

IMPORTANTE. Ainda que incluíssemos mais uma etapa na cadeia acima, não haveria mudança no panorama apresentado, senão vejamos:

Dados Indústria → Distribuidora → Loja → Consumidor

Preço R$ 80,00 R$ 90,00 R$ 100,00

Alíquotas 17% 17% 17%

Débito R$ 13,60 R$ 15,30 R$ 17,00

Crédito R$ 0,00 R$ 13,60 R$ 15,30

ICMS recolhido R$ 13,60 R$ 1,70 R$ 1,80

Total: R$ 17,00

Page 34: Informativo comentado: Informativo 650-STJA divergência entre locador e locatário ficou por conta do período de agosto a dezembro. João está cobrando os alugueis referentes a

Informativo comentado

Informativo 650-STJ (05/07/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 34

(CASTRO, Eduardo M. L. Rodrigues. ICMS. 3ª ed., Salvador: Juspodivm, 2019, p. 164-165) Isenção ou não-incidência A CF/88 prevê uma exceção ao princípio da não-cumulatividade. Se, na cadeia de circulação de mercadorias, houver uma situação de isenção ou não incidência, ocorrerá a anulação dos créditos relativos às operações anteriores. Assim, a operação isenta (ou na qual não há incidência de imposto) irá gerar a interrupção dessa cadeia de aproveitamento dos créditos do ICMS. Isso está previsto no art. 155, § 2º, II, “a” e “b”, da CF/88:

Art. 155 (...) II - a isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário da legislação: a) não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes; b) acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores;

Em outras palavras, são duas regras:

“1ª Se a operação anterior é isenta ou não tributada, a operação seguinte não dá direito a crédito, até porque não houve imposto cobrado na operação anterior; 2ª Se a operação seguinte é isenta ou não tributada, deve ser anulado o crédito decorrente do imposto pago na operação anterior, o que tem lógica, pois caso não houvesse essa anulação toda a cadeia de produção ficaria totalmente desonerada.” (MARTINS, Alan; SCARDOELLI, Dimas Yamada. Direito Tributário para concursos. Salvador: Juspodivm, 2019, p. 136).

Vou recorrer novamente ao exemplo de Eduardo Castro para explicar o tema. Agora, contudo, vamos considerar a operação realizada entre distribuidora e lojista livre da incidência do ICMS por força de isenção:

Dados Indústria → Distribuidora → Loja → Consumidor

Preço R$ 80,00 R$ 90,00 R$ 100,00

Alíquotas 17% Isenta 17%

Débito R$ 13,60 R$ 0,00 R$ 17,00

Crédito R$ 0,00 R$ 0,00 R$ 0,00

ICMS recolhido R$ 13,60 R$ 0,00 R$ 17,00

Total: R$ 30,60

“Ao final da cadeia econômica, em virtude da anulação dos créditos relativos às operações anteriores, o valor recolhido a título de ICMS será maior do que aquele verificado na cadeia não isenta.” (CASTRO, Eduardo M. L. Rodrigues. Ob. cit., p. 186) Previsão do § 6º do art. 20 da LC 87/96 O art. 20, § 6º, da LC 87/96 prevê duas operações que, mesmo quando isentas, não acarretarão a anulação do crédito relativo às operações anteriores: a) operações com produtos agropecuários; b) operações expressamente ressalvadas pela legislação estadual. Veja a redação da LC 97/96, que regulamenta, em nível infraconstitucional, o ICMS:

Art. 20 (...) § 6º Operações tributadas, posteriores a saídas de que trata o § 3º, dão ao estabelecimento que as praticar direito a creditar-se do imposto cobrado nas operações anteriores às isentas ou não tributadas sempre que a saída isenta ou não tributada seja relativa a:

Page 35: Informativo comentado: Informativo 650-STJA divergência entre locador e locatário ficou por conta do período de agosto a dezembro. João está cobrando os alugueis referentes a

Informativo comentado

Informativo 650-STJ (05/07/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 35

I - produtos agropecuários; II - quando autorizado em lei estadual, outras mercadorias.

As situações do § 6º do art. 20 são, portanto, exceções da exceção prevista no art. 155, § 2º, II, da CF/88. Como são exceções da exceção, significa que voltamos para a regra geral, ou seja, direito do contribuinte se valer do princípio da não-cumulatividade (que é a regra). Assim, se houve venda de produtos agropecuários, será possível a utilização de créditos do ICMS para compensar com outros débitos mesmo que exista uma operação isenta nesta cadeia. Imagine agora a seguinte situação hipotética: Determinada empresa acumulou créditos de ICMS decorrentes da venda de adubos e fertilizantes (produtos agropecuários) sob o regime de isenção. Em outras palavras, ela acumulou os créditos com base no art. 20, § 6º, inciso I, da LC 87/96, que vimos acima. Essa empresa tentou aproveitar (compensar) esse crédito com débitos de ICMS que ela teve com débitos referentes a outros produtos não-agrícolas. O Fisco do Rio Grande do Sul não aceitou a compensação afirmando que o regulamento estadual do ICMS (Decreto Estadual 37.699/97) exige, para a compensação, que os débitos de ICMS sejam também referentes a produtos agrícolas. Em outras palavras, se o crédito do ICMS foi de produtos agrícolas, na forma do art. 20, § 6º, da LC 87/96, o aproveitamento (compensação) somente poderia ocorrer também em relação a débitos de ICMS relacionados com produtos agrícolas. A redação do Decreto era a seguinte: “Os créditos fiscais relativos ao benefício do não-estorno somente poderão ser utilizados para a compensação com débitos fiscais decorrentes de operação de saída ou de importação de mercadoria da mesma espécie da que originou o respectivo não-estorno.” Essa previsão do Decreto estadual é válida? NÃO. O STJ entende que é ilegal essa exigência feita pelo regulamento do ICMS no Rio Grande do Sul:

Viola o art. 20, § 6º, da LC 87/96 a disposição contida em norma infralegal estadual que restrinja seu âmbito de aplicação a produtos agropecuários da mesma espécie. STJ. 1ª Turma. AgInt no REsp 1.513.936-RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 27/05/2019 (Info 650).

A LC 87/96, no que se refere aos produtos agropecuários, autorizou, de forma plena, o creditamento do imposto cobrado nas operações anteriores às isentas com o imposto devido nas operações subsequentes. Em relação a outras mercadorias, a autorização depende da previsão em lei estadual (art. 20, § 6º, II, da LC 87/96). Desse modo, o legislador complementar federal não impôs restrição ao aproveitamento dos créditos concernentes aos produtos agropecuários. Por outro lado, o princípio da não cumulatividade está previsto no art. 155, § 2º, I, da CF/88 e no art. 19 da LC 87/96, estabelecendo este último que o ICMS é não cumulativo, “compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou por outro Estado”. Como se percebe, a LC 87/96, em harmonia com a CF/88, assegura o direito à compensação levando em consideração o imposto devido em cada operação, na qual haja circulação de mercadoria ou prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, sem impor que a operação antecedente refira-se a uma determinada mercadoria ou serviço. Assim, a regra contida no regulamento estadual (art. 37, § 8º, do RICMS/RS) inova o ordenamento jurídico, ou seja, a Administração Pública Estadual, ao exigir que a compensação ocorra entre produtos

Page 36: Informativo comentado: Informativo 650-STJA divergência entre locador e locatário ficou por conta do período de agosto a dezembro. João está cobrando os alugueis referentes a

Informativo comentado

Informativo 650-STJ (05/07/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 36

agropecuários da mesma espécie da que originou o respectivo crédito (não estorno), criou regra nova de compensação do ICMS (por ato infralegal), que não é prevista nem na Constituição Federal nem na LC 87/96. Desse modo, viola o art. 20, § 6º, da LC 87/96 a disposição contida em norma infralegal estadual que restrinja seu âmbito de aplicação, criando regra nova de compensação do ICMS, sobretudo porque tal matéria é reservada à lei complementar.

EXERCÍCIOS Julgue os itens a seguir: 1) A responsabilidade administrativa ambiental é de natureza subjetiva. ( ) 2) Não são exigíveis aluguéis no período compreendido entre o incêndio que destruiu imóvel objeto de

locação comercial e a efetiva entrega das chaves pelo locatário. ( ) 3) Notificado o locador ainda no período determinado da locação acerca da pretensão de exoneração dos

fiadores, os efeitos desta exoneração somente serão produzidos após o prazo de 120 dias da data em que se tornou indeterminado o contrato de locação, e não da notificação. ( )

4) Os honorários advocatícios contratuais que adotarem a quota litis devem ser calculados com base na quantia efetivamente recebida pelo cliente em razão da cessão de seu crédito a terceiro, e não pelo valor apurado na liquidação da sentença. ( )

5) A instituição financeira responde por vício na qualidade do produto ao emitir comprovantes de suas operações por meio de papel termossensível. ( )

6) (Promotor MP/MS 2018) É assegurada prioridade na tramitação dos processos e procedimentos e na execução dos atos e diligências judiciais em que figure como parte ou interveniente pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, em qualquer instância. ( )

7) A prioridade na tramitação do feito conferida à pessoa idosa pode ser suscitada por quaisquer das partes do processo por se constituir em matéria cognoscível de ofício. ( )

8) Cabe agravo de instrumento contra a decisão que julga procedente, na primeira fase, a ação de exigir contas, condenando o réu a prestar as contas exigidas. ( )

9) O art. 1.035, § 5º do CPC/2015 não determina a suspensão automática dos processos, devendo esse entendimento ser aplicado aos recursos especiais que impugnam acórdão publicado e com a repercussão geral reconhecida na vigência do CPC/1973. ( )

10) A exigência da garantia do juízo para a oposição de embargos à execução fiscal permanece mesmo que o devedor não possua patrimônio para garantia do crédito exequendo. ( )

11) O encargo do DL nº 1.025/69 foi revogado tacitamente pelo CPC/2015. ( ) 12) O mandado de segurança não terá seu mérito apreciado se houver superveniente trânsito em julgado da

decisão questionada pelo mandamus. ( ) 13) A folha de antecedentes criminais não é suficiente para comprovar a reincidência. ( ) 14) Segundo entendimento do STJ, o crime de embaraçar investigação previsto na Lei do Crime Organizado

deve ficar restrito à fase do inquérito. ( ) 15) Viola o art. 20, § 6º, da LC 87/96 a disposição contida em norma infralegal estadual que restrinja seu

âmbito de aplicação a produtos agropecuários da mesma espécie. ( ) Gabarito

1. C 2. C 3. C 4. C 5. C 6. C 7. E 8. C 9. C 10. E

11. E 12. E 13. E 14. E 15. C