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Iob Desportivo

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Veículo: Revista Síntese Direito Desportivo (IOB)Páginas 106-115Data: fevereiro 2012Autor: Marcelo C. Mascaro Nascimento e Jean Nicolau

Remuneração do atleta e direito à imagem: tratamento legal insuficiente

RESUMO: Ao confrontar o tratamento legal acordado à remuneração por exploração da imagem do atleta no Brasil e no estrangeiro, este trabalho propõe-se a sugerir soluções para regulamentar o artigo 87-A da Lei 12.395/2011, a fim de conferir maior segurança jurídica aos envolvidos na prática desportiva de cunho profissional.

PALAVRAS-CHAVE: Remuneração do atleta; direito à imagem; licença de uso da imagem; artigo 87-A da Lei Pelé.

ABSTRACT: By weighting the legal treatment agreed to the income generated by the athlete’s image exploitation in Brazil and abroad, this study intends to suggest a new regulation for the Article 87 of Law 12.395/2011 believing that, if implemented, this reform could increase the legal certainty of those involved in professional sport.

KEYWORDS: Athletes’ incomes; image rights; image license agreement; article 87-A of Brazilian Lei Pelé.

SUMÁRIO:IntroduçãoI. Contrato de licença de uso da imagem do esportista A. Fundamento jurídico e características B. Adequação ao esporteII. Tratamento legal no estrangeiro A. França B. EspanhaIII. Tratamento legal no Brasil A. Modelo atual B. Crítica ao modelo atual I. INTRODUÇÃO

Desde os anos 1990, o futebol profissional conheceu substancial elevação da remuneração de seus principais atletas. Uma decisão da Corte de Justiça das Comunidades Européias1, ratificada por acordo entre a FIFA (federação internacional de futebol) e uma instituição da União Européia2, suprimiu as restrições à livre circulação de futebolistas impostas pelo extinto passe3. Jogadores de ponta e seus respectivos agentes adquiriram, então, maior poder de barganha perante os clubes na negociação dos contratos esportivos. Com o fim do passe, a desigualdade econômica entre os clubes adquiriu nova dimensão4. O mesmo ocorreu com relação aos atletas – inclusive integrantes da mesma equipe: os então homogêneos contratos de traba-lho, antes fonte quase exclusiva de rendimentos dos esportistas, passaram a dividir espaço com os chamados contratos de imagem, geralmente resultado de complexas negociações individuais. Doutrina e jurisprudência têm questionado a validade de determinados contratos de licença de uso de imagem; críticas são endereçadas a negócios que, segundo seus detratores, pretendem mascarar a natureza salarial das cifras pactuadas, com o fito de minimizar os encargos sociais e trabalhistas incidentes à espécie. Contestada ou não, a remuneração por utilização da imagem é uma realidade no esporte coletivo de alto rendimento praticado internacionalmente. O fenômeno merece, portanto, tratamento legal compatível com sua importância em um cenário de franca expansão da economia do esporte.

1 Acórdão referente ao Caso Bosman: Corte de Justiça das Comunidades Européias, 15 de dezembro de 1995, C-415/93.2 Acordo entre FIFA e Comissão Européia de 5 de março de 2001 que, após negociação com todas partes interessadas, buscou respostas para a seguinte questão: como garantir a livre circulação dos atletas sem afetar a estabilidade das equipes e o equilíbrio competitivo? 3 Instituto que compelia o atleta à renovação do contrato de trabalho desportivo, então disciplinado no Brasil pela revogada Lei nº 6.354/1976.4 BOURG, Jean-François e GOUGUET, Jean-Jacques. Économie du sport. Paris: La Découverte, 2005, p. 36.

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II. CONTRATO DE LICENÇA DE USO DA IMAGEM DO ESPORTISTA

A. FUNDAMENTO JURÍDICO E CARACTERÍSTICAS

A remuneração da pessoa humana pela exploração de sua imagem é garantida pelo Código Civil (ar-tigos 11 e 12) e pela Constituição Federal (artigo 5º, incisos V, X e, sobretudo, XXVIII, a5).O contrato de licença de uso de imagem do esportista tem natureza civil e, portanto, não gera incidência de FGTS, férias e 13º salário. O montante de encargos sociais e fiscais incidente é de aproximadamente 17,5% dos valores envolvidos, contra 51% no caso do contrato de trabalho desportivo6.Diferentemente do contrato de trabalho do atleta profissional, o contrato de licença de imagem não é regis-trado na entidade de administração do desporto (federação) e os valores por ele estipulados são desconside-rados na quantificação da cláusula penal desportiva. Além do esporte, a prática é comumente empregada em outras situações. São notórias os casos em que envolvidos em produções artísticas são remunerados exclusivamente via pactos de natureza civil. Os contratos de licença de uso de imagem de esportistas e artistas costumam envolver três partes: pessoa física (titular do direito personalíssimo), pessoa jurídica controlada pelo titular do direito e, por último, pessoa jurídica que paga pela utilização da imagem. No caso esportivo, é o clube. Forte pressão dos interessados sobre o Congresso Nacional culminou com a promulgação da lei que institui a empresa individual. Ela facilitará a vida de artistas, personalidades e atletas: considerando que a o imagem da pessoa humana pode ser convertida em ativo de pessoa jurídica, a mesma pode figurar como parte de contrato de licença de imagem. Sobre a pessoa jurídica incidem encargos sociais e trabalhistas inferiores aos suportados por uma pessoa física. Com a EIRELI (empresa individual de responsabilidade limitada), atletas e artistas poderão de-ter a integralidade das cotas sociais e não mais necessitarão montar sociedades de fachada, com a inclusão de um sócio minoritário.

B. ADEQUAÇÃO AO ESPORTE

A imagem do esportista de alto rendimento é um vetor financeiro particularmente importante. Ela transcende a figura humana e se define pela qualidade de atleta do indivíduo, por sua pertença a uma enti-dade esportiva e por sua performance7. Em outros termos, a imagem do atleta compõe-se não apenas por seus traços físicos, mas também por sua qualidade como competidor e pelos sinais distintivos que denotam pertença a uma agremiação. O monopólio da exploração de sua imagem pelo esportista é semelhante àquele do artista sobre sua obra intelectual. O personagem criado no desempenho da atividade física é a obra do atleta passível de pro-teção legal. Os direitos de exploração dessa obra podem ser licenciados por seu titular. O caráter midiático do esporte contemporâneo, potencializado pelos avanços tecnológicos experi-mentados nas últimas décadas, e o interesse negocial dos envolvidos, contribuíram com a propagação dos contratos de imagem, como são popularmente conhecidos os contratos de licença de uso de imagem.Para minimizar o efeito dos encargos sobre seus ganhos, os atletas tiveram a ideia de transformar parte dos mesmos em renda de capital, por meio de empresas que exploram seus traços distintivos. Neste contexto, é comum que os clubes de futebol celebrem com seus atletas, além do contrato de trabalho desportivo, um contrato de licença de uso de imagem8. Logicamente, este acerto diz respeito à utilização da figura do esportista fora da jornada de trabalho ou de atividades inerentes à profissão. A carreira de atleta, tal qual a de ator, jornalista ou apresentador de programa possui característica especial. Nestas hipóteses, pressupõe-se a difusão da imagem dos envolvidos na atividade laboral9. A imagem do atleta pode, portanto, ser explorada economicamente pelo clube contratante, com o ob-jetivo de auferir ganho financeiro. É inclusive comum que o contrato em questão estabeleça um rateio entre as partes da receita proveniente das ações relacionadas à imagem do esportista. Em outros termos, clube e atleta costumam dividir os ganhos advindos de ações de marketing encabeçadas por este último.

5 Art. 5º, inciso XXVII, alínea a: “(...) são assegurados, nos termos da lei: a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas” (grifamos).6 MELO FILHO, Álvaro. Direito Desportivo: Aspectos Teóricos e Práticos. São Paulo: IOB Thomson, 2006, p. 135.7 “Droit à l’image des sportifs”, artigo disponível em http://fr.jurispedia.org/index.php/Droit_à_l’image_des_sportifs_(fr) (visualizado em 16/01/2012).8 EZABELLA, Felipe. O Direito Desportivo e a Imagem do Atleta. São Paulo: IOB Thomson, 2006, p. 114.9 Apud SAAVEDRA, Luciano Cordero. EZABELLA, Felipe. Ob. Cit., p.114.

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III. REMUNERAÇÃO PELA UTILIZAÇÃO DA IMAGEM NO ESPORTE PROFISSIONAL ESTRANGEIRO

Como no Brasil, parte dos recebíveis dos esportistas filiados às principais federações estrangeiras são habitualmente provenientes da exploração da imagem. A prática é corriqueira. Mas ao se tornar, por assim dizer, abusiva, pode ensejar situações constrangedoras para os envolvidos. Um exemplo de requalificação do contrato de licença de imagem vem de Portugal. Juntamente com sete dirigentes do Nacional da Ilha da Madeira, o então presidente Rui Alves tratou de montar esquema in-ternacional a fim de minimizar os encargos incidentes sobre a remuneração de alguns atletas. Em 2002, as partes passaram a firmar contratos de licença de uso da imagem. No ano seguinte, a prática estendeu-se a todos os jogadores e treinadores recrutados pelo clube. A forma de contratação deu origem a um circuito financeiro que começava no Nacional e terminava nas contas dos funcionários: os diri-gentes daquela agremiação criaram uma sociedade offshore sediada nas Ilhas Virgens Britânicas (Lenby). A empresa adquiria junto ao clube licença para exploração da imagem dos atletas e, em seguida, renegociava tais direitos com a S&T – Services & Trading Limited. Depois, a mesma revendia a licença ao Nacional. Dessa forma, o clube passou a pagar os valores inscritos nos contratos de imagem à S&T. Por intermédio da Lenby, os mesmos eram transferidos às contas dos atletas. Controlada pelos dirigentes do Nacional, a Lenby costumava efetuar depósitos em favor dos funcio-nários do clube. O esquema foi descoberto pelas autoridades portuguesas; aos dirigentes envolvidos, foi imputada a prática dos crimes de lavagem de dinheiro, fraude fiscal qualificada e fraude contra a segurança social. O montante total da fraude perfaria a monta de 3,7 milhões de euros10. A fim de minimizar a montagem de esquemas semelhantes, alguns países optaram, direta (França) ou indiretamente (Espanha) por disciplinar a matéria em questão. Seja por lei geral, especial, regulamento administrativo ou convenção coletiva, em cada contexto são impostas limitações aos contratos de licença de uso de imagem para inibir a conclusão de negócios jurídicos fraudulentos.

A. FRANÇA Não é de hoje que os encargos sociais franceses impõem obstáculos à manutenção de atletas consagra-dos nos clubes profissionais daquele país. Em meados dos anos 1990, a abertura do mercado europeu estimu-lou o êxodo de talentos e acentuou a desigualdade existente entre a liga francesa e os demais championnats majeurs11 do continente europeu: importante escola formadora, a França assistiu à debandada de mais de 250 futebolistas, dos quais uma trintena de selecionáveis, nos anos subseqüentes ao Caso Bosman e à con-quista da Copa do Mundo de 199812. Em 2003, um relatório redigido a pedido do ministro dos esportes sobre aspectos do esporte profis-sional daquele país observou que a exploração da imagem dos atletas, sobretudo de futebol, era freqüente-mente realizada pelos clubes. A operação era concretizada via pagamento de honorários a sociedades tercei-ras, de tal forma que os salários fossem artificialmente minimizados para evitar o recolhimento de encargos sociais e para impedir que tais honorários fossem simultaneamente dissimulados às autoridades13. O relatório concluiu pela necessidade de uma reforma da remuneração dos esportistas profissionais, recomendando que ela se inspirasse no regime dirigido aos artistas e intérpretes. Quando estes últimos são titulares de um contrato de trabalho na França, beneficiam de uma distinção entre o salário, sujeito à incidência de encargos sociais (cotisations), e os valores recebidos em razão da “venda ou da exploração da gravação de sua interpretação”14, sobre os quais não incidem os referidos encargos. Considerando que os tribunais franceses requalificavam freqüentemente como salário a remuneração pactuada em contrato de licença de imagem firmado entre atleta e clube, era necessário encontrar outra solução para minimizar o êxodo dos atletas profissionais daquele país. Uma proposta parlamentar foi introduzida visando a definir “um regime específico para a remune-ração do direito à imagem coletiva dos esportistas profissionais”15, em vista da importante progressão da comercialização dos direitos televisivos e da venda de produtos derivados, uma parte da remuneração dos esportistas profissionais deveria retribuir sua contribuição pessoal à imagem da equipe. Diferentemente do que pode aparentar, o direito à imagem coletiva dos esportistas profissionais16 ins-tituído na França guarda parca semelhança com o direito de arena previsto na legislação nacional. Enquanto

10 Notícia do portal Sol, de 01º/08/2012: http://sol.sapo.pt/inicio/Sociedade/Interior.aspx?content_id=25385 (visualização em 18/01/2012). 11 Campeonatos inglês, espanhol, italiano e alemão.12 BOURG, Jean-François e GOUGUET, Jean-Jacques. Économie du sport. La Découverte, Paris, 2005. p. 36.13 “La rémunération du droit à l’image collective des sportifs professionnels”. Artigo disponível em http://www.ccomptes.fr/fr/CC/documents/RPA/20--droit-a-image-collective-sportifs-pros.pdf (visualisado em 25.01.2012).14 “de la vente ou de l’exploitation de l’enregistrement de leur interprétation”.15 Exposição de motivos da lei nº 1366 de 2004.16 Droit à l’image collective des sportifs professionnels.

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este último é de titularidade das entidades de prática esportiva, aquele pertence aos atletas. Na prática e à primeira vista, ambos institutos podem ser confundidos pois (i) parte do direito de arena é repassada aos esportistas que participam do espetáculo transmitido ou televisado e, como foi exposto, (ii) uma das razões da criação do direito à imagem coletiva é o enriquecimento dos clubes devido à majoração dos direitos tele-visivos. O fato é que, por ora, mais do que se debruçar sobre a natureza jurídica das figuras em questão, cumpre analisar a atual forma a remuneração do atleta profissional na França, a fim discutir a aplicabilidade da mesma à realidade brasileira. A partir da promulgação da lei nº 1366 de 2004, foi autorizada legalmente e a remuneração do atleta profissional por meio de dois contratos distintos: contrato de trabalho e contrato de licença de uso da ima-gem coletiva. O objetivo era tornar o mercado francês mais competitivo e atraente aos atletas profissionais nacionais e estrangeiros. Este incentivo vigoraria até meados de 2012. Mais do que a própria legalização do direito à imagem coletiva, o que chama atenção na norma fran-cesa é a limitação imposta à parcela da remuneração de natureza não salarial. A referida lei nº 1366 tratou de estabelecer restrição ao montante de natureza civil pago ao atleta: a fração que beneficia de uma exoneração dos encargos sociais não pode ser superior a 30% da remuneração bruta percebida pelo esportista. Com efeito, a verba salarial teria de representar ao menos 70% dos ganhos obtidos pelo mesmo perante a agremiação esportiva. O limitador legal evitaria eventuais discussões acerca da validade de contratos civis que poderiam supervalorizar a remuneração pela exploração da imagem coletiva do atleta. Apesar dos protestos por parte dos clubes profissionais franceses, uma decisão do Conselho Consti-tucional daquele país suprimiu antes do previsto17 o direito à imagem coletiva, o qual afrontaria os princípios de igualdade e de segurança jurídica18, por criar benefícios para um nicho específico da sociedade (atletas profissionais).

B. ESPANHA Na Espanha os atletas profissionais costumam ser parcialmente remunerados por intermédio de con-tratos de licença de uso da imagem. Com a criação de sociedades interpostas para exploração comercial de seus direitos de imagem, os atletas daquele país minimizavam a carga tributária incidente sobre os ganhos com a operação. Além de imputar à sociedade os gastos dedutíveis, esta montagem jurídica permitia aos beneficiados recolher a título de Impuesto de Sociedades 36% do ingressos. Caso os valores fossem recebidos como salário, até 56% dos mesmos seriam devidos ao fisco espanhol em razão do imposto de renda da pessoa física. A situação foi alterada a partir de julho de 1997, com a entrada em vigor da Ley de Acompañamiento. A norma determinou que fossem considerados rendimentos de capital mobiliário os procedentes das socieda-des detentoras dos direitos de imagem dos esportistas profissionais, sempre que tais rendimentos superem a proporção de 15% do total de ingressos dos atletas. Em outros termos, aquela norma estabeleceu que se mais de 15% do total de ingressos dos jogado-res são derivados da licença de seus direitos de imagem, os mesmos devem ser tributados como se fossem verba salarial. Atualmente, a limitação aos recebíveis não tributáveis como salário está disposta no artigo 92 da Lei 35/2006, que trata do imposta de renda das pessoas físicas e jurídicas, bem como da tributação de não residentes19.

IV. TRATAMENTO LEGAL NO BRASIL

Antes da promulgação da nova Lei Pelé (12.395/2011), os chamados contratos de imagem, não eram sequer mencionados na legislação desportiva brasileira.

17 O dispositivo, que vigoraria até 2012, deixaria de produzir efeitos em 30 de junho de 2010. Alegava-se que, com a crise econômica, o Estado francês não poderia renunciar o custo crescente deste sistema (26 milhões de euros em 2007 e 32 milhões de euros em 2008).18 Conseil constitutionnel, 22 de dezembro de 2009, decisão nº 2009-596 DC.19 Art. 92.2 La imputación (…) no procederá cuando los rendimientos del trabajo obtenidos en el período impositivo por la persona física a que se refiere el párrafo primero del apartado anterior en virtud de la relación laboral no sean inferiores al 85 % de la suma de los citados rendimientos más la total contraprestación a cargo de la persona o entidad a que se refiere el párrafo c del apartado anterior por los actos allí señalados.

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A. MODELO ATUAL

O artigo 87-A da nova Lei Pelé determina que:

“O direito ao uso da imagem do atleta pode ser por ele cedido ou explorado, mediante ajuste contratual de natureza civil e com fixação de direitos, deveres e condições inconfundíveis com o contrato especial de trabalho desportivo”.

Mais do que confirmar a possibilidade de exploração econômica da imagem do atleta, este artigo visa a atribuir natureza civil ao contrato de licenciamento em questão, desde que as obrigações estabelecidas por este instrumento sejam distintas das previstas no contrato de trabalho do atleta. Com o fito de agradar aos clubes, ávidos por reduções de encargos trabalhistas e sociais, o dispositivo pode atribuir maior segurança jurídica às partes envolvidas nos contratos de imagem. Assim, a legislação específica, que trata inclusive de questões trabalhistas relacionadas ao desporto profissional, chancelou a for-ma de remuneração pelo uso da imagem do atleta, desde que os contratos de imagem e de trabalho tratem obrigações distintas. Esta foi a única condição de validade fixada pelo legislador. É fundamental, portanto, que as obriga-ções contidas em ambos as contratações sejam efetivamente distintas: o contrato de licença de uso da ima-gem deve impor ao atleta obrigações não relacionadas ao objeto da relação de trabalho, tais quais: inclusão de nome ou apelido em camisas e demais produtos comercializados pelo clube ou por terceiros licenciados, participação em eventos promocionais designados pelo clube, gravação de comerciais para televisão ou in-ternet, aparição em revistas, cromos autocolantes ou material publicitário, utilização de roupas com sinais distintivos do clube em programas televisivos, entre outros. Portanto, se caracterizada confusão entre as obrigações contidas nos contratos de trabalho e de ima-gem, o Judiciário não deve reconhecer a validade deste último, assim como no passado20.

B. CRÍTICA AO MODELO ATUAL

O artigo 87-A da Lei Pelé não pormenorizou o tema. A nova redação limitou-se a dizer que o contrato de licenciamento de imagem do atleta possui natureza civil, desde que fixe “direitos, deveres e condições inconfundíveis com o contrato especial de trabalho desportivo”. Os patronos dos esportistas não deverão inibir-se com o novo comando legal e, com base no princípio da primazia da realidade, a natureza jurídica daqueles contratos ainda será contestada perante os tribunais laborais. Este fato seria minimizado caso o direito à imagem do atleta tivesse tratamento legal mais cuidado-so: o artigo 87-A é lacônico quanto à limitação da remuneração de natureza não salarial. Até que patamar poderiam os esportistas profissionais ser remunerados via contrato de licença de uso de imagem? A introdução de um complemento ao comando legal, no sentido de introduzir balizas aos ganhos de proveniente de pacto civil, poderia mitigar o problema. Estima-se que mais de 60% dos ganhos dos atletas brasileiros renomados decorre da exploração de sua imagem21. Ainda assim, por se tratar de negócio formalmente válido e respaldado por lei específica (Lei Pelé), é juridicamente contestável a afirmação de que tais pactos são a priori fraudulentos.Uma limitação igualmente estabelecida por lei específica poderia, disciplinar a matéria de maneira definitiva e, destarte, desencorajar novos recursos ao Judiciário relativos ao tema. Os limites impostos por França e Espanha (30 e 15%, respectivamente) à de natureza não salarial per-cebida pelos atletas parecem fornecer ao legislador brasileiro parâmetros razoáveis para enfrentar a questão.

V. CONCLUSÃO

A redação do artigo 87-A da nova Lei Pelé não deve pacificar uma temática que ocupa juízes e desembarga-dores desde o início dos anos 2000: ao cotejar, por um lado, liberdade contratual e, por outro lado, primazia

20 “ATLETA PROFISSIONAL. JOGADOR DE FUTEBOL. DIREITO DE IMAGEM. NATUREZA JURÍDICA DA PARCELA. É manifestamente salarial a nature-za jurídica da parcela denominada “direito de imagem” paga ao Atleta pelo Clube que detém o seu atestado liberatório, uma vez que, assim como o salário “strictu sensu” tem como único fato gerador a contraprestação pela atividade laborativa do trabalhador”. (TRIBUNAL: 2ª Região ACÓRDÃO NUM: 20040338830 DECISÃO: 29 06 2004 TIPO: RO01 NUM: 00321 ANO: 2003 NÚMERO ÚNICO PROC: RO01 - 00321-2002-012-02-00 RECURSO ORDINÁRIO TURMA: 4ª ÓRGÃO JULGADOR - QUARTA TURMA)21 Portal Fútbol con champagne: http://www.futbolchampagne.com/los-derechos-de-imagen-de-los-jugadores (visualizado em 26.01.2012)

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da realidade em direito trabalhista, até que ponto a validade do contrato de imagem deve ser reconhecida?Em todo caso, considerando que a redação atual não estabelece limites, nenhum contrato de licenciamento de uso de imagem de atleta deve, prima facie, ser considerado fraudulento. Para tanto, a parte interessada terá o ônus de provar em juízo a existência de deveres e condições confundíveis com os fixados no contrato especial de trabalho. A fim de evitar que o Judiciário continue a ser usualmente provocado para tratar do tema, e na ausên-cia de medida efetiva proveniente do Congresso Nacional, a Confederação Brasileira de Futebol, na qualidade de organizadora das competições de futebol profissionais, e os sindicatos representativos de atletas e clubes devem tratar de regulamentar o comando legal referido. É a melhor forma de conferir segurança jurídica aos envolvidos na prática do futebol profissional quanto à real natureza dos rendimentos dos atletas. Enquanto nenhuma medida é tomada neste sentido, é válida menção ao artigo 8º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Na falta de regulamentação do artigo 87-A da Lei Pelé, o juiz trabalhista estaria autorizado a levar em conta o direito comparado para motivar sua decisão. Em vista da ausência de parâmetros na lei brasileira, teriam vocação a ser aplicados pelo Judiciário, no caso concreto, os limites estabelecidos em normas estrangeiras. Sobretudo quando está em questão a prática desportiva formal que, por seu caráter universal, é regulada por normas internacionais e regida inter-namente por leis nacionais comumente harmonizadas22.

BIBLIOGRAFIA:

Obras:AMSON, Charles. Droit du sport. Paris: Vuibert, 2010 BOURG, Jean-François e GOUGUET, Jean-Jacques. Économie du sport. Paris: La Découverte, 2005EZABELLA, Felipe. O Direito Desportivo e a Imagem do Atleta. São Paulo: IOB Thomson, 2006MELO FILHO, Álvaro. Direito Desportivo: Aspectos Teóricos e Práticos. São Paulo: IOB Thomson, 2006

Sites de internet:Fútbol con champagne: www.futbolchampagne.comJurispedia: http://fr.jurispedia.orgPortal Sol: http://sol.sapo.pt

22 A característica universal da prática esportiva formal promove uma harmonização entre dispositivos das leis internas de relacionadas ao desporte de múltiplos países. Ademais, não são poucas as normas impostas pelas federações internacionais às nacionais. Daí a redação do artigo 1º,§ 1º, da Lei Pelé: A prática desportiva formal é regulada por normas nacionais e internacionais e pelas regras de prática desportiva de cada modalidade, aceitas pelas respectivas entidades nacionais de administração do desporto.