Introdução Ao Pensamento Sociológico - Unidade 1

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Introdução Ao Pensamento Sociológico - Unidade 1

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  • Autora: Profa. Claudete de Sousa NogueiraColaboradoras: Profa. Amaralis Tudela Nanias Profa. Glaucia Aquino Profa. Anglica Lucia Carlini

    Introduo ao Pensamento Sociolgico

  • Professora conteudista: Claudete de Sousa Nogueira

    Claudete de Sousa Nogueira doutora em Educao formada pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), tem mestrado em Histria pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e graduada tambm em Histria.

    Atualmente professora da Universidade Paulista, no campus de Sorocaba, no Curso de Servio Social e Secretariado Bilngue, lecionando diversas disciplinas, como Antropologia Social, Antropologia e Cultura Brasileira e Histria do Pensamento Filosfico, entre outras. Tem experincia docente em Ensino Superior em cursos de graduao e ps-graduao; foi docente da rede pblica estadual, atuando nos nveis de ensino Fundamental e Mdio, de 1985 a 2009.

    Pesquisadora das reas de Histria e Educao, com interesse nas temticas histria e cultura afro-brasileira, polticas pblicas, memria, patrimnio e identidade, Claudete publicou um livro sobre a memria afro-brasileira em Itu, vrios artigos em peridicos especializados e trs captulos de livro, entre outras publicaes. membro da Academia Saltense de Letras (ASLe), com a cadeira de nmero 30, cujo patrono Jorge Amado.

    Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrnico, incluindo fotocpia e gravao) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permisso escrita da Universidade Paulista.

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)

    N152i Nogueira, Claudete de SousaIntroduo ao pensamento sociolgico / Claudete de Sousa

    Nogueira - So Paulo: Editora Sol, 2012.108 p., il.

    Nota: este volume est publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Srie Didtica, ano XVII, n. 2-024/12 , ISSN 1517-9230.

    1. Pensamento sociolgico. 2. Sociologia 3. Movimentos sociais I.Ttulo.

    CDU 316

  • Prof. Dr. Joo Carlos Di GenioReitor

    Prof. Fbio Romeu de CarvalhoVice-Reitor de Planejamento, Administrao e Finanas

    Profa. Melnia Dalla TorreVice-Reitora de Unidades Universitrias

    Prof. Dr. Yugo OkidaVice-Reitor de Ps-Graduao e Pesquisa

    Profa. Dra. Marlia Ancona-LopezVice-Reitora de Graduao

    Unip Interativa EaD

    Profa. Elisabete Brihy

    Prof. Marcelo Souza

    Profa. Melissa Larrabure

    Material Didtico EaD

    Comisso editorial: Dra. Anglica L. Carlini (UNIP) Dr. Cid Santos Gesteira (UFBA) Dra. Divane Alves da Silva (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Ktia Mosorov Alonso (UFMT) Dra. Valria de Carvalho (UNIP)

    Apoio: Profa. Cludia Regina Baptista EaD Profa. Betisa Malaman Comisso de Qualificao e Avaliao de Cursos

    Projeto grfico: Prof. Alexandre Ponzetto

    Reviso: Elaine Fares

  • SumrioIntroduo ao Pensamento Sociolgico

    APRESENTAO ......................................................................................................................................................7INTRODUO ...........................................................................................................................................................8

    Unidade I

    1 A SOCIOLOGIA NOS DIVERSOS CAMPOS DA VIDA HUMANA ..........................................................91.1 A sociologia prcientfica ............................................................................................................... 10

    1.1.1 A filosofia, os mitos, a religio ............................................................................................................11

    2 O RENASCIMENTO E O NOVO PENSAMENTO SOCIAL ....................................................................... 142.1 Os valores do Renascimento ............................................................................................................ 172.2 As grandes navegaes ...................................................................................................................... 202.3 O Iluminismo .......................................................................................................................................... 222.4 Os pensadores do Iluminismo ......................................................................................................... 242.5 A Ilustrao e a influncia dos fisiocratas.................................................................................. 252.6 As transformaes do liberalismo ................................................................................................. 26

    3 O SURGIMENTO DA CINCIA E AS BASES DA SOCIOLOGIA ........................................................... 284 SURGIMENTO DA SOCIOLOGIA .................................................................................................................. 30

    4.1 Principais correntes sociolgicas ................................................................................................... 314.2 Auguste Comte e o positivismo ..................................................................................................... 33

    4.2.1 O mtodo do positivismo .................................................................................................................... 344.2.2 Auguste Comte: o pai da sociologia ............................................................................................... 354.2.3 A influncia do positivismo no Brasil ............................................................................................. 36

    4.3 O darwinismo social e o contexto histrico do positivismo ............................................... 384.3.1 O livro A origem das espcies, de Darwin ..................................................................................... 404.3.2 As crticas ao darwinismo ................................................................................................................... 414.3.3 O determinismo cientfico ................................................................................................................... 41

    Unidade II

    5 A SOCIOLOGIA DE DURKHEIM ................................................................................................................... 515.1 Emile Durkheim (1858-1917): vida e obra ................................................................................. 525.2 Durkheim e o seu tempo ................................................................................................................... 535.3 A definio da sociologia como cincia ...................................................................................... 545.4 A definio do mtodo sociolgico .............................................................................................. 555.5 O conceito de conscincia coletiva de Durkheim ................................................................... 555.6 Durkheim e a sociologia da educao ......................................................................................... 57

  • 6 MAX WEBER E A SOCIOLOGIA ALEM .................................................................................................... 586.1 A unificao da Alemanha: influncia no pensamento sociolgico ............................... 596.2 Max Weber (1864-1920): vida e obra .......................................................................................... 616.3 A ao social pensada por Weber .................................................................................................. 626.4 A tica protestante e o esprito do capitalismo ....................................................................... 636.5 A contribuio do pensamento de Max Weber ....................................................................... 65

    7 MARX E O MATERIALISMO HISTRICO-DIALTICO ........................................................................... 697.1 O debate entre os socialistas utpicos e os socialistas cientficos ................................... 697.2 Marx em seu contexto: a Revoluo Industrial ........................................................................717.3 Os movimentos operrios de resistncia: ludismo e sindicalismo ................................... 737.4 O pensamento materialista histrico e materialista dialtico ........................................... 757.5 O conceito de modo de produo em Marx .............................................................................. 767.6 A luta de classes: o motor da histria ......................................................................................... 797.7 A contribuio do pensamento de Karl Marx ........................................................................... 81

    8 A CONTRIBUIO DE GRAMSCI AO PENSAMENTO SOCIOLGICO ............................................. 838.1 Gramsci: vida e obra ............................................................................................................................ 858.2 O conceito de hegemonia ................................................................................................................. 868.3 Educao e emancipao das massas .......................................................................................... 878.4 A sociedade civil e o intelectual ..................................................................................................... 888.5 A influncia do pensamento de Gramsci no servio social................................................. 89

  • 7APreSeNtAo

    A sociologia a cincia que estuda o homem em grupo. Essa cincia, desde a sua origem, teve uma amplitude significativa na medida em que seus objetivos sempre foram mais do que uma tentativa de refletir sobre a sociedade moderna. No exerccio de compreender a sociedade em seu tempo, suas reflexes sempre contiveram intenes prticas, isto , a busca constante por interferir nos rumos dessa civilizao.

    No sistema capitalista, os interesses de grupos ou classes sociais apresentam-se de forma bastante conflituosa, fator que influencia o pensamento sociolgico. A sociologia nasce, assim, diretamente relacionada aos objetivos de estabilidade social das classes dominantes e, nesse caso, tem como preocupao compreender as consequncias dos conflitos de classes, e sua funo passa a ser dar respostas a essa crise. A sociologia uma cincia que se define no por seu objeto de estudo, mas por sua abordagem, isto , pela forma como pesquisa, analisa e interpreta os fenmenos sociais (COSTA, 1997, p. 11).

    Ao lado de outras cincias como a economia, a antropologia, a cincia poltica, a histria, a sociologia tem como proposta pesquisar e compreender o comportamento social humano e seu objeto corresponde s variadas formas de organizao e conflito presentes em todas as sociedades.

    A anlise sociolgica se relaciona, portanto, com o processo de formao do saber humano desde os primeiros filsofos, como Plato, at Comte, considerado o pai da sociologia. No entanto, outros fatores influenciaram na sua criao, entre eles os acontecimentos polticos, econmicos, religiosos e artsticos, principalmente no sculo XVIII.

    Assim, a histria do pensamento sociolgico no Ocidente tem sua origem no sculo XVIII, perodo de grandes transformaes na conjuntura poltica, econmica e cultural da sociedade, num contexto marcado pelo impacto da ecloso de duas grandes revolues a Revoluo Industrial, na Inglaterra, e a Revoluo Francesa.

    A Revoluo Industrial e, posteriormente, a Revoluo Francesa (1789), marcaram um novo contexto no mundo, caracterizado pelas transformaes polticas a partir da queda da monarquia e da constituio dos Estados nacionais no Ocidente. Para dar conta de compreender essas transformaes que deram origem s novas formas das sociedades, modificando suas estruturas e organizaes, surge ento a sociologia.

    A disciplina Introduo ao Pensamento Sociolgico tem como objetivo contribuir para a compreenso dos princpios da sociologia como uma forma de conhecimento que se transformou em campo cientfico. Trata-se de apresentar sua origem, desenvolvimento e sua especificidade.

    Para tanto, busca-se oferecer subsdios para a compreenso da histria da sociologia como cincia, seus conceitos, objetos e mtodos, assim como suas matrizes clssicas, entre elas: Durkheim e o positivismo funcional; Weber e a sociologia compreensiva; Marx e o materialismo histrico-dialtico e, sobretudo, a contribuio de Gramsci para o servio social.

  • 8Esta disciplina vai possibilitar o desenvolvimento de habilidades que permitam compreender a vida cotidiana e os conceitos especficos dessa cincia; permitir assim: a aquisio do conhecimento sociolgico, compreendendo seus principais conceitos e possibilidade de aplicao dos mesmos realidade; a conscincia dos aspectos importantes da vida humana e da realidade na qual se manifesta; a aquisio de uma viso sociolgica do mundo; um comprometimento para com a realidade em que se vive; a ampliao da participao, enquanto cidado, pelo desenvolvimento do senso crtico para avaliar a importncia das transformaes do mundo atual; a compreenso e valorizao da importncia da diversidade cultural e do respeito mtuo.

    INtroduo

    A funo da sociologia como cincia , ao mesmo tempo, observar os fenmenos que se repetem nas relaes sociais formulando explicaes gerais ou tericas sobre o fato social e se ocupar com eventos especficos, nicos, como, por exemplo, o surgimento do capitalismo ou do Estado moderno, explicando os significados e a importncia que esses eventos tm na vida dos cidados.

    Como ocorre com toda forma de conhecimento que se transforma em cincia, a sociologia pretende compreender e explicar a totalidade do seu universo de pesquisa e, por meio de conceitos prprios, teorias especficas e mtodos, ela constitui um instrumento de compreenso da realidade social e de suas mltiplas redes ou relaes sociais.

    Com o objetivo de apreender as transformaes dessa disciplina, destacamos inicialmente as caractersticas da denominada sociologia pr-cientfica, isto , as origens e transformaes de uma forma de conhecimento cujas explicaes sobre a vida social estavam relacionadas ao mito, religio e filosofia, considerada a forma pr-cientfica de conscincia e de explicao da realidade humana,

    Em seguida, apresentamos a sociologia a partir do sculo XIX, quando foi criada ou reconhecida como campo de conhecimento explorvel pelo procedimento cientfico.

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    Introduo ao Pensamento socIolgIco

    Unidade I1 A SoCIologIA NoS dIverSoS CAmPoS dA vIdA humANA

    A sociologia uma cincia que est inserida no campo das cincias sociais, ou seja, as cincias que desenvolvem estudo sistemtico do comportamento social do homem.

    Observando atentamente a sociedade, percebemos a vida cotidiana das pessoas que caminham, correm, dormem, respiram. Alm disso, podemos observar outros atos como a cooperao de umas com as outras no trabalho, o salrio que recebem, os cheques que descontam, as reunies que organizam para melhorar a produo, as reivindicaes que fazem, os casamentos, os estudos que desenvolvem, as diversas maneiras de divertimento.

    As cincias sociais tm sua origem na preocupao que o homem adquiriu com o tempo em entender os denominados comportamentos sociais, isto , aqueles que existem a partir da vida em sociedade, da convivncia em grupo. O objeto de estudo dessa disciplina passa a ser ento o comportamento social e suas variaes. Para facilitar a sistematizao do estudo e das pesquisas que se inseriram nessa rea de conhecimento, foi necessria a diviso em diversas disciplinas, entre elas:

    A sociologia estuda as relaes humanas e as diferentes formas de viver e se organizar dos grupos sociais. Essa cincia abrange o estudo dos grupos resultantes da diviso da sociedade em camadas, alm de buscar compreender o processo de mobilidade social, cooperao, competio e conflito existente nos diferentes tempos e espaos.

    A economia cincia que se ocupa em entender as atividades humanas relacionadas produo, circulao, distribuio e consumo de bens e servios. Nessa rea de estudo, a preocupao est voltada a entender, por exemplo, a distribuio de renda de um pas, sua poltica salarial, a produo de empresas, entre outras atividades relacionadas economia.

    A antropologia essa rea de estudo preocupa-se em compreender as semelhanas e diferenas entre as diversas sociedades, assim como sua organizao social e cultural. Fazem parte dos objetos de estudo da antropologia a diversidade cultural, os tipos de organizaes familiares, as religies, os rituais etc.

    A cincia poltica preocupa-se em entender e analisar as relaes de poder existentes na sociedade, assim como as diversas formas de governo, os partidos polticos etc.

    Essa diviso, no entanto, no ntida entre as diversas disciplinas, que se complementam e se juntam para explicar a vida em sociedade em todos os contextos e com toda a complexidade de cada tempo e espao.

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    1.1 A sociologia prcientfica

    No decorrer dos anos, vrias foram as maneiras que as sociedades humanas encontraram para compreender a vida em grupo. Nesse perodo, as explicaes se apoiaram na fantasia, resultado de uma viso mtica.

    Dessa capacidade de pensar o mundo, atribuindo significados sua realidade, o homem criou o conhecimento. Dos primeiros vestgios arqueolgicos aos dias de hoje, os homens enfrentaram problemas que se tornaram obstculos para a sua sobrevivncia, para a sua defesa e perpetuao da espcie, nos quais buscou explicaes sobre si mesmo e sobre o mundo em que vive.

    Os mais antigos cemitrios humanos, onde se encontram ossadas dispostas numa certa posio acompanhadas de alguns objetos, mostram que mesmo o ato de enterrar os mortos respondia s questes relativas vida e morte e implicavam uma escolha da melhor forma de ao. Aceita pelo grupo, essa melhor forma tende a se repetir, transformando-se em ritual uma ao revivida em grupo e explicada em funo da resposta coletiva dada ao para que e ao por que da existncia humana (idem, p. 4).

    Assim, durante sculos, o homem pensou sobre si mesmo e sobre seu mundo, adquirindo conhecimentos e estabelecendo interpretaes de acordo com a sua vida cotidiana.

    Nas sociedades humanas, o desenvolvimento cultural proporcionou tcnicas de explicao do mundo aplicadas a universos variados. Entre essas aplicaes esto as que dizem respeito ao prprio homem, s suas relaes com a natureza, com os animais ou com outros seres humanos, s instituies sociais, ao sagrado e ao destino humano.

    Nesse contexto, inicialmente, as explicaes sobre a vida social estavam relacionadas ao mito, religio e filosofia, que passam a constituir as formas pr-cientficas de conscincia e de explicao da realidade humana.

    Para muitos pesquisadores, essas maneiras de compreender a representao da vida social nada tm em comum com a sociologia e, no mximo, desenvolvem tipos de raciocnio fundamentalmente diferentes e opostos ao raciocnio cientfico. As filosofias greco-romana e medieval, por exemplo, deram destaque especial reflexo sistemtica sobre a natureza humana e a organizao das sociedades, contrastando com a explicao sociolgica.

    Sobre essas modalidades de representao da vida social, denominada sociologia pr-cientfica, o socilogo Florestam Fernandes desenvolveu uma anlise bastante interessante:

    A sociologia, como modo de explicao cientfica do comportamento social e das condies sociais de existncia dos seres vivos, representa um produto recente do pensamento moderno. Alguns especialistas procuram traar as suas origens a partir da filosofia clssica da Grcia, da China ou

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    da ndia. Isso faz tanto sentido quanto lig-la s formas pr-filosficas do pensamento. Na verdade, toda cultura dispe de tcnicas de explicao do mundo, cujas aplicaes so muito variadas. Entre as aplicaes que elas podem receber, esto as que dizem respeito ao prprio homem, s suas relaes com a natureza, com os animais ou com outros seres humanos, s instituies sociais, ao sagrado e ao destino humano. O mito, a religio e a filosofia constituem as principais formas pr-cientficas de conscincia e de explicao das condies de existncia social.

    Tais modalidades de representao nada tm em comum com a sociologia. Elas surpreendem, s vezes com esprito sistemtico e com profundidade crtica, facetas complexas da vida social. Tambm desempenharam ou desempenham, em seus contextos culturais, funes intelectuais similares s que cabem sociologia na civilizao industrial moderna, pois todas servem aos mesmos propsitos e s mesmas necessidades de explicao da posio do homem no cosmos. Entretanto, nenhum desses pontos de contato oferece base suposio de que essas formas pr-cientficas de conscincia ou da explicao da vida social tenham contribudo para a formao e o desenvolvimento da sociologia. Em particular, elas envolvem tipos de raciocnio fundamentalmente distintos e opostos ao raciocnio cientfico. Mesmo as filosofias greco-romanas e medievais, que deram relevo especial reflexo sistemtica sobre a natureza humana e a organizao das sociedades, contrastam singularmente com a explicao sociolgica. que, como notou Durkheim, elas tinham, com efeito, por objeto no explicar as sociedades tais ou quais elas so ou tais ou quais elas foram, mas indagar o que as sociedades devem ser, como elas devem organizar-se, para serem to perfeitas quanto possvel (FERNANDES in COSTA, 1997).

    1.1.1 A filosofia, os mitos, a religio

    O homem nasce para viver em sociedade (Aristteles).

    Os primeiros passos para explicar e estudar as sociedades humanas foram dados pelos filsofos gregos Plato (427-347 a.C.) e Aristteles (384-322 a.C), que publicaram em suas obras A repblica e Poltica suas consideraes sobre aspectos da vida em sociedade. Nesse perodo, portanto, j havia na filosofia grega uma preocupao em compreender a sociedade.

    Em A repblica, Plato analisa como deve ser organizada uma cidade-estado para evitar as crises polticas e sociais estipulado o nmero mximo de habitantes. Nessa cidade, os dirigentes e guardies representam a concretizao da racionalidade, enquanto os discpulos so dceis e capazes de compreender todas as renncias que a razo lhes impe, mesmo quando duras.

    Aristteles descreve em Poltica que as crises so inevitveis e no existe maneira de se escapar das mudanas institucionais.

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    No perodo da Idade Mdia, a vida em sociedade era vista pelos filsofos como uma forma de convivncia desorganizada, por isso, propunham normas para que o homem vivesse em uma sociedade ideal.

    A obra Cidade de deus, escrita por Santo Agostinho, por exemplo, descreve a vida dos homens em suas cidades e a convivncia com o pecado. A definio de normas, para esse autor, possibilitaria uma vivncia numa cidade sem pecado.

    De uma maneira geral, essas obras descreviam a sociedade humana de uma perspectiva religiosa muito acentuada. Tais descries baseavam-se mais na imaginao, na fantasia e na especulao do que na investigao cientfica dos fenmenos. Deuses e heris eram invocados para explicar certos fenmenos sociais.

    Observa-se, assim, que desde a Antiguidade, passando pelo perodo medieval at o incio da Idade Moderna, as interpretaes e explicaes sobre a sociedade foram influenciadas pela filosofia e pela religio.

    Atualmente, em alguns grupos sociais podem ainda ser encontradas heranas dessas concepes, que se caracterizam mais pela elaborao de propostas e normas para uma sociedade idealizada do que pela pesquisa e estudo com a finalidade de compreend-las.

    As mudanas comearam a ocorrer a partir do Renascimento, quando os autores passaram a descrever a sociedade e os fenmenos sociais em um nvel mais realista.

    O mito da caverna

    Tambm chamado alegoria da caverna, o mito da caverna narrado por Plato no livro A repblica, sintetiza os temas centrais de sua filosofia. A ideia consiste em pessoas que vivem numa caverna e acreditam que o mundo real aquilo que aparece na parede: sombras formadas pela luz que entra pela nica fresta existente. As pessoas lutam contra qualquer um que diga o contrrio:

    Imaginemos uma caverna separada do mundo externo por um alto muro. Entre o muro e o cho da caverna h uma fresta por onde passa um fino feixe de luz exterior, deixando a caverna na obscuridade quase completa. Desde o nascimento, gerao aps gerao, seres humanos encontram-se ali, de costas para a entrada, acorrentados sem poder mover a cabea nem locomover-se, forados a olhar apenas a parede do fundo, vivendo sem nunca ter visto o mundo exterior nem a luz do Sol, sem jamais ter efetivamente visto uns aos outros nem a si mesmos, mas apenas sombras dos outros e de si mesmos porque esto no escuro e imobilizados. Abaixo do muro, do lado de dentro da caverna, h um fogo que ilumina vagamente o interior sombrio e faz com que as coisas que se passam do lado de fora sejam projetadas como sombras nas paredes do fundo da caverna. Do lado de fora, pessoas passam conversando e carregando nos ombros figuras ou imagens de homens, mulheres e animais cujas sombras tambm so projetadas na parede da caverna, como num teatro

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    de fantoches. Os prisioneiros julgam que as sombras de coisas e pessoas, os sons de suas falas e as imagens que transportam nos ombros so as prprias coisas externas, e que os artefatos projetados so seres vivos que se movem e falam. Os prisioneiros se comunicam, dando nome s coisas que julgam ver (sem v-Ias realmente, pois esto na obscuridade) e imaginam que o que escutam, e que no sabem que so sons vindos de fora, so as vozes das prprias sombras e no dos homens cujas imagens esto projetadas na parede; tambm imaginam que os sons produzidos pelos artefatos que esses homens carregam nos ombros so vozes de seres reais. Qual , pois, a situao dessas pessoas aprisionadas? Tomam sombras por realidade, tanto as sombras das coisas e dos homens exteriores como as sombras dos artefatos fabricados por eles. Essa confuso, porm, no tem como causa a natureza dos prisioneiros e sim as condies adversas em que se encontram. Que aconteceria se fossem libertados dessa condio de misria? Um dos prisioneiros, inconformado com a condio em que se encontra, decide abandon-Ia. Fabrica um instrumento com o qual quebra os grilhes. De incio, move a cabea, depois o corpo todo; a seguir, avana na direo do muro e o escala. Enfrentando os obstculos de um caminho ngreme e difcil, sai da caverna. No primeiro instante, fica totalmente cego pela luminosidade do Sol, com a qual seus olhos no esto acostumados. Enche-se de dor por causa dos movimentos que seu corpo realiza pela primeira vez e pelo ofuscamento de seus olhos sob a luz externa, muito mais forte do que o fraco brilho do fogo que havia no interior da caverna. Sente-se dividido entre a incredulidade e o deslumbramento. Incredulidade porque ser obrigado a decidir onde se encontra a realidade: no que v agora ou nas sombras em que sempre viveu. Deslumbramento (literalmente: ferido pela luz) porque seus olhos no conseguem ver com nitidez as coisas iluminadas. Seu primeiro impulso o de retornar caverna para livrar-se da dor e do espanto, atrado pela escurido, que lhe parece mais acolhedora. Alm disso, precisa aprender a ver e esse aprendizado doloroso, fazendo-o desejar a caverna, onde tudo lhe familiar e conhecido. Sentindo-se sem disposio para regressar caverna por causa da rudeza do caminho, o prisioneiro permanece no exterior. Aos poucos, habitua-se luz e comea a ver o mundo. Encanta-se, tem a felicidade de finalmente ver as prprias coisas, descobrindo que estivera prisioneiro a vida toda e que em sua priso vira apenas sombras. Doravante, desejar ficar longe da caverna para sempre e lutar com todas as suas foras para jamais regressar a ela. No entanto, no pode evitar lastimar a sorte dos outros prisioneiros e, por fim, toma a difcil deciso de regressar ao subterrneo sombrio para contar aos demais o que viu e convenc-los a se libertarem tambm. Que lhe acontece nesse retorno? Os demais prisioneiros zombam dele, no acreditando em suas palavras e, se no conseguem silenci-lo com suas caoadas, tentam faz-lo espancando-o. Se mesmo assim ele teima em afirmar o que viu e os convida a sair da caverna, certamente acabam por mat-lo. Mas, quem sabe alguns podem ouvi-lo e, contra a vontade dos demais, tambm decidir sair da caverna rumo realidade. O que a caverna? O mundo de aparncias em que vivemos. Que so as sombras projetadas no fundo? As coisas que percebemos. Que so os grilhes e as correntes? Nossos preconceitos e opinies, nossa crena de que o que estamos percebendo a realidade. Quem o prisioneiro que se liberta e sai da caverna? O filsofo. O que a luz do Sol? A luz da verdade. O qu o mundo iluminado pelo sol da verdade? A realidade. Qual o instrumento que liberta o prisioneiro rebelde e com o qual ele deseja libertar os outros prisioneiros? A filosofia (CHAUI, 1999).

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    2 o reNASCImeNto e o Novo PeNSAmeNto SoCIAl

    O renascimento marca uma nova postura do homem ocidental diante da natureza e do conhecimento. Esse movimento filosfico e artstico, ocorrido entre os sculos XIV e XVI na Europa ocidental, caracterizado pela ruptura entre o mundo medieval, com sua a sociedade agrria, estamental e teocrtica e o mundo moderno urbano, burgus e comercial (COSTA, 1997).

    As bases do Renascimento eram proporcionadas pelo humanismo, corrente filosfica que negava a escolstica medieval, que at ento predominava, e propunha o retorno s virtudes da antiguidade. Assim, alguns autores greco-romanos como Plato, Aristteles, Virglio, Sneca e outros comeam a ser traduzidos e rapidamente difundidos. As concepes passadas por essas obras favoreceram o desligamento das questes sagradas e transcendentais e, ao mesmo tempo, contriburam para uma mentalidade mais laica, com caractersticas imediatistas e materiais.

    Saiba mais

    Autores que descreveram a sociedade de sua poca em um nvel mais realista:

    Maquiavel: O prncipe. Traduo: Maurcio Santana Dias. So Paulo: Cia Letras, 2010.

    Thomas Morus: Utopia. So Paulo: Nova Cultural, 1997.

    Francis Bacon: Nova Atlntida. So Paulo: Nova Cultural, 1999. (Os Psnsadores)

    Para os filsofos renascentistas, como Plato, a existncia de uma sociedade perfeita possvel, sendo necessrio o estabelecimento de regras sociais mais justas. Assim, surge o germe do pensamento social moderno quando se analisam as contradies sociais com o intuito de encontrar solues, alm da crena no bem-estar social do homem e as relaes com as suas condies.

    Os filsofos renascentistas imaginaram uma sociedade perfeita. Assim como a Atlntida, obra de Francis Bacon, Thomas Morus imagina uma comunidade onde todas as solues foram encontradas: a Utopia. Uma ilha cujo nome significa nenhum lugar, onde existe harmonia, equilbrio e virtude (idem, p. 21).

    A obra Utopia considerada a primeira a criticar o regime burgus, encerrando uma anlise profunda das especificidades do feudalismo em decadncia. Utopia inaugura outra maneira de compreender a sociedade, considerada por muitos pesquisadores como o germe do pensamento sociolgico.

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    Introduo ao Pensamento socIolgIco

    Seria Utopia uma obra sociolgica? No no sentido moderno ou cientfico do conceito, mas como expresso das preocupaes do filsofo com a vida social e com os problemas de sua poca. Toda a vida ou, como o prprio autor chama, o regime social dos utopienses demonstra claramente a preocupao com o estabelecimento de regras sociais mais justas e humanas como resposta s crticas que o autor fez em relao Inglaterra de seu tempo.

    Analisar a sociedade em suas contradies e visualizar uma maneira de resolv-las, acreditar que da organizao das relaes polticas, econmicas e sociais derivam a felicidade do homem e seu bem-estar , seguramente, o germe do pensamento sociolgico (idem, p. 22).

    No entanto, para muitos pesquisadores, coube a Maquiavel obter maior xito em relao ao desenvolvimento do pensamento sociolgico, na medida em que seu objetivo foi conhecer a realidade tal como se lhe apresentava,em vez de imaginar como ela deveria ser (idem, p.23).

    Nicolau Maquiavel, autor de O prncipe, dedica a obra a Loureno de Mdici, governador de Florena; na obra, o autor se empenha em ressaltar o poder de um monarca absoluto e sua capacidade de conquistar, reinar e manter o poder.

    Como Thomas Morus, Maquiavel acredita que o poder depende das caractersticas pessoais do prncipe - suas virtudes -, das circunstncias histricas e de fatos que ocorrem independentemente de sua vontade - as oportunidades. Acredita tambm que do bom exerccio da vida poltica depende a felicidade do homem e da sociedade. Mas, sendo mais realista do que seus companheiros utopistas, mostra como deve agir o soberano para alcanar e preservar o poder, como manipular a vontade popular e usufruir seus poderes e aliados. Faz uma anlise clara das bases em que se assenta o poder poltico: como conseguir exrcitos fiis e corajosos, como casos inimigos, como recompensar os aliados, como destruir, na memria do povo, a imagem dos antigos lderes (idem, p. 22).

    As obras de Thomas Morus e Maquiavel exemplificam a maneira diferente de perceber as relaes sociais, que passam a se constituir como objetos de estudos. Esses filsofos descrevem em seus livros a vida humana e sua relao com as condies polticas e econmicas, ao contrrio dos seus antecessores, que exaltavam a f ou a conscincia individual.

    Nesse sentido, o contexto do Renascimento favoreceu o pensamento social relacionado imaginao de mundo que salientava, acima de tudo, o papel do homem e suas aes na construo da sociedade.

    O contexto do movimento renascentista motivou a formao de uma nova sociedade e contribuiu para o aparecimento de novas relaes sociais em seu cotidiano. A vida urbana fez surgir um novo comportamento, j que as relaes cotidianas como o trabalho, o lazer, o tipo de moradia, por exemplo, exigiam um novo comportamento dos homens.

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    O Renascimento foi, assim, fundamentalmente uma nova concepo de vida adotada por uma significativa parcela da sociedade, e que ser difundida nas obras de arte.

    Figura 1 Thomas Morus

    Diplomata, escritor e advogado, Thomas Morus (1478-1535) ocupou vrios cargos pblicos, inclusive o cargo de Lord Chancellor. considerado como um dos grandes humanistas do Renascimento.

    Thomas Morus concebeu, em sua obra, a ilha de Utopia, baseado na crena da existncia da propriedade privada e na importncia do alcance dos interesses individuais, o que para ele era vivel se feito atravs do preenchimento prvio das necessidades coletivas. Outros elementos do funcionamento, como os costumes e cultura, assim como o governo, so diretamente ligados a esses pontos. Para o autor, a propriedade privada a essncia dos problemas da humanidade. Entende-se como propriedade privada a desigualdade material, que se refere muito mais propriedade privada como vemos hoje do que concentrao de riquezas por direito de posse, como no caso da nobreza europeia tradicional. Nesse contexto, a ideia defendida a de que a sociedade um conjunto de interesses coletivos, mais importantes que os individuais, alis, a nica maneira de alcanar prosperidade e progresso subordinar os ltimos aos primeiros.1

    1 Baseado em: SILVA, U. G. Admirvel mundo novo: comentrio sobre Utopia de Thomas More. Disponvel em: . Acesso em: 2 fev. 2012.

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    Introduo ao Pensamento socIolgIco

    Figura 2 Nicolau Maquiavel.

    observao

    necessrio ser prncipe para conhecer perfeitamente a natureza do povo, e pertencer ao povo para conhecer a natureza dos prncipes (Maquiavel).

    Historiador, poeta, diplomata e msico italiano do Renascimento, Nicolau Maquiavel (1469-1527) foi considerado fundador do pensamento e da cincia poltica moderna por ter escrito vrias obras sobre o Estado e o governo, descrevendo suas reais caractersticas e as possibilidades que essas instituies poderiam ter. Na atualidade, alguns estudos se referem a Maquiavel e sua obra como tendo sido, durante muito tempo, mal-interpretados.

    Estudiosos como Isaiah Berlin e Quenten Skinner ressaltaram que o trao de maior originalidade de Maquiavel a preocupao em romper e denunciar a ingenuidade das teorias polticas de seus contemporneos. Reconhecido por possuir uma experincia emprica e realista, Maquiavel traou as bases de uma nova concepo poltica referente ao conceito de virt, o que fez da obra O Prncipe alvo de equivocadas interpretaes.2

    2.1 os valores do renascimento

    Ao recuperar os valores da cultura clssica greco-romana, e aplic-los de uma nova maneira uma nova realidade, foi possvel demonstrar o que era o humanismo.

    2 Baseado em: BIRARDI, A.; CASTELANI, G. R. Desmistificando Maquiavel Ensaios acerca de sua histria, obras e conceitos. Disponvel em: . Acesso em: 2 fev. 2012.

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    Figura 3 A Criao de Ado (Michelangelo)

    Humanismo

    A primeira forma de elaborar uma concepo do mundo cujo centro fosse o prprio homem denomina-se humanismo, origem de todo o pensamento moderno. Esse movimento intelectual floresceu durante o sculo XIV, no final da Idade Mdia, e alcanou plena maturidade no Renascimento, cuja orientao era reviver os modelos artsticos da antiguidade clssica, considerados exemplos de afirmao da independncia do esprito humano.

    Assim, destacam-se no Renascimento valores como:

    O antropocentrismo: o homem a medida de todas as coisas; a compreenso do mundo passava a ser relacionada importncia do ser humano. O trabalho, as guerras, as transformaes, as contradies humanas tornaram-se objetos de preocupao entendida como produto da ao do homem.

    O racionalismo: a crena de que tudo pode ser explicado pela razo do homem e pela cincia, e, como consequncia, a recusa em acreditar em qualquer coisa que no tenha sido provada. Dessa forma, o experimentalismo e a cincia conheceram grande desenvolvimento como, por exemplo, o estmulo inveno de objetos como o telescpio, que permitiram a ampliao dos conhecimentos e a convico na capacidade humana de explicar o mundo de forma racional.

    Figura 4 - Estudo de Leonardo da Vinci conhecido como Homem Vitruviano, no qual o estudo das propores humanas, em movimento, foi feito pelo pensador e artista renascentista.

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    Introduo ao Pensamento socIolgIco

    O individualismo: a convico de que cada um responsvel pela conduo de sua vida, criando a possibilidade de fazer opes e de manifestar-se sobre diversos assuntos caracterizaram o individualismo. Essa concepo refletiu a emergncia da burguesia e de novas relaes de trabalho.

    O naturalismo: destacou-se a importncia do estudo da natureza, aguando o esprito de observao do homem. Destacam-se nesses estudos, por exemplo, o dos corpos celestes e do movimento da Terra, entre outros, onde os estudiosos buscavam estabelecer as leis gerais que explicavam o funcionamento da natureza. No apenas a natureza fsica era investigada, como tambm a natureza humana, nos estudos de anatomia e nas representaes dos corpos humanos nas obras de arte, com o uso cada vez mais frequente da nudez nas pinturas renascentistas.

    O hedonismo: representou o culto ao prazer, ou seja, a ideia de que o homem pode produzir o belo, pode gerar uma obra apenas pelo prazer que isso possa lhe proporcionar, rompendo com o pragmatismo.

    O universalismo: considerado uma das principais caractersticas do Renascimento ao propor que o homem deve desenvolver todas as reas do saber.

    O resgate da Antiguidade: ao estudar a forma de viver e de pensar dos antepassados, os humanistas acabaram contribuindo para a compreenso das instituies e saberes, suas mudanas e alteraes. O conhecimento adquirido por esses estudos no significava a busca de uma repetio, mas a possibilidade de estabelecer um vnculo entre antigos e modernos, estes deviam queles o embasamento e o estmulo para novas criaes e transformaes.

    Os valores passados no perodo do Renascimento foram de encontro s concepes do sistema capitalista que se caracterizava pela produo e a troca, expanso do comrcio, circulao de mercadorias e consumo de bens materiais.

    A concepo de acmulo de lucros levada prtica pelos comerciantes burgueses renascentistas passou a ser smbolo da ruptura entre os valores e concepes da sociedade medieval.

    Para que essa nova realidade tivesse xito, houve a necessidade de se organizar a produo de forma mais racional e em larga escala.

    Para isso, foi de fundamental importncia o desenvolvimento da cincia e da tecnologia, bem como os valores do individualismo e do racionalismo. O esquema a seguir representa as principais inovaes da poca, destacando os principais fatos e conceitos:

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    Quadro 1

    O homemcentro dos interesses culturais

    Estudo das lnguas e dos textos clssicos

    Inspirao nos modelos artsticos da Antiguidade

    Esprito crtico Interesse pela natureza

    Naturalismo na arte

    Salvao pela f

    Ordem, simetria, racionalidade

    Interpretao livre da Bblia

    Index Inquisio Reafirmao dos dogmas

    Companhia de Jesus

    Reforma dos costumes do clero

    PerspectivaCrtica aos costumes e autoridade da igreja

    Abolio do clero e do culto

    dos santos

    Renascimento da cultura clssica

    Individualismo Humanismo Classicismo

    Contrarreforma

    Reforma protestante

    Saiba mais

    Sugerimos a leitura de um artigo sobre o homem medieval e a antiguidade no link indicado abaixo:

    http://www1.folha.uol.com.br/folha/educacao/ult305u2654.shtml

    2.2 As grandes navegaes

    As transformaes ocorridas na Europa a partir do sculo XIV e o esprito de inquietao atingem a geografia e a cartografia, e o desejo de investigar o mundo resulta nas grandes navegaes e no descobrimento do novo mundo.

    Por meio das grandes navegaes, pela primeira vez na histria o mundo seria totalmente interligado e somente aps o encontro dos vrios povos foi possvel falar em uma histria em escala mundial.

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    Introduo ao Pensamento socIolgIco

    O avano sobre os mares e oceanos foi possvel graas ao desenvolvimento tcnico que atingiu as navegaes, como, por exemplo, a bssola, que desde o incio do sculo XIV j era utilizada pelos europeus. Na mesma poca, desenvolvia-se tambm a confeco de portulanos (cartas geogrficas com descrio das costas martimas e seus portos) que facilitavam a navegao de cabotagem.

    As viagens martimas tornaram-se um empreendimento do Estado, que atravs da centralizao poltica ofereceu condies para mobilizar os capitais necessrios ao financiamento das expedies. Estava assim garantido o sucesso dos projetos de conquista e colonizao.

    Fatores que provocaram a expanso:

    a centralizao poltica: a presena de um Estado centralizado possibilitou acumular riquezas para financiar a navegao;

    o Renascimento: permitiu o surgimento de novas ideias e uma evoluo tcnica;

    o objetivo da elite da Europa ocidental em romper o monoplio rabe-italiano sobre as mercadorias orientais;

    a busca de terras e novas formas de riqueza (ouro e prata) com o objetivo de resolver a crise do sculo XIV;

    a expanso da f.

    Objetivos da expanso:

    acmulo de metais, principalmente o ouro e a prata;

    ampliao do mercado consumidor dos produtos europeus;

    comrcio de especiarias (noz moscada, cravo etc.);

    acmulo de terras como fonte de riquezas;

    converso de fiis ao catolicismo.

    Pioneirismo portugus

    Precoce centralizao poltica a formao do Estado nacional de Portugal e Espanha est ligada luta contra os rabes muulmanos que chegaram na pennsula ibrica no sculo VIII. Essa luta, conhecida como reconquista, alm de provocar a expanso do cristianismo pela regio, favoreceu a unificao poltica. A centralizao do estado portugus estava em processo desde 1143 com a dinastia de Borgonha, se completando com a Revoluo de Avis entre os anos de 1383 e 1385. Essa revoluo tambm significou a vitria da burguesia mercantil ligada ao comrcio de especiarias.

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    Domnio das tcnicas de navegao (Escola de Sagres) - Centro de Estudos Nuticos, fundado pelo infante Dom Henrique, o qual manteve at a sua morte, em 1460, o monoplio rgio do ultramar. O prncipe perfeito Dom Joo II (1481-1495) continuou o aperfeioamento dos estudos nuticos com o auxlio da sua provvel Junta de Cartgrafos, que teria elaborado em detalhe o plano de pesquisa do caminho martimo para as ndias.

    Participao da rota de comrcio que ligava o Mediterrneo ao norte da Europa.

    Capital (financiamento de Flandres).

    Posio geogrfica favorvel.

    Expanso espanhola

    Aps a sua centralizao monrquica, em 1492, a Espanha inicia as grandes navegaes martimas, sob o governo dos reis catlicos (Fernando e Isabel) que cederam ao navegador Cristvo Colombo trs caravelas.

    O objetivo de Colombo era chegar s ndias, navegando na direo do oeste, mas ao aportar nas Antilhas, ele chega a Cuba, El Salvador e Santo Domingo acreditando ter chegado ao arquiplago do Japo.

    A entrada da Espanha no ciclo das grandes navegaes contribui para o aumento dos conflitos envolvendo Espanha e Portugal, que disputavam a posse das terras recm-descobertas da Amrica.

    Essa questo passa a ser resolvida com a interveno do Papa, que escreve a Bula Inter Coltera, definindo que as terras da Amrica seriam divididas por uma linha a 100 lguas das Ilhas de Cabo Verde, em que Portugal ficaria com as terras orientais e a Espanha ficaria com as terras ocidentais.

    Portugal fica insatisfeito, recorre ao Papa que assina o Tratado de Tordesilhas em 1494, oficializando jurisdio sobre as terras descobertas ou a descobrir.

    Essas viagens ibricas prosseguiram at o perodo da descoberta de ouro na Amrica, pelos espanhis, aguando a cobia de outras naes europeias que procuravam completar seu processo de centralizao monrquica.

    2.3 o Iluminismo

    Denomina-se Iluminismo ou Ilustrao o movimento filosfico que sucedeu o Renascimento. Esse movimento possibilitou o surgimento de novas ideias sobre a vida social e da coletividade. Nesse contexto, define-se o conceito de nao como forma de organizao poltica, o que correspondeu expanso territorial e ao fortalecimento da burguesia local, que teria total controle sobre o mercado.

    Nesse perodo, a sociedade necessitava de mudanas radicais no campo do desenvolvimento cientfico para que se adequasse s novas maneiras de viver e que contribusse para a melhora nas condies de vida, ampliao da expectativa de vida e, principalmente, possibilitasse a ampliao da

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    Introduo ao Pensamento socIolgIco

    mo de obra disponvel a partir da mudana dos hbitos sociais, contribuindo para a formao de uma mentalidade receptiva s inovaes tecnolgicas.

    Essa nova forma de pensar e agir vinha de encontro s necessidades da burguesia, permitindo a livre iniciativa, a liberdade de comrcio e a livre concorrncia de salrios, preos e produtos. Assim, a Ilustrao foi essencialmente pragmtica e liberal, uma vez que a burguesia queria uma ordem econmica, poltica e social em que tivesse participao no poder e pudesse realizar seus negcios sem entraves (COSTA, 1997, p. 32).

    Para a nascente burguesia que j se fortalecia enquanto grupo social faltava naquele momento conquistar o poder poltico, isto , formas de governo baseadas na legitimidade popular, at mesmo governos republicanos, o que a levava a conclamar o povo a aderir defesa da igualdade jurdica e do sufrgio universal.

    Em sua obra o Contrato Social, Rousseau afirmava que a base da sociedade estava no interesse comum pela vida social, no consentimento unnime dos homens em renunciar as suas vontades particulares em favor de toda comunidade. Para defender suas ideias sobre a legitimidade do Estado a servio dos interesses comuns e dos direitos naturais do homem, Rousseau traou uma trajetria da humanidade comeando pelo igualitarismo primitivo at a sociedade diferenciada. Para ele, a origem dessa diferenciao estava no aparecimento da propriedade privada. Justamente por essa crtica propriedade, distingue-se dos demais filsofos da Ilustrao (idem, p. 33).

    Os fragmentos de textos a seguir fazem parte das obras de Rousseau, publicadas na coleo Os Pensadores:

    Texto 1 Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens

    Enquanto os homens se contentaram com as suas cabanas rsticas, enquanto se limitaram a costurar com espinhos ou cerdas suas roupas de peles. Enquanto os homens se contentaram com suas cabanas rsticas, enquanto se limitaram a costurar suas roupas de peles com espinhos de plantas ou espinhas de peixe; a enfeitar-se com penas e conchas; a pintar o corpo com diversas cores, a aperfeioar ou embelezar seus arcos e flechas... enquanto se aplicaram apenas as obras que um homem podia fazer sozinho e s artes que no precisavam do concurso de vrias mos, viveram to livres, sadios, bons e felizes quanto o poderiam ser por sua natureza... Mas a partir do instante em que um homem necessitou do auxlio de outro, desde que percebeu que era til a um s ter provises para dois, desapareceu a igualdade, introduziu-se a propriedade, o trabalho tornou-se necessrio e as vastas florestas se transformaram em campos que cumpria regrar com o suor dos homens e nos quais logo se viu a escravido e a misria germinaram e medraram com as searas.3

    3 ROUSSEAU, J. J. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. Traduo de Lourdes Santos Machado. 5. ed. So Paulo: Nova Cultural, 1991b. (Coleo Os Pensadores).

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    Texto 2 Do contrato social

    O homem nasce livre, e por toda a parte encontra-se a ferros. O que se cr senhor dos demais, no deixa de ser mais escravo do que eles. Como adveio tal mudana? Ignoro-o. Que poder legitim-la? Creio poder resolver esta questo. Se considerasse somente a fora e o efeito que dela resulta, diria: quando um povo obrigado a obedecer e o faz, age acertadamente; assim que pode sacudir esse jugo e o faz, age melhor ainda, porque, recuperando a liberdade pelo mesmo direito por que lha arrebataram, ou tem ele o direito de retom-la ou no o tinham de subtra-la. A ordem social, porm, um direito sagrado que serve de base a todos os outros. Tal direito, no entanto, no se origina da natureza: funda-se, portanto, em convenes.4

    2.4 os pensadores do Iluminismo

    Na filosofia: destacam-se os enciclopedistas franceses por meio da Enciclopdia das Cincias, das Artes e dos Ofcios, dirigida por Diderot e DAlembert, com a colaborao de grandes filsofos como Voltaire e Rousseau. A Enciclopdia foi uma tentativa de sistematizao de todo o conhecimento disponvel at ento, constituda pela critica a religio catlica e ao absolutismo.

    A Enciclopdia foi publicada sob o ttulo Dictionnaire raisonn des sciences, des arts et des mtiers (1750), com 17 volumes de texto e 11 de pranchas de ilustrao, tendo sido editada por Diderot e DAlembert.

    Principais pensadores iluministas:

    Montesquieu (1689-1755) fez parte da primeira gerao de iluministas e sua obra principal foi O esprito das leis. Considerado um dos precursores da sociologia, Montesquieu levantou questes sociolgicas antes mesmo do surgimento da cincia.

    Voltaire (1694-1778) se destacou por elaborar crticas religio e monarquia e foi considerado o homem smbolo do movimento iluminista, alm de ser um grande agitador, polmico e propagandista das ideias iluministas. Segundo historiadores, as correspondncias de Voltaire eram concludas sempre com o mesmo termo:

    crasez lInfme (esmagai a infame). A infame a que se referia era a Igreja catlica. Sua principal obra foi Cartas inglesas.

    Diderot (1713-1784) grande parte de sua vida foi dedicada organizao da primeira Enciclopdia, sendo essa a sua principal contribuio. De inspirao racionalista e materialista, propunha a imediata separao da Igreja e do Estado e o combate s supersties e s diversas manifestaes do pensamento mgico, entre elas as instituies religiosas. Sua publicao sofreu

    4 ROUSSEAU, J. J. Do contrato social. So Paulo: Abril Cultural, 1978. (Coleo Os pensadores).

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    Introduo ao Pensamento socIolgIco

    violenta campanha contrria da Igreja e de grupos polticos afinados com o clero. Sofreu interveno da censura e condenao papal, mas acabou por exercer grande influncia no mundo intelectual e inspirou os lderes da Revoluo Francesa.

    DAlembert (1717-1783) escreveu e ajudou na organizao da enciclopdia, tornando-se uma figura-chave do sculo do Iluminismo. Foi matemtico e abriu novos caminhos ao desenvolvimento dos mtodos de clculo matemtico, e fsico, contribuindo para a unificao dos princpios da mecnica dos slidos e dos fluidos. Tambm foi filsofo, examinando de maneira crtica a gnese e o significado dos conhecimentos cientficos, interessando-se notadamente pela questo de sua validade, assim como das condies de sua aplicao. Entre suas principais publicaes esto Tratado de dinmica (1743), Ensaio de uma teoria da resistncia dos fluidos (1752), Investigaes sobre diferentes pontos importantes do sistema do mundo (1754-56) e Ensaio sobre os elementos de filosofia ou sobre os princpios do conhecimento humano (1759).

    Rousseau (1712-1778) redigiu alguns verbetes para a Enciclopdia, dedicando-se tambm ao desenho, pintura e msica. Suas principais obras foram Emlio, Do Contrato social, Discursos sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens e Discurso sobre as cincias e as artes. Foi criticado severamente e perseguido, mas suas ideias foram amplamente divulgadas no contexto da Revoluo Francesa.

    John Locke (1632-1704) terico ingls, defendeu a ideia de que a sociedade resultava da livre associao entre indivduos dotados de razo e vontade. Para Locke, esse contrato definia as formas de poder, as garantias de liberdade individual e o respeito propriedade e, por isso, deveria ser redigido como uma constituio.

    2.5 A Ilustrao e a influncia dos fisiocratas

    A escola fisiocrtica teve origem no sculo XVIII e considerada a primeira escola de economia cientfica. Seu surgimento esteve relacionado com a luta contra o mercantilismo, um sistema que enfatizava a indstria e comrcio voltado exportao, regido pelas complexas regulamentaes governamentais. Para os fisiocratas, a agricultura era a fonte original de toda riqueza, porque somente ela permitia larga margem de lucros sobre um investimento pequeno, nesse caso a terra era a nica verdadeira fonte das riquezas. Para eles, os produtos da agricultura deveriam ser valorizados e vendidos a alto preo e os proprietrios de terras reconhecidos como os verdadeiros promotores da riqueza do pas e respeitados como tal.

    Destacam-se alguns tericos fisiocratas como Quesnay (1694-1774), Turgot (1727-1781) e, especialmente, Gournay (1712-1759), que, em nome da plena liberdade para todas as atividades comerciais e industriais, defendia a abolio das aduanas internas, das regulamentaes e das corporaes. atribuda a Gournay a frase Laissez faire, laissez passez (Deixe fazer, deixe passar).

    Franois Quesnay, mdico da corte de Lus XV, desenvolveu sua teoria no livro Tableau Economique (Quadro Econmico), publicado em 1758, em que mostrava esquematicamente as relaes entre as diferentes classes econmicas e setores da sociedade e o fluxo de pagamentos entre elas. Nessa obra,

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    Quesnay criou o conceito de equilbrio econmico, uma concepo tomada como ponto de partida nas anlises econmicas desde ento.

    Para os fisiocratas, a economia deveria ser regida por leis naturais de oferta e procura que tendiam a estabelecer, de maneira mais eficiente, os preos, assim como o melhor produto e o melhor contrato direcionado pela livre concorrncia.

    A origem da cincia econmica foi atribuda a Adam Smith que em seus estudos buscou demonstrar a importncia da anlise cientfica e do trabalho, principal fonte de riqueza. Em sua obra, A riqueza das naes, destaca a produtividade, ou seja, a fora do trabalho, como principal fonte de bens, por sua capacidade de transformao da matria bruta em produtos de valor no mercado.

    2.6 As transformaes do liberalismo

    As concepes do liberalismo contriburam para transformaes na forma de pensar as relaes de poder, as aes econmicas e polticas.

    No sculo XVIII, quando foram formuladas as primeiras ideias, o liberalismo era entendido como uma filosofia ou um conjunto de filosofias que defendia a existncia de um Estado laico e no intervencionista. Acreditava-se que, por no se vincular a nenhuma crena religiosa, o estado no deveria a admitir a interferncia da Igreja em seus assuntos e vice-versa, isto , o Estado tambm no deve interferir nas crenas pessoais, fazendo prevalecer o ideal de tolerncia religiosa.

    Quanto concepo de um Estado no intervencionista, estava relacionada s atividades econmicas, surgindo em oposio ao controle que as monarquias absolutistas exerciam sobre o comrcio durante os sculos XVI e XVII, contexto em que ocorria o monoplio estatal tpico do sistema mercantilista, tambm denominado capitalismo comercial. Exemplo disso ocorria no processo de colonizao do Brasil por Portugal com o acar e o ouro.

    De acordo com as concepes dos liberais, o Estado no deveria interferir na economia ou intervir somente o mnimo quando fosse inevitvel. Por outro lado, h a defesa da propriedade privada e constatao de que o funcionamento da economia se d a partir do princpio do lucro e da livre iniciativa, o que desenvolveria o esprito empreendedor e competitivo.

    Assim, as propostas liberais provocaram uma separao entre negcios pblicos e privados, ou seja, entre os assuntos do Estado (que deve se ocupar com a poltica, isto , com as questes da esfera pblica) e os da sociedade civil (que deve se ocupar das atividades particulares, principalmente as econmicas).

    tambm o liberalismo que incentiva a criao de instituies para dar voz ativa aos cidados nas decises polticas, contribuindo para o fortalecimento do parlamento, rgo de representao por excelncia das foras atuantes da sociedade e capaz de coibir os excessos do poder central.

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    Introduo ao Pensamento socIolgIco

    lembrete

    A expresso parlamento se origina do francs parler, que significa falar. Designa, portanto, o local onde ocorrem conversaes, discusses e deliberaes.

    Essa concepo sobre a origem parlamentar do poder significou a superao das teorias que remontam Antiguidade, segundo as quais o poder vem de Deus ou da tradio familiar (nobreza). Ao contrrio, o voto dado a um parlamentar representa o livre consentimento do cidado sua atuao poltica, isto , o mandato popular. o que ocorre hoje nas democracias representativas, como a brasileira, em que deputados e senadores so (ou ao menos deveriam ser) representantes do povo.

    Alm disso, tambm faz parte dos princpios bsicos do liberalismo, no mbito poltico, a diviso do poder em trs instncias autnomas e equilibradas: Executivo, Legislativo e Judicirio, conforme postulado pela primeira vez pelo escritor e filsofo francs Montesquieu. Cada uma delas tem suas atribuies especficas e acima delas esto as leis, das quais a maior a Constituio de um pas.

    No liberalismo, a conscincia marcada pela valorizao do princpio da legalidade, ou seja, ningum pode se colocar acima da lei, inclusive o governante.

    No plano econmico, desenvolveu-se uma concepo fundamentada no individualismo, o que tpico do pensamento liberal, o que significa a definio da lgica do mercado: se cada um desenvolver bem o seu trabalho, haver natural seleo dos melhores, que formaro as elites de cuja capacidade empreendedora resultaro benefcios para o todo social, como apregoava o economista escocs Adam Smith em sua obra principal, Uma investigao sobre a natureza e as causas da riqueza das naes.

    Dos ideais do liberalismo tambm se originou o conceito de cidadania que, em suas origens, no sculo XVIII, referia-se apenas a direitos civis: liberdade e segurana individual, direito de ir e vir, liberdade de crena e opinio, seu lugar institucional eram os tribunais e sua vigncia dependia da aplicao progressivamente imparcial da lei.

    Saiba mais

    Leia mais sobre o assunto:

    BURKHARDT, A. A cultura do Renascimento na Itlia. So Paulo: Companhia das Letras, 1991.

    KOYR, A. Estudos de histria do pensamento cientfico. Rio de Janeiro-So Paulo: Forense/USP, 1979.

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    3 o SurgImeNto dA CINCIA e AS bASeS dA SoCIologIA

    As transformaes ocorridas nos valores e nas concepes influenciaram a filosofia da Ilustrao, trazendo como consequncia o surgimento no sculo XIX das chamadas cincias sociais.

    Os efeitos da nova tecnologia foram verificados na sistematizao do pensamento cientfico que se favoreceu dos inventos como o para-raios e as vacinas, assim como o desenvolvimento da mecnica para que se concretizassem os xitos.

    Essas ideias de progresso, racionalismo, cientificismo contriburam para uma mudana de mentalidade da poca.

    Nesse contexto, a vida parecia submeter-se aos ditames do homem esclarecido e o caminho estava preparado para o amplo progresso cientfico que aflorou no final do sculo XIX.

    Se esse pensamento racional e cientfico parecia vlido para explicar a natureza, intervir sobre ela e transform-la, ele poderia tambm explicar a sociedade vista como um elemento da natureza. E a sociedade, da mesma forma que a natureza, poderia ser conhecida e transformada (COSTA, 1997, p. 39).

    Ao se preocuparem com a descoberta das leis que regiam o prprio conhecimento, os filsofos da Ilustrao foram responsveis pelas intensas discusses em torno do mtodo cientfico. Alm disso, o conhecimento e a interveno sobre a natureza e a sociedade eram metas desses intelectuais.

    Etimologicamente, mtodo vem de meta, ao longo de, e hods, via, caminho. a ordem que se segue na investigao da verdade, no estudo feito por uma cincia, ou para alcanar um fim determinado (ARANHA; MARTINS, 2001, p. 154).

    Francis Bacon havia desenvolvido o mtodo indutivo desde o final do perodo renascentista, concebendo o conhecimento como a consequncia da experimentao contnua e o aprofundamento da manipulao emprica.

    A cincia se fundava, portanto, como um conjunto de ideias que diziam respeito natureza dos fatos e aos mtodos para compreend-los. Por isso, as primeiras questes que os socilogos do sculo XIX tentaro responder sero relativas definio dos fatos sociais e ao mtodo de investigao. Tanto o mtodo indutivo de Bacon como o dedutivo de Descartes sero traduzidos em procedimentos vlidos para as pesquisas sobre a natureza da sociedade (COSTA, 1997, p. 40).

    Assim, como destaca Costa (1997), no contexto do sculo XIX ocorre a sacralizao da cincia, isto , o momento em que a racionalidade das cincias naturais e de seu mtodo haviam obtido o

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    Introduo ao Pensamento socIolgIco

    reconhecimento necessrio para substituir a religio na explicao da origem do desenvolvimento e da finalidade do mundo.

    A cincia havia conquistado, naquele momento, a sua afirmao enquanto forma de conhecimento.(...), utilizando-se adequadamente os mto dos de investigao, a verdade se descortinaria diante dos cientistas os novos magos da civilizao -, quaisquer que fossem suas opinies pessoais, seus valores sobre o bem e o mal, o certo e o errado (idem, p. 41).

    Para a filsofa Marilena Chaui, existe uma diferena entre a atitude cientfica e as atitudes costumeiras, tambm chamadas de senso comum. Para a pesquisadora, somente a cincia desconfia da veracidade de nossas certezas, de nossa adeso imediata s coisas, da ausncia de crtica e falta de curiosidade. Por isso, ali onde vemos coisas, fatos e acontecimentos, a atitude cientfica v problemas e obstculos, aparncias que precisam ser explicadas e, em certos casos, afastadas (CHAUI, 1999).

    Nesse contexto em que o mtodo cientfico se afirma como poder, formou-se a primeira escola cientfica do pensamento sociolgico, o positivismo. Essa primeira corrente deu incio definio do objeto e estabeleceu conceitos e uma nova metodologia de investigao.

    Destacamos a seguir um artigo sobre a sacralizao da cincia:

    A sacralizao da cincia

    A cincia representa sempre a forma mais elevada da captao da realidade pela mente humana que cada poca se mostra capaz de produzir. Mesmo nas condies mais primitivas de cultura houve cincia, se aceitarmos que em tais situaes possvel distinguir um conhecimento vulgar, cotidiano, no dirigido interpretao, que pretendia ser racional da realidade, de outro, que se presume derivar da aplicao de mtodos investigatrios e interpretativos, ainda quando sejam aqueles a que, de nosso ponto de vista atual, atribumos o carter de mgicos. A historicidade da cincia consiste na historicidade dos mtodos de que se utiliza e na do exame e compreenso do prprio pensamento. Os mtodos foram se aperfeioando ao longo do tempo, at chegarem s modalidades de anlise atual da capacidade de reflexo subjetiva e s tcnicas instrumentais da pesquisa experimental e das descobertas das regularidades quantitativas entre os fenmenos, que permitiro o emprego, em escala cada vez mais ampla, dos raciocnios matemticos. A historicidade essencial do mtodo o conceito fundamental que nos deve guiar na compreenso da cincia e nos servir de regra para discernir em cada etapa civilizatria o que era a produto do saber emprico, popular, tradicional, no cientfico, resultados de crenas injustificadas ou opinies individuais, em contraposio ao que, para essa fase histrica, j possua o carter de cincia. Assim, nas civilizaes primitivas, a interpretao mgica da realidade, patrimnio de restrito crculo sacerdotal que a detinha, quase sempre em forma de saber esotrico, era a manifestao, ento a nica possvel, da cincia nas condies histricas vigentes. Tanto assim era que seus detentores mereciam socialmente o

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    reconhecimento dos sbios. Pouco importa que de nossa perspectiva atual apaream ignorantes do que para ns so agora as verdadeiras funcionalidades da natureza (VIEIRA PINTO, 1979).

    4 SurgImeNto dA SoCIologIA

    De acordo com as anlises do professor Orson Camargo, publicadas na revista Brasil Escola, a sociologia teve origem proporcionada pelas seguintes condies:

    As transformaes econmicas, polticas e culturais ocorridas no Ocidente a partir do sculo XVIII, como as Revolues Industrial e Francesa, evidenciaram mudanas significativas na vida em sociedade com relao a suas formas passadas, baseadas principalmente nas tradies.5

    Assim, no sculo XVIII surge a sociologia, influenciada pelas primeiras pesquisas sociais e pelas ideias gerais do Iluminismo, como forma de entender e explicar aquelas mudanas sociais. Por isso, ao refletirmos sobre a sociologia, temos que considerar que uma cincia datada historicamente e que sua origem est vinculada consolidao do capitalismo moderno.

    observao

    A sociologia marca uma mudana na maneira de se pensar a realidade social, diferenciando-se das preocupaes voltadas s explicaes transcendentais e assim, progressivamente, das demais cincias, como uma forma racional e sistemtica de compreenso da sociedade.

    Diferentemente das explicaes da filosofia, a sociologia utiliza em suas anlises o mtodo estatstico, alm da observao emprica e de uma neutralidade metodolgica. Entendida como cincia, obedece aos mesmos princpios gerais vlidos para todos os ramos de conhecimento cientfico, considerando suas peculiaridades no que se refere aos fenmenos sociais em comparao com os fenmenos da natureza e, consequentemente, abordagem cientfica da sociedade.

    Para a sociologia, o tipo de conhecimento produzido pode servir a diferentes tipos de interesses; desde construir uma forma de conhecimento comprometida com emancipao humana, at criar um tipo de conhecimento orientado no sentido da promoo do melhor entendimento dos homens acerca de si mesmos, com a finalidade de alcanar maiores patamares de liberdade poltica e de bem-estar social.

    A sociologia pode tambm ser considerada uma cincia da ordem, a partir do momento em que seus resultados sejam utilizados para melhorar os mecanismos de dominao por parte do Estado ou de grupos minoritrios.

    5 Disponvel em: . Acesso em: 02 fev. 2012.

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    4.1 Principais correntes sociolgicas

    Com o desenvolvimento do pensamento sociolgico, surgiram diferentes correntes, isto , maneiras diversas de conceber essa forma de conhecimento. Essas correntes so classificadas em cinco: organicismo positivista, teorias do conflito, formalismo, behaviorismo social e funcionalismo.

    Organicismo positivista

    Primeira e importante corrente surgida na sociologia, nascida da sntese que Comte fez do organicismo e do positivismo, duas tradies intelectuais contraditrias.

    O organicismo uma tendncia do pensamento originado na filosofia idealista que construiu sua viso do mundo sobre um modelo orgnico, enquanto o positivismo se fundamenta em uma interpretao do mundo baseada exclusivamente na experincia e adota como ponto de partida a cincia natural, que tenta aplicar seus mtodos no exame dos fenmenos sociais.

    Alguns estudiosos, fundadores da nova disciplina, adaptaram essa sntese ao ambiente social e intelectual em seus pases:

    Auguste Comte, na Frana;

    Herbert Spencer, no Reino Unido;

    Lester Frank Ward, nos Estados Unidos.

    Teoria do conflito

    A teoria do conflito permitiu sociologia uma nova dimenso da realidade e considerada a segunda grande construo do pensamento sociolgico, surgida ainda antes que o organicismo tivesse alcanado sua maturidade. Em seus pressupostos, o problema das origens e do equilbrio das sociedades perdeu importncia diante dos significados atribudos aos mecanismos de conflito e de defesa dos grupos e da funo de ambos na organizao de formas mais complexas de vida social. A noo de grupo social passou a ser concebida como um equilbrio de foras, deixando de ser destacadas as relaes harmnicas entre rgos no suscetveis de interferncia externa.

    A teoria do conflito j contribua com resultados de grande importncia em outras reas como, por exemplo, a histria e, em especial, a economia clssica, sob a influncia de Adam Smith e Robert Malthus, alm da biologia, cujos resultados originaram das ideias de Darwin sobre a origem das espcies.

    importante destacar, entre essas teorias, o socialismo marxista, que representava uma ideologia do conflito defendida em nome do proletariado, alm do darwinismo social, que representava uma ideologia elaborada para as classes superiores da sociedade que defendia uma poltica seletiva e eugnica. Ambas enriqueceram a sociologia com novas perspectivas tericas.

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    Dentre os tericos do darwinismo social destacam-se:

    o polons Ludwig Gumplowicz cujas explicaes sobre a evoluo sociocultural tinham como referncia os conflitos entre os grupos sociais;

    o austraco Gustav Ratzenhofer que defendia a utilizao da noo do choque de interesses para explicar a formao dos processos sociais;

    os americanos William Graham Sumner e Albion Woodbury Small que entendiam que a base dos processos sociais estava presente na relao entre a natureza, os indivduos e as instituies.

    Para os darwinistas sociais, as atividades de assistncia e bem-estar social no devem ocupar-se dos menos favorecidos socialmente porque estariam contribuindo para a destruio do potencial biolgico da raa, j que a pobreza seria apenas a manifestao de inferioridade biolgica.

    Esses tericos passaram a ser criticados pelas suas conotaes claramente racistas e sectrias.

    Formalismo

    A corrente terica denominada formalismo definiu a sociologia como o estudo das formas sociais, isto , para esses tericos, o papel da sociologia era estudar os acontecimentos e as relaes sociais. Para esse grupo, a sociedade s pode ser compreendida medida que se faam comparaes entre as relaes que caracterizam qualquer sociedade ou instituio, como, por exemplo, as relaes entre marido e mulher ou entre patro e empregado, e no entre sociedades globais, ou entre instituies de diferentes sociedades. Esse interesse pelo estudo por meio da comparao entre relaes permitiu sociologia alcanar um nvel mais amplo de generalizao, o que conferiu maior importncia ao indivduo, ao invs da nfase s sociedades globais. Essa caracterstica mais voltada para a importncia do indivduo favoreceu o surgimento da psicologia social.

    Destacam-se dois ramos principais nessa corrente:

    Formalismo neokantiano. Baseado na diviso kantiana do conhecimento dos fenmenos em duas classes o estudo das formas, consideradas a priori como certas, e dos contedos, que seriam apenas contingentes. Destacam-se grandes tericos como Georg Simmel, interessado em determinar as condies que tornam possvel o surgimento da sociedade, e Leopold von Wiese, que renovou a diviso kantiana entre forma e contedo quando a substituiu pela ideia de relao.

    Fenomenolgico. Contribuiu com uma perspectiva subjetivista. Nessa corrente, o estudo dos dados cognitivos tem grande importncia, isto , o estudo das essncias que podem ser diretamente intudas, a cuja anlise o filsofo alemo Edmund Husserl props um mtodo de reduo a fim de alcanar diversos nveis de profundidade.

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    Behaviorismo Social

    Corrente surgida entre 1890 e 1910, que se dividiu em trs grandes ramos:

    Behaviorismo pluralista representada pelo francs Gabriel Tarde, que se debruou sobre a anlise dos fenmenos de massas, atribuindo grande importncia ao conceito de imitao para explicar os processos e interaes sociais, entendidos como repetio mecnica de atos.

    Interacionismo simblico representado pelos americanos Charles Horton Cooley, George Herbert Mead e Charles Wright Mills, que buscaram desenvolver o estudo do eu e da personalidade, assim como as noes de atitude e significado para explicar os processos sociais.

    Teoria da ao destaca-se como principal representante o alemo Max Weber, que desenvolveu um mtodo original de construo de tipos sociais, instrumento de anlise para estudo de situaes e acontecimentos histricos concretos. Weber exerceu poderosa influncia sobre numerosos socilogos posteriores.

    Funcionalismo

    Essa corrente se caracterizou pela reformulao do conceito de sistema e teve como principais representantes os antroplogos culturais Bronislaw Malinowski e A. R. Radcliffe-Brown.

    Integrada por dois importantes ramos: o macrofuncionalismo, derivado do organicismo sociolgico e da antropologia, e o microfuncionalismo, inspirado nas teorias da escola psicolgica da Gestalt e no positivismo

    4.2 Auguste Comte e o positivismo

    O positivismo considerado a primeira corrente terica da sociologia, tendo Auguste Comte como principal fundador. Em 1839, Comte utilizou pela primeira vez a palavra sociologia em seu Curso de Filosofia Positiva, por isso passou a ser tambm denominado pai da sociologia.

    O positivismo nasceu do cientificismo, ou seja, em um contexto em que prevalecia a crena absoluta na capacidade da razo humana de conhecer a realidade na forma das leis naturais; era objetivo dessa corrente substituir as explicaes teolgicas, filosficas e de senso comum.

    Aps a Revoluo Industrial, a cincia e a tcnica tornaram-se aliadas, provocando intensas modificaes na sociedade como jamais havia ocorrido. A cincia passa a ser considerada o nico conhecimento possvel e o mtodo das cincias da natureza, o nico vlido.

    Nesse contexto, desenvolve-se no sculo XIX o pensamento positivista, que tambm foi chamado de organicismo e destacou-se por explicar a sociedade como um organismo constitudo de partes integradas e coesas que funcionam harmonicamente, segundo um modelo fsico, por isso denominado por Comte inicialmente como sociologia de fsica social.

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    4.2.1 O mtodo do positivismo

    Diferentemente do racionalismo e do idealismo, Auguste Comte desenvolve o mtodo geral do positivismo baseado na observao dos fenmenos, por meio da promoo do primado da experincia sensvel, nica capaz de produzir, a partir dos dados concretos (positivos), a verdadeira cincia (na concepo positivista), sem qualquer atributo teolgico ou metafsico, subordinando a imaginao observao, tomando como base apenas o mundo fsico ou material.

    Para a concepo positivista impossvel cincia investigar a causa dos fenmenos naturais e sociais, j que este considera que esse tipo de pesquisa intil e inacessvel. Para tanto, o positivismo defende a importncia da descoberta e do estudo das leis.

    Augusto Comte definiu em sua obra Apelo aos conservadores a palavra positivo como aquela que est relacionada a sete acepes: real, til, certo, preciso, relativo, orgnico e simptico.

    Para os positivistas, apenas o conhecimento cientfico verdadeiro, sendo desconsideradas todas as outras formas do conhecimento humano que no possam ser comprovadas cientificamente.

    Nessa concepo, o progresso da humanidade depende nica e exclusivamente dos avanos cientficos, nico meio capaz de transformar a sociedade e o planeta Terra no paraso esperado pelas geraes anteriores.

    Assim, o positivismo comtiano caracterizado pela defesa do que se denomina lei dos trs estados, segundo a qual o homem passou e passa por trs estgios em suas concepes, isto , na forma de conceber as suas ideias e a realidade. Esses estgios assim se definem:

    1. Estado teolgico: quando o ser humano explica a realidade usando como referncia as entidades supranaturais (os deuses) para responder s questes de onde viemos? e para onde vamos?; alm disso, busca-se o absoluto.

    2. Estado metafsico: estgio intermedirio entre a teologia e a positividade, quando no lugar dos deuses so utilizadas entidades abstratas para explicar a realidade: o ter, o povo, o mercado financeiro, etc. Os seres humanos continuam procura das respostas s questes de onde viemos? e para onde vamos? e procurando o absoluto.

    3. Estado positivo: estgio final e definitivo em que o homem no busca mais o porqu das coisas, mas sim o como, atravs da descoberta e do estudo das leis naturais. Nessa fase, a imaginao est subordinada observao e busca-se apenas pelo observvel e concreto.

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    Introduo ao Pensamento socIolgIco

    Saiba mais

    Em sua primeira lio do curso de filosofia positiva, Augusto Comte desenvolve sua anlise sobre a lei dos trs estados do conhecimento humano, descrita no link indicado abaixo:

    http://www.eumed.net/libros

    Na concepo de Comte, o estado positivo corresponde maturidade do esprito humano e o termo positivo designa o real em oposio ao quimrico, a certeza em oposio a indeciso, o preciso em oposio ao vago. o que se ope a formas tecnolgicas ou metafsicas de explicao do mundo.

    4.2.2 Auguste Comte: o pai da sociologia

    Figura 5

    Auguste Comte (1798-1857), nascido em Montpellier, Frana, tornou-se discpulo de Saint-Simon, de quem sofreu enorme influncia. Sua principal caracterstica foi a devoo aos estudos e filosofia positivista. Para ele, a sociologia deve ser vista como uma cincia da sociedade, denominando-a, inicialmente de fsica social.

    lembrete

    O objetivo da sociologia, portanto, definir o que a sociedade e no dizer o que ela deveria ser (Auguste Comte).

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    Segundo Comte, o papel da sociologia exercer uma espcie de magistratura espiritual, pois todas as cincias se voltam para ela, por representar o nvel mais alto de complexidade, de nobreza e de fragilidade.

    A sociologia , assim, a cincia do entendimento, pois, para se entender o esprito humano, ser necessrio observar sua atividade e sua obra na sociedade atravs dos tempos. Alm disso, passa a ser uma abordagem cientfica para compreender a vida social do homem, como tambm uma perspectiva que se preocupa com a natureza do ser humano, o significado e a base da ordem social e as causas e consequncias da desigualdade social.

    Com a teoria social, Auguste Comte pretendia separar definitivamente toda e qualquer influncia proveniente da filosofia, da economia ou da poltica, enfocando somente um aspecto para objeto de estudo, o social, que deve ser analisado sem tais influncias.

    4.2.3 A influncia do positivismo no Brasil

    Figura 6 - Pintura de Henrique Bernardelli representa a proclamao da Repblica pelo marechal Deodoro da Fonseca: Comte nos quartis.

    Comte tinha como proposta a evoluo ordeira da sociedade, sem precisar recorrer a revolues ou mudanas bruscas. No Brasil, os ideais positivistas serviram para que o regime monrquico fosse substitudo pela repblica.

    As ideias positivistas defendidas por Comte no sculo XIX no continente europeu influenciaram alguns pases, especificamente na Amrica Latina.

    No Brasil, durante o chamado Segundo Imprio, por volta de 1850, as ideias positivistas chegaram ao Brasil trazidas por brasileiros que foram completar seus estudos na Frana, alguns deles antigos alunos de Auguste Comte. As ideias positivistas foram bem-aceitas no Brasil e divulgadas por um grupo que tinha interesses em reformular a poltica nacional.

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    As doutrinas comtianas comearam a aparecer no Brasil a partir de 1850, principalmente na Escola Militar do Rio de Janeiro. Essas ideias foram se espalhando no meio estudantil, por intermdio dos professores do Colgio Pedro II, Escola da Marinha, Escola de Medicina e Escola Politcnica. Na escola Politcnica, por exemplo, as teorias positivistas eram marcadamente cientificistas e aplicadas pelos brasileiros aos campos da fsica, matemtica e biologia, sem a tendncia apostlica.

    Entretanto, o marco inaugural da difuso do positivismo foi a obra de Lus Pereira Barreto, denominada As trs filosofias, tendo seu primeiro volume publicado em 1874 e o terceiro nunca tendo sido publicado.

    Em 1876 foi fundada a Sociedade Positivista Brasileira, que mais tarde viria a se transformar na Igreja Positivista do Brasil.

    Tais ideias positivistas so divididas em dois grupos que se denominavam ortodoxos (liderados pelos senhores Miguel Lemos e Teixeira Mendes, podendo-se aqui incluir oficiais do Exrcito e da Marinha, professores do Colgio Pedro II e das escolas de matemtica do Rio de Janeiro) e dissidentes nos quais se incluem Lus Pereira Barreto, Tobias Barreto e Slvio Romero, bem como os polticos que adotaram a linha positivista no regime monrquico e buscaram na concepo de Comte elementos fundamentadores da Repblica.

    Com o desenvolvimento de atividades, surgiu entre alguns brasileiros um ideal de repblica similar ditadura sociocrtica positivista, uma filosofia poltica que parte do pressuposto de que a sociedade caminha necessariamente para uma estruturao racional ou cientfica.

    Tendo como inspirao a filosofia de Auguste Comte e a sua Teoria dos Trs Estados ou Estgios de Civilizao (o teolgico, o metafsico e o cientfico ou positivo), os republicanos defendiam uma repblica provisria com meio para alcanarmos a ordem e o progresso.

    Esse processo teve seu chamado apogeu do positivismo no perodo imediato aps 15 de Novembro. Destacam-se em suas aes as seguintes medidas republicanas sob a influncia do positivismo:

    a frase expressa na bandeira republicana: Ordem e Progresso;

    a separao da Igreja e do Estado;

    as leis de decreto dos feriados;

    a instituio do casamento civil.

    Durante a formao da Assembleia Constituinte, reunida em 1890, os positivistas alcanaram algumas reformas, como:

    a possibilidade da liberdade religiosa e profissional;

    proibio do anonimato na imprensa;

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    abolio de medidas anticlericais;

    a reforma educacional de Benjamin Constant, considerado um elemento precioso para a divulgao e expanso das ideias positivistas.

    4.3 o darwinismo social e o contexto histrico do positivismo

    O pensamento positivista se desenvolveu no sculo XIX em um contexto influenciado por um novo pensamento cientfico: o darwinismo social. Sobre esse perodo, Cristina Costa (1997) faz as seguintes consideraes:

    A expanso da Revoluo Industrial pela Europa, obtida pelas revolues burguesas que atingiram todos os pases europeus at 1870, trouxe consigo a destruio da velha ordem feudal e a consolidao da nova sociedade - a capitalista -, estruturada sobre a indstria. J no final do sculo, a livre concorrncia, que era a regra geral de funcionamento da sociedade capitalista europeia, passa por profundas transformaes com a crescente substituio da concorrncia entre inmeros produtores de cada ramo industrial por uma concorrncia limitada a um pequeno nmero de produtores de cada ramo. Surgia a poca dos monoplios e dos oligoplios, que, associados ao capital dos grandes bancos, do origem ao capital financeiro. Esta reestruturao do capitalismo estava associada s sucessivas crises de superproduo na Europa, que traziam consigo a morte de milhares de pequenas indstrias e negcios, para dar espao apenas s maiores e mais estruturadas indstrias. Estas, por sua vez, tiveram de se unir ao capital bancrio para sustentar e financiar a sua prpria expanso. Crescer para fora dos limites da Europa era, portanto, a nica sada para garantir a continuidade dessas indstrias (COSTA, 1997, p. 47).

    O capital financeiro necessitava, ento, de novos mercados para seu crescimento, j que havia o risco de uma superproduo nas indstrias europeias. Restava, assim, a conquista de imprios alm-mar e os alvos eram a frica e a sia, continentes que ofereciam possibilidade de obter matria-prima bruta a baixssimo custo, bem como mo de obra barata.

    Nessas regies, a vida em grupo se diferenciava muito daquela vivida na Europa, prevalecendo em regies como da frica, por exemplo, o politesmo, a poligamia, as castas sociais e uma economia agrria de subsistncia. Nesse caso, os europeus interferiam nas organizaes para impor seu modelo de vida, de acordo com suas concepes capitalistas.

    Transformar esse mundo conquistado em colnias que se submetessem aos valores capitalistas requeria uma empresa de grande envergadura, pois dessa transformao dependiam a expanso e a sobrevivncia do capitalismo industrial. Assim a conquista, a dominao e a transformao da frica e da sia pela Europa precisavam apresentar uma justificativa que

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    Introduo ao Pensamento socIolgIco

    ultrapassasse os interesses econmicos imediatos. I