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Lei da experiência profissional: uma lei inconstitucional

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A Lei 11.644/08, que proibe o empregador de exigir do candidato a emprego experiência superior a 6 (seis) meses no mesmo tipo de atividade, ofende o princípio da razoabilidade em todos os aspectos que se possa imaginar. Trata-se de um verdadeiro monumento ao absurdo, razão pela qual deve ser urgentemente eliminada.

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Lei da experiência profissional – uma lei inconstitucional Flavio Farah*

Introdução

O propósito deste trabalho é demonstrar a inconstitucionalidade da Lei 11.644/08, que proibe o em-

pregador de exigir do candidato a emprego experiência superior a 6 (seis) meses no mesmo tipo de

atividade.

A lei 11.644/08 e sua exposição de motivos

A Lei nº 11.644, de 10 de março de 2008, acrescentou à CLT – Consolidação das Leis do Trabalho

– o artigo 442-A, cujo teor é o seguinte:

Art. 442-A. Para fins de contratação, o empregador não exigirá do candidato a emprego compro-

vação de experiência prévia por tempo superior a 6 (seis) meses no mesmo tipo de atividade.

A Lei 11.644/08 teve origem no Projeto de Lei nº 162, apresentado à Câmara dos Deputados pelo

Deputado Inocêncio Oliveira em 25 de fevereiro de 2003.

A exposição de motivos que acompanhou o projeto é a seguinte:

“O projeto de lei em tela objetiva alterar a Consolidação das Leis do Trabalho, CLT, com vistas a

tornar mais acessível o mercado de trabalho ao jovem brasileiro. Seu objetivo específico é limitar a

exigência de experiência prévia, para fins de contratação, ao máximo de 6 (seis) meses.

A exigência de experiência profissional, não obstante ser um requisito para se verificar a adequa-

ção do cidadão ao desempenho da atividade pleiteada, tem-se colocado como barreira ao funcio-

namento socialmente justo do mercado de trabalho, trazendo prejuízos ao país hoje e no futuro. De

fato, inúmeros são os relatos de pessoas preteridas em disputas por ocupações devido a exigências

de 5 anos de experiência. Em vista do próprio ciclo de vida do jovem, que apenas iniciou no merca-

do de trabalho, essas exigências tornam inviável ao trabalhador iniciante pleitear vagas em melho-

res trabalhos. Mais grave ainda é o quadro, pois a falta de experiência hoje acaba por impedir a

conquista dessa própria experiência no futuro, erigindo-se como barreira intransponível ao avanço

profissional do jovem.

Diante do pequeno crescimento econômico e também das muitas exigências burocráticas e tributá-

rias que gravam o mercado de trabalho, o que se vê expandir são índices de desemprego e de em-

prego informal. Segundo dados da Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE, o número de desempre-

gados em 2001 atingiu 6,19% (taxa de desemprego aberto), sendo que entre as faixas etárias mais

jovens o índice é alarmante.

O quadro abaixo representa as taxas de desemprego por faixa etária.

Quadro I: Desemprego por Faixa Etária em 2001

Faixa Etária

(anos)

Taxa de

Desemprego

(%)

Faixa Etária

(anos)

Taxa de

Desemprego

(%)

15-17 13,41 40-49 3,57

18-24 12,46 50-59 2,92

25-29 7,21 60-64 1,91

30-39 5,04 ≥ 65 1,06 Fonte: Mercado de Trabalho, Conjuntura e Análise, nº 18 , fev. 2002. IPEA.

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A fim de enfatizar os efeitos nefastos dessa condição do mercado de trabalho claramente

desfavorável para o jovem brasileiro, deve ser dito que sua exclusão das disputas por ocupação é

tanto mais grave por ser a falta de perspectiva o gerador da violência nas grandes cidades e a

certeza de miséria também no futuro. Criar condições para a inserção do jovem no futuro é, assim,

tarefa inadiável que esse projeto busca realizar.”

Análise da exposição de motivos

A exposição de motivos que acompanha o projeto parece conter quatro justificativas, explícitas ou

implícitas, para a proposta:

1) A exigência de experiência profissional, embora seja requisito para verificar a adequação do

candidato à função pretendida, é uma exigência injusta, pois há inúmeros relatos de pessoas pre-

teridas em disputas por ocupações devido a repetidas exigências de 5 anos de experiência.

2) Uma das causas dos altos índices de desemprego entre os jovens é a exigência de experiência

profissional.

3) A falta de perspectiva de emprego é o gerador da violência nas grandes cidades.

4) A limitação da exigência de experiência prévia a um máximo de 6 (seis) meses tornará o merca-

do de trabalho mais acessível ao jovem brasileiro.

A afirmativa nº 4 é consequência lógica da nº 2. De fato, se o problema – alto índice de desemprego

juvenil – tem como uma de suas causas a exigência de experiência profissional, então a remoção da

causa acarretará necessariamente a extinção do problema ou, pelo menos, sua redução.

Em relação às afirmativas de nºs 2 e 3, o autor não apresentou dados que as sustentassem, conside-

rando-as como evidentes por si mesmas. Nestas condições, se a afirmativa nº 2 – que nos interessa

de perto – for falsa, a lei representará a solução para um problema inexistente.

Diferentemente das outras, que são juizos de fato, a afirmativa nº 1 representa um juízo de valor

moral sobre a exigência de experiência profissional (“A exigência de experiência profissional é in-

justa”). O autor do projeto, de início, parece aceitar a validade dessa exigência, porém, na sequên-

cia, condena-a como injusta. Ele cita como exemplo os “inúmeros relatos” de candidatos rejeitados

em processos seletivos devido à exigência de 5 anos de experiência, condenando essa exigência

qualquer que seja a ocupação em disputa, porém sem explicar a razão. O fato, porém, de a afirmati-

va nº 1 representar um juízo de valor no plano moral não a torna verdadeira por si mesma, persistin-

do a necessidade de se justificar a condenação do requisito, o que o autor do projeto não fez.

Assim, considerando que o Deputado Inocêncio Oliveira não apresentou dados que sustentem as

afirmativas de nºs 2 e 3, e que ele não justificou a afirmativa nº 1, torna-se conveniente examinar a

razoabilidade da Lei 11.644/08. Para melhor compreensão, entretanto, vamos fazer antes uma breve

exposição sobre o princípio da razoabilidade.

O princípio da razoabilidade

O princípio da razoabilidade postula que os atos do Poder Público devem ser razoáveis, entenden-

do-se por atos do Poder Público tanto os atos administrativos emanados do Poder Executivo –

decretos, resoluções, portarias etc. – quanto os atos editados pelo Poder Legislativo – as leis. A ra-

zoabilidade é exigida como requisito de legitimidade dos atos do Poder Público.

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O princípio da razoabilidade tem sua origem no princípio do devido processo legal (due process of

law), oriundo dos Estados Unidos da América. Nesse País, o devido processo legal assumiu dois as-

pectos: um de natureza formal e outro de cunho material. A garantia do devido processo legal for-

mal assegura ao cidadão a regularidade do processo judicial, refletindo-se principalmente no direito

ao contraditório e à ampla defesa. O devido processo legal material, por sua vez, traduz-se na idéia

de Justiça e de razoabilidade que expressa um sentimento coletivo comum de determinada época.

O devido processo legal material é utilizado como instrumento contra os abusos cometidos pelo Le-

gislativo, ao editar diplomas legais, e pelo Executivo, quando exerce o poder discricionário ao bai-

xar atos administrativos.1 Desta forma, o princípio do due process of law deixou de ser apenas uma

garantia processual, tornando-se uma forma de restringir os desmandos do Poder Público, marcando

dessa forma, um impulso de ascensão do Judiciário, abrindo-se um amplo espaço de exame de méri-

to dos atos do Poder Público, pautando-se nos parâmetros de razoabilidade e racionalidade.2

O princípio da razoabilidade, portanto, é o devido processo legal em seu aspecto material.

No caso da elaboração das normas jurídicas a cargo do Poder Legislativo, se a lei contiver critérios

que dificultem ou inviabilizem a execução de suas prescrições, ou que representem exageros ou ab-

surdos, ela se tornará não razoável, sujeitando-se a ser questionada judicialmente.3

O princípio da razoabilidade busca o justo equilíbrio entre o exercício do poder e a preservação dos

direitos dos cidadãos, evitando dessa forma atos arbitrários. O razoável traduz-se na conformidade

com a razão, a moderação, o equilíbrio e a harmonia.4 Agir com razoabilidade consiste em proceder

com bom senso, prudência, moderação, adotar medidas adequadas e coerentes, levando-se em conta

a relação entre os meios empregados e a finalidade a ser alcançada, bem como as circunstâncias que

envolvem a prática do ato.5

Modernamente, exige-se que as leis sejam razoáveis e racionais. Isto quer dizer que as normas jurí-

dicas não devem ser arbitrárias ou implausíveis, mas sim, constituir meio hábil e necessário à con-

secução de finalidades constitucionalmente válidas. Para tanto, deve haver uma relação de compati-

bilidade entre a norma em si – o meio – e o fim que ela pretende alcançar. Se essa relação entre

meio e fim não existir, a lei resultará leviana e injustificada, padecendo do vício da arbitrariedade,

consistente na falta de razoabilidade e de racionalidade.6

Um ato do Poder Público é não razoável quando: a) não existiram os fatos em que se embasou; ou

b) quando os fatos, embora existentes, não guardam relação lógica com a medida tomada; ou

c) quando mesmo existente alguma relação lógica, não há adequada proporção entre uns e outros;

ou d) quando o ato se assentou em argumentos ou em premissas, explicitas ou implícitas, que não

autorizam, do ponto de vista lógico, a conclusão deles extraída.7

Para avaliar a razoabilidade de um ato do Poder Público, o princípio da razoabilidade lança mão de

um ferramental definido: o princípio da proporcionalidade.

O princípio da proporcionalidade

O princípio da proporcionalidade constitui um instrumento prático para se avaliar a razoabilidade de

uma lei ou ato administrativo do Poder Público. O princípio da proporcionalidade, em essência, es-

tabelece que as normas restritivas de direitos, liberdades e garantias fundamentais devem limitar-se

ao estritamente necessário.

O princípio da proporcionalidade também é denominado princípio da proibição do excesso ou prin-

cípio da justa medida, no sentido de que a lei restritiva não deve ser apenas necessária e adequada,

mas também seus elementos coercivos de direitos, liberdades e garantias não devem ser desmedi-

dos, desajustados, excessivos ou desproporcionados em relação aos resultados almejados.8

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O princípio da proporcionalidade compõe-se de três subprincípios: adequação, necessidade e

proporcionalidade em sentido estrito:

a) Adequação. Deve haver relação de compatibilidade entre o fim almejado e o meio escolhido pa-

ra alcançar esse fim, ou seja, os meios adotados devem ser adequados, aptos, úteis, suficientes para

realizar os fins que se tem em vista. Trata-se de verificar se existe uma relação de causalidade entre

meios e fins. Se os meios escolhidos forem inúteis ou não apropriados, não haverá adequação.

b) Necessidade. Dentre os meios disponíveis para alcançar um determinado fim, deve-se escolher

os mais suaves, os que causem o menor prejuízo possível para os direitos e as liberdades dos indiví-

duos. Deve-se evitar o excesso, isto é, os meios adotados devem ser necessários para cumprir os

fins pretendidos. Os meios utilizados tornam-se excessivos e, pois, desnecessários e não exigíveis,

quando, para se alcançar os objetivos almejados, dispõe-se de outras medidas igualmente eficazes e

menos danosas a direitos e liberdades.

Este subprincípio desdobra-se em quatro dimensões: exigibilidade material (a restrição é indispen-

sável), espacial (o âmbito de atuação deve ser limitado), temporal (a medida coativa do poder públi-

co não deve ser perpétua) e pessoal (restringir o conjunto de pessoas que deverão ter seus interesses

sacrificados).9

c) Proporcionalidade em sentido estrito. Deve-se pesar os interesses que estão em jogo, avalian-

do-se as vantagens e desvantagens da medida que está sendo considerada, ou seja, sua relação cus-

to-benefício. Deve-se escolher o meio que some o maior número de vantagens e o menor número de

desvantagens, perguntando-se: a medida adotada sacrifica direitos mais importantes do que aqueles

que busca preservar? A norma só será legítima quando preservar direitos hierarquicamente superio-

res aos que serão restringidos.

A seguir, submetemos a Lei 11.644/08 ao escrutínio dos três subprincípios acima descritos.

A lei 11.644/08 e o subprincípio da adequação

Para aferir a conformidade da Lei 11.644/08 ao subprincípio da adequação, vamos examinar a vera-

cidade da justificativa nº 2 apresentada pelo autor do projeto em sua exposição de motivos (V. aci-

ma o item “A lei 11.644/08 e sua exposição de motivos”):

Uma das causas dos altos índices de desemprego entre os jovens é a exigência de experiência pro-

fissional.

Uma pesquisadora analisou o desemprego entre os jovens no Brasil, procurando identificar os moti-

vos de a taxa de desemprego do jovem ser muito superior à dos adultos.10

Segundo a autora, um ar-

gumento recorrente é que a causa do alto desemprego juvenil está na dificuldade do jovem em con-

seguir o primeiro emprego. A autora então questiona: será realmente a dificuldade em obter o pri-

meiro emprego a causa de os jovens apresentarem uma taxa de desemprego tão alta? O estudo veri-

ficou o que acontece no caso brasileiro com base nos dados da Pesquisa Mensal de Emprego (PME)

do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), nas seis principais regiões metropolitanas

do Brasil, de 1983 a 2002.

Os resultados mostram que, no período estudado, cerca de 80% da taxa de desemprego juvenil é

composta de jovens que já trabalharam.11

Os jovens que já trabalharam anteriormente são os prin-

cipais responsáveis pela alta taxa de desemprego da categoria. Logo, os que nunca trabalharam e

procuram o primeiro emprego têm pouca influência nessa alta taxa de desemprego juvenil.12

Os resultados encontrados mostram que os jovens apresentam uma alta taxa de rotatividade no mer-

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cado de trabalho, ou seja, trocam de emprego com mais frequência, e que essa rotatividade é o prin-

cipal motivo de uma taxa de desemprego juvenil tão elevada e tão superior à de trabalhadores mais

velhos.13

Os dados disponíveis, portanto, indicam que o problema apontado pelo Deputado Inocêncio Olivei-

ra – alto índice de desemprego juvenil – não é causado pelos jovens que procuram o primeiro em-

prego sem o conseguir por causa da exigência de experiência profissional. Os dados sugerem que a

principal causa da alta taxa de desemprego da categoria é a alta taxa de rotatividade entre os jovens

que já trabalharam anteriormente. Em tais condições, a medida proposta pelo autor do projeto reve-

la-se inadequada, inapropriada para resolver o problema apontado. A lei, portanto, representa uma

solução inócua, ineficaz, porque direcionada ao combate de uma suposta causa do problema que, ao

final, revela-se errônea.

A lei 11.644/08 e o subprincípio da necessidade

Para verificar se a Lei 11.644/08 observa o subprincípio da necessidade, precisamos entender o con-

ceito de experiência profissional.

O conceito de experiência profissional está intimamente ligado à noção de prontidão profissional.

Considerando-se que um candidato a emprego possua a instrução formal e, eventualmente, a intru-

ção complementar requerida, a experiência mínima necessária representa o período anterior de exer-

cício de cargos iguais ou similares para que o pretendente possa ter vivido as principais situações e

problemas da função e adquirido as habilidades básicas para o desempenho satisfatório do cargo

com razoável autonomia. Um candidato nestas condições é considerado “pronto” do ponto de vista

profissional. Quanto mais complexo é o cargo, mais experiência, isto é, mais tempo de exercício no

cargo é necessário para que o ocupante adquira “prontidão”. A experiência mínima necessária para

que um profissional possa ser considerado “pronto” estende-se de alguns meses a vários anos, de-

pendendo da complexidade do cargo em questão. É possível quantificar a experiência necessária pa-

ra que um profissional se torne pronto. Essa quantificação é feita com base no tipo e na duração do

ciclo de trabalho do profissional. Quanto mais simples, repetitivo e curto for seu ciclo de trabalho,

menor será o tempo necessário para que ele adquira prontidão profissional.

O autor do projeto justifica sua proposta afirmando que a exigência de experiência profissional é in-

justa porque muitos candidatos são rejeitados em processos seletivos devido a repetidos requisitos

de 5 anos de vivência. Para sanar a injustiça, o Deputado propõe uma solução radical: proibir, para

qualquer cargo, e em qualquer tipo de organização, a requisição de experiência profissional supe-

rior a seis meses. Isto significa que as empresas não poderão recrutar candidatos prontos em nenhu-

ma circunstância, devendo admitir apenas pessoas inexperientes para serem treinadas. Para se ter

uma ideia da radicalidade da Lei, basta considerar que, desde sua entrada em vigor, as empresas não

podem exigir experiência para nenhuma das mais de 2.400 ocupações constantes da Classificação

Brasileira de Ocupações (CBO), publicada pelo Ministério do Trabalho e do Emprego.

Supostamente, para o autor do projeto, compete às empresas instituir programas de formação profis-

sional, planos de sucessão e políticas de recrutamento interno que possibilitem o preenchimento dos

cargos de meio e de topo de carreira pela promoção de seus funcionários, o que permitiria usar o re-

crutamento externo para admitir somente profissionais iniciantes sem experiência.

Trata-se de uma solução desmedida, associada a uma justificativa frágil porque, em primeiro lugar,

no Brasil, vários setores contratam jovens sem experiência profissional. Um dos mais atuantes é o

setor de telesserviços, também chamado de telemarketing, call center ou contact center, que empre-

gou cerca de 1,38 milhão de trabalhadores em 2010, com previsão de 1,43 milhão para 2011.15

Cer-

ca de 55% dos trabalhadores desse setor têm entre 18 e 25 anos e 45% estão no primeiro emprego.16

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Em segundo lugar, embora várias empresas possuam programas de formação profissional, planos de

sucessão e políticas de recrutamento interno, é descabido impedir, de forma generalizada, que as or-

ganizações recrutem profissionais prontos no mercado, primeiro, porque as micro e pequenas em-

presas não dispõem de recursos financeiros nem de estrutura para implantar e operar tais programas;

segundo, porque as empresas que se encontram em fase de crescimento acelerado têm necessidade

de ampliar rapidamente sua estrutura produtiva, razão pela qual precisam aumentar seu quadro de

funcionários buscando externamente, de imediato, profissionais prontos para produzir; terceiro, por-

que, se uma empresa, mesmo possuindo planos de sucessão e políticas de recrutamento interno, per-

der de modo inesperado um profissional experiente e talentoso e não dispuser, em sua força de tra-

balho, de um funcionário em condições de substitui-lo, a organização será forçada a buscar no mer-

cado um profissional com experiência equivalente à daquele que se desligou.

Se o autor do projeto quisesse ser razoável, ele poderia ter feito a proibição incidir apenas sobre os

postos de início de carreira (trainee) e sobre os cargos desprovidos de complexidade, como são os

de atendente, recepcionista, caixa, mensageiro, garçom etc., que não demandam vivência ou a re-

querem limitada a poucos meses.

Por todos esses motivos, concluimos que a Lei 11.644/08 afronta o subprincípio da necessidade.

A lei 11.644/08 e o subprincípio da proporcionalidade em sentido

estrito

Suponhamos que uma grande empreiteira queira contratar um engenheiro civil para assumir a res-

ponsabilidade pela construção de uma obra com nível de complexidade equivalente ao da ponte

Rio-Niteroi. Na vigência da Lei 11.644/08, como recrutar candidatos com a competência necessá-

ria? Poderá a empresa exigir que os pretendentes tenham liderado a construção de obras semelhan-

tes? Aparentemente não, pois essa seria uma maneira disfarçada de exigir experiência, constituindo,

pois, fraude à Lei em questão. Dentro desse raciocínio, qualquer exigência indireta de experiência

será inaceitável. Se o empregador não puder, então, de nenhum modo, exigir experiência, poderá es-

ta ser usada como critério de desempate entre os candidatos? Se puder, então a Lei 11.644/08 será

inócua. Se não puder, de que modo poderá a empresa desempatar a disputa? Pelo critério da seniori-

dade? Não, pois senioridade, indiretamente, significa experiência. Por meio de uma prova de conhe-

cimentos? Uma prova desse tipo será ilegítima se contiver questões que só um candidato experiente

possa responder. Em tais condições, um exemplo de critério de desempate aceitável será a aplicação

de um teste de inteligência destinado a adultos, cujos resultados não dependam de maturidade. Um

teste como esse, porém, será equivalente a um sorteio.

Temos, portanto, que, no limite, se a Lei 11.644/08 for cumprida candidamente, integralmente, es-

tritamente, à risca, sem nenhuma tentativa direta ou indireta de burla, então todos os candidatos par-

ticipantes de um processo seletivo terão igual probabilidade de serem escolhidos. Em tais condi-

ções, correremos o risco de ver um engenheiro recém-formado assumir a responsabilidade por uma

obra complexa como a mencionada acima, ou um médico em início de carreira liderar uma equipe

de transplante de fígado. Desta forma, a Lei, ao tentar proteger a empregabilidade dos jovens, colo-

ca em perigo bens jurídicos de hierarquia superior, quais sejam, a vida e a segurança das pessoas.

Conclusão

A Lei 11.644/08 ofende o princípio da razoabilidade em todos os aspectos que se possa imaginar.

Trata-se de um verdadeiro monumento ao absurdo, razão pela qual deve ser urgentemente fulmina-

da pela Justiça.

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Notas 1 SOUZA, Tercio Roberto Peixoto. O princípio da razoabilidade na constituição aberta.

Disp. em: http://trabalhoemdebate.blogspot.com/2011/04/o-principio-da-razoabilidade-na.html

2 PEIXOTO, Alexandre Sivolella e outros. “O princípio da razoabilidade”. Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS.

v. 6, n. 11, Jan./Jul. 2004. p. 99-100.

Disp. em: http://www.unigran.br/revistas/juridica/ed_anteriores/11/artigos/06.pdf

3 RESENDE. Antônio José Calhau de. “O princípio da razoabilidade dos atos do poder público”. Revista do Legislati-

vo, abr-dez/99. pp. 56-57. Disp. em: http://www.almg.gov.br/revistalegis/Revista26/calhau26.pdf

4 BARROS, Lorena Pinheiro e Danielle Borgholm. “O princípio da razoabilidade como parâmetro de mensuração do

dano moral”. Disp. em: http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20090505153557272

5 RESENDE, Antônio José Calhau de. Ob. cit. pp. 55-56.

6 CASTRO, Carlos Roberto de Siqueira. O Devido Processo Legal e a Razoabilidade das Leis na Nova Constituição do

Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 1989. p. 157. Cit. em ZANCANER, Weida. “Razoabilidade e moralidade: princípios

concretizadores do perfil constitucional do estado social e democrático de direito”. Revista Diálogo Jurídico. ano I, nº

9, dezembro de 2001. Disp. em:

http://www.direitopublico.com.br/pdf_9/DIALOGO-JURIDICO-09-DEZEMBRO-2001-WEIDA-ZANCANER.pdf

7 ZANCANER, Weida. Ob. cit.

8 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 6ª ed. Coimbra: Almedina, 1995. p. 617. Cit. em

SOARES, Evanna. O princípio da razoabilidade no direito do trabalho.

Disp. em: http://www.prt22.mpt.gov.br/artigos/trabevan18.pdf

9 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Ob. cit. p. 262. Cit. em SOUZA, Carlos Affonso Pereira de e Patrícia Regina

Pinheiro Sampaio. O princípio da razoabilidade e o princípio da proporcionalidade: uma abordagem constitucional.

Disp. em: http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/files/anexos/15076-15077-1-PB.pdf

10

FLORI, Priscilla Matias. Desemprego de jovens: um estudo sobre a dinâmica do mercado de trabalho juvenil

brasileiro. Disp. em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/12/12138/tde-18122003-144416/pt-br.php

11

FLORI, Priscilla Matias. Ob. cit. Resumo.

12

FLORI, Priscilla Matias. Ob. cit. p. 20.

13

FLORI, Priscilla Matias. Ob. cit. p. 37.

14

Adaptado de PASCHOAL, Luiz. Como gerenciar a remuneração na sua empresa. Rio de Janeiro: Qualitymark,

2006. p. 115.

15

ANTONELLI, Valdir. O setor na busca pela eficiência.

Disp. em: http://www.portalcallcenter.com.br/indicadores/anuario/o-setor-na-busca-pela-eficiencia

16

CALFAT, Marcelo. Call Center vira porta de entrada para o 1º emprego. Disp. em:

http://www.correiodeuberlandia.com.br/cidade-e-regiao/call-center-vira-porta-de-entrada-para-o-1%C2%BA-emprego/

* Flavio Farah é Mestre em Administração de Empresas, professor universitário, palestrante e articulista. Especialista em Ética, é autor do livro Ética na Gestão de Pessoas. O autor, entre outros temas, escreve sobre a Justiça como valor moral. E-mail: [email protected]