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Eu assino embaixo Ano III - setembro - nº 18 www.oduque.com.br VIVER PARA CONTAR (O QUE VIVEMOS) Marcos Peres analisa o novo romance do escritor Henrique Rodrigues 100 ANOS DE ARTIGAS A professora e arquiteta Tânia Verri relembra o centenário do mestre NEM TODOS QUE VAGUEIAM ESTÃO PERDIDOS Luana Bernardes conta a história de Diego Drush e Eduardo Heideke, que abandonaram tudo para mochilar pela América Latina e mais pág 20 pág 17 pág 12 MODA é identidade e metamorfose, arte e cópia, pomba e sensualidade

Jornal O Duque #18

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Jornal de Cultura do Paraná

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Eu assino embaixo Ano III - setembro - nº 18www.oduque.com.br

VIVER PARA CONTAR

(O QUE VIVEMOS)Marcos Peres analisa o novo romance

do escritor Henrique Rodrigues

100 ANOS DE ARTIGAS

A professora e arquiteta Tânia Verri relembra o centenário do mestre

NEM TODOS QUE VAGUEIAM

ESTÃO PERDIDOSLuana Bernardes conta a história de Diego Drush e Eduardo Heideke, que

abandonaram tudo para mochilar pela América Latina

e mais

pág 20

pág 17

pág 12

MODAé identidadee metamorfose,arte e cópia, pomba e sensualidade

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CONSELHO EDITORIALEdição nº 18 / Ano III

Eu assino embaixo

DIRETOR GERALMiguel Fernando

DIRETOR DE RELACIONAMENTOGustavo Hermsdorff

DIRETORA DE CONTEÚDOLuana Bernardes

DIRETORA INSTITUCIONALGabriela Camargo Leal

REVISORZé Flauzino

COLABORADORESKaren Faccin - Especial (páginas 04 a 08)Miguel Fernando - Comentário (página 10)Zé Flauzino- Comentário (página 11)Luana Bernardes - Reportagem (páginas 12 e 13)Luiz Varini - Circo (página 16)Tânia Verri - Arquitetura (página 17)Renato Crozati - Cinema (página 18)Sérgio Augusto - Artes Visuais (página 19)Marcos Peres - Literatura (páginas 20 e 21)Cínthia Carla - Música (página 22)Antonio Roberto de Paula, Lilian Larrañagae Gabriel Dominato - IndiQue (página 23)

Departamento Comercial44 9883-8883

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As colocações expostas por convidados ou entrevistados são de responsabilidade exclusiva dos mesmos.

DESIGN EDITORIAL

Impressão: GrafinorteTiragem: 3.000 exemplares24 Páginas / Tablóide Americano

FILIADO FOMENTADO POR

AS MATÉRIAS DA EDIÇÃO EM 5 MINUTOS

expresso

Nem todos que vagueiam estão perdidos

Estou GRÁ-VIDA processo/gestação/criação

Cem anos de Artigas

Viver para contar (o que vivemos)

Luana Bernardes conta a aventura do maringaense Diego Drush e Eduardo Heideke, que abandonaram seus empregos em São Paulo para mochilar pela América Latina (Páginas 12 e 13)

O artista visual Sérgio Augusto divide com os leitores do O Duque um pouco do processo de nascimento da sua nova série (Página 19)

A professora e arquiteta Tânia Verri resgata a história de um dos maiores nomes da arquitetura brasileira, que

completaria cem anos em 2015 (Páginas 16 e 17)

O escritor Marcos Peres em resenha exclusiva sobre o novo livro de Henrique Rodrigues, "O próximo da Fila"

(Páginas 20 e 21)

Moda e identidade:arte e cópia, pomba e sensualidade

Karen Faccin foi conhecer a opinião de estilistas e designers de moda sobre a criação, autoria e (re)

produção da moda em nossa região, tanto pelo lado artístico quanto pelo lado comercial do assunto

(Páginas 04 a 08)

Matéria de capa

ARTISTA DO MÊS

Cris Agostinho Capa

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E S P E C I A L #18 M O D A E I D E N T I D A D E K A R E N F A C C I N

À moda antiga, à moda da casa, moda de viola, corpo de violão. Inventar moda: estar dentro ou fora dela. Moda, modinha, modice, Madonna! Ser sexy sem ser vulgar; menos é mais, “descombinar” é hi-lo. Normcore é in, maximalismo é out. De Coco Chanel a Skank, o vestidinho preto continua sendo indefectível. Há séculos a moda é carregada de significados e simbologias, arrasta-se por chavões e (pré)conceitos. O que era instrumento de distinção social, hoje é questão de expressão de identidade.

Nestes tempos modernos e líquidos de Bauman, a moda escorre por entre os dedos: é múltipla, plural, caleidoscópica. Afinal, o que é a moda senão o espelho do repertório de quem a vê? Com exceção daqueles com a retina descolada da contemporaneidade – que a enxergam como afetação e futilidade – a cultura de moda está aí para quem quiser e puder ver o mundo (muito além do mundo fashion).

A moda não é ave rara que nasce nas passarelas de Milão, nas vitrines das maisons e shoppings centers ou no look do dia das blogueiras e it girls. Ela é como pomba urbana que se alimenta e se multiplica nas ruas, nos movimentos sociais, no cenário político-econômico, nas manifestações culturais, no grafite, no museu, no ponto de ônibus.

Como um sistema que afirma seu tempo, a moda flerta com outras linguagens para dar conta de costurar diferentes contextos. Pasmem os eruditos e cartesianos, moda também é arte. E enquanto manifestação artística amplia os sentidos de vestir da roupa para incorporá-la de mensagens, sensações e conceitos contemporâneos.

Exemplo célebre e 100% tupiniquim de moda alçada ao patamar de arte é o do estilista Jum Nakao e sua “Costura do Invisível”, desfilada em 2004 na São Paulo Fashion Week. Com uma coleção inteira formada por roupas de papel, destruídas pelas próprias modelos sobre a passarela, o desfile se consagrou como performance artística e metalinguística da moda, questionando os valores e a efemeridade da própria moda.

Além de atuar como manifesto e suporte para arte, a moda também se inspira em movimentos artísticos e os recria, reinterpreta e ressignifica por meio das roupas. Conforme ressalta a coordenadora do curso de Moda da UniCesumar, Sandra Franchini: “A criação de moda também é um processo artístico. O criador tem desejos e necessidades de manifestação, e quando busca inspiração em temas relacionados às artes ganha força de expressão. ”

A estilista maringaense Annelise Nani é a encarnação desse diálogo prolífico entre os dois campos. Formada em Moda, Artes Visuais e doutora em Artes pela Universidade de São Paulo (USP), foi selecionada para se apresentar na 8ª edição do Paraná Business Collection. Inspirada no trabalho dos artistas plásticos, ou grafiteiros, brasileiros, Gustavo e Otávio Pandolfo, Os Gemeos, ela criou a coleção Grife do Grafitti, na qual extraiu, das formas e cores da arte da dupla, a inspiração para criar uma coleção lúdica e original.

Para a estilista, moda e arte são dois campos que se contradizem enquanto “fins”, mas se complementam enquanto “meios”, já que ambos se debruçam sobre os conceitos de beleza e valores estéticos. “Não dá para pensar a moda só como arte, porque a moda é pensada para ter um fim comercial. Quando penso em moda não penso em uma galeria, eu penso em corpo, que é habitado pelo consumidor e que é feito para ser vestido”, complementa Annelise.

é identidade e metamorfose, arte e cópia, pomba e sensualidade

MODAKaren FaccinEspecial para O Duque

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Efêmera por natureza, a moda é movida pelo diferente. Reinventar a roda a cada primavera, verão, outono e inverno é sua função sine qua non. Essa transitoriedade característica da moda tanto pode ser revertida em ferramenta para expressão dos indivíduos que a “metamorfoseam” entre papeis e cenários múltiplos, quanto para alimentar um ciclo que dita modelos a serem seguidos indiscriminadamente.

“A moda é por essência paradoxal: a mesma indústria que vai escravizar, que vai poluir, que vai cercear a subjetividade alheia fazendo fashion victims, é a mesma que de outro lado vai instigar a criação, a construção de repertório autônomo, a exploração da singularidade de cada um travestida na forma de se vestir. É um fenômeno muito complexo, que não dá para ser reduzido no âmbito da futilidade”, explica a designer de moda Annelise Nani.

Em um rolê pela avenida Juscelino Kubitschek, tentei fazer um retrato do street style em Maringá. Era um sábado de agosto e a noite quente pedia cerveja gelada e corpos à mostra. Me detive nos números 427 e 441, onde dois bares dividem o nome da avenida, mas carregam pouco em comum. Lado a lado, desfilam estilos diferentes.

No primeiro, o Juscelino Acústico Bar, o sertanejo universitário rolava solto. As mulheres se equilibravam no alto de saltos agulhas, e mantinham a pose e a respiração presa pelos vestidos milimetricamente ajustados. Referências fetichistas davam o tom das roupas. Paetês, transparências, franjas, animal print, amarrações e rendas apareciam como requisitos a serem preenchidos no look delas. Os cabelos eram lisos, compridos e loiros. Entre os rapazes era ainda mais sucinta a descrição: camisa, calça jeans, sapato e um gato pingado de chapéu.

No estabelecimento ao lado, o Kubitschek Bar, a trilha de rock alternativo era o passaporte para mais permissividade, as alcinhas à mostra a comprovava. Lá as mulheres estavam mais à vontade, menos engessadas pelas próprias roupas e celebravam as alças pretas, vermelhas e, por que não, beges de seus sutiãs. Afinal, nada mais natural. Percebia-se as túnicas, saias longas, jeans, sapatos baixos, cabelos cacheados e esvoaçantes. Os meninos portavam alargadores, boné de aba reta, camisetas, coletes, e o hit do verão: o coque masculino.

Em um balanço geral, nem Juscelino, tampouco Kubitschek revelaram um visual que se sobressaísse pela beleza, originalidade ou peculiaridade. Tribos com estilos diferentes, mas que reproduziam costumes iguais entre si. Por cima dos óculos de grau Prada, o olhar de Annelise Nani era cético e fazia crítica contundente acerca de um comportamento generalizado, muito longe de ser característica particular dos frequentadores de algum dos dois bares.

Para ela, hoje em dia vivemos um momento ambíguo: o contexto atual de liberação dos códigos de vestir entra em choque com o medo de não pertencer. É como se houvesse um desejo generalizado por ser diferente, sendo igual. Quando tudo é permitido, só usufrui da autonomia de estilo quem possui maturidade para assumir o risco de se apresentar como inadequado.

A doutora põe em xeque o autoconhecimento de cada um e como a falta dele colabora para que a máxima do “Maria vai com as outras” se repita. “Para saber o que eu vou fazer na minha composição visual eu tenho que saber quem eu sou. Para evitar esse questionamento, todo mundo acaba recorrendo ao senso comum, ao que já é validado pelos blogs de moda ou a um personal stylist. Na dúvida, na preguiça de pensar, no medo de experimentar é mais fácil usar a camisa da Dudalina com a sapatilha da Capodarte, bolsa da Louis Vuitton, cabelo loiro, maquiagem do olho clara na parte interna e escura na parte externa, esmalte nude e o batom Snob.”

O paradoxo daexpressão x reprodução

A moda é por essência paradoxal: a mesma indústria que vai escravizar, que vaipoluir, que vai cercear a subjetividade alheia fazendo fashion victims, é a mesma que de outro lado vai instigar a criação, a construção de repertório autônomo, a exploração da singularidade de cada um travestida na forma de se vestir. É um fenômeno muito complexo, que não dá para ser reduzido no âmbito da futilidade"

Annelise Nani, designer de moda

Annelise Nani

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Estilo autoral:“ser eu é o jeitomais simplese baratode ser feliz”

Maria Luísa Fregonezi se autointitula a fada das tesouras. Não por acaso, cultiva nada mais que um minimalista corte de joãzinho. Tatuagens exóticas passeiam pelo corpo esguio e pele branca. Ela tem estilo próprio. É do tipo espontânea, desbocada, com senso de humor mais afiado que suas tesouras. Sua autoconfiança contagia, tanto que da primeira vez que a vi convenci-me que mesmo no auge das minhas mais de duas décadas de vida e lábios finos, poderia, sim, experimentar usar batom escuro pela primeira vez. Assim o fiz e adorei! (obrigada, Luísa, por esse empurrãozinho).

Designer de Moda por formação, cabeleireira por profissão e visagista por paixão, Luísa escreveu, por erros e acertos, uma história particular com o mundo da moda. Ex-fashion victim assumida, acumuladora sem estribeiras, confessa que mudava de roupa como mudava de opinião e vice-versa... Antes que a crise dos 30 acometesse essa jovem senhora, ela conta como construiu um estilo autoral e aprendeu a se apropriar da moda de forma consciente para comunicar sua personalidade e expressar suas ideias.

Tive inúmeras personalidades, feições, máscaras, mas nem sempre usava isso de forma consciente. A moda era uma aliada, mas também me tolhia. Isso porque ao mesmo tempo eu queria pertencer a um grupo, também queria ser única e, ao me valer da moda comercial e das tendências, acabava ficando igual. Ou seja, todo mundo era “pseudamente” diferente, mas no fim éramos todos iguais.

Hoje minha imagem é algo pensado, esclarecido diante da mensagem que eu quero passar no meu mundo profissional e pessoal. Hoje eu falo que uso a moda muito mais para benefício próprio, em como eu quero me comunicar, como eu quero me enxergar, sem depender de tendências para me dizer de que forma eu vou me expressar. Foi exatamente nesse momento que cortei meu cabelo, me livrei da “moldura” para deixar minha personalidade totalmente à mostra e passar uma imagem que representasse essa responsabilidade e autonomia dessa minha fase.

Uma frase que acho muito linda é “o belo sem função é vazio”. De que adianta sermos bonitas se isso não funciona na nossa vida, não expressa quem a gente é, se não fala sobre a nossa personalidade, das nossas características e do que a gente gosta na gente. Mas o que é, de fato, ser bonita? É muito vago. Os padrões de beleza mudam. As pessoas não têm base, não tem estrutura para suportar uma beleza vazia, porque isso não fala a respeito delas. Para que ver o bonito com obrigação de se identificar, como regra de pertencimento? Existem inúmeras belezas e cada um tem a sua independentemente do que está na moda ou o olhar do outro.

Acho que é na base de muito autoconhecimento. É necessário entender do que você gosta, como você se sente bem, largar mão da tendência e usar ela apenas a seu favor. Acho impossível me definir em um estilo, eu só quero ser eu, pois é o jeito mais simples e barato de ser feliz.

Tento ser uma consumidora consciente: compro produto regional, com fábrica aqui no Paraná, para tentar garantir ao máximo que não tenha mão de obra escrava e que esse investimento retorne para o meu país. Tenho evitado comprar roupas, quero gastar toda minha criatividade com o que eu já tenho. Já fui uma acumuladora de mão cheia, de realizar compras homéricas. Tenho roupas super antigas, coisas que ganhei de presente, que comprei em viagens, em brechós, peças super básicas e outras super extravagantes. Gosto mesmo é de mandar fazer roupa, acho mais verdadeiro comigo e ainda valorizo uma mão de obra que sou apaixonada: as costureiras. Além do que, faz com que a peça seja única e muito simbólica.

Você já passou por muitas fases e estilos ao longo da vida. Você sempre encarou a moda como sua aliada para transmitir mensagens?

Na sua fase atual você sente que adquiriu um autoconhecimento e maturidade em relação à moda?

Você acha que as pessoas se importam demais em serem bonitas em vez de buscarem uma identidade própria?

Quais são os caminhos para conquistar um estilo autoral?

Como você compõe o seu estilo e o que faz parte do seu guarda-roupa e das escolhas que você faz como consumidora?

Luísa Fregonezi

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Annelise Nani cresceu em meio aos carretéis, rolos de tecidos e máquinas de costura da fábrica de roupas da família na Zona 4. A mãe é uma das primeiras confeccionistas do Paraná, as tias também seguiram o mesmo rumo. O pai e tios vendem roupas. Os primos trabalham nas indústrias de confecção. Nas reuniões de família, forma-se uma “fila A” de críticos de moda, e comentários como “essa roupa aí é de 10 coleções atrás” são praxe. Hiperativa numa geração sem tablets, era incentivada pela mãe a desenhar e desde os seis anos de idade já esboçava os primeiros croquis. Cria coleções desde os 15 anos e formou-se em Moda e Artes Visuais como quem passa a limpo o que o destino já desenhou. Segue carreira acadêmica e nas horas vagas é estilista.

Ela é apenas uma das “filhas” dessa indústria que movimenta mais de R$ 2 bilhões ao ano. Maringá é o segundo maior Polo de Confecção do Brasil, setor que é responsável por empregar a família Nani e outras 80 mil pessoas direta e indiretamente em 70 cidades da região Norte e Noroeste do Paraná. Annelise não cospe no prato que comeu, mas é categórica ao afirmar que Maringá ainda está engatinhando quando o assunto é criação em moda.

“Para mim, nós não temos e nem vamos ter moda em Maringá tão cedo. Tem que morrer todo mundo na gestão das confecções, para poder profissionalizar as marcas e sair da perspectiva familiar. É preciso ter planejamento estratégico, investir em design, em mão de obra qualificada e dar liberdade de criação aos profissionais. O que temos aqui é modinha. Não é fast fashion, porque traz tendências requentadas; nem moda, porque não tem linguagem autoral.”

Na opinião da estilista, entre a moda e a modinha - coleção comercial com pouca carga de conceito, que copia tendências já massificadas – existe um hiato que é questão de savoir faire. “Nós sabemos costurar muito bem, mas não concebemos nada de novo, por isso não seremos posicionados como criadores de moda. Criador é aquele que possui repertório cultural, tem domínio de

campo, expertise na área e linguagem autoral. As marcas que não cumprem esses requisitos podem fazer uma coleção de roupas bonitas e de qualidade, mas que não propõe nada, não tem identidade. ”

Já para a mestre em Design de Moda Sandra Franchini, a vocação da moda maringaense não é ter uma identidade marcante, mas a qualidade das peças, em especial para a modelagem e acabamento. “Maringá e o Paraná, no geral, não têm identidade de moda, diferentemente da moda mineira, carioca, goiana, por exemplo, que você olha e reconhece o estilo. O Paraná se profissionalizou, mas se manteve no eixo da tendência, reproduzindo a moda que o mundo produz”, explica.

Para Sandra, a lógica do processo criativo na moda contemporânea é cada vez mais global e pautada pelas novidades mídias digitais: “Não temos mais espaço e tempo para criar uma moda com identidade. Muito mais importante do que ter identidade é ter uma moda com qualidade, dentro da expectativa e das necessidades do brasileiro”, acrescenta.

O impasse entre o talento para a confecção e o déficit para a criação em Maringá vai além. Quando olhamos para a moda maringaense, mas não sabemos qual é, de fato, a cara dela, a interrogação talvez seja ainda mais sinuosa: a questão é de que forma a identidade (ou a falta dela) das marcas são influenciadas pelo contexto em que estão inseridas, conforme aponta a estilista:

“Não acredito que Maringá tenha um contexto cultural favorável, museus, arte de rua, monumentos, promoção de feiras que impulsionem uma cultura de moda. Um dos motivos pelos quais a cidade não ultrapassa o âmbito da confecção são as políticas públicas que implementam somente o básico de infraestrutura, como passarelas para compradores dos shoppings atacadistas atravessarem com segurança, colocar uma placa escrita “Rodovia da Moda”, batizar o time de vôlei da cidade como Moda Maringá. Isso é política pública para inglês ver, é preciso ir além”, pontua Annelise.

Criador é aquele que possui repertório cultural, tem domínio de campo, expertise na área e linguagem autoral. As marcas que não cumprem esses requisitos podem fazer uma coleção de roupas bonitas e de qualidade, mas que não propõe nada, não tem identidade.

Annelise Nani, designer de moda

Crise de identidade: confecção wanna be moda

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O olharestrangeiropara a modapé-vermelho

Há peculiaridades, beleza e desafios na criação de moda em Maringá que só um olhar estrangeiro consegue captar. Giulia Tesoriere, estilista e consultora italiana, formada pela Accademia di Costume e Moda di Roma, há quase quatro anos, de temporada em temporada, atua como consultora e estilista em empresas de Maringá e Cianorte – intercâmbio viabilizado por meio de uma parceria com o Sebrae/PR – e compartilha sua visão sobre o segmento, apontando uma luz no fim da passarela.

No início não foi fácil entender a moda daí. Na minha visão, aquela não era moda, era apenas vestuário. A minha visão sempre foi de um conceito de moda europeia, que todos tentam reproduzir, mas ninguém, de fato, consegue copiar. A moda europeia é artística, conceitual, experimental, mas não abre mão da elegância, do poder da mulher, da praticidade e, por último, mas não menos importante, da qualidade. A reunião de todos esses fatores culminou para que a Europa sempre tenha sido reconhecida como celeiro do nascimento de todas as tendências mundiais. Na minha visão ainda não existe uma verdadeira identidade da moda maringaense. Mas existe uma identidade cultural que ninguém pode esquecer, já que a moda é sempre o resultado de um tempo histórico, de uma cultura e de uma condição climática particular.

Infelizmente, tenho que dizer que existe uma grande carência cultural no setor. Carência não só intelectual e de cultura em geral, mas uma carência na preparação de quase todas as pessoas que trabalham no segmento. Isso para mim é um problema que tem a ver com a educação das escolas e universidades. Um estilista que sai da escola de moda na região não está pronto, ele quase nunca tem uma visão da moda a 360° e do que significa de verdade trabalhar na indústria da moda. Os estilistas são a coluna vertebral de uma empresa de moda. Se o estilista não tem esse profissionalismo e cultura, o produto vai ser o resultado desse problema. Outro ponto crítico são os funcionários de todas as empresas que eu vi: ninguém que trabalha nos acabamentos, nos pilotos e nas costuras tem preparação. Os funcionários executam o trabalho, mas poucos sabem fazer bem e com conhecimento. A limitação da mão de obra também é um obstáculo para a experimentação estilística. A solução, para mim, é sempre um maior investimento na instrução e formação do profissional.

Por causa do clima muito quente desse maravilhoso País, na maioria dos dias do ano a mulher está quase sempre descoberta por causa do calor, daí o resultado do culto ao corpo e à beleza física característico daí. O vestuário brasileiro tem como foco principal exaltar o corpo feminino e as suas formas generosas. Já na Europa o corpo não tem essa mesma consideração. O corpo para nós é como um gancho de roupa, como uma tela para um pintor. Nós cobrimos o corpo, deformamos o corpo com volumes diferentes, formas diferentes, comprimentos diferentes. Quase brincamos com as formas femininas, e isso não acontece no Brasil. Os estilistas não brincam com o corpo, tratam ele com seriedade. No final, eu consegui entender quanto a silhueta e a sensualidade é importante para vocês. Ao compreender isso, consegui trabalhar com mais interesse para tentar desenvolver o meu estilo europeu atrelado a essa característica que faltava na minha criação: a feminilidade. A feminilidade e a sensualidade, para mim, são as características que diferenciam a moda maringaense da moda européia.

Maringá, assim como todo o Brasil, não tem que aprender nada de Milão, só entender quanto o profissionalismo e a qualidade do produto são as coisas mais importantes, o princípio de todas as empresas européias. Sem essa base é difícil criar um produto lindo e inovador. Acho que a moda maringaense tem um enorme potencial, mas muitas empresas, grandes e pequenas, oferecem o que o público quer, em vez de começar a pensar e decidir o que querem oferecer e como querem vestir o público. Aqui na Itália a lógica é outra. Cada ano é uma tendência diferente, mas não são as pessoas que decidem isso. É o sistema de moda que determina isso com base em muita pesquisa e informação. Por isso, a figura do estilista é tão importante e determinante para a evolução da moda.

O que a moda maringaense tem de único e que faz parte da sua identidade, para mim, é o largo uso de cores e estampas, cores do mundo, da alegria e da natureza. Por isso, eu acho que as empresas deveriam investir mais na criação de estampas, fazer desenhos novos, combinar cores diferentes e, quem sabe, poderia até ser um polo de inspiração em estampas. Quem sabe, mas uma coisa é certa, o grande uso das estampas que vocês fazem no Brasil eu não achei em nenhum outro lugar do mundo. Por que não fazer disso uma referência para todo o mundo?

Pela sua experiência como consultora e estilista de empresas da região, você conseguiria definir qual é a identidade da moda maringaense?

Você acredita que existe uma carência de cultura de moda na região que dificulta o desenvolvimento de uma identidade própria?

Giulia Tesoriere

Quais são as principais diferenças entre os contextos de criação de moda em Maringá e na Itália?

O que Maringá tem que aprender com Milão para se tornar uma referência em moda?

Quais as qualidades, os pontos positivos e a inovação que você observou na moda maringaense?

"A seda sustentável e a cara do novo luxo" Matéria exclusiva no site do Jornal O Duque - www.oduque.com.br

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Cooperativa de cultura dá os primeiros passos

Maringá Jazz Festival anuncia workshops

#Confraria / Setembro de 2015

MACUCO, Maringá Cultural Cooperativa, vai ser a única da modalidade no Paraná

O primeiro encontro oficial reuniu cerca de 40 pessoas, entre artistas e produtores

O Macuco (Tinamus solitarius) é uma ave simpática de grande porte que pode ser encontrada às margens do Rio Paraná. Seu nome científico vem da sua família (tinamidae) e do seu costume de caçar sozinho (solitarius). Desde agosto, em Maringá, o nome também se refere à primeira cooperativa de artistas e produtores culturais criada no Estado.

Ao contrário do xará, os macucos maringaenses apostam na união como princípio formador e potencializador das ações a serem desenvolvidas. Organizados em forma de cooperativa, onde todos os participantes detêm uma cota de participação dentro do negócio, a MACUCO será a primeira organização cooperada da área cultural em todo o Estado, segundo a Ocepar (Organização das Cooperativas do Paraná).

O primeiro encontro oficial foi realizado no Centro de Excelência e contou com cerca de 40 interessados em

A primeira novidade é a abertura de workshops (cursos rápidos) com os músicos convidados. Para os interessados estarão disponíveis aulas de bateria com Maurício Leite, baixo com Celso Pixinga, guitarra com Mello Jr. e Desenvolvimento Musical com Sidney Linhares, todos músicos experientes do circuito nacional. Serão três dias de atividades com entrada gratuita.

A segunda é que, pela primeira vez, o Festival terá apresentações ao ar livre – e com presença de orquestra. A Spok Frevo Orquestra, de Recife (PE) vai se apresentar na Praça da Catedral no dia 11. Também vão se apresentar no mesmo dia o Trio Estrada e Sidney Linhares Grupo, encerrando o festival.

Para o organizador do evento, Willian Fischer, o Maringá Jazz Festival ganha ainda mais musculatura este ano ao ampliar a sua agenda. “Estamos contribuindo para que Maringá faça jus ao título de Cidade Canção”, completa.

Os workshops serão entre os dias 06 e 08 e as apresentações nos dias 09, 10 e 11 de outubro. Os ingressos para as apresentações são gratuitos, viabilizados pela concessionária VIAPAR através da Lei Rouanet e estarão disponíveis para retirada no dia de cada apresentação.

fazer parte da cooperativa. Na ocasião, foi lido e aprovado o Estatuto Social e composta uma diretoria provisória, que segue até sua constituição oficial em assembleia a ser realizada em 3 de outubro.

Interessados poderão aprender baixo, bateria e guitarra

Por uma Maringá maiscriativa

Como uma região pode se transformar em um destino turístico? Ao contrário do que muitos defendem, não é necessariamente em estruturas físicas que devemos focar as energias. A resposta está no ativo mais significativa das comunidades: as pessoas.

Os habitantes locais são os maiores “vendedores de encantos” de uma cidade. Portanto, a pergunta deveria ser: como mostrar para os habitantes o que a sua cidade tem de melhor a oferecer?

É neste ponto que o projeto Maringá + Criativa tem papel fundamental. Organizado por diversas entidades, entre elas, o Instituto Cultural Ingá e o SEBRAE, a proposta visa ouvir da população maringaense o que ela considera como diferenciais da cidade.

Posteriormente, esses dados serão inseridos em um mapa, que apontará os ativos criativos que Maringá tem a oferecer, seja na área da Cultura, Gastronomia, Arquitetura, Turismo, enfim, em todos os segmentos econômicos. Por fim, uma ampla campanha dará publicidade a estes diferenciais, de modo que o morador saiba que Maringá tem muito mais a oferecer do que a Catedral e o Parque do Ingá.

Curioso?Participe:

www.maringamaiscriativa.com.br

Miguel Fernando, diretor do Jornal O Duque, diretor executivo do Instituo Cultural Ingá (ICI), é turismólogo e especialista em história e sociedade do Brasil

Miguel [email protected]

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#Confraria / Setembro de 2015

Sete de Maringá no Consec

Em outubro do ano passado, por indicação do ICI (Instituto Cultural Ingá), disputei eleição para o CONSEC (Conselho Estadual de Cultura). Seria, caso eleito, um representante da sociedade civil do Paraná para área artístico-cultural “Literatura, livro e leitura”. As áreas de Artes visuais, Audiovisual, Circo, Dança, Manifestações populares, tradicionais e étnicas da cultura, Música, Ópera, Patrimônio cultural material e imaterial e, por fim, Teatro também tiveram seus inscritos, que foram votados.

Obtive a maioria dos votos. Fui selecionado para compor II gestão do CONSEC – período 2015/2017. Soube depois que de Maringá mais seis pessoas foram eleitas. Uma das maiores representações no CONSEC. São eles Gus Hermsdorff, João Guilherme Furlan, Stone Ferrari, Paulinho Schoffen, Laura Chaves e Miguel Fernando.

Em suma, o Conselho é composto por representantes da sociedade civil dentro da Secretaria do Estado da Cultura, atuando na proposição de projetos e no encaminhamento de demandas para a criação e implantação de políticas públicas para cada uma das áreas indicadas. Com sete representantes, podemos concluir que Maringá garantiu espaço e voz para discutir os passos que serão fundamentais para a classe nos próximos anos.

Por conta dos vários problemas a nível estadual enfrentados no início de 2015, a posse do Conselho só veio a acontecer no último dia 15

Zé Flauzino, é escritor, revisor do Jornal O Duque, Conselheiro Estadual de Cultura e Conselheiro Municipal de Cultura na pasta de Literatura

Teatros vãoreceber o talento de estudantes

Procura-se concorrentes!

A 1ª Mostra de Teatro Estudantil de Maringá, realizada pela Forféu Atividades Artísticas com patrocínio da VIAPAR e Usina Santa Terezinha, começa dia 8 e segue até dia 13 de setembro. O evento recebeu inscrições de escolas públicas e particulares ao longo de quase um mês. As apresentações serão nos teatros Reviver e Barracão e na Casa de Cultura do Jardim Alvorada, além do Teatro Calil Haddad, que receberá a noite de encerramento com o espetáculo “O Macaco e a boneca de piche” do Centro Teatral e Etc e Tal (Rio de Janeiro).

“Recebemos muitos contatos de colégios de outras cidades, como Curitiba, Rio de Janeiro e São Paulo com interesse em participar da Mostra, porém, como no regulamento já previa participação apenas de grupos de Maringá e região, não foi possível a participação dessas cidades nesta primeira edição, mas já estamos pensando em uma abrangência nacional para a próxima”, conta Gaitarosso. “Agora é trabalhar para garantir que nos dias das apresentações tudo ocorra da melhor maneira possível e que com outros projetos previsto

para 2016 um número ainda maior de grupos participem das próximas edições. Esperamos que a longevidade do evento reforce o incentivo e a valorização do teatro no processo de educação”, diz.

A 1ª Mostra de Teatro Estudantil de Maringá é viabilizada pelo Ministério da Cultura por meio da Lei Rouanet, patrocinada pela Usina Santa Terezinha e VIAPAR (que selecionou o projeto por meio do edital VIAPAR Cultural). O projeto tem o “Fomento à Cultura” do Instituto Cultural Ingá.

mostradeteatroestudantil.com.br

"É uma ação política criar demanda para o edital", define a produtora Rachel Coelho. "Se houver muitos projetos [inscritos] e poucos aprovados, temos como reivindicar mais verba com essa fundamentação estatística", explica. Essa é a lógica: quanto mais projetos inscritos, maior a força demonstrada e mais fôlego a classe ganha para ampliar o apoio. Para a edição desse ano serão pelo menos 24 projetos nas áreas de Patrimônio Cultural, Artes Populares, Artes Visuais, Artes Cênicas, Literatura e Leitura, Música, Audiovisual e Projetos Culturais Iniciantes, divindindo R$ 1,120 mi.

Rachel, que prepara para enviar a segunda edição do projeto FOCA (foto), também destaca que o prêmio desafia os produtores a pensarem sobre o próprio trabalho. "Quando o edital do Prêmio Aniceto Matti está aberto existe uma mobilização na cidade: os artistas refletem sobre o que estão fazendo e sobre o que querem fazer e isso é muito importante para a cena cultural", completa. As inscrições estarão abertas até as 9h do dia 21 de setembro.

No Prêmio Aniceto Matti, quanto mais projetos na disputa, maior a força demonstrada

Mostra de Teatro Estudantil, organizada pela Cia Fórfeu, acontece de 08 a 13 de setembro

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América Latina //

OS QUE VAGUEIAMestão perdidos

NEM TODOS

Poderia ser mais uma lua de mel nas areias caribenhas. Música animada, cerveja gelada, noites quentes... duas semanas de licença do trabalho e, logo após, a vida cotidiana voltaria para o seu mesmo ritmo, mas esse não é o caso dos nossos personagens.

Quando o maringaense Diego Drush, 27 anos, jornalista e o catarinense Eduardo Heideke, 25 anos, designer gráfico, chegaram naquele ponto do relacionamento conhecido como “casar ou comprar uma bicicleta”, não tiveram dúvida: escolheram ambos. Continuaram juntos tendo como quintal toda a América Latina.

Se um “sim” parece muita coisa para quem está começando a vida junto, imagine dois: “sim, eu aceito ficar com você" e "sim, eu aceito esse mochilão, mesmo tendo que preparar tudo em um mês! ”. Os dois, então, pediram demissão de seus empregos em São Paulo, despediram-se de todo mundo e rascunharam um roteiro dessa aventura, levando apenas as mochilas e um blog para atualizar.

O blog dos meninos, que os mantém conectados com os amigos de cá, também ajuda na busca por jobs, serviços remunerados e temporários. Apesar de constantemente atualizado, o endereço só não atrai mais público porque mecanismos de busca como os do Facebook proíbem palavras como “fodam-se”. E o nome do blog é bem esse: “fodamseospostais.com”. Segundo eles, a proposta do blog é documentar da forma mais real possível o que estão passando - preocupação típica de quem é jornalista como o nosso conterrâneo Diego. Se por um lado os cartões postais são frios e o espaço é curto, por outro, o blog permite que extravasem a quantidade de carácteres, carisma e fotos. “Não escrevemos um blog de viagens. Não damos dicas, contamos sobre a nossa vida e, nas entrelinhas, você consegue ver coisas legais para fazer no lugar onde estivermos”, conta Diego.

por Luana Bernardes

Café Havana em Cartagena, Colômbia

Diego Drush e Eduardo Heideke, da esquerda para direita

Muro em Homenagem a Gabriel Garcia Marques, Cartagena

Topo da Pedra El Peñon com vista para Peñol Casa de Pablo Escobar em El PenõlVá de bike: a região gourmet de Bogotá, a Zona Rosa, além de ser o espaço das lojas e restaurantes mais chiques, não cobra de turistas pela pedalada no parque El Virrey.

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América Latina //

Hostels pra que te queroEm pouco tempo a vida dos dois se apresentou completamente nova.

Começaram usando o serviço de couchsurfing, sendo acolhidos com carinho em casas de Bogotá, mas logo partiram para o primeiro hostel que os trouxe de vez ao mundo único dos mochileiros. Quem imagina que mochileiro não precisa trabalhar para viajar, se engana. De algum modo, rala-se. Seja ajudando em determinada tarefa ou trabalhando em troca de pouso e comida (o que, até o momento, tem sido a melhor opção para os dois). Além da economia, trabalhar no próprio hostel significa uma ótima oportunidade para fazer amizades com os outros hóspedes, que, claro, sempre vêm dos lugares mais inesperados do mundo.

Com amigos dos hostels nos quais ficaram, já foram a praias, festas e também já ganharam muitos presentes de quem segue viagem (em sua maioria, itens de primeira necessidade, como comida e bebida). Tudo sempre muito bem-vindo. Falando em fazer amizades, Diego e Edu já conquistaram bem mais que a América Latina.

Sentiram também a corrupção da polícia colombiana, quando, em uma subida pelo monte Monserrate, Bogotá, dois policiais os abordaram, revistaram suas mochilas e levaram uma pequena soma de dinheiro. A relação entre nossos personagens e o povo colombiano, contudo, é positiva, pois eles lembram muito os brasileiros. “É um povo festeiro que gosta de futebol tanto quanto a gente. Mas somos turistas, então, pagamos o dobro quando vamos comprar alguma coisa”, comenta Diego. “Antes pensavam que eu era italiano", comenta entre risos Eduardo, "agora acham que eu sou argentino, deve ser o espanhol que está melhorando!" Risos à parte, além da experiência de vida adquirida e todas amizades feitas, a fluência em um novo idioma é mais um ponto a favor para se encarar o mundo sem residência fixa.

Internet sim, conforto nem semprePara eles, percorrer tantos quilômetros não significa se isolar do mundo à sua

volta. Como já dito anteriormente, além do blog constantemente atualizado, o casal se vale de sites como o popular couchsurfing.com onde é possível se hospedar de forma gratuita na casa de nativos e o menos conhecido workaway.com, que serve para encontrar trabalhos nos hostels e jobs de design e comunicação visual, ótimos para quem precisa de mobilidade como eles.

O conforto não é uma prioridade, porque quem necessita de uma cama king size, ar-condicionado e demais mordomias quando a própria cidade te chama para rua, praia ou centro histórico? São tantos caminhos e descobertas esperando lá fora que o conforto parece mesmo dispensável.

A viagem que começou em 12 de junho desse ano não tem data para acabar. O casal conta que, quando as mochilas estavam sendo feitas, ainda no Brasil, a ideia inicial era viajar por apenas seis meses. Na Colômbia já conheceram Bogotá, Santa Marta, Cartagena, Medellín e Tolima. No momento que fechamos essa reportagem, tinham acabado de chegar no Equador. Noventa dias depois, os mochileiros definem agora a viagem como “orgânica”, do tipo que vai se fazendo pelo caminho. O próximo destino é perto e já está marcado: Quito, no Equador. Para saber quanto tempo ficarão e para onde vão em seguida, só acompanhando-os pelo blog ou redes sociais.

Para quem pretende ou está preparando seu primeiro mochilão, Edu e Diego deram bons conselhos: “Dinheiro: não deixe para última hora. Foi o que aconteceu comigo e foi bem ruim. Por um lado foi bom, porque a gente teve que trabalhar mais, além de fazer os bolos para vender, e assim acabamos conhecendo várias pessoas..., mas eu não deixaria isso para última hora de novo”, recomenda Diego.

“Eu quero dizer... só vai, porque eu tinha muito medo de ir, dar tudo errado e ter que voltar para a casa da mãe. Não dá, só vai", completa Edu "Quando eu estava saindo da agência, onde trabalhava, para começar a mochilar, a moça do RH me disse ‘boas férias’, mas não são férias, é um estilo de vida".

E como diria o escritor britânico J. R. R. Tolkien: “Nem todos os que vagueiam estão perdidos”. Nossos personagens podem estar vagando, mas agora estão certos de que se encontraram. A felicidade parece mesmo morar no caminho.

La Candelaria, bairro de Bogotá conhecido por seus pixados e grafitados.

Acampamento em Líbano - Tolima, região cafeeira da Colômbia

Vendo bolo: Além de trabalharem paraos próprios holstels, Edu e Diego também começaram a vender bolos por onde estiverem. Tem dando certo.

Parque Tayrona – Santa Marta,Colômbia, reserva natural indígenacom praias paradisíacas.

Museo Botero, também em La Candelaria, foi até agora um dos lugares mais bacanas que os meninos puderam conhecer. Não são só obras do pró´rio Picasso, Miró, Klimt e Renoir também estão com obras presentes no local. Deleite para os olhos.

Luana Bernardes é editora do Jornal O Duque

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"O sonho de Adrian"mira mostras nacionais

Bons Casmurros põe Maringá na rota dos literatos

#Confraria / Setembro de 2015

Depois de cinco exibições em Maringá, longa busca ciclo de participações fora da cidade

Primeiro longa contemplado, fomentado e executado via prêmio municipal em Maringá, "O sonho de Adrian" encerrou a série de cinco apresentações viabilizadas por meio do Prêmio Aniceto Matti de 2014 e agora está pronto para iniciar um novo ciclo. "Nosso trabalho agora é enviar o filme para festivais, mostras e tudo mais que for possível. Isso ajuda a divulgar em outras regiões do país que Maringá está produzindo", defende o diretor e roteirista Fábio Mascarin.

Sem contar pré e pós-produção do filme, Mascarin revela que foram mais de 150 horas de trabalho direto em sets de filmagem. "Reunir uma equipe empenhada a trabalhar em uma produção desse porte, rodado todo aos finais de semana, é uma vitória para nós", completa. Entre as equipes artística, técnica e de produção, foram mais de vinte profissionais diretamente envolvidos na execução do projeto.

A previsão é que, em 2016, a primeiro reunião do grupo seja com a presença de maringaense Marcos Peres, autor do premiado “O evangelho segundo Hitler” e do recém-lançado “Que fim levou Juliana Klein?”.

No dia 29 de agosto, o grupo se reuniu na Livrarias Curitiba do Shopping Maringá Park para falar sobre o “Graça Infinita”, catatau de mais de mil páginas, escrito por David Foster Wallace (1962-2008) e publicado em 1996. O encontro foi proposto pela Companhia das Letras, editora que lançou a obra no ano passado e que apoia o clube de leitura maringaense.

“Na opinião do grupo, o encontro foi um sucesso. Mais de 30 pessoas estiveram presentes, e a participação do Galindo foi brilhante”, afirma Victor Simião, coordenador do Bons Casmurros e colunista d’O Duque. Na ocasião, o tradutor, além de falar como um leitor do “GI”, respondeu a diversas questões.

Ainda sem data certa – provavelmente em janeiro 2016 – o Bons Casmurros irá ler e discutir “Que fim levou Juliana Klein?”. “Marcos Peres é premiado. Além disso, participa dos nossos encontros. Sem contar que, quem leu o livro, gostou. Ora, qual o motivo para não convidá-lo para a discussão?”, questiona Simião.

O clube de leitura Bons Casmurros foi criado em 2013. Desde então, já discutiu mais de 30 livros.

No centro, Caetano Galindo, tradutor da edição do romance "Graça Inifita", de David Foster Wallace, publicada em português pela Cia das Letras.

Clube de leitura, que recebeu o tradutor Caetano Galindopor meio de parceria com a Companhia das Letras,prepara calendário 2016 com mais participações

Quando um Duque atinge a maioridade

Se nós fossemos contar cada fechamento de edição pelo tempo que ele parece ter, o jornal estaria completando a maioridade nessa edição de setembro. Já foram dezoito capas, com quinze artistas diferentes, mais de cem matérias exclusivas e duzentos e tantos artistas entrevistados. Números interessantes quando estamos falando de um jornal cultural, impresso e independente com apenas dois anos de circulação.

Digo isso como jornalista que vê o mercado dos impressos, como amigo de artistas que precisam divulgar seu trabalho e, acima de tudo, como um observador que acompanhou de perto o nascimento desse projeto na mão dos dois sócios fundadores: Miguel Fernando e Luana Bernardes. Juntos, somaram visão de futuro, carisma, planejamento e muito coração para colocar na rua um projeto que muita gente julgava impossível.

Essa vontade inspirou pessoas que hoje fazem parte da equipe. Zé Flauzino, nosso guru dos "porquês", e Gabriela Camargo Leal trouxeram experiência e segurança para uma empresa que não pode errar - literalmente. Nos últimos meses também passamos a ter a honra de contar com um conselho que nos ensina a cada discussão - impossível falar da história recente do Duque sem lembrar de Gilmar, Paolo, Cris, Tânia, Anibal, Rachel e Ademir. Além deles, nossos valiosos colunistas, ilustradores e repórteres emprestaram, cada qual do seu jeito, um pouco de sua arte para imprimir na história essa nobreza às avessas.

Que venham mais milhares de textos, que nossos artistas estejam neles e que você, leitor, seja o grande vitorioso nessa empreitada que é respeitar e representar o papel da arte e da cultura nesse mundo - por vezes - vazio demais.

Gus Hermsdorff, jornalista e fundador do Jornal O Duque, também é dramaturgo e documentarista.

Gus [email protected]

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Circo //

DADO GUERRA E TÂNIA PIAZZETTA: AMOR À ARTE EM FORMA DE GENTE!

Historicamente, não é possível falar de arte no Paraná, mais precisamente na região oeste, na cidade de Toledo, sem mencionar e registrar o fantástico trabalho realizado pela dupla Dado Guerra e Tânia Piazzetta, ambos com mais de 20 anos dedicados à arte. São duas pessoas que respiram o pensar artístico através da linguagem cênica, que praticam diariamente a inquietação do fazer a diferença social, a diferença humana através da arte.

Entre tantas manifestações eles escolheram o Circo ou, talvez, foram escolhidos como linguagem que melhor expressa a forma como veem o mundo: simples em sua essência de se inter-relacionar com o outro devido ao encantamento e ludicidade, complexo no entendimento da prática que tem, como mola mestra, o aperfeiçoamento técnico individual em busca do sublime para atender ao outro, ao coletivo, e isso eles fazem com maestria, todas as horas, todos os dias.

Quem por eles passa, seja aluno na trupe

Circo da Alegria, da Escola Municipal Anitta Garibaldi, seja na Cia. Circo Ático, seja um gestor, um promotor de evento, seja uma platéia, seja de onde for, quem passa, quem tem contato, jamais será o mesmo, uma vez que foi tocado pela forma mais apaixonante de se fazer arte, ou seja, pela entrega dos desejos e sonhos, das aspirações e vontades, às vezes, da aceitação, outras da transformação, mas nunca da quietude, nunca do conformismo.

Dado e Tânia são educadores, são artistas, são apaixonados um pelo outro e ambos por todos nós, pois é somente através do amor mais puro, mais genuíno, mais essencial que se pode doar-se com tanta dedicação, com tanta integridade. Por isso que os reconhecemos e tanto os valorizamos, pois sabemos que são agentes transformadores de uma realidade que vai muito além da própria arte, muito além do social, já que transita na essencialidade da existência humana, alma dos que se reconhecem e se transformam em pessoas melhores a cada dia.

Luiz VariniEspecial para O Duque

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Tânia Nunes Galvão Verri, arquiteta e professora.

Arquitetura //

Este ano a comunidade arquitetônica comemora o centenário de João Batista Vilanova Artigas (1915-1985), data que possibilita a ressonância do seu legado ao povo brasileiro, pois trabalhou por uma arquitetura livre, democrática e aberta. Evento que condiz com o momento, pois o país vive uma relação conflituosa nas apropriações dos espaços públicos e privados, instigando-nos a retomar seus conceitos de liberdade.

Formado na Escola Paulista de Arquitetura, o curitibano Artigas iniciou o curso de Engenharia Civil na Universidade Federal do Paraná em 1933. Entretanto, no uso de suas convicções, mudou-se para São Paulo e se graduou arquiteto-engenheiro pela escola politécnica da USP (1937).

Em 1944 abriu seu escritório e, à medida em que projetou diferentes espaços, alinhou-se à diversas fases de trabalhos, uma delas caracterizada por forte influência do americano Frank Lloyd Wright. Diz-se que Artigas chega a Wright com base no pragmatismo construtivo politécnico.

Nossa relação com o mestre se iniciou de maneira prosaica, pois a primeira vez que chegamos a Londrina – cidade que tem um acervo importante de sua autoria – no final dos anos 1980, desembarcamos na mais moderna rodoviária do país. Não tínhamos consciência disso, tampouco da relevância de seu trabalho, ideia que foi, na graduação em arquitetura na UEL, apresentada e apreendida. Imediatamente, tivemos a noção do tamanho de seu pensamento

e obra, que fez de Artigas grande mestre para as ações arquitetônicas, políticas e sociais. As obras de Londrina foram concebidas, segundo o próprio autor, “ao sabor da época”, revelando a sintonia que estabelecia com as vanguardas modernas, nas figuras de Le Corbusier e Oscar Niemeyer.

No verso “o monumento não tem porta” da canção “Tropicália” (1967), Caetano Veloso se referia aos palácios de Brasília de Niemeyer, mas a expressão é também a síntese metafórica da obra arquitetônica de Artigas, sobretudo em seu edifício mais importante, a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. A FAU é conhecida como o edifício manifesto, contido numa utopia de cidade, de sociedade, de nação. De fato, não tem portas, é livre, de acesso irrestrito, é de todos e para todos. Sua porção central é a praça, encerrada por caminhos, rampas, como se a cidade estivesse incorporada em seu interior, onde a luz natural banha seus espaços. A cidade está lá. Ele não apenas projetou uma escola de arquitetura, mas se estendeu à revisão pedagógica, reformulação e revolução que acabaram influenciando grande parte dos cursos de arquitetura do país, incluindo o da UEL.

A força de sua fala, o domínio do discurso artístico e sua militância resultaram num conjunto de obras constituídas solidamente que atingem, sobretudo nas obras paulistas, uma linguagem própria, forte e característica de quem atuava nos campos político e profissional, indistintamente.

Construía em concreto, num país onde a maior parte da arquitetura é feita de materiais que em pouco tempo se deterioram. Construir com o concreto é construir para a eternidade e o que está por trás dessa ação é um pensamento clássico, uma arquitetura para durar mil anos. Foi um autor que fazia arquitetura com arte. Em certa ocasião mencionou que, dos direitos dos cidadãos, o mais importante é o direito à beleza.

Cassado pela ditadura, exilou-se por um ano no Uruguai e perdeu seu cargo de docente na maior universidade do país, que sucumbiu aos militares. Em 1984, nas aulas que deu em forma de arguição no concurso para professor titular na FAU/USP, definiu com agudeza poética a essência de sua arquitetura:

Quanto a mim, confesso-lhes que procuro o valor da força da gravidade, não pelos processos de fazer coisas fininhas, uma atrás das outras, de modo que o leve seja leve por ser leve. O que me encanta é usar formas pesadas e chegar perto da terra e, dialeticamente, negá-las.

Sua obra é monumental e eterna; sua mensagem, revolucionária. Junho de 2015 possibilitou a ressonância de seu legado: uma arquitetura livre, democrática, bela e coletiva. Nos dias atuais clamamos por essa filosofia. Viva Artigas!

CEM ANOS DE ARTIGASEspecial

TâniaVerri

Divulgação

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Cinema //

De 7 a 15 de agosto, a cidade de Gramado, no Rio Grande do Sul, disse adeus ao famoso frio da Serra Gaúcha para receber o calor do público que foi prestigiar a 43ª edição do Festival de Cinema de Gramado. O festival, considerado um dos mais importantes do Brasil, traz todo ano o que há de melhor do cinema ibero-americano. Mesmo destacando a produção nacional, o evento não excluiu os filmes estrangeiros e comprovou de vez o talento dos cineastas latinos.

O festival começou com a exibição do elogiado “Que Horas Ela Volta?” (Brasil, 2015), longa dirigido e roteirizado pela paulistana Anna Muylaert (É Proibido Fumar, 2009) e que, infelizmente, não participou da competição. O filme conta a história da babá Val – interpretada de forma magistral pela atriz Regina Casé – e o reencontro com a filha adolescente que não via há 10 anos. A maior parte da película acontece na casa dos empregadores de Val, e mostra tanto a desigualdade social como a diferença de gerações. Se a personagem de Casé se afirma sempre como alguém inferior aos outros devido à sua origem humilde, a filha, interpretada por Camila Márdila, surge para fazer um contraponto ao questionar as atitudes da mãe e a forma como ela é tratada. O longa, que já ganhou diversos prêmios internacionais, surge como o principal representante do Brasil ao Oscar 2016.

A mostra competitiva só começou com o longa mexicano “En La Estancia” (dir. Carlos Armella, 2014), produzido pelo oscarizado Alejandro González Iñárritu (Birdman, 2014) . O filme conta a relação incomum entre Juan Diego, um dos últimos moradores da pequena vila de La Estancia, com o cineasta que documenta a sua vida. A primeira metade da película sofre

de um ritmo desnecessariamente lento em que o diretor opta por gravar em forma de um falso documentário. Na segunda parte, porém, ocorre uma mudança de narrativa e o filme consegue sua redenção ao mostrar a busca do jovem cineasta Sebastian (Waldo Facco) pelo personagem de seu documentário. Vivido de forma magistral por Gilberto Barraza (papel que rendeu ao ator o prêmio de Melhor Ator em Longa Estrangeiro), Juan Diego surge como um homem ingênuo e alegre, mas, ao longo da película, mostra os sinais da solidão que guarda dentro de si. En La Estancia é um filme essencialmente sobre relacionamentos e que, não importando o quão forte eles sejam, todos precisam buscar a própria independência.

Filmes políticos não ficaram de fora: o primeiro, “Zanahoria” (Uruguai, 2014), baseada em fatos reais, foi dirigido e roteirizado pelo cineasta Enrique Buchichio. O longa conta a história real de dois jornalistas que, devido às dicas de um misterioso informante, investigam os supostos crimes cometidos durante a ditadura militar no país. Buchichio utiliza de paleta de cores frias e consegue criar um clima de tensão digno dos melhores filmes hollywoodianos. As influências, aliás, estão lá: de “Se7ven – Os Sete Crimes Capitais” (dir. David Fincher, 1995), a “Todos Os Homens do Presidente” (dir. Alan J. Pakula, 1976), com direito a uma homenagem ao clássico personagem de Garganta Profunda. Já o brasileiro “O Fim e Os Meios”, do veterano Murillo Sales, tem a corrupção como o tema central de sua obra. Sales mostra como até os objetivos mais nobres tendem a ser corrompidos em uma sociedade que não mede esforços para chegar ao poder.

Em meio a grandes nomes presentes no festival, surgiu um longa que roubou lágrimas e elogios

dos presentes. O delicado “Ella” (Colômbia, 2015) conta de forma simples a história de um humilde senhor de idade (vivido de forma exemplar pelo veterano Humberto Arango) e sua busca para conseguir um enterro digno para a esposa recém-falecida. A diretora Libia Stella Gómez utiliza da fotografia em preto e branco para mostrar, de forma competente, a melancolia do protagonista. O roteiro peca, entretanto, ao trazer um enredo secundário desinteressante que ocupa boa parte da película, do qual o único ponto positivo é a atuação da atriz mirim Deisy Marulanda, cuja alegria e inocência se contrapõem à tristeza do personagem principal.

Outros destaques foram os filmes brasileiros “Ausência” de Chico Teixeira e “Um Homem Só” de Cláudia Jouvin, ambos de 2015. O primeiro foi muito elogiado e venceu a mostra competitiva na categoria de Melhor Filme. O segundo, com uma pegada de ficção científica, conta com Vladimir Brichta e Mariana Ximenes nos papéis principais. A transformação física da atriz, aliás, lhe rendeu o prêmio de Melhor Atriz ao viver a simpática Josie.  A decepção ficou por conta de “Introdução à Música de Sangue” (Brasil, 2015) de Luiz Carlos Lacerda. O filme possui um roteiro fraco que não engrena em nenhum momento e as atuações em modo automático de Ney Latorraca e Bete Mendes prejudicam ainda mais a narrativa.

Português ou espanhol, inglês ou francês, não importa. O Festival de Cinema de Gramado mostrou que, independente do idioma mostrado na tela grande, o cinema fala com todos. Afinal a arte é, em toda a sua complexidade, uma linguagem universal.  

Renato Crozatti, estudante de jornalismo.

QUANDO O CINEMA SE RENOVAEspecial

RenatoCrozati

Eric Costa

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Imagens, textos e composição do artista visual Sérgio Augusto

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Literatura //

Viver para contar. A máxima – título da biografia de Gabriel Garcia Márquez – não é o objeto do romance O Próximo da Fila. Henrique Rodrigues não pretendeu demonstrar o domínio (vivido) que possui do que escreveu. Quis, também, mostrar que cada um de nós viveu um pouco de seu escrito. A tarefa – neste ponto já hercúlea – está demonstrada logo no início dos três primeiros parágrafos do romance: 1. “O homem fica em dúvida...”. 2. “Chega sua vez. ” 3. “...acaba optando por algo de que irá fatalmente se arrepender”.

Eis a tríade de premissas: aguardar enquanto possibilidades de escolha se desdobram em sua frente; a inevitabilidade do chamado de vir a ser o protagonista de si mesmo e o inevitável erro, vivido, cantado, rimado e, enfim, colocado em frases de caminhão, como: “só erra quem tenta”. Essas premissas são resumidas logo a seguir, em outro trecho do texto: “Existem basicamente dois tipos de pessoas: aquelas que já se arrependeram e as que ainda vão se arrepender. Pertenço a ambos”

Estas citadas premissas 1. decidir, 2. agir, 3. errar e (4. arrepender) poderiam ter como protagonista um atleta, um empresário do ramo do petróleo, um pároco, um político, eu ou você. Uma nação.

E por ser genérica, universal, quase arquetípica, o autor poderia ruir logo após concluir o seu terceiro parágrafo. Poderia incorrer em clichês, em fórmulas prontas e preguiçosas do “errei, caí, por isso conto” mais ou menos como aquele sujeito saudoso que começa suas orações dizendo: “No meu tempo...”. As possibilidades de erro – não da vida, digo do romance – neste ponto são muitas: explicações mequetrefes e místicas das possibilidades do acaso, das eternas possibilidades ou do modelo heroico-de-mil-faces do sujeito que cai e que busca, portanto, a redenção com confetes e músicas ao final. Henrique Rodrigues, no entanto, sobrevoa todas as minhas antecipações de erro. O seu personagem errou e viveu por conta própria. E tem o que contar.

Somos, deste modo, apresentados a um personagem que vê sua vida se alterar completamente: o pai – representado desde o início como austero e imperativo – é morto. A amorosa mãe se vê em xeque com contas e com a ausência. Tias, a

Viver paracontar(o que vivemos)

primeira, ranzinza, a segunda, compreensiva, completam o colorido do quadro familiar. Uma família que poderia ser a minha ou a sua – e que é um pouco a minha e a sua. Este quadro, com visíveis dificuldades financeiras, precisa mudar de casa, vender o carro. Afirmações como ”os preços subiam a cada dia” vão, pouco a pouco, introduzindo o leitor a uma época específica, a uma realidade – a uma vivência também nossa. Detenho-me aqui, tento não usar a expressão Zeitgeist que, grosso modo, significa o espírito do tempo. Detenho-me também com medo de ser reducionista (e, portanto, preguiçoso). Mas o espírito de um tempo determinado e o próximo da fila se colidem, inevitavelmente. Não há explícito no texto o ano dos acontecimentos. Mas, pouco a pouco, o leitor vai sendo inserido a termos, expressões e costumes que serão preponderantes para a compreensão do tema. Enquanto o protagonista espera o novo disco da Legião Urbana, os preços sobem dia a dia, e o país, que há pouco não podia escolher, parece agora escolher tudo errado (alguma semelhança com a tríade exposta no começo? Não foi acaso, acreditem). Por inserções como estas é que não apenas a pergunta Que país é este? vai sendo respondida. Além do espaço, conhecemos o tempo. E como conhecemos.

Os ecos de um adolescente que perde o pai e que sofre no colégio – no tempo em que nem se pensava na existência da palavra bullyng – também são fortes. A busca pela maturidade, a inserção dolorosa em um mundo adulto tresloucado, a tentativa de proteção mútua entre mãe e filho, a tia chata com certezas prontas para todas as dúvidas da vida, o primeiro amor, o primeiro emprego. Ah, o primeiro emprego! Em um filme de Tim Burton, um personagem reconhece o símbolo de Mefistófeles em uma famosa rede de sanduiches. É, neste caso de Burton, a revisitação (e a repaginação) do famoso tema do sujeito que vende a alma ao demônio em troca de sabedoria. Não consegui não pensar no pacto, assinado com sangue (ou seria catchup?) do jovem protagonista em seu primeiro dia de trabalho. Pularei o primeiro dia de labor (propositalmente, para não tirar o prazer da leitura do infinito do esfregão aos pés e o culto ao deus Padrão), detenho-me apenas na parte em que o personagem chega à sua casa: mal cumprimenta a mãe, toma banho, desmaia na cama em um sono profundo. A tia

Especial

Marcos Peres é escritor, autor dos romances "O Evangelho Segundo Hitler" e "Que fim levou Juliana Klein?"

MarcosPeres

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sabe por experiência própria, por isso recomenda: cuidado, filho, com aquelas coisas fervendo. Não se trata do inferno de Dante ou de Mefistófeles. É a batata frita em óleo quente. E que precisa agilidade, porque o próximo da fila tem pressa. O pacto foi assinado, não há como voltar.

Reconheço no romance várias facetas do autor. Reconheço, na longa fila, alguns bons adjetivos. Ei-los:

Vejo o Henrique oral, sabedor da força da palavra, conhecedor do vocábulo, em uma busca minimalista e sôfrega pelo termo correto, pela fala como é falada, deixe disso, camarada, me dá logo um refrigerante médio com fritas; pela construção de diálogos poderosos, exatos, quase teatrais. Por diálogos que, sem aspas e travessões, são conectados com o fluxo de pensamento do protagonista – um como elemento propulsor do outro.

Vejo o Henrique lírico, advindo de sua própria poesia, capaz de construções dolorosas, como, no capítulo 6, a lenta evolução do quadro familiar, o pai bêbado, a filha virando uma mocinha, a mãe impotente: a atmosfera de uma família com problemas, a repetição de determinados termos, a menina sem entender por que acontece isso, a menina sem entender por que acontece aquilo, ela mocinha e os termos ribombando em nossa cabeça como marteladas, chegando ao ápice quando a filha mais nova diz:

Papai brigou?Vejo a busca do verossímil, sem pudores de explicar o

óbvio, sabedora que explicar o que é uma franquia, hoje, é como explicar porque o céu é azul, mas não o era naqueles tempos, em que palavras como fast food, drive thru e impeachment eram inseridas lentamente no dia a dia.

Vejo o aforista, arquetípico, que, para dizer do mundo e da nação, sabe da necessidade de começar pela própria aldeia, pela própria casa. Vejo os personagens quase como entidades, o pai sendo um superego, um guia para o fantástico mundo dos adultos, o gerente personificando a mediocridade, o-cumprimento-do-previamente-estabelecido-de-maneira-peremptória, o não raciocinar, a mãe sendo o amor, o deus Padrão pairando sob todos (assim mesmo, com Pezão). A tia sendo a hipocrisia, a estrita observância das janelas vizinhas, a frase-pronta, o “eu te disse”, as tentativas de diminuir as possibilidades da escolha, de diminuir, portanto,

Literatura //

as possibilidades de erro, essa coisa tão deliciosamente humana. Diz a citada tia, de coturnos, medalhas e bigodinho: “você sabe, a única esperança para o pobre é servir o quartel, receber o soldo e ajudar em casa. E como ele é inteligente pode fazer prova e ir crescendo lá dentro”. A mãe se alarma, pergunta se não é perigoso. A tia, sapiência secular, ditadora general do senso comum, braveja: “Ele vai aprender a ser homem, a ser macho! ”. Novamente o autor, com sabedoria, faz da história de seu protagonista a história de um “Estado que não é nação”: querem escolher por ele, este tema tão, mas tão atual.

É para levar, senhor? Sim, é. Aposto também que levará consigo o desfecho deste romance. E antes que saia da fila, antes que o próximo venha fazer seu pedido, eu posso te contar uma história? Era uma vez um país que ficou décadas sem escolher o presidente, daí quando foi possível isso acontecer novamente escolheram tão errado que o novo cara meteu a mão na grana de todo mundo, sem pestanejar. E fez tanta merda que foi expulso do trono, e o irmão e o braço direito dele morreram de forma esquisita, e então ficou todo mundo olhando um para o outro dizendo, A culpa foi sua de ter colocado ele lá. Aí veio gente dizer que era melhor antes, quando outros escolhiam, porque essa galera não está preparada para a liberdade, e fim de papo.

Fim de papo? Não há felizes para sempre e, se é isso que procura aqui,

vá para outro lugar, para os irmãos Grimm ou para Miami, quem sabe. Viver é escolher, é errar, é aprender com o hambúrguer queimado que o chapa esquenta, ô se esquenta, as mãos são prova disso. Crescer dói, diz o protagonista. Isso levamos do romance. Isso foi o que vivemos em um passado próximo e o que ainda vivemos. Crescer dói. Para mim, para você e para nosso país.

Mas, infelizmente (ou felizmente), não há maneira melhor do que sofrer com as dores geradas pelos próprios erros. Pelas próprias escolhas. E é isso.

Tenha um bom dia, senhor. Próximo! Acrescenta bacon por dois reais? Batata grande no lugar da média por um e cinquenta? Sobremesa?

Volte sempre.

O próximo da filaEduardo Rodrigues (esquerda)192 páginasEditora Record

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Escola do Rock //

Falar sobre liberdade – e aqui eu digo sobre todo tipo de liberdade: de gênero, de expressão, religiosa e tantas outras – não é uma coisa tão simples... Em tempos onde a intolerância tem falado tão alto e, muitas vezes, se transformado em violência gratuita, esse tema torna-se, talvez, um tanto repetitivo. E é quase sem sentido continuar pedindo por algo que deveria ser normal: deixe que todos sejam livres! Desde 1965, os Rolling Stones cantam: “I’m free to do what I want any old time”.

Me parece que eles não estão sendo exatamente ouvidos... Mas nós queremos nos juntar ao coro que repete essa frase há 50 anos e dizer: EU SOU LIVRE! A atitude, que chega através do seu dial pelas ondas sonoras da Mundo Livre, não escolhe a cor da pele, dos olhos, o tipo do cabelo, a sexualidade... Por um motivo muito simples: tem um monte de gente boa fazendo música independente de quais sejam suas crenças, escolhas ou características físicas. B.B. King era negro; Cassia Eller, lésbica; Kurt Cobain, usuário

de drogas pesadas; Renato Russo, bissexual; Freddie Mercury, gay e eu poderia gastar os carácteres dessa coluna toda citando uma centena de outros músicos memoráveis que talvez não façam parte do “padrão” imposto pela sociedade: hetero, branquinho, com corpo escultural, etc, etc, etc.

Talvez você não saiba, mas aqui no Brasil, a cada 28 horas, uma pessoa é vítima fatal de homofobia Aliás, 70% desses crimes ficam impunes. E é por isso que não dá pra ficar em silêncio. É por isso que Pra te ajudar e começar a tornar seu mundo mais livre, aqui vão as sugestões da galera da Mundo Livre de sons que você, provavelmente, vai curtir muito desses caras aí que são como a gente: eles fizeram seu próprio

Pra te ajudar a tornar seu mundo mais livre, aqui vão as sugestões de sonsda galera da Mundo Livre que você, provavelmente, vai curtir muito.

Esses caras aí são como a gente: fizeram seu próprio mundo mais livre!

mundo mais livre! a gente segue repetindo “I’m free”.Pare por alguns minutos e pense comigo: como

seria a música (e falo principalmente do rock) sem toda essa galera que citei acima e sem David Bowie, Morrissey, Elton John, George Michael, Little Richard, Cazuza, Michael Stipe (R.E.M.), Lou Reed, Iggy Pop, Mick Jagger... Caramba, é inimaginável, né? Pois então, junte-se a nós: faça o seu mundo mais livre. Cante como quiser, dance na rua, ande de mãos dadas, sorria pro nada, beije quem você ama, ouça seu rock bem alto e lembre-se: você é livre para criar o seu mundo!

VOCÊ É LIVREPARA CRIAR O SEU MUNDO

Especial

CínthiaCarla

Meninos e Meninas Ziggy Stardust

I Want To Break Free Ideologia

Gatas Extraordinárias

Cínthia Carla, Jornalista e Locutora da Rádio Mundo Livre FM

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