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Crtica da Razo Pura - Emmanuel Kant
Crtica da Razo PuraAcrpolis
Kant
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Crtica da Razo Pura Emmanuel Kant Traduo: J. Rodrigues de Merege Edio ACRPOLIS Verso para eBook eBooksBrasil.com Fonte Digital: br.egroups.com/group/acropolis/ Copyright: Domnio Pblico
NDICEINTRODUO I Da Distino Entre o Conhecimento Puro e o Emprico II Achamo-nos de Posse de Certos Conhecimentos A Priori e o Prprio Senso Comum no os Dispensa III A Filosofia Necessita de Uma Cincia que Determine a Possibilidade, os Princpios e a Extenso de Todos os Conhecimentos A Priori IV Diferena Entre o Juzo Analtico e o Sinttico V Os Juzos Matemticos So Todos Sintticos VI Problema Geral da Razo Pura VII Idia e Diviso de Uma Cincia Particular sob o Nome de CRTICA DA RAZO PURA PARTE PRIMEIRA DA TEORIA ELEMENTAR TRANSCENDENTAL Esttica Transcendental Primeira Seo Da Esttica Transcendental do Espao
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Exposio metafsica deste conceito Exposio Transcendental do Conceito de Espao Consequncias dos conceitos precedentes Segunda Seo Da Esttica Transcendental do Tempo Exposio metafsica do conceito de tempo Exposio transcendental do conceito de tempo Corolrios destes conceitos Explicao Observaes gerais sobre a Esttica transcendental Concluso da Esttica transcendental PARTE SEGUNDA DA TEORIA ELEMENTAR TRANSCENDENTAL LGICA TRANSCENDENTAL INTRODUO Idia de Uma Lgica Transcendental I Da Lgica em geral II Da Lgica transcendental III Diviso da Lgica geral em Analtica e Dialtica IV Diviso da Lgica transcendental em analtica e Dialtica transcendental PRIMEIRA DIVISO DA LGICA TRANSCENDENTAL ANALTICA TRANSCENDENTAL LIVRO PRIMEIRO DA ANALTICA TRANSCENDENTAL Analtica dos conceitos CAPTULO I Orientao para a descoberta de todos os conceitos puros do entendimento Primeira Seo Orientao Transcendental Para a Descoberta de Todos os Conceitos do Entendimento Do uso lgico do entendimento em geral Segunda Seo Da funo lgica do entendimento no juzo Terceira Seo Dos conceitos puros do entendimento ou categorias CAPTULO II Deduo dos Conceitos Puros do Entendimento Primeira Seo Dos princpios de uma deduo transcendental em geral Passagem deduo transcendental das categorias Deduo Transcendental dos Conceitos Puros Intelectuais A possibilidade de uma sntese em geral Da unidade primitivamente sinttica da apercepo O princpio da unidade sinttica da apercepo o princpio supremo de todo uso do entendimento Natureza da unidade objetiva da prpria conscincia A forma lgica de todos os juzos consiste na unidade objetiva da apercepo dos conceitos que neles se contm Todas as intuies sensveis so submetidas s categorias como as nicas condies sob as quais o que existe nelas de diverso pode reunir-se conscincia una A categoria no tem outro escopo que o conhecimento das coisas na sua aplicao aos objetivos da experincia Aplicao das categorias aos objetos dos sentidos em geral Deduo transcendental do uso experimental geralmente possvel dos conceitos puros do entendimento
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Resultado desta deduo dos conceitos do entendimento Resumo Desta Deduo LIVRO SEGUNDO ANALTICA DOS PRINCPIOS Introduo Do juzo transcendental em geral CAPTULO I Do esquematismo dos conceitos puros do entendimento CAPTULO II Sistema de todos os princpios do entendimento puro Primeira Seo Do princpio supremo de todos os juzos analticos Segunda Seo Do princpio supremo de todos os juzos sintticos Terceira Seo Representao sistemtica de todos os princpios sintticos do entendimento puro I Axiomas da Intuio II Antecipaes da Percepo III Analogias da Experincia IV Postulados do Pensamento Emprico em Geral NOTAS
Crtica da Razo PuraEmmanuel Kant
INTRODUOI Da Distino Entre o Conhecimento Puro e o Emprico No se pode duvidar de que todos os nossos conhecimentos comeam com a experincia, por-que, com efeito, como haveria de exercitar-se a fa-culdade de se conhecer, se no fosse pelos objetos que, excitando os nossos sentidos, de uma parte, produzem por si mesmos representaes, e de ou-tra parte, impulsionam a nossa inteligncia a compar-los entre si, a reuni-los ou separ-los, e deste modo elaborao da matria informe das impresses sensveis para esse conhecimento das coisas que se denomina experincia? No tempo, pois, nenhum conhecimento pre-cede a experincia, todos comeam por ela. Mas se verdade que os conhecimentos deri-vam da experincia, alguns h, no entanto, que no tm essa origem exclusiva, pois poderemos admitir que o nosso conhecimento emprico seja um composto daquilo que recebemos das impres-ses e daquilo que a nossa faculdade cognoscitiva lhe adiciona (estimulada somente pelas impres-ses dos sentidos); aditamento que propria-mente no distinguimos seno mediante uma longa prtica que nos habilite a separar esses dois elementos. Surge desse modo uma questo que no se pode resolver primeira vista: ser possvel um conhecimento independente da experincia e das impresses dos sentidos?
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Tais conhecimentos so denominados a prio-ri, e distintos dos empricos, cuja origem e a posteriori, isto , da experincia. Aquela expresso, no entanto, no abrange todo o significado da questo proposta, porquanto h conhecimentos que derivam indiretamente da experincia, isto , de uma regra geral obtida pela experincia, e que no entanto no podem ser ta-chados de conhecimentos a priori. Assim, se algum escava os alicerces de uma casa, a priori poder esperar que ela desabe, sem precisar observar a experincia da sua queda, pois, praticamente, j sabe que todo corpo aban-donado no ar sem sustentao cai ao impulso da gravidade. Assim esse conhecimento nitida-mente emprico. Consideraremos, portanto, conhecimento a priori, todo aquele que seja adquirido independentemente de qualquer experincia. A ele se opem os opostos aos empricos, isto , queles que s o so a posteriori, quer dizer, por meio da experincia. Entenderemos, pois, daqui por diante, por co-nhecimento a priori, todos aqueles que so absolutamente independentes da experincia; eles so opostos aos empricos, isto , queles que s so possveis mediante a experincia. Os conhecimentos a priori ainda podem dividir-se em puros e impuros. Denomina-se conhecimento a priori puro ao que carece comple-tamente de qualquer empirismo. Assim, p. ex., toda mudana tem uma cau-sa, um princpio a priori, mas impuro, porque o conceito de mudana s pode formar-se extrado da experincia. II Achamo-nos de Posse de Certos Co-nhecimentos A Priori e o Prprio Senso Comum no os Dispensa Trata-se agora de descobrir o sinal pelo qual o conhecimento emprico se distingue do puro. A experincia nos mostra que uma coisa desta ou daquela maneira, silenciando sobre a possibilidade de ser diferente. Digamos, pois, primeiro: se encontramos uma proposio que tem que ser pensada com carter de necessidade, tal proposio um juzo a prio-ri". Se, alm disso, no derivada e s se concebe como valendo por si mesma como necessria, ser ento absolutamente a priori. Segundo: a experincia no fornece nunca juzos com uma universalidade verdadeira e rigo-rosa, mas apenas com uma generalidade suposta e relativa (por induo), o que. propriamente quer dizer que no se observou at agora uma exceo a determinadas leis. Um juzo, pois, pensado com rigorosa universalidade, quer dizer, que no ad-mite exceo alguma, no se deriva da experin-cia e sem valor absoluto a priori. Portanto, a universalidade emprica nada mais do que uma extenso arbitrria de validade, pois se passa de uma validade que corresponde maior parte dos casos, ao que corresponde a todos eles, como p. ex. nesta proposio: Todos os corpos so pesados. Pelo contrrio, quando uma rigorosa universa-lidade essencial em um juzo, esta universali-dade indica uma fonte especial de conhecimento, quer dizer, uma faculdade de conhecer a priori. A necessidade e a precisa universalidade so os caracteres evidentes de um conhecimento a prio-ri, e esto indissoluvelmente unidos. Mas como na prtica mais fcil mostrar a limitao emp-rica de um conhecimento do que a contingncia nos juzos, e como tambm mais evidente a uni-versalidade ilimitada do que a necessidade absolu-ta, convm servir-se separadamente desses dois critrios, pois cada um por si mesmo infalivel. Ora, fcil demonstrar que no conhecimento humano existem realmente juzos de um valor necessrio, e na mais rigorosa significao univer-sal; por conseguinte, juzos puros, a priori. Se se quer um exemplo da prpria cincia, basta reparar em todas as proposies da Matemtica. Se se quer outro tomado do bom senso, pode bastar a proposio de que cada mudana tem uma causa. Neste ltimo exemplo, o conceito de causa contm de tal modo o de necessidade de enlace com um efeito e a rigorosa generalidade da lei, que desapareceria por completo se, como o fez Hume, quisssemos deriv-lo da freqente asso-ciao do que segue com o que precede e do hbito (e por isso de umafile:///C|/Documents%20and%20Settings/claudia/Desktop/critica.html (4 of 93)30/11/2007 17:18:20
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necessidade simplesmente sub-jetiva) de ligar certas representaes. Tambm se poderia, sem recorrer a esses exemplos, para provar a existncia de princpios a priori em nosso conhecimento, demonstrar que so indispensveis para a possibilidade da mesma experincia, sendo portanto uma demonstrao a priori". Porque, onde basearia a experincia a sua cer-teza se todas as regras que empregasse fossem sempre empricas e contingentes? Assim, os que possuem esse carter dificil-mente so aceitos como primeiros princpios. Basta-nos haver manifestado aqui o uso puro de nossa faculdade de conhecer de um modo efe-tivo e os caracteres que lhe so prprios. No s nos juzos, pois tambm nos concei-tos encontramos uma origem apriorstica de al-guns. Realmente, subtrai do vosso conceito emprico de um corpo tudo quanto possui de emprico: a cor, a dureza, a moleza, o peso, e a prpria impe-netrabilidade, e ficar o espao que (ora vazio) ele ocupava e que no pode ser suprimido. Quando separais de alguns conceitos empri-cos de um objeto, corpreo ou no, todas as propriedades que a experincia ministra, no podeis no entanto priv-lo daquela, mediante a qual pensada como substncia, ou aderente a uma substncia (se bem que esse conceito de substn-cia contenha mais determinaes que o de um ob-jeto em geral). Deveis, pois, reconhecer que a necessidade com que este conceito se impe d-se em virtude da sua existncia, a priori na vossa faculdade de conhecer. III A Filosofia Necessita de Uma Cin-cia que Determine a Possibilidade, os Prin-cpios e a Extenso de Todos os Conheci-mentos A Priori H uma coisa ainda mais importante que o que precede: certos conhecimentos por meio de conceitos, cujos objetos correspondentes no po-dem ser fornecidos pela experincia, emancipam-se dela e parece que estendem o crculo de nossos juzos alm dos seus limites. Precisamente nesses conhecimentos, que transcendem ao mundo sensvel, aos quais a expe-rincia no pode servir de guia nem de retificao, consistem as investigaes de nossa razo, inves-tigaes que por sua importncia nos parecem su-periores, e por seu fim muito mais sublimes a tudo quanto a experincia pode apreender no mundo dos fenmenos; investigaes to importantes que, abandon-las por incapacidade, revela pouco apreo ou indiferena, razo pela qual tudo inten-tamos para as fazer, ainda que incidindo em erro. Esses inevitveis temas da razo pura so: Deus, liberdade e imortalidade. A cincia cujo fim e processos tendem resoluo dessas questes denomina-se Metafsica. Sua marcha, , no princpio, dogmtica; quer dizer, ela enceta confiadamente o seu trabalho sem ter provas na potncia ou impotncia de nossa razo para to grande em-presa. Parecia, no entanto, natural que, ao abando-nar o terreno da experincia, no construssem imediatamente um edificio com conhecimentos adquiridos sem saber como, ou sobre o crdito de princpios cuja origem ignoramos. E sem haver assegurado, antes de tudo, mediante cuidadosas investigaes, acerca da solidez do seu fundamen-to. Pelo menos, antes de o construir, deveriam ter apresentado estas questes: Como pode a inteli-gncia chegar aos conhecimentos a priori? Que extenso, legitimidade e valor podem ter? Com efeito, nada seria mais natural, se esta palavra significa o que conveniente e racionalmente deve suceder; mas se por ela entendemos o que de ordinrio se faz, nada mais natural que dar ao olvido essas questes, pois desfrutando de certeza uma parte de nossos conhecimentos, a Matemtica, concebese a fagueira esperana de que os demais cheguem ao mesmo ponto. Por outra parte, abandonando o crculo da ex-perincia, podem estar seguros de no ser contraditados por ela. O desejo de estender os nossos co-nhecimentos to grande que s detm seus pas-sos quando tropea em uma contradio clarssi-ma; mas as fices do pensamento, se esto arru-madas com certo cuidado, podem evitar tais trope-os, ainda que nunca deixem de ser fices. As matemticas fornecem um brilhante exemplo do que poderamos fazer independente-mente dafile:///C|/Documents%20and%20Settings/claudia/Desktop/critica.html (5 of 93)30/11/2007 17:18:20
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experincia, nos conhecimentos a prio-ri. verdade que no se ocupam seno de objetos e conhecimentos que podem ser representados pela intuio; mas esta circunstncia facilmente se pode reparar, porque a intuio de que se trata pode dar-se a priori por si mesma, e por conse-guinte, apenas distinguvel de um simples con-ceito puro. A propenso a estender os conhecimentos, im-buida com esta prova do poder da razo, no v limites para o seu desenvolvimento. A pomba li-geira agitando o ar com seu livre vo, cuja resis-tncia nota, poderia imaginar que o seu vo seria mais fcil no vcuo. Assim, Plato, abandonando o mundo sensvel que encerra a inteligncia em limites to estreitos, lanou-se nas asas das idias pelo espao vazio do entendimento puro, sem advertir que com os seus esforos nada adiantava, faltando-lhe ponto de apoio onde manter-se e segurar-se para aplicar foras na esfera prpria da inteligncia. Mas tal geralmente a marcha da razo hu-mana na especulao; termina o mais breve pos-svel a sua obra, e no procura, at muito tempo depois, indagar o fundamento em que repousa. Uma vez chegado a esse ponto, encontra toda sorte de pretextos para consolar-se dessa falta de solidez, ou, em ltimo termo, repele voluntaria-mente a perigosa e tardia prova. Mas o que nos livra de todo cuidado e receio durante a constru-o de nossa obra, e ainda nos engana por sua aparente solidez, que uma grande parte, qui a maior, do trabalho de nossa razo, consiste na anlise de conceitos que j temos formados sobre os objetos. Isso nos d uma infinidade de conhecimentos que, se bem sejam apenas esclarecimentos e explicaes daquilo que foi pensado em nossos con-ceitos (ainda que de maneira confusa), estimam-se, todavia, como novas luzes (Einsicheter), pelo menos, quanto sua forma, por mais que no aumentem a matria nem o contedo de nossos conceitos, pois simplesmente os preparam e orde-nam. Como esse procedimento d um conhecimento real a priori que segue uma marcha segura e til, enganada e iludida a razo, sem o notar, en-tra em afirmaes de uma natureza completa-mente distinta e totalmente estranha ao conceito dado a priori e sem que saiba como as conse-guiu, nem se lhe ocorra fazer-se semelhante per-gunta. Por isso, pois, tratarei desde o comeo da dife-rena que existe entre essas duas espcies de conhecimentos. IV Diferena Entre o Juzo Analtico e o Sinttico Em todos os juzos em que se concebe a rela-o de um sujeito com um predicado (conside-rando s os juzos afirmativos, pois nos negativos mais fcil fazer, depois, a aplicao), esta rela-o possvel de dois modos: ou o predicado B pertence ao sujeito A como algo nele contido (de um modo tcito), ou B completamente estranho ao conceito A, se bem se ache enlaado com ele. No primeiro caso chamo ao juzo analtico, no se-gundo, sinttico. Os juzos analticos (afirmativos) so, pois, aqueles em que o enlace do sujeito com o predicado se concebe por identidade; aqueles, ao contrrio, cujo enlace sem identidade, devem chamar-se juzos sintticos. Poder-se-ia tambm denominar os primeiros de juzos explicativos, e aos segundos, de juzos extensivos, pelo motivo de que aqueles nada aditam ao sujeito pelo atributo, apenas decompondo o sujeito em conceitos parciais compreendidos e concebidos (ainda que taci-tamente) no mesmo, enquanto que, pelo contrrio, os ltimos acrescentam ao conceito do sujeito um predicado que no era de modo algum pensado naquele e que no se obteria por nenhuma decom-posio. Quando digo p. ex.: todos os corpos so ex-tensos, formulo um juzo analtico, porque no tenho que sair do conceito de corpo para achar unida a ele a extenso, e s tenho que decomp-lo, quer dizer, s necessito tornar-me cnscio da di-versidade que pensamos sempre em dito conceito para encontrar o predicado; portanto um juzo analtico. Pelo contrrio, quando digo: todos os corpos so pesados, j o predicado algo comple-tamente distinto do que em geral penso no simples conceito de corpo. A adio de tal atributo d, pois, um juzo sinttico. Os juzos da experincia, como tais, so todos sintticos. Porque seria absurdo fundar um juzo anal-tico na experincia, pois para form-lo no preciso sairfile:///C|/Documents%20and%20Settings/claudia/Desktop/critica.html (6 of 93)30/11/2007 17:18:20
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do meu conceito e por conseguinte no me necessrio o testemunho da experincia. P. ex.: um corpo extenso uma proposio a priori e no um juzo da experincia porque antes de dirigir-me experincia, tenho j em meu con-ceito todas as condies do juzo; s me resta, se-gundo o princpio de contradio, tirar o predicado do sujeito e ao mesmo tempo chegar a ter cons-cincia da necessidade do juzo, necessidade que jamais a experincia poder subministrar-me. Pelo contrrio, embora eu no tire do conceito de corpo em geral o predicado pesado, indica, sem embargo, aquele conceito um objetivo da expe-rincia, uma parte da experincia total, qual posso ainda aditar outra parte da mesma como pertencente a ela. Posso reconhecer antes, analiticamente, o conceito de corpo pelas propriedades da extenso, impenetrabilidade, forma etc., etc., as quais so todas pensadas neste conceito. Mas se amplio meu conhecimento e observo a experincia que me proporcionou o conceito de corpo, encontro enla-ada constantemente com todas as anteriores pro-priedades e de gravidade (o peso), que adito sinte-ticamente, como predicado, quele conceito. V Os Juzos Matemticos So Todos Sintticos Esta proposio parece ter escapado at hoje s indagaes dos que analisam a razo humana, e quase esto opostas s suas conjeturas, apesar da sua incontrovertvel certeza e da suma impor-tncia de suas conseqncias. Como se observa que os raciocnios dos mate-mticos procediam todos dos princpios de contradio (exigido pela natureza de toda certeza apodti-ca), acreditava-se tambm que os princpios ti-nham sido reconhecidos em virtude do mesmo processo: no que se enganaram, porque se indubi-tavelmente uma proposio sinttica pode ser co-nhecida segundo o princpio de contradio, isto no possvel dentro de si mesma, seno supondo outra proposio sinttica de que possa ser dedu-zida. Deve notar-se, antes de tudo, que as proposi-es propriamente matemticas so sempre juzos a priori e no juzos empricos, porque implicam necessidade, que no se pode obter pela experin-cia. Mas, se no se quer conceder isto, limito mi-nha proposio s matemticas puras, cujo con-ceito traz consigo o no conter conhecimentos em-pricos, mas to-somente a priori. I Poder-se-ia em verdade crer, primeira vista, que a proposio 7 + 5 = 12 puramente analtica, resultante, segundo o princpio de con-tradio, do conceito de uma soma de sete e cinco. Mas se a considerarmos com mais ateno, acha-remos que o conceito de soma de sete e cinco no contm mais do que a unio dos dois nmeros em um s, o que no faz pensar qual seja esse n-mero nico que compreenda aos outros dois. O conceito de 12 no de modo algum percebido s pelo pensamento da unio de cinco e sete, e posso decompor todo meu conceito dessa soma tanto quanto quiser, sem que por isso encontre o nmero 12. preciso, pois, ultrapassar esse conceito recorrendo-se intuio correspondente a um dos dois nmeros, qui aos 5 dedos da mo ou a cinco pontos (como faz Segner em sua Aritmti-ca), e aditar sucessivamente ao conceito sete as cinco unidades dadas na intuio. Com efeito, tomo primeiramente o nmero se-te, e auxiliando-me de meus dedos como intuio para o conceito de 5, acrescento sucessivamente ao nmero 7 as unidades que tive de reunir para formar o 5, e assim vejo surgir o nmero 12. Pela adio de sete e cinco tenho idia desta soma 7 + 5, verdade; mas no que esta seja igual ao nmero 12. A proposio aritmtica , pois, sempre sinttica: o que se compreende ainda mais claramente se se tomam nmeros maiores, pois ento evidente que, por mais que volvamos e coloquemos nosso conceito quanto quisermos, nunca poderemos achar a soma mediante a sim-ples decomposio de nossos conceitos e sem o auxilio da intuio. Tampouco analtico um princpio qualquer de Geometria pura. uma proposio sinttica que a linha reta, entre dois pontos a mais curta, porque meu con-ceito de reta no contm nada que seja quantida-de, seno s qualidade. O conceito de mais curta completamente aditado e no pode provir de modo algum da decomposio do conceito de linha reta. preciso, pois, recorrer-se aqui intuio, nico modo para quefile:///C|/Documents%20and%20Settings/claudia/Desktop/critica.html (7 of 93)30/11/2007 17:18:20
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seja possvel a sntese. Algumas poucas proposies fundamentais, que os gemetras pressupem, so realmente analticas e se apiam no princpio de contradio; mas tambm verdade que s servem, como pro-posies idnticas, ao encadeamento do mtodo e no como princpios, tais como, p. ex., a = a, o todo igual a si mesmo: ou (a + b) < a, o todo maior do que a parte. E, sem embargo, estes mesmos axiomas ainda que valham como simples conceitos, so admitidos nas matemticas somente porque podem ser re-presentados em intuio. A ambigidade de expresso que geralmente nos faz crer que o predicado de tais juzos apodticos existe j em nossos conceitos, e que, conse-guintemente, analtico o juzo. A um conceito dado temos que aditar certo predicado, e esta necessidade pertence j aos conceitos. Mas a questo no o que devemos aditar com o pensamento a um conceito dado, seno o que realmente pensamos nele, ainda que de um modo obscuro. Vemos, pois, que o predicado se une necessa-riamente ao conceito, no como concebido nele, seno mediante uma intuio que a ele deve unir-se. II A cincia da natureza (Fsica) contm como princpios, juzos sintticos a priori. S tomarei como exemplos estas duas proposies: em todas as mudanas do mundo corpreo a quan-fidade de matria permanece sempre a mesma, ou, em todas as comunicaes de movimento a ao e reao devem ser sempre iguais. Em ambos vemos, no s a necessidade e, por conseguinte, sua origem a priori, seno que so proposies sintticas. Porque no conceito de matria no penso em sua permanncia, mas unicamente em sua pre-sena no espao que ocupa, e, portanto, vou alm do conceito de matria para atribuir-lhe algo a priori que no havia concebido nele. A proposio no , pois, concebida analtica, seno sinteticamente ainda que a priori, e as-sim sucede com as restantes proposies da parte pura da Fsica. III Tambm devem haver conhecimentos sintticos a priori na Metafsica, ainda que s a consideraremos como uma cincia em ensaio; mas que, no obstante, torna indispensvel a natureza da razo humana. A Metafsica no se ocupa unicamente em analisar os conceitos das coisas que ns formamos a priori, e, por conseguinte, em explicaes ana-lticas, seno que por ela queremos estender nos-sos conhecimentos a priori, e para o efeito nos valemos de princpios que aos conceitos dados adi-tam algo que no estava compreendido neles, e mediante os juzos sintticos a priori nos afas-tamos tanto, que a experincia no pode seguir--nos, p. ex., na proposio: o mundo deve ter um primeiro princpio etc., etc. Assim, pois, a Metafsica consiste, pelo menos segundo seu fim, em proposies puramente sintticas a priori. VI Problema Geral da Razo Pura Muito se adiantou com haver podido trazer forma de um s problema uma infinidade de questes: Com isso, no s se facilita o prprio trabalho determinando-o com preciso, como tambm se facilita o exame para outro que queira verificar se cumprimos ou no o nosso desgnio. O verdadeiro problema da razo pura contm-se nesta pergun-ta: como so possveis os juzos sintticos a prio-ri"? Se a Metafsica permaneceu at agora em um estado vago de incerteza e contradio, deve atribuir-se unicamente a que esse problema assim como tambm a diferena entre o juzo analtico e o sinttico, no se tinham apresentado antes ao pensamento. A vida ou morte da Metafsica depende da so-luo desse problema, ou da demonstrao de que impossvel resolv-lo. David Hume , de todos os filsofos, o que mais se aproximou desse proble-ma, mas esteve longe de o determinar suficiente-mente e no o pensou em toda a sua originalidade; detendose s ante o princpio sinttico da relao de causa e efeito (principium causalitatis), acre-ditou poder deduzir que o tal princpio absoluta-mente impossvel a priori, e, segundo as suas concluses, tudo o que denominamos Metafsica descansaria sobre uma simples opinio de um pre-tendido conhecimentofile:///C|/Documents%20and%20Settings/claudia/Desktop/critica.html (8 of 93)30/11/2007 17:18:20
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racional, que no fato nasce simplesmente da experincia e que recebe, do h-bito, certo aspecto de necessidade. Esta afirmao, destruidora de toda a Filosofia pura, no seria nunca emitida, caso o seu autor houvesse abordado em toda a sua generalidade esse problema, porque ento teria compreendido que, segundo o seu argumento, tampouco pode-riam existir as matemticas puras, pois elas con-tm certamente princpios sintticos a priori, e seu bom senso teria retrocedido ante semelhante asserto. Na resoluo do precedente problema est tambm compreendida ao mesmo tempo a possibilidade do emprego da razo pura na fundao e construo de todas as cincias que contm um conhecimento terico a priori dos objetos, quer dizer, est contida a resposta destas perguntas: Como possvel uma Matemtica pura? Como possvel uma Fsica pura? No se pode perguntar destas cincias, mais do que como so possveis porque, ao existirem como reais, demonstram pois que o so. No tocante Metafsica, como seus passos tm sido at hoje to desditosos, to distantes do fim essencial da mesma, que pode dizer-se que to-dos tm sido em vo, perfeitamente explica-se a dvida de sua possibilidade e de sua existncia. Mas, todavia, esta espcie de conhecimento deve, em certo sentido, considerar-se como dado; e a Metafsica real, seno como cincia feita, pelo menos em sua disposio natural (Metaphisica naturalis), porque a razo humana, sem que esteja movida por uma vaidade de uma oniscincia; se-no simplesmente estimulada por uma necessi-dade prpria, marcha sem descanso algum para questes que no podem ser resolvidas pelo uso emprico da razo, nem por princpios que dela emanem. Isso sucede realmente a todos os ho-mens, logo que a sua razo comea a especular; por isso a Metafsica existiu sempre e existir onde esteja o homem. De tal modo a nossa ques-to agora: como possvel a Metafsica como disposio natural? Quer dizer: como nascem da natureza da razo humana universal essas ques-tes, que a razo pura formula e que por necessi-dade prpria se sente impulsionada a resolver? Mas como todos os ensaios feitos at hoje para resolver essas questes naturais (por exemplo: a de saber se o mundo teve princpio, ou se eterno etc.) tm encontrado contradies inevitveis, no podemos contentar-nos com a simples disposio natural para a Metafsica, quer dizer, com a fa-culdade da razo pura, de que procede uma Metafsica, qualquer que seja; seno que deve ser pos-svel chegar com ela a uma certeza ou ignorncia dos objetos e poder afirmar algo sobre os objetos dessas questes ou sobre a potncia da razo, e, por conseguinte, a estender com confiana seu po-der ou coloc-la em limites seguros e determinados. -Esta ltima questo, que resulta do problema geral que precede, se expressa nos seguintes ter-mos: de que modo possvel a Metafsica como cincia? A crtica da razo conduz, por fim, necessa-riamente, cincia; o uso dogmtico da razo sem crtica conduz, pelo contrrio, a afirmaes infun-dadas, que sempre podem ser contraditadas por outras no menos verossmeis, o que conduz ao ceticismo. Nem tampouco pode essa cincia ter uma ex-tenso excessiva, porque no se ocupa dos objetos da razo, cuja diversidade infinita, mas sim-plesmente da razo mesma, de problemas que nascem exclusivamente do seu seio e que se lhe apresentam, no pela natureza das coisas que di-ferem dela, seno pela sua prpria. Mas uma vez que conhea perfeitamente a sua prpria faculdade em relao com os objetos que pode fornecer-lhe a experincia, ser-lhe- fcil determinar com toda segurana a exatido a ex-tenso e limites de seu exerccio, intentado fora dos limites da experincia. Pode-se e deve-se, portanto, considerar como ineficaz todo ensaio feito at aqui para construir uma metafsica dogmtica, porque o que neles existe de analtico, a saber: a simples decomposi-o dos conceitos que a priori se encontram em nossa razo, no seu fim total, seno somente um meio preliminar da Metafsica, cujo objeto estender nossos conhecimentos cientficos a prio-ri". A anlise incapaz de realizar isto, pois se re-duz a mostrar o que se acha contido em ditos conceitos, e no diz como foi adquirido a priori, para poder depois determinar o seu legtimo em-prego nos
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Crtica da Razo Pura - Emmanuel Kant
objetos de todos os nossos conhecimen-tos em geral. No se necessita grande abnegao para re-nunciar a todas essas pretenses, posto que as evidentes e inevitveis contradies da razo con-sigo mesma no processo dogmtico, causaram por largo tempo o descrdito da Metafsica. Por isso ser mister muita firmeza para que a dificuldade intrnseca e a oposio externa no nos afastem de uma cincia to indispensvel razo humana, cuja raiz no poderia estragar-se ainda que se cortassem todos os seus ramos exte-riores, e que, mediante um mtodo diferente e oposto ao que at hoje tem sido empregado, pode adquirir um til e fecundo desenvolvimento. VII Idia e Diviso de Uma Cincia Par-ticular sob o Nome de CRTICA DA RAZO PURA De tudo o que precede resulta, pois, a idia de uma cincia particular que pode chamar-se crtica da razo pura, por ser a razo a faculdade que proporciona os princpios do conhecimento a priori. Razo pura , por isso, a que contm os prin-cpios para conhecer algo absolutamente a prio-ri. Um orgnon da razo pura seria o conjunto de princpios mediante os quais todos os conhecimen-tos a priori poderiam ser adquiridos e real-mente estabelecidos. A aplicao extensa de tal orgnon produzida um sistema da razo pura. Mas como isto seria exigir demasiado e como fica ainda por saber se a extenso de nossos conheci-mentos possvel, e em que casos, podemos con-siderar a cincia do simples juzo da razo pura, de suas partes e limites, como a propedutica para o sistema de razo pura. Uma tal cincia no deveria denominar-se doutrina, mas somente crtica da razo pura: sua utilidade, desde o ponto de vista especulativo, seria puramente negativa e no servida para am-pliar nossa razo, seno para a emancipar de todo erro, o que j no pouco. Chamo transcendental todo conhecimento que em geral se ocupe, no dos objetos, mas da ma-neira que temos de conhec-los, tanto quanto pos-svel a priori. Um sistema de tais conceitos se denominada Filosofia transcendental. Mas esta filosofia demasiada para comear, porque deve conter todo o conhecimento, tanto o analtico como o sinttico a priori, e se estenderia muito alm do que corresponde ao nosso plano. Devemos tratar somente da anlise quanto seja indispensvel e necessria para perceber em toda a sua extenso os princpios da sntese a priori. Sntese que constitui o nosso nico objeto (assunto). Esta investigao, que no podemos chamar propriamente doutrina, mas to-s crtica transcendental, pois tem por fim no o aumento dos nossos conhecimentos, mas a retificao dos mesmos, vem a ser como a pedra de toque para estimar o valor ou a insignificncia de todos os conhecimentos a priori, que do que nos ocu-pamos atualmente. A crtica , portanto, no possvel, uma prepa-rao para um orgnon, e se este no se distingue, ser pelo menos um cnon, segundo o qual possa em todo caso ser exposto analtica e sintetica-mente o sistema completo da filosofia da razo pura, que deve consistir na extenso ou na sim-ples limitao do conhecimento racional. Se se atende a que dito sistema tem por obje-to, no a natureza das coisas, que infinita, mas o entendimento que julga sobre a natureza das coi-sas, e ainda esse entendimento considerado so-mente em relao aos seus conhecimentos a prio-ri , podemos presumir que o sistema no impos-svel, nem to vasto, que se no possa esperar o seu termo. Como no necessitamos procurar esse objeto exteriormente nem pode permanecer oculto para ns, no parece que tenha de ser to extenso que no possamos abarc-lo em seu justo preo. Menos ainda deve esperar-se que esta obra seja uma cr-tica dos livros publicados sobre sistemas da razo pura; aqui s se trata de uma crtica da faculdade da razo pura. Somente tomando essa crtica como base, se consegue uma segura pedra de toque para apre-ciar o valor das obras filosficas antigas e moder-nas; sem ela, o historiador e o juiz condenam incompetentemente as asseres de outros, tendo-as como infundadas em nome das prprias, que no tm melhor fundamento. A filosofia transcendental a idia de uma cincia, cujo plano deve traar a crtica da razo pura defile:///C|/Documents%20and%20Settings/claudia/Desktop/critica.html (10 of 93)30/11/2007 17:18:20
Crtica da Razo Pura - Emmanuel Kant
uma maneira arquitetnica, quer dizer, por princpios e com a mais plena segurana da perfeio e validez de todos os princpios da razo pura. Se a crtica no toma o nome de Filosofia transcendental s porque deveria, para ser um sistema completo, conter uma anlise detalhada de todos os conhecimentos humanos a priori. A crtica deve, sem dvida alguma, colocar ante nossos olhos uma perfeita enumerao de todos os conceitos fundamentais que constituem o conhe-cimento puro; mas se abstm da detalhada anlise deles, em parte, porque essa decomposio no seria conforme com seu fim, e, ademais, no apre-senta tanta dificuldade como a sntese, que ob-jeto da crtica e, em parte, tambm, porque seria contrrio unidade do plano entreter-se numa anlise e derivao to acabados, podendo eximir-se de tal empenho. Demais, assim a anlise perfeita dos conceitos a priori, como a deduo dos que depois ho de ser derivados, coisa fcil de suprir sempre que antes tenham sido expostos detalhadamente como princpios da sntese e nada lhes falta em relao a esse fim essencial. Segundo isto, tudo o que constitui a Filosofia transcendental pertence crtica da razo pura, que a idia completa da Filosofia transcenden-tal; mas no esta cincia mesma, porque na an-lise s se estende at o que lhe indispensvel para o perfeito juzo do conhecimento sinttico a priori. O principal propsito que deve guiar-nos na diviso desta cincia no introduzir conceitos que contenham algo de emprico, quer dizer, que o conhecimento a priori seja completamente puro. Daqui, que, ainda que os princpios superiores de Moral e seus conceitos fundamentais sejam conhecimentos a priori, no pertenam sem em-bargo Filosofia transcendental; porque os con-ceitos de prazer ou dor, de desejo ou inclinao tm todos uma origem emprica, e ainda que seja certo que no fundamentam os preceitos morais, devem, sem embargo, formar parte da moralidade pura, juntamente com o conceito do dever de do-minar os obstculos ou dos impulsos a que no devemos entregar-nos. Donde se segue que a Filosofia transcendental a filosofia da razo pura simplesmente especulativa, porque todo o concernente prtica, que con-tm mveis, refere-se aos sentimentos que perten-cem s fontes empricas do conhecimento. Se se quer fazer a diviso dessa cincia desde o ponto de vista geral de um sistema, deve ela compreender: 1. uma teoria elementar da razo pura; 2. uma teoria do mtodo da razo pura. Cada uma destas partes principais ter suas sub-divises cujos fundamentos no podero ser facilmente expostos aqui. O que parece necessrio re-cordar na introduo que o conhecimento hu-mano tem duas origens e que talvez ambas proce-dam de uma comum raiz desconhecida para ns; estas so: a sensibilidade e o entendimento; pela primeira os objetos nos so dados, e pelo segundo, concebidos. A sensibilidade pertence Filosofia transcen-dental enquanto contm representaes a priori, que por seu turno encerram as condies mediante as quais nos so dados os objetos. A teoria transcendental da sensibilidade deve pertencer pri-meira parte da cincia elementar, pois as condi-es sob as quais se do os objetos ao conheci-mento humano precedem quelas sob as quais so concebidos esses mesmos objetos.
DA TEORIA ELEMENTAR TRANSCENDENTALEsttica Transcendental1
PARTE PRIMEIRA
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Crtica da Razo Pura - Emmanuel Kant
Qualquer que seja o modo de como um conhe-cimento possa relacionar-se com os objetos, aquele em que essa relao imediata e que serve de meio a todo pensamento, chama-se intuio (Ansechauung).(1) Mas esta intuio no tem lugar seno sob a condio de nos ser dado o objeto, e isto s possvel, para o homem, modificando o nosso esprito de certa maneira. A capacidade de receber (a receptividade) re-presentaes dos objetos segundo a maneira como eles nos afetam, denomina-se sensibilidade. Os ob-jetos nos so dados mediante a sensibilidade e somente ela que nos fornece intuies; mas pelo entendimento que elas so pensadas, sendo dele que surgem os conceitos. Todo pensamento deve em ltima anlise, seja direta ou indireta-mente, mediante certos caracteres, referir-se s intuies, e, conseguintemente, sensibilidade, porque de outro modo nenhum objeto nos pode ser dado. A impresso de um objeto sobre esta capaci-dade de representaes, enquanto somos por ele afetados, a sensao. Chama-se emprica toda intuio que relaciona ao objeto, por meio da sen-sao. O objeto indeterminado de uma intuio emprica, denomina-se fenmeno. No fenmeno chamo matria quilo que corresponde sensa-o; aquilo pelo qual o que ele tem de diverso pode ser ordenado em determinadas relaes, denomino forma do fenmeno. Como aquilo mediante o qual as sensaes se ordenam e so suscetveis de adquirir certa forma no pode ser a sensao, infere-se que a matria dos fenmenos s nos pode ser fornecida a posteriori, e que a forma dos mesmos deve achar-se j preparada a priori no esprito para todos em geral, e que por conseguinte pode ser considerada independentemente da sen-sao. Toda a representao na qual no h trao daquilo que pertence sensao chamo pura (em sentido transcendental). A forma pura das intui-es sensveis em geral, na qual todo o diverso dos fenmenos percebido pela intuio sob certas re-laes, encontra-se a priori no esprito. Esta forma pura da sensibilidade pode ainda ser desig-nada sob o nome de intuio pura. Assim, quando na representao de um corpo eu me abstraio da-quilo que a inteligncia pensa, como substncia, fora, divisibilidade etc., bem como daquilo que pertence sensao, como a impenetrabiidade, a dureza, a cor etc., ainda me resta alguma coisa desta intuio emprica, a saber: a extenso e a figura. Estas pertencem intuio pura, que tem lugar a priori no esprito, como uma forma pura da sensibilidade e sem um objeto real do sentido ou sensao. Denomino Esttica transcendental (2) cincia de todos os princpios a priori da sensibilidade. pois esta cincia que deve constituir a primeira parte da teoria transcendental dos elementos, por oposio quela que contm os princpios do pen-samento puro e que se denominar Lgica transcendental. Na Esttica transcendental, ns comearemos por isolar a sensibilidade, fazendo abstrao de tudo quanto o entendimento a acrescenta e pensa por seus conceitos, de tal sorte que s fique a in-tuio emprica. Em segundo lugar, separaremos, tambm, da intuio tudo o que pertence sensa-o, com o fim de ficarmos s com a intuio pura e com a forma do fenmeno, que a nica coisa que a sensibilidade nos pode dar a priori. Resul-tar desta pesquisa que existem duas formas pu-ras da intuio sensvel, como princpios do conhecimento a priori, a saber: o espao e o tem-po, de cujo exame vamos agora ocupar-nos.
Primeira Seo Da Esttica Transcendental do Espao2
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Crtica da Razo Pura - Emmanuel Kant
Exposio metafsica deste conceito Por meio dessa propriedade de nosso esprito que o sentido externo, ns nos representamos os objetos como estando fora de ns e colocados todos no espao. l que sua figura, sua grandeza e suas relaes recprocas so determinadas ou de-terminveis. O sentido interno, por meio do qual o esprito se percebe a si mesmo intuitivamente, ou percebe o seu estado interior, no nos d, sem d-vida, nenhuma intuio da alma, ela mesma como objeto; mas h todavia uma forma determinada pela qual possvel a intuio do seu estado inter-no, e segundo a qual tudo que pertence s suas determinaes internas representado segundo relaes de tempo. O tempo no pode ser percebido exteriormente, assim como o espao no pode ser considerado como algo interior em ns outros. Que so, pois, tempo e espao? So entidades reais ou so somente determinaes ou mesmo simples re-laes das coisas? E essas relaes seriam de tal natureza que eles no cessariam de subsistir entre as coisas, mesmo quando no fossem percebidos como objetos de intuio? Ou so tais que s pertencem forma da in-tuio, e, por conseguinte, qualidade subjetiva de nosso esprito, sem a qual esses predicados ja-mais poderiam ser atribuidos a coisa alguma? Para obter uma resposta exporemos primeira-mente o conceito de espao. Entendo por exposi-o a clara representao (ainda que no seja ex-tensa) do que pertence a um conceito; a exposio metafsica quando contm o que o conceito apre-senta como dado a priori. 1. O espao no um conceito emprico, derivado de experincias exteriores. Com efeito, para que eu possa referir certas sensaes a qual-quer coisa de exterior a mim (quer dizer, a qual-quer coisa colocada em outro lugar do espao di-verso do que ocupo), e, para que possa representar as coisas como de fora e ao lado umas das outras, e por conseguinte como no sendo somente dife-rentes, mas colocadas em lugares diferentes, deve existir j em princpio a representao do espao. Esta representao no pode, pois, nascer por experincia das relaes dos fenmenos exteriores, sendo que estas s so possveis mediante a sua prvia existncia. 2. O espao uma representao necess-ria, a priori, que serve de fundamento a todas as intuies externas. impossvel conceber que no exista espao, ainda que se possa pensar que nele no exista nenhum objeto. Ele considerado como a condio da possibilidade dos fenmenos, e no como uma representao deles dependente; e uma representao a priori, que o fundamento dos fenmenos externos. 3. O espao no um conceito discursivo, ou, como se diz, universal das relaes das coisas em geral, mas uma instituio pura. Com efeito, no se pode representar mais que um s espao, e quando se fala de muitos, entende-se somente que se refere s partes do mesmo espao nico e uni-versal. Estas partes s se concebem no espao uno e onicompreensivo, sem que pudessem preced-lo como se fossem seus elementos (cuja composio fora possvel em um todo). O espao essencialmente uno; a variedade que nele achamos, e, conseqentemente, o conceito universal de espao em geral, fundam-se unicamente em limitaes. Da-qui se segue que o que serve de base a todos os conceitos que temos do espao, uma intuio a priori (que no emprica). O mesmo acontece cm os princpios geomtricos, como quando di-zemos, por exemplo, que a soma de dois lados de um tringulo maior do que o terceiro, cuja cer-teza apodtica no procede dos conceitos gerais de linha e tringulo, mas de uma intuio a priori. 4. O espao representado como uma grandeza infinita dada. necessrio considerar todo conceito como uma representao contida em uma multido infinita de representaes distintas (das quais expresso comum); mas nenhum conceito como tal contm em si uma multido in-finita de representaes. Sem embargo, assim concebemos o espao (pois todas as suas partes coexistem no infinito). A primitiva representao do espao , pois, uma intuio a priori e no um conceito.
Exposio Transcendental do Conceito de Espao3file:///C|/Documents%20and%20Settings/claudia/Desktop/critica.html (13 of 93)30/11/2007 17:18:20
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Entendo por exposio transcendental a apli-cao de um conceito, como princpio que pode mostrar a possibilidade de outros conhecimentos sintticos a priori. Ora, isso supe duas coisas: 1 que realmente emanem do conceito dado tais conhecimentos; 2 que esses conhecimentos no sejam pos-sveis seno sob a suposio de um modo de explicao dado e tirado desse concei-to. A Geometria uma cincia que determina sin-teticamente, e, portanto, a priori, as proprieda-des do espao. Que deve ser, pois, a representao do espao, para que tal conhecimento seja poss-vel? Deve ser, primeiramente, uma intuio; por-que impossvel tirar de um simples conceito pro-posies que o ultrapassem, como se verifica em Geometria (Int. V). Mas essa intuio deve achar-se em ns, a priori, quer dizer, anteriormente a toda percepo de um objeto, e, por conseguinte, ser pura e no emprica. Efetivamente, as proposies geomtricas, como esta por exemplo: o espao no tem mais que trs dimenses, so todas apodticas, quer di-zer que elas implicam a conscincia de sua neces-sidade; mas tais proposies no podem ser jul-gamentos empricos ou de experincia, nem deles derivar (Introduo, II). Como se encontra, pois, no esprito, uma in-tuio externa anterior aos mesmos objetos e na qual o conceito desses objetos pode ser determi-nado a priori? Isso s pode acontecer sob a con-dio de que ela tenha sua sede no sujeito, com a capacidade formal que ele tem de ser afetado por objetos e de receber assim uma representao imediata, quer dizer, uma intuio, por conse-guinte como forma do sentido exterior em geral. Nossa explicao a nica que torna compre-ensvel a possibilidade da Geometria como cincia sinttica. Toda explicao que no oferece essa vantagem pode ser por esse sinal distinguida da nossa, por maior semelhana que com ela apre-sente. Consequncias dos conceitos precedentes a) O espao no representa nenhuma proprie-dade das coisas, j consideradas em si mesmas, ou em suas relaes entre si, quer dizer, nenhuma determinao que dependa dos objetos mesmos e que permanea neles se se faz abstrao de todas as condies subjetivas da intuio; porque nem as determinaes absolutas, nem as relativas po-dem ser percebidas antes da existncia das coisas a que pertencem, e por conseguinte a priori. b) O espao no mais do que a forma dos fenmenos dos sentidos externos, quer dizer, a nica condio subjetiva da sensibilidade, me-diante a qual nos possvel a intuio externa. E como a propriedade do sujeito de ser afetado pelas coisas precede necessariamente a todas as intui-es das mesmas, compreende-se facilmente que a forma de todos os fenmenos pode achar-se dada no esprito antes de toda percepo real, e, conse-quentemente, a priori. Mas como seja uma in-tuio pura onde todos os objetos devem ser de-terminados, ela pode conter anteriormente a toda experincia os princpios de suas relaes. No podemos, pois, falar de espao, de seres extensos etc., seno debaixo do ponto de vista do homem. Nada significa a representao do espao, se samos da condio subjetiva, nica sob a qual podemos receber a intuio externa, quer dizer, ser afetados pelos objetos. Este predicado s convm s coisas, enquanto elas nos aparecem a ns, quer dizer, enquanto so objetos da sensibilidade. A forma constante desta receptividade, que denominamos sensibilidade, a condio necessria de todas as relaes, em que os objetos so intudos como exteriores a ns ou-tros; e se dita forma for abstrada dos objetos en-to uma intuio pura, que toma o nome de Espa-o. Como as condies particulares da sensibili-dade no so as condies da possibilidade das coisas mesmas, seno somente as de seus fen-menos, bem podemos dizer que o espao compre-ende todas as coisas que nos aparecem exterior-mente; mas no todas as coisas em si mesmas, quer sejam ou no percebidas e qualquer que seja o sujeito que as perceba; porque de modo algum poderemos julgar asfile:///C|/Documents%20and%20Settings/claudia/Desktop/critica.html (14 of 93)30/11/2007 17:18:20
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intuies dos outros seres pensantes, nem saber se se acham sujeitas s mesmas condies que limitam as nossas intui-es, e que tm para ns um valor universal. Se acrescentamos ao conceito do sujeito a li-mitao de um juzo, ento nosso juzo tem um valor absoluto ou incondicionado. Esta proposio: todas as coisas esto justapostas no espao, vale sob esta restrio: desde que tais coisas sejam to-madas como objetos da nossa intuio sensvel; se eu adito a condio ao conceito e digo: todas as coisas, como fenmenos externos, esto justapos-tas no espao, essa regra valer universalmente e sem restrio alguma. Nosso exame do espao mostra-nos a sua re-alidade, quer dizer, o seu valor objetivo relativa-mente a tudo aquilo que se pode apresentar-nos como objeto; mas ao mesmo tempo, tambm, a idealidade do espao relativamente s coisas con-sideradas em si mesmas pela razo, quer dizer, sem atender natureza de nossa sensibilidade. Afirmamos, pois, a realidade emprica do es-pao em relao a toda experincia externa poss-vel; mas reconhecemos tambm a idealidade transcendente do mesmo, quer dizer, a sua no existncia, desde o momento em que abandona-mos as condies de possibilidade de toda expe-rincia e cremos seja ele algo que serve de fun-damento s coisas em si. Excetuando o espao, no existe nenhuma re-presentao subjetiva que se refira a qualquer coisa de externo, e que possa dizer-se objetiva a priori, porque de nenhuma delas podem derivar-se proposies sintticas a priori, como aquelas que derivam da intuio no espao. Para falar exatamente, nenhuma idealidade lhes correspon-de, ainda que tenham em comum com o espao a sua dependncia unicamente da constituio sub-jetiva da sensibilidade, por exemplo: da vista, do ouvido, do tato; mas as sensaes de cores, dos sons, do calor, sendo puras sensaes e no intui-es, no nos fazem por si mesmas qualquer objeto, pelo menos a priori. O fim desta observao somente impedir que se explique a idealidade atribuida ao espao por exemplos inadequados, como as cores, o sabor etc., que se considera, com razo, no como pro-priedade das coisas, mas sim como modificaes do indivduo, e que podem ser muito diferentes, como o so os indivduos. Neste ltimo caso, com efeito, aquilo que no originariamente seno um fenmeno, por exemplo, uma rosa tem, no sentido emprico, o valor de uma coisa em si, se bem que, quanto cor, possa a parecer diferente aos diferentes olhos. Pelo con-trrio, o conceito transcendental dos fenmenos no espao nos sugere esta observao crtica, de que em geral nada do que intudo no espao, coisa em si; e, ainda, que o espao no uma forma das coisas consideradas em si mesmas, mas que os objetos no nos so conhecidos em si mesmos e aquilo que denominamos objetos exteriores con-siste em simples representaes de nossa sensibi-lidade cuja forma o espao, mas cujo verdadeiro correlativo, a coisa em si, permanece desconhe-cida e incognoscvel, jamais sendo indagada da experincia.
Segunda Seo Da Esttica Transcendental do Tempo4 Exposio metafsica do conceito de tempo 1. O tempo no um conceito emprico deri-vado de experincia alguma, porque a simultaneidade ou a sucesso no seriam percebidas se a re-presentao a priori do tempo no lhes servisse de fundamento. S sob esta suposio podemos representar-nos que uma coisa seja ao mesmo tempo quefile:///C|/Documents%20and%20Settings/claudia/Desktop/critica.html (15 of 93)30/11/2007 17:18:20
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outra (simultnea), ou em tempo dife-rente (sucessiva). 2. O tempo uma representao necessria que serve de base a todas as intuies. No se pode suprimir o tempo nos fenmenos em geral, ainda que se possa separar, muito bem, estes da-quele. O tempo, pois, dado a priori. S nele possvel toda realidade dos fenmenos. Estes po-dem todos desaparecer; mas o tempo mesmo, como condio geral de sua possibilidade, no pode ser suprimido. 3. Nesta necessidade a priori se funda tambm a possibilidade dos princpios apodticos, das relaes ou axiomas do tempo em geral, tais como o tempo no mais que uma dimenso; os di-ferentes tempos no so simultneos, mas suces-sivos (enquanto que espaos diferentes no so sucessivos mas sim simultneos). Estes princpios no so deduzidos da experincia, porque esta no pode dar uma estrita universalidade nem uma cer-teza apodtica. Poderamos dizer: assim o ensina a observa-o geral; e no: isto deve ser assim. Estes princ-pios tm, pois valor como regras, que tornam a experincia possvel em geral, pois so elas que nos proporcionam o conhecimento da experincia. 4. O tempo no nenhum conceito discur-sivo ou, como se diz, geral, mas uma forma pura da intuio sensvel. Tempos diferentes no so seno partes de um mesmo tempo. Ora, uma re-presentao que s pode ser dada por um objeto nico, uma intuio. Assim a proposio: tempos diferentes no po-dem ser simultneos, no se deriva de um con-ceito geral. Ela uma proposio sinttica que no pode derivar somente de conceitos. Acha-se pois contida imediatamente na intuio e repre-sentao do tempo. 5. A natureza infinita do tempo significa que toda quantidade determinada de tempo somente possvel pelas limitaes de um nico tempo que lhes serve de fundamento. Portanto, a representa-o primitiva do tempo deve ser dada como ilimi-tada. Ora, quando as partes mesmas e quantida-des todas de um objeto s podem ser representa-das e determinadas por meio de uma limitao, ento a representao toda desse objeto no pode ser dada por conceitos (porque estes s contm re-presentaes parciais) devendo ter como funda-mento uma intuio parcial. 5 Exposio transcendental do conceito de tempo Para explicar este ponto, posso reportar-me ao nmero 3 precedente, onde, para ser breve, coloquei o que propriamente transcendental, sob o titulo de exposio metafsica. Aqui somente acrescento que os conceitos de mudana e de mo-vimento (como mudana de lugar), s so poss-veis por e na representao do tempo, e que se essa representao no fosse uma intuio (inter-na) a priori, no houve a possibilidade de uma mudana, quer dizer, a possibilidade de unio de predicados opostos contraditoriamente em um s e mesmo objeto (por exemplo, que uma mesma coisa esteja e no esteja em um lugar). Somente no tempo podem encontrar-se essas duas determinaes contraditoriamente opostas em uma mesma coisa, quer dizer, s na sucesso. Explica, pois, nosso conceito de tempo, a possibili-dade de tantos conhecimentos sintticos a priori, como expe a cincia geral do movimento, que no pouco fecunda. 6 Corolrios destes conceitos a) O tempo no subsiste por si mesmo, nem pertence s coisas como determinao objetiva que permanea na coisa mesma uma vez abstra-das todas as condies subjetivas de sua intuio. No primeiro caso, o tempo, sem objeto real, seria sem embargo algo real; no segundo, sendo uma determinao das coisas mesmas, ou uma ordem estabelecida, no poderia preceder aos objetos com suafile:///C|/Documents%20and%20Settings/claudia/Desktop/critica.html (16 of 93)30/11/2007 17:18:20
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condio, nem ser conhecido e percebido a priori por proposies sintticas. Mas este ltimo tem lugar se o tempo no mais flue a condio subjetiva sob a qual so pos-sveis em ns as intuies; porque, ento, esta forma da intuio interna pode ser representada anteriormente aos objetos, e por conseguinte a priori. b) O tempo a forma do sentido interno, que quer dizer, da intuio de ns outros mesmos e de nosso estado interior. O tempo no pode ser de-terminao alguma dos fenmenos externos, no pertence nem a uma figura, nem a uma posio, pois ele determina a relao das representaes em nossos estados internos. E como esta intuio interior no forma figura alguma, procuramos suprir esta falta pela analo-gia e representamos a sucesso do tempo por uma linha prolongvel at o infinito, cujas diversas partes constituem uma srie de uma s dimenso, e derivamos das propriedades desta linha todas as do tempo, excetuando s uma, a saber: que as par-tes das linhas so simultneas, enquanto que as do tempo so sempre sucessivas. Donde se deduz tambm que a representao do tempo uma in-tuio, porque todas as suas relaes podem ser expressas por uma intuio exterior. c) O tempo a condio formal a priori de todos os fenmenos em geral. O espao, como forma pura de todas as intuies externas, s ser-ve, como condio a priori, para os fenmenos exteriores. Pelo contrrio, como todas as represen-taes, tenham ou no por objeto coisas exteriores, pertencem, no obstante, por si mesmas, como esse estado, sob a condio formal da intuio in-terna, pertence ao tempo, o tempo uma condio a priori de todos os fenmenos interiores (de nossa alma) e a condio imediata dos fnmenos externos. Se posso dizer a priori: todos os fenmenos exteriores esto no espao e so determinados a priori segundo as relaes do espao, posso afir-mar tambm em um sentido geral e partindo do princpio do sentido interno: todos os fenmenos em geral, quer dizer, todos os objetos dos sentidos esto no tempo, e esto necessariamente sujeitos s relaes do tempo. O tempo um pensamento vazio (nada) se fa-zemos abstrao de nossa maneira de intuio interna, do modo como compreendemos todas as in-tuies exteriores em nossa faculdade de represen-tar (mediante essa intuio), e tomamos, por con-seguinte, os objetos tais como podem ser em si mesmos. O tempo tem um valor objetivo somente em relao aos fenmenos porque estes so coisas que consideramos como objetos de nossos senti-dos; mas deixa de ter esse valor objetivo quando se faz abstrao da sensibilidade de nossa intuio (por conseguinte, desta espcie de representao que nos prpria), quando se fala de coisas em geral. O tempo, que no seno uma condio sub-jetiva de nossa intuio geral (sempre sensvel, quer dizer, s se produz quando somos afetados pelos objetos), considerado em si mesmo e fora do sujeito, no nada. , no obstante, necessaria-mente objetivo em relao a todos os fenmenos, e por conseguinte, tambm a todas as coisas que a experincia pode oferecer-nos. No podemos dizer: todas as coisas existem no tempo, porque, no con-ceito de coisas em geral, faz-se abstrao de toda maneira de intuio dessas coisas e sendo esta propriamente a condio pela qual o tempo per-tence representao dos objetos. Mas se esta condio se acrescenta ao con-ceito e se diz: todas as coisas, como fenmenos (objetos da intuio sensvel), existem no tempo, ento tem esse princpio o seu exato valor objetivo e a sua universalidade a priori. As nossas consideraes mostram a realidade emprica do tempo, quer dizer, o seu valor objetivo relativamente a todos os objetos que possam oferecer-se aos nossos sentidos. E como a nossa in-tuio sempre sensvel, no pode nunca oferecer-se a ns outros um objeto na experincia, que. no seja sujeito s condies do tempo. Contestamos, portanto, toda pretenso da re-alidade absoluta do tempo, a saber: a que o consi-dera, sem atender forma da nossa intuio sen-svel, como absolutamente inerente s coisas, quer dizer, como condio ou propriedade. Tais proprie-dades que pertencem s coisas em si, no podem nunca ser dadas pelos sentidos. Cumpre admitir a idealidade transcendental do tempo, no sentido de que se se abstraem as
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condies subjetivas da intuio sensvel, no absolutamente nada no podendo ser atribuida, tampouco, as coisas em si mesmas (independen-temente de toda relao com a nossa intuio). Todavia, esta idealidade, a mesma que a do espao, no deve ser comparada aos dados subje-tivos das sensaes, porque aqui se supe que o fenmeno mesmo a que se unem estes atributos tem uma realidade objetiva; a realidade que falta completamente aqui, a no ser que se considere s empiricamente, quer dizer, seja a ttulo de subs-tncia, seja a ttulo de qualidade. Veja-se sobre isto a observao da primeira seo. 7 Explicao Contra esta teoria, que admite a realidade emprica do tempo, combatendo a sua realidade absoluta e transcendental, homens doutos formularam-me uma objeo, que me parece ocorra ao comum dos leitores, pouco familiariza-dos com estes assuntos. Tal a objeo: h mu-danas reais (o que provado pela sucesso de nossas representaes, querendo-se negar os fe-nmenos externos e suas mudanas); ora, a mu-dana das representaes no possvel seno no tempo; logo, o tempo qualquer coisa de real. A resposta no difcil: aceito todo o argu-mento. O tempo, no resta dvida, qualquer coisa de real: , com efeito, a forma real da intui-o interna. Possui, pois, uma realidade subjetiva em relao experincia interna: quer dizer, te-nho realmente a representao do tempo e de mi-nhas prprias determinaes nele. Conseqentemente, o tempo no real como objeto. Mas, se eu mesmo ou um outro ente me pudesse perceber sem esta condio da sensibili-dade, estas mesmas determinaes que ns nos representamos atualmente como mudanas nos dariam um conhecimento em que no se encon-trar mais a representao do tempo, nem, por conseguinte, a de mudana, no existiriam. Sua realidade emprica permanece, pois, como condi-o de todas as nossas experincias. Mas a reali-dade absoluta no se pode, segundo vimos, conce-der ao tempo. Ele no mais do que a forma de nossa intui-o interna. Se se tira desta intuio a condio especial de nossa sensibilidade, desaparece igualmente o conceito de tempo, porque esta forma no pertence aos objetos mesmos, mas ao sujeito que os percebe. Porm a causa, pela qual tal objeo formu-lada to concordemente, entre os que nada tm a opor contra a idealidade do espao, esta: que no esperavam poder demonstrar apoditicamente a realidade absoluta do espao, inibidos, pelo idea-lismo, segundo o qual a realidade dos objetos exteriores no suscetvel de nenhuma demonstra-o rigorosa, enquanto que a do objeto do nosso sentido interno (de mim mesmo e de meu estado) lhes parecia imediatamente claro pela conscin-cia. Aqueles poderiam ser simples aparncia; mas este, a seu juzo, inegavelmente qualquer coisa real. Entretanto, os partidrios de tal opinio olvi-dam que essas duas classes de objetos, sem neces-sidade de combater sua realidade como represen-taes, pertencem somente ao fenmeno, que tem sempre dois aspectos: um, quando o objeto con-siderado em si mesmo (prescindindo da maneira de perceb-lo, cuja natureza permanecer sendo sempre problemtica); outro, quando se considera a forma da intuio deste objeto, forma que no deve ser buscada no objeto em si, mas no sujeito, a quem aparece, e que, no obstante, pertence real e necessariamente ao fenmeno que esse ob-jeto manifesta. So, pois, tempo e espao duas fontes de conhecimentos, de que podem derivar-se a priori diferentes conhecimentos sintticos, como mostra o exemplo das matemticas puras, respeito ao conhecimento do espao e de suas re-laes. Eles so, ambos, formas puras de toda intui-o sensvel que tornam possveis as proposies sintticas a priori. Mas estas fontes do conheci-mento a priori, pela mesma razo de que s so simples condies da sensibilidade, determinam o seu prprio limite, enquanto se referem aos obje-tos, considerados como fenmenos, e no repre-sentam coisas em si. O valor a priori de ditas fontes se limita aos fenmenos; no tem aplicao objetiva fora dos mesmos. Esta realidade formal do tempo e do espao deixa intata a seguridade do conhecimento expefile:///C|/Documents%20and%20Settings/claudia/Desktop/critica.html (18 of 93)30/11/2007 17:18:20
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rimental, porque estamos igualmente certos desse conhecimento, quer essas formas sejam necessariamente inerentes s coisas em si, quer somente nossa intuio das coisas. Pelo contrrio, aqueles que sustentam a reali-dade absoluta do espao e do tempo, quer os to-mem como subsistentes por si mesmos, quer como inerentes nos objetos, acham-se em contradio com os princpios da experincia. Se se decidem pelo primeiro e tomam espao e tempo como sub-sistentes por si mesmos (partido comumente se-guido pelos fisico-matemticos), tm que admitir necessariamente duas quimeras (espao e tempo), eternas e infinitas, que s existem (sem que seja algo real) para compreender em seu seio tudo quanto real. Aceitando a segunda opinio seguida por al-guns metafsicos da natureza, que consiste em considerar tempo e espao como relaes de fen-menos (simultneos no espao e sucessivos no tempo), abstrados da experincia, ainda que con-fusamente representados nessa abstrao, pre-ciso negar a validade das teorias matemticas a priori das coisas reais (p. ex., no espao); ou pelo menos sua certeza apoditica, posto que no possa ser esta achada a posteriori. De igual modo, os conceitos a priori de es-pao e tempo, segundo esta opinio, seriam s criao da fantasia cuja verdadeira fonte deve buscar-se na experincia, porque de suas relaes abstradas se tem valido fantasia para formar algo que contenha o que de geral h nela, ainda que sem as restries que a natureza lhes tem posto. Os primeiros tm a vantagem de deixar livre o campo dos fenmenos para as proposies matemticas; mas essas mesmas condies os embara-am em extremo quando o entendimento quer sair deste campo. Os segundos tm neste ltimo ponto a vanta-gem de que as representaes de espao e tempo no os detm, quando quer julgar os objetos, no como fenmenos, mas em sua relao com o en-tendimento; mas no podem nem dar um funda-mento das possibilidades dos conhecimentos ma-temticos a priori, faltando-lhes uma verdadeira intuio objetiva a priori, nem tampouco condu-zir a uma conformidade necessria as leis da ex-perincia e aquelas asseres. Em nossa teoria da verdadeira natureza destas duas formas primitivas da sensibilidade ficam resolvidas ambas as dificuldades. Finalmente b-vio que a Esttica transcendental no pode conter mais do que esses elementos, a saber: espao e tempo, posto que todos os outros conceitos, que pertencem sensibilidade, mesmo o de movi-mento que rene os dois anteriores, implicam algo emprico, porque o movimento supe a percepo de algo movvel. O espao considerado em si mesmo no tem nada de movvel: o movvel deve ser, pois, algo que somente se encontra pela experincia no es-pao, e, conseguintemente, um dado emprico. A Esttica transcendental no pode tampouco contar entre os seus dados a priori o conceito de mu-dana; porque o tempo mesmo no muda, mas sim algo que existe no tempo. Necessita-se, pois, para isso, a percepo de uma certa coisa e da su-cesso de suas determinaes, por conseguinte, da experincia. 8 Observaes gerais sobre a Esttica transcendental I Com o fim de evitar erros e ms interpre-taes neste assunto, devemos explicar clara-mente nossa opinio sobre a natureza fundamen-tal do conhecimento sensvel em geral. Temos querido provar que todas as nossas in-tuies s so representaes de fenmenos, que no percebemos as coisas como so em si mes-mas, nem so as suas relaes tais como se nos apresentam, e que se suprimssemos nosso sujeito, ou simplesmente a constituio subjetiva dos nos-sos sentidos em geral, desapareceriam tambm todas as propriedades, todas as relaes dos obje-tos no espao e no tempo, e tambm o espao e o tempo, porque tudo isto, como fenmeno, no pode existir em si, mas somente em ns mesmos. Para ns completamente desconhecida qual possa ser a natureza das coisas em si, independen-tes de toda receptividade da nossa sensibilidade. No conhecemos delas seno a maneira que temos de perceb-las; maneira que nos peculiar; mas que to pouco deve ser necessariamente a de todo ser, aindafile:///C|/Documents%20and%20Settings/claudia/Desktop/critica.html (19 of 93)30/11/2007 17:18:20
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que seja a de todos os homens. a esta maneira de perceber que nos atere-mos, unicamente. Tempo e espao so as formas puras desta percepo, e a sensao, em geral, a sua matria. S podemos conhecer a priori as formas puras do espao e do tempo, quer dizer, antes de toda percepo efetiva, e por isso se denomina intuio pura; a sensao, pelo contrrio, que faz ser o nosso conhecimento a posteriori, quer dizer, in-tuio emprica. Aquelas formas pertencem abso-luta e necessariamente nossa sensibilidade, e qualquer espcie que sejam as nossas sensaes; estas podem ser mui diversas. Por mais alto que fosse o grau de clareza que pudssemos dar nossa intuio, nunca nos aproximaramos da natureza das coisas em si; porque em todo caso s conheceramos perfeitamente nossa maneira de intuio, quer dizer, nossa sen-sibilidade, e isto sempre sob as condies de tempo e espao originariamente inerentes no sujeito. O mais perfeito conhecimento dos fenmenos que o nico que nos dado atingir, jamais nos proporcionar o conhecimento dos objetos em si mesmos. Desnaturam-se os conceitos de sensibilidade e de fenmeno inutilizando e destruindo toda a doutrina do conhecimento, quando se quer que toda a nossa sensibilidade consista na representa-o confusa das coisas, representao que conte-ria absolutamente tudo o que elas so em si, ainda que sob a forma de um amontoado de caracteres e representaes parciais, que no distinguimos cla-ramente uns de outros. A diferena entre uma representao obscura e outra clara puramente lgica, e no se refere ao seu contedo. Sem dvida, o conceito de direito, empregado pela s inteligncia comum, contm tudo o que a mais sutil especulao pode desenvolver do mes-mo, ainda que no uso prtico e comum no se te-nha conscincia das diversas representaes con-tidas nesse conceito. Mas no se pode dizer por isto que o conceito vulgar seja sensvel e no de-signe seno um simples fenmeno; porque o di-reito no poderia ser um objeto de percepo, pois o seu conceito existe no entendimento e representa uma qualidade (a moral) das aes, que elas pos-suem em si mesmas. Pelo contrrio, a representao de um corpo na intuio no contm absolutamente nada que propriamente possa pertencer a um objeto em si, mas somente o fenmeno (a manifestao) de al-guma coisa e a maneira de como nos afeta. Ora, esta receptividade de nossa faculdade de conhecer, que se denomina sensibilidade, perma-nece sempre profundamente distinta do conheci-mento do objeto em si, ainda que se pudesse pene-trar o fenmeno at o seu mago. A filosofia leib-nitzwolfiana adotou, nas suas indagaes sobre a natureza e origem dos nossos conhecimentos, um ponto de vista errneo, ao considerar como exclu-sivamente lgica a diferena entre a sensibilidade e o entendimento. Tal diferena claramente transcendental, e no se refere s clareza ou obscuridade, mas tambm origem e contedo de nossos conheci-mentos; de tal sorte que, mediante a sensibilidade, no conhecemos de nenhuma maneira as coisas em si mesmas. Desde o momento em que fazemos abstrao de nossa natureza subjetiva, o objeto representado e as propriedades que lhe atribumos mediante a intuio desaparecem; porque a natu-reza subjetiva precisamente quem determina a forma desse objeto como fenmeno. Por outro lado, sabemos distinguir muito bem nos fenmenos o que pertence essencialmente intuio dos mesmos, e vale em geral para todo o sentido humano, daquilo que s lhe pertence de modo acidental, e que no vale para toda relao em geral da sensibilidade, mas unicamente para a posio particular ou organizao deste ou da-quele sentido. Do primeiro conhecimento se diz que representa a coisa em si e do segundo que re-presenta meramente o fenmeno. Porm essa dife-rena s emprica. Se se permanece nela (como comumente acontece) e no se considera nova-mente aquela intuio emprica (conforme dever suceder) como um puro fenmeno, no qual no se encontra nada que pertena a uma coisa em si, desaparece ento a nossa distino transcendental e cremos conhecer as coisas em si, ainda que nas mais profundas investigaes do mundo sensvel, s possamos ocupar-nos de fenmenos.file:///C|/Documents%20and%20Settings/claudia/Desktop/critica.html (20 of 93)30/11/2007 17:18:20
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Assim; por exemplo, se dissermos do arco-iris que ele um simples fenmeno que se mostra na chuva iluminada pelo sol, e da chuva que uma coisa em si, essa maneira de falar exata, desde que entendemos a chuva em um sentido fsico, quer dizer, como uma coisa que, na experincia geral, determinada de tal modo e no diversamente, quaisquer que sejam as disposies dos sentidos. Entretanto, se tomamos esse fenmeno emp-rico de uma maneira geral, e sem nos ocuparmos de seu acordo com todos os sentidos humanos, perguntarmos se ele representa tambm um objeto em si (no direi das gotas de chuva, porque so j, como fenmenos, objetos empricos), a questo da relao entre a representao e o objeto vem a ser transcendental. No somente essas gotas de chuva so simples fenmenos, mas mesmo a sua forma e at o espao em que tombam nada so em si; no passam de modificaes ou de disposies de nossa intuio sensvel. Quanto ao objeto transcendental, permanece completamente ignorado por ns. Outra importante advertncia de nossa Est-tica transcendental que no merece ser recebida somente como uma hiptese verossmil, mas como um valor to certo e seguro como pode exigir-se de uma teoria que deve servir de orgnon. E para tornar completamente evidente esta certeza, esco-lhamos um caso que mostre visivelmente o seu va-lor e possa dar luz ao que j foi dito no nmero 3. Suponho que o espao e o tempo existem em si objetivamente e como condies da possibilidade das coisas em si, uma primeira dificuldade se apresenta. Ns tiramos a priori de um e doutro, mas particularmente do espao, que aqui toma-mos, como principal exemplo, um grande nmero de proposies apodticas e sintticas. Posto que as proposies da Geometria so co-nhecidas sinteticamente a priori e com uma certeza apodtica, pergunto: de onde tomais seme-lhantes proposies e em que se apia o nosso entendimento para chegar a essas verdades absolu-tamente necessrias e universalmente vlidas? S existem dois meios para elas: os conceitos e as intuies. Tais meios nos so fornecidos a priori ou a posteriori. Os conceitos empricos e o seu fundamento, ou seja, a intuio emprica, nunca podem fornecernos outras proposies sintticas alm das empri-cas e de que caracterizam todas as proposies da Geometria. O outro meio restante consistiria em alcanar esses conhecimentos com simples conceitos ou intuies a priori; mas resulta que de simples conceitos no se pode chegar a nenhum conheci-mento sinttico, pois s permitem conhecimentos analticos. Tomai, por exemplo, a proposio: en-tre duas linhas retas no pode encerrar-se um es-pao e, por conseguinte, no possvel figura al-guma; procurai deduzi-la dos conceitos de reta e do nmero dois. Tomai outro exemplo: uma figura possvel com trs linhas retas, e intentai deduzi-la desses mesmos conceitos. Todos os vossos esforos seriam inteis, e vos verieis necessitados de recorrer intuio, que o que sempre fez a Geometria. Dai-nos um objeto na intuio; mas de que es-pcie essa intuio? ela pura, a priori, ou emprica? Se fosse esta ltima, nunca poderia provir dela uma proposio universal, e menos ainda, uma apodtica porque, mediante a expe-rincia, no podem ter esta necessidade e esta universalidade que, sob esse ttulo de proposies experimentais, no se podem jamais conseguir de semelhante natureza. Ver-vos-eis obrigados a dar a priori vosso ob-jeto na intuio e fundar nele vossa proposio sinttica. Se no existisse em vs uma faculdade de intuio a priori, e se esta condio subjeti-va, quanto forma, no fosse ao mesmo tempo a geral condio a priori, nica que torna possvel o objeto desta intuio (externa) mesma; se fosse, enfim, o objeto (o tringulo) algo em si mesmo e alheio a toda relao com vosso sujeito, como po-dei-eis dizer que o que necessrio em vossas condies subjetivas para construir um tringulo deve tambm pertencer imprescindivelmente ao tringulo em si? Porque vs no podeis acrescentar aos vossos conceitos (de trs linhas) nada de novo (a figura), que necessariamente deva encontrar-se no objeto porque esse objeto dado anteriormente ao nosso conhecimento e no por ele. Se no fosse, pois, o espao (e mesmo o tempo) uma forma pura de vossa intuio, que contm as condies a prio-ri, as nicas que podem fazer com que sejam para vs as coisas objetos exteriores, e que sem esta condio subjetiva no so nada em si, no podereis determinar
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nada sinteticamente a prio-ri dos objetos externos. portanto indubitavel-mente certo, e no s verossmil ou possvel, que espao e tempo, como condies necessrias para toda experincia (interna e externa) no so mais do que condies puramente subjetivas de todas as nossas intuies, e que a este respeito todos os objetos so somente fenmenos e no coisas em si dadas desta maneira. Destes pode dizer-se muito a priori, refe-rente forma desses objetos; mas nada da coisa em si mesma que possa servir de fundamento a esses fenmenos. II Para confirmar esta teoria da idealidade e do sentido interno e externo e, conseqentemen-te, de todos os objetos do sentido, como puros fe-nmenos, pode-se todavia observar que tudo o que pertence intuio em nosso conhecimento (exce-tuando o sentimento de prazer, de dor e a vontade, que no so conhecimentos) no contm mais que simples relaes: relaes de lugar em uma intui-o (extenso), de mudana de lugar (movimento) e de leis que determinam essa mudana (foras motrizes). Mas o que est presente no lugar ou o que atua nas coisas mesmas fora da mudana de lugar no est dado na intuio. Pois bem; como pelas simples relaes no pode ser conhecida uma coisa em si, justo julgar que o sentido externo, que s nos fornece simples representaes de rela-es, no possa compreender em sua representa-o mais do que a relao de um objeto com o su-jeito, e no o que prprio ao objeto e lhe pertence em si. O mesmo sucede com a intuio interna. No so s as representaes dos sentidos externos que constituem a matria prpria com que enriquece-mos nosso esprito, porque o tempo (no qual colo-camos estas representaes, e que precede cons-cincia das mesmas na experincia, servindo-lhes de fundamento como condio formal da maneira que temos de disp-las em nosso esprito) compre-ende j relaes de sucesso, de simultaneidade, e do que simultneo com o sucessivo (permanen-te) Ora, tudo o que pode, como representao, preceder a todo ato de pensamento, a intuio; e como ela no contm seno relaes, a firma da intuio, que no representa nada at que alguma coisa seja dada no esprito, no pode ser outra coisa mais do que a maneira segundo a qual o es-prito foi afetado por sua prpria atividade, ou por esta posio de sua representao, por conseguin-te, por si mesmo, quer dizer, um sentido interno considerado em sua forma. Tudo o que representado por um sentido sempre um fenmeno, e, por conseguinte, ou no deve reconhecer-se um sentido interno, ou o su-jeito que objeto do mesmo no pode ser repre-sentado por este sentido interno seno como um fenmeno, e no como ele se julgaria a si mesmo, se sua intuio fosse simplesmente espontnea, quer dizer: intelectual. Toda a dificuldade consiste em saber-se como um sujeito pode perceber-se intuitivamente a si mesmo; mas esta dificuldade comum a todas as teorias. A conscincia de si mesmo (apercepo) a representao simples do eu; e se tudo que existe de diverso no sujeito fosse dado espontaneamente nesta representao, a intuio interna seria ente intelectual. Esta conscincia exige no homem uma percepo interna diversa, previamente dada no sujeito, e o modo segundo o qual dada no es-prito sem alguma espontaneidade deve, em vir-tude dessa diferena, chamar-se sensibilidade. Para que a faculdade de ter conscincia de si mesmo possa descobrir (apreender) aquilo que est no esprito, cumpre que aquele seja afetado: s sob esta condio podemos ter a intuio de ns mesmos; mas a forma desta intuio, existindo previamente no esprito, determina na represen-tao do tempo a maneira de compor a diversidade no esprito; ele se percebe intuitivamente, no como se representara a si mesmo imediatamente e em virtude de sua espontaneidade, mas segundo a maneira pela qual ele intuitivamente afetado, e, por conseguinte, tal como ele se oferece a si pr-prio e no como . III Ao afirmar que a intuio dos objetos exteriores, e a que o esprito tem de si mesmo, representam, no espao e no tempo, cada uma de per si, seu objeto, tal como este afeta os nossos sentidos, isto , segundo nos aparecem, no quero dizer que esses objetos sejam mera aparncia. E sustentamos isto, porque, no fenmeno, os objetos e tambm as propriedades que lhe atribumos so sempre considerados como algo dado realmente; somente, como essas qualidades dependem uni-camente da maneira de intuio, do sujeito em sua relao com o objeto dado, este objeto, como manifestao de si mesmo, distinto do que ele em si. Assim, no digo que os corpos parecem existir simplesmente fora de mim, ou que minha alma s
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parece estar dada em minha conscincia, quando afirmo que a qualidade do tempo e do espao, se-gundo me represento e onde coloco a condio de sua existncia, existe em meu modo de intuio e no nos objetos em si. Seria culpa minha se o que deve considerar-se como fenmeno fosse tido como uma pura aparncia.(3) Mas isto no se d com o nosso princpio de idealidade de todas as nossas intuies sensveis; concedendo-se, pelo contrrio, uma realidade obje-tiva a essas formas da representao, tudo inevitavelmente se converte em pura aparncia. Ao considerar tempo e espao como qualidades que devem encontrar-se nas coisas em si para sua pos-sibilidade, reflita-se nos absurdos a que chegam, admitindo duas coisas infinitas sem ser substn-cias, nem algo realmente inerente nelas, mas que devem ser algo existente para condio necessria de existncia para todos os objetos, e que subsisti-riam ainda mesmo que cessassem de existir todas as coisas. No se deve censurar ao bom Berkeley, por ter reduzido tudo aparncia. Nossa prpria existncia, dependente em tal caso da realidade subsis-tente em si de uma quimera, tal como o tempo, ser como este uma v aparncia: absurdo que at agora ningum ousou sustentar. IV Na Teologia natural, em que se con-cebe um objeto que no s no pode ser para ns outros objeto de intuio, nem tampouco o pode ser de nenhuma intuio sensvel, distingue-se cuidadosamente de sua prpria intuio as condi-es de espao e tempo (digo de sua intuio, por-que todo o seu conhecimento deve ter este carter e no o de pensamento, que supe limites). Mas, com que direito se procede assim, uma vez que se consideram espao e tempo como for-mas dos objetos em si, e formas tais que subsisti-riam como condies a priori da existncia das coisas, ainda que estas desaparecessem? Se so condies de toda existncia em geral, devem ser tambm da existncia de Deus. Se no so, pois, considerados espao e tempo como formas objetivas de todas as coisas, indispensvel t-los por formas subjetivas de nosso modo de intuio, tanto interna como externa. E afirmamos de tais intuies a sua qualidade de sensveis, porque no so tais que por si ss pro-duzam a existncia real do objeto (cujo modo de intuio cremos que s pode pertencer ao ser su-premo), mas que depende da existncia do objeto e s so possveis sendo afetada a faculdade repre-sentativa do sujeito. Tampouco necessrio que limitemos a ma-neira de conhecer por intuio pelas quais representamos as coisas no espao e no tempo, sensi-bilidade humana. Qui todos os seres finitos, pensantes, conformem necessariamente nisto com os homens (ainda que nada possamos decidir neste particular); mas nem por essa universali-dade deixar a intuio de ser sensibilidade, por-que derivada (intuitus derivatus) e no primi-tiva (intuitus originarius), e, por conseguinte, no intuio intelectual, como a que parece per-tencer to-s ao ser supremo pelas razes antes indicadas e no um ser independente, tanto pela sua existncia como pela sua intuio (que deter-mina a sua existncia em relao com os objetos dados). Esta ltima observao no deve ser con-siderada mais do que um esclarecimento e no como uma prova de nossa teoria esttica. Concluso da Esttica transcendental J possumos um dos dados requeridos para a soluo do problema geral da Filosofia transcendental: como so possveis as proposies sintti-cas a priori? Quer dizer, estas intuies puras a priori: espao e tempo. Quando em nosso juzo a priori queremos sair do conceito dado, encontramos algo que pode ser descoberto a priori na intuio correspondente e no no conceito, e que pode ser en-laado sinteticamente a este conceito; mas juzos que, por esta razo, s alcanam aos objetos dos sentidos e s valem para os da experincia.
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DA TEORIA ELEMENTAR TRANSCENDENTALLGICA TRANSCENDENTAL Introduo Idia de Uma Lgica Transcendental I Da Lgica em geral Nosso conhecimento emana de duas fontes principais do esprito: a primeira consiste na capacidade de receber as representaes (a recepti-vidade das impresses), e a segunda, na faculdade de conhecer um objeto por meio dessas represen-taes (a espontaneidade dos conceitos). Pela pri-meira nos dado um objeto, pela segunda pen-sado em relao a essa representao (como pura determinao do esprito). Constituem, pois, os elementos de todo nosso conhecimento, a intuio e os conceitos; de tal modo, que no existe conhecimento por conceitos sem a correspondente intuio ou por intuies sem conceitos. Ambos so puros ou empricos: empricos se neles se contm uma sensao (que supe a presena real do objeto); puro, se na re-presentao no se mescla sensao alguma. Pode chamar-se sensao, a matria do conhecimento sensvel. A intuio pura, portanto, contm unicamente a forma pela qual percebida alguma coisa, e o conceito puro a forma do pensamento de um ob-jeto em geral. Somente as intuies e conceitos puros so possveis a priori; os empricos s o so a posteriori. Se denominamos sensibilidade capacidade que tem nosso esprito de receber representaes (receptividade), quando de qualquer modo afeta-do, pelo contrrio, chamar-se- entendimento faculdade que temos de produzir ns mesmos repre-sentaes ou a espontaneidade do conhecimento. Pela ndole da nossa natureza a intuio no pode ser seno sensvel, de tal sorte, que s con-tm a maneira de como somos afetados pelos obje-tos. O entendimento, pelo contrrio, a faculdade de pensar o objeto da intuio sensvel. Nenhuma dessas propriedades prefervel outra. Sem sen-sibilidade, no nos seriam dados os objetos, e sem o entendimento, nenhum seria pensado. Pensa-mentos sem contedo so vazios, intuies sem certos conceitos, so cegos. Assim, necessrio tornar sensveis os concei-tos (quer dizer, fornecer-lhes o objeto dado na intuio), bem como tornar inteligveis as intuies (submetendo-as a conceitos). Estas duas faculda-des ou capacidades no podem trocar de funes. O entendimento no pode perceber e os sentidos no podem pensar coisa alguma. Somente quando se unem, resulta o conhecimento. Cumpre, no entanto, no confundir as suas funes, importando separ-las e distingui-las cuidadosamente. Em semelhante distino se acha a base para distinguir tambm a cincia das regras da sensibilidade em geral, quer dizer, a Esttica, da cincia das leis do entendimento em geral, quer dizer, da Lgica. A Lgica, por sua vez, pode ser considerada sob dois pontos de vista, conforme se examinem as operaes gerais ou as operaes particulares do entendimento. A primeira compreende as regras absolutamente necessrias do pensar, sem as quais no podem ter lugar as operaes intelec-tuais, e, por conseguinte, ela encara esta faculda-de, independentemente da diversidade dos objetos aos quais pode aplicar-se. A Lgica das operaes particulares contm as regras para pensar retamente sobre certos objetos determinados. A primeira pode chamar-se Lgica elementar; a segunda, o orgnon desta ou daquela cincia. Esta ltima habitualmente ensinada nas escolas como propedutica das cincias, embora no de-
PARTE SEGUNDA
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senvolvimento da razo humana ela seja o ltimo lugar a ser atingido; pois s ali chegamos quando a cincia se encontra muito adiantada, e s espera a ltima palavra para atingir o mais elevado grau de exatido e perfeio. Com efeito, preciso co-nhecer os objetos suficientemente, para poder dar as regras segundo as quais pode formar-se a cin-cia. A Lgica geral pura ou aplicada. Na primei-ra, abstramos todas as condies empricas, sob as quais se exerce o nosso entendimento, p. ex.: a influncia dos sentidos, o jogo da imaginao, as leis da memria, o poder do hb