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Trabalho de Conclusão de Curso de Janaina Muniz - Curso Saúde Mental para Equipes Multiprofissionais - UNIP - São Paulo - Paraíso - Vida Mental Saúde Mental e Nutricional.
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Janaina Araújo Muniz
Justiça Terapêutica
Uma reflexão crítica sobre a prática adotada no Brasil
São Paulo 2013
Janaina Araújo Muniz
Justiça Terapêutica
Uma reflexão crítica sobre a prática adotada no Brasil
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao
curso de Saúde Mental para Equipes
Multiprofissionais da Universidade Paulista, como
requisito para obtenção do título de Especialista.
Orientadores: Prof.ª Ana Carolina Schmidt de Oliveira
Prof. Dr. Hewdy Lobo Ribeiro
São Paulo 2013
Janaina Araújo Muniz
Justiça Terapêutica
Uma reflexão crítica sobre a prática adotada no Brasil
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao
curso de Saúde Mental para Equipes
Multiprofissionais da Universidade Paulista, como
requisito para obtenção do título de Especialista.
Aprovado em:
Banca examinadora
_________________________/____/____
Prof.ª Ana Carolina Schmidt de Oliveira
Universidade Paulista - UNIP
_________________________/____/____
Prof. Dr. Hewdy Lobo Ribeiro
Universidade Paulista – UNIP
Ficha catalográfica
Muniz, Janaina Araújo
Justiça terapêutica: uma reflexão crítica sobre a prática adotada no Brasil./ Janaina Araújo Muniz. – São Paulo, 2013.
35 f. + 1 CD Trabalho de conclusão de curso (especialização) – apresentado à pós-graduação lato sensu da Universidade Paulista, São Paulo, 2013. Área de concentração: Saúde mental. “Orientação: Profª. Ana Carolina Schmidt de Oliveira; Prof. Dr. Hewdy Lobo Ribeiro” 1. Saúde mental. 2. Dependência química. 3. Transtorno. 4. Justiça terapêutica. Universidade Paulista - UNIP. II. Título. III. Muniz, Janaina Araújo. . . . . .
Dedicatória
Aos meus pais Roger e Lúcia e minha irmã Jaqueline.
Ao meu esposo Ivan Collin por estar sempre ao meu lado e não medir esforços
para me ajudar.
Às minhas sobrinhas Luiza e Laura, que são pequenos anjos que transformaram
a minha vida.
A todos os meus amigos que sempre torceram por mim.
Agradecimentos
Agradeço em primeiro lugar a Deus, por dar saúde, sabedoria e persistência diante das
adversidades.
À minha família, pelo apoio nas minhas escolhas.
Ao meu esposo, por estar sempre ao meu lado.
A todos os meus amigos, pelo compartilhamento das alegrias e tristezas.
Ao amigo Gustavo Demartini, pelo auxílio na elaboração desse trabalho.
A Rosineide Lima, por contribuir para a excelência do curso.
A professora Ana Carolina Schmidt, pela diligência nas orientações.
Ao professor Dr. Hewdy Lobo Ribeiro, pelo apoio e contribuição para a minha formação
profissional.
Resumo
Tendo em vista novas perspectivas para lidar com o indivíduo usuário de drogas que
está em conflito com a Lei, a Justiça Terapêutica, um programa judicial de atenuação
do dano social destinado às estas pessoas que praticaram delitos sob o efeito do álcool
ou outras drogas (SILVA et al., 2009), se torna urgente. Assim, pela relevância atual no
que concerne às leis e a prática adotada no Brasil, justifica-se o estudo sobre a prática
da Justiça Terapêutica no Brasil. O presente artigo tem como objetivo discutir a teoria e
prática da Justiça Terapêutica no Brasil a partir de uma reflexão crítica. Constatou-se
que há poucos estudos científicos publicados no Brasil e que a maior parte da produção
científica publicada é da área do Direito, tornando-se relevante o diálogo entre outras
áreas do saber como Medicina, Psicologia, Serviço Social, Sociologia e Antropologia
para subsidiar a construção teórica, tendo em vista que se trata de uma prática que
envolve múltiplas áreas do saber.
Palavras-chave: Justiça Terapêutica, Dependência Química, Políticas Públicas,
legislação.
Abstract
Given new perspectives for dealing with the individual drug user that is in conflict with
the law, Therapeutic Justice, a program of judicial social damage mitigation for these
people who committed the crime under the influence of alcohol or other drugs (SILVA et
al., 2009), becomes urgent. Thus, the current relevance with respect to laws and
practices adopted in Brazil, it is justified to study the practice of Therapeutic Justice in
Brazil. This article aims to discuss the theory and practice of Therapeutic Justice in
Brazil from a critical reflection. It was found that there are few scientific studies published
in Brazil and that most of the published scientific literature is the area of law, becoming
relevant dialogue between other disciplines like Medicine, Psychology, Social Work,
Sociology and Anthropology to subsidize the theoretical construct, given that it is a
practice that involves multiple areas of knowledge.
Key-words: Therapeutic Justice, Chemical Dependence, Publics Politics, legislation.
Lista de Abreviaturas e Símbolos
CAPS AD Centro de Atendimento Psicossocial Álcool e Drogas
CEBRID Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas
CID 10 Classificação Internacional de Doenças – Décima Edição
ECA Estatuto da Criança e do Adolescente
EUA Estados Unidos da América
OBID Observatório Internacional de Drogas
OMS Organização Mundial de Saúde
SENAD Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas
SISNAD Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas
s.n.t sem notas tipográficas
SPA Substâncias Psicoativas
UNODC United Nations Office on Drugs and Crime
Sumário
1. Introdução ........................................................................................................ 11
1.1. Epidemiologia do Uso de Substâncias Psicoativas no Brasil ......................... 13
1.2. Critérios Diagnósticos da Dependência Química ........................................... 14
1.3. Contextualização referente ao Uso de Substâncias Psicoativas (SPA) ......... 15
1.4. Justiça Terapêutica ........................................................................................ 19
1.5. Drugs Courts .................................................................................................. 20
2. Objetivos .......................................................................................................... 21
3. Método.............................................................................................................. 21
4. Resultados ....................................................................................................... 22
5. Discussão ........................................................................................................ 25
6. Considerações finais ...................................................................................... 29
7. Referências ...................................................................................................... 31
11
1. Introdução A relação do homem com as drogas sempre esteve presente desde as
antigas civilizações, onde várias plantas com propriedades alucinógenas eram
empregadas com funções místicas, tendo um papel relevante em rituais religiosos,
principalmente em culturas rudimentares (BORDIN et al., 2010). O uso do álcool é
notado desde o período pré-bíblico, contudo o conceito de uso prejudicial como
uma condição clínica surge na literatura após a Revolução Industrial, a partir do
processo de destilação da substância (SILVA et al., 2010).
Mesmo com a proibição de substâncias psicoativas, o homem busca
maneiras de aliviar o sofrimento:
Contra o temível mundo externo, só podemos defender-nos por algum
tipo de afastamento dele [...]. [...], todo sofrimento nada mais é do que
sensação; só existe na medida em que o sentimos [...]. [...] O serviço
prestado pelos veículos intoxicantes na luta pela felicidade e no
afastamento da desgraça é tão altamente apreciado como um benefício,
que tanto indivíduos quanto povos lhes concederam um lugar
permanente na economia de sua libido. Devemos a tais veículos não só a
produção imediata de prazer, mas também um grau altamente desejado
de independência do mundo externo, pois sabe-se que, com o auxílio
desse ‘amortecedor de preocupações’, é possível, em qualquer ocasião,
afastar-se da pressão da realidade e encontrar refúgio num mundo
próprio, com melhores condições de sensibilidade. (FREUD, 1930, p. 86).
Hoje o impacto do álcool e outras drogas no mundo é um grave problema.
De acordo com dados publicados no Sumário Executivo do Relatório Mundial de
Drogas - World Drug Report de 2012, cinco por cento da população adulta mundial
usou drogas ilícitas pelo menos uma vez em 2010, o que corresponde em média
230 milhões de pessoas; e 0,6% possui problemas relacionados ao seu consumo.
O uso dessas drogas tem se mantido estável no mundo, embora o consumo tenha
aumentado nos países em desenvolvimento (UNODC, 2012). Segundo a OMS
(2009), em todo o mundo, o tabaco mata 5,1 milhões de pessoas por ano, o álcool,
2,3 milhões de pessoas; as drogas ilícitas 245 mil pessoas.
12
Apesar das substâncias lícitas serem as mais consumidas e trazerem
maiores impactos para a população brasileira (CEBRID, 2005), o crack vem
recebendo grande destaque da mídia por suas consequências para o indivíduo e
sociedade. Em estudo que acompanhou uma coorte de 131 indivíduos internados
para desintoxicação por dependência de crack em uma enfermaria de tratamento
para dependentes químicos de um hospital geral, Dias, Araújo e Laranjeira (2011)
verificaram que após 12 anos de alta do hospital, dos 107 (81,6%) dos indivíduos
identificados, 27 (20,6%) haviam falecido, dois (1,5%) estavam desaparecidos, 13
(10%) foram presos, 43 (32,8%) abstinentes, e 22 (16,8%) usuários regulares de
crack.
Em pesquisa com 30 usuários de crack do sexo masculino internados na
Unidade de Desintoxicação do Hospital Psiquiátrico São Pedro de Porto Alegre
(RS), Guimarães et al (2008) identificou antecedentes criminais em 40% da
amostra, e esta variável esteve relacionada a ansiedade, depressão e fissura.
Segundo o site para Narcodenúncia do Paraná produzido pela Secretaria
do Estado de Segurança Pública (2010), no sistema penitenciário, atualmente a
quase totalidade dos presos tem envolvimento direto ou indireto com drogas, quer
seja como traficantes, ou como usuários. Nas ocorrências policiais que são
geradas diariamente em todo o Estado, um grande percentual é em decorrência
do uso de drogas, pois os delitos são gerados por pessoas que estão sob o efeito
de substâncias tóxicas ou praticando delitos com o intuito de conseguir dinheiro
para a compra e o consumo das mesmas.
Segundo o Escritório contra Drogas e Crime das Nações Unidas (UNODC,
s.n.t.), em sua apresentação de Atuação no Brasil, há uma relação direta entre
drogas e aumento do crime e da violência, sendo que em alguns países, mais de
50% dos roubos são cometidos por dependentes químicos para sustentar seus
hábitos. A UNODC coloca que enormes somas de dinheiro são gastas todos os
anos para fortalecer a polícia, o patrulhamento nas regiões de fronteira, os
sistemas judiciais e os programas de tratamento e reabilitação. Os custos sociais
são igualmente altos: violência nas ruas, conflitos de gangues, medo, decadência
urbana e vidas despedaçadas.
13
Tendo em vista novas perspectivas para lidar com o indivíduo usuário de
drogas que está em conflito com a Lei, a Justiça Terapêutica, um programa judicial
de atenuação do dano social, destinado às estas pessoas que praticaram delitos,
sob o efeito do álcool ou outras drogas (SILVA et al., 2009), se torna urgente.
Assim, pela relevância atual no que concerne às leis e a prática adotada no
Brasil, justifica-se o estudo sobre a prática da Justiça Terapêutica no Brasil. O
presente artigo tem como objetivo discutir a prática da Justiça Terapêutica no
Brasil a partir de uma reflexão crítica.
1.1. Epidemiologia do Uso de Substâncias Psicoativas no Brasil
Abaixo são apresentadas tabelas de comparação entre o I e o II
Levantamentos Domiciliares sobre o Uso de Drogas Psicotrópicas no Brasil sobre
a dependência de drogas e as nove drogas mais usadas entre os entrevistados
das 108 cidades com mais de 200 mil habitantes no Brasil (CEBRID, 2001;
CEBRID, 2005).
Tabela 01: Comparação entre os levantamentos de 2001 e 2005 da
dependência de drogas entre os entrevistados das 108 cidades com mais de
200 mil habitantes no Brasil.
Dependência: Porcentagem de dependentes
Drogas 2001 2005
Álcool 11,2% 12,3%
Tabaco 9,0% 10,1%
Benzodiazepínicos 1,1% 0,5%
Maconha 1,0% 1,2%
Solventes 0,8% 0,2%
Estimulantes 0,4% 0,2%
Fonte: II Levantamento domiciliar sobre o uso de drogas psicotrópicas no Brasil (2005).
14
Tabela 02: Comparação entre os levantamentos de 2001 e 2005 das nove
drogas mais usadas entre os entrevistados das 108 cidades com mais de 200
mil habitantes no Brasil.
Droga
Nove drogas mais usadas
Porcentagem de uso na vida
2001 2005
Álcool 68,7% 74,6%
Tabaco 41,1% 44%
Maconha 6,9% 8,8%
Solventes 5,8% 6,1%
Orexígenos 4,3% 4,1%
Benzodiazepínicos 3,3% 5,6%
Cocaína 2,3% 2,9%
Xaropes (codeína) 2,0% 1,9%
Estimulantes 1,5% 3,2%
Fonte: II Levantamento domiciliar sobre o uso de drogas psicotrópicas no Brasil (2005).
Os dados mostram que o álcool e tabaco são as drogas mais consumidas e
que a dependência dessas drogas é significativamente superior em comparação
às demais; também ocorreu um aumento considerável na porcentagem de
dependência dessas duas drogas de 2001 para 2005. A partir das tabelas
percebe-se que a maioria das pessoas que faz uso de drogas ilícitas não se torna
dependente.
De acordo com o Relatório Brasileiro Sobre Drogas publicado em 2009 pelo
Observatório Brasileiro Sobre Drogas (OBID) e pela Secretaria Nacional de
Políticas sobre Drogas (SENAD), a porcentagem de uso de qualquer droga na
vida, com exceção de álcool e tabaco por região brasileira no ano de 2005 era de
14,4% (norte), 14,8% (sul), 17,0% (Centro-Oeste), 24,5% (Sudeste) e 27,6%
(Nordeste).
1.2. Critérios Diagnósticos da Dependência Química
A Classificação Internacional de Doenças - CID-10 (OMS, 1993) define os
seguintes critérios para a Dependência de Substâncias:
15
Um diagnóstico definitivo de dependência deve usualmente ser feito somente se três ou mais dos seguintes requisitos tenham experienciados ou exibidos em algum momento durante o ano anterior:
(a) Um desejo forte ou senso de compulsão para consumir a substância. (b) Dificuldades em controlar o comportamento de consumir a substância em termos de início, término ou níveis de consumo. (c) Estado de abstinência fisiológica, quando o uso da substância cessou ou foi reduzido, como evidenciado por: síndrome de abstinência característica para a substância, ou o uso da mesma substância (ou de uma intimamente relacionada) com a intenção de aliviar ou evitar os sintomas de abstinência. (d) Evidência de tolerância, de tal forma que doses crescentes da substância psicoativa são requeridas para alcançar efeitos originalmente produzidos por doses baixas. (e) Abandono progressivo de prazeres ou interesses alternativos em favor do uso da substância psicoativa: aumento da quantidade de tempo necessária para obter ou tomar a substância ou recuperar-se de seus efeitos. (f) Persistência no uso da substância, a despeito de evidência clara de conseqüências manifestamente nocivas, tais como dano ao fígado por consumo excessivo de bebidas alcoólicas, estados de humor depressivos conseqüentes a períodos de consumo excessivo da substância, ou comprometimento do funcionamento cognitivo relacionado com a droga: deve-se procurar determinar se o usuário estava realmente consciente da natureza e extensão do dano. (OMS, 1993, p.74-75).
1.3. Contextualização da Legislação referente ao Uso de Substâncias
Psicoativas (SPA).
Para Ferreira (2005), em uma sociedade organizada em classes, há dois
discursos: o repressivo e mistificador, aprovado pelos movimentos de “lei e ordem”,
que luta pelo reforço do “direito à segurança” de determinadas classes sociais,
favorecendo o reforço e manutenção das relações de discriminação, dominação,
neutralização e exclusão social em dano às classes economicamente mais
vulneráveis; e o discurso libertário e conscientizador, que é defendido por diversos
movimentos sociais que almejam o emancipatório reconhecimento da Cidadania e
a “segurança dos Direitos”, isenta de preconceitos que os restrinjam, dando ensejo
ao aparecimento e fortalecimento de laços de solidariedade entre as classes
sociais bem como cooperação e participação da sociedade como um todo em um
projeto de inclusão de grupos sociais mais vulneráveis.
16
O modelo sanitário, incorporado no discurso libertário e conscientizador,
que predominou no país por meio século, foi executado no Brasil após pressões
internacionais que desencadearam em um processo de criminalização crescente e
por eficácia do protocolo suplementar de assinaturas da Conferência Internacional
do Ópio que ocorreu em Haia em 1912, recepcionado em nosso preceito jurídico
pelo Decreto n.° 2.861 de 8 de julho de 1914 e regulamentado pelo Decreto n.°
11.481 de 10 de fevereiro de 1915 (FERREIRA, 2005).
O Decreto Legislativo n.° 4.294 de 6 de julho de 1921 anulou anos depois o
art. 159 do Código Penal de 1890 e criou a expressão “substância venenosa que
tiver quantidade entorpecente, como o ópio e seus derivados, a cocaína e seus
derivados” (art. 1°, parágrafo único), acrescentando então a expressão
“entorpecente” no direito brasileiro (FERREIRA, 2005).
Por meio da influência de várias convenções internacionais, em especial as
de Genebra nos anos de 1925, 1931 e 1936, cujo anseio seria estimular a
internacionalização do controle de drogas, surgiu uma sucessão de decretos e
também diversas listas de substâncias ilícitas e, nesse período o tráfico se
fortalece por meio do desvio de drogas de seu fluxo outorgado (FERREIRA, 2005).
O usuário era forçado à prévia e imediata internação pela autoridade policial
em “hospital especial para psicopatas” onde era submetido a um tratamento de
toxi-privação progressiva no qual era acompanhado por autoridades policiais e
judiciárias com a Consolidação das Leis Penais que antecedeu o Código Penal de
1940. (FERREIRA, 2005)
A forte influência positivista e a colaboração entre autoridades judiciárias,
policiais e sanitárias para o compartilhamento de saberes higienistas contribuíram
para que esse período fosse denominado “modelo sanitário”. (FERREIRA, 2005)
Com o início do Código Penal de 1940, as principais mudanças dizem
respeito à descriminalização do consumo, a leve redução dos verbos nos tipos
penais e a agregação do tráfico e da posse ilícita no artigo 281. A atenção sobre
as drogas passa a ser secundária até os anos 60, considerando o encerramento
da “Era Vargas” com o processo de redemocratização no país. (FERREIRA, 2005)
17
Dentro do discurso repressivo e mistificador, surge o Modelo Bélico com o
golpe militar como uma nova forma de tratamento caracterizada pelo uso de
“métodos de guerra”. No Brasil, administrado pela ditadura militar, predominou a
doutrina da Segurança Nacional com o Ato Institucional n° 5 - AL-5, a censura,
Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa
Interna - DOI-CODI, Departamento de Ordem Política e Social - DOPS e os seus
porões. A partir do Decreto-Lei n.° 385 de 26 de dezembro de 1968, houve
equiparação do usuário ao traficante, o que fomentou a oposição de poucos
juristas em decorrência do autoritarismo do regime militar. (FERREIRA, 2005).
Com o intuito de amenizar a situação, os tribunais atuaram com uma
aplicação mais equilibrada, por estarem cientes que uma sentença injusta,
fundamentada nessa equiparação representaria um grande problema pela
perspectiva social. Entretanto, ao invés de condenações equilibradas, houve
absolvições que favoreciam o réu primário e os portadores de pequena quantia de
substância entorpecente (BARRETO,1982 apud FERREIRA, 2005).
Mais recentemente, a Lei 6.368 de 1976, no art. 36 definia que:
Para os fins desta Lei, serão consideradas substâncias entorpecentes ou capazes de determinar dependência física ou psíquica aquelas que assim forem especificados em lei ou relacionadas pelo Serviço Nacional de Fiscalização da Medicina e Farmácia, do Ministério da Saúde.
Os termos “substâncias entorpecentes” presentes na Lei 6.368 de 1976
foram substituídos, na Lei 11.343 de 2006 por “drogas”, que são descritas como
substâncias ou produtos capazes de causar dependência.
A Lei 11.343 de 23 de agosto de 2006 esclarece:
Parágrafo único do artigo primeiro:
Para fins desta lei, consideram-se como drogas as substâncias ou produtos capazes de causar dependência, assim especificados em lei ou relacionados em listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União.
Além disso, a Lei 11.343 de 2006 em seu artigo 28 traz as consequências
da posse para uso pessoal:
18
Quem adquirir, guardar, tiver em depósitos, transportar ou trouxer consigo para consumo pessoal drogas, sem autorização ou em desacordo com determinação legal regulamentar, será submetido às seguintes penas: 1) advertência sobre os efeitos das drogas; 2) prestação de serviço à comunidade; 3) medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
Para o crime de tráfico de drogas, descreve em seu artigo 33:
Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar ao consumo ou fornecer, ainda que gratuitamente, sem a autorização ou em desacordo com a regulamentação legal e regulamentar, a pena é de reclusão de 5 a 15 anos e pagamento de 500 a 1.500 dias/ multa.
A Lei 11.343 de 2006 ainda contribui com a clareza de quem é o sujeito
usuário de drogas inimputável, como pode ser observado nos seguintes artigos:
É isento de pena o agente que, em razão da dependência, ou sob o efeito, proveniente de caso fortuito ou força maior, de droga, era, ao tempo da ação ou omissão, qualquer que tenha sido a infração penal praticada, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com este entendimento. (Lei 11.343 de 2006, Artigo 45). Quando absolver o agente, reconhecendo, por força pericial, que este apresentava, à época do fato previsto neste artigo, as condições referidas no caput deste artigo, poderá determinar o juiz, na sentença, o seu encaminhamento para tratamento médico adequado. (Lei 11.343 de 2006, Artigo 45 paragrafo único). Na sentença condenatória, o Juiz, com base em avaliação que ateste a necessidade de encaminhamento do agente para tratamento, realizada por profissional de saúde com competência específica na forma da lei, determinará que a tal se proceda, observando o disposto no art. 26 desta Lei. (Lei 11.343 de 2006, Artigo 47). O usuário e o dependente de drogas que, em razão da prática de infração penal, estiverem cumprindo pena privativa de liberdade ou submetidos a medida de segurança, têm garantidos os serviços de atenção à saúde, definidos pelo respectivo sistema penitenciário (Lei 11.343 de 2006, Artigo 26).
Assim, a lei referida garante ao sujeito inimputável o direito ao tratamento adequado para sua dependência de substâncias psicoativas.
19
Por fim, uma grande inovação nessa nova Lei foi determinar o Sistema
Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – Sisnad, que:
Prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social dos usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências (Lei 11.343 de 2006).
1.4 . Justiça Terapêutica A fonte inspiradora do movimento brasileiro nomeado de Justiça
Terapêutica por representantes do Ministério Público gaúcho dirigido pelos
procuradores de justiça Ricardo Oliveira Silva e Luiz Achylles Petiz Bardou foi o
Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA e não as Drug Courts norte-
americanas (LIMA, 2011).
A definição do conceito de justiça abarca os aspectos do direito, legais e
sociais, enquanto a palavra terapêutica, concernente à ciência médica, elucida
tratamento e reabilitação de uma situação patológica. A justiça terapêutica é
composta pelo trabalho realizado por profissionais do direito e da saúde, que de
maneira associada, trabalham para promover uma possibilidade de vida e
cidadania, mais humana e justa aos infratores envoltos com drogas (SILVA et
al.,2009).
É um programa judicial de atenuação do dano social, destinado às pessoas
que praticaram delitos, sob o efeito do álcool ou outras drogas. Trata-se de uma
nova perspectiva para enfrentar o problema de pessoas que estão em conflito com
a lei, desde que não sejam identificadas violência ou grave ameaça nas infrações
cometidas e que o transgressor esteja com dificuldades associadas ao uso, abuso
e dependência de drogas (SILVA et al., 2009).
Os benefícios da justiça terapêutica para os usuários e dependentes são:
evitar a prisão, atendimento profissional adequado, diminuição do consumo de
drogas e, consequentemente dos delitos, redução do custo social e financeiro,
permitindo o arquivamento do processo bem como a isenção dos antecedentes
criminais (SILVA et al., 2009).
20
Segundo os mesmos autores, atenuar a superlotação nos presídios por
meio de experiências positivas provenientes de países desenvolvidos também é
uma das propostas da justiça terapêutica no Brasil.
1.5. Drugs Courts
Apesar de Lima (2011) colocar a grande influência do ECA, há autores,
como Ribeiro (2007), que colocam a influência das Drugs Courts para a Justiça
Terapêutica brasileira.
O início remoto das Drug Courts pode ser atribuído ao Narcotic Addict and
Rehabilitation Act aprovado em 1966 (LIMA, 2011). Essa Lei atribuiu competência
aos Estados da federação para encaminhar os acusados com problemas de
drogas para programas de tratamento residenciais e de não hospitalização, no
qual os indivíduos recebiam tratamento por tempo indeterminado no qual eram
obrigados a demonstrar uma adesão firme às normas terapêuticas determinadas
(NOLAN JR, 2001, p. 35 apud LIMA, 2011, p.92).
O elemento droga estava presente em uma elevada quantidade de delitos
cometidos por indivíduos cada vez mais jovens nos EUA e em alguns países na
década de 1960 (LIMA, 2011). Essa década foi descrita por Sérgio Shecaira (2004,
p. 274, 276, 285 apud Lima, 2011 p. 92-93) como resultado de uma insatisfação
permanente nos EUA a partir da II Guerra Mundial.
A prisão como principal resposta, que tinha por finalidade inibir foi perdendo
sua eficiência. Assim, com a redução do controle de ordem pública e a
padronização da criminalidade, houve a intensificação de dois modelos de política
criminal, destinando a responder o problema dos delitos com técnicas e recursos
variados (LIMA, 2011).
Segundo Lima (2011), as políticas de segurança pública em todo o mundo
ainda são influenciadas pelo movimento da Lei e Ordem e o Abolicionismo. O
autor explica que “Lei e Ordem” recomenda um tratamento penal mais rigoroso e
de pouco flexibilidade como solução para a criminalidade enquanto o
“Abolicionismo Penal” sustenta substitutivos penais à prisão e ações seguras.
Como os delitos que envolviam drogas eram os que mais cresciam, ocupavam
21
uma extensa parte do trabalho das varas criminais, tendo como consequência a
superlotação dos estabelecimentos prisionais.
Em 1970, a justiça dos EUA havia instituído varas especialistas no
julgamento de delitos de baixa gravidade associados a drogas, como o transporte
e uso de entorpecentes, com o intuito de aliviar a justiça criminal para lidar com
crimes classificados mais graves (MAKKAI, 2006 apud LIMA, 2011).
Essas varas, conforme explica Lima (2011) foram pioneiras em fornecer
algum tipo de acompanhamento terapêutico composto por programas de
desintoxicação, testes de abstinência e outras medidas não-punitivas para o
usuário que cometeu ato infracional. O autor enfatiza os resultados positivos
dessas medidas em contraposição aos resultados dos programas para
dependentes de drogas realizados dentro do sistema prisional.
2. Objetivos
Objetivo Geral:
Discutir a teoria e a prática da Justiça Terapêutica no Brasil.
Objetivos Específicos:
Identificar publicações científicas nacionais sobre Justiça Terapêutica.
Reflexão crítica sobre a utilização da Justiça Terapêutica no Brasil
Comparar as leis 6.368 de 1976 e 11.343 de 2006.
3. Método
Para o presente estudo, foi realizada revisão de literatura científica com as
palavras chaves “justiça+terapêutica” nas bases de dados Google Acadêmico
(excluindo citações e patentes) e EBSCO Discovery Service, no período de 2005 a
2012. A investigação de artigos foi fundamentada no critério de inclusão de
estudos sobre a Justiça Terapêutica no Brasil. Para complementar o trabalho foi
realizada uma busca no Google Acadêmico, com o termo “comparação entre as
leis 6.368 e 11.343”, para destacar as inovações no tratamento destinado aos
22
dependentes químicos. Esta busca foi filtrada para resultados entre os anos de
2007 a 2012, uma vez que a Lei 11.343 é de 2006.
4. Resultados
No EBSCO Discovery Service foram encontrados 09 resultados através da
chave justiça+terapêutica, sendo 02 artigos científicos, 01 tese de doutorado, 04
matérias de jornais, 01 periódico internacional e um estudo não relacionado ao
tema. Foram eleitos para o estudo apenas 02 artigos e 01 tese de doutorado.
No Google Acadêmico, por meio da descrição “justiça terapêutica”, foram
achados 200 resultados, dos quais foram inclusos apenas 02 artigos. Para
complementar o trabalho também foi realizada uma busca com o termo
“comparação entre as leis 6.368 e 11.343” que obteve 220 resultados, sendo
apenas 01 artigo selecionado pelo conteúdo contemplar o propósito de
comparação entre as duas leis.
Portanto, para o presente estudo foram selecionados 05 artigos e uma tese
de doutorado que atenderam ao critério de inclusão. A tabela 03 apresenta o
resumo dos trabalhos selecionados:
23
Tabela 03. Resumo dos resultados incluídos na revisão
Nome do artigo Autores.
Ano.
Metodologia Desfechos Comentários e
Conclusões
1- O
Programa
Justiça
Terapêuti
ca do
Estado do
Rio de
Janeiro.
LIMA, Lana
Lage da
Gama,
SILVA,
Sabrina
Souza da.,
2012.
Metodologia
qualitativa.
Entrevistas abertas
com equipes de
justiça, jovens
infratores e
estudiosos do tema.
Observação
participante em
audiências e grupo
focal de jovens
infratores.
Os jovens aderem ao
tratamento para
evitar a prisão e
manter a ficha limpa.
Os jovens percebem a
inserção no Programa
como uma imposição,
na qual há a aplicação
de medidas
socioeducativas em
caso de discordância.
2- Justiça
terapêutic
a, drogas
e controle
social.
VERGARA,
Alcides José
Sanches,
2011.
Revisão da Literatura
com o objetivo de
analisar o discurso
de institucionalização
do dispositivo da
Justiça Terapêutica,
sua racionalidade e
aplicação no
território nacional
com um recorte nos
jovens infratores.
As medidas
alternativas e a
maneira como são
aplicadas incitam
questionamentos no
que concerne à
eficácia e resultados
que substituam os
métodos tradicionais
de controle e
monitoramento do
abuso de drogas e
da criminalidade.
Com os programas de
Justiça Terapêutica há
uma alteração nas
técnicas de vigilância e
controle social,
instituídas com o intuito
de atuar de maneira
preventiva sobre os
jovens infratores.
24
3- Justiça
Terapêuti
ca
SILVA,
Luciana
Castro
Roque et al.,
2009.
Método dedutivo
com leitura da
doutrina pertinente,
análise de textos de
lei e jurisprudências.
É possível
proporcionar novas
maneiras de trabalho
com o infrator ao
disponibilizar
possibilidades
eficazes de
reeducação e
ressocialização.
A dificuldade em
empregar a Justiça
Terapêutica é justificada
pela ausência de
opções de locais para
tratamento dos
dependentes químicos
no Estado do Mato
Grosso, principalmente
do sexo feminino.
4- Consumo
pessoal
de
drogas:
descrimin
alização,
despenali
zação ou
descarcer
ização
após o
advento
da Lei n.
11.343/06
FERRARI,
Karine
Ângela,
COLLI,
Maciel, 2012.
Estudo comparativo
teórico entre as Leis
6.368/76 e 11.343/06
É necessário investir
nas prisões e
garantir condições
de encarceramento
e a adoção de
políticas
direcionadas à
descarcerização,
respostas penais
eficazes.
A Lei 11.343/06 mostrou
avanços importantes ao
enxergar o dependente
de drogas como alguém
que requer assistência e
não mais como um
criminoso sujeito à pena
privativa de liberdade.
Por outro lado, trouxe
posicionamentos
distintos entre os
juristas referentes à
descriminalização,
despenalização e
descarcerização.
5- A “Justiça
Terapêuti
ca” e o
conteúdo
ideológico
da
criminaliz
ação do
uso de
drogas no
FERREIRA,
Pedro
Luciano
Evangelista,
2005.
Estudo teórico com
revisão da literatura,
com o objetivo de
analisar a proposta
da “justiça
terapêutica” e
características da
política criminal de
drogas no Brasil.
A história da política
criminal brasileira
mostra que a
proposta tem em
vista atender aos
interesses das
classes
predominantes.
O Estado possui
condições e deve
intensificar o processo
de recuperação e
tratamento, contudo
sem usar o sistema
penal que demonstrou
não ser capaz de
apresentar solução
satisfatória para a
25
Brasil. questão.
6- Justiça
Terapêuti
ca: em
busca de
um novo
paradigm
a
LIMA, Flávio
Augusto
Fontes de,
2009.
A população de
estudo foi de todos
os indivíduos
atendidos nos
CAPS-AD de Recife
nos anos de 2005 e
2006 – 3.069
pessoas.
Resultados da
situação de fracasso
e sucesso na
evolução do
tratamento:
Demanda
Espontânea: 241
Fracasso: 227
Sucesso: 14
Encaminhados pela
justiça: 53
Fracasso: 43
Sucesso: 10
Outras demandas:
207
Fracasso: 200
Sucesso: 7
A justiça criminal
disponibilizar tratamento
adequado a um
dependente pode ser
uma ferramenta para o
restabelecimento de sua
integridade e propiciar a
reinserção social.
5. Discussão
A Justiça Terapêutica para Silva et al (2009) não almeja ocultar a crise do
sistema prisional e segurança pública, mas apresenta como alternativa oferecer
atenção integral, oferecendo tratamento para o uso ou abuso de substâncias
entorpecentes e, atenuando os problemas da superlotação e ausência de
condições adequadas nos presídios.
Silva et al (2009) mostram que a dificuldade apresentada pelo juiz em
empregar a Justiça Terapêutica no Estado do Mato Grosso, é justificada pela
ausência de opções de locais para tratamento dos dependentes químicos,
principalmente do sexo feminino.
Lima e Silva (2012) pesquisaram a questão da Justiça Terapêutica para
jovens. Relatam que os profissionais do Programa tentam fazer com que os jovens
queiram deixar as drogas e mudar de vida por meio da interiorização de valores e
regras primordiais que assegurem o afastamento eficaz do crime. Entre os valores,
26
o trabalho é visto como meio fundamental para a recuperação efetiva dos jovens.
Dessa maneira, os responsáveis pela execução do Programa no Rio de Janeiro
repetem regras que há muito tempo orientam o tratamento concedido aos jovens
das classes sociais menos favorecidas, independente de terem cometido ato
infracional. As autoras verificaram ainda, que estes jovens não reconhecem sua
inserção no Programa como um recurso negociado, mas sim com algo imposto
onde não há como discordar, pois podem ser submetidos às medidas
socioeducativas. Portanto, o receio da internação e a possibilidade de manter-se
com a ficha limpa pela suspensão do processo judicial são revelados como motivo
primordial de seu ingresso no Programa.
Vergara (2011), em sua revisão sobre a temática enfocada em jovens
infratores, conclui que com os programas de Justiça Terapêutica há uma alteração
nas técnicas de vigilância e controle social, instituídas com o intuito de atuar de
maneira preventiva sobre os jovens infratores. A mudança de perspectiva punitiva
para outra de caráter terapêutico, transfere o problema da criminalidade para
identificá-la como doença. A característica da doença irá contribuir para a
participação de mais agentes e agências de vigilância e no controle que são
representados pela família, profissionais de saúde e entidades oferecem
acolhimento aos dependentes químicos.
Para Ferreira (2005) o Estado é capaz e deve intensificar o processo de
recuperação e tratamento, porém sem usar o sistema penal que demonstrou não
ser capaz de apresentar solução para a situação de maneira satisfatória.
Quanto à comparação da Lei 6.368 de 1976 com a 11.343/06 de 2006,
Ferrari e Colli (2012) verificaram que a Lei 11.343/06 mostrou avanços relevantes,
particularmente em relação à posse de drogas para consumo próprio, ao perceber
o dependente de drogas como alguém que requer assistência e não mais como
um criminoso sujeito à pena privativa de liberdade. Mostrou-se inovadora ao
impedir a possibilidade de aplicação da pena privativa de liberdade, que foi
substituída por outras medidas punitivas para o indivíduo que incidir nas condutas
previstas em seu artigo 28.
27
Compreende-se conforme explanado por Ferrari e Colli (2012) que o avento
da Lei de drogas vigente produziu discordâncias na doutrina e jurisprudência,
abrangendo as condutas caracterizadas em seu artigo 28, em consequência da
exclusão da pena privativa de liberdade prevista antes pelo artigo 16 da Lei n.
6.368/76. Por isso, apareceram três posicionamentos divergentes: parte da
doutrina e jurisprudência defende a ocorrência da descriminalização da posse de
drogas para consumo próprio e alicerça o seu posicionamento no disposto no
artigo 1° da Lei de Introdução ao Código Penal, segundo o qual é caracterizado
crime a infração penal que a Lei impor pena de reclusão ou detenção, isolada ou
alternativamente com a multa. Como o artigo 28 não prenuncia pena privativa de
liberdade em seu preceito secundário consideram que o mencionado tipo penal
teria sido descriminado. Os juristas que sustentam a despenalização declaram que
embora o fato permaneça caracterizado como crime, existe um atenuante no
tratamento penal. O principal argumento está no artigo 5°, inciso XLVI da
Constituição Federal e nos artigos 32 e 43 do Código Penal. O primeiro dispositivo
legal possui uma relação de penas, não limitado, especificando que outras penas,
além das previstas podem ser executadas. O artigo 32 do Código Penal divulga os
tipos de penas existentes no ordenamento jurídico, enquanto o artigo 43 determina
os tipos de penas restritivas de direitos. Outros seguem a descarcerização, que é
compreendida pela exclusão da pena privativa de liberdade. De acordo com essa
corrente, o ato não perdeu a característica criminosa e, por isso não há
descriminalização. Também não ocorreu a despenalização, pois há a possibilidade
de sanção penal, ou seja, a conduta não é penalizada com o cárcere, e sim com
medidas alternativas.
Os resultados da pesquisa realizada por Lima (2009) mostram que a
porcentagem de sucesso na evolução do tratamento das pessoas que foram
encaminhadas pela justiça é superior quando comparada aos resultados de
adesão espontânea ou outras demandas de encaminhamento. O autor também
enfatiza que oferecer tratamento apropriado a uma pessoa que é dependente ou
usuária abusiva que tenha praticado delito não fere a dignidade, e que pode ser
28
uma ferramenta importante na reconstituição de sua integridade e proporcionar
sua reinserção social.
29
6. Considerações finais
Esse estudo teve por objetivo analisar e apresentar uma discussão reflexiva
acerca da prática da Justiça Terapêutica no Brasil. Verificou-se tanto
posicionamentos favoráveis como desfavoráveis á prática e que há uma carência
de dados empíricos que possam fundamentar as críticas, tornando-se necessárias
novas pesquisas qualitativas e de relatos de experiências direcionadas à eficácia
da prática no Brasil. Em um dos estudos, o posicionamento desfavorável à Justiça
Terapêutica mostra-se na medida em que é compreendida como uma técnica de
vigilância e controle social, enquanto em outro estudo, embora tenha sido
apresentado o papel do Estado na intensificação do tratamento e recuperação,
severas críticas foram expressas ao sistema penal, descrito como incapaz de
apresentar resultados satisfatórios para o problema.
A Lei 11.343/06 trouxe avanços ao instituir o Sistema Nacional de Políticas
Públicas sobre Drogas – SISNAD na medida que propõe medidas preventivas do
uso, atenção e reinserção social aos usuários e dependentes químicos, mas a
dificuldade em aplicar a Justiça Terapêutica aponta para a ausência de políticas
públicas para a ampliação da rede de atendimento aos dependentes químicos. Por
outro lado, provocou divergências na doutrina e jurisprudência, dando origem a
três posicionamentos distintos. Alguns juristas defendem descriminalização da
posse de drogas para consumo, já que o artigo 28 da Lei 11.343/06 não prescreve
pena privativa de liberdade, mas sim advertência sobre os efeitos das drogas,
prestação de serviços à comunidade e medida educativa de comparecimento a
programa ou curso educativo. Os que defendem a despenalização apontam para a
atenuação no tratamento penal, enquanto aqueles que sustentam a
descarcerização apontam que não houve descriminalização e tampouco
despenalização já que a conduta é penalizada com medidas alternativas ao invés
do cárcere.
Os resultados do estudo realizado com pessoas atendidas nos CAPS – AD
(Centro de Atendimento Psicossocial – Álcool e Drogas) de Recife mostram uma
perspectiva positiva em relação à adesão ao tratamento das pessoas que foram
encaminhadas pela justiça.
30
Assim, apesar dos avanços constatados, verificou-se que estudos
brasileiros sobre a Justiça Terapêutica ainda são escassos e a maior parte da
produção científica é da área do Direito, salientando a necessidade do diálogo
entre outras áreas do conhecimento, como a Medicina, Psicologia, Serviço Social,
Sociologia e Antropologia, por se tratar de uma prática multiprofissional para a
construção de subsídio teórico e prático.
Os estudos mostraram a aplicabilidade do Programa a pessoas em situação
de vulnerabilidade social, não mencionando abrangência às classes média e alta
da sociedade, o que aponta para a necessidade de estudos que possam averiguar
o perfil das pessoas atendidas já que o termo “justiça” abarca igualdade perante a
lei. É urgente a produção de novas pesquisas direcionadas à prática profissional,
envolvendo estas diversas áreas do conhecimento para que seja possível ampliar
e compartilhar o conhecimento, dando continuidade ao atendimento e
aperfeiçoando ou modificando o que for necessário na prática da Justiça
Terapêutica.
É de suma importância a publicação de estudos com amostras de
assistidos pelo Programa Justiça Terapêutica para que a eficácia do tratamento
seja mensurada com base na experiência dos atendidos, uma vez que os estudos
encontrados são em sua maioria, embasados na revisão de literatura.
31
7. Referências
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