Joao Gilberto - Zuza Homem de Mello

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CONSELHO EDITORIAL FOLHA

CAPA

FOLHA EXPLICA

JOO GILBERTO

ZUZA HOMEM DE MELLO

PUBLIFOLHA

CONTRACAPA

Joo Gilberto nasceu no Brasil, em 1931. E um certo Brasil nasceu com ele: o Brasil mais certo que j se teve.

Com seu jeito diferente de sincopar e harmonizar o samba, e seu jeito, entre aspas, desafinado de cantar, Joo Gilberto inventou uma nova cultura musical, da qual at hoje o maior representante. H mais de 40 anos, vem exercendo enorme influncia no s sobre a msica popular brasileira, mas tambm do mundo inteiro.

Para todos ns, Joo Gilberto encarna um ideal do que pode ser a msica. Como disse Miles Davis, at lendo um jornal ele soa bonito!.

Zuza Homem de Mello escreve sobre msica desde 1956. Foi crtico da Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo, entre outros. Autor de A Cano no Tempo 85 Anos de Msicas Brasileiras, programador do Free Jazz Festival.

CONSELHO EDITORIAL Alcino Leite Neto Ana Luisa Astiz Antonio Manuel Teixeiro Mendes Arthur Nestrovski Carlos Heitor Cony Gilson Schwartz Marcelo Coelho Marcelo Leite Otavio Frias Filho Paula Cesarino Costa FOLHA EXPLICA

JOO GILBERTO ZUZA HOMEM DE MELLO

PUBLIFOLHA

2001 Publifolha Diviso de Publicaes da Empresa Folha da Manh S.A. 2001 Zuza Homem de Mello Todos os direitos reservados Nenhuma parte desta publicao pode ser reproduzido, arquivado ou transmitida de nenhuma forma ou por nenhum meio sem permisso expressa e por escrito do Publifolha Diviso de Publicaes da Empresa Folha da Manh S.A. Editor Arthur Nestrovski Assistncia editorial Paulo Nascimento Verono Capo e projeto grfico Silvia Ribeiro Coordenao de produo grfica Marcio Soares Assistncia de produo grfica Soraia Pauli Scarpa Reviso Mrio Vilela Levantamento iconogrfico Zuza Homem de Mello e Marcelo Ferlin Assami Fotos Acervo particular de Zuza Homem de Mello: Chico Pereira (p. 6). p. 27, Zuza Homem de Mello (p. 48 e 91); Folho Imagem p. 12, Lewy Moraes/Fl (p. 40), Rogrio Albuquerque/Fl (p. 75), Cris Bierrenbach/Fl (p. 76), Juvenal Pereira/Fl (p. 95), Carol Quintanilha/Fl (p. 128) Ao capas dos discos de Joo Gilberto (p. 98 a 115) foram reproduzidas pela Folha Imagem a partir dos originais do acervo do autor. Editorao eletrnica Picture studio & fotolito Dados internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) (Cmara Brasileira do Livro, SP Brasil) Mello, Zuza Homem de Joo Gilberto / Zuza Homem de Mello. So Paulo : Publifolha, 2001. - (Folha explica) BibliografiaISBN 85-7402-289-6 1 Gilberto, Joo, 1931 I. Titulo II. Srie 01-2136 CDD 927.80981 ndices para catlogo sistemtico1. Msicos brasileiros : Vida e obra 927.80981

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Os leitores interessados em fazer sugestes podem escrever para Publifolha no endereo acima, enviar um fax para (11) 3351-6330 ou um e-mail para [email protected]

SUMRIO INTRODUO 9 1.AMBIENTE 13 2. RITMO 21 3. BAHIA - RIO 29 4. HARMONIA 35 5.CANTO 41 6. RIO-NOVAYORK 49 7. SOM 55 8. A OBRA 61 EPLOGO 77 APNDICE: PONTOS DE VISTA 81

CRONOLOGIA 87

DISCOGRAFIA 97

BIBLIOGRAFIA E SITES 117

Foto: Joo Gilberto durante a sesso de fotos para seu primeiro disco, Chega de Saudade (1959)

Dificilmente algum se atreveria a escrever sobre Joo Gilberto sem admir-lo intensamente, sem se ter extasiado em seus recitais ou com seus discos. Tive a felicidade de conhec-lo depois de afeioar-me profundamente sua msica; fui at honrado em apresent-lo num espetculo no Teatro Mumcipal de So Paulo. Acompanho Joo muito antes de ter estudado msica, antes da TV Record, onde ele cantou certa vez no programa O Fino da Bossa, antes da Rdio Jovem Pan, onde toquei seus discos tantas vezes, antes das crticas escritas para O Estado de S. Paulo. da poca em que ia loja Breno Rossi da rua Baro de Itapetininga comprar discos com um vendedor que entendia do riscado, o Zezinho. Lembro-me nitidamente de quando fiquei estatelado ao ouvi-lo pela primeira vez, no rdio da perua Dodge 51 verde, prximo ao Monumento das Bandeiras, no Ibirapuera. Tive de encostar o carro na guia para ouvir Desafinado at o fim, no mximo do silncio possvel e livre de qualquer motivo de distrao. Um momento inesquecvel. Era o som de Joo Gilberto, que seria um dos artistas brasileiros mais admirados no mundo.

Naquele dia, tembm para mim, ele mostrou onde estava o futuro.

Z.H.M.

Abril de 2001

Agradecimentos Edson Jos Alves, Maria de Lourdes Pederneiras, James Gavin, Richard DeRosa, Laura McCarthy, Otavio Terceiro, Micha, Severino Filho, Roberto Menescal, Jairo Severiano, Luiz Galvo, Oscar Castro-Neves, Hlcio Milito, Bebeto Castilho, John Pizzarelli e, naturalmente, Joo Gilberto: agradeo as valiosas informaes que s vocs poderiam dar. Para tio Geraldo

INTRODUO

Pg 10

Joo Gilberto a referncia mais marcante de msicos, cantores e compositores brasileiros dos ltimos 40 anos. um raro caso na historia da msica: no pode ser qualificado nem como cantor nem como violonista. O conjunto de voz e violo um todo, um som completo, uma forma musical nica. S assim pode ser ouvido e entendido. Para atingir essa forma, dedicou a vida inteira, a partir de seu aguado sentido auditivo, estimulado ao longo de anos. Joo Gilberto tornou-se o raro artista de sua categoria a de primeira grandeza que dono de si prprio em absoluto domnio de sua carreira, canta e grava o que quer, quando quer: um caso quase impossvel de imaginar nas circunstncias atuais da msica dita popular. Joo um artista clssico, um dos homens brasileiros mais respeitados, sendo venerado por msicos famosos e desconhecidos em todo o planeta.Pg 11

Este trabalho no uma biografia de Joo Gilberto. Nem uma extensa reportagem ou uma narrativa sobre os hbitos, extravagncias, excentricidades, idiossincrasias, anedotas, casos, invencionices ou fantasias que cercam sua vida pessoal. A lgica de Joo Gilberto a lgica de Joo Gilberto: ou a entendem, ou melhor desistir o quanto antes. Assim, este livro breve no sobre quem ele, muito embora alguns traos mnimos de sua biografia sejam necessrios para acompanhar a carreira musical. A inteno, acima de tudo, abordar, nas dimenses desta srie, a obra, to diligentemente investigada, que ele continua depurando de maneira inigualvel. Joo sempre tratou a msica com ternura, como a deusa de sua vida. o que basta para conferir aos seus espetculos uma superioridade fora do comum, situando-os entre os mais envolventes e memorveis que se podem assistir. Decompor o som de Joo nas duas vertentes, a voz e o violo, e recomp-lo foi o caminho escolhido. A Cronologia um balizamento to completo quanto possvel de suas atividades artsticas. A Discografia inclui detalhes dos LPs e CDs sob seu nome, com sucintos comentrios tentativamente recolhidos na poca do lanamento. E o apndice Pontos de Vista retrata impresses solicitadas especialmente para este livro, de quem no atua na msica.

Pg 12Fotos: Tom Jobim (1969), Johnny Alf (1975), Vincios de Moraes (1951) e Joo Donato (1985), nomes fundamentais do que viria a ser a Bossa Nova.

Pg 14

1. AMBIENTE

Do ponto de vista musical, a juventude brasileira que atravessou as dcadas de 1951 e 1960 foi uma casta privilegiada. Nesse perodo, ela cresceu ouvindo a obra de Johnny Alf, Tom Jobim, Vinicius de Moraes, Newton Mendona, Carlos Lyra, Roberto Menescal e Ronaldo Bscoli, Srgio Ricardo, Joo Donato, Baden Powell, Geral do Vandr, Edu Lobo, Chico Buarque, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Jorge Ben, Marcos Valle, Milton Nascimento e Francis Hime ou seja, uma considervel parcela das canes de uma elite da msica popular brasileira na segunda metade do sculo. Cada compositor desse respeitvel grupo passou por um momento em que se definiu o destino de sua vida. Num instante, desvendou-se uma soluo para algo que os incomodava, embora vrios nem soubessem muito bem o que era. Cada um teve nesse momento uma iluminao. Um insight.Pg 15

A juventude dessa mesma poca, que adotou aquela respeitvel produo artstica como a msica de seu tempo, tambm passou por uma experincia semelhante: o som que ouviu num certo momento tinha a ver com sua vida. Era uma realidade. Que estranho momento foi esse para tanta gente? Qual foi a revelao? Foi inesquecvel, afirmariam anos depois. Muitos se lembram dele at hoje, onde estavam, o que faziam e o que pararam de fazer, maravilhados que ficaram. To inacreditvel como quando se viu o homem pisar na Lua. To chocante como a notcia da morte do presidente Kennedy. Ningum esquece: todos se lembram com detalhes de quando ouviram Joo Gilberto pela primeira vez. No incio dos anos 50, havia uma inquietude, uma sonoridade diferente do que estava em voga. Alguns compositores fugiam do convencional, e, se por um lado suas msicas atraam jovens abertos modernidade, por outro deixavam de cabelo em p os mais apegados ao tradicional. Quem tocava de ouvido no entendia muito bem o que estava acontecendo nas melodias que no conseguia assimilar direito, ou nas passagens harmnicas que no era capaz de reconhecer. Havia tambm uma tendncia para um samba menos acelerado, menos batucado, assim como os de Noel Rosa, que estavam sendo exaltados como nunca depois do lanamento de um lbum de Araci de Almeida em setembro de 1950, com seis das msicas de Noel em discos de 78 rotaes. Ele era um dos compositores da chamada poca de Ouro dos anos 30, a maioria dos quais j tinha vivido seu esplendor atravs de uma produo bsica de marchinhas e sambas carnavalescos.Pg 16

Havia tambm as msicas de meio de ano, nas quais a animao no era to necessria, Os inquietos formavam uma nova gerao, viviam no Rio de Janeiro, e sua rea de ao era bem diferente. A vida noturna da cidade se concentrava cada vez mais em torno de boates com msica ao vivo, que floresceram sobretudo em Copacabana. Alis, o nome desse bairro era o ttulo de um samba-cano que causara o maior charivari quatro anos antes da virada da dcada, na voz acariciante de Dick Farney, acompanhado por uma orquestra de cordas em arranjos do maestro Radams Gnattalli, outro adepto da modernidade. Ao mesmo tempo que irritou msicos tradicionais, Copacabana foi um blsamo para os que ansiavam pelas inovaes, as mesmas que tambm percebiam existir nas composies de Custdio Mesquita. A msica popular devia se modernizar, e o samba-cano era um caminho em que acreditavam. Ao contrrio do samba-batucada, que tem a dana em seu bojo, o samba-cano abdicava desse tipo de apelo, ao se desprender da marcao rtmica para valorizar mais a melodia e o encadeamento harmnico. Nesse clima indito na msica popular brasileira, os nomes que mais chamavam a ateno, os mais identificados com essa inquietude, eram o violonista Laurindo de Almeida; cantores como Dick Farney, Lcio Alves e Agostinho dos Santos; cantoras como Nora Ney e Doris Monteiro; o lder do conjunto Os Cariocas, Ismael Neto; os arranjadores Moacyr Santos e K-Ximbinho; os compositores Jos Maria de Abreu, Lus Bonf, Tito Madi, Dolores Duran, Garoto, Valzinho, Antonio Maria e Billy Blanco, estes dois como letristas. Pelo menos dois compositores j consagrados tinham um ntido parentesco com essa tendncia que se desenhava: Ari Barroso e Dorival Caymmi.Pg 17

Outro, menos famoso ento, fazia parte da famlia: Geraldo Pereira. Vivia-se ainda a fase incipiente dos LPs de dez polegadas, quando tambm surgiram alguns discos instrumentais, do Trio Surdina e da Turma da Gafieira, cujos novos timbres se encaixavam nos sonhos daqueles jovens ansiosos. Outro disco que chamou muita ateno, apesar do fracasso em vendas, foi a antolgica Sinfonia do Rio Janeiro, de Billy Blanco e seu novo parceiro, Antonio Carlos Jobim, em dezembro de 1954. Com uma orquestrao grandiosa de Radams Gnattalli, na linha do programa Um Milho de Melodias (de sua responsabilidade na Rdio Nacional), pde-se gravar uma sute ininterrupta que os discos de 78 rotaes no permitiam. Com esse formato, foi possvel o encadeamento de vrios temas, sobre montanha, sol e mar, a maioria sambas-cano, nas vozes de Dick Farney, Gilberto Milfont, Elizeth Cardoso, Lcio Alves, Doris Monteiro, Emilinha Borba, Nora Ney e Os Cariocas, ento sob a direo de Severino Filho, irmo de Ismael Neto. A maioria era do grupo dos inquietos. Nessa efervescncia sonora, a mais espantosa das composies foi gravada pelo seu autor em 1955, num disco de 78 rotaes com pouca repercusso em termos de vendagem. Para o circuito fechado dos msicos e dos inquietos, no entanto, foi um verdadeiro banho de felicidade. Era Rapaz de Bem, de Johnny Alf, com o autor ao piano e voz. A marcao do piano no se vinculava do contrabaixo do trio, dando um apoio independente que mais parecia um cerco melodia do cantor do que uma sustentao tradicional. A melodia, com saltos inesperados, nascia de uma original seqncia harmnica nada parecido com o que mais se ouvia nas rdios, teatros e boates. Pg 18

Johnny virou a coqueluche dos inquietos. De outubro de 1954 a abril de 1955, era a atrao do bar do Plaza, na sobreloja do hotel na avenida Princesa Isabel, para uma platia de amadores que estavam de olho numa carreira profissional e de profissionais fascinados com sua msica. Johnny Alf era o que havia de mais moderno na msica popular brasileira. Mas Johnny resolveu deixar o Rio, aceitando um convite para tocar num bar que se inaugurava em So Paulo, a Baiuca. Azar dos cariocas, sorte dos paulistas, que ficaram igualmente fascinados com a voz e o piano, o samba sincopado de maneira diferente e as harmomas de Johnny Alf. Talvez nem os cariocas nem os paulistas tivessem bem claro, mas ouvir Johnny Alf preparava seus ouvidos para o que ainda viria. Se os paulistas ganharam Johnny Alf, os cariocas ganharam Joo Donato e Luizinho Ea no bar do Plaza e, no ms de setembro de 1956, um espetculo que acrescentou um considervel peso tendncia j claramente manifesta de modernidade: a adeso de Vinicius de Moraes (1913-80), um dos maiores poetas brasileiros, msica popular. O espetculo, que foi levado inicialmente ao Teatro Mumcipal do Rio de janeiro, era a verso sobre sua viso carioca da lenda de Orfeu, Orfeu Negro. Havia canes do jovem compositor Antonio Carlos Jobim (1927-94), o parceiro escolhido por Vinicius, contendo os elementos meldicos e harmnicos da modernidade, j quela altura precomzada na imprensa brasileira. Quando o disco foi lanado, em novembro, tambm um LP de dez polegadas, preservou-se um marco significativo. O cerco se fechava em torno da modernidade.

A msica dos inquietos comeavam a tocar no rdio: Foi a Noite, de Newton Mendona e Antonio Carlos Jobim, originalmente na voz de Sylvinha

Pg 19

Telles, e Se Todos Fossem Iguais a Voc, do musical Orfeu Negro, em interpretaes que mostravam muito mais modernidade que a de Roberto Paiva, no disco da pea. Entre elas, as de Tito Madi e Sylvia Telles. O cenrio e os ouvidos da juventude estavam praticamente preparados para receber a grande novidade que viria em duas etapas. A primeira de maneira mais sutil, em duas msicas de um dos mais lindos discos gravados at hoje no Brasil: Cano do Amor Demais, com Elizeth Cardoso, de 1958. Em Chega de Saudade e Outra Vez, de Tom e Vinicius, havia o violo do Joo Gilberto com uma marcao rtmica diferente da forma institucionalizada do samba. A gente pode fazer uma melodia muito bonita com uma harmonizao tambm bonita, mas o ritmo um fator vital, diria Tom Jobim.[1.Jos Eduardo Homem de Mello, Msica Popular Brasileira Cantada e Contada por..., p. 88.] A segunda etapa surgiu nos dois discos de 78 rotaes com o prprio violonista Joo Gilberto cantando e tocando o mesmo Chega de Saudade e o seu samba Bim Bom e, meses depois, Desafinado e (tambm de sua autoria) H-b-l-l. primeira vista, era a voz de Joo Gilberto o que deixara perplexos os jovens adeptos da modernidade. Era a grande diferena entre Elizeth e Joo nas duas gravaes de Chega de Saudade, uma vez que o violo era o mesmo. Mas a sutileza estava no violo, mais evidente quando Joo Gilberto gravou. que no violo estava uma nova maneira de sincopar o samba.

Pg 22

2. RITMO

Syncope. Se d este nome uma ou mais notas, que esto encaixadas entre outras de um valor imediatamente inferior, ou tambm prolongao de um som que principia em tempo debil e alcana at o tempo forte do compasso seguinte. A syncopa tem por objecto repartir o valor da nota em duas metades que se juntam a outras, anterior e posterior. Essa definio pode parecer um tanto prolixa, mas perfeita para o que se segue. Est no Dicionrio Musical de Isaac Newton, editado pela Tipografia Comercial em 1904 em Macei. Uma definio to boa tecnicamente no esclarece, todavia, o efeito da sncope, seu resultado em termos de pulsao, o realce do tempo fraco. Certamente voc j se sentiu impelido a estalar os dedos ou bater palmas, instigado no show de um cantor. Quase certamente voc deve ter batido suas palmas no tempo forte, o primeiro dos dois tempos de um compassoPg 23

binrio. Voc bate palmas, aguarda um instante e depois bate de novo. Esse instante o segundo tempo, o tempo fraco ou dbil. Se um dia voc bater palmas justamente no segundo tempo, ao contrrio da maioria da platia, voc sentir em pouco uma sensao de leveza, um impulso rtmico maior. Em geral, negros e msicos, em performances de gospel, por exemplo, optam instintivamente por ressaltar esse tempo fraco. que ele provoca uma tenso, uma sensao de que preciso seguir adiante, ao passo que o tempo forte cria uma sensao de repouso, como se fosse terminar. Esse realce que cria o impulso rtmico, a leveza, o balano, o molho, o swing. Quanto mais tenso, mais swing. Reforando a tenso, haver mais leveza. Em resumo, acentuando-se o tempo fraco, cria-se mais tenso, maior impulso rtmico, que conseqentemente instiga o embalo do corpo. o efeito de um dos tipos de sncope, como faz o surdo de uma bateria, batendo sempre no segundo, no tempo fraco. O que Joo Gilberto fez na diviso rtmica do violo desde esses primeiros discos foi acentuar de maneira diferente as notas de um compasso, fossem colcheias, fossem semicolcheias, distribuindo essa acentuao de tal forma a criar mais tenso. [2.A quase totalidade dos gneros da msica popular brasileira maxixe, samba, baio, coco, maracatu, frevo, marcha pode ser grafada em compasso binrio. que vem a ser o espao completo que cabe em cada um dos UM-dois da seqncia de vrios UM-dois, UM-dois, UM-dois de um soldado marchando, por exemplo. O espao de tempo desde o primeiro UM at o incio do UM seguido um compasso e binrio porque enfeixa s duas notas. Mas, dentro desse mesmo valor, em vez de duas, cada uma reduzida metade de durao da original: ou seja: contando UM-dois-trs-quatro, em vez de UM-dois, sempre ocupando o mesmo espao de tempo para cada compasso. uma nota que vale, portanto, um quarto de compasso. Repetindo esse processo, podemos ainda subdividir essas mesmas quatro em oito, contando UM-dois-trs-quatro-cinco-seis-sete-oito, em vez de UM-dois-trs-quatro. Teremos ento oito notas bem curtinhas cabendo no mesmo espao dos dois tempos originais da marcha do soldado. Cada uma dessas notinhas que ocupa um oitavo de tempo de um compasso binrio denominada semicolcheia, e cada uma das notas que ocupa um quarto do tempo do compasso binrio denominada colcheia. Variando-se as acentuaes nas quatro colcheias ou nas oito semicolcheias, cria-se mais tenso atravs da sncope.]Pg 24Alm de acentuar tempos fracos, outra forma de sncope prolongar a nota do tempo fraco invadindo o tempo seguinte; e uma terceira forma fazer uma pausa na primeira colcheia, que a posio do tempo forte, e comear s na segunda colcheia, enfraquecendo o tempo forte. Tambm ligando-se a ltima das quatro colcheias de um compasso com a primeira do compasso seguinte suprime-se a emisso do tempo forte, criando-se mais tenso. Joo Gilberto tocava seu violo aplicando esses procedimentos na marcao do samba, criando o swing nas acentuaes, nos prolongamentos e nas pausas que inseria, procurando fugir aleatoriamente do principal inimigo da sncope, que a regularidade na acentuao do tempo forte. Em suma, o violo de Joo estava roubando de cena o tempo forte, caracterstico do samba antes dele. De fato, a batida de violo do samba-cano (que tambm a do choro) era mais ou menos a mesma, uma nota no tempo forte, chamada de bordo, e trs mais curtas (semicolcheia-colcheia-semicolcheia) sincopadas, dividindo o espao que ainda restava em cada compasso binrio. Ao economizar tempos fortes, Joo criou mais tenso, pois o swing estava nas pausas, no silncio. As novas e variadas formas de dividir cada compasso binrio foram um dos fatores que causaram um desusado rebolio na cabea de violonistas ou no, quando o ouviram. Mas, alm do violo, Joo interferiu na Pg 25

forma de tocar do baterista nas gravaes de seus primeiros discos, aproveitando a diviso das batidas do tamborim do samba, que tocava oito semicolcheias por compasso, acentuando algumas delas. Na gravao de Chega de Saudade, Joo mudou a forma de tocar do baterista Juquinha (Juca Stockler). Em vez de duas vassourinhas ou duas baquetas, como qualquer baterista tocava caso fosse samba-cano ou samba-batucada, respectivamente, ele foi obrigado a usar vassourinha numa das mos e baqueta na outra. Com a vassourinha, bem leve, Juquinha fazia o mesmo que o afox, to comum nos conjuntos: oito esfregadinhas suaves em cada compasso, portanto as mesmas oito semicolcheias do tamborim, acentuando a primeira e quarta do primeiro tempo e a terceira e quarta do segundo tempo. A baqueta seguia uma diviso diferente, com trs batidas secas e precisas no aro da bateria, sendo duas nas colcheias do primeiro tempo e a outra na segunda semicolcheia do segundo tempo. S eventualmente ele tocava com duas vassourinhas, mas a o baterista Guarani, que dividia com Joo um apartamento em Copacabana, era quem executava essas batidas na caixeta. Um detalhe inusitado foi a partitura que Joo forneceu aos ritmistas: continha apenas a letra da msica. Joo achava essencial que soubessem a letra. Quando a letra fala de umas coisas leves, o baterista est batucando como um louco. No assim. No estdio, ele parava de cantar de repente e lhes perguntava: Onde que eu estou? [3. Depoimento de Roberto Menescal ao autor.] Assim, os bateristas dos discos de Joo Gilberto acabaram se ligando ao climaPg 26

sonoro que ele propunha. Era o estado de esprito da Bossa Nova. A regularidade da batida da bateria seria o passaporte para bateristas do mundo todo poderem tocar samba com swin e no como rumba, que era o que acontecia at ento. Finalmente surgia um padro acessvel e assimilvel, muito diferente das firulas e das demonstraes de capacidade rtmica dos bateristas brasileiros, que desnorteavam qualquer aprendiz, ou qualquer msico estrangeiro, por mais experiente que fosse. Embora pudesse ser considerado um padro que resolvia o problema dos bateristas tocarem samba corretamente, no era uma sistematizao imutvel, como Joo deixou claro desde o primeiro disco, de tal modo que quela batida que figura nos programas rtmicos de teclados eletrnicos sob o ttulo Bossa Nova simplesmente uma forma standard para facilitar as coisas para os aprendizes. No era uma batida estandardizada que se respeita sempre, como mais tarde se tornou: no era um clich. Do momento que vira clich, no interessa mais a ningum, porque a no samos mais disso. Absolutamente, Joo no era assim. Cada caso era cada caso. Havia uma combinao rtmica da melodia com a harmonia, declarou Tom Jobim na sua anlise sobre o ritmo da Bossa Nova.[4. Homem de Mello, Msica Popular Brasileira Cantada e Contada por... p. 144] Com uma simplificao requintada do padro rtmico, conforme Walter Garcia assinala em seu meticuloso livro Bim Bom,[5. Walter Garcia, Bim Bom: a Contradio sem Conflitos de Joo Gilberto, p. 81] Joo Gilberto havia criado uma nova forma para o violo e a percusso sincoparem o samba, depois de uma perseguio incessante, que durou anos.Pg 27

Foto: Joo Gilberto na dcada de 50, poca da gravao de seu primeiro disco

Pg 303. BAHIA RioTendo nascido em Juazeiro, na Bahia (a 10 de junho de 1931), filho de um pai comerciante e msico amador, Joo foi mandado junto com o irmo, poucos anos depois, para um internato em Aracaju, onde s se interessava por msica. Ouvia sem parar, formou grupos vocais com seus colegas e comeou a tocar violo aos 14 anos, aprendendo pelo Mtodo Elementar Turuna. Depois do colgio, foi para Salvador, cantando na Rdio Sociedade da Bahia, onde em certo dia de 1950 recebeu um telegrama convidando-o a vir para o Rio participar de um conjunto vocal que j existia havia alguns anos, os Garotos da Lua. Com a nova formao, em que Joo substitua Jonas Silva ao lado de Alvinho, seu amigo e remetente do telegrama, o grupo, que era contratado pela Rdio Tupi, gravou dois discos em maio e setembro de 1951. Paralelamente, Joo tinha ainda um bico na Cmara dos Deputados, nica atividade que exerceu fora da msica.Pg 31

Joo admirava o cantor Orlando Silva por suas notveis qualidades e por uma caracterstica: na segunda vez em que cantava as msicas, Orlando fazia antecipaes e retardos que no havia na melodia original. Nos ensaios de suas apresentaes da Rdio Record de So Paulo, o maestro Gabriel Migliori costumava avisar os msicos da orquestra: No se preocupem com a diviso do Orlando, ele se atrasa e se adianta s vezes, mas ao final chega junto com a gente. [6. Depoimento de Gabriel Migliori ao autor]Enquanto cantava nos Garotos, Joo Gilberto costumava encontrar-se num bar da Cinelndia com o novo lder do grupo Os Cariocas, Severino Filho. Ele tinha conscincia de que nem sua forma de cantar nem seu violo estavam cristalizados. Severa, dizia a Severino Filho, eu gostaria de cantar de uma maneira diferente, como se fosse um instrumento. [7. Depoimento de Severino Filho ao autor].Os instrumentistas cantam de uma maneira muito diferente da grande maioria dos cantores, tachados por aqueles de canrios. Como tm uma noo em geral mais desenvolvida de tempo e diviso, conseguem se desprender do rigor rtmico, avanando ou retardando certas notas ou at mesmo trechos da melodia, parecendo no se importar muito com esses atrasos ou avanos, porque sabem que no momento desejado chegaro juntos, ou com uma pausa, ou acelerando as frases meldicas. Precisamente o que Orlando Silva fazia, embora no fosse msico instrumental. Alm disso, os msicos que tocam um instrumento no ficam muito perturbados quando no alcanam certas notas, sejam elas muito graves, sejam muito agudas. Essa preocupao, que chega a apavorarPg 32

os canrios, contornada pelos msicos sem se deixarem perturbar. Seu recurso natural improvisar, cantando uma outra nota do acorde, e, quando se esquecem de uma palavra do verso, chegam a substitu-la por slabas, como tr-la-l ou tu-ru-ru, ou at mesmo falam (a exemplo de diseurs como Maurice Chevalier) em vez de cantar. Nenhum problema. Enquanto o cantor-cantor tenta ocupar todos os espaos, vido em aproveit-los para mostrar seus dotes, o cantor-msico encurta as frases cantadas, deixando espao para a sua verdadeira rea de ao, a msica tocada. Finalmente, os instrumentistas no esto nem um pouco preocupados com o volume ou em exibir uma voz decididamente mscula; at evitam os vibratos exagerados, elementos que parecem ser as metas de quase todos os canrios. Alguns exemplos mais evidentes dessa concepo de interpretar uma cano, a de um msico que canta como msico, o que alis pode ser considerado a mais justa definio de um vocal, esto no jazz. Ela diferente da concepo de um cantor que canta pensando como cantor. Vale citar, por exemplo, os vocais de msicos da esplndida orquestra do saxofonista negro Jimmy Lunceford dos anos 30 e incio dos anos 40, a chamada Era do Swing. Ao contrrio de outras big bands concorrentes, como as de Count Basie e Duke Ellington, Lunceford raramente tinha crooners. Seus msicos, como o trombonista Trummy Young, o trompetista e arranjador Sy Oliver e os saxes-altos Dan Grissom ou Willie Smith, que cantavam. Neles, podem-se constatar esses pequenos truques, que, alm de colorir sobremaneira a vocalizao, propiciam um embelezamento original, uma outra suavidade. Muito provavelmente Joo Gilberto no conhecia os discos de Jimmy Lunceford. Mas conhecia e admirava os dePg 33

Chet Baker, um trompetista que cantava com a concepo de um msico, um cantor-msico. Quando Joo saiu dos Garotos da Lua, estava consciente de que no iria mais ser crooner de conjunto vocal, mas sim fazer carreira solo. Conseguiu gravar um disco prprio, mas estava muito distante do que pretendia. O som que Joo Gilberto perseguia desde Juazeiro foi se aprimorando nos anos seguintes, depois que resolveu sair do Rio de Janeiro, vivendo entre janeiro de 1955 e o incio de 1957 sucessivamente em Porto Alegre (cerca de sete meses), em Diamantina, na casa de sua irm (oito meses), em Juazeiro e em Salvador. Foi especificamente em Diamantina, conforme a minuciosa descrio desse perodo de andanas feita por Ruy Castro,[8. Ruy Castro, Chega de Saudade] que Joo Gilberto atingiu a magia do que procurava. No como uma inveno sbita, um Eureca! para o samba, mas num longo processo de explorao obstinada daquele msico que conseguiu finalmente ouvir, a partir de si prprio, o som ao qual tanto se empenhava em dar uma forma. Retornando ao Rio em 1957, desconcertava quem ouvia cant-lo suas composies Bim Bom e H-b-l-l. Surpreendeu de tal modo o maestro Tom Jobim que este tratou de inclu-lo entre os msicos que gravariam o disco de Elizeth Cardoso em maio de 1958, a despeito de a cantora ter manifestado preferncia por Mo de Vaca, seu violonista. Depois, por insistncia de Tom Jobim junto gravadora Odeon, J]ao gravou o primeiro dos dois discos de 78 rotaes e, quatro meses depois, o segundo.Pg 34

A repercusso de ambos aumentou a partir de So Paulo, com o apoio do disc-jquei Walter Silva, o que animou a gravadora a investir no primeiro lbum de Joo Gilberto, Chega de Saudade. Quando este foi lanado, a expresso Bossa Nova, inserida na letra de Desafinado e no texto de contracapa do LP de Tom Jobim, passava a ser a melhor maneira de rotular a novidade do som de Joo Gilberto. No mesmo texto, Tom mostra ter ficado cativado com Joo Gilberto, afirmando, com o aval de Dorival Caymmi, que em pouqussimo tempo [Joo] influenciou toda uma gerao de arranjadores, guitarristas, msicos e cantores. De fato, arrebataria essa e outras geraes, deixaria boquiabertos msicos, cantores e crticos norte-americanos e acabaria por ser reconhecido como o criador do estigma, benfico para o samba, de que poderia conquistar o mundo mais refinado da msica popular. Como de fato aconteceu.

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HARMONIA

At os anos 40 e mesmo na dcada de 50, a harmonizao [9. Harmonizar uma cano pode ser descrito, em termos simples, como colocar um acompanhamento instrumental melodia cantada. Por isso, a harmonia, conforme o musiclogo oitocentista M. Ftis, a cincia dos acordes. Um acorde a emisso de duas ou mais notas simultneas, como ao se tocarem vrias notas no piano ao mesmo tempo. Um cantor sozinho no pode emitir um acorde, mas uma nota de cada vez, e essa seqncia de vrias notas cantadas uma melodia.] de uma melodia no Brasil era quase sempre indicada de maneira bastante rudimentar. Eram as chamadas primeira do tom (um acorde perfeito de tnica), segunda do tom (acorde perfeito da dominante) e terceira do tom com stima (acorde da subdominante acrescido da stima). S posteriormente a notao musical passou a ser a mesma do jazz, dos acordes cifrados com as letras identificadoras A, B, C, D, E, F e G, respectivamente para as notas l, si, d, r, mi, f e sol, chamadas tnicas do acorde.

Essa notao bsica facilitou muito o ensino e a leitura de harmonia, beneficiando quem seguiu carreira de msico a partir de ento. Mas, tanto num caso como no outro, ela no indica a disposio das notas do acorde, nem qual deve ser a nota mais grave, chamada fundamental. Pode ser a tnica, a do meio ou a mais aguda. Num acorde de d maior perfeito, cuja cifra C, o natural que o d, sendo a tnica, seja a fundamental. Mas nada impede que se faa uma inverso do acorde para misold, ou soldmi, em vez de dmisol. Essas inverses, que se tornaram mais freqentes na msica brasileira a partir da Bossa Nova, podem eventualmente dar uma sensao de dissonncia, sobretudo se o executante usar a liberalidade, que lhe concedida, de nem tocar a tnica, eliminando-a e deixando-a subentendida. Isso gera uma impresso de certa instabilidade, de leveza, como se a base harmnica estivesse pairando no ar e no repousando. Alm do ritmo, os acordes invertidos so outra marca no violo de Joo Gilberto. Seu conhecimento de harmonia teria se desenvolvido bastante em Porto Alegre, nas proveitosas horas de convvio musical com o avanado professor e maestro Armando Albuquerque, amigo de Radams Gnattalli. No Rio, a aproximao com Tom Jobim colaborou para aprimorar o requinte de seus acordes no violo, aplicados aos arranjos dos primeiros discos, nos quais Tom foi o arranjador e estava envolvido totalmente. De fato, a atuao de Tom Jobim foi preponderante nos rumos da harmonia da Bossa Nova, pois, como ele vinha de uma experincia como arranjador, desenvolvera a tcnica de vestir as msicas para o cantor, ou seja, criar novas harmonias que dessem coloridos diferentes a caes j gravadas.Quando Srgio Ricardo assumiu seu posto como pianista da boate Posto 5, foi Tom quem lhe mostrou.

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o que era possvel fazer com a harmonia, sentou no piano e mostrou a mesma melodia eu me lembro, era o Feitio da Vila [de Noel Rosa] com uma harmonia que ele fazia. Com muita pacincia, ele me mostrou como se encadeavam aqueles acordes de nonas e dcimas primeiras. Fui vendo um mundo novo dentro da msica. [10. Homem de Mello, Msica Popular Brasileira Cantada e Contada por... p.85.]Ainda assim, justo reconhecer que o grande mestre de harmonia de Joo Gilberto foi ele mesmo, na sua disciplina frrea em tocar dezenas, centenas de vezes uma cano at atingir o ponto ideal, o equilbrio. Ao esmiuar obstinadamente a natureza de cada cano, ele acabava encontrando um s acorde de trs ou quatro notas que simplificavam a seqncia original sem ferir a natureza da cano, embelezando-a como jamais se ouvira antes.Tinha-se a sensao de um novo caminho, que passava a ser definitivo, pois no havia nada que pudesse ser trocado, suprimido ou acrescentado. Ao mesmo tempo, o realce dado ao violo de Joo Gilberto era um fato incomum para um disco de cantor. Quando foi gravar Chega de Saudade, deixou os tcnicos atordoados ao exigir um microfone para ele e outro para o violo. Com esse destaque, a harmonia passou a ser percebida muito mais claramente nos seus discos, e assim, junto com a estupefao pela marcao rtmica, vinha outra semelhante, pelas harmonias invertidas muitas vezes sem a tnica como fundamental; ocasionalmente, ela nem mesmo estava no acorde. Mais um elemento para dar leveza. o que acontece, por exemplo, em Desafinado, com a quinta no bordo em vez da tnica. A dissonncia fica mais evidente, mais provocante.

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A despeito de suas composies Bim Bom e H-b-l-l possurem uma estrutura harmnica simples, a maneira de dispor as notas dos acordes atravs de inverses e o acrscimo de acordes de passagens e acidentados acrescentaram uma sofisticao muito menos evidente nos discos de outros cantores. Joo abominava tocar os acordes em arpejo, isto , uma corda depois da outra. As notas eram feridas todas ao mesmo tempo, num bloco, e dessa maneira o violo soava como o acompanhamento completo, a orquestra de um violo, com quatro notas de cada vez, emitidas pelo dedo polegar, pelo indicador, pelo mdio e pelo anular. Esse som de violo, com ritmo e harmonia, era metade do som que Joo buscava. Para ser uma entidade, faltava a outra metade: sua voz.

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Foto: Joao Gilberto em show no Teatro Fnix, no Rio de Janeiro (1980)

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5. CANTO

Uma das reaes aos primeiros discos de Joo Gilberto foi comparar seu estilo ao do extraordinrio cantor dos anos 30 Mrio Reis. Quando Mrio gravou em dupla com o maior cantor brasileiro daquela poca, Francisco Alves, que ainda estava sob o domnio do gnero lrico e era alcunhado no sem razo de o Rei da Voz, aconteceu o que pouca gente esperava: foi Chico quem teve a argcia de se adaptar ao estilo de Mrio, e no o contrrio, como seria de esperar. O segredo de Mrio, captado rapidamente por Chico, estava no seu modo coloquial de cantar, associado a uma diviso rtmica mais leve. Silbica, como ele prprio definia. Joo Gilberto parecia para muitos uma edio modernizada de Mrio Reis, porque tambm evidenciava mais a clareza de voz do que o volume, cantando bem baixinho, como era dito desdenhosamente, numa descrio um tanto leviana. Nesse sentido, ambos tinham a tica de interpretao de um cantor-msico,Pg 43

que prefere a delicadeza. A comparao com Mrio Reis, no entanto, no procede. Sua grande admirao era mesmo por Orlando Silva, cantor fora de srie da msica popular brasileira. Ele foi o maior cantor do mundo em sua poca. Sabia falar as frases com naturalidade e no exagerava em nenhum ponto da msica, declarou Joo a Trik de Souza. [11. O mito sem Mistrio, Veja, 12/5/71.] Ao empregar o verbo falar e no cantar, Joo Gilberto d uma dica do que mais valoriza num cantor: saber falar. Outra: no exagerar em nenhum ponto da msica. Joo Gilberto canta como quem fala, no refora uma slaba ou uma palavra. Qualquer salincia do contedo, no sentido de apresentar mensagens paralelas com peso extramusical, motivo suficiente para Joo rejeitar a cano ou, no mnimo, praticar sua censura esttica, eliminando um trecho ou outro, comentou com muito propriedade o compositor e msico Luiz Tatit.[12. Coletnea de Joo Gilberto Traz Cifras Para Msicos, Folha de S. Paulo, 23/11/88.] Joo tem uma declarada preocupao em projetar a voz de maneira clara e delicada, com uma dico impecvel e sem um pronunciado sotaque de baiano. Seus esses finais no tem som de xis, so sibilantes, fazendo jus condio de fricativas surdas (como em sussurro) ou zunindo quando fricativas sonoras (como em Brasil). Em seu perfeccionismo, emite cada palavra com o peso inteiro de seu significado e de sua sonoridade. Com isso, quando canta pela primeira vez uma msica j familiar, consegue obter o efeito semelhante ao de um cenrio desconhecido que revelado quando se abrem as cortinas do palco. A fora dos versos parece brotar como se eles l estivessemPg 44

escondidos espera de algum que os mostrasse algo parecido com o blow-up, o momento em que as imagens de um filme fotogrfico vo surgindo intensamente no papel. Assim, descoberto por Joo Gilberto, o sentido dos versos assume sua carga emocional, seu sentido potico, seu valor real. Como quando incorporou o samba de Adoniran Barbosa Saudosa Maloca a seu repertrio. Na frase Cada tbua que caa, doa no corao, que afinal resume todo o drama da cena, a sensao de que um bloco pesado est despencando sobre a nossa cabea. Em contrapartida, quando canta Deixa ver/ Baixa do Sapateiro/ Charri, Barroquinha/ Calada, Taboo em Bahia com H (de Denis Brean), parece que a paisagem barroca se descortina, como que projetada numa tomada panormica da cena de um filme de David Lean. Afora a dico,o ponto nevrlgico do julgamento sobre um cantor costuma ser sua afinao. Da mesma maneira que o pblico e at parte da imprensa deduziu que Juca Chaves era um cantor de Bossa Nova quando gravou sua cano Presidente Bossa Nova, houve quem considerasse que Joo Gilberto desafinava quando surgiu seu segundo disco, Desafinado. Foram induzidos a essa concluso porque, justamente nas notas da palavra desafino na letra da cano, havia um intervalo musical estranho para aquela poca, dando aos menos familiarizados uma falsa sugesto de que havia qualquer coisa errada, possivelmente uma desafinada do cantor. Esse engano enraizado de desafinao, e um atavismo compreensvel contra a vozinha fina (tal qual a de Juca), redundou numa birra sistemtica que marcou Joo Gilberto como um cantor nhm-nhm-nhm. Mas ningum coloca hoje em dia alguma dvida sobre sua afinao.Pg 45

Sua preciso na nota absolutamente certa e justa de tal ordem que no h mesmo como discutir a afinao de Joo Gilberto. Pode-se at temer que consiga mant-la, ao iniciar uma interpretao numa tonalidade muito grave, mas sua afinao, beirando o sussurro, se mantm impecvel. Com a destreza de um mosqueteiro, ele se vale de um recurso dos cantores-msicos, como fez em O Amor em Paz (Tom Jobim/Vinicius de Moraes) na gravao ao vivo de 1994. No nunca mais da primeira vez em que canta a cano, ele salta uma oitava para cima na nota sobre a palavramais,parecendo que a evitou por no conseguir alcan-la. Todavia, na repetio, chega nota grave cantando-a quase como se estivesse falando, mas perfeitamente afinada, O salto de oitava no foi, pois, uma tentativa de evitar a nota, mas sim uma das sutis alteraes das diferentes interpretaes vocais de uma mesma msica. A reside um dos mais fascinantes atrativos do canto de Joo Gilberto, a expectativa, sempre contemplada, de como ele ir desenvolver as frases de uma msica j cantada ou j gravada. que Joo, como Orlando Silva, introduz elementos de elasticidade e flexibilidade vocais atravs de rubatos (ritardandos e accelerandos) ou de suspenses. Retardando slabas ou frases, ele deixa o violo seguir adiante para alcan-lo mais tarde, apressando-se ou encurtando o que ainda falta; outras vezes, antecipa-se, emendando versos um no outro, fora do lugar em que deveriam estar, e fica aguardando a chegada do violo para seguirem juntos novamente. Em nenhum dos casos o canto fica deslocado em relao harmonia do violo. Provoca, como em sua verso da cano de Cole Porter You Do Something to Me, de 1991, uma compresso do original, mas to bem proporcionada que no se d pela falta de nenhum espao. A sensao de que Joo muda a estrutura dessa msica,Pg 46

levando-a em compasso 2 por 4, e no 4 por, diferena do original. A elucidao de Lorenzo Mamm a respeito, de que a variao das inflexes da voz cria a iluso de um registro meldico completo, complementada por seu lcido enfoque sobre esse aspecto: A intuio fundamental de Joo Gilberto, ao contrrio, que este rubato pode ser empregado de forma no-dramtica, estrutural. Distribuindo os dois caracteres bsicos e complementares da prosdia brasileira, acentuao marcada e articulao frouxa, em dois planos distintos, o da batida sincopada do violo e o da emisso vocal ininterrupta, Joo Gilberto cria uma dialtica suficiente para transformar a melodia num organismo que se auto-sustenta, que no precisa de apoios externos para se desenvolver. No podemos dizer, de fato, que o canto de Joo Gilberto se apie sobre os acordes do acompanhamento. Muitas vezes, o que se ouve o contrrio, acordes pendurados no canto como roupas no fio de um varal. [13. Joo Gilberto e o Projeto Utpico da Bossa Nova Novos Estudos Cebrap, 34, 11/92.] Caso o ouvinte no esteja inteiramente concentrado em cada uma das trs vezes em que Joo costuma interpretar uma cano, suas preciosas e sutis criaes no sero percebidas, dando a falsa impresso de que interpretou a msica sempre da mesma maneira.Justamente as pinceladas do gnio passam ento ao largo. Talvez a mais detalhada declarao que Joo tenha feito para descrever seu modo de cantar esteja na entrevista concedida ao jornalista Trik de Souza, para a revista Veja de 12 maio de 1971:

Uma das msicas que me despertaram, que me mostraram que podia tentar uma coisa diferente, foi Rosa Morena, de Dorival Caymmi. Sentia que

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aquele prolongamento de som que os cantores davam, prejudicava o balano natural da msica. Encurtando o som das frases, a letra cabia dentro dos compassos e ficava flutuando. Eu podia mexer com toda a estrutura da musica, sem precisar alterar nada. Outra coisa que eu no concordava eram as mudanas que os cantores faziam em algumas palavras, fazendo o acento do ritmo cair em cima delas, para criar um balano maior. Eu acho que as palavras devem ser pronunciadas da forma mais natural possvel, como se estivesse conversando. Qualquer mudana acaba alterando o que o letrista quis dizer com seus versos. Outra vantagem dessa preocupao que s vezes voc pode adiantar um pouco a frase e fazer com que caibam duas ou mais num compasso fixo. Com isso pode-se criar uma rima de ritmo. Uma frase musical rima com outra sem que a msica seja artificialmente alterada. Geralmente o cantor se preocupa com a voz emitida da garganta e sobe muito, deixando o violo ou qualquer outro instrumento de acompanhamento falando sozinho l embaixo. preciso que o som da voz encaixe bem no do violo, com a preciso de um golpe de carat, e a letra no perca sua coerncia potica [...]. Ele [dr. Pedro Bloch] me ensinou a usar a respirao de uma forma que no interferisse na pronncia das palavras. Cada letra, inclusive, conforme pronunciada, usando mais a garganta ou o nariz, pode dar um efeito diferente dentro da msica.Ao gravar seu primeiro disco LP, onde uma das faixas era aquela mesma Rosa Morena, Joo j tinha a voz e o violo j tinha o som que tanto procurava.

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Fotos: Joo Gilberto, Micha e Bebel Gilberto em sua casa (Nova Jersey, 1967)

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6. RIO NOVA YORK

Costuma-se dizer que a lngua portuguesa tem uma sonoridade ondulante, especialmente quando falada por brasileiros. Seria essa suavidade o que conquistou os americanos e depois europeus que ouviram Joo Gilberto a partir de 1962, quando cantou pela primeira vez no Carnegie Hall? Mesmo sem entenderem nada de portugus, eles foram seduzidos por um timbre ligeiramente nasal e pela leveza de sua interpretao, como tentaram depois descrever. Para um comentarista da revista Newsweek, ainda meio desorientado com a novidade, Joo tinha o mesmo cativante tom roufenho de Yves Montand.[14. The Bossa Nova, Newsweek, 26/11/62, p. 82] Mais do que o timbre anasalado, a sensao de flutuao no modo de cantar de Joo Gilberto era ntida na sua interpretao de Outra Vez (Tom Jobim), gravada nessa noite de 21 de novembro, no disco do Carnegie Hall.

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Apesar de Dick Farney ser um cantor moderno, quando gravou essa msica originalmente, em 1954, ele a interpretou languidamente, ocupando todos os espaos da melodia e alongando os es em vez e em voc. Na segunda parte, Dick fez uma bordadura [15. Bordadura: adorno, floreio que os cantores fazem nas melodias] nas palavras triste-e-za e sada-a-de dos dois ltimos versos. Joo, por outro lado, cantou essas duas palavras sem nenhum ornamento, secas, no dando chance sequer a uma possibilidade de vibrato. Na primeira parte, Joo encurtou as frases sem segmenta-las, dando oportunidade ao ritmo do violo de aparecer mais: Outra vez/ sem voc/ outra vez/ sem amor... etc. Em suma, cantou economizando os espaos, no alongou desnecessariamente uma nota emitida, uma vez que a palavra j fora dita. Detalhes como esses chegaram de estalo para aquela platia do Carnegie Hall, onde crticos e msicos ficaram estupefatos com o que ouviram. O despojamento de Joo, a voz clida desprovida de nfases desnecessrias, a sensualidade de seu canto eram um contraste assustador, em confronto com as interpretaes em voga nos Estados Unidos. Joo conquistou msicos e cantores americanos apesar de ser um cantor/violonista brasileiro cantando msicas desconhecidas para eles, e em portugus. O fraseado de Joo Gilberto poderia ser descrito como tendo um formato elptico, com aproximaes e afastamentos de um centro imaginrio, esticando um trecho e encolhendo outro. o oposto dos cantores sem swing, cujo fraseado circular, mantendo portanto a mesma distncia em relao ao centro, no variando nunca, no se afastando nem se aproximando.

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Do a sensao de colocar as frases numa caixa de lados quadrados com cantos vivos, emitindo cada slaba rigorosamente em cima da nota. Nesse sentido, o fraseado de Joo muito mais prximo do de cantores de jazz, como por exemplo o de Louis Armstrong, um dos mais relevantes na arte de assentar cada slaba no precisamente em cima da nota, mas ligeiramente antes ou depois Pouco depois do concerto do Carnegie Hall, Joo Gilberto retornou ao Brasil por alguns dias, gravou um programa de despedida na TV Excelsior, recebeu o cach e viajou de vez para os Estados Unidos com a mulher Astrud e o filho de ambos, Joo Marcelo. Em maro de 1963, gravou em Nova York o premiadssimo disco Getz/Gilberto, na companhia de Tom Jobim (piano) ,Tio Neto (baixo), Milton Banana (bateria) e do famoso sax-tenor do jazz Stan Getz, nessa altura o maior beneficiado com a divulgao da Bossa Nova nos Estados Unidos. Astrud estreava em disco cantando a verso em ingls de Norman Gimbel daquela que seria a faixa de trabalho do disco, Garota de Ipanema. Enquanto a fita ficou na gaveta do diretor da gravadora Verve, Creed Taylor, Joo foi excursionar pela Itlia na companhia de Milton Banana, Gusmo (baixo) e do pianista Joo Donato. A turn foi suspensa quando Joo comeou a ter srios problemas musculares no brao, indo ento tratar-se em Paris, onde conheceu a irm de Chico Buarque de Holanda, Heloisa (Micha). Com ela, retornou a Nova York no incio de 1964, quando a Verve finalmente lanou o disco Getz/Gilberto,Pg 53

que surpreendentemente foi para as paradas. chegando ao quinto lugar e provocando uma retomada do time Stan Getz & Joo Gilberto para shows e um novo disco, gravado no Carnegie Hall. A carreira de Joo se estabilizava nos Estados Unidos, onde residiria at o final dos anos 70, com exceo de uma temporada de dois anos vivida no Mxico, onde fez apresentaes e gravou um disco. Nesse longo perodo, Joo se apresentou esporadicamente no Brasil, algumas vezes na Europa, mas principalmente nos Estados Unidos, onde tambm realizou temporadas e gravou novos LPs. Para muitos msicos americanos, a Bossa Nova soou como um dos mais benficos sopros de renovao quando surgiu nos anos 60, aps as grandes transformaes de Elvis Presley e dos Beatles, com quem a msica ganhou novas dimenses, orientada para uma outra faixa etria e valorizada no aspecto danante. E preciso recordar que as canes americanas de antes desse perodo, os clssicos do American Song Book, foram escritas em sua maioria para shows da Broadway ou filmes de Hollywood e, portanto, tinham um acabamento vocal e instrumental que obedecia a padres adequados a essas finalidades. Assim, na sua origem, eram todas mais ou menos semelhantes, em termos de acabamento. Quando gravadas por outros cantores, como Nat King Cole ou Frank Sinatra, podiam, claro, ser trabalhadas na interpretao e nas orquestraes. Havia o que fazer para increment-las, j que tinham potencial para se sofisticarem.Enquanto isso, as canes brasileiras da Bossa Nova, quando gravadas pela primeira vez, j recebiam esse tratamento mais elaborado e no tinham que submeter-se a uma linguagem estandartizada. J nasciam sofisticadas, eram produtos acabados, exatos, sobre os

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quais nada havia o que fazer para embelez-los mais. Nesse sentido, uma partitura de Corcovado ou de Garota de Ipanema como uma partitura de Beethoven ou Bach: Ningum vai se aventurar a recriar em cima dessa obra. A harmonia das melodias da Bossa Nova est implicitamente inserida, completa, no h mais nada a acrescentar. E os que tentaram reestilizar a Bossa Nova se deram mal. O fato de os brasileiros, em sua maioria, comporem ao violo deu tambm ao que criaram um colorido diferente, que atraiu msicos do mundo inteiro e no pelo exotismo, como acontecera anos antes com Carmen Miranda. Atraiu-os como uma msica popular amadurecida, com um acabamento profissional.Pg 56

7. SOM

Quando um cantor se serve do violo para se acompanhar um seresteiro como Slvio Caldas, por exemplo , ele tem no instrumento um complemento para sua voz, um guia para no se perder na afinao e na linha meldica. O instrumento mais importante para ele do que para a maioria da platia. Para a platia, o violo est em segundo plano. Em Joo Gilberto, o violo metade de um conjunto sonoro completado pela voz, formando um bloco, uma entidade unvoca de voz e violo, e no de voz com violo. portanto um outro conceito, representado por dois timbres diferentes, o da voz humana e o das cordas do violo, formando um terceiro timbre, que, por sua vez, exige uma capacidade de ateno absoluta.Essa entidade sonora voltil e magistralmente bem proporcionada o universo de Joo Gilberto, como ele v uma cano, como concebe uma interpretao,

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a forma de uma msica existir em sua obra. Sua capacidade de sublimar canes lhe d condies de um corriqueiro Parabns a Voc ou uma simplria Oh, Minas Gerais soarem como algo novo, nunca ouvido antes, sem ferir o esprito do original. Se ouvir um disco de Joo requer, pelos motivos acima, ateno redobrada, alm de um preparativo cercado de silncio, seus espetculos so verdadeiras aulas de msica brasileira, de uma nobre brasilidade a comear pelo gosto com que canta a palavra Brasil. Ao vivo, seu repertrio se distribui em dois grupos. O primeiro o dos clssicos, canes que ele lanou e que valem pela riqueza renovada de informaes musicais a cada interpretao, numa recriao da recriao, que no tem limite. o caso de Desafinado, a msica que mais gravou, e sempre uma novidade que se aguarda ansioso, para ver como ser desta vez. O outro grupo o das pedras preciosas que Joo retira de sua arca, deixando as pessoas se entreolhando sem saber de onde surgiu aquela cano. Em geral so velhos sambas ou marchas dos conjuntos vocais, inteiramente recompostos na sonoridade voz-e-violo de Joo Gilberto, as assim chamadas interpretaes joo-gilbertianas. Na sua apresentao no programa O Fino da Bossa, da TV Record, em 1966, Joo cantou apenas trs msicas, mas deu uma de suas preciosas aulas de msica popular brasileira. A primeira foi Eu Sambo Mesmo, de Janet Almeida, lanada pelo conjunto Anjos do Inferno em 1946 e s gravada por ele muitos anos depois, em 1991. As outras duas ainda no foram gravadas por Joo: Exaltao Mangueira, conhecido samba cantado em 1956 por Jamelo, e Pica-pau, uma marchinha de Ari Barroso gravada pelos Quatro Ases e Um Curinga para o Carnaval de 1942.Pg 58

No ano 2000, ele incluiu em seus espetculos o samba de Herivelto Martins s Trs da Manh, que disse ter aprendido com Araci de Almeida, a primeira a grav-lo, em 1946, tendo sido regravado muito mais tarde por Moraes Moreira, em 1977. Joo tem um arsenal de canes brasileiras, muito alm do que se imagina para seus espetculos, fazendo essa historiogrfica conexo com canes do passado que estariam praticamente perdidas no tempo. Sua ligao com os conjuntos vocais dos anos 40 uma das fontes para pinadas como essas, que intrigam a platia e provocam a crtica. Ouvir depois de Joo as verses originais uma surpreendente experincia, pois fica mais clara a carga de informao acrescentada. Ele decompe a cano pedao por pedao, frase por frase, acorde por acorde, e a reconstri como um arteso, sob a forma unvoca de um som de voz e violo, acrescida do carter de um esteta. esse esteta que se ouve nos espetculos e discos que Joo Gilberto realizou depois que voltou a residir no Brasil. Convidou Rita Lee, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Maria Bethania para os dois primeiros discos brasileiros (1980 e 1981), instigando-os a cantar como ele, de modo independente do estilo de cada um. Como por encanto, foi o que aconteceu com cada um, surpreendentemente at com Maria Bethania, na gravao do LP Brasil: Eu gravei com ele sem fone, sem nada, conversando, cantando ns quatro (Joo, Caetano, Gil e eu), s com o violo dele, cantando, cantando, uma coisa louca [...]. Ento Joo me botou pra cantar assim. Quando me ouvi, eu disse: que isso? Eu tomei um susto, porque outra coisa. No tem uma lembrana da cantora que eu sou. Da cantora que todoPg 59

mundo conhece dos meus discos. No tem nada a ver. Fui apresentada a mim de novo. [17. Depoimento de Maria Bethania para o press-release de lanamento do disco Brasil (WEA).]Em alguns dos espetculos programados no Brasil, como no Caneco em 1979, Joo Gilberto enfrentou dificuldades com a sonorizao, embora muitas vezes estivesse sozinho com seu violo, ou seja, com a simples combinao sonora de sua identidade musical. Esse um dos aspectos que tm gerado as maiores controvrsias e acusaes (chegando mesmo a processos judiciais) e sobretudo a fama das descabidas necessidades de Joo Gilberto. Embora esteja muito longe das exigncias de algumas estrelas do show business, Joo irredutvel num ponto: a qualidade de sonorizao tem de ser irrepreensvel. Voz e violo precisam estar perfeitamente equilibrados, audveis de qualquer ponto, com um retorno perfeito para sua prpria performance; enfim, ele no aceita o quase perfeito. Seu apuro auditivo de tal ordem que consegue detectar em instantes o que tcnicos no perceberam, chegando a duvidar de suas colocaes. Ao final, acabam admitindo que ele tem razo. Sua notria preocupao com a sonorizao em espetculos no com o volume do violo e da voz no ambiente. com a clareza, a pureza, a definio e o equilbrio entre sons agudos, mdios e graves, com as freqncias harmnicas, como se os sons da voz e do violo pudessem ficar nitidamente prximos da platia. Em suma, gostaria de chegar ao ouvido de cada um como se estivesse a centmetros de distncia e no a vrios metros. Parece utpico, mas a acstica registraPg 60

inmeros casos de vastos ambientes onde um ator ou cantor, mesmo falando relativamente baixo, consegue ser ouvido com nitidez a uma grande distncia, como se estivesse ao lado do espectador. uma das surpresas de que se gabam os guias tursticos nas visitas a certas arenas e teatros gregos do passado. Quando a sonorizao est perfeitamente ajustada, ele consegue manter a iluso de que uma sala com 3 mil pessoas to pequena que o cantor parece estar frente de cada um. Nessas condies, um espetculo de Joo Gilberto uma inesquecvel experincia de integrao entre o artista e a platia, hipnotizada pela magia de seu som.

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8. A OBRA

A BBLIA DA BOSSA NOVA Caso no houvesse gravado nenhum outro disco alm dos trs iniciais da Odeon, Joo Gilberto teria ainda assim completado a tarefa de brindar o mundo com sua batida de samba e as principais diretrizes do novo modelo para a interpretao de msicas brasileiras isto , a Bossa Nova. Esses trs discos, Chega de Saudade (1959), O Amor, o Sorriso e a Flor (1960) e Joo Gilberto (1961) formam uma trilogia de nvel excepcional e se mantm to atuais como se tivessem sido gravados recentemente. Nenhum deles melhor que o outro; os trs so fundamentais na Bossa Nova, indispensveis na discografia de Joo e um marco na historia da msica brasileira.

Tom Jobim participou intensamente dos trs, e a integrao entre ele e Joo to natural que nem se pode dizer ter havido uma evoluo do primeiro para o terceiro disco. Nem chegam a destoar as quatro faixas de que participaram, neste ltimo, o excepcional

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organista Walter Vanderley, o trompetista argentino Ratita, o baixista Bebeto Castilho do Tamba Trio, Guarani nas caixetas e o baterista Wilson tocando vassourinhas. Alm das quatro faixas (vide Discografia), foi gravada uma quinta, a verso de Presente de Natal (Nelcy Noronha) com a participao do saxofonista Paulo Moura, que afinal foi rejeitada, sendo substituda por outra verso gravada depois. No selo do LP original da Odeon, o acompanhamento dessa msica, faixa 4 do lado B, figura como sendo de Walter Wanderley e seu conjunto, mas o que se ouve a verso posterior de Joo e violo somente. Nos trs discos esto presentes a depurao do suprfluo, as orquestraes enxutas, as introdues objetivas, a economia mxima, a espontaneidade, a leveza, distribudas pelas 35 canes 12 delas de Jobim sozinho ou com os parceiros Vinicius de Moraes e Newton Mendona. So a bblia sonora da Bossa Nova.

CINCO E MEIO

Stan Getz

Os cinco lbuns e meio seguintes gravados no exterior, so irregulares, especialmente pela atuao de Stan Getz em dois deles. Getz/Gilberto, o primeiro, foi um estouro, recebeu vrios prmios Grammy e atingiu alta vendagem depois de ter ficado meses arquivado, pois no sabiam como lan-lo no mercado da poca. A conepo do saxofonista notoriamente diferente da de Joo: ele usa a harmonia como guia para seus improvisos, o conceito de um jazzista. Na Bossa Nova, a melodia o centro para ser colorida nela prpria ePg 64

nas nuances harmnicas. Os improvisos banais de Stan Getz so recheados de escalas e clichs sobre o que ele parece no conhecer direito: as letras das msicas (o oposto do tambm saxofonista-tenor Dexter Gordon, que, antes de tocar um tema, declamava os versos solenemente, com sua voz de borracho). Mais grave ainda em Getz sua total incapacidade de compreender o esprito da Bossa Nova no que diz respeito delicadeza de som. Apesar de ser da escola do cool jazz, que tem sua origem em Lester Young, ele no toca cool em momento algum. Pode-se imaginar o que teria sido se Gerry Mulligan houvesse ocupado seu lugar. Com suas linhas horizontais de improviso, Gerry seria o homem certo para esses discos. Nesse ponto, vale lembrar como Stan Getz aderiu Bossa Nova, o que foi um man do cu para sua carreira. Quando o cantor Tony Bennett esteve pela primeira vez no Brasil, em maio de 1961, contratado pela TV Record e atravessando uma triste fase em sua vida artstica, seu contrabaixista Don Payne ficou fascinado com o que presenciou na msica brasileira. Houve um almoo promovido pelo empresrio carioca Flvio Ramos em sua casa de So Conrado, onde o pianista Luizinho Ea explicou por escrito a Don como era a batida da Bossa Nova. Saindo dali, Don abarrotou a mala com todos os discos de Bossa Nova que encontrou. Voltando aos Estados Unidos, levou-os a seu vizinho Stan Getz, passando a ele em primeira mo todos os detalhes do que conhecera. Getz no perdeu tempo: gravou o disco Jazz Samba com o guitarrista Charlie Byrd, que tambm estivera no Brasil e aprendera a Bossa Nova, seguido de Big Band Bossa Nova, antes mesmo do concerto do Carnegie Hall, do qual veio a participar com o destaque que os discos lhe deram. Conta-se que no disco Getz/ GilbertoPg 65

Astrud ganhou 120 dlares, Joo 23 mil e Getz o necessrio para comprar uma gigantesca manso ao norte de Nova York, onde passou a residir. Don Payne no viu a cor. Em Getz/Gilberto #2, ao vivo em 1964, Joo est sozinho no lado 2, livre de Getz, que ocupa o lado 1 com seu quarteto em temas americanos. No h conflito. Em seis msicas que j estavam nos discos Odeon, Joo tem um baixista americano e o baterista Helcio Milito do Tamba Trio, atuando com as vassourinhas na caixa da bateria e nos pratos, como Milton Banana j fizera em Getz/Gilberto. Helcio passou a tocar samba com duas vassourinhas nos anos 50, fazendo o shake das oito semicolcheias com a esquerda, como um ganz, e um ritmo livre nos pratos ou na caixa com a mo direita. Mais tarde, passaria a usar a vassourinha da direita semifechada, resultando uma batida um pouco mais intensa, mas muito aqum da produzida pela das baquetas no aro, que naquele ano de 1964 padronizava a bateria de Bossa Nova. As seis msicas no Getz/Gilberto #2 servem ainda para certificar que o violo de Joo preenchia perfeitamente os baixos do contrabaixo. O outro disco com Getz, The Best of Two Worlds, de 1976, foi planejado para ser uma segunda edio de Getz/Gilberto e teria Tom Jobim ao piano. Pelo excelente repertrio, poderia ter sido maravilhoso, mas talvez o pior lbum de Joo Gilberto, por conta das pretenses de Stan Getz. O som do saxofone desagradavelmente preponderante, a percusso desbalanada destruidora, e, pelo resultado, pode-se imaginar o arranca-rabo que deve ter sado, principalmente aps a desastrosa mixagem feita pelo produtor )o prprio Stan Getz, que no pretendia participar de Retrato em Branco e Preto [Tom Jobim/Chico Buarque], masPg 66

mudou de idia depois de tudo gravado, sobrepondo seu saxofone onde j existia um solo de piano que foi rebaixado).Embora seu nome no conste nem no selo nem na capa, Micha (na poca, mulher de Joo) participa de quatro faixas, inclusive em Izaura (Herivelto Martins). que j havia cantado no disco de 1973. mas nesse caso acrescida de uma verso barata para o ingls, de Monica Christina (mulher de Getz). A capa uma foto-montagem, pois Joo jamais foi fotografado com Getz e Micha. Como curiosidade, vale citar que a letra de Ligia ainda no era a definitiva, que seria gravada depois. Capa Branca A primeira gravao de Izaura com Joo e Micha est no disco Joo Gilberto, de 1973, apelidado da capa branca, talvez o mais equilibrado dos feitos no exterior. Foi gravado sossegadamente num estdio prximo do apartamento do West Side onde o casal residia. o primeiro disco mais prximo do que j era, e continuaria sendo, um recital de Joo Gilberto. Micha est impecvel fazendo a primeira voz para a segunda de Joo. A sesso rtmica resumida ao baterista americano Sonny Carr tocando vassourinha discretamente, numa cesta de lixo invertida, tendo por isso sido chamado no de drummer, mas de basket player. Baixa do Sapateiro (Ari Barroso) interpretada s no violo, sem canto; j Avarandado (Caetano Veloso) um raro exemplo do violo acompanhando o canto em arpejos. Undi um tema minimalista de Joo explorando suas inesgotveis harmonias, e Bebel a alegre valsinha que ele fez para sua filha Isabelzinha, uma ciranda-modelo, com Joo dobrando a voz.Pg 67

O tcnico de som era Walter Carlos, que impulsionara a msica eletrnica nos anos 60 com a srie Switched on Bach, interpretando fugas com a tecnologia do sintetizador. Metade das dez canes desse disco seria regravada trs anos depois, no malfadado Best of Two Worlds, focalizado acima. Qualquer uma delas infinitamente superior neste, que um disco indispensvel; Preciso Perdoar (Carlos Coqueijo/Alcivando Luz) e Izaura so pontos culminantes da carreira discogrfica de Joo. En Mxico Os discos Joo Gilberto en Mxico, de 1970, e Amoroso, de 1976, completam a srie de cinco discos e meio no exterior, antes do retorno ao Brasil. Em ambos, Joo aventura-se cantando tambm em espanhol, ingls e italiano, mostrando que sua concepo musical poderia ser aplicada a msicas de quaisquer origens. Para o disco do Mxico, idealizado por Mariano Rivera Conde, marido da compositora Consuelo Velzquez, ele convocou Oscar Castro-Neves, que deu pinceladas de trombone, flautas e um naipe de cordas, com a mesma economia empregada antes por Tom Jobim. O resultado foi um disco muito elegante. Alm dos surpreendentes boleros Besame Mucho e Eclipse, da valsa Farolito e do fox (em levada shuffle) Trolley Song, destacam-se no repertrio brasileiro O Sapo, do companheiro Joo Donato, e Acapulco, seu lindo tema at agora sem letra (em portugus, j que foi vertido para o ingls por Kelley Miles com o ttulo And Now). Em 1991 o disco foi relanado em CD, cuja qualidade sonora faz justia ao que efetivamente foi gravado, o que no ocorreu com o LP lanado no Brasil em 1970, uma prensagem relaxada.Pg 68

Amoroso A discrio de Oscar contrasta com a fartura da sesso de cordas idealizada pelo arranjador alemo Claus Ogerman em Amoroso, um disco contemplativo, cotado entre os melhores de Joo Gilberto, ele prprio no escondendo seu entusiasmo na poca do lanamento. A mixagem envolvente no prejudica nem a voz nem o violo, pois no h abuso; mas levantar violinos, violas e violoncelos, como em Estate (Bruno Martino/Bruno Brighetti), pode ser contestado (ainda que as cordas soem magnficas). Tintim por Tintim (Haroldo Barbosa/Geraldo Jaques) e Triste (Tom Jobim) esto seguramente entre os grandes momentos gravados por Joo em sua carreira. Seu S Wonderful levou os prprios americanos a ficarem atnitos ante uma nova concepo no fraseado e na harmonia do violo para um dos clssicos mais gravados nos Estados Unidos ao longo de 50 anos. Esse disco foi o modelo de outros do mesmo estilo, pois Ogerman era considerado o arranjador estrangeiro que melhor tinha compreendido a Bossa Nova. DE VOLTA AO BRASIL Depois desses cinco discos e meio, ficou claro que Joo poderia fazer um disco sozinho, de voz e violo, ao vivo ou em estdio, igual ou melhor que os anteriores. E mais: que poderia, a exemplo de seus espetculos, cantar outras vezes uma cano j gravada. Sempre haveria um novo Joo Gilberto e um novo Desafinado (sua msica mais gravada, seis vezes em 15 discos e meio, cada uma diferente da outra). Como Duke Ellington nas dezenas de vezes que gravou os clssicos Mood ndigo ouPg 69

Solitude. E, se aparecerem novas gravaes, ningum vai reclamar; ao contrrio, vo ser estudadas. O conjunto de seis lbuns gravados nos 20 anos seguintes, entre 1980 e 2000, destaca outra caracterstica, a valorizao das msicas do passado. Os compositores mais freqentes, anteriores Bossa Nova, so Ari Barroso, Janet Almeida (o quase desconhecido cantor e compositor que morreu aos 26 anos e era irmo de Joel de Almeida, da dupla Joel & Gacho), Herivelto Martins (o criador do Trio de Ouro, marido de Dalva de Oliveira, pai de Pery Ribeiro e um dos mais prolficos compositores nacionais) e a dupla Haroldo Barbosa/Geraldo Jacques (que abastecia o repertrio de Os Cariocas). Dos seis lbuns, trs foram gravados ao vivo (num deles, duplo, vale admitir que a maior parte ao vivo). Como o legendrio pianista Vladimir Horowitz (1903-89),Joo Gilberto mantm sempre o mesmo nvel de excelncia diante de uma platia, sem precisar remendos ou maquilagens tcnicas.Grava a boa de prima, como se diz na gria dos estdios. Joo Gilberto Prado Pereira de Oliveira Em 1980, Joo Gilberto gravou um programa especial numa srie da TV Globo, cujos ttulos eram os nomes completos de cada convidado. Donde seu nome prprio na capa do disco extrado desse programa, realizado no Teatro Fnix, tendo como suas convidadas a filha Bebel e Rita Lee, uma surpresa que Joo reservou para os presentes. Chega a ser incrvel que tantos elementos, como as cmeras de televiso e os operadores, no tenham perturbado o resultado da gravao de udio, pois um disco muito feliz.O repertrio consta de alguns clssicos da Bossa Nova o sempre delicioso O Pato (Jaime Silva/Neuza Teixeira), os emblemticos Desafinado e

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Chega de Saudade misturando-se com a romntica Eu e a Brisa (Johnny Alf), a travessa Jou Jou Balangands (Lamartine Babo) e o emocionado samba-exaltao Canta, Brasil (Alcyr Pires Vermelho/ David Nasser). Uma novidade a batida de samba tradicional do violo de Joo na primeira e terceira vez que executa Curare (Boror), pois na segunda h passagens mais subliminares do ritmo. Brasil Uma mgica de Joo Gilberto , como foi dito, fazer com que cantoras e cantores cantem como ele, o que aconteceu com Astrud, Micha e Rita Lee nos discos anteriores. Que Caetano e Gil cantem como Joo no de estranhar, mas que Maria Bethania (como vimos no captulo 7) tambm abra mo de seu estilo consagrado e cante No Tabuleiro da Baiana como se escuta nesse disco de embasbacar. Foi uma das grandes novidades do lbum, discutido e gravado por Joo e seus convidados baianos ao longo de nove meses, trs dos quais consumidos em ensaios num apartamento alugado para esse fim. S poderia ser um disco baiano, mas no h sotaque regional, sendo o repertorio centrado em homenagens ao Brasil e Bahia via Dorival Caymmi, Ari Barroso (mineiro) e Denis Brean (paulista). Qual seria a reao de Denis, um crtico ferino de Joo, falecido em 1969, ao ouvir sua Bahia com H assim cantada? Provavelmente nem ele resistiria. Em vrias faixas, o trio Joo-Caetano-Gil canta em unssono, mais parecendo uma dobra da mesma voz; nos solos de cada um, o estilo sem vibrato de Joo denominador, e, se Caetano deixa escapar um falsete (em Bahia com H), o resultado como se Joo cantasse pelas vozes dos dois. Em Disse Algum (verso de All of Me, de Seymons/Gerald marks),Pg 71

nica faixa fora do contexto Bahia/Brasil, Joo toca violo nos quatro tempos de cada compasso, Freddie Greene, o guitarrista da orquestra de Count Basie, diferentemente dos foxes gravados nos discos anteriores. Cada caso cada caso, j tinha dito Tom Jobim. A orquestra, dessa vez com impecveis arranjos do renomado Johnny Mandel, foi acrescentada posteriormente s vozes e ao violo e combina com esse conjunto na medida e nos timbres, completando os dois lados de um LP com seis faixas, ou 26 minutos, pouco para quem avalia pela quantidade. Para quem leva em conta o prazer, um disco estupendo. Live at the 19th Montreux Jazz Festival Na sua verso completa em LP, o lbum duplo gravado em Montreux o que mais se aproxima de um recital de Joo, faltando apenas seus habituais pedidos de ajuste de som (Joo no costuma fazer sound clieck), suas comunicaes bem-humoradas (as excees so muito mais comentadas) e o coro da platia, embora ele esteja s no finalzinho de A Felicidade (Tom Jobim e Vincius de Morais). Um disco elogiadssimo, alegre, emotivo, teoricamente muito simples, numa gravao esmerada do ntido violo equilibrado com a voz, ouvindo-se perfeitamente os efeitos de percusso que ele faz nas pausas. Como se Joo estivesse num palco montado em sua casa. Naquela noite brasileira do festival, dividida com Tom Jobim, que concordou em abrir o espetculo apesar do atraso em sua viagem at Montreux, Joo entrou no palco depois de uma da manh e cantou esplendidamente mais de duas horas, diante de uma platia entusiasmada. O repertrio tem cinco msicas inditas at ento: Preconceito (Wilson Batista/Marino Pinto), Sem Compromisso (Geraldo Pereira/Nelson Trigueiro),Pg 72

Pra Que Discutir com Madame (Janet Almeida/Haroldo Barbosa), Adeus, Amrica (Haroldo Barbosa/Geraldo Jacques) e Isto Aqui o Que ? (Ari Barroso), erroneamente intitulada Sandlia de Prata (Pedro Caetano/Alcyr Pires Vermelho) na contracapa e no selo do lbum em vinil. So 15 faixas, das quais pelo menos oito so clssicos gravados antes, o que pode levar quela reclamao freqente: Joo Gilberto repete sempre as mesmas msicas!Acontece que essas oito esto repletas de novas texturas, diferentes de gravaes anteriores. O Pato, por exemplo, no original do segundo disco da Odeon, era cantada duas vezes, durando 1min54. Em Montreux, a quarta gravao, ela dura 5min10, em cinco repeties. Na quinta vez, o violo no trecho gostou da dupla e fez tambm diferente do das anteriores, como tambm a acentuao em muito bom, muito bem, O final, dos qun-qun-qun-qun, era repetido rigorosamente igual nas oito vezes da primeira gravao, intercaladas pelo clarone. Em Montreux, Joo repete 16 vezes, cada uma diferente da outra, ora variando as quatro notas que deveriam ser as mesmas, ora mudando os acordes do violo, ora dividindo os diferentemente, ora fazendo um contracanto, ora imitando o clarone como se fosse um contrabaixo, deixando enfim a sensao de que poderia prosseguir por muito mas. A explicao simples: sendo essa nota dos qun-qun a dominante da escala, provoca uma tenso, como a tenso rtmica j abordada anteriormente. Esse final poderia ser em si uma msica inteira do repertrio de Joo Gilberto, como se fosse um blues.

Joo

Clare Fischer, delicado Brazilianist musician de Los Angeles desde a dcada de 60, foi o meticuloso arrancador convidade para completar as gravaes feitas

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no Rio para o disco Joo, que saiu com dez faixas inditas no LP e 12 no CD. um disco aparentado com Amoroso, repleto de prolas, com um acabamento primoroso, em que canes internacionais passam pela tica joo-gilbertiana, na qual so limadas as grandiloqncias enraizadas dos italianos, por exemplo. Com Joo Gilberto, o que era legitimamente sentimental em outro contexto passa por outro filtro, com seu enfoque no ritmo, nas harmonias, no sotaque da letra e, sobretudo, na delicadeza de tratamento. Um disco hermtico ou banal para ouvintes descuidados, brilhante para a sensibilidade dos que mergulharem nas suas profundezas. Nele, talvez mais que em qualquer outro, Joo um declarado cantor-msico. Em vista da escolha de uma tonalidade que um canrio recusaria, os graves sussurrados em Rosinha (Jonas Silva) e Mlaga (Fred Bongusto), menosprezados por quem no percebe sua perfeita afinao, so irretocveis como um diapaso. Da mesma forma, ele tambm o cantor-msico no canto falado em Sampa (Caetano Veloso). Joo mostra seu poder de iluminar as descries, de elucidar as reflexes; deixa-se embevecer com as metforas, transferindo integralmente sua emoo com a poesia de um hino de louvor cidade. Eu Sei que Vou Te Amar H uma gigantesca diferena entre o disco de Montreux e o do espetculo gravado no Palace de So Paulo, durante a srie Heineken Concerts, em 1994. A comear pela qualidade de som, bastando comparar suas msicas que esto em ambos, Desafinado e Estare. Em vez de brilhantes, os agudos so opacos, os graves no existem, e o disco inteiro incomoda pelo excesso. A edio de um Pg 74

amadorismo primrio, com emendas malfeitas; a seqncia no faz sentido, devendo ter sido montada no estdio com o intuito de disfarar aplausos aps cada nmero. Ao eliminar aplausos, a passagem do engenhoso acorde final de Estate (cantada em d menor) nada tem a ver com o primeiro acorde da msica seguinte,O Amor em Paz (em sol maior). Detalhando: o ltimo acorde de Estate um d menor com nona, e o corte faria sentido se Joo cantasse O Amor em Paz em si bemol, pois essa cano comea pelo segundo grau da escala, que seria tambm um acorde de d. Como Joo entra em O Amor em Paz no tom de sol maior, seu acorde inicial um l menor, sem relao tonal. Eu Sei que Vou Te Amar um disco artificial, de produo desleixada, em que o prprio Joo parece desanimado at mesmo em sambas como Rosa Morena (Dorival Caymmi), naturalmente provocante. Alguns sambas-cano dos anos 50 tambm se perdem no menos interessante dos discos ao vivo de Joo Gilberto. Joo Voz e Violo Finalmente, o disco que lhe deu o segundo Grammy, Joo Voz e Violo, gravado em estdio com novas interpretaes de Desafinado e Chega de Saudade. Em ambas, a batida do violo difere consideravelmente das verses anteriores, indo at de encontro a princpios da Bossa Nova em certos momentos. O disco foi gravado em dois dias, mas por essas duas faixas se pode avaliar quantas centenas de vezes Joo experimentou para a recriao de ambas.Joo canta o disco numa comovente intimidade a tal ponto que a voz arranha em algumas notas de Eu vim da Bahia, mas nada foi retocado. Ele atinge

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os graves sussurrados, quase murmurando, mas no destoa. As notas esto todas l. No repertrio h duas canes de Caetano, uma antiga e uma recente, e trs novidades: Voc Vai Ver (de Tom e Ana Jobim, gravada em 1980 no lbum Terra Brasilis), No Vou pra Casa (lado B da clebre marchinha Aurora para o Carnaval de 1944, com Joel & Gacho) e Segredo (grande sucesso de Herivelto Martins e Marino Pinto com Dalva de Oliveira e o Trio de Ouro em 1947). Mais um caso para ser criticado por quem avalia um disco pela quantidade de minutos e no pelo prazer inenarrvel de ouvir Joo Gilberto.

Foto: Joo Gilberto canta seu Joo Voz e Violo (Tom Brasil, 2000)

Pg 76Foto: Durante concerto no Palace, So Paulo (1991)

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EPLOGO

Se os discos preservam seu legado para todos, um recital de Joo Gilberto um privilgio pelo qual os brasileiros so invejados. Praticamente todos os anos, pode-se assistir o mestre do silncio e da pureza, que criou seu prprio som.

O pblico vai se sentando, aguarda as luzes enfraquecerem at o blackout, antes de se abrirem as cortinas.

Abriram.

O entusiasmo dos aplausos antecipa o que ser. O ritual comea com Joo Gilberto, de violo em punho, entrando determinado at o centro do palco. Senta-se rapidamente ajeita o instrumento e o microfone da voz e ataca a primeira nota. O som atravessa o espao, vai deixando a platia fascinada, em estado de graa. So as canes de sua gente, msica que agora j pertence ao mundo.

Joo cria uma sensao de levitao, que s pode ser explicada pelo elo da sensibilidade musical estabelecido

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entre ele e cada um na platia. Todos ouvem com respeito embevecidos arrepiados entram em xtase.

A certa altura, algum faz um pedido: Joo, canta Doralice! Parece que ele j estava esperando. Sem introduo, entra direto na melodia:

Doralice, eu bem que lhe disse,

Amar tolice,

bobagem, iluso...

A platia delira, possvel sentir a vibrao no ar, em qualquer canto. Quando termina, sob os aplausos intensos, Joo baixa a cabea parecendo refletir. D uma olhada imperceptvel nos cartazetes espalhados pelo cho, com os ttulos de msicas de seu repertrio. No se sabe exatamente em que momento se d a escolha, mas ele decide logo. Um acorde e basta. Direto na melodia:

Madame diz que a raa no melhora, que a vida piora por causa do samba,

Madame diz que o samba tem pecado, que o samba, coitado, devia acabar...

Madame diz que o samba democrata musica barata sem nenhum valor.

Vamos acabar com o samba,

Madame no gosta que ningum sambe...

Pra que discutir com Madame?...

Madame tem um parafuso a menos, s fala veneno, meu Deus, que horror!

O samba brasileiro, democrata, brasileiro na batata, que tem valor.

uma histria do triunfo do samba, do samba que Joo defende, divulga, eleva, esculpe e professa. Joo Gilberto um trunfo que o samba tem.

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Joo Gilberto tornou possvel o samba brasileiro no mundo.

Na platia, muitos se sentam gingando nas cadeiras, depois prorrompem em novos aplausos. Joo recomea:

Vai minha tristeza e diz a ela...

Somente quando solicitados pelo seu cdigo notrio, o baixar gradativo da voz, vo se atrevendo e comeam a cantar. Docemente, sem desafinar, sem errar a letra, sem sair do ritmo, um inacreditvel mimetismo vocal, num ajuste digno de uma performance muito bem preparada, guiados pelo seu violo e por um eventual contracanto na hora certa. Joo parece se deliciar ainda mais, aprova com um aceno e um sorriso aberto. Quando retorna ao seu volume normal, todos param, felizes em ouvi-lo novamente.

Aplausos, muitos aplausos, uma felicidade geral, gente de p, todos querem mais. Ele sai, mas as palmas no param. Mais um, mais um, mais um. Joo Gilberto volta.

Silncio.

Joo Gilberto vai cantar.

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APNDICE: PONTOS DE VISTA

Aqui esto quatro pontos de vista sobre Joo Gilberto, formulados especialmente para este livro por representantes de atividades extramusicais.

1

oo Gilberto o que podamos ter de melhor: a capacidade de lidar com o passado, com o que fomos, de maneira a nos tornar mais livres, possveis. O admirvel em sua relao com a tradio musical brasileira no se limita somente excelncia das escolhas, um bom gosto espantoso, que retira um Z da Zilda ou um Boror da massa quase annima de compositores populares e revela a grandeza do que parecia apenas mediania. Fabuloso de verdade o dom de encontrar a forma de abrir o passado, de torn-lo poroso, significativo no presente. H nas interpretaes de Joo

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Gilberto justeza (a afinao, o tom certo) e deslocamento (as divises inusuais, as duraes alteradas), uma continuidade feita de ajustes sutis um Brasil em que o jeito deixa de ser o escamoteamento das dificuldades para tornar-se talvez a maneira mais sbia de compreend-las.

Rodrigo Naves, crtico de artes plsticas

2

Joo acaricia a nota antes mesmo de ela comear, quando o som uma intuio, uma promessa de felicidade. E suavemente a abandona depois que o som se foi, deixando uma fragrncia de felicidade, O seu um fraseado contnuo, onde som e sentido amorosamente se enlaam e formam um terceiro tom, a que chamamos aurora.

Joo um poeta.Tem a sensibilidade e a delicadeza de um passarinho. Contempla o mundo com curiosidade. Cria novos mundos com sua arte.

Joo est aberto para a vida. Gosta de cantar, de conversar com os amigos, de ouvir o suave rumor do tempo.

No h um brasileiro como Joo. No h ningum to brasileiro quanto Joo.

Mario Sergio Conti, jornalista e escritor

3

Na memria das minhas emoes, nunca conheci nem procurei estabelecer uma fronteira entre aquelas que eram genuinamente pessoais isto , experimentadas

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nos limites restritos do meu prprio universo familiar e individual e aquelas que pertenciam ao mundo do ns e os outros isto , que se originavam de uma esfera coletiva, do mundo das comunicaes, da vivncia de um espao pblico.

No incio dos anos 60, j existia o que se poderia chamar um verdadeiro folclore urbano nas grandes cidades brasileiras. E Porto Alegre estava entre essas cidades. Havia uma nova cultura popular urbana, e pode-se dizer que ela sintetizava o comportamento da minha gerao, os jovens que emergiam para a compreenso da vida. Joo Gilberto irrompeu nesse universo, para mim, em um perodo de adolescncia e descoberta.

Seu violo sincopado e sua voz intimista, perfeita, modelaram meus padres de exigncia musical para o resto da vida. Era como se Joo Gilberto e Tom Jobim (que deu conseqncia a Joo) tivessem escavado as entranhas da batida do samba e de l tivessem extrado, em estado puro, o contraponto da caixeta (tamborim, para os gachos), um novo estilo, uma nova batida de samba. Eu achava aquilo incrvel.

Joo Gilberto cantava o amor, o sorriso e a flor com to inusitada leveza e to absoluta preciso meldica e rtmica que nada mais seria como antes, para todos ns, que abramos os coraes e as mentes para a inusitada aventura existencial que o sculo prometia. Poucas coisas na vida me deram to ntida sensao de que eu vivia no centro de um mundo em mudanas.

A voz e o violo de Joo Gilberto eram, para mim, mais do que msica: eram a certeza de um mundo em transformao. O Brasil nunca mais seria o mesmo. Ns nunca mais seramos os mesmos.

Jos Fogaa, senador da Repblica

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4

A fora de expresso da msica amplificada quando falamos desse mestre, que consegue sensibilizar-nos de forma sutil e criativa. Com suas melodias harmoniosas, percebe-se um agradvel e delicado carinho, que conforta nossos ouvidos.

A msica que Joo Gilberto faz para ser sentida, mais do que ouvida.

Deixemos que ele, atravs da msica, continue nos dizendo o que tem a dizer.

Luciano de Barros Couto, tcnico em eletrnica

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CRONOLOGIA

1931 Em 10 de junho, nasce em Juazeiro (Bahia) Joo Gilberto do Prado Pereira de Oliveira. Seu pai, comerciante, tambm toca clarinete, sendo mestre da banda local.

1949 Convidado para atuar como crooner do conjunto vocal Garotos da Lua da Rdio Tupi, vai para o Rio, participando de compromissos e gravaes.

1952 Grava seu primeiro disco de 78 rotaes, com Quando Ela Sai (Alberto Jesus/Roberto Penteado) e Meia-luz(Hianto de Almeida/ Joo Luiz), pelo selo Copacabana.

1953 Marisa Gata Mansa grava sua composio Voc Esteve com Meu Bem?.

1955 Vai viver alguns meses em Porto Alegre e depois em Diamantina, na casa de sua irm Dadainha.

1958 Casa-se com Astrud Weinert.

Maro/abril: participa como violonista no LP Cano do Amor Demais, com Elizeth Cardoso (Festa).

Julho: grava seu primeiro disco na Odeon, um 78, com Chega de Saudade e Bim Bom.

Novembro: grava seu segundo disco na Odeon, com Desafinado e H-b-l-l.

1959 Maro: lanado o primeiro LP de Joo Gilberto, Chega de Saudade.

Julho: grava um compacto com Manh de Carnaval (Antnio Maria/Lus Bonf) e O Nosso Amor (A.C.Jobim/Vinicius de Moraes).

1960 Realiza temporada na Argentina.

Maro/abril: grava o LP O Amor, o Sorriso e a Flor no Rio de Janeiro.

Maio: participa do show O Amor, o Sorriso e a Flor no Teatro de Arena da Faculdade de Arquitetura do Rio de Janeiro.

1961 Maro e julho: grava o LP Joo Gilberto no Rio de Janeiro.

1962 Julho/agosto: participa do show O Encontro na boate Au Bon Gourmet, Rio de Janeiro, com Tom ,Jobim,Vinicius de Moraes e Os Cariocas. lanada Garota de Ipanema (Tom Jobim/Vinicius de Moraes).

21 de novembro: participa do show O Concerto de Bossa Nova no Carnegie Hall, Nova York.

1963 Viaja para os Estados Unidos com Astrud e seu filho Joo Marcelo, nascido em 1960.

Maro: grava com Stan Getz, Tom Jobim e Astrud Gilberto o LP Getz/Gilberto, que receberia seis Grammies no ano de 1964.

Julho: excursiona pela Europa.

Setembro: est em Paris, para tratamento do brao. Inicia um romance com Heloisa Buarque de Holanda (Micha).

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1964 Fevereiro: em Nova York, vivendo com Micha em Manhattan.

Maro: excurso pelo Canad com Stan Getz. O LP Getz/Gilberto sucesso, com matria na revista Life.

Junho: faz temporada no Village Vanguard, Nova York, dobrando com Bill Evans. Outubro: grava ao vivo no Carnegie Hall, Nova York, o lado B do LP Getz/Gilberto #2. Dezembro: realiza quatro sets curtos na London House, Chicago, e interrompe o restante alegando como motivo o barulho da platia.

1965 Abril: casa-se com Micha.

Outubro: est no Rio iniciando tratamento com o fonoaudilogo Pedro Bloch.

1966 Janeiro: apresentao no programa O Fino da Bossa, no Teatro Record, So Paulo.

Maio: volta para os Estados Unidos. Nasce sua filha Isabel (Bebel Gilberto).

1967 Abril: apresentao no programa de inaugurao da televiso colorida na Alemanha, em Saarbrcken, convidado por Gilbert Bcaud.

Maio: volta para Paris, onde fica at junho.

Julho: faz temporada no Village Vanguard, Nova York, enquanto mora numa casa alugada no Brooklyn.

Agosto: aluga uma casa em Nova Jersey, onde recebe msicos americanos como Gerry Mulligan e Miles Davis e brasileiros como Paulo Vanzolini.

Novembro: faz temporada no Village Vanguard, Nova York.

Dezembro: faz turn pela Califrnia.

1968 Julho: apresenta-se no Central Park, Nova York, seguindo-se turn em Filadlfia e Washington

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Tambm trabalha num disco, que no se concretiza.

Outubro: apres