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Jornal da ABI Órgão oficial da Associação Brasileira de Imprensa Desprendido e generoso, ele doou à Universidade de São Paulo a mais preciosa biblioteca particular do País, com cerca de 40 mil títulos. VIDAS | PÁGINAS 43, 44 E 45 351 FEVEREIRO 2010 T IRA DE SEQÜESTRO NO C ONE S UL PROCESSA JORNALISTA LIBERDADE DE IMPRENSA | PÁGINAS 22 E 23 SUPREMO IMPLANTA O CAOS NO JORNALISMO Com a decisão capitaneada pelo Ministro Gilmar Mendes, oito meses depois instalou-se a balbúrdia em relação à questão do registro profissional para o exercício da atividade de jornalista. SÓCIO COOPERADOR DA ABI PODE VOTAR ASSEMBLÉIA-GERAL DA CASA AMPLIA O DIREITO DE VOTO. PÁGINAS 7 E 8 PÁGINAS 19 E 20 JORNAIS IMPORTANTES AGORA NO COMPUTADOR NA TELINHA, VEÍCULOS COMO A UH, DE WAINER. PÁGINAS 3, 4, 5 E 6 TEMOS NOME PARA O NOBEL: ABDIAS INSTITUIÇÕES DAQUI E DO EXTERIOR DÃO APOIO. PÁGINAS 34, 35 E 36 MINDLIN O BRASIL E A CULTURA PERDEM AQUELE QUE MAIS AMOU O LIVRO ENTRE NÓS ALIEDO

Jornal da ABI 351

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- Com a decisão capitaneada pelo Ministro Gilmar Mendes, oito meses depois instalou-se a balbúrdia em relação à questão do registro profissional para o exercício da atividade de jornalista. - Projetos de diversas instituições públicas recuperam a História da Imprensa no País com a digitalização e publicação na internet de centenas de periódicos e milhares de páginas de periódicos que marcaram época. E MAIS: homenagem a José Mindlin; entrevista com Carlos Alberto Luppi; Acordo ortográfico; e Paula Brito.

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Jornal da ABIÓrgão oficial da Associação Brasileira de Imprensa

Desprendido e generoso, ele doou à Universidade de São Paulo a mais preciosa biblioteca particular do País, com cerca de 40 mil títulos.VIDAS | PÁGINAS 43, 44 E 45

351FEVEREIRO

2010

TIRA DE SEQÜESTRO NO CONE SUL PROCESSA JORNALISTALIBERDADE DE IMPRENSA | PÁGINAS 22 E 23

SUPREMO IMPLANTA OCAOS NO JORNALISMO

Com a decisãocapitaneada pelo

Ministro Gilmar Mendes,oito meses depois

instalou-se a balbúrdiaem relação à questão

do registro profissionalpara o exercício da

atividade de jornalista.

SÓCIO COOPERADORDA ABI PODE VOTAR

ASSEMBLÉIA-GERAL DA CASA AMPLIAO DIREITO DE VOTO. PÁGINAS 7 E 8

PÁGINAS 19 E 20

JORNAIS IMPORTANTESAGORA NO COMPUTADOR

NA TELINHA, VEÍCULOS COMO A UH,DE WAINER. PÁGINAS 3, 4, 5 E 6

TEMOS NOME PARAO NOBEL: ABDIAS

INSTITUIÇÕES DAQUI E DO EXTERIORDÃO APOIO. PÁGINAS 34, 35 E 36

MINDLIN O BRASIL E A CULTURA PERDEM AQUELE QUE MAIS AMOU O LIVRO ENTRE NÓSA

LIEDO

2 Jornal da ABI 351 Fevereiro de 2010

CONSERVADORISMO E MÁ-FÉA INSTITUIÇÃO DO III Programa Nacional de

Direitos Humanos, objeto de decreto firmadopelo Presidente da República em 21 de dezem-bro passado,desencadeou uma onda de críticas,reparos e recriminações de setores e persona-lidades inconformados com as disposições dotexto elaborado pela Secretaria Especial deDireitos Humanos da Presidência da Repúbli-ca como coroamento de demorado esforçocoletivo, de que participaram, em conferênci-as estaduais e no âmbito federal, organizaçõesda sociedade civil que tinham significativa con-tribuição a oferecer acerca de tão relevante tema.

MUITAS DAS CRÍTICAS refletiam a insatisfaçãolegítima de respeitáveis setores da vida social esuas instituições, como a Conferência Nacionaldos Bispos do Brasil-CNBB, que se insurgiu, porrazões de princípio, contra as disposições do Pro-grama referentes à polêmica questão do aborto,que divide a sociedade e até mesmo segmentosda própria Igreja Católica. As manifestações daCNBB acerca desse ponto não constituíram sur-presa, já que é conhecida de há muito a posiçãodo Vaticano contrária à interrupção da vida du-rante o processo de gestação. Não há por que,portanto, estranhar os pronunciamentos não sóda CNBB, como órgão maior da hierarquia da IgrejaCatólica, mas também dos clérigos que intervi-eram e ainda intervêm nesse debate, que tendea se prolongar pelo tempo afora.

NÃO SÃO FUNDADAS em qualquer réstia de le-gitimidade outras objeções ao Programa, mui-tas das quais fruto de evidente má-fé e de in-contestável tentativa de enganar a opiniãopública, como a de se apresentar como fatoacabado e em plena vigência tudo o que constado texto subscrito pelo Presidente, sem se aler-

EditorialEditorial DESTAQUES DESTA EDIÇÃO

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

03 Documentação Documentação Documentação Documentação Documentação - Memória virtual e bem real

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

10 PPPPPolêmicaolêmicaolêmicaolêmicaolêmica - Um mar de desacordos

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14 DepoimentoDepoimentoDepoimentoDepoimentoDepoimento - Carlos Alberto Luppi

19 LegLegLegLegLegislação islação islação islação islação - Diploma: STF desencadeou

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contradições

20 Meio ambienteMeio ambienteMeio ambienteMeio ambienteMeio ambiente - André Trigueiro,

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destaque especial

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21 Prêmios Prêmios Prêmios Prêmios Prêmios - Mais duas premiações para Época

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32 CampanhaCampanhaCampanhaCampanhaCampanha - Imagens a serviço da solidariedade

34 Mobil izaçãoMobil izaçãoMobil izaçãoMobil izaçãoMobil ização - Nobel da Paz para

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Abdias Nascimento

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37 PublicaçãoPublicaçãoPublicaçãoPublicaçãoPublicação - Para aplaudir de pé

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38 BiógBiógBiógBiógBiógrafarafarafarafarafa - Uma autora de estrelas

41 MemóriaMemóriaMemóriaMemóriaMemória - 200 anos do nosso primeiro

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

grande editor

SEÇÕES09 MMMMMENENENENENSASASASASAGENGENGENGENGENSSSSS

AAAAACCCCCONTEONTEONTEONTEONTECEUCEUCEUCEUCEU N AN AN AN AN A AB AB AB AB ABIIIII

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

07 A ABI amplia o direito de voto

LLLLLIIIIIBBBBBERERERERERDDDDDADEADEADEADEADE D ED ED ED ED E I I I I IMMMMMPPPPPRRRRRE NE NE NE NE NSASASASASA

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22 Uma história que não pode ser apagada

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

26 Uma profissão sob constante risco

DDDDDIIIIIRRRRREITE ITE ITE ITE ITO SO SO SO SO S H H H H HUUUUUMANOSMANOSMANOSMANOSMANOS

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28 Ranking na imprensa foi proposto no Governo FHC

30 “Tortura não é crime político. Está fora,

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portanto, da Lei da Anistia”

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31 Anistia para operários e para Mário Covas

LLLLLIVROSIVROSIVROSIVROSIVROS40 Adolpho Lutz, o cientista que descobriu as

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doenças de massa no Brasil

VVVVVIIIIIDDDDDASASASASAS

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43 José Mindlin

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46 Antônio Castigliola

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46 Pedro França Pinto

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47 Murilo Antunes Alves

DIRETORIA – MANDATO 2007/2010Presidente: Maurício AzêdoVice-Presidente: Tarcísio HolandaDiretor Administrativo: Estanislau Alves de OliveiraDiretor Econômico-Financeiro: Domingos MeirellesDiretor de Cultura e Lazer: Jesus ChediakDiretor de Assistência Social: Paulo Jerônimo de Sousa (Pajê)Diretor de Jornalismo: Benício Medeiros

CONSELHO CONSULTIVO 2007-2010Chico Caruso, Ferreira Gullar, José Aparecido de Oliveira (in memoriam), Miro Teixeira, TeixeiraHeizer, Ziraldo e Zuenir Ventura.

CONSELHO FISCAL 2009-2010Geraldo Pereira dos Santos, Presidente, Adail José de Paula, Adriano Barbosa doNascimento (in memoriam), Jorge Saldanha de Araújo, Luiz Carlos de Oliveira Chesther,Manolo Epelbaum e Romildo Guerrante.

MESA DO CONSELHO DELIBERATIVO 2009-2010Presidente: Pery Cotta1º Secretário: Lênin Novaes de Araújo2º Secretário: Zilmar Borges Basílio

Conselheiros efetivos 2009-2012Adolfo Martins, Afonso Faria, Aziz Ahmed, Cecília Costa, Domingos Meirelles, FernandoSegismundo, Glória Suely Álvarez Campos, Jorge Miranda Jordão, José Ângelo da SilvaFernandes, Lênin Novaes de Araújo, Luís Erlanger, Márcia Guimarães, Nacif Elias HiddSobrinho, Pery de Araújo Cotta e Wilson Fadul Filho.

Conselheiros efetivos 2008-2011Alberto Dines, Antônio Carlos Austregesylo de Athayde, Arthur José Poerner, Carlos ArthurPitombeira, Dácio Malta, Ely Moreira, Fernando Barbosa Lima (in memoriam), LedaAcquarone, Maurício Azêdo, Mílton Coelho da Graça, Pinheiro Júnior, Ricardo Kotscho,Rodolfo Konder, Tarcísio Holanda e Villas-Bôas Corrêa.

Conselheiros efetivos 2007-2010Artur da Távola (in memoriam), Carlos Rodrigues, Estanislau Alves de Oliveira, Fernando Foch,Flávio Tavares, Fritz Utzeri, Jesus Chediak, José Gomes Talarico, José Rezende Neto,Marcelo Tognozzi, Mário Augusto Jakobskind, Orpheu Santos Salles, Paulo Jerônimo deSousa (Pajê), Sérgio Cabral e Terezinha Santos.

Conselheiros suplentes 2009-2012Antônio Calegari, Antônio Henrique Lago, Argemiro Lopes do Nascimento (Miro Lopes),Arnaldo César Ricci Jacob, Ernesto Vianna, Hildeberto Lopes Aleluia, Jordan Amora,Jorge Nunes de Freitas, Luiz Carlos Bittencourt, Marcus Antônio Mendes de Miranda,Mário Jorge Guimarães, Múcio Aguiar Neto, Raimundo Coelho Neto (in memoriam) eRogério Marques Gomes.

Conselheiros suplentes 2008-2011Alcyr Cavalcânti, Edgar Catoira, Francisco Paula Freitas, Francisco Pedro do Coutto,Itamar Guerreiro, Jarbas Domingos Vaz, José Pereira da Silva (Pereirinha), Maria doPerpétuo Socorro Vitarelli, Ponce de Leon, Ruy Bello (in memoriam), Salete Lisboa, SidneyRezende,Sílvia Moretzsohn, Sílvio Paixão e Wilson S. J. de Magalhães.

Conselheiros suplentes 2007-2010Adalberto Diniz, Aluízio Maranhão, Ancelmo Góes, André Moreau Louzeiro, ArcírioGouvêa Neto, Benício Medeiros, Germando de Oliveira Gonçalves, Ilma Martins da Silva,José Silvestre Gorgulho, Luarlindo Ernesto, Luiz Sérgio Caldieri, Marceu Vieira, MaurílioCândido Ferreira, Yacy Nunes e Zilmar Borges Basílio.

COMISSÃO DE SINDICÂNCIAJarbas Domingos Vaz, Presidente, Carlos Di Paola, José Carlos Machado, Luiz Sérgio Caldieri,Marcus Antônio Mendes de Miranda, Maria Ignez Duque Estrada Bastos e Toni Marins.

COMISSÃO DE ÉTICA DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃOAlberto Dines, Arthur José Poerner, Cícero Sandroni, Ivan Alves Filho e Paulo Totti.

COMISSÃO DE LIBERDADE DE IMPRENSA E DIREITOS HUMANOSOrpheu Santos Salles, Presidente; Wilson de Carvalho, Secretário; Arcírio Gouvêa Neto,Daniel de Castro, Germando de Oliveira Gonçalves, Gilberto Magalhães, Lucy MaryCarneiro, Maria Cecília Ribas Carneiro, Mário Augusto Jakobskind, Martha Arruda dePaiva e Yacy Nunes.

COMISSÃO DIRETORA DE ASSISTÊNCIA SOCIALPaulo Jerônimo de Sousa, Presidente, Ilma Martins da Silva, Jorge Nunes de Freitas, JoséRezende Neto, Maria do Perpétuo Socorro Vitarelli e Moacyr Lacerda.

REPRESENTAÇÃO DE SÃO PAULOConselho Consultivo: Rodolfo Konder (Diretor), Fausto Camunha, George Benigno JatahyDuque Estrada, James Akel, Luthero Maynard, Pedro Venceslau e Reginaldo Dutra.

Jornal da ABINúmero 351 - Fevereiro de 2010

Editores: Maurício Azêdo e Francisco UchaProjeto gráfico e diagramação: Francisco UchaEdição de textos: Maurício Azêdo

Apoio à produção editorial: Alice Barbosa Diniz,André Gil, Conceição Ferreira, Diogo Collor Jobimda Silveira, Guilherme Povill Vianna, Maria IlkaAzêdo, Mário Luiz de Freitas Borges.

Publicidade e Marketing: Francisco Paula Freitas(Coordenador), Queli Cristina Delgado da Silva,Paulo Roberto de Paula Freitas.

Diretor Responsável: Maurício Azêdo

Associação Brasileira de ImprensaRua Araújo Porto Alegre, 71 - Rio de Janeiro, RJ -Cep 20.030-012Telefone (21) 2240-8669/2282-1292e-mail: [email protected]

Representação de São PauloDiretor: Rodolfo KonderRua Dr. Franco da Rocha, 137, conjunto 51Perdizes - Cep 05015-O4OTelefones (11) 3869.2324 e 3675.0960e-mail: [email protected]

Impressão: Taiga Gráfica Editora Ltda.Avenida Dr. Alberto Jackson Byington, 1.808Osasco, SP

tar que a adoção de inúmeras disposições nelecontidas depende de formulação de projeto aser encaminhado ao Congresso Nacional paraser por este aprovado ou rejeitado. Os autoresdesses questionamentos são macacos velhos,para usar a expressão popular, têm absolutoconhecimento dessa premissa essencial, masinsistem em esgrimi-la como forma de atacar oGoverno. No fundo, porém, não é este o atingi-do pelos golpes a respeito desfechados, mas simo conjunto da sociedade, que, através de orga-nizações representativas, viu incorporadas aoPrograma mudanças e inovações que correspon-dem às opiniões e sentimentos recolhidos aolongo de sua militância social, como é o caso daprópria legislação do aborto.

A MOTIVAÇÃO ILEGÍTIMA de outras objeçõesfica clara, por exemplo, na alegação de que oPrograma Nacional de Direitos Humanos incluientre outras medidas a criação de um rankingsobre a atuação da imprensa, o qual constitui-ria uma demonstração de que o atual Governoestaria propenso ou cogitaria de impor restri-ções à liberdade de expressão e à liberdade deinformação. Esse aspecto é apresentado comonovidade do Programa, omitindo-se a informa-ção de que tal proposição não é original, poisconstara dos dois Programas anteriores, elabo-rados sob a liderança de uma personalidade decomprovada militância democrática, o ex-Se-cretário de Direitos Humanos José Gregory.

ESTAMOS, POIS, DIANTE de manifestações pre-ocupantes não tanto por seu teor conservadorou, em muitos aspectos, reacionário, mas pelaabsoluta falta de ética daqueles que dela nãopodem abrir mão, até em respeito à credibilida-de que precisam ter.

3Jornal da ABI 351 Fevereiro de 2010

MEMÓRIAVIRTUAL

E BEM REALProjetos de diversas instituições públicas recuperama História da Imprensa no País com a digitalização epublicação na internet de centenas de periódicos e

milhares de páginas de periódicos que marcaram época.

POR MARCOS STEFANO

A internet e a imprensa vivem uma relação tensa de longa data. Ado-rada por uns devido aos novos recursos e agilidade que trouxe à repor-tagem e odiada por outros, especialmente quando se fala da atual crisedos impressos ou de sua vocação para a efemeridade e a superficialida-de, a rede mundial de computadores agora é uma aliada do jornalismoem outra área: a preservação da memória. Diversas instituições e órgãospúblicos, de universidades e bibliotecas a arquivos públicos, aproveita-ram as comemorações dos 200 anos da imprensa no Brasil, celebradosem 2008, para iniciar projetos de digitalização de jornais e revistas quemarcaram época.

Atualmente, centenas de títulos e milhares de páginas estão on-line,a um clique de distância de pesquisadores, estudantes e interessados nãoapenas na trajetória da imprensa, mas na descoberta do modo de vida edo caminho percorrido por uma nação inteira. Graças à tecnologia, pe-riódicos como Última Hora, de Samuel Wainer, a revista O Malho, oCorreio Paulistano, primeiro diário da província de São Paulo, e O Uni-versal, uma das mais antigas folhas mineiras, podem ser lidos novamen-te, desta vez no mundo virtual.

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DOCUMENTAÇÃO

4 Jornal da ABI 351 Fevereiro de 2010

ários desses projetos surgi-ram a partir da microfilma-gem do acervo físico guar-dado por hemerotecas e bi-bliotecas públicas, trabalho

que vem sendo feito há algum tempo.O Arquivo Público do Estado do Espí-rito Santo, por exemplo, participou doPlano Nacional de Microfilmagem dePeriódicos Brasileiros, coordenado pelaBiblioteca Nacional, que reproduziu epreservou milhares de títulos de peri-ódicos de todo o Brasil. Em 1986, umaparte do material capixaba já fora dis-ponibilizado na forma de catálogo.Desde então, outros títulos se soma-ram ao projeto e mais recentemente,em comemoração ao centenário doArquivo Público, o primeiro exemplarde cada um dos 72 veículos de 13 dife-rentes Municípios do Espírito Santo foipara a rede e pode ser baixado em for-mato PDF. Está lá até mesmo o primeironúmero do Correio de Victória, com oqual nasceu efetivamente, em 1849, aimprensa capixaba.

Em alguns casos, as publicações di-gitalizadas são de alguma coleção. É ocaso do Acervo Linhares, formado porcentenas de títulos que circularam emBelo Horizonte entre os anos de 1895 e1954. Apesar de não ser jornalista, Joa-quim Nabuco Linhares era fascinadopela imprensa de seu tempo. Ele rastre-ava todos os jornais publicados na ca-pital mineira e colecionava um a um semfazer qualquer julgamento. Não interes-sava se era sofisticado ou não. Assimadquiriu publicações mimeografadas,folhas datilografadas e gazetas maiselaboradas, daquelas que existem atéhoje, mas que começaram a ser produ-zidas em Belo Horizonte no começo daindustrialização da imprensa, em 1920.

Quando faleceu, em 1956, Linharesdeixou para a família aquilo que cha-mou de “itinerário da imprensa”, com839 títulos e uma resenha escrita de

próprio punho de cada um. São milha-res de exemplares de natureza políti-ca, literários, culturais, humorísticos,associativos, esportivos e de operários.Também de italianos, árabes, alemães;folhas católicas, maçônicas, protestan-tes, espíritas, boletins e revistas estu-dantis; informes de blocos carnavales-cos, panfletos publicitários e grandesjornais comerciais. Desde que o acer-vo foi adquirido pela UniversidadeFederal de Minas Gerais, em 1976, co-meçou-se a buscar alternativas de sepreservar esse material e torná-lo aces-sível ao maior número de interessados.Se a primeira questão foi resolvida coma microfilmagem, a última só se tornoupossível com a digitalização e publica-ção da Biblioteca Digital Linhares nainternet. Mesmo assim, o caminhoainda promete ser longo: estão dispo-níveis na web os veículos com títulosque começam até a letra H, ou seja,pouco mais de um terço do total.

266 periódicos “democratizados”A formação dos acervos que estão

sendo digitalizados costuma ser com-parada pelos pesquisadores e respon-sáveis pelos projetos à própria ediçãode um jornal: nada é aleatório. Assimcomo a imprensa seleciona, ordena,estrutura e narra as notícias, aquelesjornais formam uma imagem da soci-edade da época. Os exemplares guarda-dos precisam ser escolhidos, assimcomo os que serão digitalizados:

– Esse tipo de material é muito con-sultado. Manter o acervo físico dispo-nível para exame dos interessados é caroe limita muito o acesso. Os jornais es-tão microfilmados desde os anos 1970,mas leitoras de microfilme custam caro.A internet nos ofereceu uma forma dedemocratizar a informação e um novomeio de preservar tudo – explica o pro-fessor Renato Pinto Venâncio.

Em 2005, quando Venâncio era oSuperintendente do Arquivo Público

Mineiro-APM, começou a ser projeta-da a digitalização de uma das maiscompletas coleções de impressos doPaís, o Jornais Mineiros do Século XIX:digitalização, indexação e acesso. Reali-zado pela Secretaria de Estado de Cul-tura de Minas Gerais, através do Arqui-vo Público e da Superintendência deBibliotecas Públicas/Hemeroteca His-tórica, e financiado pela Fundação deAmparo à Pesquisa do Estado de MinasGerais-Fapemig e Secretaria de Ciên-cia, Tecnologia e Ensino Superior, oprojeto já colocou desde 2006 na inter-net mais de 70 mil páginas de 267 pe-riódicos mineiros publicados entre osanos de 1825 e 1900.

Além de periódicos responsáveispela divulgação de ações governamen-tais, a coleção virtual mineira possuiperiódicos de cunho religioso, como OBom Ladrão, criado em 1873, na cida-de de Mariana, e O Lar Catholico, fun-dado em Juiz de Fora, em 1891. Ainda

V

5Jornal da ABI 351 Fevereiro de 2010

há jornais de cunho republicano, quecomeçaram a ser publicados na segun-da metade do século XIX e se transfor-maram em instrumentos de agitaçãopolítica. Um dos mais conhecidos foio Minas Livre, também de Juiz de Fora,que no ano de 1891 alcançou tiragensde mil exemplares por edição.

Apesar da quantidade de páginas on-line, é curioso que o primeiro periódi-co do Estado, o Compilador Mineiro, de1823, não faça parte do projeto. A únicacoleção que se sabe ainda existir dapublicação pertence à Biblioteca Naci-onal, no Rio de Janeiro. Em contrapar-tida, O Universal, uma folha de tendên-cia moderada lançada no mesmo mêsem que o Compilador fechou, no ano de1825, está completa no site do APM.Durante 17 anos, esse jornal funcionoucomo uma espécie de diário oficial daprovíncia: era responsável pela publica-ção dos atos governamentais e trazia emsuas páginas decretos, editais, leis daPresidência da Província e discussões dasAssembléias Provincial e Geral. Outrojornal responsável por divulgar atosgovernamentais, O Correio de Minas,também teve exemplares digitalizadose disponibilizados na rede.

A ação do Arquivo Público Mineiromostra a importância dos projetos dedigitalização para a conservação damemória da imprensa e do País. O acer-vo que agora ganha a web começou a serformado em fins do século XIX pelohistoriador e Deputado provincial JoséPedro Xavier da Veiga. Fundador e pri-meiro diretor do APM, Veiga foi um dosresponsáveis pela determinação de queo trabalho da recém-criada repartiçãonão se limitaria ao recolhimento dedocumentos da administração públi-ca estadual, mas se estenderia aos Mu-nicípios. Para tanto, instituiu corres-pondentes encarregados da aquisiçãodos documentos em cada localidade.Segundo levantamento feito pelo ór-

gão, somente de 1824 a 1897 MinasGerais teve 863 gazetas, publicadas em118 cidades, vilas ou arraiais. O APMteve em seu poder grande parte dessesjornais, mas apenas 266 sobraram paracontar a história.

– É uma pena, pois nada melhor doque documentos de época para falarsobre nossa trajetória. No site do Arqui-vo Público há fotografias históricas, fil-mes que contam o passado de MinasGerais, documentos manuscritos e te-ses acadêmicas. Esse material, além depreservado, tem acesso irrestrito. E osjornais se juntam a eles, acredito, deforma pioneira no Brasil. Na coleçãotemos jornais de todos os tipos: políti-cos, culturais e até voltados para o pú-blico feminino, como o Mimo. Alémdisso, não estamos centralizados apenasna capital, mas temos feito diversas par-cerias com Municípios do interior. Ini-ciativas como a da cidade de Oliveira, quedigitalizou o jornal Gazeta de Oliveira de1887 a 2000, mostram que esse trabalho

só será bem feito com envolvimento detodos – afirma Venâncio.

Quem pesquisar a coleção JornaisMineiros do Século XIX: digitalização,indexação e acesso terá um recurso im-portante para facilitar o trabalho. Tra-ta-se do Sistema Integrado de Acesso-SAI, a base informatizada que permiteanalisar o material de diferentes formas.Tanto se pode procurar o periódico pelonome quanto pela data de sua publica-ção ou pela cidade onde circulou. Aconsulta ainda permite cruzar essesdados, apontando para veículos especí-ficos em certas datas. Com ferramentasde ampliação de imagem, a leitura tor-na-se bastante simples.

Essa é uma história que ainda pro-mete ir longe. Isso porque o processode digitalização continua sendo feito,agora com jornais da primeira metadedo século XX. Essa nova etapa está acargo da Biblioteca Pública EstadualLuiz de Bessa, a guardiã de todo o acer-vo físico da imprensa mineira:

– Já temos cerca de 500 mil páginasdigitalizadas. Entre elas, veículos comoO Minas Gerais, que surgiu em 1897,a Folha de Minas, no período de 1934 a1954, o Diário de Minas e o Estado deMinas. Esse material pode ser consul-tado pelos pesquisadores que vierematé aqui. Não colocamos na internetainda por causa da questão dos direi-tos autorais – justifica a Diretora daBiblioteca, Thaís Queiroz Brescia.

Apesar disso, está sendo feito umlevantamento sobre quais dessas publi-cações, todas datadas até 1945, nãoterão impedimentos legais para ir aosite da instituição tão logo sejam libe-rados os recursos para a publicação.

Última Hora e MovimentoVeículos que marcaram época no

País são destaque da mais nova páginatemática lançada por outro ArquivoPúblico, o de São Paulo. Já é possívelencontrar na Memória da Imprensa boaparte das edições do jornal Última Hora,

6 Jornal da ABI 351 Fevereiro de 2010

do Rio de Janeiro, de revistas como OMalho, no período de 1902 a 1954, e dachamada imprensa alternativa dos tem-pos da ditadura militar, especialmentedo semanário Movimento. Estão on-line15 diferentes títulos que a instituiçãoguardava em microfilme e que agorapodem ser consultadas pela internet.

Além das publicações citadas, foramdigitalizadas as revistas A Cigarra(1914-1975), Panóplia (1901-1935),Anauê! (1935), Vida Moderna (1907-1925) e Escrita (1975-1988); os jornaisLanterna (1901-1935), Acção (1936),Germinal (1902-1913), Diário de San-tos (1872-década de 1920), o sindicalis-ta Notícias Gráficas (1945-1964) e oanarquista La Barricata (1912-1913).Nenhuma coleção, no entanto, é tãocompleta quanto a do Correio Paulistano(1854-1963), o primeiro diário da Pro-víncia de São Paulo. O desenho da pá-gina da Memória da Imprensa é outroatrativo à parte. A diagramação lembraum jornal em que as coleções maiscompletas e consultadas ganharamdestaque e aparecem na forma de“manchetes”. Ainda é possível fazer odownload de algumas capas para utili-zar como papel de parede.

– Nem todo o acervo está no ar. Boaparte do material será usada para ali-mentar periodicamente o site, com a in-clusão de mais títulos e outros exempla-res dos periódicos disponíveis e daque-les conseguidos com parcerias. Nesteprimeiro momento, nossa prioridadenão foi tanto a quantidade, até por causados recursos que tínhamos. A Cigarra,por exemplo, está apenas em sua primei-ra fase na internet. Ainda falta umaparte expressiva. Queremos apresentaros veículos, mostrar a potencialidade depesquisa e ir aumentando – diz LauroÁvila Pereira, Diretor do Departamen-to de Preservação e Difusão do Acervodo Arquivo Público do Estado.

Ávila considera que jornais e revis-tas dialogam com a documentação ofi-cial preservada pelos arquivos públicos.A prova disso está na própria página da

Memória da Imprensa. Ali é possívelencontrar em primeira-mão aconteci-mentos marcantes e conhecer os mean-dros da sociedade em cada período. É oque acontece quando se acompanha asedições do Diário de Santos. Encontra-se o debate público ocorrido no início doséculo passado sobre as deficiências dotratamento de esgoto na cidade. O jor-nal registra as reivindicações da popu-lação e a solução adotada, que foi imple-mentar o projeto de saneamento bási-co desenvolvido pelo engenheiro Satur-nino de Brito, com seus canais, a obramais marcante do projeto e, até hoje,uma referência urbana na localidade. Aoler essas publicações percebe-se como,sem a pressão da periodicidade e do tem-po, a imprensa narra a história.

O periódico de Samuel Wainer, res-ponsável por consolidar a modernaidentidade do jornalismo popular bra-sileiro, apoiando os Governos GetúlioVargas e João Goulart e suas políticastrabalhistas, tem apenas sua versão ca-rioca na rede. A paulista pertence àFolha de S. Paulo. Também nem todosos exemplares do período – 1951 a 1971– estão digitalizados, mas o materialdisponibilizado é o mais importante daexistência do veículo. A digitalização,nesse caso, foi uma ótima estratégiapara preservar um material bastantedanificado pelo tempo. Em 1989, a Se-cretaria de Cultura de São Paulo, entãocomandada pelo jornalista Fernando

Para acessar e aproveitarPágina da Imprensa Capixaba no site Arquivo Público do Estado do Espírito Santo:

www.ape.es.gov.br/imprensa_capixaba/index.html

Página da Biblioteca Digital Linhares no site da UFMG:www.linhares.eci.ufmg.br/index.php

Página Jornais Mineiros do Século XIX no site do Arquivo Público de Minas Gerais:www.siaapm.cultura.mg.gov.br

Página Memória da Imprensa no site do Arquivo Público do Estado de São Paulo:www.arquivoestado.sp.gov.br/memoria/index.php

mil páginas e imagens em seu site:– Um dos novos jornais que deve

entrar na rede chama-se O Combate.É uma folha publicada entre 1915 e1930, com oito páginas e que saíaduas vezes por semana. Já foi consi-derada injustamente um veículo co-munista, quando nem o Partido Co-munista ainda havia sido fundado noPaís. Na verdade, o jornal era umadissidência da elite cafeeira, queapoiou o Movimento Tenentista e seopôs ao Correio Paulistano. Um veícu-lo essencial para se compreender a Pri-meira República e que, agora, está dis-ponível a todos – exemplifica Ávila.

Como outros arquivos públicos, ode São Paulo trabalha não apenas comos jornais. Entre suas páginas temá-ticas há uma que conta a formação deSão Paulo e dos Municípios por meiode correspondências. Outra traz di-versas instruções públicas paulistasna história. Logo deve entrar no ar a

memória do Dops, com panfletos,cartilhas e cartazes – materiais de do-mínio público –, que poderão ser pes-quisados na internet. Mas para quetodo esse trabalho continue a ser fei-to, é preciso parcerias. Não apenas nosentido de fornecer acervos. Tambémde prover recursos. Por meio da LeiRouanet, qualquer empresa podeapoiar iniciativas em qualquer lugardo País com benefícios fiscais.

A torcida dos representantes do Ar-quivo Público de São Paulo é para queuma dessas parcerias logo se torne real.Se a Fundação de Amparo à Pesquisado Estado de São Paulo-Fapesp apro-var um projeto para aquisição de no-vos equipamentos, a previsão é de queentre junho de 2010 e julho de 2011sejam digitalizadas mais de 1 milhãode novas imagens e todas estejam dis-poníveis no site da instituição na in-ternet. Um projeto audacioso, mas ur-gente, ainda mais no caso da impren-sa, em que seu suporte, o papel, é umdos mais rápidos a se degradarem.

Diante de todas essas iniciativas,quem agradece é o Brasil, que pare-ce estar recuperando sua memória edeixando para trás a imagem de seruma nação esquecida.

Morais, adquiriu a coleção da famíliaWainer. Junto com os jornais, 160 milpositivos e 600 mil negativos fotográfi-cos, boa parte material inédito, nuncapublicado. Vieram também 2.160 ilus-trações, muitas de artistas renomadoscomo Lan e Jaguar, material com os clás-sicos O Corvo, que personificava CarlosLacerda, e O Abutre, que representavaAssis Chateaubriand.

Depois de intenso trabalho de recu-peração, os jornais já foram digitaliza-dos e estão disponíveis na internet.Desde junho de 2009, o trabalho de con-versão digital foi intensificado. A ins-tituição quer, em breve, ter mais de 200

7Jornal da ABI 351 Fevereiro de 2010

Os associados da ABI dacategoria Cooperador poderão votare ser votados na próxima eleição daCasa, programada para o dia 30 deabril próximo. Eles poderãotambém participar, com direito devoz e voto, da sessão de abertura daAssembléia-Geral Ordinária queapreciará o Relatório e as Contas daDiretoria Executiva da Casa, que seinstalará na véspera, dia 29, às 10horas da manhã.

A medida democratizadora, queretira os sócios da categoriaCooperador de um status deinferioridade em relação aos dacategoria Efetivo, foi aprovada naAssembléia-Geral Extraordináriarealizada no dia 2 de fevereiro,convocada com a finalidade exclusivade discutir a reforma do Estatuto. AAssembléia-Geral acolheu poresmagadora maioria a Proposta-Baseapresentada pela Conselheira ZilmarBorges Basílio, a qual continha 17alterações no Estatuto.

Além dessa alteração, aAssembléia-Geral promoveutambém a revogação do artigo 44 doEstatuto, que limitava a doismandatos a possibilidade de eleiçãodo associado para o mesmo cargo naDiretoria Executiva. Esse item daProposta-Base foi o mais debatidona sessão e ensejou manifestaçõescontrárias, como a do associadoLima de Amorim, que ponderou quea eleição por tempo ilimitado podegerar abuso de poder.

Prevaleceu na decisão o princípioinvocado pelo associado Jesus Chediakna reunião especial do ConselhoDeliberativo que aprovou a Proposta-Base. Diretor de Cultura e Lazer daABI e um dos oradores da Assembléia-Geral, Chediak sustentou que o voto ésoberano e deve sobrepor-se ainelegibilidades prévias. EmboraDiretor da ABI, Chediak não serábeneficiado pela revogaçãoaprovada, pois sua primeiracondução ao cargo não ocorreu emAssembléia-Geral, e sim por decisãodo Conselho Deliberativo.

PRESENÇA EXCEPCIONALRealizada no Auditório Oscar

Guanabarino, no nono andar doEdifício Herbert Moses, aAssembléia-Geral Extraordinária foi

Proposta-Base. A convite deOrpheu, o Presidente da ABIpermaneceu na Mesa.

Após reiterar a finalidade daAssembléia, Orpheu colocou emdiscussão a Proposta-Base, sobre aqual se pronunciaram os associadosArnaldo Luiz Fontes, BernardinoCapell, Nivaldo Pereira, Lima deAmorim, André Moreau Louzeiro,Adail de Paula, Jesus Chediak,Mário Augusto Jakobskind, MíltonCoelho da Graça e Pery Cotta.Encerrada a discussão, Orpheusubmeteu duas vezes a votos aProposta-Base, que foi aprovadacontra o voto de apenas três sócios.Lima de Amorim diria dias depoisque houve mais votos contrários,entre os quais o dele, que não teriasido computado pela Mesa. Elepareceu desconhecer que poderiater obtido verificação de votação,como garantido pelo Estatuto.

Durante a discussão e diante deorador que prosseguia numaintervenção que pareciainterminável, o associado SérgioCabral fez fora do microfone, emvoz alta, um apelo à Mesa:

“Vamos votar!”

EXEMPLOS DE ESFORÇOJuntando-se a associados que

freqüentam habitualmente a sede,compareceram à Assembléia-Geralsócios que se fazem presentes

Aconteceu na ABIAconteceu na ABI

A ABI amplia o direito de votoO associado da categoria Cooperador terá o direito

de votar e de ser votado na eleição de abril próximo.A medida democratizadora foi aprovada na Assembléia-Geral

Extraordinária que reformou o Estatuto Social da Casa.

a segunda maior em freqüênciaregistrada nos últimos anos, com aparticipação de mais de umacentena de associados, quecaracterizaram o quórum para ainstalação da sessão em segundaconvocação. Além de associados dacategoria Efetivo que detinham atéentão a exclusividade do direito devotar e ser votado, tiveram acessoao plenário sócios da categoriaCooperador, alguns dos quaisassinaram o Livro de Presença,embora não fossem contados paraefeito de quórum.

Ao abrir a sessão, incumbênciaque lhe cabe por disposiçãoestatutária, o Presidente da ABI,Maurício Azêdo, assinalou que foraatingido o quórum estatutário, deuconta dos objetivos da Assembléia,expostos no edital de convocaçãopublicado no Diário Oficial daUnião e no Jornal do Commercio doRio de Janeiro, e informou que aMesa recebera declaração deassociados com número regimentalindicando o sócio Orpheu SantosSalles para presidir a sessão. Posta avotos e aprovada a proposta,Orpheu assumiu a presidência dostrabalhos e, como determinado peloEstatuto, convidou para integrar aMesa os associados José Ângelo daSilva Fernandes e Zilmar BorgesBasílio, esta para esclarecer, senecessário, aspectos da sua

Dois dias depois da Assembléia-Ge-ral, o jornalista Lima de Amorim comu-nicou ao Presidente da ABI que renun-ciava ao cargo de membro suplente doConselho Deliberativo, por discordar dadecisão que revogou o artigo 44 do Es-tatuto Social da Casa. “A reeleição dedirigentes executivos por número inde-finido de mandatos costuma causargraves danos”, disse ele.

Sócio da ABI desde 28 de janeiro de1975, quando ingressou na Casa por pro-posta endossada por Fausto GuimarãesCupertino, Lima de Amorim foi eleito

apenas nos eventos mais relevantesda Casa. Alguns fizeram sacrifíciopara comparecer, como Villas-BôasCorrêa, decano da crônica políticado País e membro do ConselhoDeliberativo, que revelou que teriade voltar logo para casa, pois suaesposa estava enferma e seencontrava sozinha.

“Vim pela preocupação decontribuir para a obtenção doquórum e, também, por apreço àDiretoria da ABI, que me temdistinguido com homenagens”,disse Villas.

Entre os presentes encontravam-se, segundo a ordem com queassinaram o Livro de Presença, IvanCavalcânti Proença, PauloCavalcânti Valente, Dácio Malta,Ely Moreira da Silva, Rubem dosSantos (Rubem Confete), AlfredoBelmont Pessoa, Gerdal dos Santos,Elza Soares Ribeiro, MoisésCeleman, Erno Schneider, FernandoAbelha, Carlos Alberto Luppi,Thales José Maciel Bento, Marcosde Castro, Vicência Pinto Heluey,Bernardo Cabral, Avanir Nikko,Lindolfo Machado, Chico Caruso,Francisco Canavarro, Jeff Thomas,Luiz Fernando Taranto, FernandoFoch, Léo Malina e Leonor Guedes,que fez um esforço especial: aos 85anos e mesmo em cadeira de rodas,ela faz questão de participarativamente da vida da ABI.

Lima de Amorim,voz dissonante

para o Conselho em abril de 2009. Suacarta ao Presidente dizia o seguinte:

“Caro Maurício,Comunico, a partir de hoje, minha

renúncia como membro suplente doConselho Deliberativo desta entidade,por discordar da decisão aprovada naAssembléia-Geral Extraordinária destecolegiado, no dia 2 de fevereiro de 2010,que revogou o artigo 44 do EstatutoSocial da ABI.

Reiterando o que já disse de viva vozdurante a Assembléia, discordo frontal-mente da supressão do referido artigo,por considerar que a possibilidade dereeleição ad aeternum dos dirigentespode comprometer o futuro da institui-ção, além de ferir os princípios demo-cráticos pelos quais a ABI sempre lutou.

Respeito as opiniões contrárias, masentendo que o propósito original doartigo 44, limitando a reeleição paraapenas um mandato, era importante.Além de estimular a renovação de qua-dros representativos, esse dispositivoera uma barreira contra a eventual am-bição de dirigentes personalistas, mani-puladores, continuístas e autoritários.

A reeleição de dirigentes por númeroindefinido de mandatos costuma cau-sar graves danos, como a História demuitos povos e instituições já demons-trou, em várias épocas e contextos.

Solicito que meu pleito seja comu-nicado ao conjunto do Conselho Deli-berativo, bem como as razões da pre-sente renúncia. Cordialmente, (a) Limade Amorim.”

8 Jornal da ABI 351 Fevereiro de 2010

Aconteceu na ABIAconteceu na ABI

Compareceram à Assembléia-GeralExtraordinária os associadosrelacionados a seguir.

AAchyles Armando Jalul PeretAdail José de PaulaAdalberto Geraldo DinizAdolfo Martins de OliveiraAdônis Karan AbrãoAfonso Maria de Assis FariaAlcyr Mesquita CavalcântiAlfredo Aurélio de Belmont PessoaAntônio Castanheiro da PurificaçãoAntônio Idaló NetoAntônio M. Lopes Filho - Toni MarinsAntônio NeryAraquém Moura RoulienArgemiro do Carmo Lopes do NascimentoArnaldo Luiz FontesArthur José PoernerAvanir de Oliveira Magalhães Júnior

BBenício Neiva de MedeirosBernardino Capell FerreiraBernardo Cabral

CCarlo Alberto LuppiCarlos SimõesCosme Ademir Pereira Simas

DDácio MaltaDaniel Mazola Fróes de Castro

Foram as seguintes as modificaçõesfeitas pela Assembléia-GeralExtraordinária, que aprovouintegralmente a proposta daConselheira Zilmar Borges Basílio:

Art. 3°Acrescenta no inciso VI:VI - prestar assistência ao associado esua família e às pessoas em situaçãode vulnerabilidade social querecorrerem aos seus serviços.(Esse artigo é o que define asfinalidades da ABI. Acrescenta-se àredação atual o texto em itálico.)

Art. 5°Suprime o inciso V.(O Estatuto atual inclui entre ascategorias de sócio a Empresarial, cujasupressão foi proposta.)

Art. 6°Parágrafo 1°Onde diz “é atribuída a vantagem devotar e ser votado”, leia-se: “é atribuídoo direito de votar e ser votado”.Substitui-se em todas as mençõesseguintes a expressão “vantagem devoto” por “direito de voto”.

O parágrafo 1° passa a ter estaredação:§ 1 ° Aos associados Efetivo eColaborador é atribuído o direito devotar e ser votado, desde que tenhammais de 60 (sessenta) dias devinculação ao quadro associativo eestejam quites com as obrigaçõesestatutárias.(Acrescenta-se à redação atual amenção à categoria Colaborador, parao fim de lhe conceder o direito devotar e ser votado.)

Acrescenta-se este parágrafo 2° aoartigo, renumerando-se os atuaisparágrafos 2° e 3°:§ 2° Os cargos de Presidente daDiretoria Executiva e de Presidente doConselho Deliberativo são privativosde sócio da categoria Efetivo.(Embora estenda o direito de votoaos sócios da categoria Colaborador, aProposta dispõe que os cargos dePresidente da Diretoria Executiva e dePresidente do Conselho Deliberativosão privativos de sócios da categoriaEfetivo.)

Art. 8° - Revogado.(Dispunha esse artigo: Remido é oassociado Efetivo que tiver mais de 35anos, sem interrupção, decontribuição através do pagamentodas mensalidades. Essa disposiçãopode privar a ABI, a médio prazo, deuma receita significativa.)

Art. 10 - Revogado.(Esse artigo definia a categoriaEmpresarial, descrita como “a empresado setor de comunicação social e osindicato de empresas ou de

Domingos João Meirelles

EEliane Ferreira MartinsEly Moreira da SilvaElza Soares RibeiroEpaminondas Lima de AmorimErno SchneiderEstanislau Alves de OliveiraEveraldo Lima D'Alverga

FFernando Abelha SallesFernando Figueiredo MilfontFernando FochFrancisco de Assis D'Veras (Jeff Thomas)Francisco Paulo Hespanha CarusoFrancisco Silva CanabarroFrancisco Ucha

GGerdal Renner dos SantosGetúlio GamaGlória Suely Alvarez Campos

IIlma Martins da SilvaItamar GuerreiroIvan Cavalcanti ProençaIvan Vinhieri

JJaime Correa de SouzaJesus ChediakJesus Soares AntunesJorge Saldanha de Araújo

José Ângelo da Silva FernandesJosé Cristino da Costa FerreiraJosé da Costa AndradeJosé Ernesto Muzzel ViannaJosé Henrique CordeiroJosé Hilário Carneiro Freitas de SouzaJosé Manuel de Carvalho MesquitaJosé Ubiratan Solino

LLênin NovaesLéo MalinaLeonor GuedesLindolfo MachadoLóris Baena CunhaLuarlindo Ernesto da SilvaLucy Mary Corrêa Moreira CarneiroLuiz Antônio Villas-Bôas CorrêaLuiz Carlos de OliveiraLuiz Eduardo Souto AguiarLuiz Fernando Taranto Martins

MManoel Pacheco dos SantosManolo EpelbaumMarcelo José de MesquitaMárcia da Silva GuimarãesMárcio de AlmeidaMarcomed RangelMarcos de CastroMaria Ignez Duque Estrada BastosMário Augusto JakobskindMário Gomes FilhoMartha Arruda Dias de PaivaMilton Coelho da GraçaMoisés Celeman

As modificações aprovadasempregados deste mesmo segmento,de todo o território nacional”.)

Art.17Acrescenta no fim da disposição asexpressões em itálico:(...) ; tenha desviado receitas, valoresou bens da Associação; tenha causadolesão econômica à Associação.

Art. 24Passa a ter a seguinte redação;Art. 24 - Dos trabalhos e deliberaçõesda Assembléia-Geral serão lavradasuma ata sucinta, assinada pelosmembros da Mesa e por associadospresentes com direito de voto, e umaata descritiva, que relatará as decisõesadotadas pela Assembléia-Geral.(A redação atual estabelece que “serálavrada uma ata, assinada pelosmembros da Mesa e pelos associadospresentes com vantagem de voto”.Seu parágrafo 1º diz que “para avalidade da ata é necessária aassinatura de quantos bastem paraconstituir a maioria prevista no artigo25 deste Estatuto para as deliberaçõestomadas na Assembléia-Geral”. Oparágrafo 2º diz que “da ata poderãoextrair-se certidões e cópiasautenticadas”.)Art. 24Suprimem-se os parágrafos 1 ° e 2°.(São os parágrafos reproduzidos noitem anterior.)

Art. 28, Inciso XOnde diz operações impostos, leia-se

impostas. (Correção meramentegramatical.)

Art. 42O inciso I passa a ter a seguinteredação:I - aprovar contratos, convênios,ajustes e obrigações da Associação,no limite das dotações orçamentárias,os quais serão submetidos àapreciação prévia ou a posteriori doConselho Fiscal e, por iniciativa deste,à aprovação do Conselho Deliberativo.(O texto atual diz:”aprovar contratos,convênios, ajustes e obrigações daAssociação, dentro das verbasorçamentárias, os quais só entrarãoem vigor depois de apreciados peloConselho Fiscal e aprovados peloConselho Deliberativo”.)

Art. 44 - Revogado.(Dizia esse dispositivo: “Os membrosda Diretoria poderão ser reeleitospara os mesmos cargos por mais 1(um) mandato.”

Art. 45 – Acrescenta-se o inciso aseguir:XII - exercer a direção administrativa eintelectual da Biblioteca Bastos Tigre.(Esse artigo define as competênciasdo Presidente da Diretoria Executiva.)

Art. 50Acrescenta ao inciso I esta alínea,renumerando-se as alíneas seguintes:c) redigir as atas das reuniões daDiretoria e proceder aos registros

cabíveis das atas daAssembléia-Geral Ordinária e dasAssembléias-Gerais Extraordinárias;(Esse dispositivo define as atribuiçõesda Diretoria Administrativa e seusDepartamentos.)

Art. 52Suprime a alínea j.(Essa alínea dispunha que cabe àTesouraria “informar à Diretoria, acada mês, a relação dos associadoscom 6 (seis) meses de inadimplência,para que sejam suspensos”

Art. 58Suprime o inciso I e suas alíneas erenumera os incisos seguintes.(Esse inciso define as competênciasda Diretoria de Cultura e Lazer no queconcerne à Biblioteca Bastos Tigre,que, pela Proposta, será dirigidaintelectual e administrativamente peloPresidente.)

Art. 60Suprime o parágrafo único do inciso I.(Essa disposição estabelecia que oDiretor de Jornalismo autorizará, naforma do inciso IX do artigo 45, asdespesas sociais previstas.)Suprime o inciso II e sua alínea,renumerando-se os incisos seguintes.(Esse inciso dispunha que cabe aosetor de Pesquisa da Diretoria deJornalismo “realizar pesquisasobjetivando a criação e a manutençãodo Centro de Memória doJornalismo”.)

NNacif Elias Hidd SobrinhoNivaldo Pereira

OOscar Maurício de Lima AzêdoOsmar Amicucci GaloOsmar Frazão

PPaulo Cavalcânti ValentePery de Araújo Cotta

RRosângela Magalhães de AmorimRubem dos SantosRubem Mauro Machado

SSalete LisboaSérgio CabralSérgio CaldieriSilas Pereira Bastos

TThales José Maciel Bento

VVicência Pinto Heluey

WWaldir Muniz PereiraWilson Rocha Meirelles

ZZilmar Borges Basílio

QUEM ESTEVE PRESENTE

9Jornal da ABI 351 Fevereiro de 2010

Aconteceu na ABIAconteceu na ABIMensagensMensagens

Sócio da ABI há 21 anos, LauroGomes de Araújo classificou de “óti-mo” o número especial do Jornal daABI dedicado à “Cronologia dos Qua-drinhos”, Edição 348, data de capanovembro de 2009. Lauro, moradorem Niterói, assinala a importância darevista Epopéia, publicada a partir deagosto de 1952 pela Ebal (Editora Bra-sil América), de Adolfo Aizen. Eis suamensagem:

“Caro Maurício,Permita-me chamá-lo assim e expli-

co a ousada familiaridade. O nossoamigo comum Jonas Vieira há algunsanos mantinha um programa sobremúsica popular na Roquette- Pinto.Certa vez, homenageando o inesque-cível Orlando Silva, colocou algunsdepoimentos no ar, por telefone, den-tre eles o nosso. Embora não pessoal-mente, é desse tempo que o conheço eo objetivo desta carta (preferi-a ao e-mail) é dar-lhe as minhas congratula-ções e à sua equipe pela qualidade daspublicações que chegam mensalmenteàs nossas mãos. Destaque especial paraos números comemorativos do cente-nário da ABI, dos quais consegui algunsexemplares que enviei para coleciona-dores, inclusive de outros Estados.

O Instituto de Arquitetos do Bra-sil no Rio de Janeiro está empenha-do em estabelecer uma colaboraçãocom as entidades representativas dasociedade civil, como a ABI, o Clubede Engenharia e outras entidades deprofissionais de nível superior com ofim de promover iniciativas relacio-nadas com as questões urbanas, adefesa do meio ambiente e a melho-ria dos serviços públicos, para asse-gurar a elevação da qualidade de vidada população carioca e fluminense.

Essa disposição foi comunicada aoPresidente da ABI, Maurício Azêdo,pelo novo Presidente do IAB-RJ, SérgioMagalhães, em visita que realizou àCasa em companhia do Vice-Presiden-te Ricardo Villar, em 25 de janeiro, diasapós sua posse na presidência da ins-tituição. Magalhães, que foi Secretáriode Urbanismo do Município do Rio deJaneiro, salientou a importância das po-líticas públicas a serem aplicadas noâmbito das cidades, onde vive atual-mente a maioria da população.

Empossado Presidente do Institu-to Cultural Casa Grande, o ex-Prefei-to do Rio e ex-Senador Roberto Satur-nino Braga ofereceu à ABI uma visãogeral da programação que a institui-ção pretende realizar nas áreas de ci-nema, literatura, teatro, artes plásti-cas e outros campos da vida cultural,independentemente do desfecho do li-tígio com a Secretaria de Cultura doEstado do Rio, que se nega a cumprira lei estadual que destinou sete anda-res do Shopping Leblon ao Instituto.

Saturnino fez sua exposição em vi-sita ao Presidente da ABI, em 24 defevereiro, durante a qual o Diretor doTeatro Casa Grande, Moysés Ajhaen-blat, criador do Instituto Cultural,manifestou seu otimismo em relação

Saturnino anuncia projetospara o Instituto Casa Grande

IAB-RJ propõe açõesem defesa da cidadania

à disputa judicial travada com o Es-tado do Rio de Janeiro. A expectati-va do Instituto é baseada nas decisõesfavoráveis já obtidas por ele em pri-meira e segunda instância da Justiçado Estado do Rio.

Disse Saturnino que o ideal seriaque o Governo do Estado recuasse daposição de intransigência que vemmantendo na questão e reconheces-se a legitimidade da reivindicação doInstituto Cultural Casa Grande, fun-dada numa lei que viabilizou a cons-trução do Shopping Leblon, atual-mente um dos principais do Rio, soba condição, agora insuscetível de re-vogação ou retificação, de que os seteandares em litígio sejam ocupadospelas atividades do Instituto.

A esse respeito o Presidente da ABIlembrou entendimento sustentadohá anos pelo ex-Governador do Para-ná e ex-Prefeito de Curitiba Jaime Ler-ner, segundo o qual a solução dos pro-blemas do País passa necessariamentepela solução dos problemas das cida-des. Sérgio Magalhães observou queesse diagnóstico é correto, assimcomo é correta, também, a proposi-ção de intervenções eficazes paramelhorar a vida nas cidades e, emconseqüência, da cidadania.

Entre as iniciativas já programadaspelo IAB-RJ na gestão Sérgio Maga-lhães figura a realização de uma sé-rie de seminários relacionados com apreparação do Rio para os Jogos Olím-picos de 2016, em que serão discuti-dos aspectos da preparação da Cida-de para abrigar o evento à luz da ex-periência de cidades que sediaram asOlimpíadas recentemente, como Bar-celona e Pequim. O primeiro seminá-rio da série, agora em março, será de-dicado ao tema Conexão Barcelona.

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CISC

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A Aplauso de Teixeira Heizer à Edição 350

Em e-mail ao Presidente da ABI, ojornalista Teixeira Heizer, membro doConselho Consultivo da Casa, expres-sou seu aplauso à Edição 350 do Jor-nal da ABI, com data de capa janeirode 2010, a qual, disse, constitui “maisuma razão para orgulhar-me de estarna atual Diretoria que comanda nos-sa entidade”. Diz sua mensagem:

“Azêdo, amigo,Na minha frente o nº 350 do Jornal

da ABI. Juro que é a melhor notícia dodia. Sei que sua inspiração repousasobre todos os temas. É mais umarazão para orgulhar-me de estar (compequena participação, é verdade) naatual Diretoria que comanda nossaentidade. Abraços na Marilka. (a)Teixeira Heizer.”

Lauro elogia a “Cronologia dos Quadrinhos”

Agora, outro aplauso: o númeroespecial sobre a cronologia dos quadri-nhos. Ótimo. Acredito que já estejaprevisto na continuação mas, casocontrário, gostaria de lembrar a impor-tância da revista Epopéia, publicada apartir de 1952 (salvo engano) pela Ebal.Era essencialmente cultural e foi atra-vés dela que aprendi a gostar de His-tória. Era História em quadrinhos,contando com as colaborações de vá-rios nomes de peso, como o do pintorQuirino Campofiorito. Havia mais: umresumo de uma ópera, além da repro-dução de um quadro na quarta capa.

Colecionei-as todas devida-mente encadernadas.

Sem qualquer intenção deinterferir na política editorialda ABI, entenda esta comoapenas uma sugestão paraque se faça justiça à memó-ria de uma revista que nãodeveria ter desaparecido.

Fico-lhe grato pela aten-ção e volto a manifestarmeus parabéns pelo perfil deque hoje desfruta a ABI.Atenciosamente (a) LauroGomes de Araújo.”

10 Jornal da ABI 351 Fevereiro de 2010

O documento submetido ao Sena-do pelo Professor Ernâni Pimentel con-tém nove reflexões sobre aspectos ge-néricos ou tópicos do Acordo e os an-tecedentes de sua elaboração. Num deseus pontos (item 7) arrola nada me-nos que 25 conjuntos de incoerênciasdo Vocabulário editado pela AcademiaBrasileira de Letras. Por fim, para sal-var o idioma das agressões com que oAcordo Ortográfico o agride, Pimentelapresenta oito proposições para solu-ção dos problemas que denuncia. Aseguir transcrevemos a íntegra de seutrabalho. Os títulos da exposição sãode seu original.

A REFLEXÃOEm 1975, as Academias Brasileira de

Letras e de Ciências de Lisboa haviamelaborado um novo projeto de AcordoOrtográfico que não foi aprovado ofi-cialmente, sobretudo por razões deordem política vigentes em Portugal.Em 1986, no encontro do Rio de Janei-ro, pela primeira vez se encontram nãosó Portugal e Brasil, mas também An-gola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Mo-çambique e São Tomé e Príncipe, asemergentes repúblicas africanas lusó-fonas. Conseguiu-se ali um AcordoOrtográfico, que não se viabilizou pela

POLÊMICA

Um mar de desacordosAs mudanças adotadas pelo Vocabulário Ortográfico

da Língua Portuguesa, elaborado pela Academia Brasileirade Letras, são alvo de críticas de professor especializado no idioma.

Em vigor no País desde janeirode 2009, o Acordo Ortográfico ain-da gera muitas dúvidas nos brasi-leiros – em especial junto a estu-dantes e professores. E não deixade fora nem mesmo os especialis-tas na Língua Portuguesa. Em 13de novembro do ano passado, oProfessor Ernâni Pimentel foi umdos expositores de audiência con-vocada pela Comissão de Educa-ção, Cultura e Turismo do SenadoFederal, na qual expôs exemplos doque considera incoerências doAcordo. No dia 6 de janeiro, Pi-mentel, que tem mais de cinco dé-cadas de experiência no ensino doidioma, entregou ao Presidente daABI, Maurício Azêdo, o texto Acor-do Ortográfico da Língua Portugue-sa – Convite à Reflexão e à Solução(ver quadro), no qual reproduz asobservações feitas no Senado.

“A audiência em Brasília foi con-siderada bastante incomum, pelaquantidade de críticas apresentadas,pela perplexidade causada nos Sena-dores e, o mais interessante de tudo,pela unanimidade em torno da cer-teza de que se precisa fazer algo paramodificar essa situação”, afirmouPimentel em entrevista à Folha Di-rigida, publicada em 28 de janeiro,em que prosseguiu fazendo restri-ções à Academia Brasileira de Letras,instituição responsável pela elabo-ração do Vocabulário Ortográfico daLíngua Portuguesa-Volp.

“A ABL deve ser respeitada pelaspersonalidades ilustres que a com-põem. Mas quantos de seus mem-bros dispõem de bagagem técnicapara falar de ortografia? Que eu sai-ba, só existe lá um gramático, aquem respeitamos e por quem te-mos consideração, o Professor Eva-

nildo Bechara, que está desenvol-vendo um esforço descomunal paraapagar incêndios herdados”, afirmouo professor, destacando que “a ver-dade é que nenhum país signatáriopôs em vigor as novas regras, exce-to o Brasil”: “Em Portugal há uma for-tíssima oposição de quase toda a so-ciedade, com um abaixo-assinadocom mais de 110 mil nomes e umaarticulação do Parlamento favorávelà suspensão do Acordo”.

A entrevista de Ernani provocouréplica de Bechara, na edição do dia 9de fevereiro da mesma Folha Dirigida.

“O Acordo, para entrar em vigorno Brasil, precisou primeiro da apro-vação das Casas Legislativas. Paraque essa reforma pudesse ser uminstrumento de força nacional, erapreciso que houvesse um decretosancionando isso. No ano passadoo Presidente Lula veio à ABL sanci-

oná-lo. O Governo não deixa o pro-blema ortográfico ao bel prazer dasacademias. Elas são chamadas paraatender a essa missão. Os Governos,não tendo em seus quadros pesso-as especializadas, convocam insti-tuições. No Brasil, é a ABL”, explicaBechara, para quem as crítica feitaspor Pimentel não têm fundamento.

Durante a visita à ABI, acompa-nhado da Professora Maria There-za Sombra, Diretora-Executiva daAssociação Nacional de Proteção eApoio aos Concursos, Pimentel pro-pôs à Casa – que não adotou as no-vas regras ortográficas em suas pu-blicações – a realização de um ciclode debates sobre o Acordo, com aparticipação de jornalistas, lingüis-tas, filólogos, gramáticos, escritores,advogados, sociólogos, filósofos,professores e pedagogos. Seu Con-vite à Reflexão é publicado a seguir.

A reflexão e questionamentos do Vocabulárioreação polêmica que contra ele se le-vantou em Portugal.

Em dezembro de 1990, um novoAcordo Ortográfico da Língua Portu-guesa foi assinado em Lisboa pelossete países já mencionados, aos quaisposteriormente se somou a Repúbli-ca Democrática do Timor-Leste. Esse“novo” Acordo passou dormitando 18anos nos escaninhos burocráticos, atéque o desengavetou em 2008 a inici-ativa do Presidente Lula, fazendo-o vi-ger a partir deste ano de 2009. Portu-gal ainda não o pôs em vigor e há in-dícios de sobra para se pensar que nãoquer fazê-lo – há fortes correntes naAssembléia da República e um abai-xo-assinado de 110 mil assinaturastrabalhando contra o Acordo. Os ou-tros países signatários ainda não o im-plementaram também.

Essa conjuntura, longe de ser lamen-tada, parece providencial, porque per-mite repensar alguns pontos.

1. AnacronismoAnacronismoAnacronismoAnacronismoAnacronismo: Em 1990, pratica-mente se reiterou o pensamento de1975, porém o mundo evoluiu muitode lá para cá. É certo que o século XXrepresentou uma evolução tecnológi-ca mais acelerada que as de todos osséculos anteriores, mas também é ver-

Professor de Português em Brasília e presidente de uma associação de defesa de candidatosde concursos públicos, Pimentel defende uma racionalidade, diz, que o Acordo não tem.

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dade que em 1975 sequer ha-via a internet, um dos vári-os fatores que contribuírampara a transformação maisassombrosa de que se temnotícia na História comumen-te conhecida do planeta. Na-quela época a sociedade huma-na se locomovia, se analisava ese comunicava com recursos e vi-sões profundamente primitivos secomparados aos atuais. Estava-se naépoca da datilografia, nem se conheciaem nossos países o computador. Com-parar os jovens de 1975 com os atuaisfaz qualquer um assustar, chegandoparecer impossível tal evolução.

Os psicólogos e biólogos já consta-tam que boa parte das crianças de hojeestão nascendo com um par a mais decromossomos ativados, o que signifi-ca estar a Humanidade passando porverdadeira mutação genética que trazuma visão quântica da realidade, des-comunalmente superior à antiga visãolinear a que os adultos ainda estamoscondicionados. O Japão, o Chile e ou-tros países vêm pesquisando e mos-trando isso ao mundo.

Ora, um Acordo assinado em1990 está compatível comaquela época em que o pro-fessor falava para um es-

marcador de pronúncia. Será que osresponsáveis pelo atual Acordo não sa-biam disso? Não importa a resposta, otrema é indiscutivelmente ortofônicoe só deveria ser extinto se tivesse sidocriado algum outro mecanismo iden-tificador da pronúncia adequada... Emestilingue e trilíngue, o “gue” tem re-alizações fônicas que o leitor, com otrema, sabia distinguir e, sem ele, teráde perder tempo no dicionário. A lógicado Acordo deveria ser simplificar oudificultar? Pois é, dificultou.

3. Contradição de princípiosContradição de princípiosContradição de princípiosContradição de princípiosContradição de princípios: Naspalavras compostas em que o segundoelemento começa com h, qual o prin-cípio? Manter-se o h, ou eliminá-lo?Uma regra lógica só se fixa com prin-cípios definidos e não contraditórios.Quando o Acordo diz que se deve usarhífen antes de h (extra-humano), estádizendo que o h deve ser mantido.Quando diz que em des+humano sedeve grafar desumano, está pregando

contraditoriamente a eliminação dareferida letra. Para permanência do h,deveria escrever-se extra-humano,deshumano (uma opção coerente);para sua eliminação, escrever-se-iadesumano, extraumano (opção tam-bém coerente). Seria também coeren-te e não contraditório eliminar-se ohífen. É necessário repensar e agir.

4. Imprecisão de conceitosImprecisão de conceitosImprecisão de conceitosImprecisão de conceitosImprecisão de conceitos: O Acor-do chama de aglutinadas as palavras“girassol, madressilva, mandachuva,pontapé, paraquedas, paraquedista,etc.”, desconhecendo que “glut” significacomer, engolir... e, por isso, aglutinaçãopressupõe algum som engolido ou alte-rado (filho de algo = fidalgo; perna alta= pernalta; alto sonante = altissonan-te...). A seqüência de exemplos dados notexto do Acordo mostra compostos emque se unem palavras sem que haja al-teração ou perda de qualquer fonema(como girassol... pontapé... paraque-das...) e que, por isso, não são aglutina-

das, mas justapostas, segundo a nossatradição didática. Tal imprecisão trouxedúvidas a muitos professores.

5. PPPPPontuação discutívelontuação discutívelontuação discutívelontuação discutívelontuação discutível: No itemanterior, ao final da série de palavras,existe um “etc.” depois de uma vírgu-la. A abreviatura da expressão latina etcetera, que significa “e o restante”,começa com a conjunção et, antes daqual não se justifica o uso da vírgula,por acrescentar uma informação de-simportante. Muitas outras passagensdo texto original demonstram descuidodos responsáveis pela redação, lamen-tável exemplo para toda a comunida-de envolvida.

6. ExExExExExcepcionalidade inútilcepcionalidade inútilcepcionalidade inútilcepcionalidade inútilcepcionalidade inútil: Todos,absolutamente todos os topônimoscompostos não iniciados por grão e grã,por verbo e que não contenham artigografam-se sem hífen (Mato Grosso, SãoPaulo, Espírito Santo, Rio Grande,Cabo Verde, Castelo Branco), porémGuiné-Bissau e Timor-Leste fogem àregra. Por quê? Todas, simplesmentetodas as locuções perderam o hífen, comexceção de água-de-colônia, arco-da-velha, cor-de-rosa, mais-que-perfeito,pé-de-meia, ao deus-dará, à queima-roupa... (note-se bem que a relação ter-mina em reticências). Existem váriosoutros pontos com exceções, mas só nosinteressa saber: Por quê? Excepcionali-dade inútil que nos torna a todos anal-fabetos, no sentido autêntico da pala-vra, porque não sabemos usar as nossasletras. É necessário repensar e agir.

7. IlogicidadeIlogicidadeIlogicidadeIlogicidadeIlogicidade: A falta de lógica cons-titui o maior absurdo do segmentoeducacional, não obstante apresenta-se abundantemente exemplificada notexto do Acordo e também no Vocabu-lário Ortográfico.

7.1. Já se viu que é ilógico proporregras e não eliminar ou reduzir aomáximo as exceções.

O presente Acordo, além de não eli-miná-las, estende-as ad infinitum como emprego das reticências e, pior, che-ga ao cúmulo de justificar, por váriasvezes, que se mantêm tais e quais ex-ceções “por estarem consagradas pelouso”. Ora, se a consagração pelo usodeve ser respeitada, nenhuma altera-ção ou acordo ortográficos poderiamexistir e estaríamos hoje escrevendoleys e pharmacia, ou melhor, continu-aríamos todos ainda falando latim.

7.2. O Acordo prescreve que r e s an-tecedidos de vogal devem ser dobrados

tudante que a exceção comprovava aregra e este ria para o professor, aqui-escendo. Hoje, o estudante (e qualquerindivíduo) ri de quem aceita regras comexceções. Não faz sentido perder tem-po. Ou o que se lhe ensina é lógico, prá-tico, ou não lhe desperta interesse. Nãose quer saber de decorar. Quer-se enten-der. Contudo, o Acordo, por ser deoutra época, apresenta inúmeras re-gras, com várias listas de exceções, in-termináveis, pois seguidas de reticên-cias. Concluindo: o Acordo é anacrô-nico, não se adequa ao século XXI.

2. FFFFFuga do objetivouga do objetivouga do objetivouga do objetivouga do objetivo: Como o próprionome diz, o Acordo é ortográfico e nãoortofônico, ou seja, deve-se ater à gra-fia, à maneira de se escrever, sem quese afete a pronúncia... Mas, eliminouo trema, que, em sua essência, é um

PORTUGAL AINDA NÃO O PÔS EM VIGOR E HÁINDÍCIOS DE SOBRA PARA SE PENSAR QUE NÃO QUERFAZÊ-LO – HÁ FORTES CORRENTES NA ASSEMBLÉIADA REPÚBLICA E UM ABAIXO-ASSINADO DE 110 MILASSINATURAS TRABALHANDO CONTRA O ACORDO.

PORTUGAL AINDA NÃO O PÔS EM VIGOR E HÁINDÍCIOS DE SOBRA PARA SE PENSAR QUE NÃO QUERFAZÊ-LO – HÁ FORTES CORRENTES NA ASSEMBLÉIADA REPÚBLICA E UM ABAIXO-ASSINADO DE 110 MILASSINATURAS TRABALHANDO CONTRA O ACORDO.

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e não usam hífen (biorritmo, microssis-tema...). O Vocabulário Ortográfico,desrespeitando-o, registra com hífenpara-raios, para-sol, guarda-raios, guar-da-redes, guarda-rios, guarda-rodas,guarda-roupa, guarda-saias, guarda-se-los, guarda-sexo, guarda-sol... O respeitoao Acordo exigiria o hífen ser substitu-ído pelas consoantes dobradas.

7.3. Como se explica a um estudanteou mesmo a qualquer pessoa que pé dechinelo não tem hífen e pé-de-meia tem?

7.4. Por que em cor de café, cor debonina, cor de burro quando foge nãohá hífen, mas o há em cor-de-rosa?

7.5. Qual a lógica de eliminar o tre-ma nas nossas palavras e usá-lo nas es-trangeiras? Ou o trema tem ou não temfunção. Se tem, não se pode suprimi-lo.Se não tem, não se pode deixar de usá-lo, sem antes lhe dar um substituto.

7.6. Como se explica que água-de-colônia tem hífen e água de cheiro não?

7.7. E giravolta sem hífen, mas gira-mundo, gira-pataca, gira-discos... com?

7.8. Se o Acordo diz que onomato-péias com palavras repetidas devem terhífen (reco-reco, blá-blá-blá...), por queo Vocabulário registra sem hífen pana-paná e panapanã?

7.9. Por que em madre-forma, ma-dre-mestra e madre-caprina o hífen éobrigatório, mas não é usado em ma-drepérola?

7.10. Como justificar que guarda-chuva tenha hífen e mandachuva não,se ambos são compostos de verbo+substantivo e a extinção do hífen sequeralteraria a pronúncia, fazendo-o desne-cessário?

7.11. A palavra arco-íris tem quatrooutras denominações: arco de Deus,arco da chuva, arco da aliança e arco-da-velha. Por que entre as quatro subli-nhadas, todas grafadas com preposi-ção, só a última tem hífen?

7.12. Por que há duas grafias corre-tas, pré-embrião ou preembrião, comou sem hífen, mas uma só para seuderivado pré-embrionário, com hífen?Os derivados deveriam seguir a grafiados primitivos.

7.13. Inversamente ao anterior, porque só existe uma grafia, com o hífen,para pré-esclerose, mas duas para seuadjetivo derivado, pré-esclerótico oupreesclerótico, com ou sem hífen? Osderivados deveriam seguir a grafia dosprimitivos.

7.14. Onde a lógica de uma só gra-fia para preeleger, sem hífen, mas duasem pré-eleito (ou preeleito), e pré-elei-ção (ou preeleição)...? Os derivadosdeveriam seguir a grafia dos primitivos.

7.15. Por que manter duas grafiaspara uma mesma palavra se, a rigor, nãohá distinção de pronúncia, como embiebdomadário e bi-hebdomadário?

7.16. É estranho ter de ensinar queas grafias de proto-herdeiro e coerdei-ro têm um tratamento diverso, umacom e outra sem hífen, quando ambasapresentam, antes do mesmo h (herdei-ro), elementos de composição termina-dos com o mesmo o (proto, co). O ló-gico seria a adoção de uma só medida:

As polêmicas levantadas pelo Profes-sor Ernâni Pimentel, em entrevista àFolha Dirigida na edição número 1.818,continuam gerando discussões. Apóspronunciamento do jurista SylvioMotta e do Senador Cristóvam Buar-que (PDT), o Presidente da AssociaçãoBrasileira de Imprensa-ABI, MaurícioAzêdo, também deu a visão da entida-de sobre a questão.

Ele, que se diz favorável ao movi-mento Acordar Melhor, liderado porErnâni, apresentou questionamentosem torno da forma como o Acordo foidesenvolvido e aprovado. “Nós temosobjeção por uma questão de princípio.A aprovação do Acordo, após longatramitação, de 20 anos, foi algo deci-dido de forma antidemocrática, porqueo conjunto da sociedade, especialmen-te das pessoas que lidam com o idioma,não foi ouvido acerca das modificaçõespropostas”, criticou.

Azêdo afirma que se tratou de umadecisão de uma cúpula, que, segundoele, apesar de formada por personali-dades importantes do ponto de vista doconhecimento e da cultura, como An-

“O Acordo Ortográficonasceu de forma autocrática”

O Presidente da ABI reitera os reparos à reforma da escrita da língua portuguesa.

POR LYGIA FREITAS tônio Houaiss, acabou decidindo aquestão como algo “pessoal e não comouma questão de interesse do conjun-to da coletividade. Esta objeção, paranós, é fundamental, porque a aprova-ção e a implantação do Acordo Orto-gráfico se deram de uma forma até au-tocrática”.

Apesar de não acreditar que um ple-biscito seria a forma ideal de expor aquestão perante a sociedade, o jorna-lista defende a necessidade de umadiscussão ampla, o que, segundo ele,poderia ter evitado que alguns errosacabassem fazendo parte do decreto.

“Discussão essa que impediria queo Acordo Ortográfico estabelecesseabsurdos como estes contidos na ques-tão do uso do hífen, em que o vocabu-lário elaborado pela Academia Brasilei-ra de Letras–ABL nos mostra uma sé-rie de incongruências e contradições”,reclamou.

Ao contrário de Ernâni Pimentel, noentanto, Maurício Azêdo acredita quea ABL é uma entidade que tem compe-tência para editar o Vocabulário Orto-gráfico de Língua Portuguesa-Volp e queo problema está em algo anterior à ela-boração do vocabulário em si. “Estamos

questionando o Acordo Ortográfico emsi, que contém uma série de aberraçõesque têm provocado, inclusive, críticasnão só de setores preocupados com o usoda língua no Brasil, mas também em Por-tugal”, comenta, acrescentando que porlá existe um movimento com mais decem mil assinaturas para que o Parla-mento português não ratifique o Acor-do Ortográfico.

Em terras brasileiras, no entanto, ojornalista acredita que a persistência ea evolução do movimento AcordarMelhor podem levar o Congresso Na-cional e o próprio Governo a reexami-narem algumas questões “que aindaestão pendentes, como as levantadaspelo Professor Ernâni, que têm umembasamento incontestável”.

O jornalista afirma ainda que nãoacreditava ser necessário o estabeleci-mento do Acordo Ortográfico nestemomento, já que, segundo ele, “o idi-oma é algo que exige um longo tempode consolidação e de maturação”. “En-tão, não é algo que possa ser mexido acada geração”, finalizou.

(Transcrito da Folha Dirigida, edição de 4 a 10 defevereiro de 2010. Título original: ABI sustentapolêmica em torno do Acordo Ortográfico.)

POLÊMICA UM MAR DE DESACORDOS

ou bem proto-herdeiro e co-herdeiro,ou então protoerdeiro e coerdeiro.

7.17. Por que futuro do pretérito seescreve sem hífen, mas mais-que-per-feito deve ser hifenado obrigatoria-mente, se ambos nomeiam temposverbais e ambos são compostos comelemento de ligação? O Acordo nãoelimina o hífen nos compostos comelemento de ligação?

7.18. Por que se mantiveram grafi-as mal-andança (infortúnio), mal-as-sombro (fantasma), malconceito (máfama), malcriação, se o mal está inde-vidamente usado como adjetivo. De-veria ser má-andança, mau-assombro,mau-conceito, má-criação.

7.19. Por que duas grafias, ab-ruptoou abrupto, quando se deve ensinar quea melhor pronúncia é a que separa osdois elementos (o prefixo ab e o parti-cípio ruptus, de romper, em latim)?

7.20. Por que duas grafias corretas,adrenal ou ad-renal, com ou sem hífen,mas uma só, sem hífen, para adrenali-na e adrenalite? Não deveriam os de-rivados seguir a grafia dos primitivos?

7.21. Por que blêizer se escreve comz e gêiser com s, se a pronúncia para nósé a mesma e ambos são anglicismosaportuguesados?

7.22. Por que estender com s, e ex-

tensão com x, se ambos derivam dolatim com x (extendere, extensionem)?Em latim, toda a família do radical es-creve-se uniformemente com x; emportuguês, essa mesma família apre-senta várias palavras com x e váriasoutras com s. Mas isso não é tudo. Opior é que há outros radicais de grafiadeturpada e nem sabemos quantos.

7.23. Pretensão, contensão, disten-são, extensão, tensão... são cognatos,isto é, têm a mesma origem e todos se

escrevem com s. Por que já se registraem dicionário (no caso o Houaiss) quecontensão é o mesmo que contenção,oficializando grafia não justificada?

7.24. Se as gramáticas preconizamque as palavras de origem árabe devemser escritas com j (aljôfar, alforje, alja-zar...), por que existem delas com g(algeroz, algema, álgebra...)?

7.25. Por que topônimos compostossem hífen (como Mato Grosso, RioGrande, Porto Alegre...) têm os seusadjetivos derivados com hífen (mato-grossense, rio-grandense, porto-ale-grense) Por quê... por quê... por quê...por quê?... – Seria muito, muito can-sativo continuar...

8. ImprovisaçãoImprovisaçãoImprovisaçãoImprovisaçãoImprovisação: A ortografia daLíngua Portuguesa sempre foi tratadade maneira superficial e cada propos-ta de alteração (foram nove só no sé-culo passado – 1911, 1931, 1943, 1945,1971, 1973, 1975, 1986, 1990) nãopassou de um exercício tímido paratentar cerzir ou remendar puídos deum tecido podre. Remenda-se aqui,rompe acolá; cirze-se acolá, desfia ali;costura-se ali, esgarça noutro lugar. Háde se ter coragem de tecer, substituiro pano. A Língua é viva, forte, viçosa,bela, no entanto envolta em trapos de

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O Presidente da Comissão de LínguaPortuguesa do Ministério da Educaçãoe Presidente do Instituto Internacionalde Língua Portuguesa – órgão da Co-munidade dos Países de Língua Portu-guesa –, Godofredo de Oliveira, concor-da com o jornalista Maurício Azêdo noque diz respeito à pouca discussão coma sociedade em torno do Acordo Orto-gráfico. “Eu me lembro que isso foi maldiscutido e isso foi durante o GovernoFernando Henrique. As lideranças doGoverno foram favoráveis e não mexe-ram na proposta, mas as oposições tam-bém não questionaram”, comenta.

No cargo desde de 2003, Oliveira, noentanto, afirma que quando passou aintegrar o quadro o Acordo já havia sidoaprovado pelo Congresso. Apesar deevitar dar uma opinião direta sobre acompetência das novas regras, não dei-

múmia. O problema não está na Lín-gua, está na ortografia, que precisa serreestruturada, reconstruída com a vi-são deste século para os parâmetrosatuais, mais racionais, claros, objetivos.

9. Ilegalidade, Inconstitucionalida-Ilegalidade, Inconstitucionalida-Ilegalidade, Inconstitucionalida-Ilegalidade, Inconstitucionalida-Ilegalidade, Inconstitucionalida-de, Ade, Ade, Ade, Ade, Autoritarismoutoritarismoutoritarismoutoritarismoutoritarismo:

Ilegalidade 1: O Acordo Ortográficoda Língua Portuguesa, assinado pelos,então, sete países lusófonos em 29/11/1990, reza, em seu art. 2º, que “os Es-tados signatários tomarão... providên-cias... com vista à elaboração de umvocabulário ortográfico comum da lín-gua portuguesa...” e o Decreto nº6.583, de 29/11/2008 , da Presidênciada República, que promulga o Acordono Brasil, diz em seu art. 1º que “OAcordo da Língua Portuguesa... de 16de dezembro de 1990... será executa-

do e cumprido tão inteiramente comonele se contém.” Contudo, a ABL, aolançar o Vocabulário Ortográfico daLíngua Portuguesa, não se submete edesrespeita o texto do Acordo váriasvezes, como no uso dos prefixos a, an,co, re, pre, pro; na eliminação das re-ticências nas listas de exceções; nainclusão de novo conceito, como o de“produtos afins” nas espécies bio ouzoológicas.

Isso constitui desrespeito à Lei e faz donosso Volp uma peça ilegal. Conformeparecer técnico da Autora e Professora deDireito Constitucional Nelma Fontana,no blog www.acordarmelhor.com.br, “aABL, ao publicar o Volp, transgrediu oacordo internacional (art. 2º do Acor-do Ortográfico); b) As inovações con-tidas na 5ª edição do Volp em descon-formidade com o Acordo Ortográfico

“A reforma pode fortalecera língua portuguesa”

A visão otimista de quem cuida do idioma no Ministério da Educação.

é igual. No inglês, por exemplo, sãopoucas as diferenças entre os países eregiões, mas elas são aceitas. Não sãoconsideradas erro”, analisa.

Godofredo explica que no caso dospaíses que têm o português como lín-gua oficial essas peculiaridades entreos países são grandes e impossibilitamaté mesmo o intercâmbio literário. Parajustificar, ele diz que, se por exemplo,um livro escolar for enviado do Brasilpara Angola, e ele não tiver a letra c napalavra “acção”, como é escrito por lá,poderá ter que ser incinerado, como,segundo ele, já aconteceu com uma sé-rie de livros brasileiros.

“Isso porque, pela lei, é proibido. Comisso, nos fóruns internacionais, a lín-gua portuguesa fica enfraquecida por-que tem que ter dois documentos emportuguês. Apesar das variações, em in-glês e espanhol, por exemplo, só há umdocumento. E é isso que o pessoal que-ria mudar”, explicou.

Como exemplo, ele conta que em Por-tugal o trema não é usado desde os anos40 e que nem por isso os portugueses pro-nunciam a palavra “lingüiça” da manei-ra correta. O professor faz questão, tam-bém, de ressaltar que as novas regras nãopretendiam fazer com que toda a popu-lação dos países envolvidos falasse de for-ma homogênea. “Eu acho que não é abusca de uma unificação do falar”, diz,acrescentando que isso permitiria ape-nas uma igualdade ortográfica. “Ainda as-sim pode haver algumas pequenas vari-ações, mas elas seriam aceitas”.

Em relação ao Volp, o especialista acre-dita que o texto da lei deixou margenspara interpretações e que foi isso que oacadêmico Evanildo Bechara, responsá-vel pela publicação, fez. “Ele interpretouseguindo o texto. O Bechara não fez nadaque fosse contra o que foi estipulado peloAcordo. Dados que não estavam expli-citados foram explicitados por ele, masestavam no espírito da lei”.

Godofredo de Oliveira: Acordo integra mais os países de língua portuguesa.

xa de fazer ressalvas. “Quando entrei nes-ta história o Acordo já estava aprovadopelas assembléias democráticas do meupaís; então, só me restava acatar. É umalei, mas toda lei pode ser revista. Isso estána Constituição, mas acho que algunspontos eu explicitaria um pouco mais,como a questão do hífen”, exemplifica.

Oliveira, que também é escritor, foium dos defensores da idéia de que oAcordo Ortográfico fosse implementa-do no ano de 2009 e acredita que umaunificação na forma de escrever as pa-lavras pode significar, até mesmo, umfortalecimento da língua portuguesaperante o restante das nações.

“O Acordo foi feito para que hajamaior integração entre estes países;para que haja uma variante só. Semprehaverá sotaques e pronúncias diferen-tes. Mas em todas as línguas a escrita

são inconstitucionais, por afronta aoprincípio da legalidade;”

Ilegalidade 2: O Decreto nº 6.583, de29/11/2008, da Presidência da Repúbli-ca, que promulga o Acordo no Brasil, dizem seu art. 3º que “São sujeitos à apro-vação do Congresso Nacional quaisqueratos que possam resultar em revisão doreferido Acordo...”

Porém, de todas as alterações incluí-das pela ABL no Vocabulário Ortográ-fico, nem uma foi submetida à aprova-ção dessa Casa. Esse outro desrespeitoà Lei anula a validade de nosso Vocabu-lário, e como é ele que norteia a corre-ção ou incorreção ortográfica em nos-so ensino, qualquer questão que envolvaavaliação da forma gráfica das palavrastornou-se, a partir daí, ilegal.

Autoritarismo e Ilegalidade 3: Diz oDoutor Fabrício Sarmanho, Advogado,

Autor e Professor de Direito, que “ovocabulário ortográfico brasileiro temsido, de certa forma, imposto pelaABL, instituição privada que edita pe-riodicamente o Volp. O referido voca-bulário é reconhecido como um ins-trumento de definição, no Brasil, daforma de aplicação do Acordo. É res-ponsável pela sua publicação a Comis-são de Lexicografia e Lexicologia daABL. Tal Comissão, porém, não pos-sui legitimidade para regulamentar otratado internacional do qual o Bra-sil é signatário.

Verifica-se, portanto, que há umaomissão estatal quanto ao cumprimen-to do tratado, o que acaba por abrir cam-po a que uma entidade de cunho emi-nentemente privado, ABL, substitua oEstado nessa função. Compete ao Esta-do pugnar pela correta execução de leise tratados. Existe uma estrutura capazde cumprir essa função de forma muitomais técnica e democrática. Falamos emdemocracia, aqui, em sua acepção formale substancial, ambas desrespeitadas atéo momento.” (Vide íntegra das considera-ções no www.acordarmelhor.com.br).

10. OnerosidadeOnerosidadeOnerosidadeOnerosidadeOnerosidade: É caríssimo o en-sino de ortografia em Português. Aofinal do Nível Médio, o aluno terá es-tudado centenas de horas-aula paraaprender efetivamente quase nada epassará pela universidade, e abraçaráuma profissão e, durante toda a vida,mesmo que viva mais de um século,continuará inseguro a recorrer ao dici-onário para saber como se escreve estaou aquela palavra. Quantos milhares dehoras um cidadão que viva 80 anos des-pende em consultas ortográficas? Mul-tiplique-se esse total por vinte, cem,duzentos milhões de cidadãos... Umdesperdício absurdo de tempo e dinhei-ro para os cidadãos... para o nosso país...para nossos países-irmãos...

A SOLUÇÃO1. Prioridade governamental:

Apoio efetivo do Governo Federal, doCongresso Nacional, dos Ministériosque envolvem Cultura, Educação eComunicação, inclusive com alocaçãode recursos financeiros.

2. Levantamento e padronizaçãográfica dos radicais.

3. Pesquisa acelerada de novas pro-postas ortográficas.

4. Instituição de um mínimo de re-gras (concatenadas, convergentes e ló-gicas).

5. Eliminação de exceções.6. Eliminação de duplas grafias.7. Discussão democrática e aberta.8. Criação de um organismo com-

petente, aberto democraticamente àparticipação de quem tenha a línguaescrita como ferramenta ou que comela se preocupe (Lingüistas, Filólogos,Gramáticos, Escritores, Advogados,Jornalistas, Sociólogos, Filósofos, Pro-fessores, Pedagogos, Pensadores e ou-tros) com a responsabilidade de ensi-nar, divulgar, manter e defender osprincípios aprovados e acordados.

Por Lygia Freitas / Folha Dirigida. Edição citada.Título original: Professor diz que reforma podeproteger a Língua Portuguesa. Com adaptações àsnormas de edição do Jornal da ABI.

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14 Jornal da ABI 351 Fevereiro de 2010

DEPOIMENTO

CARLOSALBERTO

LUPPI“O jornalismo foi

sempre minhatribuna de militância

contra a injustiça”Autor de reportagens e de livros que denunciam crimes contra os direitos humanos,

como a morte do operário Manuel Fiel Filho e a menina Araceli e as violênciascontra adolescentes e jovens na extinta Fundação do Bem-Estar do Menor-Febem

de São Paulo, ele revela aspectos de bastidores dos casos que investigou e relatou.

POR BERNARDO COSTA

atural de Colatina, Es-

pírito Santo, Carlos Alberto Lup-

pi iniciou a carreira no Diário

Mercantil de Minas Gerais em

1968, quando ainda cursava Jor-

nalismo. Após vencer um concur-

so universitário promovido pelo

Jornal do Brasil, começou a tra-

balhar na Sucursal de São Paulo

do JB e em apenas nove meses foi

elevado à categoria de repórter

especial.

Com passagens pelos jornais

paulistas Folha de S.Paulo, Jornal

da Tarde e O Estado de S. Paulo,

Luppi voltou sua carreira para o

jornalismo investigativo sobre di-

reitos humanos. Um de seus prin-

cipais trabalhos nessa área foi

uma série de reportagens publi-

cadas na Folha de S. Paulo nas

quais prova que o operário Mano-

el Fiel Filho havia sido detido, in-

terrogado e morto por engano,

derrubando a versão oficial do II

Exército de que o operário come-

tera suicídio. Mais tarde, os tex-

tos foram reunidos no livro Ma-

noel Fiel Filho: Quem Vai Pagar

Por Este Crime?.

Nesta entrevista Luppi dá

novas informações sobre o caso,

as quais foram reunidas em seu

novo livro, Um Vazio no Coração

do Mundo, da Record, escrito em

colaboração com o jornalista

Hugo Studart.

N

FOTOS: ACERVO PESSOAL

15Jornal da ABI 351 Fevereiro de 2010

JORNAL DA ABI — COMO SURGIU O SEU

INTERESSE PELO JORNALISMO?Carlos Alberto Luppi — Desde pe-

queno eu percebi que gostava de escre-ver. Lembro que quando tinha 12 anosde idade fui editor-chefe do jornal dointernato em que estudava. Depois, fizvestibular para Jornalismo e ingresseina Faculdade de Filosofia, Ciências eLetras de Juiz de Fora. Em seguida, lan-cei um jornal na cidade chamado O JF,que era um suplemento semanal de umjornal católico que circulava em Juiz deFora, mas os padres mandaram acabarcom a publicação porque causavamuita polêmica. Então, fui ser repór-ter do Diário Mercantil e depois fuieditor do jornal.

JORNAL DA ABI — FOI UM INÍCIO DE

CARREIRA UM TANTO METEÓRICO. O QUE

ACONTECEU EM SEGUIDA?Luppi — Logo em seguida venci um

concurso universitário de Jornalismopromovido pelo JB, com o tema Juiz deFora e o desenvolvimento regional. Comoprêmio, eu deveria escolher trabalharna Redação do jornal no Rio de Janei-ro ou em São Paulo. Escolhi a capitalpaulista.

JORNAL DA ABI — POR QUÊ?Luppi — Eu queria crescer na profis-

são em uma Redação pesada, numa ci-dade que não conhecia. Lembro quepedi dinheiro emprestado a um amigoe no dia seguinte da minha formaturaeu já estava desembarcando em SãoPaulo, às cinco horas da manhã. Tomeium café na rodoviária e fui à Redação.

JORNAL DA ABI — COMO FOI O SEU PRI-MEIRO CONTATO COM O JB?

Luppi — Fui me apresentar ao Car-los Prata, que chefiava a Redação naépoca e que de cara tentou me descar-tar dizendo: “Mas nós não estávamoste esperando hoje. Você nem tem ondeficar aqui em São Paulo”. Respondi:“Mas eu tô com paixão, quero trabalhar.Me dá uma pauta hoje!”. Ele negou,alegando que eu não conhecia a cidadeainda, no que retruquei: “Não conheço,mas vou conhecer através da pauta”.Depois deste diálogo, o Prata me deuquatro pautas. Eram 10h. Voltei para aRedação por volta das 16h, escrevi asmatérias e no dia seguinte duas forampublicadas. Comecei a escrever váriasreportagens, recebendo uma ajuda decusto, classificado como repórter D. Atéque chegou uma pauta do Rio de Janei-ro, enviada pelo Alberto Dines, sobreum congresso de psicologia.

JORNAL DA ABI — VOCÊ FOI SELECIONA-DO PARA DESEMPENHAR ESTA TAREFA?

Luppi — Sim e o Prata me alertou:“Mas você tem que ‘furar ’ O Globo.Topa?” Na época, início dos anos 70, agrande concorrência era travada entreo JB e O Globo. Cobri o congresso, e“furei” o Globo durante todos os setedias que o evento durou, antecipandoassuntos, conseguindo documentos,entre outras coisas.

JORNAL DA ABI — COM ESSA HABILIDA-DE VOCÊ DEVE TER CONQUISTADO DE MANEI-RA DEFINITIVA O SEU ESPAÇO NO JB?

Luppi — Alberto Dines quis saberquem era o repórter que fez as matéri-as. O Carlos Prata citou meu nome, acres-centando que não tinha dinheiro para mecontratar. Mas o Dines insistiu: “Nãotem essa vaga, mas eu vou criá-la paraesse repórter”. Ao cabo de nove meses fuipromovido à categoria de repórter A.

JORNAL DA ABI — DIREITOS HUMANOS ÉUM TEMA QUE SEMPRE ESTEVE PRESENTE NA

SUA CARREIRA?Luppi — Eu jamais deixei de cuidar

deste assunto. Acho que o jornalista temum compromisso com a sociedade, como ser humano, com a capacidade que eletem de provocar mudanças no mundo.Sempre pensei desta forma.

JORNAL DA ABI — VOCÊ PODERIA RELA-TAR ALGUM CASO QUE REMETA A ESTA SUA

POSTURA?Luppi — Em 1971, houve uma epi-

demia de meningite em São Paulo e oGoverno militar estava escondendo ojogo. Lembro que entrei na Secretariade Saúde, abri uma gaveta e roubei umdocumento sigiloso que relatava todosos casos da doença no Estado, compro-vando que havia epidemia. Fiz uma re-portagem e denunciei isso, não por sercontra os militares, mas por compromis-so social, acima de tudo. As pessoas têmque saber, nada pode ficar em sigilo. Osatos secretos do Senado, por exemplo,não podem ficar em sigilo. Nesse sen-tido, o jornalismo foi sempre minhatribuna de militância contra a injusti-ça, a falta de coragem, a mentira.

JORNAL DA ABI — ESTA FOI A SUA PRI-MEIRA REPORTAGEM DE GRANDE REPERCUS-SÃO?

Luppi — Acho que sim, mas lembrode outra também desse mesmo perío-do. Recebi uma denúncia de estudan-tes universitários de Mato Grosso so-bre o Projeto Aripuanã, promovido peloGoverno federal com a proposta deimplantar um modelo de ocupaçãoracional da Amazônia. Junto com o

fotógrafo José Carlos Brasil, fui a Dar-danelos, no Norte do Mato Grosso, edescobri que não havia nada. Estavamgastando rios de dinheiro, e não haviaprojeto, estava tudo abandonado.

JORNAL DA ABI — VOCÊS CONSEGUIRAM

FAZER A REPORTAGEM E PROVAR QUE O PRO-JETO ERA UMA FARSA?

Luppi — Consegui os relatórios econstatei que os caras alugavam aviõespara levar prostitutas pra lá. Aí falta-va cigarro, eles mandavam o aviãovoltar pra Cuiabá para trazer um pa-cote de cigarros. Também encontreifotos de mulheres nuas transando comos responsáveis pelo tal projeto. De-nunciei esta grande mentira e o proje-to acabou.

JORNAL DA ABI — EM 1976, OCORREU

O ASSASSINATO DO OPERÁRIO MANOEL FIEL

FILHO, NO DOI-CODI DO II EXÉRCITO, EM

SÃO PAULO. VOCÊ PARTICIPOU DA COBERTU-RA DESSE EPISÓDIO?

Luppi — Eu não cobri o caso direta-mente, mas fiz a cobertura do velóriopara o JB. Muito rapidamente, pois oclima não era bom, não se podia falarmuito. Pessoas estranhas à família se

aproximavam de cada conversa paraouvir o que se dizia. Dois anos depois,já na Folha de S. Paulo, propus ao OdonPereira, Secretário de Redação na épo-ca, que voltássemos ao assassinato doFiel Filho. Ele topou.

JORNAL DA ABI — VOCÊ TINHA ALGUMA

PISTA SOBRE O CASO?Luppi — Primeiramente, fui atrás do

legista e li as reportagens sobre o caso

publicadas na época no JB e na Folha,que não traziam muita informação,pois não se tinha falado muito sobre ocrime, devido à censura. Todos acha-vam que quem tinha feito a necropsiaera o Harry Shibata, que examinou ocorpo de Vladimir Herzog, assassina-do no mesmo Doi-Codi alguns mesesantes. Mas constatei que o legista erao José Antonio de Melo. No dia 4 denovembro de 1978, eu o localizei e fizuma entrevista de grande repercussão.

JORNAL DA ABI — QUE REVELAÇÕES ELE

FEZ A VOCÊ?Luppi — Ele contou que a morte ocor-

reu por estrangulamento e não enfor-camento. E que casos de estrangula-mento são, em sua quase totalidade,casos de homicídio, morte provocadapor terceiros. Então eu lhe perguntei:“Suicídio ou homicídio, doutor?”. Elerespondeu que isto não lhe dizia respei-to, que sua função era apenas detectara causa da morte, e não emitir opinião,mas deixou claro que o auto-estrangu-lamento é coisa completamente suigeneris na área da Medicina Legal. Omédico afirmou que em 20 anos deprofissão, tendo feito milhares de ne-

16 Jornal da ABI 351 Fevereiro de 2010

cropsias, nunca tinha se deparado comalgum caso de auto-estrangulamento,e que os compêndios de Medicina Le-gal praticamente não relatavam casossemelhantes. Ele insistiu em que o casoera atípico e raríssimo.

JORNAL DA ABI — A MATÉRIA PROVOCOU

A REABERTURA DO INQUÉRITO?Luppi — Com essa reportagem e uma

série de outras. Depois dessa entrevis-ta, que colocou em xeque o argumentooficial de que Fiel Filho teria cometidosuicídio, se auto-estrangulando comuma meia, todos os veículos começarama cobrir o assunto, que foi para as pri-meiras páginas dos jornais.

JORNAL DA ABI — E A HISTÓRIA DA FOTO

DA CENA DO CRIME?Luppi — Eu estava atrás do Luiz

Shinji Akaboshi, um dos interrogado-res do Fiel Filho. Fui procurá-lo no IIExército e acabei conhecendo umaoutra pessoa, que me disse: “O ende-reço do Akaboshi eu não vou te dar,mas vou te passar a foto do momentoem que o operário é encontrado mor-to na cela, que acompanha o inquéri-to”. Quando a Folha publicou a ima-gem, foi uma cacetada. Aí eu comeceia soltar coisas do inquérito policial-militar e o jornal foi publicando comexclusividade. Também publicamosdepoimento do auxiliar de enferma-gem Geraldo de Castro, que estevepreso junto com Fiel Filho.

JORNAL DA ABI — O DEPOIMENTO DELE

AJUDOU A ESCLARECER MUITA COISA?Luppi — Ele contou que enquanto

estava sendo interrogado ouviu os gri-tos e as súplicas do operário sendo tor-turado em uma outra sala próxima, atéque entraram no local onde Geraldoestava sendo interrogado e disseram:“Chefe, a omelete está feita”. Omele-te, na gíria policial, significa morte,execução. Depois destas e outras infor-mações levantadas nesta série de repor-tagens, eu disse à Dona Tereza de Lour-des Fiel que ela tinha tudo para reabriro caso. No dia 18 de abril de 1979 elaentrou com ação de indenização porperdas e danos na Justiça Federal, pormeio dos advogados Marco AntônioRodrigues Barbosa, Samuel McDowellFigueiredo e Sérgio Bermudes, da Co-missão de Justiça e Paz da Arquidiocesede São Paulo.

JORNAL DA ABI — É ESSA POSSIBILIDA-DE DE INTERFERIR DIRETAMENTE NA REALIDA-DE QUE MAIS TE ATRAI NO JORNALISMO?

Luppi — Eu gosto de mostrar o fatoe todo o seu entorno, o conjunto de si-tuações que contribuíram para determi-nado acontecimento, do ponto de vis-ta mental, social, do coração das pesso-as. Essa série de reportagens que saíramna Folha, publicadas em 1980 no livroManoel Fiel Filho: Quem Vai Pagar Por EsteCrime?, foi preponderante para que aUnião fosse condenada a indenizar aviúva. Mostrei que o Fiel fora detido,interrogado e morto por engano.

JORNAL DA ABI — QUEM NA REALIDADE

OS AGENTES DA DITADURA ESTAVAM PROCU-RANDO?

Luppi — Quando foram na MetalArte, onde Fiel trabalhava, estavamatrás de uma outra pessoa, chamadaFiore. Isso várias pessoas me contaramdurante as investigações. Como nãoencontraram nenhum Fiore na lista deempregados da empresa, levaram o Fiel,apenas porque o nome era parecido.

JORNAL DA ABI — CONSTA QUE DENTRO

DO DOI-CODI MANOEL FIEL FILHO FOI VÍTI-MA DE OUTRO ERRO GROSSEIRO DOS AGEN-TES DA DITADURA. É VERDADE?

Luppi — Quando ele chegou ao IIExército houve mais um equívoco:interrogaram-no achando que se trata-va de Manoel Guilherme, que estavapreso no mesmo local e organizava reu-niões do PCB na região de Itaquera.

JORNAL DA ABI — OU SEJA, A PRISÃO,TORTURA E ASSASSINATO DO MANOEL FIEL

FILHO FORAM MAIS UMA CRUEL SUCESSÃO

DE EQUÍVOCOS DA DITADURA MILITAR.Luppi — As perguntas feitas a ele

eram destinadas ao outro Manoel.Assim, uma série de erros causou amorte dele. Manoel Fiel Filho não tinhamilitância política nenhuma. O seuenvolvimento político era igual a zero.

JORNAL DA ABI — COM BASE NO LIVRO

DIREITO À MEMÓRIA E À VERDADE, PUBLI-CADO PELA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA,PÔDE HAVER A REABERTURA DA AÇÃO CIVIL

PÚBLICA PROPOSTA PELO MINISTÉRIO PÚBLI-CO FEDERAL, VISANDO À PUNIÇÃO DOS CUL-PADOS PELA MORTE DO OPERÁRIO.

Luppi — Eu já imaginava que istoiria ocorrer. O livro citado é um docu-mento oficial da Presidência, que inclu-sive utilizou todos os dados que apu-rei na época para mostrar, em primei-ra mão, que Fiel Filho foi assassinado,os quais resultaram na ação propostapela viúva. É uma nova ação que querpunir os torturadores e exigir novaindenização para Teresa de LourdesMartins Fiel.

JORNAL DA ABI — COMO VOCÊ SE SENTE

COM ESTA NOTÍCIA SABENDO QUE CONTRI-BUIU PARA QUE O CASO NÃO CAÍSSE NO ES-QUECIMENTO?

Luppi — Fico feliz com a notíciasabendo que os dados e declaraçõesutilizados são os mesmos do meu an-tigo livro, que também foram compi-ladas pela Comissão de Justiça e Paz deSão Paulo. As informações que reveleina época, na Folha, levantaram o casonovamente. O livro que estou prepa-rando agora, cujo título é Um Vazio noCoração do Mundo, contém novas reve-lações sobre o assassinato do operário.

JORNAL DA ABI — FALE UM POUCO DES-TE NOVO LIVRO.

Luppi — Contando com a colabo-ração do jornalista Hugo Studart, euquis fazer um livro que relatasse nãoapenas o assassinato do Fiel Filho, maso mostrasse como um ícone de uma

época tenebrosa no Brasil que vai re-petindo-se com o tempo. Eu não souum expert em História política doBrasil, mas de 1937 para cá esses ca-sos de tortura e assassinato vêm-semultiplicando.

JORNAL DA ABI — O PRINCIPAL OBJETI-VO DO LIVRO SERIA REVELAR A DINÂMICA DO

PROCESSO DE ARBITRARIEDADES COMETIDAS

DURANTE O REGIME MILITAR?Luppi — Eu queria mostrar toda essa

questão que envolve o poder subterrâ-neo. O fato e o entorno do fato. Por queisso acontece? Por que se mata um ino-cente, ou um culpado, a troco de nada,sem nenhuma consciência? Com que

objetivo? O que se passa na mente daspessoas? Como se trata a vida huma-na dessa forma?

JORNAL DA ABI — VOCÊ ACHA QUE CON-SEGUIU AS RESPOSTAS PARA ESSAS PERGUNTAS?

Luppi — O livro mostra, paralela-mente àquele crime, vários casos quevão-se costurando na forma de umroteiro cinematográfico. Mostramos ocaso do Fiel Filho como algo que serepete continuamente e tem ligaçõescom situações várias.

JORNAL DA ABI — POR EXEMPLO?Luppi — A Operação Condor tem

tudo a ver com o assassinato dele, sevocê mostrar seu entorno, a união dosGovernos militares da América Lati-na para aniquilar comunistas, não res-peitando fronteiras, entre outras coi-sas. Como hoje ocorre com um chefede milícia ou do tráfico e suas dispu-tas por território. No fundo esse con-ceito de poder é igual, a busca do lu-cro pelo lucro.

JORNAL DA ABI — NO FINAL DOS ANOS 70VOCÊ TAMBÉM FOI AUTOR DE UMA REPORTA-GEM QUE DESVENDOU UM CRIME QUE TEVE

REPERCUSSÃO NACIONAL. VOCÊ REVIROU OCASO DO ASSASSINATO DA MENINA ARACELI,CINCO ANOS E MEIO DEPOIS. POR QUÊ?

Luppi — Porque não estava soluci-onado ainda. O José Louzeiro tinhaescrito o livro Araceli, Meu Amor, umtrabalho brilhante, de grande repercus-são. Por intermédio dele, fiquei muitoamigo do Asdrúbal de Lima Cabral, operito que acompanhou o caso. Ele medisse que o crime ainda não estavaconcluído judicialmente. Então, fui aVitória, onde ocorreu o assassinato, etirei cópia do processo, que tinha setemil páginas.

JORNAL DA ABI — ACHOU ALGUMA COI-SA REVELADORA?

Luppi — Li tudo e constatei que opai da menina, Gabriel Sanchez, nãoera citado. Voltei para São Paulo, quan-do recebi um telefonema do Cabral di-zendo que a mãe de Araceli, Lola Ca-brera Sanchez, tinha voltado paraVitória, depois de ter passado os anossubseqüentes ao crime na Bolívia, seupaís de origem. Eu fui para Vitória naintenção de entrevistá-la. Eu ficava odia inteiro na esquina da rua obser-vando seu comportamento. Comeceia levantar várias histórias sobre ela ea Folha foi publicando, até que a pren-deram, sob a acusação de seviciar umamenina que tinha vindo da Bolíviapara morar com ela. Fui à prisão e con-segui a entrevista.

JORNAL DA ABI — E O QUE VOCÊ DESCO-BRIU?

Luppi — Ela estava meio confusa,com medo. Acusou os Michelini, masdepois negou que foram eles. Depoisassumiu que era amiga dos Michelinie dos Helal, os milionários que mata-ram a menina. Assumiu que Aracelifora morta por elementos da alta soci-

DEPOIMENTO CARLOS ALBERTO LUPPI

17Jornal da ABI 351 Fevereiro de 2010

edade de Vitória, que contaram com aconivência e corrupção da polícia local.

JORNAL DA ABI — DURANTE AS INVESTI-GAÇÕES VOCÊ TAMBÉM ESTEVE NA BOLÍVIA.

Luppi — Quando Lola Cabrera foisolta e saiu do Brasil, fui atrás dela emSanta Cruz de la Sierra, junto com operito Dudu Cabral. Descobrimos queela era casada aqui, com o Gabriel, e látambém com outro cara, cuja ex-mu-lher eu consegui localizar. Esta mepassou o endereço da Lola e do ex-marido, que livrou a cara dela quandoo entrevistei.

JORNAL DA ABI — COMO FOI QUE VOCÊ

CHEGOU AO PAI DA ARACELI?Luppi — Eu o encontrei em Ube-

raba e depois de muito esforço eleconcordou em conversar comigo. Aentrevista durou mais de dez horase foi publicada na íntegra na Folha,causando grande repercussão. Aí aVeja, a IstoÉ e diversos outros veícu-los a repercutiram. Pela primeira vezo pai de Araceli, que não foi ouvidono inquérito, falou sobre o assassi-nato da menina.

JORNAL DA ABI — O PAI DE ARACELI FEZ

ALGUMA REVELAÇÃO IMPORTANTE?Luppi — Disse que desconfiava da

Lola, que achava que ela tinha envol-vimento no crime, por ser amiga dosMichelini e dos Helal. Foi uma inves-tigação longa. Depois, as reportagensforam publicadas na forma de livro,com o título Araceli — Corrupção emSociedade, vendendo 100 mil exem-plares nas bancas de jornais. Essaapuração longa sobre o caso Aracelirecebeu o Prêmio Vladimir Herzog deDireitos Humanos; assim como ou-tra série de reportagens que fiz inti-tulada O País da Pena de Morte, naqual denunciei diversos casos de as-sassinatos cometidos pelo grupo po-licial Rota, de São Paulo.

JORNAL DA ABI — QUAL FOI O DESFECHO

DO CASO?Luppi — Baseado nos fatos, robus-

tecidos pelas reportagens, o Juiz da 3ªVara Criminal de Vitória, Hilton Silly,condenou Dante de Barros Michelini,seu filho Dantinho, Paulo Helal e Jor-ge Michelini.

JORNAL DA ABI — A CONFIANÇA DO VE-ÍCULO NO REPÓRTER AJUDA EM CASOS COMO

ESTES?Luppi — Eu tive muita sorte nesse

aspecto. Todos os quatro grandes jor-nais em que trabalhei — Jornal do Bra-sil, Folha de S. Paulo, O Estado de S. Pauloe Jornal da Tarde — me protegeram e mederam força nas minhas investigações.A minha preocupação sempre foi a dedenunciar, de trazer a verdade à tona.

JORNAL DA ABI — VOCÊ SEMPRE TRABA-LHOU AS SUAS PAUTAS COM LIBERDADE?

Luppi — Sempre tive liberdade parafazer as matérias. O único problemaque tive foi na Folha, quando iniciei

uma série de denúncias contra a cor-rupção do Governo Maluf, em SãoPaulo. Foi na época em que comecei alevantar toda a cortina de fumaça quetapava as torturas cometidas contracrianças internas das Febem paulistas.Ele sempre pediu a minha cabeça, masa Folha o peitava. Até que eu saí do jor-nal e ele me processou.

JORNAL DA ABI — A JUSTIÇA DEU GAN-HO DE CAUSA A MALUF?

Luppi — Eu precisava de um advo-gado, mas a Folha não quis disponibi-lizar um advogado pra mim, apesar deo processo se referir às reportagenspublicadas no jornal. Então, contrateido próprio bolso a advogada MariaAparecida Pacheco, que fez a minhadefesa brilhantemente. Resultado: nãosó ganhei a causa como recebi um votode louvor do Tribunal pelas reporta-gens feitas (risos).

JORNAL DA ABI — COMO SURGIU ESSA

PAUTA SOBRE OS MAUS TRATOS SOFRIDOS

POR CRIANÇAS INTERNAS DAS UNIDADES DA

FEBEM DE SÃO PAULO?Luppi — Surgiu por acaso. Eu esta-

va em uma festa familiar e uma dasconvidadas começou a se queixar,numa roda de conversa, das atrocida-des que via em uma unidade da Febemem que trabalhava. Ela não sabia queeu era jornalista. Perguntei se poderiapublicar o que ela disse. Ela permitiu.Então, marquei uma entrevista espe-cífica com ela no dia seguinte. Aí es-tourou o caso.

JORNAL DA ABI — QUAIS ERAM AS PRIN-CIPAIS DENÚNCIAS CONTRA AS FEBENS?

Luppi — Eram casos de tortura, es-pancamentos, estupro, pílulas de hor-mônios femininos que eram dadas ameninos internos e vice-versa. Atos deviolação dos direitos humanos.

JORNAL DA ABI — FOI ISSO QUE INCOMO-DOU MALUF?

Luppi — O Governo Maluf tentoudesmentir todas as acusações. Então,conversei com o pessoal da Folha e de-cidimos investigar tudo, entrar de ca-beça no assunto. Fiz um levantamen-to a nível nacional sobre jovens inter-nos. Como eu viajava muito para aAmazônia, comecei a verificar a situ-ação do menor lá também, a denunci-ar a Febem e a Funabem.

JORNAL DA ABI — QUAIS FORAM AS RE-PERCUSSÕES DAS SUAS REPORTAGENS?

Luppi — Cansei de ir ao programada Hebe Camargo, que era muito ami-ga minha, denunciar o Mário Alten-felder, que presidia a Febem na época,e era pago pelo Unicef para fazer essagestão cruel. Eu tenho umas 10 millaudas de matérias sobre a situação domenor no Brasil, tema a que me dedi-quei durante dez anos (1979-1990),que me rendeu o Prêmio Jock Elliot deDireitos Humanos, pelos serviçosprestados à Humanidade.

JORNAL DA ABI — É VERDADE QUE VOCÊ

É O ÚNICO JORNALISTA BRASILEIRO GANHA-DOR DESSE PRÊMIO?

Luppi — Concorri com jornalistas de120 países, e fui o único brasileiro areceber essa homenagem. Esse traba-lho foi publicado em três livros: Agorae na Hora de Nossa Morte — O Massa-cre do Menor no Brasil; A Cidade Está comMedo, em parceria com o criminalistaTécio Lins e Silva; e Malditos Frutos doNosso Ventre.

JORNAL DA ABI — EM QUE CONSISTIA OBRASIL JOVEM, PROGRAMA QUE VOCÊ DE-NUNCIOU NESTA SÉRIE DE REPORTAGENS?

Luppi — Esse programa consistia emformar um exército de repressão commenores internos da Febem de todo oBrasil. A idéia era criar uma geraçãomilitarizada envolvida com a repressãopolítica durante a ditadura militar, ten-do o Médici à frente dessa empreitada.

JORNAL DA ABI — COMO VOCÊ DESCO-BRIU ESSE PROJETO?

Luppi — Quando você se envolvenesse tipo de reportagem, as pessoascomeçam a te procurar para fazer de-núncias, você começa a pedir docu-mentos, a analisar documentos, e es-sas coisas vão aparecendo. Eu lembroque era acordado de madrugada. Liga-vam pra minha casa às 3h, para eu darincertas em Febens do interior de SãoPaulo.

JORNAL DA ABI — QUAIS ERAM AS CENAS

MAIS COMUNS NESSAS UNIDADES?Luppi — Flagrei garotos comendo

bosta e sendo espancados. Esse assuntodos atentados contra os direitos huma-nos de crianças e adolescentes no Bra-sil começou um caudal que não paroumais. Depois dessas reportagens, oassunto virou pauta permanente naimprensa brasileira.

JORNAL DA ABI — COMO VOCÊ SE SENTE

POR TER SIDO UM DOS PIONEIROS DE UM TRA-BALHO JORNALÍSTICO DESSA IMPORTÂNCIA?

Luppi — Eu lembro que enquantoestava apurando os casos lia em jornaisantigos as denúncias nessa mesma li-nha e percebia que davam uma notaapenas, sem muita repercussão, mes-mo em casos graves. Esse trabalho meorgulha muito, pois as reportagensajudaram a salvar muitas vidas de jo-vens no País. E no rastro delas criamos,junto com a Lia Junqueira e outros, oMovimento em Defesa do Menor deSão Paulo, ligado à OAB de São Paulo.

JORNAL DA ABI — VOCÊ TAMBÉM DENUN-CIOU A SITUAÇÃO PRECÁRIA DOS JOVENS NO

NORTE DO PAÍS.Luppi — Fiz uma viagem de 26 dias

de barco para o Alto do Rio Negro everifiquei que tudo fazia parte dasmissões dos padres salesianos naque-la região. Eles tratavam os índios a ferroe fogo e os obrigavam a adotarem acultura cristã, em detrimento dos va-lores indígenas.

JORNAL DA ABI — MUITAS TRIBOS ERAM

AFETADAS POR ESSE PROCESSO?Luppi — Cerca de 17 mil índios da

“TODOS OS QUATRO GRANDES JORNAIS EMQUE TRABALHEI ME PROTEGERAM E ME

DERAM FORÇA NAS MINHAS INVESTIGAÇÕES.A MINHA PREOCUPAÇÃO SEMPRE FOI A DE

DENUNCIAR, DE TRAZER A VERDADE À TONA.”

18 Jornal da ABI 351 Fevereiro de 2010

região, de várias tribos, perderam aidentidade cultural. Com a opressãodos padres, eles iam para Manaus e sefixavam em favelas, entregues ao alco-olismo e ao subemprego.

JORNAL DA ABI — FALE SOBRE A SITUA-ÇÃO DOS JOVENS QUE VOCÊ ENCONTROU NA

AMAZÔNIA.Luppi — Eu me deparei com diver-

sos casos de meninas índias de 13 e 14anos que iam trabalhar como domés-ticas na cidade, onde acabavam sendoestupradas por um filho da família, fi-cavam grávidas e eram expulsas da casaem que trabalhavam. Assim, entravamna prostituição. O que eu encontrei deindiazinhas se prostituindo em Ma-naus foi uma coisa assombrosa. De-nunciei isto em várias reportagens etambém no Tribunal InternacionalBertrand Russel, ligado aos direitoshumanos, e houve uma condenaçãomundial das missões dos padres sale-sianos na Amazônia.

JORNAL DA ABI — APESAR DAS FREQÜEN-TES DENÚNCIAS QUE FAZIA COMO REPÓRTER,VOCÊ NUNCA SOFREU REPRESÁLIAS POR PAR-TE DO GOVERNO MILITAR?

Luppi — Tive sorte neste sentido.Acho que nunca me pegaram, porqueeu viajava muito pelo Brasil e pela Amé-rica Latina. Mas eu era muito ameaça-do, principalmente no caso Araceli.

JORNAL DA ABI — QUE TIPO DE AMEAÇAS

VOCÊ SOFREU?Luppi — Um dia eu fui a Vitória e

falei no programa de grande audiênciade uma rádio local que a cidade tinhao maior índice de covardes per capitado Brasil. Disse isso porque em SãoPaulo, por causa das matérias, eu rece-bia vários telefonemas de pessoas me

ameaçando. E falei também: “Agoraque estou aqui, não aparece ninguém.Vou sair da rádio e vou para a PraçaCosta Pereira, ficar lá sentado no ban-co, vendo as meninas passarem”.

JORNAL DA ABI — APARECEU ALGUÉM

PARA TE PEGAR (RISOS)?Luppi — Não apareceu um babaca

pra cumprir com as ameaças. Nessasocasiões, você tem que se posicionarcom firmeza também, se não é pior. Olado triste disso é queeu sei que perdi mui-to emprego por cau-sa desse tipo de jor-nalismo de denúnciaque eu fazia. Muitasrevistas deixaram deme contratar.

JORNAL DA ABI — POR QUE VOCÊ DECI-DIU ABANDONAR AS REDAÇÕES NO INÍCIO

DOS ANOS 90?Luppi — Senti que não estava mais

tendo espaço, pois era visto como umjornalista de muita contundência.Além disso, as Redações, na minhaopinião, estavam muito burocratiza-das, buscando fontes de gabinetes, semaquela investigação profunda que sem-pre gostei de fazer. Diante deste qua-dro, resolvi buscar outros caminhosdentro da comunicação social.

JORNAL DA ABI — E O QUE VOCÊ FOI FA-ZER PARA SUBSTITUIR O JORNALISMO?

Luppi — Fiz uns cursos de publicida-de e comecei a trabalhar como diretorde criação em algumas agências. Fiqueimuitos anos sem escrever, até que, em1999, eu conheci o pensamento do líderbudista Daisaku Ikeda, Presidente daSoka Gakkai Internacional, uma orga-nização pacifista ligada à Onu, que di-

aloga com todas as correntes de pensa-mento no mundo. Ele prega a atuaçãodireta na sociedade onde você está, a par-tir do comportamento próprio de cadaum, o compromisso de cada um, visan-do à busca pela paz mundial.

JORNAL DA ABI — E O QUE ESSA APRO-XIMAÇÃO COM O BUDISMO MODIFICOU EM

SUA VIDA?Luppi — Lendo os escritos dele, eu

percebi que toda a minha trajetória

profissional no jornalismo estava liga-da a este compromisso e comecei a re-descobrir o sentido da minha vida.Compreendi que eu não havia sido jor-nalista por acaso. Através da impren-sa, tive contato com o mundo, com opovo, com o Brasil, com a AméricaLatina, com diversas situações de vio-lência, tortura e desigualdade e tinhainterferido diretamente nessas ques-tões. Aí eu pensei que tinha que voltara escrever, retomando este compromis-so com a sociedade que sempre tive pormeio da imprensa.

JORNAL DA ABI — FOI ESSE SENTIMENTO

QUE TE LEVOU A ESCREVER O LIVRO DINAS-TIA DAS SOMBRAS, PUBLICADO EM 2008?

Luppi — A história desse livro estáligada à guerrilha do Araguaia, e à figurade mais um injustiçado, vítima da dita-dura militar chamado Orlando Sabino.

JORNAL DA ABI — QUEM É ORLANDO SA-

“EU SEI QUE PERDI MUITO EMPREGO PORCAUSA DESSE TIPO DE JORNALISMO DE

DENÚNCIA QUE EU FAZIA, MUITASREVISTAS DEIXARAM DE ME CONTRATAR.”

BINO E O QUE ELE TEM A VER COM A GUERRI-LHA DO ARAGUAIA?

Luppi — Um pobre coitado miserá-vel e sem família, que diziam ser o res-ponsável pelos crimes, que na realida-de foram praticados pelos agentes daditadura na região do Triângulo Minei-ro, em 1972.

JORNAL DA ABI — O QUE VOCÊ APUROU

DESSA HISTÓRIA?Luppi — Em março de 1972, o Go-

verno militar na última operação paraacabar de vez com a guerrilha do Ara-guaia, ficou com receio de que os guer-rilheiros fugissem pela região do Triân-gulo Mineiro e montou uma operaçãomilitar gigantesca para reprimi-los.Para justificá-la os militares começa-ram a cometer vários assassinatos ale-atoriamente na calada da noite, a de-predar fazendas, decepar bezerros.Criaram um clima de pavor na regiãoe a figura de um monstro. Quandoacabaram com a guerrilha do Araguaia,começaram a desmobilizar as forças desegurança em operação no TriânguloMineiro em torno de Orlando Sabino.Não haveria mais perigo de os guerri-lheros se instalarem em um novo focode guerrilha na região do Triângulo.

JORNAL DA ABI — FOI AÍ QUE PEGARAM

O ORLANDO SABINO...Luppi — Levaram-no para o bata-

lhão de polícia de Uberaba, onde foihumilhado inclusive pela imprensa.Depois o levaram para o manicômio deBarbacena, onde tentaram em vãomatá-lo duas vezes. Orlando Sabinoestá lá até hoje. É o mais antigo do ma-nicômio. Trata-se de uma grande injus-tiça que não foi reparada. A esquerda se

omitiu, assim como asentidades que lutampelos direitos huma-nos, como o GrupoTortura Nunca Mais,a imprensa e o Gover-no atual. Talvez nemconheçam o caso doOrlando Sabino.

JORNAL DA ABI — O QUE FAZ UM JORNA-LISTA VIRAR ESPECIALISTA EM INVESTIGAR CA-SOS CONSIDERADOS SEM SOLUÇÃO?

Luppi — O sentido de compromis-so com a sociedade e a reflexão perma-nente do papel do jornalista em trans-formar a sociedade insustentável emque vivemos numa sociedade susten-tável. Acho que o jornalista tem que terum compromisso definido com elemesmo. Mas também não deve pensarassim: “Puxa vida, se eu não conseguimudar o mundo perdi meu tempo”.

JORNAL DA ABI — E O QUE VOCÊ ACHA DA

SUA PRÓPRIA PARTICIPAÇÃO NESSE PROCESSO?Luppi — Eu, como jornalista, dei

uma contribuição bacana para a soci-edade, porque eu vivi intensamentemeus dias na imprensa, e experimen-tei a vontade de exercer a consciênciae o compromisso com as pessoas, como povo brasileiro.

DEPOIMENTO CARLOS ALBERTO LUPPI

O astrônomoRonaldo Mourãorecebe o abraçode Carlos Luppi

durante olançamento do

livro Dinastia dasSombras, sobre a

guerrilha doAraguaia.

19Jornal da ABI 351 Fevereiro de 2010

Diploma: STFdesencadeoucontradições

A Câmara Municipal de BeloHorizonte e o Estado de Mato Grossodo Sul exigem diploma para ingressode jornalistas no funcionalismo. Há

divergências quanto ao registroprofissional e à admissão após

aprovação em concursos públicos.

Oito meses depois da derrubada da exigênciade diploma de conclusão de curso de Jornalismoou Comunicação Social para o exercício daprofissão de jornalista, são diferentes as reaçõesde vários segmentos da sociedade à decisão doSupremo Tribunal Federal que aboliu essaexigência, em sua sessão de 17 de junho de 2009.Uma das mais recentes, e tambémcontundentes, deu-se na capital mineira. ODiário Oficial do Município de Belo Horizontepublicou no dia 20 de fevereiro a sanção da Leinº 9.825, de 19 de janeiro, que torna obrigatórioo diploma de Comunicação Social, com a devidahabilitação em Jornalismo, para os cargos dejornalista e assessor de imprensa nos PoderesLegislativo e Executivo da cidade.

A lei é originária do Projeto de Lei 667/09, deautoria dos Vereadores Adriano Ventura (PT) eLuzia Ferreira (PPS), Presidente da CâmaraMunicipal de Belo Horizonte. O projetotramitou nas Comissões de Legislação e Justiça ede Administração Pública e foi aprovado emsegunda votação e última votação na reuniãoplenária realizada no dia 23 de dezembro de2009. A Lei tem o propósito de garantir aimportância da formação acadêmica e dastécnicas aprendidas em faculdadesespecializadas para o pleno exercício da profissãode jornalista. O diploma, de acordo com o textolegal, representou um avanço para odesenvolvimento da profissão e pela qualidadeda informação transmitida à sociedade.

Iniciativa semelhante foi verificada em MatoGrosso do Sul. Atendendo a pedido do Sindicatodos Jornalistas Profissionais, o DeputadoEstadual Pedro Teruel (PT) apresentou projeto delei que determina que candidatos à vaga deassessores de imprensa em órgãos estaduaisapresentem o diploma de curso superior emJornalismo, como requisito para exercer a função.A medida abrange as admissões realizadas porforça de concurso público para cargos no PoderExecutivo, na Assembléia Legislativa, no Tribunalde Justiça e em outros órgãos estaduais. Pela lei,qualquer contratação para o exercício profissionaldo jornalismo que tiver sido efetuada sem aexigência do diploma poderá ser anulada.

Também a Federação Nacional dosJornalistas tem-se mobilizado para retomar aexigência do diploma. A entidade anunciouque vai solicitar ao Ministério do Trabalho eEmprego uma consulta pública em caráter deurgência para que sejam definidosprocedimentos para a emissão do registro dejornalista. A Fenaj defende a concessão doregistro apenas para os jornalistas diplomados.Em norma interna emitida no final de 2009, oMinistério orientou as Secretarias Regionais doTrabalho a registrar jornalistas diplomados nacategoria “jornalistas profissionais” e osdemais, como “jornalistas”.

“Tal norma do Ministério possibilita aemissão de registros a menores, analfabetos eaté criminosos. O STF disse que é livre oexercício da profissão, mas não definiu normapara registro. Assim sendo, o MTE pode edeve registrar só diplomados. É precisodiscutir com urgência essa questão”, ressaltouo Presidente da Fenaj,Sérgio Murilo deAndrade.

Na mesma linha de atuação, o Sindicatodos Jornalistas Profissionais do Estado do RioGrande do Sul entrou no dia 10 de fevereirocom pedido de suspensão da liminar queobriga a entidade a filiar em seus quadrosduas pessoas sem formação superior emJornalismo. Ambas foram beneficiadas pormandado de segurança expedido pelo JuizRafael da Silva Marques, da 29ª Vara doTrabalho de Porto Alegre, que se baseou nasuspensão da obrigatoriedade do diplomadeterminada pelo STF.

Em nota, a direção do Sindicato classificoua atitude do juiz como “interferência indevida

Polêmica quanto ao registro profissionalnas relações de trabalho, uma vez que, peladecisão do Supremo, não é necessária aemissão de carteira para o exercício daprofissão, nem mesmo o registro”. A decisãojudicial, diz o comunicado, fere o estatuto doSindicato, que, por se tratar de uma entidadede profissionais, exige o curso superior deJornalismo no ato de filiação.

“Na portaria publicada pelo MTE, pessoassem diploma são enquadradas simplesmentecomo ‘jornalistas’. Os profissionais com cursosuperior são ‘jornalistas profissionais’, estescom direito à associação nos quadros doSindicato dos Jornalistas Profissionais noEstado do Rio Grande do Sul, conformedetermina o seu estatuto. Seria o mesmo quea Justiça obrigasse a todo o jornalista comatuação no Estado a se sindicalizar, o que porcerto fere o livre direito estabelecido naConstituição”, diz o Presidente do Sindicato,José Maria Rodrigues Nunes.

No Rio de Janeiro, ocorreu um casosingular. O Desembargador FernandesMarques, do Tribunal Regional Federal,determinou que o Sindicato dos JornalistasProfissionais do Município forneça Carteirade Identidade Profissional de Jornalista aoBispo Edir Macedo, líder da Igreja Universaldo Reino de Deus. O pedido havia sido feito enegado em 2001. Baseado na decisão do STF,novo julgamento de mandado de segurançaterminou por favorecer o religioso – ligado àTV Record. O advogado do Sindicato, WalterMonteiro, encaminhou pedido deesclarecimento da ação ao TRF, no qual dizque existe uma série de exigências para seremobedecidas antes do cumprimento da decisão.

LEGISLAÇÃO

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20 Jornal da ABI 351 Fevereiro de 2010

Por proposta da Vereadora SofiaCavedon (PT), a Câmara Municipalde Porto Alegre aprovou Moção deRepúdio ao STF pela decisão deextingüir a exigência de diplomapara o exercício da profissão dejornalista. A moção estende orepúdio aos ministros que votaramem favor da decisão: GilmarMendes, Carmem Lucia, Eros Grau,Ricardo Lewandowski, AyresBritto, Cezar Peluso e Ellen Gracie.

“A decisão da Suprema Corteafronta estudantes de Jornalismo,professores e ao público que se valedas mídias para manter-seinformado e formar sua opinião.Também contraria os princípios doMec, que zela pela qualificação doscurrículos, preocupando-se em daras coordenadas, fiscalizar, avaliar eexigir que o curso de Jornalismopossibilite ao aluno uma formaçãoque o habilite a exercer a profissão.Ao não exigir o diploma para atuarem veículos de comunicação epermitir a concessão de registro semnenhuma normativa, a decisão doSTF significa um exemplo de descasopara com quem zela pela formaçãodos profissionais da imprensa, alémde um retrocesso histórico tantopara o jornalismo quanto para asociedade”, diz a moção.

Na esfera dos concursos públicos,Gustavo Carvalho de Aquino,aprovado em primeiro lugar naseleção da Universidade Federal doParaná, foi impedido pela Justiça do

Moção de Repúdio e maisdúvidas em concurso público

Estado de tomar posse na vaga deassessor de imprensa, por não ter odiploma do curso de Jornalismo,conforme previsto no edital. Adecisão foi da Juíza Soraia Tullio, da4ª Vara Federal de Curitiba, quenegou a liminar requerida pelocandidato. Em seu despacho, a Juízaacentua que o edital do concursoalertava claramente para a exigênciado diploma.

“Consta expressamente no editaldo concurso — que, como é sabido,constitui a lei do certame — aexigência de curso superior para oexercício do cargo. Logo, inexisteilegalidade ou abuso de poder noato da autoridade da UFPR, queimpediu a posse do candidato.”

No entendimento da magistrada,a instituição de ensino é soberanapara decidir quais os requisitosexigidos para a ocupação de cargosnos seus quadros, sem que issorepresente “infringência ouincompatibilidade com oposicionamento do STF”.

Gustavo Carvalho de Aquinoentrou com mandado de segurançaquando foi informado pela UFPRque não poderia tomar posse nocargo de assessor de imprensa. Oseu argumento tem base na decisãodo Supremo que extinguiu aobrigatoriedade do diploma para oexercício da profissão de jornalista.Gustavo alega na ação que tem“conhecimento e experiênciasuficientes para o exercício do cargo”.

O jornalista André Trigueiro, ânco-ra da Globo News, ganhou o TroféuDestaque Especial do 4º Prêmio Bra-sil Meio Ambiente promovido peloJornal do Brasil e pela revista JB Ecoló-gico. Coube ao Presidente da ABI,Maurício Azêdo, entregar-lhe o troféu,em cerimônia realizada no dia 29 dejaneiro na sede social do Jockey Clu-be Brasileiro, no Centro do Rio. A ho-menagem emocionou Trigueiro.

“Hiram Firmino realiza trabalho defundamental importância à frente doJB Ecológico. Muitos dos agraciados comeste prêmio consagram uma boa par-te do seu tempo e de suas energias emfavor da construção de um mundomelhor e mais justo, e é um honra paramim ser um dos premiados. Fui repór-ter da antiga Rádio Jornal do Brasil AM.Na noite da cerimônia me lembreimuito do quanto aprendi neste perío-do profissional de minha vida, quan-do, inclusive, tive a oportunidade decobrir a Rio-92”, recordou Trigueiro.

Ao justificar a escolha de Triguei-ro, os organizadores do Prêmio BrasilMeio Ambiente assinalaram que ele éprofessor e criador do curso de Jorna-lismo Ambiental da Pontifícia Univer-sidade Católica do Rio de Janeiro eproduz e apresenta na Globo News oCidades e Soluções, primeiro programaneutro em carbono da TV brasileira.Isto é, todas as suas emissões de gasesestufa durante a produção são com-pensadas com o plantio de árvoresnativas da Mata Atlântica.

“Essas são medidas paliativas, namedida em que a compensação do car-bono emitido se dará apenas quando asmudas de árvores plantadas crescerem,o que levará algum tempo. Mas a sina-lização que damos é positiva. Signifi-ca que estamos antenados com a ques-tão das mudanças climáticas e reconhe-cemos nossa responsabilidade nisso. Éimportante que em todos os setores davida possamos reduzir nossas emissõesde gases estufa”, diz Trigueiro.

A cobertura da Rio-92 foi vital nadefinição de sua trajetória profissio-nal. “Encerrado o evento, me dei contade que esta era uma área do conheci-mento absolutamente instigante e ne-cessária. Fui buscar fora do jornalismouma formação específica na área am-biental, no intuito de melhor compre-ender esse universo sistêmico, com-plexo e apaixonante. Por isso, há quase

sete anos leciono na Puc-Rio a discipli-na de Jornalismo Ambiental, criadapor mim justamente para fomentaresse conhecimento. Não podemosentrar no mercado de trabalho, empleno século XXI, replicando o anal-fabetismo ambiental. Se o mundo mu-dou, e muito, as universidades e o jor-nalismo devem acompanhar essasmudanças”.

Como anda a cobertura da mídiasobre as questões ambientais? Triguei-ro é otimista:

“Está melhorando. Já estivemos emsituação pior. Há um processo em an-damento e sou otimista em relação aosespaços que a mídia deverá abrir paratemas fundamentais e estratégicosrelacionados à sustentabilidade. Espe-cialmente na editoria de economia”,acredita ele, que recebeu o prêmio jun-to com diversas outras personalidadese empresas que tiveram reconhecidosseus trabalhos em prol da causa sus-tentável, como os Presidentes da Vale,Roger Agnelli (Empresário do Ano), daCedae, Wagner Victer (Destaque Es-tadual) e do Ibama, Roberto MossiasFranco (Destaque Federal), além deLuiz Pinguelli Rosa, Coordenador doPrograma de Pós-Graduação em Enge-nharia da Universidade Federal do Riode Janeiro-Coppe, como Personalida-de Brasil de Meio Ambiente.

MEIO AMBIENTE

André Trigueiro,destaque especial

Além de estar à frente do primeiro programa neutro emcarbono da tv brasileira, na Globo News, ele leciona na Puc-Rio

disciplina voltada para a formação ambiental de jornalistas.Seu trabalho foi reconhecido com premiação do JB Ecológico.

Trigueiro leva ao pé da letra o que pregacomo jornalista e professor: seu programa

é o primeiro da tv neutro em carbono.

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21Jornal da ABI 351 Fevereiro de 2010

Os organizadores do 5º Concur-so Tim Lopes de Investigação Jor-nalística e do 10º Prêmio AyrtonSenna de Jornalismo encerraram operíodo de inscrições com grandevolume de trabalhos do Brasil e doexterior. A novidade desta edição doConcurso Tim Lopes foi a expansãoda iniciativa para países do Merco-sul. Os jornalistas de língua espa-nhola concorrem nas categoriasImpresso, Rádio e TV. No total fo-ram inscritos 122 projetos: 77 doBrasil, 27 da Argentina, 13 do Uru-guai, cinco do Paraguai. Os partici-pantes apresentaram sugestões depautas especiais ainda não produ-zidas. Os selecionados em cada ca-tegoria vão receber apoio financei-ro e técnico para realizá-las, além deprêmio em dinheiro.

O Concurso Tim Lopes é resul-tado de uma parceria entre a Agên-cia de Notícias dos Direitos da In-fância-Andi, a Childhood Brasil, oInstituto WCF e a Save The Chil-dren Suécia, com o apoio do Fundodas Nações Unidas para a Infância-Unicef, Associação Brasileira deJornalismo Investigativo-Abraji,Federação Nacional dos Jornalistas-Fenaj e Organização Internacionaldo Trabalho-OIT. O título do prê-mio é uma homenagem ao jornalis-ta Tim Lopes, da TV Globo, assas-sinado por traficantes no dia 2 dejunho de 2002, em uma favela doRio, quando investigava a explora-ção sexual de menores em bailesfunk. A reunião do júri aconteceráem 6 de abril, em São Paulo, quan-do serão definidos os oito projetosselecionados – cinco do Brasil e trêsdo Mercosul. O resultado final serádivulgado no dia 8 de abril.

Já o 10º Grande Prêmio AyrtonSenna de Jornalismo, cujo tema éEducação para o DesenvolvimentoHumano, recebeu um total de 1.516matérias inscritas, enviadas por682 jornalistas de 217 veículos. Anovidade desta edição é a inclusãoda categoria Internet ao lado dastradicionais Jornal, Revista, Rádioe TV. Neste ano será concedido oPrêmio Ayrton Senna DestaqueEducação ao editor, repórter ou ve-ículo que mais tenha contribuídopara o debate sobre educação. Emmarço, serão conhecidos os 15 tra-balhos pré-finalistas. O resultadofinal será divulgado no segundosemestre deste ano. Os vencedoresreceberão um total de R$ 100 milem prêmios.

Para traduzir o choque de uma tra-gédia aérea, a sensibilidade e o apuro es-tético. Essa foi a receita utilizada pelarevista Época em sua edição nº 577, em5 de junho de 2009. Com o título Vôo AirFrance 447, a edição já havia vencido oConcurso Melhor Capa 2009 da Asso-ciação Nacional de Editores de Revistas-Aner, dentre 16 finalistas, com a entregado prêmio ao Diretor de Arte MarcosMarques, no dia 11 de novembro do anopassado. Também em 2009 a capa foivencedora do Prêmio Esso, na catego-ria Criação Gráfica/Revista. Agora emfevereiro, essa mesma edição de Épocafoi agraciada com dois Prêmios Awardof Excellence – concedidos pela Socie-ty of Newspaper Design-SND, que se-leciona e elege anualmente os melhoresdesigns de jornais e revistas do mundotodo. A distinção ocorreu nas categoriasInfográfico e Fotografia.

A edição premiada da Época destacouem sua capa o desaparecimento do Air-bus 330-200 da Air France no Atlântico,durante a madrugada do dia 1º de junhodo ano passado. A bordo estavam 216passageiros e 12 tripulantes. O desastrecomoveu o mundo e mobilizou autori-dades brasileiras e francesas nas buscas.Em meio a um clima de tristeza e impo-tência, a equipe de arte de Época criouuma capa serena, retratando a imensidãodo Atlântico, que até hoje guarda os cor-pos da maioria das vítimas.

“O critério essencial que norteia aelaboração de uma capa é a capacida-de de despertar a emoção e o interes-se, algo que poderíamos definir como‘centelha jornalística’. Uma capa queprecise de explicação é uma capa ruim”,define Marcos Marques.

Concorrendo com pu-blicações de prestígiocomo News York TimesMagazine e National Geo-graphic, a revista Época SãoPaulo conquistou três Prê-mios Award of Excellence,todos na categoria Foto-grafia, com as matérias EraUma Vez na Cinelândia,publicada na edição nº 12,de 1 de abril de 2009; OMelhor de São Paulo 2009/2010, da edição nº 19, quefoi às bancas em 27 de ou-tubro de 2009, e tambémpela reportagem PrimeirosMovimentos, na edição nº18, do dia 24 de setembrode 2009. Os prêmios sãoprova de que as publica-ções do País têm elevadoseu conceito no mercadointernacional de mídia.

PRÊMIOS

Concurso TimLopes atrai

estrangeirosJornalistas dos países do

Mercosul entram na competição.

Mais duas premiações para ÉpocaDepois de ganhar o Prêmio Esso pela sua capa sob o título Vôo Air France 447,

a revista continua a colecionar prêmios, agora o de uma associaçãointernacional de design. Jornais brasileiros também se destacaram no exterior.

Também os jornais brasileiros rece-beram destaques internacionais. Lide-rados pela Folha de S.Paulo, que obte-ve 15 premiações, outras publicaçõesforam premiadas na 31ª edição do Bestof Newspaper Design, promovido pelaSND. Participaram desta edição 374jornais de 42 países. O carioca O Diaficou com o 2º lugar dos veículos na-cionais, com seis prêmios. Em seguida,vem o Correio Braziliense (DF), que con-quistou duas premiações, seguido peloEstado de Minas, de Belo Horizonte; ATarde, de Salvador; Vale Paraibano, deSão José dos Campos/SP; A Crítica, deManaus; e o Correio da Bahia – com umprêmio cada um. A capa em homena-gem a Michael Jackson, publicada pelojornal Extra logo após a morte do astroda música pop, rendeu à publicaçãoprêmio na categoria Páginas/Design deNotícias. A lista completa dos vence-dores está no site http://www.snd.org.

22 Jornal da ABI 351 Fevereiro de 2010

O ex-policial do Dops gaúcho JoãoAugusto da Rosa, codinome Irno, estáprocessando o jornalista Luiz CláudioCunha por causa de seu livro OperaçãoCondor: O Seqüestro dos Uruguaios, lan-çado em 2008 pela editora L&PM. O li-vro conta a história do seqüestro de Lí-lian Celiberti, seus dois filhos menorese Universindo Diaz, ocorrido em Por-to Alegre em novembro de 1978. Irno,ex-inspetor do Dops e membro da equi-pe do Delegado Pedro Seelig, principalnome da repressão no Sul do País du-rante a ditadura militar, foi o agenteque recebeu Cunha com uma pistolaapontada para sua testa, no aparta-mento da Rua Botafogo, no bairro doMenino Deus, onde os policiais doDops e oficiais do Exército uruguaiomantinham Lílian seqüestrada. Junta-mente com outro policial do Dops, oescrivão Orandir Portassi Lucas, o ex-jogador de futebol Didi Pedalada, Irmofoi reconhecido por Cunha e pelo fo-tógrafo J.B. Scalco como seqüestrado-res dos uruguaios. Ambos foram con-denados pela Justiça em 1980.

Na ação, Irno pede indenização pordano moral, alegando que Cunha nãomenciona sua absolvição por “falta deprovas” no recurso que apresentou em1983, em segunda instância. O polici-al esqueceu de dizer que as “provas” doseqüestro – Lílian e Universindo – es-tavam então presas, sob tortura, nas

masmorras da ditadura uruguaia, queacabou apenas em 1985.

O seqüestrador do Dops gaúcho ten-ta reverter na Justiça a verdade que aimprensa brasileira publicou na épocae que é recontada, em detalhes, no li-vro de Cunha: “Lembro apenas umahistória que o Brasil todo conhece. Irnoé um dos policiais que nós identifica-mos como seqüestradores dos uruguai-os. O livro conta e reafirma uma his-tória que narrei há 30 anos, na série dereportagens da revista Veja, que ga-nhou os principais prêmios de jornalis-mo do País”.

Em nota oficial, o Presidente da ABI,Maurício Azêdo, manifestou seu apoioao jornalista Luiz Cláudio Cunha noprocesso:

“A ABI entende que esta não é umamera questão pessoal, mas uma ten-tativa de intimidação por parte de umex-agente da repressão política da di-tadura militar contra o jornalista quedenunciou o seqüestro dos uruguaiosLilian Celiberti e Universindo Diaz,ocorrido em Porto Alegre no ano de1978. Trinta e dois anos depois, numaflagrante violação dos direitos huma-nos, este ex-agente do Dops pretendeagora se valer da Justiça para calar LuizCláudio Cunha. A ABI confia no Ju-diciário gaúcho, o qual sempre esteveao lado da democracia e das liberda-des civis”.

Lições de 1978POR MARCOS STEFANO

POR MARCELO TOGNOZZI E MARCOS STEFANO

UMA HISTÓRIA QUENÃO PODE SER APAGADA

Ex-agente do Dops do Rio Grande do Sul processa o jornalista Luiz Cláudio Cunha,autor de Operação Condor: O Seqüestro dos Uruguaios, na tentativa de serinocentado na única ação fracassada da vasta ação terrorista dos países

do Cone Sul, que ultrapassou as fronteiras nacionais.

De volta aos tribunais Na tarde do dia 4 de fevereiro, Irno

enfrentou não somente a verdade pu-blicada pela imprensa na primeira au-diência realizada na 18ª Vara Cível, noForo Central de Porto Alegre. Depoisde falar por cerca de cinco minutos, rei-terando sua queixa, ele ouviu Cunha

detalhar seus motivos pormeia hora.

“Este João Augusto Rosa,que está sentado aqui agora,colocou um revólver na mi-nha testa quando eu flagreio seqüestro. Isso é algo quenão se esquece nunca, Exce-lência. Ele só foi absolvido naépoca por falta de provas”,disse o jornalista.

Como uma das testemu-nhas de defesa de Cunha, auruguaia Lílian Celiberti tam-bém teve a chance de falar oque lhe foi sonegado dizer hátrês décadas. Frente a frentecom o seqüestrador, ela e o fo-tógrafo Ricardo Chaves, oKadão, que acompanhou LuizCláudio Cunha em muitas re-portagens em 1979, sustenta-ram a mesma afirmação feitapelo ex-diretor da sucursal dePorto Alegre da revista Veja.Diante da presença de tantosrepresentantes da Associação

Riograndense de Imprensa-ARI, Sindi-cato dos Jornalistas, do Movimento deJustiça e Direitos Humanos e de mais deuma dezena de veículos impressos, rádioe televisão que cobriram a audiência,além da enorme repercussão do caso, oex-policial Irno não deve estar muito sa-tisfeito em relembrar o caso.

Liberdade de imprensaLiberdade de imprensa

Foi numa sexta-feira chuvosa, dia 17de novembro de 1978, que o jornalistaLuiz Cláudio Cunha, chefe da sucursalda revista Veja em Porto Alegre, no RioGrande do Sul, recebeu um misteriosotelefonema anônimo. Do outro lado dalinha, uma voz misteriosa mencionavao nome de quatro uruguaios, um casale dois filhos, que estariam desapareci-dos na cidade. Sem entrar em detalhes,o informante deu ao jornalista um en-dereço: Rua Botafogo, 621, apartamen-

to 110, bloco 3. Provavelmente, nãoseria mais do que um estrangeiro ilegaltentando evitar desesperadamente umadeportação ou, quem sabe, até um tro-te. Na dúvida e por causa daquela tei-mosia pertinaz que caracteriza o bomjornalismo, na tarde daquele dia, depoisdo fechamento, Cunha chamou o fotó-grafo João Batista Scalco e, juntos, di-rigiram-se para o local. De fato, lá en-contraram a mulher uruguaia. Só nãoesperavam ser recebidos também por

policiais brasileiros, apontando armaspara suas cabeças.

Esse incidente, quase “sem querer”,foi o início de uma das mais importan-tes reportagens dos tempos da ditadu-ra militar no Brasil. Ao investigar o se-qüestro dos uruguaios Lílian Celiberti,Universindo Díaz e as duas crianças, detrês e oito anos, a equipe de Veja expôsde forma inédita as vísceras da sinistraOperação Condor. Criada em 1975, noChile do ditador Augusto Pinochet,

tratava-se de uma vasta ação terroris-ta acordada pelos Governos do Brasil,da Argentina, do Chile, do Paraguai e doUruguai, com apoio da Bolívia e dosEstados Unidos, para caçar dissidentespolíticos de esquerda de cada regime,ignorando as fronteiras nacionais e todoe qualquer direito humano.

Não à toa, a operação foi batizadacom o nome do típico abutre andinoque, como os urubus, se alimenta de car-niça. Quem ousasse afrontar os regimes

Ao ver seu crime recontado, 30 anos depois, o policialcobra de Luiz Cláudio Cunha (foto) suposto dano moral.

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AÇÃO

23Jornal da ABI 351 Fevereiro de 2010

de força dos generais acabava desapa-recendo. Um quadro montado pelo jor-nalista brasileiro Nilson Mariano apon-ta que entre mortos e desaparecidos na-quela década por causa da Condor há297 no Uruguai, 366 no Brasil, 2 mil noParaguai, 3.196 no Chile e 30 mil na Ar-gentina. Os Arquivos do Terror, cercade 60 mil documentos, com quatro to-neladas e 593 mil páginas microfilma-das, descobertos em 1992 no Paraguai,falam em um saldo ainda mais pertur-bador, que chegaria a 50 mil mortos, 30mil desaparecidos e 400 mil presos en-tre os anos de 1975 e 1985.

A denúncia dos repórteres não ape-nas surpreendeu militares uruguaios epoliciais brasileiros. Pela primeira vezno Continente, a imprensa desmasca-rava a Condor. É verdade que o casaluruguaio ficaria preso ainda cinco anos,mas tanto eles quanto as crianças per-maneceram vivos, contrariando a regrade sangue da operação. Também foidecisiva na mobilização da opiniãopública brasileira e internacional con-tra esse tipo de arbitrariedade. Os Prê-

mios Esso, Vladimir Herzog, Telesp eAbril, que receberia no ano seguinte,foram muito justos, pois a série de re-portagens era um dos grandes momen-tos do jornalismo investigativo nacio-nal, dando renovada ênfase à práticadesse gênero, tão sufocado em temposde exceção.

Exatos 30 anos depois do episódio,o jornalista Luiz Cláudio Cunha deci-diu contar os bastidores daquele mo-numental trabalho, revelando novosdetalhes da investigação e contextua-lizando a história com mais dados daOperação Condor e o violento regimemilitar no Uruguai. Daí surgiu Opera-ção Condor: O Seqüestro dos Uruguaios(L&PM Editores, 464 páginas). Escri-to em tons literários, quase como umromance, o livro dá, em um relato defôlego, aula de bom jornalismo em tem-pos de censura. Ao ir e vir no tempo paratraçar a trajetória de Lílian e Universin-do, indo mais fundo no caso e extrapo-lando os limites daquelas matérias de1978 e 1979, ele não apenas mostra umpanorama da repressão brasileira nos

O Tribunal de Justiça do Estado deSão Paulo divulgou em fevereiro algoque há muito vem sendo aguardadocom expectativa pela comunidadejornalística: os cinco réus indiciadospelo assassinato do jornalista LuizCarlos Barbon Filho finalmente irãoa julgamento no dia 25 de março, às9h, no 5º Tribunal do Júri de SãoPaulo. Barbon Filho trabalhava paraa Rádio Porto FM e escrevia para oJornal do Porto e JC Regional.

Barbon foi morto a tiros no dia 5de maio de 2007, em frente a um barem Porto Ferreira, interior de SãoPaulo, após receber diversas amea-ças. Na época do crime, ele investi-gava um esquema de roubo de car-gas na região de Porto Ferreira queenvolvia policiais, autoridades e co-merciantes locais. De acordo com asinvestigações do Ministério Públicodo Estado, o assassinato teria ocor-rido em represália a reportagens dojornalista sobre as irregularidades.Barbon foi um dos finalistas do Prê-mio Esso de Jornalismo de 2003 porreportagem que denunciava a parti-cipação de políticos da região em ali-ciamento de menores.

Dos cinco indiciados pelo assas-sinato, quatro são policiais militares:o Sargento Edson Luís Ronceiro, ossoldados Valnei Bertoni e Paulo Cé-sar Ronceiro e o Capitão AdélcioCarlos Avelino. O comerciante Car-los Alberto da Costa também vai ajúri. Por determinação do promotordo Grupo de Atuação Especial Regi-onal para Prevenção e Repressão aoCrime Organizado-Gaeco, Gaspar daSilva Júnior, os policiais estão deti-dos desde o dia 4 de março de 2008,no Presídio Romão Gomes, na capi-tal paulista, e o comerciante Alber-to da Costa, na Penitenciária de Iti-rapina, interior do Estado.

O grupo irá a júri sob as acusa-ções de homicídio qualificado, ten-tativa de homicídio e formação dequadrilha.

O caso ganhou repercussão inter-nacional, com divulgação de apelo daorganização não-governamental Re-pórteres Sem Fronteiras-RSF, pedin-do agilidade no julgamento dos res-ponsáveis pelo assassinato.

Em janeiro de 2009, a viúva do jor-nalista, Kátia Camargo, entrou parao Programa de Proteção à Testemu-nha, mantido pela União, após rece-ber diversas ameaças anônimas. Ka-tia chegou a enviar uma carta à Anis-tia Internacional pedindo segurança.

Três anos depois, matadoresdo jornalista Luiz Carlos Barbon

Filho vão sentar no bancodos réus. São quatro policiais

e um comerciante.

Marcado o júrido Caso Barbon

anos 70, mas também do que aconte-cia no Cone Sul naquele tempo, quan-do grupos como os Tupamaros, noUruguai, os Montoneros, na Argenti-na, e o MIR, no Chile, lutavam contraos regimes de seus países.

Apesar das peculiaridades do tema,que poderiam dificultar a leitura da-queles menos afeitos às questões po-líticas, é difícil não se envolver com aobra de Cunha. Para denunciar as téc-nicas de prisão, tortura e manipulaçãodo aparelho estatal, ele não recorre sim-plesmente a tons moralistas ou ideo-lógicos. Conta um testemunho pessoal,recheado com ingredientes que fazemo leitor se sentir em uma autêntica tra-ma de espionagem. O relato sobre comoo então delegado da Polícia Federal Ed-gar Fuques concluiu em seu inquéritoque os uruguaios saíram “espontane-amente” do Brasil, ou como o Dopstentou transformar o rosto do inspe-tor João Augusto da Rosa, o Irno, paraque não fosse incriminado, não perdemem nada para os melhores filmes deJason Bourne e James Bond.

As lições do jornalismo daqueles finsdos anos 70 não acabam aí. Se, comodisse Carmo Chagas certa vez, “a liber-dade de imprensa é o bem maior do jor-nalista”, mais do que “papel, tinta,equipe, máquinas de escrever e impri-mir, telefone ou dinheiro”, O Seqües-tro dos Uruguaios exemplifica como ojornalismo precisa ser praticado. Se,na época da censura, com coragem edecisão para não se render às tesourasmutiladoras dos agentes, hoje, em tem-pos de liberdade, da mesma forma.Agora, contra a autocensura impos-ta por interesses comerciais ou pelossurrados argumentos daqueles quedizem que não vale mais a pena inves-tir na grande reportagem ou em tra-balhos de fôlego. A História e Seqües-tro dos Uruguaios são testemunhas docontrário.

O repórter Luiz Cláudio Cunha naépoca das denúncias, e o fotógrafoJ.B. Scalco. Os avós Lilia e Homerocom as crianças Camilo e Francesca,devolvidas após as denúncias.

FOTOS: REPRODUÇÃO

26 Jornal da ABI 351 Fevereiro de 2010

Liberdade de imprensaLiberdade de imprensa

UMA PROFISSÃO SOBCONSTANTE RISCO

O ano de 2010 começou com caso de prisão de uma jornalistaem Rondônia, ameaças a repórteres de um jornal capixaba e divulgação

de pesquisas internacionais sobre assassinatos de profissionais de imprensaem todo o mundo – com especial destaque negativo para o México,

onde desde 2000 foram assassinados 61 jornalistas.

Como tem sido comum na realida-de brasileira, o início do ano de 2010foi marcado por uma série de tentati-vas de restrições à ação de profissio-nais e à liberdade de imprensa. Um doscasos simbólicos foi a prisão da jorna-lista Juliana Martins, do site Rondoni-agora, ocorrida em 23 de janeiro, du-rante cobertura de operação policialem Porto Velho, capital de Rondônia.Ela foi detida sob a acusação de desa-cato à autoridade e encaminhada àDelegacia, onde permaneceu, numaestratégia clara de intimidação, porcerca de quatro horas, e foi liberadasem prestar depoimento.

Juliana, que nega a acusação de de-sacato, afirmou em entrevista à ABIque pretende entrar na Justiça contrao Estado, e que apenas reclamou porter sido impedida de ter acesso ao lo-cal da operação, ao contrário de outrosveículos de imprensa.

“Na manhã do dia 23, um oficial doCentro Integrado de Operações Poli-ciais-Ciop informou que estava acon-tecendo um flagrante de assalto emuma fábrica de sorvetes. Segui para olocal com o editor-chefe Eliânio Nas-cimento e outro jornalista do site, Val-mir Miranda. Chegando lá, o grandenúmero de populares e de viaturaspoliciais dificultava o acesso ao localonde estavam os assaltantes. Contu-do, repórteres de duas emissoras de tvlocal, que exibem programas policiais,tinham total liberdade para fazer ima-gens e entrevistá-los”, diz ela.

Disse Juliana que ela, sim, foi vítimade agressão quando tentava se aproxi-mar para fazer a matéria.

“Ao tentar chegar próximo, como osoutros colegas estavam, um policial detrânsito que auxiliava os demais PMscomeçou a me empurrar e, em tomagressivo, me mandou ir para a calça-da. Eu me identifiquei como jornalis-ta, disse que estava apenas querendotrabalhar e quis saber por qual motivoos outros dois repórteres estavam nolocal, enquanto eu estava sendo impe-dida de passar. Ele ficou muito irrita-do. Eu também estava irritada, especi-almente com o privilégio dado aos co-

legas das emissoras de tv. Quando deias costas e saí reclamando da situação,ele me pegou pelo braço e disse que euestava presa por desacato, já que teriaouvido eu proferir ‘palavra de baixo ca-lão’. Outros dois policiais o ajudarama me segurar. Meu chefe, que também

zeram ficar perto dos bandidos, os doassalto em questão, como uma crimi-nosa, aguardando o policial registraro boletim de ocorrência. Tive que en-tregar os meus pertences e aguardarno local onde ficam os presos, paratodo mundo ver que eu estava detida.Quase quatro horas depois, sem serouvida por ninguém, assinei termo cir-cunstanciado e fui intimada a compa-recer ao Juizado Especial Criminal, nodia 8 de fevereiro. Pretendo entrar comuma ação na Justiça contra toda estaarbitrariedade”.

O Coordenador da Assessoria de Co-municação da Polícia Militar do Esta-do de Rondônia, Lenílson Guedes, afir-mou que está aguardando a manifes-tação oficial da jornalista sobre o caso:

“A queixa formalizada pela jornalis-ta Juliana Martins deverá ser encami-nhada à Corregedoria-Geral da PMpara que comece a investigação sobrea suposta agressão, bem como sobre aacusação de desacato à autoridade feitacontra ela. Quanto à denúncia de dis-criminação, vale lembrar que a PM deRondônia não admite censura ou pri-vilégio a qualquer veículo de comuni-cação”, garantiu.

O Sindicato dos Jornalistas de Ron-dônia divulgou em 27 de janeiro notaem repúdio à prisão da jornalista. A de-claração, assinada pelo Presidente doSinjor, Carlos Alencar, destaca o au-mento dos casos de violência da PMcontra os jornalistas.

“No final de 2009, um repórter-fo-tográfico dos mais respeitados do Es-tado foi alvo de perseguições pratica-das por policiais, chegando a sofrerameaças de morte. No último sábado,uma repórter do jornal eletrônico Ron-doniagora foi humilhada por policiaismilitares quando acompanhava fla-grante de roubo numa indústria desorvetes da capital. Repudiamos vee-mentemente o ‘abuso de autoridade’praticado. Buscaremos junto à Coro-nel Angelina, Comandante da PM, po-sição da corporação quanto aos abu-sos, acompanhando, também, o pro-cesso junto ao Poder Judiciário”, afir-ma a declaração.

é advogado, se aproximou para sabero que estava acontecendo e eles o in-formaram da minha prisão.”

Juliana foi então conduzida numaviatura à Delegacia: “Fui colocada den-tro da viatura na frente de várias pes-soas. Chegando na Delegacia, me fi-

Durante a cobertura de uma ação policial (abaixo), Juliana Martins, do site Rondôniaagora(acima), foi presa sob a alegação de desacato à autoridade: “Tive que entregar os meus

pertences e aguardar no local onde ficam os presos, para todo mundo ver que eu estava detida”.

FOTOS: DIVULGAÇÃO

27Jornal da ABI 351 Fevereiro de 2010

A Sociedade Interamericana de Im-prensa aplaudiu o Governo do Estadoda Bahia por ter aprovado um pedidode indenização aos familiares do jorna-lista Manoel Leal de Oliveira, assassi-nado em 14 de janeiro de 1998, em fren-te à sua residência, em Itabuna. Fun-dador e editor do jornal A Região, Oli-veira denunciava supostas irregulari-dades na administração municipal,envolvendo o então Prefeito, Fernan-do Gomes, o Delegado Especial da Se-cretaria de Segurança Pública da Bahia,Gilson Prata, e seus auxiliares, entreeles Mozart Brasil, que foi a julgamentojunto com Marcone Sarmento, esteúltimo absolvido por falta de provas.Mozart Brasil foi condenado a 18 anosde prisão em setembro de 2003. Osmandatários do crime ainda não foramidentificados.

RELATÓRIO ALERTA PARA AMEAÇASA Federação Internacional de Jorna-

listas publicou em 2 de fevereiro um re-latório sobre as mortes de jornalistas noexercício da profissão em 2009. Segun-do Aidan White, Secretário-Geral da Fe-deração, o documento apresenta infor-mações fundamentais para a categoria.“O estudo vai além do simples registrosobre o número de mortes de jornalis-tas, pois revela os diversos perigos quecontinuam a ceifar as vidas de nossoscolegas nos quatro cantos do mundo”.

De acordo com a Federação, no anode 2009 foram registrados números re-cordes de violência contra profissionaisde imprensa, totalizando 139 jornalis-tas mortos. A região Ásia-Pacífico é arecordista com 52 assassinatos, seguidapelas Américas com 30 mortes, dasquais 13 no México (quadro acima). “Ofracasso dos governos em levar a sérioa proteção dos profissionais de impren-sa acaba favorecendo aqueles que pra-ticam os crimes. Esta situação só po-

No EspíritoSanto vereador

perseguejornalistas

O Sindicato dos JornalistasProfissionais no Estado doEspírito Santo divulgou em 3 defevereiro nota de repúdio àssupostas ameaças feitas peloPresidente da Câmara deVereadores de Santa Maria deJetibá, Nelson Miertschink(PSDB), contra os jornalistasJúlio Huber e Pedro Callegario,de A Tribuna. Informou oSindicato que Huber eCallegario foram ameaçadosdurante a produção de matériasobre os gastos de viagens dosvereadores. Além da intimidação,os repórteres denunciaram queum funcionário do Presidenteda Câmara os teria fotografado,além de perseguido o carro dereportagem. Em matériapublicada no jornal, ambosafirmaram que o objetivo dasameaças é impedir a publicaçãodas denúncias.

Miertschink negou que tenhapraticado ou ordenado tais atos.O Sindijornalistas expressousolidariedade aos jornalistas eexigiu providências do MinistérioPúblico do Espírito Santo, daPolícia e dos vereadores de SantaMaria de Jetibá. “Atitudes comoessa ferem a liberdade deexpressão e a liberdade deimprensa, que são pilaresessenciais para a consolidação dademocracia”, diz o comunicadodivulgado pelo Sindicato.

derá ser resolvida através de um firmecompromisso para acabar com a impu-nidade de assassinos de jornalistas”,afirmou White.

O agravamento da situação no Mé-xico também foi apontado pela orga-nização não-governamental Repórte-res Sem Fronteiras no dia 1º de feve-reiro. A RSFconsidera a região comoa mais perigosa da América Latinapara jornalistas. Segundo a entidade,apenas no primeiro mês deste anoforam mortos três jornalistas no país.Desde 2000, 61 profissionais de im-prensa foram assassinados. Outrosnove estão desaparecidos desde 2003.O caso mais recente ocorreu em 29 dejaneiro, quando Jorge Ochoa Martí-nez, Diretor e Editor do jornal El Solde La Costa, foi morto a tiros na cida-de de Ayutla de los Libres, em Guer-rero. Parentes do jornalista não descar-tam a hipótese de o crime estar rela-cionado à atividade profissional.

Uma conquista, na BahiaDoze anos depois, o Governo do Estado indeniza a família de jornalista assassinado.

A reparação à família do jornalista foirecomendada pela Comissão Interame-ricana de Direitos Humanos, cuja inter-venção foi pedida pela Sip em 19 de maiode 2000, diante da extrema lentidão daJustiça. Seis anos depois, a CIDH colo-cou à disposição do Governo do Brasile da Sip a proposta de reparação finan-ceira para a família de Manoel Leal Oli-veira. Como parte do acordo firmadoentre o Governo e a Sip, foi realizadauma cerimônia oficial, em 21 de setem-bro de 2009, na qual o Governo da Bahiareconheceu perante a família Oliveirasua “responsabilidade na falta de justi-ça no assassinato do jornalista, bemcomo por outros nove assassinatos co-metidos na mesma região”.

O anúncio da indenização aos filhose à viúva do jornalista foi feito em 13 dejaneiro, quando o Governador da Bahia,

Jaques Wagner, sancionou a Lei n° 11.637.Na ocasião, o Presidente da Sip, Alejan-dro Aguirre, elogiou a iniciativa. “Esseé mais um passo para garantir que os cri-mes contra Oliveira e os outros nove jor-nalistas assassinados na Bahia nos anos90 não fiquem impunes. Temos espe-rança de que os assassinatos sejam epi-sódios que fiquem no passado”.

A CIDH determinou que o Gover-no da Bahia deve retomar de imediatoas investigações para que os responsá-veis pelo crime contra Manoel Lealsejam identificados e condenados.“Pela primeira vez na História do Bra-sil um Governo estadual assumiu pu-blicamente sua responsabilidade pornão ter garantido a liberdade de im-prensa e está cumprindo as recomen-dações da CIDH para assegurar que ofato não se repita”, ressaltou a Sip.

Nelson Miertschink em pose oficialdo Partido: tentativa violenta de

cercear o trabalho de jornalistas.

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Aidan White: Governos devem ter umfirme compromisso de acabar com a

impunidade de assassinos de jornalistas.

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28 Jornal da ABI 351 Fevereiro de 2010

Direitos humanosDireitos humanos

reve exame dos decretos presi-denciais resultantes dos três‘Programas Nacionais de Direi-tos Humanos’ publicados no

Diário Oficial da União em 1996, 2002e 2009 já é suficiente para confirmarque eles vêm realizando, gradativa-mente, o que determina a Constitui-ção Federal de 1988 para o campo daComunicação Social.

O Decreto nº 1.904, de 13 de maiode 1996, tratou da questão em seu tre-cho dedicado à ‘Proteção do Direito àLiberdade – Liberdade de Expressão eClassificação Indicativa.’ Algumas dasmedidas recomendadas para o setorpelo referido texto legal estão abaixorelacionadas:

53. Propor alteração na legislaçãoexistente sobre faixa etária com vis-ta a adequá-las aos dias e necessida-des atuais.

56. Criar um sistema de avaliaçãopermanente sobre os critérios de clas-sificação indicativa e faixa etária.

57. Promover o mapeamento dosprogramas radiofônicos e televisivosque estimulem a apologia do crime, daviolência, da tortura, das discrimina-ções, do racismo, da ação de grupos de

A Justiça de Avaré, interior deSão Paulo, julgou improcedente aação de indenização movida pelaIgreja Universal do Reino de Deus-Iurd contra a Folha de S. Paulo e ajornalista Elvira Lobato. Sob aalegação de ter sido prejudicadapela matéria Universal Chega aos 30anos Com Império Empresarial,assinada pela jornalista e publicadaem 15 de dezembro de 2007, a Iurdpedia ressarcimento por danosmorais no valor de R$ 100 mil, como fundamento de que a reportagemfora baseada em informaçõesequivocadas. Além disso, a Iurddizia-se vítima de perseguição porparte de Elvira e da Folha.

O Juiz Alexandre Muñozsustentou em sua decisão que ojornal tem o direito de informar eque se amparou em documentospara veicular a notícia. “Restapatente, portanto, que a veracidadedas informações está clara edemonstrada nos autos. Óbvio queos seguidores da Iurd e tambémoutras tantas pessoas que não sãosuas seguidoras têm direito a estainformação”, disse o magistrado nasentença, derrubando por completoa tese de suposta perseguiçãocontra a Igreja Universal.

Liberdade de imprensaLiberdade de imprensa

JULGAMENTO

A Igreja Universal perdeação contra a Folha

Juiz rejeitou a acusação de perseguição alegada em açãocontra o jornal e sua repórter Elvira Lobato, autora dereportagem que chamava a atenção para o império

empresarial da organização religiosa do bispo Edir Macedo.

Além disso, Muñoz julgou ovalor da indenização solicitada pelaIurd improcedente, sublinhandoque a Universal não conseguiuapresentar “prova de qualquer danosofrido, pois, como é notório esabido, a autora não perdeuseguidores nem deixou deconquistar outros”: “Daí aconclusão de que a Igreja nãoperdeu nada com a publicação damatéria jornalística, objeto dacontrovérsia dos autos, dando aentender que o intuito é tentarevitar dissabores pela divulgação defatos, inclusive retratados poroutros veículos de comunicação”.

A advogada Adriana Guimarães,defensora da Igreja Universal doReino de Deus, informou quepretende recorrer da decisão judicial,adotada em primeira instância.

Vencedora do Prêmio Esso deJornalismo no ano de 2008, areportagem de Elvira Lobato foialvo de outros 106 processos, emações orquestradas com fiéis daIurd em todo o País, que sedeclararam ofendidos com o teor damatéria. Desses processos, 90 foramjulgados em primeira instância,sempre com decisão favorável aojornal.

Elvira Lobato ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo de 2008 com a matéria UniversalChega aos 30 anos Com Império Empresarial, publicada na Folha de S.Paulo.

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Ranking naimprensa foiproposto no

Governo FHCA criação de um ranking nacional

de veículos de comunicação com-prometidos com os princípios deDireitos Humanos, assim como osque cometem violações, não é umainovação do III Programa Nacionalde Direitos Humanos assinado peloPresidente Luiz Inácio Lula da Silva,pois foi proposto em 1996 pelo Go-verno Fernando Henrique Cardosoao instituir o I Programa Nacionalde Direitos Humanos, em 1996. Emvez de ranking, o Programa de FHCusava o termo mapeamento.

Esse aspecto do III Programa,que tanta celeuma tem gerado, foiassinalado em estudo de jornalis-ta e advogado Rogério Faria Tava-res, sócio da ABI radicado em Belo

POR ROGÉRIO FARIA TAVARES Horizonte, o qual fez uma compa-ração dos três Programas de Direi-tos Humanos instituídos, dois noGoverno FHC e um, agora, no Go-verno Lula. Do estudo de RogérioTavares, que é doutorando em Di-reito Internacional pela Universi-dade Autônoma de Madri, de ondeacaba de regressar após uma per-manência de mais de dois anos, re-sulta uma conclusão simples: aidéia desse acompanhamento é doSecretário de Direitos Humanosdo Presidente Fernando Henrique,José Gregori, e não do SecretárioPaulo Vanucchi, Secretário no Go-verno Lula.

O Jornal da ABI publica a seguiro estudo por ele elaborado sob o tí-tulo A Comunicação Social nos Progra-mas Nacionais de Direitos Humanos.

extermínio, de grupos paramilitares eda pena de morte, com vista a identi-ficar responsáveis e adotar as medidaslegais pertinentes.

Já o Decreto nº 4229, de 13 de maiode 2002, abordou o campo da Comu-nicação Social no trecho intitulado ‘Ga-rantia do Direito à Liberdade, Opiniãoe Expressão. Seguem abaixo algumasdas medidas recomendadas pelo men-cionado texto legal:

99. Criar um sistema de avaliaçãopermanente sobre os critérios de clas-sificação indicativa e faixa etária.

100. Promover o mapeamento dosprogramas radiofônicos e televisivosque estimulem a apologia do crime, a vi-olência, a tortura, o racismo e outrasformas de discriminação, a ação de gru-pos de extermínio e a pena de morte,com vista a identificar responsáveis e aadotar as medidas legais pertinentes.

102. Garantir a possibilidade de fisca-lização da programação das emissorasde rádio e televisão, com vista a assegu-rar o controle social sobre os meios decomunicação e a penalizar, na forma dalei, as empresas de telecomunicação queveicularem programação ou publicida-de atentatória aos direitos humanos.

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29Jornal da ABI 351 Fevereiro de 2010

107. Coibir a utilização de recursospúblicos, inclusive de bancos oficiais,fundações, empresas públicas e de eco-nomia mista, para patrocinar eventose programas que estimulem a práticade violência.

Presente nos dois decretos acimamencionados, o tema da classificaçãoindicativa mereceu solução legal pormeio da edição, pelo Ministério da Jus-tiça, das Portarias números 1.100, de 14de julho de 2006 (que regulamentou oexercício da classificação indicativa dediversões públicas), e 1.220, de 11 dejulho de 2007 (que regulamentou oprocesso de classificação indicativa deobras audiovisuais destinadas à televi-são e congêneres).

A proposta de ‘mapeamento’ dosprogramas radiofônicos e televisivosque violem os direitos humanos pre-vistos na Constituição, também pre-sente nos dois decretos já comentados,obteve uma primeira condução noâmbito da Comissão de Direitos Hu-manos da Câmara dos Deputados, queinstituiu, em 2002, a partir de delibe-ração da VII Conferência Nacional dosDireitos Humanos, a campanha ‘Quemfinancia a baixaria é contra a cidada-nia’, pública e notória.

O Decreto nº 7.037, de 21 de dezem-bro de 2009, resultante do ‘TerceiroPrograma Nacional de Direitos Huma-nos’ manteve a mesma orientação le-gal já proferida pelos dois decretosanteriores no que diz respeito ao temada Comunicação Social. Tratou do as-sunto no Eixo Orientador V (Educaçãoe Cultura em Direitos Humanos) naDiretriz 22: ‘Garantia do direito à co-municação democrática e ao acesso à

informação para a consolidação de umacultura em Direitos Humanos’, estabe-lecendo o Objetivo Estratégico I: ‘Pro-mover o respeito aos Direitos Huma-nos nos meios de comunicação e o cum-primento de seu papel na promoção dacultura em Direitos Humanos’ e oObjetivo Estratégico II: ‘Garantia dodireito à comunicação democrática e aoacesso à informação.’

O maior mérito do Decreto nº 7.037é o de apontar caminhos institucionaismais definidos para a execução dasações que recomenda, nomeando osresponsáveis por ela e seus parceiros.Abaixo relacionadas, estão algumas dasmedidas propostas pelo referido textolegal (excluímos as referências aos res-ponsáveis e aos parceiros, para tornara leitura mais fluida):

a) Propor a criação de marco legalregulamentando o art. 221 da Consti-tuição, estabelecendo o respeito aosDireitos Humanos nos serviços de ra-diodifusão (rádio e televisão) concedi-dos, permitidos ou autorizados, comocondição para sua outorga e renovação,prevendo penalidades administrativascomo advertência, multa, suspensão daprogramação e cassação, de acordo coma gravidade das violações praticadas.

Recomendações:• Recomenda-se inserir a Comissão

de Ciência e Tecnologia da Câmara dos

Deputados na discussão sobre outor-ga e renovação de concessões públicas.

• Recomenda-se ao Ministério Públi-co assegurar a aplicação de mecanismosde punição aos veículos de comunicação,autores e empresas concessionárias.

b) Promover o diálogo com o Minis-tério Público para proposição de açõesobjetivando a suspensão de programa-ção e publicidade atentatórias aos Di-reitos Humanos.

c) Suspender patrocínio e publicida-de oficial em meios que veiculam pro-gramações atentatórias aos DireitosHumanos.

d) Elaborar critérios de acompanha-mento editorial a fim de criar umranking nacional de veículos de comu-nicação comprometidos com os prin-cípios de Direitos Humanos, assimcomo os que cometem violações.

Recomendação: Recomenda-se aosEstados, Distrito Federal e Municípi-os fomentar a criação e acessibilidadede Observatórios Sociais destinados aacompanhar a cobertura da mídia emDireitos Humanos.

Pode-se concluir, a partir daí, que otexto do decreto de 2009 filia-se à tra-dição legal já consolidada pelos dois de-cretos presidenciais anteriores. Nos trêsdocumentos aqui analisados, dá-se acorreta interpretação aos mandamen-tos da Constituição Federal sobre a Co-municação Social. Ela é tratada no ca-

Em declaração divulgada no dia 30 dedezembro sobre a instituição do III Pro-grama Nacional de Direitos Humanos,o Presidente do Conselho Federal daOrdem dos Advogados do Brasil, CezarBritto, criticou duramente as pressões doMinistro da Defesa, Nelson Jobim, e decomandantes militares contra a criaçãoda Comissão da Verdade, dentro do Pla-no Nacional de Direitos Humanos, parainvestigar a tortura e os arquivos doperíodo da ditadura militar (1964-1985).

“Um país que se acovarda diante desua própria História não pode ser leva-do a sério: o direito à verdade e à memó-ria, garantido pela Constituição, nãopode ser revogado por pressões ocultasou daqueles que estão comprometidoscom o passado que não se quer ver re-velado”, afirmou Britto em resposta àspressões dos chefes militares contrainvestigações de torturas e desapareci-mentos no período da ditadura.

“O Brasil que está no Haiti defenden-do a democracia naquele país não podeser o país que aqui se acovarda”, susten-tou o Presidente da OAB – entidade quedefende no Supremo Tribunal Federale no Superior Tribunal Militar ações rei-vindicando a abertura dos arquivos daditadura e a punição aos torturadores,

OAB DENUNCIA PRESSÕES OCULTAS“O Brasil não pode se acovardar diante da sua própria História”, diz Cezar Britto.

pítulo V do título VIII da Carta Mag-na (‘Da Ordem Social’) e seus princípi-os devem realizar os objetivos aponta-dos na ‘Disposição Geral’ do referidotítulo: o bem-estar e a justiça sociais (ar-tigo 193). Os artigos especificamente de-dicados ao assunto (220 a 224) integrama Comunicação Social à família dos de-mais direitos constitucionais, a ela con-ferindo um tratamento que equilibra aliberdade com a responsabilidade.

O apreço pelos Direitos Humanosaparece no conteúdo do preâmbuloconstitucional e está, ainda, refletidoentre os princípios fundamentais queorientam a ação do Estado brasileiro(Título I) e entre os direitos e garanti-as fundamentais (Título II) definidospela Constituição Federal de 1988. Éum valor que permeia todo o texto,confirmando a sintonia entre a produ-ção legislativa do País e os avanços maisimportantes realizados pelo DireitoInternacional no século XX.

No mundo todo, em um EstadoDemocrático de Direito, liberdade deexpressão que atente contra os direitoshumanos não é liberdade de expressão.É infração constitucional e, em algunscasos, também é crime regulado pelo Di-reito Penal. Assim deve ser tratada. Éeste o princípio que os três decretos pre-sidenciais sobre Direitos Humanos têmprocurado consagrar, nos pontos refe-rentes à Comunicação Social.

obscuras, excludentes e nefastas”. Elelembrou, nesse aspecto, episódios recen-tes vividos pelos estudantes que protes-taram em Brasília contra escândalos decorrupção denunciados, envolvendo ospoderes públicos locais.

“A violência policial cometida con-tra os estudantes de Brasília em datarecente não foi diferente durante aditadura militar. É preciso revogar omedo, fazendo escrever nas páginas daHistória do Brasil que este é um Paíslivre, democrático e protegido por umaConstituição que Ulisses Guimarãesbatizou de coragem”, concluiu.

Fernando Henrique: Seus dois Programasde Direitos Humanos falavam de

mapeamento para a área de comunicação.

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e uma das primeiras a apoiar a criaçãoda Comissão da Verdade.

“O Brasil não pode se acovardar equerer esconder a verdade; anistia nãoé amnésia. É preciso conhecer a Histó-ria para corrigir erros e ressaltar acer-tos: o povo que não conhece seu pas-sado, a sua História, certamente podevoltar a viver tempos tenebrosos e detriste memória, como os tempos idose não muito distantes”.

Para Cezar Britto, “negar simples-mente a História, ou tentar escondê-laa todo custo, é querer contá-la de novo,especialmente nas suas páginas mais

Cézar Britto:Não pode serlevado a sérioum país que seacovarda dianteda sua própriaHistória.

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30 Jornal da ABI 351 Fevereiro de 2010

A tortura não é crime político;portanto, não poderia ser alcan-çada por qualquer lei ou Consti-tuição, afirma o Professor LenioStreck, mestre e doutor em Direi-to, em entrevista concedida aosite do Instituto Humanitas Uni-sinos-IHU, da Universidade Fe-deral do Vale dos Sinos, de San-ta Catarina. “No caso da Lei daAnistia – diz Streck –, será ilegal,nula, qualquer interpretação queestenda os seus efeitos para alémdaquilo do que nela está previs-to: a anistia aos crimes políticos.”

Pós-doutor pela Universidadede Lisboa, docente do curso deDireito da Unisinos, membro daComissão Permanente de Direi-to Constitucional do Institutodos Advogados Brasileiros e Pre-sidente de Honra do Instituto de Hermenêutica Ju-rídica, o Professor Lenio Streck respondeu assim àsquestões que lhe foram propostas pelo IHU On-Line:

IHU On-Line - A comunidade jurídica apresen-IHU On-Line - A comunidade jurídica apresen-IHU On-Line - A comunidade jurídica apresen-IHU On-Line - A comunidade jurídica apresen-IHU On-Line - A comunidade jurídica apresen-ta divergências no que se refere à revisão da Lta divergências no que se refere à revisão da Lta divergências no que se refere à revisão da Lta divergências no que se refere à revisão da Lta divergências no que se refere à revisão da Lei daei daei daei daei daAnistia. Em que consistem tantas oposições, e comoAnistia. Em que consistem tantas oposições, e comoAnistia. Em que consistem tantas oposições, e comoAnistia. Em que consistem tantas oposições, e comoAnistia. Em que consistem tantas oposições, e comoo senhor as percebe?o senhor as percebe?o senhor as percebe?o senhor as percebe?o senhor as percebe?

Lenio Streck - Antes de tudo, parece que as divergên-cias se dão principalmente em razão da visão de mun-do de cada um. Misturam-se, inclusive, as concepçõespessoais com a análise jurídica (algo como “esquerda”e “direita” do Direito). Mas não deve ser assim. Por issotem razão Ronald Dworkin, jurista norte-americano,cujas posições se aproximam das de Gadamer – com asquais concordo –, para quem os argumentos no Direi-to devem ser de princípio, e não de política (ou de moral).Não importa a concepção moral que o juiz tem sobredeterminada matéria; pode importar para ele (e, comcerteza, importa), mas isso não significa que ele possacolocá-las acima da Constituição.

De todo modo, ultrapassada essa discussão, as dife-renças se localizam no alcance da lei que concedeu aAnistia. Para a maioria dos juristas, não é possível re-discutir os efeitos da lei, porque isso violaria o princí-pio da reserva legal. Ou seja, para os defensores de umDireito Penal clássico (de feição iluminista ou até mes-mo pós-iluminista), o Direito deve ser utilizado apenaspara proteger o “débil” contra um Estado “mau”. Alémdisso, os tratados internacionais, para a corrente con-trária à punição da tortura (nos termos da discussãoposta), não se aplicariam ao caso brasileiro. É possívelaté que alguns juristas, no íntimo, sejam a favor dapunição. Entretanto, um eventual apoio à tese da rea-valiação da lei de anistia para punir torturadores poderiacolocá-los em contradição, exatamente em face da pre-dominância, no Brasil, das teses que fundamentam –ainda – um classicismo penal. Adianto, aqui, minha po-sição, no sentido de que tais concepções estão equivo-

cadas e desfocadas do Estado De-mocrático de Direito, em que atémesmo o Direito Penal deve serutilizado para a transformação dasociedade.

A LA LA LA LA Lei da Anistia, no que concerei da Anistia, no que concerei da Anistia, no que concerei da Anistia, no que concerei da Anistia, no que concer-----ne à absolvição de torturadores,ne à absolvição de torturadores,ne à absolvição de torturadores,ne à absolvição de torturadores,ne à absolvição de torturadores,pode ser considerada legítima?pode ser considerada legítima?pode ser considerada legítima?pode ser considerada legítima?pode ser considerada legítima?

Lenio Streck - Penso que nenhu-ma lei poderia considerar a torturacomo crime político, implícita ouexplicitamente. A Lei nº 6.683/79concedeu anistia apenas aos cri-mes políticos; a tortura ficou efe-tivamente fora do seu alcance; oartigo 8° do ADCT (Ato das Dis-posições Constitucionais Transi-tórias) não concede anistia a qual-quer atitude violadora dos direi-tos humanos; as Leis números

9.140 e 10.559 não dizem respeito ao “apagamento”de crimes que não os de índole política. Ou seja: comoa tortura não é crime político, não poderia ser alcan-çada por qualquer lei ou Constituição. Mas, mais doque isso, nenhuma lei pode proteger de forma defici-ente ou insuficiente os direitos humanos fundamen-tais. O Estado Democrático de Direito tem o dever deproteger os direitos dos cidadãos, tanto contra os ata-ques do Estado como dos ataques dos demais cidadãos.No Direito Constitucional do segundo pós-guerra de-nominamos isso de Schutzpflicht. No caso, a Lei daAnistia, se interpretada no sentido de que poderiaenglobar a tortura, violaria o princípio da proibição deproteção deficiente, que os alemães chamam de Un-termassverbot. Sendo mais claro: o Estado deve pro-teger os direitos humanos de forma adequada. Assim,mesmo um acordo ou um pacto não podem acarretar/ratificar essa deficiência na proteção. Em termos her-menêuticos, uma lei pode ser nula, ilegal ou inconsti-tucional, por várias razões. Se ela for excessivamenterigorosa, ela pode estar violando o princípio da pro-teção de excesso (Übermassverbot). Por exemplo, seo Brasil aprovasse uma lei prevendo uma pena míni-ma de 10 anos para quem furta. Essa lei seria incons-titucional. Já se a lei for deficiente, ela pode ser, nesteaspecto, nulificada.

Mas veja-se o caso sob discussão: a Lei da Anistiasequer necessita ser declarada nula, porque, afinal,ela jamais englobou os torturadores. O que é nulo,defeituoso em termos jurídicos, é a sua interpreta-ção e o alargamento de seus efeitos, é dizer que aeficácia da Lei foi para além de seu conteúdo semân-tico aceito pela tradição (no sentido gadameriano dapalavra). Fizeram com a Lei da Anistia e as leis sub-seqüentes o que estas não previam.

Mesmo que a Constituição atual seja posterior àLei de Anistia, isso não significa que o Parlamentobrasileiro poderia ter aprovado qualquer tipo de leique protegesse deficientemente ou insuficientemen-

Direitos humanosDireitos humanos

te os direitos humanos das vítimas do regime mili-tar. Os limites já estavam lá, conforme se pode vernos tratados internacionais dos quais o Brasil era fir-matário, naquela época. Logo, se o Brasil se compro-meteu a punir com rigor a tortura, seria incoerenteque aprovasse uma lei “inocentando” aqueles que pra-ticaram esse tipo de crime (que, insista-se, não é cri-me político). Tão importante é essa questão relati-va à força dos tratados internacionais na ordem in-terna, que o Supremo Tribunal Federal há poucos diasutilizou-se das regras da Organização das NaçõesUnidas de tratamento de prisioneiros para a regula-mentação do uso de algemas, inclusive com a ediçãode Súmula Vinculante. Assim, a interpretação queacabou vencedora durante todos esses anos – de quea Anistia abrangeu também a tortura – fere o prin-cípio da proibição de proteção deficiente (Untermas-sverbot), na sua combinação com o dever de prote-ção (Schutzpflicht).

Para se entender melhor, é fácil dar um exemplo:pensemos em uma lei que descriminalize o homicí-dio ou o estupro. Essa lei pode ser aprovada por am-pla maioria, sancionada pelo presidente, enfim, es-tar totalmente de acordo com as formalidades cons-titucionais. Mas, fatalmente, será inconstitucional,por proteger insuficientemente bens jurídicos fun-damentais, como a vida, no caso do homicídio, ou adignidade da mulher, no caso do estupro. Assim, alei, por si só, já seria inconstitucional; mas uma even-tual aplicação dessa lei (por exemplo, se ela fosse con-siderada “legítima” por alguns tribunais) seria incons-titucional do mesmo modo. A lei pode ser inconsti-tucional, e a sua interpretação também o pode.

No caso da Lei da Anistia, será ilegal, nula, qualquerinterpretação que estenda os seus efeitos para além da-quilo do que nela está previsto: a anistia aos crimespolíticos. Portanto – insisto –, nem é necessário “bu-lir” com a lei; o problema está na sua “generosa” in-terpretação, que deu azo a que se considerassem, in-devidamente, anistiadas todas as pessoas que parti-ciparam das ações contra e a favor do regime.

O que significa e qual a importância de reabrir aO que significa e qual a importância de reabrir aO que significa e qual a importância de reabrir aO que significa e qual a importância de reabrir aO que significa e qual a importância de reabrir adiscussão em tordiscussão em tordiscussão em tordiscussão em tordiscussão em torno da Lno da Lno da Lno da Lno da Lei da Anistia, 30 anos depois?ei da Anistia, 30 anos depois?ei da Anistia, 30 anos depois?ei da Anistia, 30 anos depois?ei da Anistia, 30 anos depois?

Lenio Streck - Não se trata de reabrir a discussão. Elasempre esteve aí. Não devemos temer esse debate,porque ele, a todo tempo, deve significar uma espéciede “blindagem” contra regimes autoritários. Ao falar dovelho, conservamos vivas as possibilidades do novo.

A interpretação da LA interpretação da LA interpretação da LA interpretação da LA interpretação da Lei da Anistia é competênciaei da Anistia é competênciaei da Anistia é competênciaei da Anistia é competênciaei da Anistia é competênciado Judiciário ou do Exdo Judiciário ou do Exdo Judiciário ou do Exdo Judiciário ou do Exdo Judiciário ou do Executivo?ecutivo?ecutivo?ecutivo?ecutivo?

Lenio Streck - Dos dois e também do Legislativo.Mas, fundamentalmente, a questão – se é que seráreavaliada – passará pelo Poder Judiciário, como ocor-reu na Argentina, onde foi declarada a nulidade daLei da Obediência Devida, exatamente porque estahavia anistiado aqueles que praticaram a tortura. ASuprema Corte contrapôs à Lei da Obediência Devidaos tratados internacionais firmados pela República

“Tortura não é crime político.Está fora, portanto, da Lei da Anistia”

Doutor e pós-doutor em Direito, o Professor Lenio Streckafirma que a Lei da Anistia jamais englobou os torturadores.

Lenio Streck: Lei só anistia crimes políticos.

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31Jornal da ABI 351 Fevereiro de 2010

argentina. E veja-se que um dos componentes doTribunal é um dos mais importantes penalistas domundo, Eugênio Raúl Zaffaroni. Portanto, para aque-les que acham que uma eventual punição aos quepraticaram tortura no Brasil fere o princípio da an-terioridade da lei penal ou outro princípio constitu-cional, basta examinar os argumentos desse prócerdo penalismo mundial. Ninguém melhor do que Za-ffaroni, pelas suas posições históricas a favor de umDireito Penal de garantias, para medir a intensidadeda necessidade de o Estado intervir, mesmo que anosdepois, para anular leis aprovadas indevidamente (nofundo, é a tese adotada pela Suprema Corte argenti-na: a de que a Lei da Obediência Devida protegeu deforma deficiente os direitos humanos, beneficiandoquem não podia ser beneficiado).

O Senhor disse que a LO Senhor disse que a LO Senhor disse que a LO Senhor disse que a LO Senhor disse que a Lei da Anistia comprome-ei da Anistia comprome-ei da Anistia comprome-ei da Anistia comprome-ei da Anistia comprome-teu os direitos humanos quando perteu os direitos humanos quando perteu os direitos humanos quando perteu os direitos humanos quando perteu os direitos humanos quando permitiu a aplica-mitiu a aplica-mitiu a aplica-mitiu a aplica-mitiu a aplica-ção da tábula rasa, não separando o joio do trigo. Seção da tábula rasa, não separando o joio do trigo. Seção da tábula rasa, não separando o joio do trigo. Seção da tábula rasa, não separando o joio do trigo. Seção da tábula rasa, não separando o joio do trigo. Sea lei fosse revista, como seria possível essa separa-a lei fosse revista, como seria possível essa separa-a lei fosse revista, como seria possível essa separa-a lei fosse revista, como seria possível essa separa-a lei fosse revista, como seria possível essa separa-ção? Tção? Tção? Tção? Tção? Torturadores e guerorturadores e guerorturadores e guerorturadores e guerorturadores e guerrilheiros seriam julgadosrilheiros seriam julgadosrilheiros seriam julgadosrilheiros seriam julgadosrilheiros seriam julgadosde maneiras diferentes?de maneiras diferentes?de maneiras diferentes?de maneiras diferentes?de maneiras diferentes?

Lenio Streck - A Lei da Anistia e as subseqüentesnão falaram em anistiar qualquer ato de tortura; ape-nas abrangiam crimes políticos. O que falei, em ou-tra entrevista, é que o problema se deu na aplicação“tábula rasa”, aí sim misturando o joio e o trigo. Con-seqüentemente, em muitos casos, beneficiamos ojoio. Veja-se que a questão das reparações veio ape-nas anos depois da Lei de 1979 (ressalvo aqui minhascríticas a alguns exageros ocorridos nos valores de al-gumas indenizações).

Com relação à segunda parte da pergunta (puni-ção aos guerrilheiros), a Lei nº 9.140 deixa claro queo regime militar não era um Estado de Direito. Esteé o ponto fulcral da discussão. Conseqüentemente,era lícito lutar contra o establishment. E a própria Leiestabelece que serão indenizadas todas as pessoas que,de um modo ou de outro, lutaram contra o regime epor ele foram perseguidos, presos ou mortos. Se nãohavia Estado de Direito, todos os que lutaram con-tra esse “Estado de coisas” estavam em legítima de-fesa, para usar uma figura do Direito Penal.

O esquecimento da barbárie pode promover suaO esquecimento da barbárie pode promover suaO esquecimento da barbárie pode promover suaO esquecimento da barbárie pode promover suaO esquecimento da barbárie pode promover suareprodução no futuro? Vreprodução no futuro? Vreprodução no futuro? Vreprodução no futuro? Vreprodução no futuro? Vivemos hoje, no Brasil, osivemos hoje, no Brasil, osivemos hoje, no Brasil, osivemos hoje, no Brasil, osivemos hoje, no Brasil, osreflereflereflereflereflexxxxxos da impunidade desse período?os da impunidade desse período?os da impunidade desse período?os da impunidade desse período?os da impunidade desse período?

Lenio Streck - Talvez inconscientemente estejamossendo reféns desse “olhar generoso” que fizemos coma Lei da Anistia, permitindo isso que chamo de in-terpretação tábula rasa. Por que reféns? Porque nãoestamos conseguindo punir os crimes que colocamem xeque os objetivos da República. É visível que nãoestamos “querendo” usar o Direito Penal para “jogarduro” com a delinqüência “asséptica” (colarinho bran-co etc.). Vejam as leis aprovadas nos últimos anos:“alçamos” o crime de fraude à licitação a crime de“menor potencial ofensivo” (paga-se cesta básica); namesma linha, consideramos mais grave o ato de sub-trair galinhas (quando praticado por duas pessoas)do que as condutas consubstanciadoras de crimescomo a lavagem de dinheiro e de delitos contra asrelações de consumo e o sistema financeiro; tambémconstruímos uma benesse para os sonegadores de tri-butos que, de certa forma, transforma a sonegaçãofiscal em uma rentável “aposta sem riscos penais” –,bastando o pagamento do valor desviado para que ocrime se esfumace (lembremos como Marcos Valé-rio se safou recentemente). No Brasil – e repito issohá 20 anos –, “la ley es como la serpiente; solo pica alos descalzos” (frase de um camponês salvadorenho).Pudera: predominantemente, o ensino jurídico con-tinua manualesco. A indústria que mais cresce é a dos“manuais jurídicos”. Já se vende Constituição emquadros sinópticos. E nos aeroportos.

O Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo eMogi das Cruzes sediou em 4 de fevereiro a 33ªedição da Caravana da Anistia, projeto daComissão de Anistia do Ministério da Justiça. Oevento, que teve a atriz Zezé Motta como mestrede cerimônia, contou com uma série dehomenagens, comemorações e julgamento de 88processos de pedidos de anistia, a maioria deles demilitantes do movimento sindical: metalúrgicos,bancários, jornalistas, trabalhadores rurais eprofessores que foram perseguidos durante aditadura militar.

A abertura, pela manhã, contou com apresença do então Ministro da Justiça, TarsoGenro, de anistiados e seus familiares, e prestouhomenagens à memória das vítimas da ditadura.A Caravana da Anistia, projeto educativo daComissão que julga os casos de perseguiçãopolítica entre 1946 e 1988 nos locais onde elesocorreram, completará dois anos em abrilpróximo. A ação, que esteve em todas as regiõesdo País desde então, teve início na gestão de TarsoGenro à frente do Ministério. Dos 55 milprocessos protocolados na Comissão desde 2001,cerca de 13 mil ainda serão julgados. Trinta ecinco mil foram deferidos. Destes, em cerca de 11mil houve algum tipo de reparação econômica.

No evento, a ABI foi representada por seuConselheiro Rodolfo Konder, Diretor daRepresentação da Casa em São Paulo. Além doPresidente do Sindicato dos Metalúrgicos de SãoPaulo, Miguel Torres, e do Presidente da ForçaSindical, Paulo Pereira da Silva, estiverampresentes Antônio Cândido; Nita Freire, viúvade Paulo Freire; Lúcia Alencar, irmã de Frei Titode Alencar Lima, um dos religiosos torturadospela ditadura que se suicidou em Paris apóslongo processo de depressão; João VicenteGoulart, filho do ex-Presidente João Goulart;Daniel Seidel, da Comissão de Justiça e Paz daConferência Nacional dos Bispos do Brasil;Deputado Brizola Neto (PDT-RJ); CarlinhosMarighella, filho de Carlos Marighella; Danielde Souza, filho de Herbert de Souza, o Betinho;Renato Rabelo, Presidente do PCdoB; e oProcurador da República Marlon Weichert. Noplenário, operários demitidos durante aditadura, ex-presos políticos e representantes deassociações de anistiandos.

Já passava das 19 horas quando, após umasérie de processos julgados pela 33ª Caravana daAnistia, foi reconhecida a perseguição política edeclarado anistiado político post mortem o ex-Governador de São Paulo Mário Covas. O processode Covas, morto em 2001, foi impetrado naComissão por sua viúva, Florinda Gomes. Covasteve os direitos políticos cassados por dez anos,quando era deputado federal -- entre março de1969 e março de 1979. Como forma de reparaçãoeconômica, Florinda receberá uma prestação

Anistia para operáriose para Mário Covas

Em solenidade no Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, a Comissãode Anistia do Ministério da Justiça aprovou 88 processos de militantes do

movimento sindical vítimas da ditadura. A viúva do ex-Governador de São PauloMário Covas, Florinda Gomes, receberá indenização no valor de R$ 100 mil.

única de 300 salários mínimos – o valor é limitadoao teto de R$ 100 mil. Em todos os casos deparlamentares cassados este é o valor daindenização concedida pela Comissão.

Um dos vídeos apresentados durante o eventomostrou rostos de diversas pessoas mortas peladitadura, como o metalúrgico Manoel Fiel Filho,morto em 17 de janeiro de 1976, no Doi-Codi/SP;imagens dos anos de chumbo, da supressão dedireitos e das garantias fundamentais; de prisões etorturas, desemprego e movimentos de resistênciaque reuniram brasileiros que tinham em comumum projeto de nação que foi inviabilizado.

“A violência massiva veio dos dominadoresdo regime militar. Homens e mulheres foramperseguidos num passado recente que nãopode se repetir jamais”, disse Tarso Genro, queem 10 de fevereiro deixou o Ministério daJustiça para disputar o Governo do Estado doRio Grande do Sul.

O Presidente da Comissão de Anistia, PauloAbrão, disse que “a anistia não é uma benesse, éum direito; não é esquecimento, é um ato dereconhecimento público do Estado ao direito deliberdade do povo brasileiro”. Ele dedicou oevento “aos sindicalistas e operários, à classetrabalhadora brasileira que tem construído ademocracia no País”: “Nossa homenagem aosoperários, que resistiram bravamente e sofrerampor seus atos de coragem na época em quevigorava a lei antigreve. Essas pessoas arriscaramsuas vidas, seus empregos e pagaram por isso”.

Mário Covas: Anistiado mais de 30 anos depois. Indenizaçãopara a sua viúva: prestação única de R$ 100 mil.

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32 Jornal da ABI 351 Fevereiro de 2010

esgatar no passado imagensque ajudarão a reconstruir ofuturo. Esse é o objetivo deum grupo de fotógrafos cujofoco da ação é a cidade histó-

rica de São Luiz do Paraitinga, no Valedo Paraíba, interior de São Paulo, prati-camente destruída durante as enchen-tes que atingiram a Região Sudeste noinício deste ano. É justamente para re-cuperar o Município e seus monumen-tos que os fotógrafos Ed Viggiani, Fran-co Hoff, José Bassit, Marcelo Min, Mar-cello Vitorino e Toninho Cury criaramo site www.vivaparaitinga.com.br, ondepodem ser vistas e compradas diversasfotos da cidade. Registros eternos de suasingela imponência, antes da tragédia.

A primeira postagem foi publicadaem 17 de janeiro de 2010. Até o finalde fevereiro, haviam sido vendidas cin-co fotografias, tendo sido arrecadadosexatos R$ 1.545,38. Para o dia 10 demarço foi programado o primeiro acer-to com o laboratório parceiro que estáampliando as fotos e cuidando de seuenvio pelos Correios – custos que de-vem ficar na casa dos R$ 150,00. Des-sa forma, ainda em março deverá serfeita a doação de R$1.400,00 para SãoLuiz do Paraitinga. Mais do que o va-lor, a iniciativa dos fotógrafos deve sercomemorada por seu significado demobilização e reunião de forças – fato-res vitais para reerguer a cidade. Afinal,estima-se que 80% dos imóveis tomba-dos pelo Conselho de Defesa do Patri-mônio Histórico, Arqueológico, Artís-tico e Turístico tenham desabado comas fortes chuvas, incluindo a IgrejaMatriz de São Luiz de Tolosa e a Capeladas Mercês.

“Seria uma ingenuidade crer queatravés de um site seja possível recons-truir uma cidade. Vejo esta ação maiscomo um apelo simbólico do que essen-cialmente prático. Entretanto, tudopode acontecer quando todos nos reu-nimos em torno de um objetivo co-mum. É esta sinergia que coloca omundo em movimento e transforma as

CAMPANHA

Imagens aserviço da

solidariedadePara colaborar com a reconstrução deSão Luiz do Paraitinga, praticamentedevastada por enchentes no início doano, grupo de fotógrafos cria site para

comercializar imagens da cidade histórica.

pessoas em seres ativos”, diz MarcelloVitorino, um dos idealizadores do VivaParaitinga!. “O que mais importa sãoos reflexos e desdobramentos destemovimento. Bastava olhar e conversarcom os amigos para sentir a vontade detodos em ajudar.”

Vitorino visita a cidade durante aFesta do Divino desde 2000, em traba-

lho que aborda aspectos da religiosida-de. Dos seis participantes iniciais, dosquais já se conhecia a relação com olocal, o site somava, no final de feve-reiro, 20 colaboradores. E se prepara-va para receber novas adesões. Tudo nabase do boca-a-boca.

O que há tão especial na região paragerar tal mobilização? É o próprio

R

Apaixonados por SãoLuiz do Paraitinga,

diversos fotógrafos seuniram para ajudar acidade a partir do siteViva Paraitinga!. Nele,Nana Vieira (foto do

alto), Kriz Knack (àdireita) e Franco Hoff(à esquerda) expõemsuas visões antes da

destruição.

33Jornal da ABI 351 Fevereiro de 2010

Paraitinga está inserida nesse contex-to. Aí já podemos falar de aspectossociais e humanos, incluindo a belezada viola e as delícias da culinária típi-ca, ou então o ritmo, a hospitalidade eo gosto pela prosa do luizense. São tan-tos os aspectos com que a cidade e seupovo seduziram não apenas fotógrafos,mas também músicos, antropólogos,sociólogos...”, explica.

Uma das preocupações dos idealizado-res do site é com a transparência do des-tino dado aos recursos arrecadados coma venda dessas imagens. “Todo o fluxofinanceiro será disponibilizado no própriosite. Estamos estudando a viabilidade deinstituir uma entidade jurídica sem finslucrativos, controlada pelos moradores dacidade, para este fim”, diz Marcello Vito-rino, que complementa: “O site ficará no

ar por tempo indeterminado, enquantohouver gente precisando de ajuda por lá,pois temos ciência de que o processo dereconstrução e recuperação, não só dosprédios, mas dos aspectos de conforto esegurança humana, vai demorar um pou-co. Sobre a adesão de novos fotógrafosà campanha, é só fazer contato conos-co pelo [email protected] daremos todas as coordenadas.”

Marcello Vitorino quem revela esses se-gredo. “A cidade é de uma riquezamuito grande, seja pelo conjunto arqui-tetônico colonial, que era de uma be-leza ímpar, seja pelo cuidado do povocom as tradições, como a festa do Di-vino Espírito Santo e o Festival de Mar-chinhas, no Carnaval. A região do Valedo Paraíba é reconhecida como o ber-ço caipira em São Paulo. E São Luiz do

Retratos de uma cidade acolhedora e poética: o homem que caminha solitário, de Liz Krause; os reflexos, de Rita Barreto; a Festa do Divino e o palhaçoda cavalhada, de Ed Viggiani; as fachadas coloridas, de Eduardo Barile; o rapaz da banda, de Jose Bassi, e a praça enfeitada, de Marcello Vitorino.

34 Jornal da ABI 351 Fevereiro de 2010

ABI aderiu ao movimento de diversas ins-tituições e personalidades em apoio à can-didatura do ex-Senador Abdias Nascimen-to para o Prêmio Nobel da Paz de 2010, cuja

indicação é de autoria do cientista político e profes-sor Clóvis Brigagão. No documento divulgado pelaABI, o Presidente da Casa, Maurício Azêdo, ressal-ta a trajetória do parlamentar na defesa dos direitoshumanos e das liberdades, com especial dedicaçãoà população afro-descendente, além de sua vasta atu-ação nas áreas cultural, acadêmica e política no Brasile no exterior.

A ABI destaca que a premiação homenageará nãoapenas a figura de Abdias Nascimento, mas todosos africanos que dedicaram suas vidas à luta pelosdireitos, igualdade e dignidade de seus descenden-tes em todo o mundo. Clóvis Brigagão, Diretor doCentro de Estudos das Américas da UniversidadeCandido Mendes, entregou pessoalmente a indica-ção de Abdias Nascimento ao Prêmio Nobel da Pazde 2010, em junho último, quando esteve em Oslo,Noruega, como membro do Instituto Nobel da Paz.

Segundo Elisa Larkin Nascimento, esposa de Ab-dias Nascimento e Diretora do Instituto de Pesquisase Estudos Afro-Brasileiros (Ipeafro), fundado por eleno início da década de 80 do século passado, centenasde autoridades e instituições aderiram à campanha.

“O Ipeafro já recebeu có-pias de mais de 100 cartas deendosso à indicação. Alémdisso, o apelo ao PresidenteLula para que seja oficializa-da a indicação como inicia-tiva do Estado Brasileiro re-úne mais de 500 assinaturas,representando 300 organiza-ções da sociedade civil”, afir-mou Elisa Larkin, lembrandoque Abdias é autor de diversoslivros, tais como O Quilombis-mo; Orixás: os Deuses Vivos daÁfrica; A Luta Afro-Brasileira no Senado; Brazil: Mixtureor Massacre; Povo Negro: A Sucessão e a Nova República,e Racial Democracy in Brazil: Myth or Reality.

Nascido em Franca, São Paulo, em 1914, Abdias é umdos mais respeitados intelectuais do País. Sua biografiainclui prêmios pela dedicação ao combate da discrimi-nação racial. Artista plástico, escritor, poeta, pesquisador,dramaturgo e professor universitário, foi deputado fede-ral e senador com mandatos comprometidos com os direi-tos humanos. Formado em Economia pela Universidade

do Rio de Janeiro, em 1938, e pós-graduado no InstitutoSuperior de Estudos Brasileiros-Iseb, em 1957, ele

organizou o Congresso Afro-Campineiro e par-ticipou da Frente Negra Brasileira (1929-37).

Fundou na Penitenciária de Carandiru oTeatro do Sentenciado (1943) e lançou

um jornal dos prisioneiros. Em 1944,criou o Teatro Experimental do Ne-

gro, no Rio, e organizou o Comi-tê Democrático Afro-Brasileiro.

Editou o jornal Quilombo:Vida, Problemas e Aspirações

do Negro.

MOBILIZAÇÃO

Nobel da Paz paraAbdias Nascimento

Personalidades e importantes instituições civis nacionaise estrangeiras assinaram carta de apoio à indicação, que faz

justiça à fecunda atuação na vida social, cultural e política de um dos mais destacados lutadores pela igualdade racial no Brasil.

Personalidades e importantes instituições civis nacionaise estrangeiras assinaram carta de apoio à indicação, que faz

justiça à fecunda atuação na vida social, cultural e política de um dos mais destacados lutadores pela igualdade racial no Brasil.

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O IPEAFRO JÁRECEBEU

CÓPIAS DE

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ENDOSSO ÀINDICAÇÃO.

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35Jornal da ABI 351 Fevereiro de 2010

Na Convenção Nacional do Negro,em 1945-46, propôs à Assembléia Na-cional Constituinte que então se reu-niria a inclusão de um dispositivo cons-titucional definindo a discriminaçãoracial como crime de lesa-pátria. Ele or-ganizou também a Conferência Naci-onal do Negro (Rio de Janeiro, 1949) eo 1º Congresso do Negro Brasileiro(Rio, 1950). Atuou como curador fun-dador do Projeto Museu de Arte Negra,cuja exposição inaugural se realizou noMuseu da Imagem e do Som do Rio deJaneiro (1968). Manteve durante déca-das contato com os movimentos de li-bertação africanos e com o movimen-to pelos direitos civis e humanos dosnegros nos Estados Unidos.

Exílio e resistênciaAlvo da repressão policial do regime

militar, foi aos Estados Unidos em 1968e não pôde retornar ao Brasil em razãodo Ato Institucional nº 5. Durante 13anos, viveu no exílio nos Estados Uni-dos e na Nigéria. Participou de inúme-ros eventos internacionais e falou da po-pulação negra do Brasil em várias reu-niões do mundo africano. Ainda noexílio, desenvolveu extensa obra sobretemas da cultura religiosa africana e daresistência do negro à escravidão e aoracismo. Em 1978, voltou ao Brasil e par-ticipou de atos públicos e reuniões defundação do Movimento Negro Unifi-cado (MNU). Participou da criação doMemorial Zumbi, organização nacionalde promoção dos direitos civis e huma-nos da população negra de todo o País.

Em 1981, fundou o Instituto de Pes-quisas e Estudos Afro-Brasileiros-Ipe-afro, organizou o 3º Congresso de Cul-tura Negra nas Américas (1982) e o Se-minário Nacional sobre 100 Anos daLuta da Namíbia pela Independência(1984) e criou o curso Sankofa, minis-trado na Pontifícia Universidade Cató-lica de São Paulo e na Universidade doEstado do Rio de Janeiro (1984-95). Foio primeiro deputado federal negro adefender a causa coletiva da populaçãode origem africana no Congresso bra-sileiro (1983-86). Atuou em Luandacomo consultor da Unesco pelo desen-volvimento do teatro e artes dramáti-cas. Participou da diretoria internaci-onal do Festival Pan-Africano de Cul-tura e do Memorial Gorée, sediados emDacar, Senegal.

Em 1991, tornou-se o primeiro se-nador afro-descendente a dedicar-se àpromoção dos direitos civis e humanosdo povo negro do Brasil. Na época, oGovernador do Estado do Rio, Leonel

Brizola, nomeou-o titular da nova Se-cretaria de Defesa e Promoção das Po-pulações Afro-Brasileiras (1991-1994).Assumiu em 1999 a Secretaria de Di-reitos Humanos e Cidadania do mes-mo Estado. Foi um dos organizadoresda participação brasileira na 3ª Confe-rência Mundial contra o Racismo (Dur-ban, África do Sul, em 2001).

Abdias do Nascimento é descritocomo o mais completo intelectual e ho-mem de cultura do mundo africano doséculo XX. É Doutor Honoris Causapela Uerj; Ufba; UnB; Uneb e Univer-sidade Obafemi Awolowo, Ilé-Ifé, Ni-géria. Além disso, é professor Emérito daUniversidade do Estado de Nova York,onde fundou a cátedra de Culturas Afri-canas no Novo Mundo. Foi professor vi-sitante de diversas instituições pelo

mundo. Em 2001, o Centro Schomburgde Pesquisa das Culturas Negras, da Bibli-oteca Pública Municipal de Nova Yorkno Harlem, dedicou-lhe o Prêmio da He-rança Africana Mundial. No mesmo ano,recebeu o Prêmio Unesco na categoria Di-reitos Humanos e Cultura. Dois anos de-pois, foi agraciado com o Prêmio Come-morativo da Onu por Serviços Relevan-tes em Direitos Humanos.

HomenagensEm 2004, Ano Internacional de

Celebração da Luta contra a Escravi-dão, a Unesco criou o Prêmio ToussaintLouverture, líder da independência doHaiti, para homenagear Abdias e opoeta francês nascido na MartinicaAimé Cesaire, pela luta contra a discri-minação racial. Em 2006, o Presiden-

te Luiz Inácio Lula da Silva condecorou-o com a Ordem do Rio Branco no graude Comendador. Em 2007, o Ministé-rio da Cultura concedeu-lhe a Grã-Cruz da Ordem do Mérito Cultural.Em 2008, o Conselho Nacional de Pre-venção da Discriminação, do GovernoFederal do México, concedeu-lhe umprêmio pela prevenção da discrimina-ção racial na América Latina. Dois anosdepois, recebeu do Ministério do Tra-balho a Grã-Cruz da Ordem do Méri-to do Trabalho.

Entre as personalidades que mani-festaram apoio à indicação de Abdiasfiguram Luiz Dulci, Ministro Chefe daSecretaria da Presidência da Repúbli-ca; Carlos Lupi, Ministro do Trabalhoe Emprego; Carlos Minc, Ministro doMeio Ambiente; Edson Santos, Minis-tro da Promoção da Igualdade Racial,Jaques Wagner, Governador do Estadoda Bahia; Senadores Cristóvam Buar-que (PDT-DF) e Paulo Paim (PT-RS);Benedita da Silva, Secretária de Assis-tência Social e Direitos Humanos doEstado do Rio, além de reitores das uni-versidades UnB, Uff, Uerj, Uneb, Cân-dido Mendes, Université Cheikh AntaDiop de Dacar, Senegal, Bowie StateCollege, de Maryland (EUA), e Univer-sidade do Estado de Nova York (EUA).

Também firmaram a carta o jorna-lista e escritor Muniz Sodré, Presidenteda Fundação Biblioteca Nacional; oator Sérgio Mamberti, Presidente daFundação Nacional de Arte-Funarte; oescritor e acadêmico Alberto da Costae Silva, da Academia Brasileira de Le-tras; o jornalista e escritor Arthur Po-erner; a Professora Lia Faria, Diretora daFaculdade de Educação da Uerj, e nume-rosas instituições culturais, como aAcademia Brasileira de Filosofia, a As-sociação Carnavalesca Olodum, a Asso-ciação Ilê Aiyê, a Fundação Ford Brasil,o Fundo Brasil de Direitos Humanos, oGrupo Negrícia de Poesia e Arte de Cri-oulo/RJ, o Movimento Negro Unifica-do-MNU e o Instituto Paulo Freire, en-tre outras.

Fundador do Teatro Experimental do Negro,Abdias Nascimento também teve destacada

atuação política sempre voltada para adefesa dos direitos humanos. Em 1957, napeça Perdoa-me Por me Traíres, de Nélson

Rodrigues, ele interpretou o Deputado Jubileude Almeida. Em 1994, como Secretário de

Estado de Defesa e Promoção dasPopulações Afro-Brasileiras, Abdias recebeu

Nelson Mandela como Chefe de Estado.Abaixo, o elenco da peça O Filho Pródigo, de

Lúcio Cardoso. Abdias está no centro.

ACERVO

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IAS NASC

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Assinaram a carta de apoio à indicaçãode Abdias Nascimento ao Prêmio Nobelda Paz de 2010 personalidades einstituições de diversas partes do mundo:

AÍDA MARQUES - Chefe do Departamentode Cinema e Vídeo da UffALBERTO DA COSTA E SILVA - AcademiaBrasileira de LetrasANGELA GILLIAM - Evergreen StateCollege(EUA)ANGELA RANDOLPHO PAIVA- Puc-RioARTHUR POERNER - UerjBEATRIZ BISSIO - Centro Cultural Diálogosdo SulBENEDITA DA SILVA - Secretária deAssistência Social e Direitos Humanos doEstado do Rio de JaneiroCARLOS LUPI - Ministro do Trabalho eEmpregoCARLOS MINC - Ministro do Meio AmbienteCARLOS MOORE - Universidade do Caribe(UWI)CARLOS SANTANA - Deputado FederalCARMEN LUCIA TINDÓ SECCO- UFRJCRISTÓVAM BUARQUE - SenadorDARIEN DAVIS - Universidade Middlebury, EUAEDNA MARIA DOS SANTOS - UerjEDSON SANTOS - Ministro da Promoção daIgualdade RacialEDWARD TELLES - Universidade Princeton, EUAELIOMAR COELHO - VereadorFEMI OJO-ADE - St. Mary’s College ofMaryland, EUAFERNANDO SOLANAS - Cineasta eDeputado Federal argentinoFLÁVIO GOMES - Ifcs/UFRJGILCÊNIO LOPES - Produtor culturalHÉDIO SILVA - CeertHUMBERTO ADAMI - Ouvidor da SecretariaEspecial de Políticas de Promoção daIgualdade SocialJAIME ANTUNES- Diretor do Arquivo NacionalJAMES GREEN - Universidade Brown, EUAJANDIRA FEGHALI - Secretária de Culturado Município do Rio de JaneiroJAQUES WAGNER - Governador do Estadoda BahiaJOAN DASSIN - Fundação FordJOÃO LANARI BÓ - Cineasta e diplomataJOSÉ JORGE SIQUEIRA - UniversidadeSeverino SombraJOSÉ RIVAIR - UFRSJÚLIO CÉSAR DE TAVARES - UffKABENGELE MUNANGA - UspKOFI ANYIDOHO - Poeta e professor daUniversidade de Legon, Acra(Gana)KOFI AWOONOR- Membro do Conselho deEstado do Governo da República de Ganae ex-Embaixador de Gana junto ao Brasile à OnuLAURA PADILHA - UffLIA FARIA - Diretora da Faculdade deEducação da UerjLUIZ ALBERTO - Deputado FederalLUIZ DULCI - Ministro Chefe da SecretariaGeral da Presidência da RepúblicaLUIZ OOSTERBEEK - Instituto Politécnicode TomarLUIZA BARROS - Secretária de Promoçãoda Igualdade Racial do Estado da BahiaLYNN WALKER HUNTLEY - Fundação deEducação do Sul dos EUAMARCELO PAIXÃO - Instituto de Economiada UFRJMARIA JARAMILLO - Fitchburg StateCollege, EUA

Apoio no Brasile no exterior

MARIA LUIZA MARCÍLIO - Presidente doComitê de Direitos Humanos da UspMAULANA KARENGA - Universidade deCalifórnia, EUAMOLEFI ASANTE - Universidade Temple,Filadélfia, EUAMUNIZ SODRÉ - Presidente da FundaçãoBiblioteca NacionalNANCI VALADARES - UFRJNILO BATISTA - UFRJ- UerjOLASOPE OYELARAN - UniversidadeWestern Michigan, EUAOLLIE JOHNSON - Wayne State University,ORDEP SERRA - UfbaPAULO BAÍA - UFRJPAULO JABUR - fotógrafoPAULO PAIM - SenadorPETER LOWNDS - Instituto Paulo Freire,Ucla, EUARALPH DELLA CAVA - UniversidadeColumbia, EUARENATO NOGUEIRA - UFRRJROBERTO MARTINS - UFMG, IPEA, RedeMinas TVRODNEY ELLIS - Senador Estadual doTexas, EUASÉRGIO MAMBERTI - Presidente da FunarteTEOTÔNIO DOS SANTOS - Uff, Unesco, OnuTUNDE BABAWALE - Presidente do Centropara as Civilizações Africanas/GovernoFederal da República da NigériaVERA MALAGUTE BATISTA - UerjVICENTINHO - Deputado FederalVIEIRA DA CUNHA - Deputado Federal,Vice-Presidente da Internacional Socialistae Presidente em exercício do PDTWILHELM HOFMEISTER - Fundação KonradAdenauerWILSON PRUDENTE - Procurador doMinistério Público do Trabalho

Reitores das seguintes universidades:UnB, Uff, Uerj, Uneb, Cândido Mendes,Université Cheikh Anta Diop deDakar(Senegal), Bowie State College, deMaryland (EUA), Albert Michaels-Universidade do Estado de Nova York (EUA).

Academia Brasileira de Filosofia-ABFAfrobras-Instituto Afro-Brasileiro de Ensino Superior (SP)

Associação Brasileira de Imprensa-ABIAssociação Carnavalesca Bloco Afro Olodum (Salvador, BA)

Associação Cultural Bloco Carnavalesco Ilê Aiyê (Salvador, BA)Casa Laudelina de Campos Mello (Campinas, SP)

Ceert - Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (SP)Centro de Articulação das Populações Marginalizadas-Ceap (RJ)

Centro de Consciência Negra de Pedreiras e Região do Médio Mearim-CCNP (Mearim, MA)Centro de Cultura Professor Luiz Freire (PE)

Centro do Teatro do Oprimido-CTO (RJ)Cetrab-Centro de Tradições Afro-Brasileiras (RJ)

Coletivo Steve Biko de Direitos Humanos (Salvador-BA)Companhia dos Comuns (RJ)

Conen-Coordenação Nacional de Entidades Negras (Brasil)Criola-Organização de Mulheres Negras (RJ)

Fala Preta! Organização de Mulheres Negras (SP)Federação Brasileira de Umbanda (Brasil)Fórum de Mulheres de Pernambuco (PE)

Fundação Ford BrasilFundo Brasil de Direitos Humanos

Geledés-Instituto da Mulher Negra (SP)Grupo Negrícia de Poesia e Arte de Crioulo (RJ)

Instituto Cultural Afrosul Odomode (RS)Instituto de Advocacia Racial e Ambiental-Iara (RJ)

Instituto de Advogados Brasileiros (IAB)Instituto Palmares de Direitos Humanos (RJ)

Instituto Paulo FreireInstituto de Pesquisa das Culturas Negras-IPCN (RJ)

Ipeafro-Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros (RJ)Malungus - Organização Negra de Paraíba (PB)

Maria Mulher - Organização de Mulheres Negras - (RS)Memorial Lélia Gonzalez (RJ)

Movimento Negro Unificado - MNU (Brasil)Présence Africaine Éditions (Paris e Dakar)

Southern Education Foundation (Atlanta-EUA)

O mundo da culturaendossa a indicação

Abdias Nascimento e Cacilda Becker em Otelo, de William Shakespeare, encenada em 1946 no Festival do 2° Aniversário do TEN.

Entre as instituições que assinaram cartas de endosso e/ou o apelo ao Presidente Lulapara oficializar o endosso do Estado brasileiro à indicação figuram as seguintes:

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MOBILIZAÇÃO NOBEL DA PAZ PARA ABDIAS NASCIMENTO

37Jornal da ABI 351 Fevereiro de 2010

A tal “memória curta”, de que o Bra-sil freqüentemente é criticado por nãopreservar sua História, pode estar comos dias contados, pelo menos se depen-der da Imprensa Oficial do Estado deSão Paulo. Para não deixar aquilo queimporta cair no esquecimento, a insti-tuição lançou em 2004 a Coleção Aplau-so, que trouxe ao grande público, emformato de livros, a História do cinema,do teatro e da televisão do País. Agora,em um projeto inédito, todo esse mate-rial, composto por perfis, biografias,peças de teatro e roteiros de filmes, estásendo disponibilizado na internet, paraconsulta e leitura gratuitas.

– Essa é uma iniciativa importantepara aumentar ainda mais o alcancedesse material. No caso dos livros, des-de os primeiros lançamentos, a propos-ta foi resgatar e manter a memóriacultural do Brasil disponível ao maiornúmero possível de pessoas. O primei-ro passo para viabilizar esse objetivo sedeu com o envio das publicações paratodas as escolas públicas paulistas.Porém a atitude derradeira para concre-tizar essa proposta deve se dar com adisponibilização do acervo na rede, oque tornará ainda mais democráticatoda essa informação – defende em seublog o jornalista e crítico de cinemaRubens Ewald Filho, Coordenador-Geral da Coleção Aplauso.

Com o lançamento de A História daTV Gazeta, de Elmo Francfort, e Cláu-dio Botelho e Charles Moeller - Os Reisdos Musicais, de Tânia Carvalho, aAplauso ultrapassou no último mês dejaneiro a marca dos 200 títulos publi-cados. Há tanto livros especiais, decapa dura, quanto populares, no for-mato pocket. Eles trazem textos leves,escritos em primeira pessoa por jorna-listas a partir do depoimento de per-sonagens biografados. Além desses gê-neros, há também peças de teatro e ro-teiros de cinema, vários deles comen-tados e acrescidos de crítica e ficha téc-nica. Completam a coleção obras es-peciais que contam a trajetória deemissoras de tv que marcaram a His-tória recente do País. Além da Gaze-ta, fazem parte da coleção obras coma história da Tupi, da Manchete e daExcelsior.

No endereço aplauso.imprensaoficial.com.br (dessa forma mesmo, sem owww), já estão disponíveis 170 títulosque podem ser consultados ou baixa-dos na íntegra em formato pdf e txt.Entre biografias e perfis, estão os de

PUBLICAÇÃO

Para aplaudir de péA Coleção Aplauso, com perfis, biografias, roteiros e peças de teatro que

contam a trajetória do cinema, do teatro e da televisão brasileiros,estão disponíveis na internet para democratizar a História recente do País.

POR MARCOS STEFANO

Raul Cortez – obra que venceu o prê-mio Jabuti –, Tônia Carreiro, Mazza-ropi, Alcides Nogueira, Carlos Reichen-bach, Fernando Meirelles, Carlos Zara,Gianfrancesco Guarnieri, Beatriz Se-gall, Eva Todor, Walmor Chagas, EvaWilma, Jonas Bloch, Jorge Loredo eFernanda Montenegro, entre outros.Também há roteiros como os de O Ca-çador de Diamantes, Estômago, FelizNatal, O Céu de Suely e O Ano em QueMeus Pais Saíram de Férias e peças dos

dramaturgos Sérgio Roveri, Samir Yaz-bek e José Saffioti Filho.

– Procuramos disponibilizar ummaterial que antes corria o risco de seperder por falta de recursos, interessecomercial ou pela ausência de umapolítica voltada para a conservação damemória. Nossa primeira ação nessalinha foi a abertura, em outubro de2008, de todo o conteúdo do DiárioOficial. Com esta publicação on-line,os acessos a nosso site são cada vez

maiores. Acredito que com a ColeçãoAplauso não será diferente. Tanto parapesquisadores quanto para interessa-dos em geral, pessoas que muitas ve-zes não têm condições de comprar asobras físicas ou não têm acesso a elasem livrarias e bibliotecas, a ColeçãoAplauso na internet será uma ferra-menta valiosíssima e oferecerá vastosrecursos para trabalho e conhecimen-to. – afirma Hubert Alquéres, Presiden-te da Imprensa Oficial.

Eva Wilma (acima, na peça Mulheres de Areia), Walmor Chagas eBete Mendes e o livro que conta a história da TV Excelsior são quatro dos

duzentos títulos da Coleção Aplauso que agora estão disponíveis na internet.

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Ela brilha entre as estrelas. Autorade 12 biografias da Coleção Aplauso,Tania Carvalho já arrancou histórias econfissões secretas de um punhado deartistas – de Tony Ramos a Ney Lator-raca, de Aracy Balabanian a Tônia Car-rero. Com tanta prática e sensibilida-de, a jornalista é a preferida de muitosdeles. Em janeiro ela lançou mais umtítulo da série editada pela ImprensaOficial do Estado de São Paulo. Sua cu-riosidade se voltou, agora, para a du-pla Charles Möeller e Claudio Botelho,que há 20 anos produz musicais noBrasil – um gêneroque já foi alvo de pre-conceito nos palcosnacionais.

O livro Os Reis dosMusicais, lançado nodia 12 de fevereiro noRio, passeia pela tra-jetória dos dois artis-tas, que estiveram àfrente e por trás deproduções de sucessocomo Cole Porter - EleNunca Disse Que meAmava ( 2000), Óperado Malandro (2003),Sweet Charity (2006),Sassaricando (2007), A Noviça Rebelde(2008), Gloriosa (2008), estrelada porMarília Pêra, e Avenida Q (2009), en-tre outras. Na apresentação da obra,Tania Carvalho ressalta que a dupla re-vigorou um estilo de espetáculo qua-se esquecido, que talvez nunca tives-se sido levado tão a sério pelo meioteatral e pelo público. Hoje, Charles eClaudio são responsáveis por monta-gens de grande porte — todas reconhe-cidas internacionalmente, produzidascom talento e competência.

“Escrever Os Reis dos Musicais acon-teceu por uma proposta do RubensEwald Filho, que é o coordenador da Co-leção. Ele ama musicais, e é da mesmacidade do Charles, Santos, no litoralpaulista. Eu gostei da idéia, pois tambémadoro musicais e sou fã de carteirinhada dupla”, explica Tania, que nasceu emNiterói mas se considera carioca, umavez que se mudou para o Rio aos trêsanos de idade. Formada em Jornalismopela Universidade Federal do Rio de Ja-neiro, ela define com bom humor a pro-fissão que exerce há quase 40 anos e quejá lhe rendeu a autoria de 18 livros.

“Camelô de palavras”“Sempre brinquei que jornalista é

BIÓGRAFA

Uma autora de estrelasNa rica trajetória profissional de Tania Carvalho destacam-se as entrevistas e

os perfis de artistas, vários deles publicados em livros editados na Coleção Aplauso.

POR ELIANE MARTINS um camelô de palavras, letras, idéias etextos. Depois de muitos anos de ex-periência em redações, assessorias deimprensa, mercado editorial e produ-ção, hoje sou exatamente isso: vende-dora de palavras. A quem interessarpossa, eu escrevo livros, cartas de amor,memorandos, bulas, conteúdo parasites, roteiros para cinema e televisãoe o que mais vier. Tudo ligado à pala-vra me interessa, me intriga, me desa-fia e me satisfaz”, diz.

Tania começou a trabalhar no iní-cio dos anos 70, na revista Manchete.Em 1974 ganhou o Prêmio Rondon deJornalismo por uma reportagem rea-

lizada na Amazôniacom jovens estudan-tes cariocas que atu-avam como voluntá-rios na região. Aosair da Manchete, foipara um desafio di-ferente: trabalhar nagravadora culturalDiscos Marcus Perei-ra, que fez o mapea-mento musical doBrasil, gravou pelaprimeira vez Carto-la e tirou do limbo oclarinetista Abel Fer-reira, entre outros

mestres do choro. Lá, fez de tudo: as-sessoria de imprensa, produção, fotode capa de disco.

“Foram anos alegres e deles sobroualgo especial: uma música composta es-pecialmente por Abel Ferreira paramim, a valsa Tania”, conta.

Logo depois voltou para o jornalis-mo e trabalhou em diversas publica-ções, como Última Hora, Revista doRock, Mais, Cláudia, Criativa e Desfi-le. Uma característica marcou essa tra-jetória: sempre fazia perfis de artistas.Acabou uma espécie de especialistanesse tipo de pauta. Por suas mãos, oumelhor, por suas perguntas, passaramestrelas da MPB, da televisão e do tea-tro, como Elis Regina, Tom Jobim, Fer-nanda Montenegro e Milton Nasci-mento. Na Coleção Aplauso, somoumergulhos profundos na vida de per-sonalidades como Betty Faria, CarlosZara, Pedro Paulo Rangel, Irene Rava-che e Paulo José.

Noveleira, por tarefaEm 1974, Tania Carvalho foi para a

TV Globo para fazer pesquisa na no-vela Duas Vidas. Em 1977, passou a in-tegrar a equipe do novo Departamentode Divulgação da emissora, que criou

NANA MORAES

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uma publicação semanal, parâmetropara todas as outras posteriores. Du-rante 14 anos, conviveu diariamentecom os mitos das telenovelas. Em 1999,voltou para a TV Globo, escrevendo re-sumos das novelas, que eram distribu-ídos para a imprensa, trabalho que re-alizou por quase uma década.

“Gosto de dizer que eu podia concor-rer a uma vaga no Guinness como apessoa que mais leu capítulos de nove-las. Num cálculo feito por alto, nessesanos todos, digamos que foram uns 20mil capítulos, umas 800 mil páginas”,se diverte.

No currículo de Tania ainda cons-tam a produção e coordenação, entre1995 e 1997, de dois congressos inter-nacionais de dança de salão, numaparceria entre o Centro de Dança Jai-me Arôxa e a JZ, empresa especializa-da em congressos. Mas a palavra maisuma vez se fez mais forte na vida dela:em 2001 ela se embrenhou pelo País abordo de um monomotor, para refa-zer a rota dos pilotos do Correio Aé-reo Nacional, o Can, que nos anos 30desbravaram o Brasil Central. Destaaventura, feita ao lado do piloto e co-ordenador Isio Bacaleinick e do fotó-grafo Lalo de Almeida, nasceu o livroNas Asas do Correio Aéreo, lançado nofinal de 2002.

“Passei a maior parte da minha vidaentrevistando famosos. Por isso mes-mo, o que mais me tocou foi entrevis-tar anônimos, pessoas do povo, quan-do fiz a enorme pesquisa para esse li-vro. Entre dezenas de outros depoi-mentos, o que mais me tocou foi de SeuPedro do Correio, um homem do Bra-sil Central que andava centenas de qui-lômetros por mês para entregar cartasem regiões que não eram alcançadas

nem pelos aviões do Can”, conta.

Amigos à parteAmiga de muitos de seus biografa-

dos, Tania sempre distinguiu amizade

de compromisso profissional. Mesmotendo se tornado íntima de todos eles,não adotou critérios pessoais para fil-trar as informações obtidas.

“Prefiro dizer que não usei filtros.

Sentei com eles, conversei por muitase muitas horas, e depois arrumei tudoisso para virar um livro. Cada um semostrou do seu jeito, com sua próprialinguagem, jeito de falar. Cada livro éúnico, assim como são únicas as pes-soas”, diz Tania, que atua também comoghost-writer: escreve biografias enco-mendadas e livros especializados. Em2008, em um tempo recorde de 23 dias,fez especialmente para a ABTRA o li-vro Histórias do Cais, em comemoraçãoaos 200 anos da abertura dos portos porDom João VI.

Durante três anos, foi debatedora doprograma Sem Censura, comandadopor Leda Nagle na TV Brasil. Atual-mente, faz parte do grupo de criaçãoEmpoeirados, especializado em escre-ver roteiros para cinema e televisão. Equanto a escrever uma novela, sobre asquais se debruçou por tanto tempo?Tania dá boas risadas e desconversa.

“Imagina! Quarenta páginas por diade ficção? Só na próxima encarnação...E mais: definitivamente, não faço lite-ratura. Isso é para o colega Miguel Sou-sa Tavares e seu incrível Equador, livroque eu adoraria ter escrito, e para tan-tos outros maravilhosos escritores. Souapenas uma jornalista exercitando suaprofissão em livros... Se antes escrevia20 laudas para um perfil de revista, hojeescrevo 150. No fundo, continuo igual-zinha: curiosa, atenta e uma boa ouvin-te... Não são essas as características dosjornalistas?”

Paulo José (na foto com DinaSfat), Tônia Carrero e IreneRavache foram biografados

por Tania Carvalho para aColeção Aplauso.

Ao lado do fotógrafo Lalo de Almeida, Tania refez a rota dos pilotos do Correio AéreoNacional pelo interior do País a bordo de um monomotor. Aqui a equipe sobrevoa o Jalapão.

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LivrosLivros

Uma jóia rara sobre um importantecampo científico brasileiro passou a fa-zer parte do acervo da Biblioteca BastosTigre, a Biblioteca da ABI. Trata-se dolivro Viagens por Terras de Bichos e Homens(Editora Fiocruz, 2007), que pertence aoterceiro volume das obras completas deAdolpho Lutz, edição e organização doshistoriadores Jaime L. Benchimol e Ma-gali Romero Sá.

O volume, doado à ABI pelo Presiden-te da Fundação Fiocruz, Paulo Gadelha,reúne relatos e resultados de pesquisasrealizadas por Adolpho Lutz (1855-1940),considerado um dos mais importantese versáteis cientistas brasileiros, cujaexperiência no âmbito da medicina tro-pical fez dele um membro destacado doInstituto Oswaldo Cruz, no Rio de Ja-neiro, onde ingressou em 1908.

A idéia do trabalho nasceu em 2000,quando Jaime Benchimol tomou conhe-cimento de descoberta de Magali Rome-ro Sá, que encontrou um material de pes-quisa sobre Adolpho Lutz, organizadopor Bertha Lutz, filhado cientista:

– A Magali, que éminha colaboradoraneste projeto, encon-trou jogado no Mu-seu Nacional um ar-quivo de metal compesquisas da BerthaLutz para um projetoda obra científica dopai. Nós iniciamos otrabalho fazendo astraduções do alemãopara o português.

A coleção comple-ta sobre Adolpho Lutzé composta por 21 li-vros, organizados emcinco caixas. Os qua-tro primeiros volumesapresentam Primeirostrabalhos: Alemanha, Suíça e Brasil (1878-1885); Hanseníase; Dermatologia e mico-logia e ainda um suplemento contendo su-mário, glossário e índices. O projeto prevêtambém uma biblioteca virtual, que játem parte do seu conteúdo disponível pelainternet (www.bvsalutz.coc.fiocruz.br).

Assim como o livro, a biblioteca tam-bém faz parte do projeto Adolpho Lutz ea história da medicina tropical no Brasil,que conta com o apoio do Museu Nacio-nal, Instituto Adolfo Lutz (São Paulo),Conselho Nacional de DesenvolvimentoCientífico e Tecnológico-CNPq, além daFundação de Amparo à Pesquisa do Es-tado do Rio de Janeiro-Faperj.

Contou Jaime Benchimol que parafacilitar a edição os volumes foram di-vididos por tema específico, e cada livrocontém uma apresentação histórica. Ohistoriador afirma que o trabalho, queainda não está concluído, precisou demuito fôlego para ser desenvolvido, mas,o resultado foi compensador:

– Foi uma experiência gratificante, aomesmo tempo um desafio muito gran-de. Principalmente pela dificuldade queé lidar com o serviço público. Mas valeua pena, pois, sinceramente, não conhe-ço nada semelhante que tenha sido fei-to sobre outro cientista no Brasil.

Rigor científicoAdolpho Lutz nasceu no Município

do Rio de Janeiro em 18 de dezembro de1855, mas foi criado na Suíça (país de ori-gem dos seus pais) desde os dois anos deidade. Formou-se em Medicina pela Uni-versidade de Berna e retornou ao Brasilquando tinha 26 anos de idade. Seu des-tino foi a cidade de Limeira, no interiorpaulista, onde de 1881 a 1886 montouum consultório para atender às pesso-

as de baixa renda – lo-gicamente a popula-ção que mais sofriacom problemas desaúde pública.

Consta da sua bi-ografia que mesmoresidindo no Brasilcontinuou mantendocontatos com a Euro-pa, para onde viajavacom freqüência paravisitar centros de pes-quisas avançados, emcidades como Paris,Londres e Viena. NaAlemanha, na cidadede Hamburgo, desen-volveu os seus estu-dos sobre a lepra.

Em 1889 – ano emque o Brasil derruba-

va a monarquia e se tornava república–, Adolpho Lutz viajou para o Havaí, quesofreu um grave surto da doença queatingiu grande parte da população deHonolulu. Ficou no país até 1892, quan-do a moléstia foi erradicada.

Em 1893, surgiu no Brasil uma epide-mia de cólera, doença até então poucoconhecida no País. E novamente Adol-pho Lutz apresentou-se como o princi-pal profissional da medicina a acertar nodiagnóstico da moléstia, a partir de seusmétodos rigorosos de pesquisa.

Foram exatamente a determinaçãopara o estudo e a dedicação pela ciên-cia que fizeram com que Adolpho Lutz

concretizasse inúmeras contribuiçõesao Brasil no campo da saúde pública.Tendo sido ele um dos mais destacadosparticipantes da luta pela erradicaçãode doenças como febre amarela, varío-la, peste bubônica, febre tifóide, cóle-ra, malária e tuberculose, foi ele tambémum dos fundadores da entomologiamédica.

Antes de se transferir para o Rio, tra-balhou e dirigiu o Instituto Bacterioló-gico de São Paulo (1893-1908), períodono qual deu grandes contribuições àsaúde pública no Brasil, atestam os or-ganizadores da obra. Durante o períodoem que esteve à frente do instituto pau-lista, Adolpho Lutz desenvolveu impor-tantes pesquisas no campo da bacteri-ologia, epidemiologia e zoologia médi-ca, tendo se destacado como um dosmais experientes profissionais da chama-da medicina pasteuriana.

No Instituto Oswaldo Cruz, no Riode Janeiro, ele trabalhou por cerca de 30anos até a sua morte, em 1940, quandoestava perto de completar 85 anos deidade. Foi na sede da entidade em Man-guinhos que Adopho Lutz desenvolveua sua fase de maior produção de traba-lhos publicados, dedicando-se integral-mente à pesquisa.

ExpediçõesNo texto de abertura do livro, Jaime L.

Benchimol e Magali Romero Sá ressaltama formação acadêmica de Adolpho Lutz,cujo amadurecimento profissional, de-senvolvido em fins do século XIX e iní-cio do XX, se deu baseado numa trajetó-ria que percorreu “diversos espaços geo-gráficos” – como Rio de Janeiro, São Pau-lo, Europa, Estados Unidos e Oceania –,e outros que são cognitivos, tais comoclínica médica, veterinária, protozoolo-gia, entomologia, entre outros.

Como membro do Instituto Oswal-do Cruz, Adolpho Lutz passou a se de-dicar mais à pesquisa e nesse contextodeu preciosas contribuições na forma-ção de cientistas mais jovens e às cole-ções de trabalhos biológicos, que come-çaram a se intensificar como desdobra-mento das múltiplas expedições realiza-das pelo interior do País. O livro sobresua obra é valioso porque inclusive trazalguns relatos e resultados das viagensrealizadas pelo cientista.

Adolpho Lutz pertenceu ao grupo desanitaristas do Instituto Oswaldo Cruzque, a partir da década de 1910, executouuma série de expedições pelo interior doBrasil, promovendo campanhas contradoenças como a febre amarela, malária epneumonia, em regiões tão distintascomo Amazônia, Centro e Nordeste.

Dessas expedições participaram opróprio Oswaldo Cruz, Carlos Chagas,Pacheco Leão, João Albuquerque. Em1912, entre os meses de março a outu-bro, Arthur Neiva e Belisário Pena per-correram mais de sete mil quilômetrospelos Estados do Piauí, Pernambuco,Bahia e Goiás. No mesmo ano, AdolphoLutz e Astrogildo Machado fizeram partede uma importante expedição científi-ca e sanitarista de inspeção do vale doRio São Francisco.

A viagem deu origem ao relatório “Vi-agem pelo rio S. Francisco e por alguns deseus afluentes entre Pirapora e Juazeiro.Estudos feitos a requisição da Inspetoriadas Obras contra a Seca, direção do Dr.Arrojado Lisboa”. Esse estudo foi publi-cado em “Memórias do Instituto Oswal-do Cruz” (t.7, n.1, p.5-50, 18 pranchas).

Essa expedição é classificada por Jai-me Benchimol e Magali Romero Sá comouma “grande ofensiva científica e sanitá-ria”, que foi pautada pelos cientistas demaior reputação do Instituto OswaldoCruz na época. Deles partiram as orien-tações que guiaram os expedicionáriosnas coletas de material zoológico e nasobservações das doenças que encontra-ram no interior do País, principalmenteas dermatoses e a doença-de-Chagas.

O resultado desse empreendimentocientífico, que teve Adolpho Lutz comoum dos seus membros – devido à rique-za de dados e material iconográfico pro-duzido sobre as patologias brasileiras –,é comemorado até os dias atuais como “oprimeiro inventário moderno das condi-ções de saúde das populações rurais doBrasil”, afirmam os autores do livro.

Relatos históricosA coleção editada e organizada por

Jaime Benchimol e Magali Romero Sásobre Adolpho Lutz, além de um impor-tante registro sobre a medicina tropicalbrasileira, é capaz também de proporci-onar ao leitor uma visão histórico-geo-gráfica da difusão das doenças veteriná-rias e epidemiológicas que se desenvol-veram em diversas regiões do Brasil e deoutros países sul-americanos.

POR JOSÉ REINALDO MARQUES

Adolpho Lutz, o cientista quedescobriu as doenças de massa no Brasil

O Instituto Oswaldo Cruz edita em 21 volumes a obra do cientista pioneiro no diagnósticoe tratamento de febre amarela, varíola, peste bubônica, tifo, cólera, malária e tuberculose.

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Entre os anos de 1917-18, AdolphoLutz empenhou-se em campanhas paraestudar a esquistossomose percorrendono primeiro ano os Estados do RioGrande do Norte, Paraíba, Pernambu-co, Sergipe e Bahia. No ano seguinte,viajou pelo Rio Paraná até Assunção,voltando por Buenos Aires, Montevi-déu e Rio Grande do Sul.

Antes, em 1907, Adolpho Lutz via-jou a Belém a convite do Governo doPará para estudar uma moléstia queatacava cavalos e era conhecida vulgar-mente como “peste das cadeiras”. Oresultado desse trabalho foi publicadono mesmo ano no Dário Oficial do Es-tado do Pará, em 5 de dezembro. No anoseguinte, o estudo do cientista pôde serlido na Revista da Sociedade Scientíficade S. Paulo. Em 1908, foi divulgado pelaRevista Médica de S. Paulo.

A preocupação de Adolpho Lutz emcontextualizar os seus trabalhos comdados históricos fica evidente no textoem que relata a sua pesquisa: “Dou emseguida uma relação das observações edos estudos que tive ocasião de fazer noEstado do Pará... Principiarei o meu es-tudo com alguns dados históricos e geo-gráficos ... em Marajó, que é hoje consi-derada como foco principal da peste dascadeiras, essa epizootia não tem reinadosempre. Sabe-se que antes de 1828 os ca-valos em toda a ilha existiam em núme-ro enorme, o que claramente indica nãoter existido a peste naquela ocasião...”

A riqueza de detalhes dos relatóri-os de Adolpho Lutz é impressionante,e por isso são documentos que se apre-sentam como uma contribuição riquís-sima para o estudo da Medicina, daHistória, da Antropologia e da Geografiano Brasil no início do século XX. Tam-bém impressiona o estilo de narrativado texto, que se aproxima do literário,como comprova o registro da viagem aovale do rio São Francisco: “Quando seiniciou nossa viagem (este percurso elefez com o colega Astrogildo Machado),a estação da seca já estava bem estabe-lecida. Não houve chuvas durante todoo tempo da excursão, apenas uma ouduas exceções. Em conseqüência dissoas margens do rio tornaram-se cada vezmais áridas, até que, chegados a Juazei-ro, encontramos os arrabaldes comaspecto que lembrava o deserto, por es-tar toda a vegetação queimada pelo sole muitas árvores sem folhas.”

Em seguida o cientista entra em de-talhes sobre vida dos bichos da região:“...Na mesma proporção diminuiu avida dos insetos e outros pequenosanimais. Disso ressentiram-se as cole-ções, porque as zonas percorridas, emestação mais favorável, sem dúvida,teriam sido mais ricas, posto que setrate de região relativamente pobre.”

Eis porque a leitura das obras da co-leção Adolpho Lutz e a História da medi-cina tropical no Brasil torna-se funda-mental. Trata-se de um material vali-oso para os cientistas e que deve agra-dar também aos leigos, devido à manei-ra simples de comunicar de AdolphoLutz, com um texto agradável e de fá-cil compreensão que com certeza vai serapreciado também por quem não é daárea científica.

“Paula Brito foi o primeiro editordigno desse nome que houve entrenós.” A afirmação de Machado de As-sis não se deve a qualquer equívoco cro-nológico. A historiografia registra queo tipógrafo lusitano Isidoro da Fonse-ca trouxe o primeiro prelo para o País,ao Rio de Janeiro de 1747. Depois aImprensa Régia, em maio de 1808,passou a deter a exclusividade da im-pressão na Corte. Contra todas as pres-sões, Manuel Antônio da Silva, antigocomerciante de Lisboa, instalou umatipografia em Salvador, no ano de 1811.Já o francês Pierre René François Plan-cher de la Noé, com o título de “Impres-sor Real” em mãos, colocou a Consti-tuição do Império do Brasil no papel efundou o Jornal do Commercio.

Todos antecederam a Francisco dePaula Brito, mas nenhum contribuiutanto quanto ele para o crescimento daimprensa e o desenvolvimento da lite-ratura no Brasil. Rodando jornais epasquins em suas oficinas tipográficase promovendo talentos e discussõessobre literatura, ele se tornou o primei-ro empresário negro do País e iniciouo moderno movimento editorial bra-sileiro. Agora, no bicentenário de seunascimento, a obra de Paula Brito vol-ta a ser discutida e o editor ganha ex-posição de parte suas obras em SãoPaulo.

Essa “redescoberta” de Paula Britonão apenas repara uma injustiça qua-se histórica. Também traz importanteselementos para se entender os cami-nhos percorridos pelo mundo das letrasimpressas no Brasil. Isso porque eledeixou marcas onde atuou, seja comseus jornais, seja com as obras que tra-duziu ou patrocinou ou mesmo comoprecursor que foi do conto nacional:

– Quem olhava para ele o via comosonhador. Afinal, o mercado e o núme-ro de leitores por aqui era pequeno.Mesmo assim, ele apostou. E venceu.Era um homem à frente de seu tempo.Não à toa, é reconhecido como pai daimprensa libertária – analisa o jorna-lista e escritor Oswaldo de Camargo,pesquisador da obra do editor.

Francisco de Paula Brito nasceu noRio de Janeiro em 2 de dezembro de1809. Filho do carpinteiro Jacinto An-tunes Duarte e de Maria JoaquinaConceição Brito, enfrentou desde cedo

MEMÓRIA

200 anos do nossoprimeiro grande editor

Exposição relembra a trajetória de Francisco de Paula Brito,o empreendedor que se transformou no precursor da imprensa

e do mercado literário no Brasil e que teve entre seus aprendizesum rapazinho chamado Joaquim Maria Machado de Assis.

POR MARCOS STEFANO

as dificuldades peculiares à grandeparte da população pobre. Assim, aban-donou ainda na adolescência os estu-dos para se tornar um “operário dastintas”, dedicando-se ao trabalho deaprendiz na Tipografia Nacional. Com-pensou a falta de instrução formal commuita visão de mercado e um notávelsenso de oportunidade. Sem falar notalento que possuía para escrever.Dessa forma, em 1827 foi contratado

pelo Jornal do Commercio como compo-sitor tipográfico; quatro anos depois,tornou-se dono de seu próprio negócio,ao adquirir a loja de encadernação delivros de um primo.

Em pouco tempo a “Tipografia Flu-minense de Brito & Cia” passou a serlocal de agitação e ponto de encontrode políticos e intelectuais. Mais do queum simples impressor, sua loja era umaverdadeira fábrica de pasquins, já que

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muita gente recorria a seu trabalhopara ter os seus jornais impressos.Contrariando interesses, Paula Britomantinha em sigilo os nomes dos au-tores das folhas de diversas tendênci-as, assumindo o risco de ser punido pelalegislação que controlava a liberdadeque tinha a imprensa.

Mas não foi apenas dessa forma queo editor se destacou como promotor dacidadania e da liberdade de manifesta-ção. Em 1832, ele redige e publica AMulher do Simplício ou A FluminenseExaltada, jornal que busca, de formapioneira, atrair o público feminino.Em seguida, no mês de setembro de1833, lança o periódico O Homem deCor, que depois passa a ser chama-do O Mulato ou O Homem de Cor.Apesar de ter durado apenas doismeses, a publicação abria espaçopela primeira vez para o negro epara as questões raciais na im-prensa brasileira. Muito antesdo movimento abolicionista,Paula Brito surge como críti-co da escravidão e defensorda igualdade racial. Com eleinicia-se a imprensa negra e libertáriano Brasil.

É curioso como a sociedade recebiao sucesso de um homem reconhecida-mente mulato. Em um tempo no quala cor da pele era fator decisivo para sedar bem, não foram poucas as tentati-vas de “embranquecer” Paula Brito.Descrições como a de Melo MoraisFilho, no livro Artistas do Meu Tempo,publicado em 1905, eram a coisa maiscomum da época: “De estatura medi-ana, de musculatura sem relevo, de cortisnada como um califa dos contosárabes, o caráter dominante de sua fi-sionomia e do seu talento era umamistura de bondade e delicadeza fun-didas em modéstia que se poderia con-fundir com humildade”.

– É realmente interessante como sepretendia fazer uma redenção epidér-mica ao chamar um mulato notável,que aparecia em um retrato, ao lado dotexto, num “califa de cor tisnada”. Pros-perar era impossível para quem tives-se a pele escura. Para justificar esseconceito, fizeram a mesma coisa comFrancisco Otaviano, Carlos Gomes,Machado de Assis e Chiquinha Gonza-ga – lembra Oswaldo Camargo.

Cenáculo do romantismoO preconceito não conseguiu impe-

dir que Paula Brito se tornasse o livrei-ro preferido da elite intelectual do Riode Janeiro e o principal editor da épo-ca. Nos anos 40 e 50, sua loja se trans-formaria em um verdadeiro “cenácu-lo”, onde se reuniam os principais no-mes do movimento romântico: os po-etas Gonçalves Dias, Casimiro deAbreu, Araújo Porto-Alegre e Laurin-

Quando faleceu, dia 15 de dezembro de1861, estiveram presentes figuras im-portantes, artistas, políticos e escrito-res. Mas também uma multidão dehumildes operários. Eunice RibeiroGondim, na biografia que faz do edi-tor, fala que o enterro teve um dosmaiores acompanhamentos já vistosno Rio, com mais de 200 carros no cor-tejo – afirma o estudioso OswaldoCamargo.

Camargo é um dos conselheiros daexposição Francisco de Paula Brito – 200Anos do Primeiro Editor Brasileiro, quefica em cartaz até o começo de maio noMuseu Afro Brasil, no Parque Ibirapu-era, em São Paulo. Fruto de uma par-ceria do Museu, da Imprensa Oficial doEstado de São Paulo, do Governo doEstado e da Prefeitura do Município deSão Paulo, a mostra reúne 199 obrasproduzidas nas oficinas do históricoeditor, entre elas 37 volumes raros daColeção Brasiliana, que pertence à Bi-blioteca Guita e José Mindlin. Mais doque admirar um belo acervo, o públi-co consegue vivenciar o clima do Riode Janeiro de Paula Brito por causa depainéis, reproduções de capas de jor-nais, imagens do cotidiano da cidadee até de prensas antigas, como umacentenária Krause alemã, usada paratrabalhos de litografia em produçõeseditoriais.

Sem esse mundo e sem Paula Brito,provavelmente, a imprensa e a litera-tura no Brasil não seriam as mesmas.Certa vez, esse tipógrafo, litógrafo,editor, jornalista, tradutor, poeta, con-tista e teatrólogo disse: “A eternidadedepende das obras úteis: se ele as fez,quaisquer que elas sejam, mas de quese aproveitem os presentes e os vindou-ros, esse homem vive na glória”.

Uma realidade para ele mesmo euma lição que o jornalismo do séculoXXI precisa reaprender.

do Rabelo; os romancistas JoaquimManuel de Macedo e Manuel Antôniode Almeida; o compositor FranciscoManuel da Silva, autor da música dohino nacional brasileiro, com quemPaula Brito faria a canção A Marrequi-nha de Iaiá. Ainda estavam semprepresentes os políticos, personalidadescomo os Ministros Eusébio de Queiróse José Maria da Silva Paranhos, o Ba-rão do Rio Branco, e o poeta e SenadorFrancisco Otaviano. Claro, tambémhavia os homens de imprensa, como Jo-

aquim SaldanhaMarinho e Firmino Rodrigues. Era a So-ciedade Petalógica, uma associação li-terária, artística e humorística.

Com tal movimento, Paula Britoinaugurava uma tradição: casas edito-riais seriam pontos de encontro e deincentivo à produção literária ao lon-go dos anos. Depois de sua tipografia,viria a paulistana Casa Garraux, nadécada de 1870, a Livraria de B. L. Gar-nier, durante os anos de 1860 e 70, aLivraria Francisco Alves, no final doséculo XIX, e a Livraria José OlympioEditora, já em 1930.

Paula Brito aproveitava toda essaefervescência para lançar livros e pro-mover novos autores. Ao todo ele lan-çou 372 publicações – 214 obras de fic-ção, 100 “dramas”, 43 óperas, 47 tra-duções do italiano e do francês e 24 edi-ções de autores brasileiros. Mesmo comuma literatura incipiente, Paula Britoapostou em novos talentos nacionais.Diferentemente do que era comum en-tão, o autor pagar para ter sua obrapublicada, era Paula Brito que pagavaao escritor. Dessa forma, publicou o pri-meiro romance brasileiro, O Filho doPescador, de Teixeira e Souza, em 1843;as poesias dos Últimos Cantos, de Gon-çalves Dias, em 1851; e as primeiraspeças de teatro essencialmente brasi-leiras, Antônio José ou O Poeta e a Inqui-sição e A Confederação dos Tamoios, deGonçalves de Magalhães, em 1857.

Enquanto a maioria preferia concen-trar suas publicações em administra-ção, política e negócios, Paula Brito di-rigia-se ao leitor comum. Admiradocom o investimento que o editor fazia

em novos autores, o próprio Dom Pe-dro II se tornaria acionista de sua novatipografia, a Dois de Dezembro, inau-gurada em 1850. Antes estigmatizadoscomo “coisa diabólica”, os livros come-çam a ser apreciados por grande parteda população.

Paula Brito também escrevia. Porém,preferia textos mais curtos, como con-tos e novelas, que começa a publicar apartir de 1839. Outro recurso que co-meça a usar e aproveita com maestriaé publicar sua produção nos jornais. É

assim que alcança grande po-pularidade com O Enjeitado,A Mãe-Irmã e um bom núme-ro de obras traduzidas. Foinas oficinas que rodavam seujornal, A Marmota Fluminen-se, que o editor ainda abririaas portas para um jovem ta-lento da literatura brasileira,que na época tinha poucomais de 20 anos: Machadode Assis. Primeiro, apren-dendo o ofício de tipógrafo.Depois, em janeiro de 1855,publicando seus primeirosversos, e no melhor estilo ro-mântico do período, no jor-

nal de Paula Brito. Durante anos, Ma-chado seria um constante colaborador,não apenas em verso, mas também emprosa, escrevendo para os jornais e re-vistas e publicando livros nos prelos doagora veterano editor.

– É surpreendente que Paula Britotenha conseguido fazer tanto com tãopoucos recursos. Com poucosmomentos de exceção, traba-lhou sempre no limite, colocan-do a paixão pela literatura acimade interesses menores. Não ad-mira que fosse tão querido. Publicado por Paula Brito em 1959,

As Primaveras, de Casimiro de Abreu, éum dos 37 volumes raros da ColeçãoBrasiliana, que pertence à Biblioteca

Guita e José Mindlin, expostos na mostra,juntamente com a centenária prensa

Krause alemã, usada para trabalhos delitografia em produções editoriais.

MARC

OS STEFAN

OMEMÓRIA 200 ANOS DO NOSSO PRIMEIRO GRANDE EDITOR

43Jornal da ABI 351 Fevereiro de 2010

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Empresário e, antes de tudo, umapaixonado pelos livros. Esse é operfil do acadêmico e bibliófilo JoséMindlin, que faleceu na manhã dodia 28 de fevereiro, em São Paulo,aos 95 anos. O corpo foi velado noHospital Albert Einstein, e sepulta-do às 15h no Cemitério Israelita daVila Mariana. Quinto ocupante dacadeira número 29 da AcademiaBrasileira de Letras-ABL, Mindlinfoi eleito no dia 20 de junho de 2006,como sucessor de Josué Montello,e recebido em 10 de outubro domesmo ano, por Alberto da Costae Silva. Assim que foi informado damorte do colega, o Presidente daCasa de Machado de Assis, MarcosVilaça, salientou a importância deMindlin no cenário intelectual.

POR CLAUDIA SOUZA E PAULO CHICO

JoséMindlin

Membro da Academia Brasileira de Letras, empresárioe bibliófilo, José Mindlin doou à Universidade de São Paulo

as 40 mil obras de sua valiosa biblioteca particular, que ele começou a colecionar aos 13 anos de idade.

O GUARDIÃO DOS LIVROS

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JoséMindlin

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44 Jornal da ABI 351 Fevereiro de 2010

VidasVidas

“Mindlin era um emblema do livro.Eu tinha com ele uma relação orgâni-ca. Lembro com saudade o dia em queestivemos juntos, com Evanildo Becha-ra, na inauguração do Museu da Lín-gua Portuguesa, em São Paulo, e eu lhefiz o convite para ingressar na Acade-mia. Vamos sentir muito a sua falta”,disse Vilaça, que, em sinal de impactoda perda, mandou que a bandeira daABL fosse hasteada a meio mastro e seguardasse luto por três dias.

O acadêmico Alberto da Costa e Sil-va descreveu Mindlin como “um dessesfenômenos quase inexplicáveis”: “Tinhaa personalidade forte, carinhosa, era umamigo exemplar e que deixa uma obrafora do comum numa das bibliotecas dasmais ricas que formou ao longo de suavida. Tive a honra de ser amigo dele pormais de 40 anos. Sei como ele amava oslivros, como vivia para os livros”.

José Ephim Mindlin nasceu em SãoPaulo, no dia 8 de setembro de 1914.Formou-se em Direito em 1936 pelaFaculdade de Direito da Universidadede São Paulo. Foi redator de 1930 a 1934de O Estado de S. Paulo, no qual ingres-sou com apenas 15 anos. Advogou até1950, quando foi um dos fundadorese Presidente da Metal Leve S/A, empre-sa pioneira em pesquisa e desenvolvi-mento tecnológico de pistões e bron-zinas para os setores automobilísticoe aeronáutico. Fundada em 1949, quaseuma década antes que o primeiro au-tomóvel fosse montado no ABC pau-lista, antes mesmo do processo de in-dustrialização patrocinado pelo Gover-no do Presidente Juscelino Kubitschek,a empresa tornou-se uma das rarasilhas de excelência do mundo corpora-tivo no Brasil, dominando por décadaso mercado de autopeças.

Um leitor vorazTrajetória empresarial de sucesso à

parte, foi o aspecto intelectual que maistrouxe admiração pública à figura deJosé Mindlin. Leitor voraz, coleciona-dor inspirado, destacava-se pela atitu-de de intelectual militante, identifica-do com as grandes causas nacionais.Esse foi o foco destacado pelo Presiden-te Luiz Inácio Lula da Silva na notaoficial de pesar divulgada pela mortedo acadêmico.

“Foi com muita tristeza que recebi anotícia da morte do meu amigo JoséMindlin. Ele foi um grande brasileiro emotivo de orgulho para todos nós. Como seu imenso amor à cultura, sua defe-sa da liberdade e conduta empresarial,prestou serviços extraordinários ao País.E, apesar da idade, tinha forças e dispo-sição para contribuir com o progressonacional. Os meus sinceros sentimen-tos aos familiares, amigos e admirado-res de José Mindlin”, afirmava a decla-ração da Presidência da República.

A generosidade era traço marcante dapersonalidade do intelectual que emjunho de 2009 doou à Universidade deSão Paulo os 40 mil volumes de sua bi-blioteca, a maior coleção particular delivros do País, dando origem à Bibliote-

oso, montado a partir de uma estruturadiferenciada com livros especializadosde tiragens limitadas”.

O começo, aos 13 anosMindlin iniciou sua rica coleção de

livros aos 13 anos, quando comprou emum sebo um exemplar de Discurso so-bre a História Universal, de Jacques Bos-suet, numa edição portuguesa de 1740.No ano seguinte, ganhou de uma tia olivro História do Brasil, de Frei Vicentedo Salvador .

Em entrevista ao Jornal do ColégioBandeirantes-Jornal do Ban, aos 89 anos,Mindlin falou sobre a paixão pelos li-vros, despertada ainda na infância:

“O Brasil era muito diferente na mi-nha infância, não havia tantas opções.Eu tive a chance de estudar francês, queficou sendo minha segunda língua. Pri-

meiro, claro, a lite-ratura infantil. Euera leitor de O Tico-Tico, que formoudiversas gerações.Havia os livros daCondessa de Ségur.Quando MonteiroLobato surgiu, eujá era mais cresci-do. Então comeceia freqüentar sebos,o que também éum hábito muitosalutar, porque nospõe em contatocom coisas de ou-tras épocas. E já aos13 anos meu inte-resse por ediçõesantigas começou,quando vi uma edi-

ca Brasiliana Guita e José Mindlin, a qualtem o nome também de sua esposa,falecida em 25 de junho de 2006.

“Ele tinha uma coleção enorme etambém inúmeras primeiras edições delivros importantes, como Os Lusíadas.É algo que não tem preço. Mindlin nãoviveu nunca do modo como costumamviver os empresários. Ele tinha umacasa simples. Com a mulher, viveu jun-tando livros e trabalhando para preser-vá-los”, disse o Reitor da Usp, JoãoGrandino Rodas, adiantando que den-tro de um ano a universidade deveinaugurar a biblioteca onde ficará acoleção recebida como doação, quereúne preciosidades como manuscritosoriginais de Guimarães Rosa.

Também o ex-Vice Presidente e Se-nador Marco Maciel (Dem-PE), colegade Mindlin na Academia Brasileira deLetras, exaltou asignificação da do-ação da bibliotecaà Usp;. “Não foisem razão que Cel-so Lafer, Ministrodas Relações Exte-riores de FernandoHenrique Cardo-so, disse que Min-dlin deixa legadosem muitos campose que o maior delesfoi a doação da bi-blioteca com 38mil títulos, umadas mais comple-tas do Brasil, àUniversidade deSão Paulo. Esseacervo é extrema-mente rico e preci-

ção francesa impressa em Coimbra em1740, se não me engano, e fiquei fasci-nado. Mais tarde aprendi que o signifi-cado do livro é muito relativo.Há mui-to livro antigo que não vale nada e muitolivro moderno que é excelente.”

“Aos 15 anos lembro que compreium livro de poesias de Machado deAssis, com dedicatória autógrafa dele.Essas coisas são apaixonantes e vãocriando o requinte da bibliofilia. Apren-di o valor das primeiras edições, masaprendi também que em alguns casosa primeira edição pode não ser a maisimportante, como em O Guarani, deJosé de Alencar. E o gosto vai assim setornando uma compulsão. Eu brincodizendo que no meu amor aos livros háum conteúdo patológico, mas é umapatologia que faz sentir bem. E temoutra particularidade importante: éincurável. Eu procuro, nos muitos con-tatos que tenho com a mocidade, ino-cular o vírus do amor aos livros, por-que uma vez inoculado está resolvido– a pessoa não se livra mais.”

Oito décadas após o primeiro con-tato com a literatura, Mindlin reuniuum conjunto de livros e manuscritosde cerca de 40 mil volumes, entre obrasde literatura brasileira e portuguesa,relatos de viajantes, manuscritos his-tóricos e literários (originais e provastipográficas), periódicos, livros cientí-ficos e didáticos, iconografia (estampase álbuns ilustrados) e livros de artistas(gravuras). Entre as raridades, as pri-meiras edições de Os Lusíadas e de OGuarany, de José de Alencar, e originaisde obras como Olhai os Lírios do Cam-po, de Érico Veríssimo.

“Mindlin era o símbolo do livro. Eucostumava dizer que ele era o ‘homem-

Leitura obrigatória na infância de JoséMindlin, O Tico-Tico era uma publicação

semanal para crianças e adolescentes.

Mindlin procurava inocular na mocidade o vírus do amor aos livros, de que, depois de inoculado, a pessoa não se livra mais.

45Jornal da ABI 351 Fevereiro de 2010

Havia uma grande conspiração em andamento, invisível para amaioria dos brasileiros. Ela avançava como uma sombra, armadapara dizimar os inimigos desarmados.

Nos porões do Doi-Codi e do Dops, agentes do II Exército, sob ainfluência direta do General Sílvio Frota, comandavam a repressão.Naqueles anos marcados pela Guerra Fria, os radicais das Forças Ar-madas se opunham ao projeto de abertura política que estava sen-do desenvolvido pelo Presidente Geisel e pelo General Golbery, queeles consideravam “frouxos” e incapazes de combater a “subversão”.

Depois de dizimar as organizações da esquerda mais radical, pro-curavam demonstrar que os “agentes subversivos” ainda ameaça-vam o regime. Com esta finalidade, diziam que até mesmo o Go-verno estava infiltrado. E criavam fatos capazes de deter o processode abertura.

Alguns jornalistas (eu entre eles) presos no Doi-Codi ouviramuma palestra delirante do Comandante, que nos garantia: “A má-quina do Governo está cheia de agentes infiltrados do serviço se-creto soviético”.

Naqueles porões sombrios, eles torturaram e mataram o jorna-lista Vladimir Herzog, que chefiava o jornalismo da TV Cultura,subordinada ao então Secretário de Cultura de São Paulo, José Min-dlin. Pretendiam intimidar e derrubar o Secretário, para, atravésdele, atingir o Governador Paulo Egídio Martins. Por quê? Porquegolpeando o Governador isolavam e enfraqueciam o PresidenteGeisel, muito ligado a Paulo Egídio. Mas esbarraram na resistên-cia de grande parte da população, revoltada com o assassinato deHerzog. Ali, mudou o sentido das águas do nosso rio.

Naquele momento, naqueles dias tensos, José Mindlin mostrou suacoragem, sua grandeza. Resistiu às ameaças, solidário com o Gover-nador, com o Presidente e com o processo de abertura. Mindlin sim-bolizava a dignidade, o compromisso maior com a volta da democra-cia. O processo político, apoiado em homens como ele, avançou.

Sílvio Frota ainda tentou dar um golpe, mas fracassou e foi de-mitido, em Brasília. Aos poucos, o País reconquistou a liberdade.Entre outras lembranças relevantes, a História registra a batalha,a discreta batalha travada por José Midnlin. É preciso não esque-cer, porque “somos nossa memória”, como disse Jorge Luís Borges.E Mindlin faz parte da nossa memória, e, portanto, da nossa alma.

livro’. Nós perdemos um grande ho-mem”, disse em entrevista ao Site daABI José Sales Neto, fundador em 1995da Confraria dos Bibliófilos do Brasil.

Exemplos, e não conselhoAo longo de sua trajetória, Mind-

lin escreveu Uma Vida Entre Livros: Re-encontros com o Tempo (1997), Memó-rias Esparsas de uma Biblioteca (2004),Destaques da Biblioteca InDisciplinadade Guita e José Mindlin (2006). No pri-meiro, narra com detalhes o amor pelaliteratura e incentiva a formação dohábito ainda na infância.

“Para quem começar a ler agora, nãovou dar conselho, nem dizer o que deveser feito, mas posso contar o que eu fiz:eu li autores brasileiros. Quem estácomeçando pode ler, por exemplo, con-tos de Machado de Assis ou Menino deEngenho, de José Lins do Rego. Textosmais dfiíceis, creio, deve-se deixar paramais tarde, quando o hábito já for cor-rente. Tudo depende dos pais também,se eles lêem ou não, porque assim po-dem orientar a criança”, disse Mindlinao Jornal do Ban.

Entre seus autores preferidos Min-dlin listava Balzac, Tólstoi, Cervantes,Sterne e Virginia Woolf, mas ressaltan-do, porém, que o leitor deve se guiarsempre pelo prazer.

HonrariasMindlin integrou o Conselho Naci-

onal de Ciência e Tecnologia-CNPq, oInstituto de Pesquisa Tecnológica, aComissão Nacional de Tecnologia daPresidência da República e o ConselhoSuperior da Fundação de Apoio à Pes-quisa do Estado de São Paulo-Fapesp de1973 a 1974 e de 1975 a 1976. Diretordo Conselho de Tecnologia da Federa-ção das Indústrias do Estado de SãoPaulo-Fiesp, foi Secretário de Cultura,Ciência e Tecnologia do Estado, cargoem que estruturou a carreira de pesqui-sador. Foi membro colaborador da Aca-demia Brasileira de Ciências, além departicipar do Conselho de vários mu-seus, como os de Arte Sacra de SãoPaulo, de Arte Moderna do Rio e de SãoPaulo e Lasar Segall, também em SãoPaulo. Foi também membro honoráriodo Conselho Internacional do Museude Arte Moderna de Nova York.

Seu currículo inclui ainda o título deProfessor Honorário da Escola de Ad-ministração de Empresas de SP, daFundação Getúlio Vargas, e a titulaçãode Doutor Honoris Causa em univer-sidades como a Brown University, deProvidence, nos Estados Unidos, UnB,Universidade da Bahia, Universidadede Tocantins e Usp. Foi membro hono-rário do Instituto Histórico e Geográ-fico Brasileiro-IHGB.

No campo empresarial, foi Vice-Pre-sidente da Federação das Indústrias doEstado de São Paulo-Fiesp, membro doConselho Internacional da Fiat, doConselho Internacional do Unibancoe do Conselho do Banco de Montreal.

Mindlin recebeu inúmeras premia-ções, entre as quais, em 2003, o Prêmio

Unesco na categoria Cultura; a Meda-lha do Conhecimento, concedida peloMinistério do Desenvolvimento, In-dústria e Comércio Exterior; o PrêmioJoão Ribeiro da Academia Brasileira deLetras; em 1998, o Prêmio Juca Patocomo Intelectual do Ano.

Sem alegria, nada“Com Mindlin desapareceu um dos

maiores amigos do livro no Brasil. Eletem o título muito honroso de ‘guar-dião dos livros’, tinha um amor totalpor eles, pois havia sido infectado pelovírus dos livros impressos que ele amouperdidamente durante seus 95 anos.Foi sobretudo um acadêmico correto,dedicado e capaz, que vinha todas assemanas de São Paulo para as nossasreuniões às quintas-feiras. Nós, seuscolegas, desconfiávamos de que apósa morte de sua querida mulher, Guita,ele começou a morrer um pouco, por-que era imenso o amor entre os dois.Ele costumava confessar que sem elaa sua biblioteca não conseguiria orga-nizar-se”, disse ao Site da ABI o jorna-lista e acadêmico Murilo Melo Filho.

Colega de Mindlin na Academia Bra-sileira de Letras e Presidente do Centrode Integração Empresa-Escola do Rio deJaneiro-Ciee-Rio, Arnaldo Niskier re-corda-se dos primeiros contatos queteve com o empresário e bibliófilo.

“Conheci-o mais de perto quandoele aceitou, em 1999, integrar um se-minário realizado na Academia, com osugestivo tema Contribuição dos judeusao desenvolvimento brasileiro. Descen-dente de imigrantes vindos da Ucrânia,Mindlin, de origem humilde, comotantos outros em idêntica situação,realizou-se plenamente na vida, che-gando a se formar em Direito e exercen-do igualmente atividades empresariaise jornalísticas bem-sucedidas. Na suaexistência, teve sempre o incentivo desua amada esposa Guita, com quemteve quatro filhos”, conta ele, que des-taca o perfil combativo do amigo:

“Mindlin foi um homem de convic-ções determinadas. No episódio da mortedo jornalista Vladimir Herzog pelosmilitares, em 1975, teve exemplar atu-ação de protesto contra a ignomínia deque ele fora vítima. Perdemos um gran-de acadêmico, que esteve tantas vezesconosco, na Casa de Machado de Assis,que ele freqüentou com devoção atéquase os seus últimos dias, aos 95 anos.Valorizou sempre a máxima do seu ex-libris: ‘Não faço nada sem alegria’. De-vemos saudar na sua biografia o execu-tivo, o homem público, pois foi Secretáriode Cultura do Estado de São Paulo, e ohomem de cultura, com uma paixãoassumida por livros que fazem a nossaHistória. Vamos sentir falta do maior‘guardião’ de livros do Brasil, como elese intitulava. Se nada fez sem alegria nasua extensa vida, é com tristeza e saudadeque registramos o seu falecimento.”

O projeto da UspO Reitor João Grandino Rodas apon-

tou Mindlin como “um exemplo mul-

tifacetário de brasileiro, intelectual pri-moroso preocupado não unicamentecom o seu próprio aperfeiçoamento,mas também com a disseminação dacultura entre os seus concidadãos”:“Empresário de visão e de sucesso, ob-teve respeito nacional e internacional.Democrata intransigente e firme, massem radicalismos. Sua virtude principal,porém, foi cultivar a bonomia, a simpli-cidade e a abertura para com o próximo.Isso fez dele uma pessoa ímpar, queencantava os que dele se aproximavam”.

Informou o Reitor que um prédio de20 mil metros quadrados está sendoconstruído na Cidade Universitária, naZona Oeste da cidade de São Paulo, paraabrigar a Biblioteca Brasiliana Usp. Oprojeto acadêmico deverá reunir a Bra-siliana Digital, que vai disponibilizar emformato digital o acervo de Mindlin e

outros acervos da Usp; o Centro GuitaMindlin, de conservação e restauraçãode livro e papel; o Centro de Estudos doLivro, dedicado à História e estudo daimprensa, do livro e das práticas de lei-tura. Disse o Reitor:

“Para a comunidade uspiana, alémde valiosissima Biblioteca Brasiliana,Mindlin deixou o mandato de juntartradição e modernidade: restaurar eguardar os livros, digitalizando-os parapermitir acesso a todos. O maior mo-numento à sua memória será, paulati-namente, digitalizar todo o acervo bi-bliográfico e documental da Usp, pas-sível de sê-lo, para maximizar a pesqui-sa, coibir o plágio e, mesmo, para omero deleite intelectual.”

Colaborou Daiana Castro, estagiária da Diretoria deJornalismo da ABI.

Mindlin, nossa memóriaPOR RODOLFO KONDER

Jornalista e escritor, Rodolfo Konder é membro do Conselho Deliberativo da ABI e Diretor da Representaçãoda ABI em São Paulo.

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VidasVidas

O dia 9 de fevereirocolocou fim à rica trajetóriaprofissional de AntônioCastigliola. Repórter dasucursal carioca da Folha deS. Paulo e do Jornal doCommercio, assinou matériasobre o Projeto Rio,idealizado pelo entãoMinistro do Interior, MárioAndreazza, na área queatualmente é conhecidacomo Complexo da Maré,uma das maiores e maisviolentas comunidades doRio. Repórter de perfilcombativo, deixou a grandeimprensa para se dedicar aojornalismo independente esem submissão a qualquerinteresse político oucomercial.

Foi nesse impulso deindependência que criou ojornal Folha da Praia – noformato de uma folha dejornal impressa nos doislados – com a propostaeditorial de abordar questõespalpitantes e de interesse dapopulação da Zona Sulcarioca, onde o veículocirculava. Manteve apublicação com dificuldadespor vários anos, até serobrigado a interromper a suacirculação. Nos últimostempos, imaginava mudar-separa a Itália, onde pretendiaconseguir a cidadaniaitaliana, por causa da origemda sua mãe.

Castigliola sofreu fortedepressão causada pelamorte da mãe, com quemvivia. Atormentado pelaperda, deixou de sealimentar regularmente eteve enfraquecimento geraldo organismo, que culminoucom um processo dedesidratação. Internado noHospital Miguel Couto,faleceu por falência múltiplade órgãos. Foi sepultado nodia 10 de fevereiro, noCemitério São Francisco dePaula, no Catumbi.

Há 35 anos ele era sócioda ABI, na qual ingressouem 7 de outubro de 1975,por proposta subscrita pelojornalista Armando FerreiraPeixoto, então 1º Tesoureiroda Casa.

Algumas lembranças fortes ficaramme perseguindo no dia em que morreumeu amigo Pedro França Pinto. Duasdelas têm a ver com morte. A outra, quena verdade é mais de um período quede um momento, é gostosa, prazerosa,agradável.

Fiquei lembrando do dia em quemorreu o pai dele. O velório foi na Be-neficência Portuguesa, e o enterro, noCemitério da Consolação, lá pela me-tade do dia. Eu estava perto dele quan-do chegamos ao cemitério, um dos maisantigos da cidade, onde estão dezenasde pessoas que são nomes de ruas. Pe-dro apontou para umas pessoas quetrabalhavam perto do jazigo e disseuma frase assim:

“Olha lá: estão tirando um PedroFrança para poder botar outro.”

A outra lembrança é um tanto en-fumaçada. Foi o dia em que morreu Re-gina Lemos. Mary, Fernanda e eu está-vamos, por mero acaso, recebendo na-quele dia a visita da minha sogra, DonaLúcia. Dois amigos, colegas, vieramficar comigo: Elói Gertel e Pedro Fran-ça. Chegaram depois do trabalho, játarde, e ficaram do meu lado, me apoi-ando, me dando força, me dando umombro. Jamais seria capaz de agrade-cer a eles como deveria.

O período que me dáprazer relembrar foiaquele em que nos en-contrávamos muito noGuarujá, em meadosdos anos 80; eu tinhacomprado um aparta-mentinho no Tortuga, eíamos bastante para lá,Regina, eu e as meninas,Fernanda e Inês. Pedropassava todas as suasfolgas no Guarujá, e en-tão sempre que íamosnos encontrávamos.

Naquela época, esta-va reformando a casa daavó, no Jardim Virgínia.

Pedro era um eternoreformador de casas, deapartamentos. EstudouHistória, virou jornalista, foi um bomjornalista, mas acho que a rigor aquilode que mais gostava na vida era refor-mar construções. Não saberia contabi-lizar quantas casas ele reformou na vida.

Reformava casas com o cuidado deourives de um Dorival Caymmi, de um

POR SÉRGIO VAZ

trar um caminho, um nicho, para po-der ser reconhecido. Me repetiu isso aolongo de décadas, como um mantra:procure se especializar, fazer seu nome.Nunca me especializei, nunca fiz meunome – assim como ele sempre passoulonge, na prática, do que ele teorica-mente achava que devíamos fazer.

Uma vez perdi a calma e quase a ra-zão por causa dele. Um colega de tra-balho falou mal dele dentro da minhacasa. Botei-o pra fora com berros de quesó bêbado é capaz, do tipo:

“Ele é meu amigo, ele é uma excelen-te pessoa, um excelente profissional, ena minha casa ninguém fala mal dele”.

Tão firme nos ódiosquanto nas devoções

Era, ele próprio, dado a ódios. Umlord inglês, a educação, a fineza, a ele-gância em pessoa, tinha um lado emo-cional que não podia ser contido, e àsvezes espalhava merda a seu redor.

Tão firme nos ódios quanto na de-voção aos amigos, defendia-os comtodas as armas possíveis e imagináveis.

Trabalhamos juntos durante décadasnuma empresa, a S.A. O Estado de S.Paulo, que era ao mesmo tempo um por-to seguro e um campo minado. De umaestranha maneira, Pedro e eu – tão ab-solutamente diferentes em quase tudo,um quatrocentão paulistano e um po-bre mineiro migrante – tínhamos umaestranha semelhança. Fomos capazesde, cada um de seu jeito, cada um comseu estilo, nos mantermos amigos detodos os diferentes lados em luta. Ami-gos, no caso dele – ou, no meu caso, pelomenos merecedor de algum respeito.

Pedro França Pinto,fino e chique

Na hora da dor de perder um amigo querido, escreve-se.E adia-se um pouco a dor.

Paul Simon. Levava anos em cada re-forma. Acho que, na verdade, não que-ria nunca terminar uma reforma: seugrande prazer era o caminho, não oponto de chegada. Era mexer, remexer,elaborar, ter uma idéia, comprar umadeterminada peça, escolher um lugarpara ela – e às vezes se arrepender, des-fazer o que estava feito, começar denovo, tentar de novo.

Acho que era isto: ele gostava era docaminho, não do ponto de chegada.Bem-aventurados os seres que sentemprazer no caminho, que não passam avida a pensar no dia de amanhã.

Um ourives jamaissatisfeito com sua obra

Ao nos visitar no apartamentinhodo Tortuga que caberia em um décimoda casa que reformava no Jardim Vir-gínia, uma vez me elogiou porque eutinha um filtro, desses antigos, de vela.

“Pô, Servaz, eu tô mexendo em tudomas ainda compro água mineral. Vocêjá tem um filtro!”

Jamais estava satisfeito com suaobra. Uma vez, no início dos anos 2000,recebeu um grupo pequeno de amigosda Agência Estado em seu recém-refor-mado apartamento da Praça AmadeuAmaral; o lugar estava absolutamen-te imaculado, mas ele já via uns peque-

nos problemas, aqui eali, que queria atacarde novo.

Uma década antes,em visita a Florianópo-lis, carreguei toda afamília de Mary até apizzaria que ele haviacomprado na região deSambaqui. Era um pré-dio antigo, em regiãonobre, dessas protegi-das pelos conselhos dopatrimônio, e ele esta-va em meio a uma gi-gantesca reforma. Bo-tava a rigor tudo abai-xo, para começar dozero. Brincávamos, nós,os amigos dele, que naépoca ele bebeu todo oFGTS; estávamos erra-

dos – ele torrou o FGTS dele numa re-forma.

Foi meu maior incentivador quan-do comecei a perpetrar “críticas” sobrempb, no tempo em que Sandro Vaiaeditava a Variedades do Jornal da Tar-de. Dizia que a gente tinha que encon-

Castigliola, oinsubmisso

“ELE GOSTAVA ERA

DO CAMINHO, NÃO

DO PONTO DE

CHEGADA. BEM-AVENTURADOS OS

SERES QUE SENTEM

PRAZER NO

CAMINHO, QUE NÃO

PASSAM A VIDA APENSAR NO DIA DE

AMANHÃ.”

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47Jornal da ABI 351 Fevereiro de 2010

A TV Record perdeu seu mais anti-go colaborador no dia 15 de fevereiro.Morreu aos 91 anos Murilo AntunesAlves, que nos últimos tempos traba-lhava como Editor-Chefe da emissora.Sua história profissional no grupo teveinício em 1º de maio de 1947, quandofoi contratado pela Rádio Record – aemissora de tv, naquela época, sequerexistia. Mas Murilo foi logo requisitadopara fazer parte da equipe que colocoua TV Record no ar, em 27 de setembrode 1953. Como jornalista, fez cobertu-ras internacionais, apresentou progra-mas e foi autor de reportagens que otornaram uma lenda do jornalismo. Ocorpo foi sepultado no dia 16, em suacidade natal, Itapetininga, SP, ondenasceu em 1919.

Murilo teve atuação também fora dojornalismo. Formou-se na Faculdade deDireito do Largo São Francisco em1943. Teve escritório próprio de advo-cacia até 1961, em Brasília, especi-alizando-se em Direito Esportivo. In-tegrou o Tribunal de Justiça Desportivae foi, por mais de 40 anos, AssessorJurídico da Federação Paulista de Fute-bol. Os primeiros passos na imprensase deram aos 14 anos de idade, quan-do foi Redator-Chefe do jornal estu-dantil O Arauto, em Itapetininga. Tam-bém foi correspondente de O Estado deS. Paulo até 1929, mesmo depois de terse estabelecido em São Paulo para es-tudar. Seu primeiro registro na cartei-ra profissional viria na função de repór-ter do jornal Tribuna Popular de Itape-tininga, em 1935.

Ao passar a morar em São Paulo,Murilo concretizou o desejo de traba-lhar em rádio, ao ser contratado em1938 pela Rádio São Paulo, na qual fi-cou quatro anos, inicialmente comolocutor, depois como comentaristaesportivo, em parceria com GeraldoJosé de Almeida. Em 1946 foi para aRádio Bandeirantes, da qual foi o pri-meiro locutor esportivo. Posteriormen-te, trabalhou nas Rádios Cultura, Ga-zeta e Tupi. Já na Rádio Record, Muri-

como setorista do Palmeiras (emborafosse torcedor fanático da Portugue-sa) e passou pelas editoriais de Espor-tes, Reportagem Geral e Variedades.Deixou o jornal por alguns anos nofinal da década de 80, para o que cos-tumam chamar de período sabático –uma temporada em Florianópolis,distante do jornalismo diário.

Retornou ao Grupo em meados dosanos 90 para a Agência Estado, onde

trabalhou em diversasáreas, inclusive no iní-cio do pioneiro site daAgência na internet, em1995. Participou direta-mente da integração doportal estadao.com.br,até então de responsabi-lidade da Agência, à Re-dação do jornal O Esta-do, em 2002. Foi um doseditores-executivos doportal, e posteriormen-te trabalhou como reda-tor do Caderno 2.

Não era rico, ao con-trário do que dizia a fra-se bem-humorada docolunista do JT, embo-

ra viesse de importante família paulis-ta. Mas seguramente era fino e chique,segundo atestam diversos dos muitosamigos que fez ao longo de várias dé-cadas no Grupo Estado. A discreta ele-gância de suas roupas e de suas manei-ras era a mesma que dedicava aos tex-tos e ao trabalho de edição.

“Pedro França foi o jornalista maisrico, fino e chique que eu conheci emmeus 40 anos de carreira”, diz SandroVaia, ex-Diretor de Redação de O Es-tado, que trabalhou com Pedro ao lon-go de boa parte dessas décadas. “Ricode humor, fino de espírito, chique detalento. A presença dele dava dignida-de e altivez a um treino da Portuguesaou a uma guerra no Líbano. Nuncaconheci uma alma tão generosa, umapresença tão doce, um ser humano tãodigno.Vou plagiar aqui um título anto-lógico que o saudosíssimo GuilhermeCunha Pinto escreveu quando morreuPicasso: morreu Pedro França, se é quePedro França morre.”

“Era impressionante a facilidade comque ele editava e fechava as páginas”,recorda-se Valter Pereira de Souza, oValtinho, que trabalhou ao lado dePedro França na Variedades do Jornal daTarde durante vários anos, na décadade 80, como diagramador. Mais tarde,Valter tornou-se editor de arte do JT, econtinuou sendo um dos amigos maischegados de Pedro França.

“Ele tinha um ótimo texto, e era rá-pido e preciso na hora da edição. Duran-te todo o tempo em que ele foi editor deVariedades, não atrasamos um dia se-quer o fechamento. Estou muito cho-cado com a morte dele”, disse, com di-ficuldade para conter a emoção.

O corpo de Pedro França Pinto foivelado no Cemitério do Araçá, no dia13, e sepultado em 14 de fevereiro, noCemitério da Consolação.

Como disse o Sidney Mazzoni, “nosreencontraremos um dia, em algumPilão, em algum lugar”. Até lá, ou atédepois, vou ter sempre lembranças for-tes de Pedro França.

Pedro sempre demonstrou um cari-nho especial por Fernanda, desde ostempos em que ela era pequenininha,e a gente a carregava, junto com Inês,para os bares do Guarujá, da Praia doTombo ao Perequê. Vejo agora que Fer-nanda, pessoa maior,guarda boas lembran-ças daquele tempo.

Minha amiga Vivia-ne Kulczynski, que tema mesma idade de Fer-nanda, e não conheceudireito o Pedro, me li-gou perguntando se eupoderia fazer o textosobre ele para o Esta-dão. Não sei como agra-decer a ela, ou ao Rober-to Gazzi, que talveztenha autorizado Vivi ame fazer a proposta.

Por um lado, foi bom:as primeiras horas apósa morte de Pedro, passeitrabalhando, sem ter tempo para sen-tir a dor. Tá, quando a gente adia, a tris-teza vem pior depois. Mas tudo bem.Enquanto está adiando, tá bom.

Que a gente não seja enterrado comum texto anódino.

Mas tem um outro lado. Jornalistaquando morre merece no mínimo, nomínimo, um texto de alguém que oconheceu, que gostou dele. Uma daspiores coisas do mundo para um jorna-lista é ser enterrado com um texto anó-dino, sem emoção – ou simplesmenteruim.

Nem interessa se o texto que fiz éruim – pelo menos ele tem emoção.Também nem interessa se vai sair noEstadão como eu fiz, e como saiu, naíntegra, no estadao.com.br que chefieidurante um tempo. Não interessa comovai sair. A gente escreve é para escrever,não para ser publicado.

Este foi o texto que mandei para oEstadão:

“Pedro França, o único jornalistarico, fino e chique de São Paulo…” Essaexpressão foi publicada diversas vezes,no Jornal da Tarde, nos anos 70 e iní-cio dos 80, nos textos assinados porseu amigo Telmo Martino, na edito-ria de Variedades – textos carregadosde humor e muito veneno, uma espé-cie de coluna social sobre os famososda época que não era assinada comocoluna social.

Pedro França Pinto, morto ontemem São Paulo, aos 59 anos de idade(completaria 60 no próximo mês demarço), fez Direito na Puc (PontifíciaUniversidade Católica) e História naUniversidade de São Paulo (Usp), mastornou-se jornalista logo que deixouo curso. Trabalhou no Grupo Estadopor mais de 25 anos. Foi repórter, re-dator, subeditor e editor no Jornal daTarde, a partir de 1974, onde começou

Murilo Antunes Alves,uma lenda

lo realiza célebre entrevista com Mon-teiro Lobato, que se tornaria o últimodepoimento do grande escritor. Doisdias depois, em 4 de julho de 1948, ocriador do Sítio do Picapau Amarelomorreria aos 66 anos de idade. Aindana Record o jornalista cobriu muitosacontecimentos importantes como aseleições italianas em 1948, o Ano Santoem 1949, no Vaticano, e as eleições nosEstados Unidos, em 1952.

Murilo ganhou por sete vezes o Prê-mio Roquette-Pinto como melhor Re-pórter do rádio. Trabalhou na TV Re-cord desde sua fundação, em 1953,onde foi encarregado da parte políticado jornal da emissora, o Última Edição.Depois, atuou no Record Notícias comoEditor-Chefe e Diretor. Na TV Record,fez também o Repórter Esso, trabalhoucomo comentarista e repórter e cobriuvários acontecimentos importantes,como o casamento do Príncipe Charlesda Grã-Bretanha e o enterro do ex-Pre-sidente Tancredo Neves.

Paralelamente à carreira de jornalis-ta, cultivou a vida pública. Em 1946, foicandidato a deputado estadual peloPartido Social Democrático (PSD), masas eleições foram adiadas. Em 1953, foio primeiro Chefe do Cerimonial da As-sembléia Legislativa do Estado de SãoPaulo, na qual se aposentou em 1985como Diretor do Cerimonial e RelaçõesPúblicas. Em 1961, foi nomeado peloPresidente Jânio Quadros Oficial deGabinete da Presidência da República.Entre 1971 e 1974 foi Chefe do Cerimo-nial do Governo do Estado de São Pau-lo. Na capital paulista, foi vereador nadécada de 90.

A TV Record divulgou nota oficialde pesar por seu falecimento. “Lamen-tamos a morte de Murilo Antunes Al-ves. Ele passou por diversos veículos decomunicação até ser contratado pelaRecord em 1º de maio de 1947, sendoum dos colaboradores mais assíduos daemissora”, afirmava o texto, assinadopor Márcio Santos, Gerente de Recur-sos Humanos da Record.

A DISCRETA

ELEGÂNCIA DE SUAS

ROUPAS E DE SUAS

MANEIRAS ERA AMESMA QUE

DEDICAVA AOS

TEXTOS E AO

TRABALHO DE

EDIÇÃO.

JUVEN

AL PER

EIRA