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Leitura uma proposta para as diferentes áreas a partir dos gêneros textuais do cotidiiano

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linguagens: mosaico dos saberes

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cândida martins pintoraquel bevilaqua

silvania faccin colaçoOrganizadoras

linguagens: mosaico dos saberes

1ª Edição

são vicente do sul – rio grande do sul2011

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instituto federal farroupilha campus são vicente do sul

Luiz Fernando Rosa da CostaDiretor Geral

Luis Aquiles Martins MedeirosDiretor de Ensino

João Flávio Cogo CarvalhoDiretor de Produção

Gustavo Pinto da SilvaDiretor de Extensão

Deivid Dutra de OliveiraDiretor de Administração e Planejamento

livro organizado pelo núcleo de estudos linguísticos e literários – nell

São de responsabilidade exclusiva dos autores a precisão e validez dos dados e informa-ções, assim como as opiniões expressadas nos artigos, não manifestando necessariamen-te o ponto de vista do Instituto Federal Farroupilha – Campus São Vicente do Sul.

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© Cândida Martins Pinto, Raquel Bevilaqua e Silvania Faccin Colaço.

Diagramação e Ilustração: Marcelo Kunde

Não é permitida a reprodução total ou parcial desta publicação, em qual-quer meio, sem a permissão prévia dos autores.

Publicação elaborada a partir do Edital n.° 35/2010, referente a Apoio a Publi-cação de Livros, oriundos a partir de iniciativas de ensino, pesquisa e exten-são dos Grupos de Pesquisa do Campus São Vicente do Sul.

Direitos reservados ao:Instituto Federal Farroupilha – Campus São Vicente do Sul Rua 20 de setembro, s/n – CEP 97420-000 – São Vicente do Sul – RS – BrasilTelefone: 55 3257 1114 – Fax: 55 3257-1263 Home page: http://www.svs.iffarroupilha.edu.br E-mail: [email protected]

Catalogação na publicação:

Dados de catalogação na fonte:

F755 Linguagens: mosaico dos saberes / Cândida Martins Pinto, Raquel Bevilaqua, Silvania Faccin Colaço (organizadoras). – São Vicente do Sul, RS: IFFarroupilha – Campus São Vicente do Sul, 2011.

Publicação digitalizada: il. : color. ; 14x21cm.ISBN 978-85-63319-02-9

1. Língua Estrangeira. 2. Leitura – Produção textual. 3. Comunica-ção – Gêneros textuais. 4. Material didático – Produção. 5. Linguagem – Aquisição. 6. Proeja. I. Pinto, Cândida Martins. II. Bevilaqua, Raquel. III. Colaço, Silvania Faccin.

CDU

Fernando Scheid CRB10/1909

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Sumário

Apresentação....................................................................................................................................................................................................9As organizadoras

parte i – ensino de línguas para a educação básica

Ensino médio integrado nos institutos federais de educação, ciência e tecnologia – uma experiência de letramento ..........................................................................................................................................13Raquel Bevilaqua

Significados da disciplina de inglês instrumental, segundo uma turma do curso Técnico em Informática do PROEJA.........................................................................................................................................................31Lísia Vencatto Lorenzoni

Leitura na concepção da Prova Brasil..............................................................................................................................43Raquel Bevilaqua e Fabiana Veloso de Melo Dametto

parte ii – ensino de línguas articulado à pesquisa e extensão

Comunicação interna e análise de gênero textual em uma instituição pública de ensino........ 59Cândida Martins Pinto e Raquel Bevilaqua

Os gêneros textuais do mural no Instituto Federal Farroupilha, Campus São Vicente do Sul...... 69Silvania Faccin Colaço e Evanir Piccolo Carvalho

A argumentação na produção do texto dissertativo........................................................................................81Silvania Faccin Colaço

parte iii – formação do professor de línguas

Teorias de aquisição de segunda língua............................................................................................................ 91Cândida Martins Pinto e Fabrícia Cavichioli Braida

Língua estrangeira moderna – orientações dos PCNs para uma prática educacional significativa............................................................................................................................................................................... 103Josete Cardoso Berni e Leandro Wesz Parise

Princípios básicos para produção de materiais didáticos..............................................................................109Cândida Martins Pinto, Evanir Piccolo Carvalho e Leandro Wesz Parise

Leitura: uma proposta para as diferentes áreas a partir dos gêneros textuais do cotidiano.... 127Silvania Faccin Colaço

Currículo dos autores............................................................................................................................................................................137

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APRESENTAÇÃO

A obra “Linguagens: Mosaico dos Saberes” é composta por textos multidisciplinares sobre estudos da linguagem nos mais diferentes níveis de ensino. Sua relevância consiste no pio-neirismo de divulgação de pesquisas da linguagem desenvolvidas em uma instituição profis-sionalizante, com ênfase na verticalização do ensino: ensino básico integrado, subsequente ao ensino médio, Proeja e formação de professores de linguagens. Seus textos resultam da intrínseca relação entre ensino, pesquisa e extensão e são o resultado de diferentes atividades desenvolvidas na instituição, locus de análise das diferentes manifestações da linguagem.

Em um primeiro momento, dois textos dão conta do ensino integrado na educa-ção básica e na educação de jovens e adultos e um terceiro tece considerações sobre a Prova Brasil. O primeiro texto aborda a proposta de ensino integrado para os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia e inclui perspectivas de ensino de língua estrangeira para a educação básica integrada à educação profissional. Em seguida, são ex-plicitadas algumas experiências práticas de ensino de línguas integrado à área técnica de comunicação e informação com educandos da Educação Profissional Integrada à Educa-ção Básica na Modalidade Educação de Jovens e Adultos (Proeja). Por fim, apresenta-se uma leitura da Prova Brasil e da concepção de letramento realizada por ela. A Prova Brasil é analisada sob dois aspectos: avaliação e ensino de leitura.

Em um segundo momento da obra, são explicitadas as pesquisas e seus resultados so-bre o uso da linguagem em uma instituição pública de ensino. Esses textos são fruto do Nú-cleo de Estudos Linguísticos e Literários (NELL) e concernem à funcionalidade dos diferentes gêneros textuais empregados para a comunicação, com ênfase no uso do e-mail e do mural na interação comunicativa da Instituição. Além disso, é analisado o trabalho realizado na extensão, voltado especialmente à produção textual, a partir de dois cursos realizados no campus.

Em um terceiro e último momento, quatro textos, que remetem à formação de professor de línguas, são apresentados. Os textos representam um arcabouço teórico de abordagens e metodologias que servem de ferramentas para que docentes das lingua-gens possam (re)pensar suas práticas e (re)elaborá-las. Os textos tratam da proposta de ensino de leitura para as mais diferentes áreas do saber, aquisição da linguagem, ensino de línguas e construção de material didático de apoio ao trabalho docente.

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Sabe-se que a linguagem é realizada por práticas sociais cotidianas, e o ensino de línguas deve estar voltado a essas práticas, considerando-se um sujeito ativo, que se relaciona ao contexto em que vive e utiliza diferentes gêneros textuais orais e escritos. O papel do professor torna-se decisivo para orientar uma leitura crítica da realidade cons-tituída por diferentes discursos.

Na articulação entre ensino, pesquisa e extensão, o Núcleo de Estudos Linguísticos e Literários, do Instituto Federal Farroupilha - campus São Vicente do Sul apresenta, nes-ta obra, um conjunto de saberes justapostos, em que cada abordagem teórica constitui uma peça no conhecimento da epistemologia linguística, orientado por uma perspec-tiva híbrida de prática do conhecimento. Em tempo de saberes fragmentados, um mo-saico teórico-prático desafia a busca integrada entre as diferentes realizações linguístico-

-discursivas, reunidas pelas diferentes peças que compõem a interação comunicativa.A obra é útil para todos aqueles profissionais de ensino, que pautam sua atividade

docente na construção do conhecimento linguístico e discursivo e que estão à procura de novos sentidos para pesquisas e práticas de ensino nessa área.

As organizadoras

Instituto Federal Farroupilha – Campus São Vicente do Sul

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parte IENSINO DE LÍNGUAS PARA A

EDUCAÇÃO BÁSICA

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ENSINO MÉDIO INTEGRADO NOS INSTITUTOS FEDERAIS DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA –

UMA EXPERIÊNCIA DE LETRAMENTO

Raquel Bevilaqua

1. Introdução

Não é novidade a proposta do ensino integrado, ou interdisciplinar, como metodologia de ensino. Também não é inédita a questão do ensino médio integrado ao ensino téc-nico profissionalizante (POLI, 1999; FRIGOTTO et al, 2005; CIAVATTA, 2005; BRASIL, 2007, RAMOS, 2008). No entanto, este texto pretende apresentar considerações sobre a rede de ensino profissionalizante em seus paradigmas atuais, bem como apresentar uma ex-periência de letramento em língua estrangeira para o ensino médio integrado ao curso Técnico em Agropecuária a partir de uma perspectiva crítica.

Para melhor compreensão deste texto, é necessário mencionar sua organização em quatro principais momentos: inicialmente, procura-se situar, brevemente, as circunstâncias sociais, políticas e econômicas que fomentaram a criação dos 38 institutos federais no país; em seguida, são trazidas considerações sobre ensino médio integrado; logo após, são reali-zadas considerações sobre letramentos em uma perspectiva crítica; por fim, relata-se uma experiência de letramento em língua inglesa integrada ao Curso Técnico em Agropecuária.

2. Nos caminhos da ifetização: mais vagas para o

Ensino Médio?

A política de ifetização das Escolas Agrotécnicas Federais e dos Centros Federais de Educa-ção Tecnológica é oriunda do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), divulgado em abril de 2007. A meta era ampliar, consideravelmente, o número de instituições profissiona-lizantes e, assim, o número de vagas ofertadas para cursos de nível médio em todo o país.

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É importante retomar o contexto socioeconômico da década de 1990 para me-lhor compreender a problemática que envolvia a etapa final da educação básica quando da criação dos institutos. Foi nessa época que houve uma importante decisão política, que influenciaria, significativamente, o número de vagas e os currículos referentes ao en-sino médio. O Decreto 2.208, do ano de 1997, estabelecia que o ensino profissionalizante deveria ser apartado da educação geral; de fato, esse decreto proibia que cursos técnicos fossem oferecidos de forma integrada ao ensino médio. Assim, o ensino técnico poderia ser ofertado de duas formas: concomitante ao ensino médio e subsequente a ele.

Juntamente com o Programa de Expansão da Educação Profissional (PROEP), ambas as ações, conhecidas como Reforma da Educação Profissional (BRASIL, 2007, p. 19), estavam em total acordo com a então vigente política econômica neoliberal, cujo interesse era a privatiza-ção de serviços mantidos pelo Estado. Em uma perspectiva de lógica de mercado, o governo investiu nas instituições profissionalizantes com o intuito de torná-las economicamente com-petitivas, prestando serviços à sociedade e tornando-se, gradativamente, autossuficientes.

Para completar a situação que então se configurava, houve a publicação da Portaria nº 646/97 que, conforme explica o Documento-Base para o Ensino Integrado (BRASIL, 2007, p. 20), na prática, propunha reduzir, drasticamente, as vagas ofertadas no ensino médio pelas escolas federais. Mesmo sendo inconstitucional, essa portaria teve vigência até 1º de outubro de 2003, quando foi revogada pela Portaria nº. 2.736 do mesmo ano. Até então, para que no-vas vagas para o ensino médio profissionalizante fossem criadas, seria necessário que estados e municípios se articulassem com empresas privadas e organizações não governamentais, o que, inevitavelmente, levaria a um comprometimento dos currículos dessas escolas com a formação para o mercado de trabalho ao invés de ‘mundo do trabalho’.

Todas essas ações, conforme explica o Documento-Base (BRASIL, 2007), trazia uma clara e explícita separação de classes sociais, uma vez que os sujeitos, filhos das classes dirigentes, tinham uma educação geral propedêutica, voltada exclusivamente para o acesso aos cursos superiores. Aos filhos das classes operárias caberia a educação técnica profissionalizante, com todas as justificativas cabíveis, em destaque, a necessidade de maior mão-de-obra, justificada pela intensa industrialização do país.

É neste período, década de 1990 até meados de 2007, ano em que o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) fora lançado como uma forma de ‘comple-mentação’ do Plano Nacional de Educação (PNE), então em vigor desde 2001, que se observam os dramáticos números referentes à quantidade de matrículas no ensino médio. Esses números apontavam para uma necessidade urgente de ampliação de vagas para essa modalidade da educação básica. De acordo com Bevilaqua e Carvalho (2009), citando Lodi (2006), o número de vagas para o ensino médio correspondia apenas à metade do necessário em 2005. Isto quer dizer que, do total de 35 milhões de jovens entre 15 e 24 anos, somente 16% estavam matriculados e frequentando os bancos escolares da última etapa da educação básica. Em relação à educação pro-fissional, o quadro era ainda pior: apenas 8% do total desses jovens estavam matri-

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culados no ensino médio profissionalizante, fato que apontava para a insuficiente quantidade de vagas para essa modalidade de ensino.

Em 2004, durante o governo Lula, houve a revogação do Decreto 2.208/97 pelo Decreto 5.154/04. O atual decreto prevê que os cursos profissionalizantes podem ocorrer de forma inte-grada ao ensino médio, inclusive nas escolas da rede federal. Esse decreto é respaldado pela Lei 9.3946, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB). No parágrafo 2º, do ar-tigo 36, Seção IV do Capítulo II da LDB, está escrito que “O ensino médio, atendida a formação geral do educando, poderá prepará-lo para o exercício de profissões técnicas.”

Desde a publicação do Decreto 5.154/04, que permite a oferta do ensino médio in-tegrado ao técnico, muitas mudanças ocorreram. A mais visível delas foi a criação, em 29 de dezembro de 2008, de 38 institutos federais de educação, ciência e tecnologia. Neste dia, o então Centro Federal de Educação Tecnológica (CEFET) de São Vicente do Sul, palco da experiência pedagógica que será compartilhada aqui, tornou-se um dos campi do recém criado Instituto Federal Farroupilha. No Rio Grande do Sul, foram criados 3 institutos federais. No Brasil, de acordo com o MEC, em 2010, foram criadas aproximadamente 354 unidades de ensino profissionalizante, o que representa 400 mil vagas nessa modalidade de ensino.

De acordo com o portal do Inep1 , o Censo Escolar de 2010 atesta que o número de alunos matriculados no ensino médio é de 51, 5 milhões, menor do que os 52,5 milhões de 2009. No entanto, o número de alunos matriculados no ensino profissionalizante cresceu de 652.073, em 2002, para 1,1 milhão de jovens em 2010, culminando, estatisticamente, em um crescimento de 74,9% na rede profissionalizante nesse período. Nesse mesmo momento, é interessante ob-servar que, ainda de acordo com o sítio do Inep (idem), a rede federal de educação profissional passou de 77.190 alunos para 165.355, o que representa um crescimento de 114%. Se fossem considerarem os anos de 2007 a 2010, período em que se deu a expansão da rede profissiona-lizante como um todo, observar-se-á que, em 2007, as matrículas eram 780.162, passando para 1.140.388 no ano de 2010, cujo crescimento equivale a 46% no intervalo.

O número de alunos que frequentam o ensino médio ainda não é o ideal, conforme mostram os números anteriores, mas espera-se que esse número avance conforme os efeitos da política de expansão da rede federal de ensino profissionalizante se façam sentir.

Em relação ao aumento de vagas no ensino médio profissionalizante, a lei 11.892, de 29 de dezembro de 2008, que criou os atuais 38 institutos federais, procurou garantir que, mesmo ofertando cursos superiores de tecnologia, licenciaturas, Proejas e, inclusive, pós-graduação lato e stricto sensu, 50% de suas vagas devem ser reservadas para cursos técnicos de nível médio, preferencialmente na modalidade integrada. Isso quer dizer que, em sua matriz orçamentária, as matrículas provenientes de cursos integrados têm um valor superior às demais matrículas (concomitante e subsequente, por exemplo).

1 Disponível em http://www.inep.gov.br/imprensa/noticias/censo/escolar/news10_04.html. Acesso em fevereiro de 2011.

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Essa lei surge como forma de assegurar, entre outras, a expansão de vagas para o ensino médio, saldando uma antiga dívida, mencionada anteriormente. É nesse contexto que se discutirá, a partir de agora, questões referentes e pertinentes para as práticas de letramento sob a ótica do currículo integrado.

3. Currículo integrado: o que é? como se faz?

Em um momento de crise vivenciada pela educação básica, particularmente, pelo ensino médio, seja pela escassez de vagas oferecidas nas escolas públicas, seja pela falta de iden-tidade a esta etapa de ensino, o Decreto 5.154/04 traz novamente, conforme já explicita-do, a possibilidade de se integrar o ensino médio à educação profissional, buscando, de certa forma, imprimir uma identidade mais concreta à etapa final da educação básica. É importante destacar que o Decreto 5.154/04 não proíbe a oferta de ensino nas modalida-des concomitante e subsequente, explicadas anteriormente. No entanto, a modalidade de ensino integrada é mais amplamente estimulada pela atual política de educação.

O currículo integrado, de acordo com Ramos (2005), busca estruturar-se em uma base curricular unitária em que nela estejam inseridos o trabalho, a cultura, a ciência e a tecnologia, a mediação entre ciência e produção e a pesquisa como princípio educativo. O trabalho é concebi-do em seu sentido ontológico, isto é, como praxis humana, constituído enquanto mediação entre homem e natureza, processo este em que o homem se constitui quando da sua relação de trans-formação com o meio onde vive. A ciência é compreendida como conhecimento sistematizado e expresso na forma de conceitos representativos e relações apreendidas da realidade determinada, em um processo contínuo em que a dúvida, o questionamento e a inquietação, organizados metodologicamente por meio da pesquisa, podem levar a sua permanente reconstrução (BRASIL, 2007, p. 44). A tecnologia pode ser situada entre a ciência (apreensão e compreensão do real) e a produção (intervenção no real), uma vez que, como extensão das capacidades humanas, a tecnologia possibilita novas formas de intervenção no real. Por fim, a cultura pode ser entendida como “o processo de produção de símbolos, de representações, de significados e, ao mesmo tempo, prática constituinte e constituída do e pelo tecido social.” (idem, ibidem).

Dessa forma, a organização de um currículo integrado requer a compreensão dos elementos situados acima de modo que o educando não apenas tenha acesso ao conheci-mento científico, mas também possa refletir criticamente sobre esse conhecimento, relacio-nando-o com os aspectos históricos e ideológicos que constituem sua realidade circundante.

Além disso, constitui pressuposto básico para a oferta de cursos e programas de Educação Profissional Técnica a sintonia com as características, necessidades e potencia-lidades de desenvolvimento socioeconômico e tecnológico local e regional. Do mesmo modo, são necessárias a articulação e a integração dos conhecimentos científicos, tec-nológicos, culturais e humanísticos com o mundo do trabalho, que exige a adoção da pesquisa e da interdisciplinaridade como princípios educativos.

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Nessa concepção, segundo Ramos (2005), os conteúdos passam a ser reconhecidos como conhecimentos construídos historicamente e que se estabelecem por meio de pressupos-tos a partir dos quais novos conhecimentos podem ser construídos no processo de investigação e compreensão da realidade. O trabalho, nesse processo, permite, concretamente, a compreen-são do significado econômico, social, histórico, político e cultural das ciências e das artes.

A partir do exposto anteriormente sobre currículo integrado e também de textos di-versos que o tomam como objeto de estudos (POLI, 1999; FRIGOTTO et al., 2005; BRASIL, 2007; SILVA, 2009, RAMOS, 2008), pode-se propor aqui uma concepção mais abrangente. Ao se con-siderarem tanto os conhecimentos referentes à formação geral quanto aqueles que se referem à formação profissional, é necessário que todos sejam organizados sob uma base unitária comum, cujos objetivos e procedimentos sejam convertidos para os mesmos fins. Dito de outra forma, ao se ter o curso técnico situado em um dos 12 eixo tecnológicos propostos pelo Catálogo Nacional de Cursos Técnicos, é necessário que se criem possibilidades de as disci-plinas tradicionalmente tidas como da formação geral buscarem formas de acesso ao saber científico por meio de sua organização curricular voltada para o eixo tecnológico em questão. Para que isto seja possível, é preciso estudar os problemas de uma área profissional em múlti-plas dimensões, tais como econômica, social, política, cultural e técnica e, a partir de questões mais específicas, torna-se possível ampliar o conhecimento para questões mais gerais.

Em termos de avaliação dos conhecimentos aprendidos, entende-se que é indissoci-ável da dinâmica de ensino e da aprendizagem. Assim, a avaliação apresenta também, nesse processo, um papel de extrema importância e distancia-se das concepções tradicionais. Ela tem por função o acompanhamento sistemático da evolução do educando no processo de construção do conhecimento. Visa subsidiar a tomada de decisão no sentido de superar dificuldades de operacionalização dos projetos. A metodologia utilizada nos cursos integra-dos deve conduzir à preparação de um sujeito ativo, reflexivo, criativo, solidário por meio da integração entre trabalho e ensino, pelo encadeamento de atividades de aprendizagem que surgem de situações geradas no exercício profissional. A partir dessas situações, surgem outras novas que incentivarão a reflexão e a busca de novos conhecimentos.

A integração dos conhecimentos, entretanto, não é tarefa fácil. Várias são as razões que explicam a dificuldade de se construir um currículo integrado e integrá-lo na prática, podendo-se citar algumas: a não compreensão de currículo integrado, a preocupação de-masiada com o conteúdo e a carga-horária das disciplinas, a falta de contato contínuo en-tre professores das disciplinas gerais e aqueles das disciplinas técnicas, o entendimento de prática educativa enquanto formação para acesso às universidades somente, entre outras.

Bevilaqua e Carvalho (2009) realizaram um estudo sobre a construção e imple-mentação do currículo integrado para o curso Técnico em Agropecuária no ano de 2008, no Instituto Federal Farroupilha – campus São Vicente do Sul. Na época, fora decidido que os cursos Técnicos em Agricultura e Zootecnia, ofertados até então na modalidade concomitante ao Ensino Médio, passariam a ser ofertados de forma integrada a ele, reu-nidos em um só curso, o Técnico em Agropecuária integrado ao Ensino Médio.

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As autoras (idem) observaram que as discussões sobre a reforma curricular pauta-ram-se, prioritariamente, na construção da matriz do curso, com ênfase na carga-horária das disciplinas que o comporiam. Poucos foram os momentos em que os professores puderam dialogar sobre a organização e integração dos diferentes conhecimentos do curso. As autoras chegaram à conclusão de que

A complexidade do processo de integração entre o ensino médio e a educação profissional exige superar formas fragmentárias de educação, flexibilização das estruturas curriculares, en-trelaçamento de saberes das diversas áreas, sintonizando-os com as características, necessida-des e potencialidades de desenvolvimento socioeconômico. Esse novo contexto requer um comprometimento e mudanças de postura dos profissionais que compõem as diversas áreas do conhecimento2 e também mudança na organização dos tempos escolares a fim de possibilitar o desenvolvimento de projetos integrados. (BEVILAQUA & CARVALHO, 2009, p. 9)

Para que a formação auxilie no desenvolvimento de sujeitos ativos, conforme a pro-posta apresentada pela Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (SETEC) para a educação profissional e tecnológica, também se faz necessária a interação com as políticas públicas de desenvolvimento em diversos âmbitos e a interação com todos os agentes so-ciais atuantes e comprometidos com esta modalidade educacional. Nesse sentido, a fim de que se consolide enquanto política pública, é imprescindível a atenção para com o corpo docente. A formação continuada desses profissionais é de extrema relevância no âmbito de experiência e prática pedagógicas, que deve romper com o conhecimento fragmentado e descontextualizado, atualmente em vigor em muitas escolas públicas. Para isso, é necessário que todos os envolvidos no processo de ensino, quais sejam, professores, gestores e técnico-

-administrativos tenham a oportunidade de manter-se continuamente em formação.A seguir, são discutidas questões referentes ao ensino de linguagens, tomando-se

os letramentos como práticas sociais que devem mobilizar, na contemporaneidade, no-vos valores e novas prioridades para a vida social.

3. Letramentos na escola

A comunidade em que se vive apresenta e convida (ou interpela) a participar de diferen-tes práticas sociais onde a linguagem desempenha um papel constitutivo. Sabe-se que as práticas discursivas não são neutras, mas, antes, são povoadas de escolhas, intencionais ou não, ideológicas, políticas, pelas quais perpassam relações de poder que constituem a sociedade. Nessa ótica, partilha-se da opinião de Moita-Lopes (2006) no sentido de encarar o estudo e o ensino da linguagem de modo ‘indisciplinar’, ou seja, estabelecendo

2 Grifos da autora.

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relações dialógicas com outros campos epistemológicos, como as ciências sociais e po-líticas, a psicologia, a história, etc., que se imbricam para que práticas de letramentos es-colares abandonem velhas concepções de ensino e embarquem na aventura do possível, do porvir, práticas essas baseadas em escolhas éticas para o mundo que se deseja melhor.

No entanto, a impressão que se tem é que essas novas práticas, constituídas nessa nova sociedade, não pertencem ao lugar onde elas deveriam estar – as escolas brasileiras. Observa-se, por exemplo, a qualidade alarmante da educação básica no Brasil quando se leem os resultados das avaliações nacionais (como Prova Brasil, Saeb e Enem) e interna-cionais (como o Pisa), que avaliam a qualidade de ensino na educação básica. Essas avalia-ções ilustram o nível de letramento de alunos brasileiros muito abaixo daquele apresen-tado por países desenvolvidos. Cabe situar, a partir dessas considerações, o conceito de letramento na sociedade contemporânea, isto é, afinal, o que apontam os estudos sobre letramentos na contemporaneidade?

‘Letramento como prática social’ tem sido alvo de vários estudos na comunida-de científica nacional e internacional. Para alguns autores estrangeiros (COPE; KALANT-ZIS, 2000; HAMILTON, 2002; LANKSHEAR; KNOBEL, 2003, STREET, 2003), trata-se dos novos estudos do letramento ou dos multiletramentos. Alguns autores nacionais, por outro lado (SOARES, 2006; KLEIMAN, 2006; OLIVEIRA, 2010), o compreendem como estudos de letramentos simplesmente, em sua forma plural. Muito além de significar a habilidade de leitura, o letramento, ou letramentos, tal como tem sido considerado, é uma forma de ‘apropriação’ da leitura e da escrita para fins de atuação social, ou seja, o sujeito dessas habilidades se apropria para poder atuar socialmente na comunidade em que vive.

O termo ‘letramento’ teve origem na década de 1980 (SOARES, 2006), a partir de seu correlato em língua inglesa, literacy. Apesar de já ter mais de duas décadas, o ter-mo demorou a ser incorporado aos dicionários, visto que sua constituição era o reflexo de uma situação, não nova, como explica a autora (idem, p. 36), mas que começava a chamar mais a atenção. Em um país cujo interesse maior era o de mapear os índices de analfabetismo, levantar a qualidade de letramento da população havia ficado para um segundo plano. Desde então, esse termo tem sido largamente usado e diferencia-se do termo alfabetização por demandar do sujeito mais do que apenas decodificar sinais gráfi-cos, mas apropriar-se da leitura e da escrita, isto é, “tornar a escrita própria, (…) assumi-la como sua propriedade” (idem, p. 39).

Tanto Soares (2006, p. 20) como Rojo (2009, p. 98) diferenciam os termos alfabeti-zação ou alfabetismo e letramento. Para as autoras, o alfabetismo (ou alfabetização, para Soares) ocorre quando se aprende a ler e escrever, é a aquisição da tecnologia do ler e escrever, possuindo, portanto, “um foco individual, bastante ditado pelas capacidades e competências (cognitivas e linguísticas) escolares (...)” (ROJO, 2009, p. 98).

De forma mais ampla, o letramento pode ser definido, ainda de acordo com So-ares (2006, p. 23), como o “resultado da ação de ensinar e aprender a ler e escrever: o estado ou a condição que adquire um grupo ou um indivíduo como consequência de

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ter se apropriado da escrita” (idem, p. 18) para poder interagir com o meio social, parti-cipando, enquanto leitor e escritor, da sociedade do conhecimento. Rojo (2009, p. 102), referindo-se aos novos estudos de letramento, chama a atenção para a heterogeneidade das práticas sociais de leitura, escrita e usos da linguagem. Street (2003, pg. 77) mencio-na os múltiplos letramentos, que variam no tempo e no espaço e que, de acordo com Hamilton (2002), classificam-se em ‘dominantes’ e ‘vernaculares’, ou locais. Esses últimos letramentos, de acordo com Rojo (idem, p. 105), têm sido pouco estudados e, por isso mesmo, têm demandado mais atenção ultimamente. Já os letramentos dominantes es-tão associados a organizações sociais formais, como a escola, a igreja, o local de trabalho, possuindo agentes próprios, como professores, autores de livros didáticos, médicos, ad-vogados, pesquisadores, burocratas, etc. (idem, p. 102).

Rojo (2009) e Oliveira (2010) apresentam as dimensões que constituem os le-tramentos na contemporaneidade. Para essas autoras, o ensino da leitura e da escrita deverá levar em consideração o fato de que os letramentos são a) multissemióticos, ou múltiplos, isto é, há várias linguagens e semioses que envolvem a leitura e produção textual, tais como a linguagem oral e escrita, a musical, a visual, a corporal, a digital, a matemática, etc; são, ainda, b) multiculturais, na medida em que não apenas devem en-focar as práticas dominantes e hegemônicas impostas pelos efeitos da globalização, mas também, e talvez mais importante ainda, ater-se à cultura local, enfocando suas práticas de letramento. No entanto, é importante acrescentar que, nessa dimensão, o global e o local não se excluem, mas, antes, imbricam-se, complementam-se. Para isso, professor e escola devem desejar tomar conhecimento da realidade local onde estão inseridos, de suas práticas de letramento cotidianas na estruturação da vida social local. Os letramen-tos são, também, críticos, cuja abordagem não poderá centrar-se unicamente na forma, mas deverá ser ampliada para o âmbito discursivo, relacionando o texto com seu espaço histórico e também ideológico. Oliveira (2010, p. 332) acrescenta a essas três dimensões mais duas, quais sejam: d) letramentos dêiticos, que consideram os aspectos enunciativos (aqui, lá, agora, etc.) como indicadores do caráter situacional ou da dimensão histórica das práticas de letramento; e, finalmente, e) letramentos ideológicos, isto é, o princípio de que não há neutralidade nas práticas sociais e a ideologia materializa-se em discursos.

No que concerne à língua estrangeira, é importante ressaltar que ela também é uma prática de letramento e, portanto, social e historicamente situada. Como não existe língua em um vácuo social, o ensino-aprendizado de uma língua (no caso, o inglês) implica levar em consideração questões sociais, políticas e ideológicas. Nesse sentido, as práticas de le-tramento são consideradas em relação às estruturas de poder da sociedade onde se realiza.

Le Breton (2005, p. 23) aponta para a posição dominante da língua inglesa em setores--chave para o desenvolvimento socioeconômico, como o da “(...) pesquisa científica, da co-municação, da imagética, da cultura de massa, (...) da inovação tecnológica.” Para que seja possível a prática de uma educação crítica e cidadã, é importante que se considere o letra-mento em língua inglesa como forma de acesso e de reelaboração dos diferentes discursos

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que compõem esses setores. Isso significa que o ensino de língua inglesa na escola, regular ou profissionalizante, deve focar além da estrutura da língua, alcançando as condições de pro-dução desses discursos. Sobre isso, Moita Lopes (2005, p. 48) complementa afirmando que

Ainda que seja verdade que as habilidades decodificativas e cognitivas desempenham um papel importante quando os participantes se envolvem em práticas de letramento, estudos mais recentes neste campo têm chamado a atenção para o letramento como um evento social situado. Tais estudos têm passado a focalizar os contextos de construção de significa-do, os participantes, suas ideologias, identidades sociais, histórias, seus projetos políticos etc.

É nesse paradigma que, a seguir, discute-se uma experiência de letramento em lín-gua inglesa, socioculturalmente situado, de forma integrada ao Curso Técnico em Agro-pecuária, no campus São Vicente do Sul.

4. Uma experiência de letramento em LE: integrar é

preciso

Como professora de língua inglesa do Curso Técnico em Agropecuária na modalidade integrada ao Ensino Médio, no ano de 2010, segundo ano de vigência do referido plano de curso elaborado em 2008, e fazendo parte de um programa de formação continuada ofertado pelo campus, resolvi que já estava passando da hora de propor uma prática de letramento mais integrada à área de agropecuária. Naquele momento, algumas inquie-tações se estabeleciam: Por onde iniciar? Que temas propor e que tivessem relação com a vida e história daqueles jovens e fossem, ao mesmo tempo, provocadores de reflexão para a vida profissional? Como esse(s) tema(s) se relacionaria(m) com a contemporanei-dade e com as escolhas éticas que se é interpelado a fazer?

O primeiro passo, já conhecendo o Plano de Curso, foi estabelecer diálogo com os colegas de outras áreas. Em uma rotina bastante movimentada, a internet fora uma fer-ramenta fundamental. Em conversas por chats e emails, quando os encontros presenciais eram difíceis, decidiu-se por um tema que havia sido e seria abordado, de forma direta e indireta, em três outras disciplinas do curso: alimentos transgênicos, como a soja, o milho e o algodão. No entanto, na experiência a ser relatada, houve o envolvimento mais próximo com apenas dois colegas de duas disciplinas técnicas.

Antes de definir o tema, era necessário conhecer o grupo de alunos da 2ª série do Ensino Médio integrado. A maioria dos educandos do curso era filho(a) de pequenos e médios agricultores e grande parte deles desejava dar continuidade aos estudos na área de Agropecuária após concluir o curso técnico, o que aponta para um dos objetivos da lei de criação dos institutos federais – a verticalização do ensino.

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Para o letramento em língua inglesa, o segundo passo, após conversas com colegas dessas outras áreas do curso, foi a leitura sobre o assunto dos alimentos transgênicos e o estabelecimento de objetivos para tratar da questão e dos gêneros textuais que seriam estudados. Em conversas com os professores das disciplinas citadas, ficou decidido que o enfoque sobre os alimentos transgênicos seria bastante crítico, tentando desmistificá-los em termos econômicos, sociais e ambientais. A metodologia empregada seria a do questio-namento crítico e da investigação de formas outras de cultivo de alimentos, construídas sobre uma base agroecológica.

Para a disciplina de língua inglesa, optou-se por trabalhar com dois diferentes gêneros do discurso: a home page e o documentário, sendo o primeiro gênero o mais profundamen-te estudado. A escolha deveu-se, em relação ao primeiro gênero, pelas razões desses educan-dos já fazerem uso da internet (que, no campus, é de acesso livre) para pesquisas, participa-ção em redes sociais, comunicação via e-mail. Já a questão do documentário apresentou-se como uma alternativa bastante atraente, uma vez que desfruta de grande prestígio por parte dos educandos devido a sua multiplicidade semiótica, que o torna bastante atrativo.

A home page escolhida foi a da multinacional Monsanto por ser essa uma empresa bastante conhecida pelos educandos e agricultores da região de atuação do campus, e também por comercializar produtos da área de agricultura, área esta de formação pro-fissional dos educandos. Os acessos à home page ocorreram entre maio e junho de 2010. De acordo com o próprio site da Monsanto, esta é uma empresa multinacional, líder em biotecnologia e a maior produtora de sementes geneticamente modificadas. Sua função maior, segundo a empresa, é auxiliar o agricultor a aumentar a sua produção enquanto diminui os impactos ambientais .

A fim de melhor compreensão da experiência relatada, abordar-se-ão, brevemente, as características linguístico-discursivas da home page, primeiramente, e do documentário, em um segundo momento. O gênero home page é tratado como tal por Marcuschi (2003), embora haja aqueles que a concebem como suporte. A home page pode ser entendida en-quanto página inicial de um site, denominada também de “gêneros introdutórios mediados pela web” (BEZERRA, 2007, p. 2). Para Nielsen e Tahir (apud ARAÚJO, 2003, p. 140), “A função mais crítica da home page é transmitir o que a empresa significa, a importância do site em relação à concorrência e ao mundo físico, e os produtos e serviços oferecidos.”

De acordo com Askehave e Nielsen (2004), a home page desempenha duas fun-ções principais: “Primeiro, ela introduz o usuário ao conteúdo geral do site [...] Segundo, funciona como a porta de entrada oficial para o website” (idem, p. 9). Além disso, ainda de acordo com Askehave e Nielsen (2004), a home page caracteriza-se por apresentar elementos discursivos como sumários, palavras-chave, manchetes, índices, quadros, foto-grafias, e valores informativos relacionados com a localização dos elementos.

Como a home page só pode ser acessada via www, Askehave e Nielsen (2004) atribuem a ela certas peculiaridades: intertextualidade, alcance global e imaterialidade. Além dessas características, de acordo com Bezerra (2007), a home page também apre-

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senta a multimodalidade e o uso de hipertextos. Isso quer dizer que um hiperlink pode estar associado a imagens e sons, que complementam seu conteúdo. Interessante notar que o hipertexto é capaz de possibilitar ao leitor vários e diferentes percursos de leitu-ra, fato que pode dar origem, virtualmente, a um texto próprio, impossibilitando “uma clara distinção entre autor e leitor” (BEZERRA, idem, p. 4). Para a turma de Agropecuária, essa característica mais fluida da home page no processo de uma leitura não linear fora relevante para que se pudessem observar os diferentes percursos de acesso à informação possibilitados pelo(s) autor(es) da página.

Bezerra (2007) analisa o gênero home page à luz da teoria da sociorretórica, expan-dindo o modelo de análise de gênero proposto por Swales (1990). Assim, o autor (2007) estabelece três procedimentos para a análise desse gênero:

(1) análise do propósito comunicativo da homepage, tanto no modo de leitura, em que a home-page é encarada essencialmente como texto, como no modo de navegação, em que a homepage é encarada como um meio (porta de entrada); (2) análise das “unidades funcionais” (moves no modo de leitura e links no modo de navegação) utilizadas para realizar os propósitos comunicati-vos; e (3) análise das estratégias retóricas usadas para realizar os moves e links. (BEZERRA, 2007, p. 5)

Para Bezerra (idem), no modo de leitura, o propósito comunicativo da home page seria o de introduzir/apresentar o site. Poderá haver outros propósitos, como criar ou consolidar a imagem do proprietário do site; apresentar notícias. A home page não é um texto meramente informativo, mas os elementos que a compõem acabam por dizer muito do proprietário do site. Já a presença de notícias, locais ou não, a aproximam do gênero jornalístico. O segundo modo do gênero, modo de navegação, é entendido aqui como forma de possibilitar o acesso ao site, funcionando como uma espécie de meio de transporte, e ocorre por meio de hiperlinks (ASKEHAVE e NIELSEN, 2004, p. 21).

Em relação à análise dos moves e links da home page, Bezerra (2007, p. 7) observa que esses não são elementos obrigatórios ou padronizados, mas sim uma tendência que tem sido seguida. O autor (idem, p. 6-7), baseado em Swales (1990) e em Askehave e Nielsen (2004), propõe os seguintes moves, os quais estão aqui enumerados apenas por uma questão de organização:

(1) Atrair a atenção – o objetivo é chamar a atenção do leitor ao entrar na homepage; (2) Saudação – de acordo com a metáfora da porta, o propósito é criar uma sensação de boas-

-vindas; (3) Identificação do proprietário – orienta o usuário sobre seus próprios interesses na web, bem como contribui para a consolidação da imagem do proprietário, podendo ser realizada através de um logotipo; (4) Indicação do conteúdo – normalmente corresponde ao menu principal e é uma das características centrais da homepage; (5) Detalhamento (se-lecionado) do conteúdo – provê informação mais detalhada sobre alguns tópicos listados ou não no menu principal, através de breves sumários ou leads; (6) Estabelecimento de credenciais – procura estabelecer uma imagem confiável do proprietário do site; (7) Es-

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tabelecimento de contato – possibilita que o leitor entre em contato com o proprietário; (8) Estabelecimento da comunidade (discursiva) – permite que usuários frequentes criem uma relação de pertencimento com o website, geralmente através de uma identificação e senha para login; (9) Promoção de outras organizações – promove outras companhias ou produtos, geralmente através de anúncios sob a forma de banners.

O acesso ao conteúdo da home page ocorre por meio de links, que ligam um texto a outro. Askehave e Nielsen (2004) propõem uma dupla categorização em links genéricos e links específicos. Os links genéricos, que dão acesso aos principais tópicos do site, em geral, se localizam na parte superior da home page, e acabam funcionando como uma barra de navegação sempre visível (BEZERRA, 2007).

Os links específicos, segundo Bezerra (2007, p. 8), funcionam como forma de des-pertar o interesse do leitor por seu conteúdo, levando-o a adentrar o site. Por esta razão, esses links não só introduzem o tópico, mas apresentam uma informação parcial sobre ele. São links muito mais dinâmicos e mais suscetíveis à atualização do que os links gené-ricos (idem, ibidem) e, conforme observado, têm por característica a multimodalidade.

Para ter acesso às informações parcialmente antecipadas pelos dois links específi-cos, o leitor deverá ‘clicar’ nesses links. Para Askehave e Nielsen (2004), os links genéricos são realizados essencialmente através de sequências descritivas; já os links específicos apresentam-se de forma mais inconstantes, por meio de sequências descritivas, exposi-tivas, narrativas, argumentativas, explicativas ou dialogais. Para Bezerra (2007), devido ao propósito da home page ser essencialmente o de introduzir o site, uma presença maior de links genéricos pode ser observada. No entanto, no caso da home page da Monsanto, foi possível observar que os links específicos também estão muito presentes e apresen-tam-se de forma bastante dinâmica.

Os links genéricos estão no alto da página, conforme já mencionando. Os links específicos estão representados pelas imagens que constam no centro da home page, sendo possível o acesso a mais informações ao clicar sobre essas imagens. A estratégia retórica (1) Atrair a atenção – pode ser observada pelo destaque que é dado a essas imagens. Já a estratégia retórica (8) Estabelecimento da comunidade (discursiva) – pode ser observada por elementos verbais e não verbais. Os elementos não verbais quando do estabelecimento dessa comunidade discursiva podem ser observados por meio dos ma-quinários e das atividades relacionadas à agricultura. Outras estratégias retóricas podem ser observadas, no entanto, por questões de espaço, não serão citadas.

Na home page, há imagens centrais, em maior destaque, que são trocadas a cada 5 segundos sem que o leitor precise clicar em algum link. São, ao total, 4 imagens que ocupam a posição central da home page e que são apresentadas por meio de sequências argumen-tativas que culminam em uma previsão desafiadora para a agricultura do futuro, qual seja, alimentar um mundo com uma crescente população nos próximos 40 anos. Essa troca automática das imagens também faz parte da estratégia retórica (1) Atrair a atenção.

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Todos esses elementos, verbais e não verbais, foram criticamente analisados pela turma, buscando-se, entre outros, responder a questionamentos como: de que modo as imagens da página representam um estado de coisas ou narram um processo; que elementos socioculturais podem ser percebidos; quais são as condições de produção e de circulação dessas informações (quem as produziu, quem provavelmente irá lê-las, razões para a produção deste texto, o modo como o tema central é desenvolvido, etc.); que outras formas de reescritura das informações apresentadas pode haver; que diferen-tes e possíveis caminhos (links) existem para levar o leitor ao tópico central da página, qual seja, os problemas futuros pelos quais a agricultura passará e as soluções possíveis; etc. Todas essas questões, voltadas ao uso da linguagem, foram investigadas e intensa-mente debatidas em sala de aula. As representações da companhia foram delineadas e passaram a ser confrontadas com o segundo gênero em questão, o documentário, cujas características são brevemente descritas a seguir.

A segunda etapa das atividades de integração curricular ocorreu com o gênero do-cumentário, que conta, entre outras coisas, a história da multinacional em questão ao redor do mundo e aponta para os malefícios provocados pelo herbicida glifosato, produ-zido pela Monsanto e empregado em plantações de alimentos transgênicos (ROBIN, 2008).

O documentário é considerado um gênero textual que se presta, muitas vezes, à popularização da ciência, conforme salientam Motta-Roth e Lovato (2009). Para as au-toras, o documentário é um dos gêneros cuja uma das funções é levar, a uma audiência de não especialistas, o conhecimento científico. Outros gêneros que servem ao mesmo fim são a reportagem e a notícia de popularização da ciência, cuja organização retórica é investigada pelas autoras (idem).

Para Melo (2002), diferentemente da reportagem e da notícia jornalística, que, em um primeiro momento, buscam dar objetividade ao texto, o documentário lança-se na apresentação da visão subjetiva de seu autor. Seu propósito comunicativo é o de mostrar ao telespectador a visão do autor sobre determinado fato, tema ou evento.

O documentário, na análise realizada por Melo (2002), compartilha com o cine-ma algumas características, tais como a escolha de planos, preocupações de nível esté-tico com o enquadramento, iluminação, etc. No entanto, diferencia-se deste quando busca manter uma relação de proximidade com a realidade, adotando alguns elemen-tos, como o registro in loco (entendido enquanto o registro na ocasião do aconteci-mento do evento), não direção de atores, cenários naturais, arquivos reais, etc. Para a pesquisadora (idem, p. 5), o documentário apresenta “um discurso pessoal de um even-to que prioriza exigências mínimas de verossimilhança, literalidade e o registro in loco”. Ao autor do documentário é dada a possibilidade de apresentar a sua visão do evento (ou fato), o que aponta para seu caráter autoral. Ainda de acordo com Melo (idem), al-guns recursos linguístico-discursivos corroboram para essa autoria, quais sejam: o modo como se dá voz aos demais enunciadores do documentário, a presença de paráfrases discursivas e um efeito de sentido monofônico.

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As paráfrases discursivas, explica a pesquisadora (idem), podem ser observadas quando se passa de um enunciador a outro, percebendo-se a repetição e/ou a contrapo-sição da tese defendida pelo autor, que são empregadas para apoiar sua ideia.

O efeito monofônico é explicado por Melo (2002) como a ausência de um discurso contra aquele adotado pelo autor do documentário. No caso do documentário em ques-tão, a jornalista francesa Marie-Monique Robin (2008), autora e diretora do documentário, defende a ideia de que os alimentos transgênicos representam um perigo à saúde humana e que a companhia Monsanto tem influenciado diretamente as políticas sanitárias nos Es-tados Unidos para a aprovação e consumo desses alimentos sem que tenham sido testa-dos exaustivamente por cientistas. Para defender sua posição, a autora do documentário reúne uma diversidade de arquivos digitais e audiovisuais que apontam para interesses econômicos, negligência da empresa em relação a vítimas de câncer usuárias de seus pro-dutos, jogos de influência e poder na política da FDA americana (semelhante à ANVISA brasileira) e interesses difusos quanto ao futuro das sementes no mundo.

Por apresentarem uma organização retórica e empregarem estratégias linguístico--discursivas diferentes para atingir um propósito comum, qual seja, o de persuadir o lei-tor/espectador a corroborar com seus pontos de vista (observados como divergentes), ambos os gêneros foram analisados criticamente a partir de três características. A primei-ra refere-se aos recursos multimodais, observados quando se analisaram as imagens es-táticas e em movimento, a fala, a música, as cores, o design, etc. A segunda característica refere-se aos recursos multissemióticos, segundo os quais a leitura do texto verbal escrito somente já não é suficiente, sendo necessário buscar a relação com outras modalidades da linguagem, já referidas. Por fim, analisaram-se os gêneros em questão por meio dos traços multiculturais (aspectos socioculturais) que o compõem.

Após a exibição do documentário, uma grande mesa redonda fora organizada com a presença dos três professores envolvidos na atividade a fim de que se estabeleces-se um debate, mediado pelos professores conhecedores da área técnica, sobre as práticas de agricultura pautadas na agricultura tradicional e na biotecnologia aplicada à agricul-tura. Nesse momento, os educandos foram motivados a relatar as práticas de agricultura que conheciam e que consideravam adequadas, submetendo-as a reflexões críticas e abrindo espaço para novas formas de interpretação dessas práticas, formas essas que possibilitam pensar em uma agricultura mais ecologicamente responsável, que valoriza o pequeno produtor e o respeito à diversidade de culturas e manejos na lida com a terra.

As questões levantadas em sala de aula e na mesa redonda buscaram problema-tizar o discurso hegemônico do agrobusiness, com fortes interesses econômicos, e que incita as práticas de grandes monoculturas que acabam por inviabilizar a diversidade produtiva e cultural e por comprometer, muitas vezes, o meio ambiente.

Um aspecto importante a mencionar foi o do considerável interesse dos educan-dos do curso pela aprendizagem da língua inglesa quando da proposta integrada. Ainda que esta integração tenha ocorrido de maneira bastante tímida e apresente limitações

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a serem superadas, ela representa uma forma de ensaio dos professores para a busca do rompimento com práticas fragmentadas, descoladas das práticas sociais locais. Esse ensaio teve por objetivo constituir novas formas de interpretação do real e possibilidades de intervenção crítica na realidade circundante.

5. Palavras finais

Como se afirmou no início deste texto, as práticas de ensino integradas representam, em muitas ocasiões, um desafio à docência em tempos de fragmentação de conhecimentos. Buscar novas formas de entender o processo de ensino-aprendizagem requer sair do lugar-comum, da zona de conforto, do território conhecido. No entanto, acredita-se que essas buscas representam a não conformidade com práticas sociais dominadoras, homo-geneizantes, silenciadoras da diversidade social e local.

Os letramentos críticos podem ser considerados como uma forma de ‘respiração’ no tecido social, saturado pelos discursos homogeneizantes, buscando abrir espaço para o pos-sível. Os letramentos críticos e protagonistas são, ainda, requeridos para o trato ético dos discursos em uma sociedade que está carregada de textos e que não pode lidar com eles de maneira instantânea, amorfa e alienada (Moita-Lopes & Rojo, 2004, p. 37-38). Como se disse anteriormente, a linguagem não ocorre em um vácuo social. Por esta razão, compreende-se que os textos orais e escritos não têm sentido em si mesmos, mas apenas quando se entende que interlocutores situados no mundo social com seus valores, projetos políticos, histórias e desejos constroem seus significados para agir na vida social (ROJO, 2008).

Sabe-se também que a experiência relatada apresenta muitas limitações e que re-presenta apenas uma das múltiplas possibilidades de integração. Outras áreas do conhe-cimento deveriam ter participado a fim de enriquecê-la, tais como a língua portuguesa, a biologia, a sociologia, a história, entre outras. Essas áreas teriam e têm muito a contribuir com a temática em questão. No entanto, por não ser a integração um processo simples e automático, acredita-se que não deva ser uma obrigação mecânica a ser cumprida pelos professores de um curso integrado, mas que deva ser experimentado, testado, gradual-mente expandido para que esses docentes sintam-se seduzidos por sua proposta a fim de superar uma antiga, mas ainda presente, dicotomia na educação profissional: ensino propedêutico x ensino profissionalizante.

O ensino integrado, e mais especificamente, os letramentos na contemporaneidade devem ser tomados para além de uma ótica de binarismos; eles devem preparar os edu-candos para as multiplicidades de sentidos, de interpretações e de práticas sociais em uma sociedade híbrida, fluida, líquida (BAUMAN, 2007). E sob essa concepção, resta dizer que se acredita na integração como um ensaio da esperança para um ensino que se quer renovado.

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SIGNIFICADOS DA DISCIPLINA DE INGLÊS INSTRUMENTAL, SEGUNDO UMA TURMA DO CURSO

TÉCNICO EM INFORMÁTICA DO PROEJA

Lísia Vencatto Lorenzoni1

INTRODUÇÃO

A decisão governamental de atender à demanda de jovens e adultos pela oferta de edu-cação profissional técnica de nível médio originou o Decreto N° 5.478, de 24 de junho de 2005, que propôs uma política de integração da Educação Profissional ao Ensino Médio na Modalidade Educação de Jovens e Adultos. Esse decreto foi substituído pelo Decreto N° 5.840, de 13 de julho de 2006 que instituiu, no âmbito federal, o Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos – PROEJA.

Conforme o texto do Documento Base do PROEJA (2007, p.13), o horizonte almeja-do pelo Programa “aponta para a perenidade da ação proposta, ou seja, sua consolidação para além de um programa, sua institucionalização como uma política pública”. Logo, a continuidade dessa política pressupõe assumir a condição humanizadora da educação ao longo da vida. Para tanto, necessita de características para uma formação integral do edu-cando: a articulação de trabalho, ciência, técnica, tecnologia, humanismo e cultura geral.

O Programa teve, inicialmente, como base de ação a Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica. Assim, a partir de 2007, o Centro Federal de Educação Tec-nológica de São Vicente do Sul – CEFET-SVS – passou, portanto, a ofertar o PROEJA com o ingresso de uma turma de Curso Técnico em Informática, na Modalidade EJA Profissionalizante. A decisão governamental de atender à demanda de jovens e adultos pela oferta de educação profissional técnica de nível médio originou o Decreto N° 5.478,

1 A autora teve orientação da Profª. Drª. Clarice Salete Traversini na realização do artigo o qual foi requisito para obtenção do título de Especialista em “Educação Profissional Integrada à Educação Básica na Modalida-de Educação de Jovens e Adultos”.

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de 24 de junho de 2005, que propôs uma política de integração da Educação Profissional ao Ensino Médio na Modalidade Educação de Jovens e Adultos. Esse decreto foi substi-tuído pelo Decreto N° 5.840, de 13 de julho de 2006 que instituiu, no âmbito federal, o Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos – PROEJA.

Consequentemente, a presença desse curso, suscitou no corpo docente do CEFET--SVS uma inquietação em lidar com o novo, pois a maioria dos professores do quadro não possuía experiência em EJA. Assim como a necessidade com o preparo e formação dos docentes, veio também a preocupação com a construção curricular do curso, a fim de que pudesse atender a proposta do Programa no que diz respeito ao ensino integrado.

É com o intuito de construir e organizar conteúdo disciplinar voltado à Educação de Jovens e Adultos Integrada ao Ensino Profissionalizante que surge o interesse em plane-jar, realizar e analisar algumas práticas integradas envolvendo as aulas de Inglês Instrumen-tal para PROEJA no, assim chamado hoje, Instituto Federal de Educação Ciência e Tecno-logia Farroupilha – Campus São Vicente do Sul-RS, criado pela Lei n° 11.892 de 29/12/2008.

A decisão governamental de atender à demanda de jovens e adultos pela oferta de educação profissional técnica de nível médio originou o Decreto N° 5.478, de 24 de ju-nho de 2005, que propôs uma política de integração da Educação Profissional ao Ensino Médio na Modalidade Educação de Jovens e Adultos. Esse decreto foi substituído pelo Decreto N° 5.840, de 13 de julho de 2006 que instituiu, no âmbito federal, o Programa Na-cional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos – PROEJA. Nesse sentido, faz-se necessária essa reflexão para pensar em como trabalhar a proposta/desafio do currículo integrado.

Assim, já inserida nesse contexto e motivada a problematizar a relação In-glês Instrumental e o Ensino da Informática para o PROEJA, realizei uma pesquisa qualitativa-descritiva a fim de saber o que os alunos dizem sobre suas aprendizagens na disciplina de Língua Inglesa, com a Turma 1 do PROEJA – Técnico em Informática do Instituto Federal Farroupilha – Campus SVS-RS.

Parte-se do pressuposto de que para o aluno se envolver com a disciplina de Inglês Instrumental precisa ver um significado para o seu uso (sua aplicação) na prática profis-sional. Assim, teve-se como objetivo mais amplo da pesquisa conhecer quais os signifi-cados atribuídos pelos alunos sobre conteúdos e metodologias trabalhadas na disciplina de Língua Inglesa, a fim de analisar aspectos relevantes que possam contribuir para uma proposta de prática integrada com a parte técnica. Propõe-se como pergunta de pesqui-sa: como os alunos significam os conteúdos e as atividades propostas a eles na disciplina de Inglês Instrumental no Curso Técnico em Informática do PROEJA?

Frente ao exposto, fez-se necessário estudar alguns conceitos como Currículo, Currículo Integrado e Inglês Instrumental. A seguir, expõe-se a metodologia da pesquisa utilizada e na sequência, encontra-se a análise descritiva dos significados atribuídos pelos alunos a respeito da disciplina de Língua Inglesa. Por fim, apresentam-se algumas conclu-

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sões apontando os resultados da pesquisa, considerando o objetivo proposto.

CURRÍCULO: ALGUMAS ABORDAGENS INICIAIS

Quando discorre sobre as Teorias de Currículo, Tomaz Tadeu da Silva, em seu livro Docu-mentos de Identidade (2007), faz-nos refletir a partir de uma retomada do que nos dizem os estudiosos acerca das principais teorias de currículo a fim de problematizar a noção de currículo. Por isso, torna-se difícil assumir um conceito geral de o que é currículo, pois isso depende da teoria que estamos imersos. Então, considera-se necessário entender como ele foi e é visto agora.

Etimologicamente, a palavra currículo vem do latim curriculum, “pista de corrida”. Pode-se, assim, pensar em “percurso”, não apenas e necessariamente o percurso escolar, mas o percurso de uma vida inteira, que acaba de nos tornar o que somos. Sabe-se que somos a soma de todas as nossas vivências (familiar, social), experiências, conhecimentos, relacionamentos...

Uma abordagem inicial, procurando conceituar currículo, foi proposta por Bobbit (apud SILVA, 2007) como sendo “a especificação precisa de objetivos, procedimentos e mé-todos para a obtenção de resultados que possam ser precisamente mensurados,” (idem, p. p.12). Bobbit publica, em 1918, um livro sobre currículo – The curriculum – o qual apresenta uma visão conservadora de ensino, baseado no sistema fabril de Taylor (escola=fábrica).

As Teorias Tradicionais, herdeiras de Bobbit, tinham uma concepção tradicional e tecnicista em que o sistema educacional deveria ser eficiente como qualquer fábrica. Centrava-se na organização e transmissão de conhecimento o qual buscava moldar a educação do povo de modo segmentado, de acordo com a visão das forças políticas e econômicas vigentes. Para essa perspectiva, teorizar o currículo resumia-se em discutir as melhores e mais eficazes formas de organizá-lo. Essa concepção neutra e desinteressada funcionou até a década de oitenta.

A partir dos anos oitenta, surgem as Teorias Críticas, de desconfiança, questiona-mento e transformação radical dos conhecimentos e da própria organização curricular. O importante não era aprimorar técnicas de como fazer o currículo, mas desenvolver con-ceitos que permitam compreender o que o currículo faz. Daí o questionamento quanto ao conhecimento corporificado no currículo da mesma forma que questiona por que alguns conhecimentos são considerados válidos e outros não. Surge uma pedagogia emancipa-tória e transformadora proposta por Paulo Freire e a preocupação com as desigualdades e injustiças sociais. Agora o currículo passa a ser uma seleção interessada de conhecimento. As teorias críticas ensinam que o currículo reproduz, culturalmente, estruturas sociais, que ele é um território político e também resultado de um processo histórico.

Seguindo essa trajetória de mudanças de concepções, vem uma abordagem, do início da década de 90 até hoje, chamada Teorias Pós-críticas em que critica a noção de

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sujeito moderno, questiona o poder emancipatório da educação. Enfatiza não só a classe social, mas também as relações de gênero, etnia, raça, sexualidade, etc., colocando a dife-rença em permanente discussão. Elas problematizam as relações que se estabelecem en-tre homens e mulheres na esfera social e sugerem, assim, construir currículos que tratem de forma equilibrada, tanto as experiências masculinas como as femininas, pois, segundo essas teorias, o currículo está irremediavelmente envolvido nos processos de formação pelos quais nos tornamos o que somos.

Porém, uma nova concepção de currículo foi entendida a partir da década de 80. Era a vez das teorias críticas em que um dos aspectos questionava a validade e a escolha de um ou de outro conhecimento com um entendimento mais progressista, ou seja, crítico-social dos conteúdos. Ressalto que a abordagem assumida neste estudo é a de que o currículo não deixa de ser um conjunto selecionado de conhecimentos, mas não é neutro, pois está envol-vido naquilo que os educandos são, naquilo que se tornarão, nas suas subjetividades, o que irá caracterizar sua identidade. Além disso, a construção de um currículo envolve outros as-pectos inegáveis pelas teorias como questões de poder, ideologia, interesses, valores, política.

A partir dessa breve retomada, considero que o Currículo Integrado é concebido a partir da perspectiva das teorias críticas. Entretanto, antes delas, já havia práticas cur-riculares que podemos perceber como integradas. Quanto às origens da Modalidade de Currículo Integrado, Santomé (1998, p.9) explicita que muitos vocábulos já traduzem filosofias bastante semelhantes como “interdisciplinaridade”, “educação global”, “centros de interesse”, “metodologia de projetos”, “globalização”. No entanto, o que mais importa não é a nomenclatura, mas a relevância do conhecimento escolar.

Análises efetuadas, segundo o autor (idem), mostram o distanciamento entre a rea-lidade social e as instituições escolares. Frente a essa situação, é necessário que as questões sociais de vital importância e as vivências cotidianas sejam contempladas, como uma al-ternativa a esse problema, nos currículos escolares. Assim, desde o início do século passa-do aparecem os termos “métodos de projetos”, “centros de interesse”, “globalização”, etc.

O processo de globalização caracteriza-se pela competitividade e para uma maior eficiência produtiva são necessários alguns requisitos: aumento da produtividade, redução dos custos, melhora da qualidade e flexibilização da produção, e, para isso, mudam-se as formas de gestão e organização do trabalho: surge a descentralização a fim de melhor atender interesses locais; ao contrário do trabalho desempenhado individualmente, surge o trabalho em equipe. Esses modelos refletem-se na organização e administração escolar.

Conforme afirma Santomé (1998, p. 21), acredita-se que conceitos como “descentraliza-ção”, “flexibilidade dos programas escolares”, etc., têm sua correspondência na descentraliza-ção, autonomia, flexibilidade, melhora da produtividade das grandes corporações industriais.

Levando-se em conta o processo histórico que contribuiu, de certa forma, para a formação dos currículos escolares, espera-se, por meio da proposta de currículos integrados, que aconteça uma educação comprometida com valores democráticos, solidários e críticos, a fim de formar cidadãos mais participativos, com capacidade de crítica e solidariedade.

Acredito que por meio de processos de formação e reflexão aliados com a von-

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tade e o comprometimento de realizar práticas educacionais desfragmentadas e demo-cráticas, institua-se efetivamente uma integração curricular em que seres humanos não sejam discriminados e possam se qualificar para inserir-se no mercado de trabalho.

A partir dessas constatações fica evidente a não neutralidade desse instrumento, e, de certa forma, responde a pergunta: Por que certos conhecimentos acabam fazendo parte do currículo e outros não? Que conhecimentos são válidos ou “considerados” váli-dos? Por que é dividido em disciplinas e em intervalos de tempo determinados?

Essas questões tornam-se importantes em uma discussão e tentativa de integração de conteúdos, pois um currículo integrado pressupõe que “as distinções entre as diferentes áreas de conhecimento são muito menos nítidas, muito menos marcadas” Silva (2007, p.72), e que essas escolhas precisam ser democráticas, sem esquecer que são pautadas por relações de poder.

Toda essa organização (intervalos de tempo, disciplinas, conteúdos) caracteriza, portanto, o currículo como uma construção social e histórica. Por isso o currículo não é in-gênuo, não é neutro, e pode ser bem caracterizado metaforicamente através das palavras de Silva (2007, p.150): “o currículo é lugar, espaço, território. O currículo é relação de poder. O currículo é trajetória, viagem, percurso (...) O currículo é texto, discurso, documento. O currículo é documento de identidade”. É o lugar em que estamos inseridos – família, escola, sociedade, nosso país, nossa língua, nossa cultura que contribuem para ser o que somos. O que se quer, agora, é que o espaço, lugar, o tempo desse percurso passe a formar indivíduos mais inseridos e participativos na sociedade em que vivem.

Os alunos que fazem parte do PROEJA, por sua natureza heterogênea (idade, tem-po e razões que os afastaram dos estudos), mais experientes e advindos de algumas di-ficuldades como desemprego, exclusão da própria família ou da escola, repetência ou necessidade de trabalhar para gerar mais renda familiar, precisam desenvolver sua auto-estima e perceber que seus conhecimentos têm valor.

A proposta do PROEJA “supõe uma educação voltada para a preparação para a vida, uma formação científica, humanística e tecnológica, possibilitando ao aluno o desenvolvimento efetivo dos fundamentos para a participação política, social, cultural, econômica e no mundo do trabalho, o que também supõe a continuidade de estudos, mas não a tem como um fim em si mesmo.” (Documento Base – PROEJA, 2007, p. 27).

A presença da oferta de EJA na Rede Federal de Educação Profissional e Tecnoló-gica almeja romper com os processos contínuos de exclusão vivenciados pelas classes populares no Brasil através dessa oferta inovadora a qual integra a educação básica à formação profissional, tendo como efeito uma formação essencialmente integral.

A opção pela integração requer algum entendimento de como essa organização curricular pode ser construída e que características deve possuir. É o que abordarei a seguir a respeito de integração e currículo integrado segundo alguns autores.

De acordo com Richard Pring (1977), citado por Santomé (1998, p.112), o vocábulo “integração”, como a própria palavra sugere, “significa a unidade das partes, que seriam transformadas de alguma maneira”. A partir dessa afirmação, entende-se que tem que ha-

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ver a transformação em cada uma das disciplinas envolvidas, pois, do contrário, corre-se o risco de fazer uma simples soma ou agrupamento de partes diferentes (conhecimentos, conteúdos) não efetivando, assim, uma integração.

Ainda segundo Santomé (1998, p.117),

os programas integrados favorecem o desenvolvimento do pensamento crítico dos alu-nos, sua socialização e compreensão das relações entre os distintos saberes e a sociedade. Ajuda-os a refletir e criticar os valores e interesses promovidos e favorecidos por um deter-minado conhecimento, ou forma de conhecimento.

Por isso, integrar é contextualizar, intervir na realidade, dar um sentido aos co-nhecimentos, é ter, no final, uma utilidade que venha ao encontro das necessidades dos educandos dentro da sociedade na qual vivem.

Outras características de um currículo integrado, conforme expõe o mesmo au-tor é “que devem ser respeitados os conhecimentos prévios, as necessidades, os inte-resses e os ritmos de aprendizagem de cada estudante” (idem, p.187). Logo, o que serve para proporcionar um saber integrado e com sentido é uma prática que permita ao aluno ampliar e reconstruir o conhecimento quando necessário, além de aplicá-lo em situações próprias do contexto de vida.

É com o foco nas necessidades específicas do aprendiz que surge o aspecto instru-mental do ensino da Língua Inglesa, denominado língua para fins específicos (Language for Specific Purpose – LSP). De acordo com Howatt (1984) citado por Vian Jr. (1999) o ensino instrumental começou a tomar corpo como atividade vital na área de ensino de Inglês como segunda língua e/ou como língua estrangeira. Neste período foram publica-dos os primeiros livros de inglês instrumental.

Afinal, o que é inglês instrumental? Vian Jr (1999) busca em Kennedy & Bolitho (apud, Vian Jr., 1999, p.1). uma definição que considero pertinente a esta pesquisa:

“ESP has its basis in an investigation of the purposes of the learner and set of communicative needs arising from those purposes. These needs will then act as a guide to the designs of course materials. The kind of English to be taught and the topics and themes through whi-ch will be taught will be based on the interests and requirements of the learner.” 2

Percebe-se, assim, que o ensino do inglês nessa perspectiva será baseado no inte-resse, necessidades e nas exigências do campo profissional do aprendiz.

Espera-se que essa abordagem seja uma facilitadora do processo de integração e

2 Tradução desta autora: “Inglês para fins específicos tem sua base em uma investigação das finalidades do aprendiz e no conjunto de necessidades comunicativas nascentes destas finalidades. Essas necessidades, então, atuarão como um guia para projetar os materiais do curso. O tipo de inglês a ser ensinado e os tópicos e temas que serão ensinados serão baseados no interesse e exigências do aprendiz”

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que contribua para as interações sociais mediadas pela linguagem. Para isso, uma prática pedagógica, como uma opção consciente, pode fazer essa integração caracterizando-se como fonte de conhecimento e geradora de novos conhecimentos técnicos para o alu-no, pois, nessa situação, o professor passa a ser mais um mediador, ao passo que o aluno mantém seu status de especialista em sua área de atuação.

METODOLOGIA

A fim de realizar os objetivos propostos, a pesquisa foi realizada com a 1ª turma de Téc-nico em Informática integrado à Educação Básica na Modalidade Educação de Jovens e Adultos – PROEJA - do Instituto Federal Farroupilha – Campus São Vicente do Sul-RS, os quais estavam no 1° Ano, em 2007. Doze (12) alunos compõem a turma cujas aulas acontecem no turno da noite. A pesquisa foi realizada com a totalidade da turma.

Para pesquisar o que pensam os alunos acerca dos conteúdos e atividades pro-postas para aprenderem a Língua Inglesa foi utilizado um questionário. O instrumento era composto por seis perguntas abertas e uma de múltipla escolha em que os alunos responderam por escrito.

A análise das informações foi realizada em duas etapas, inicialmente foi composta uma tabela com as respostas de cada aluno, conforme Anexo A. Em seguida analisadas aquelas respostas com maior número de recorrências, conforme segue na próxima seção.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Os significados atribuídos pelos alunos pesquisados para a disciplina de Inglês Instrumental.

A fim de contextualizar, minimamente as respostas dos 12 alunos pesquisados, é possível constatar:

Em resposta à primeira pergunta: “Para você, para que serve a disciplina de Língua Inglesa?”, cinco (5) alunos responderam que o Inglês é importante na área de informática na qual irão trabalhar; três (3) alunos responderam que é importante para conseguir um emprego; e, quatro (4) alunos responderam que o Inglês serve para aprimorar mais os conhecimentos em uma língua estrangeira.

Uma das expectativas confirma-se nessas respostas em relação à importância do Inglês na área de informática, pois o contato com o computador mostra isso. As ino-vações nessa área adquirem nomes em Inglês (programas, linguagens, peças, etc), daí a

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necessidade que esses alunos sentem em canalizar os ensinamentos (conteúdos) para a parte profissional. Pois, estão, agora, buscando com o PROEJA, mais do que nunca, recu-perar algum tempo perdido para sua qualificação e aquisição de conhecimentos que os ajudem aperfeiçoar seus saberes já existentes ou ingressar no mundo do trabalho. Cabe, então, a essa política de integração, proporcionar essa formação em que a vinculação entre educação e trabalho se concretize, atendendo o que diz o artigo 39 da LDB: “A edu-cação profissional, integrada às diferentes formas de educação, ao trabalho, à ciência e à tecnologia, conduz ao permanente desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva.”

A segunda pergunta: “Que atividades trabalhadas que você considera que apren-deu bastante com elas?”, teve como resposta mais recorrente que as atividades com as quais mais aprenderam foram verbos e textos.

Em relação à terceira pergunta: “Quais atividades não servem para aprender e por quê?”, foram recorrentes cinco (5) respostas as quais dizem que essa atividade é “preencher ou com-pletar frases”, três (3) alunos responderam que todas as atividades foram válidas para aprender.

Em análise à segunda e terceira resposta, pode-se levantar a hipótese de que para aprender, os alunos apontam verbos, talvez por estarem mais acostumados com esse conteúdo gramatical bastante trabalhado por ser uma classe gramatical importante dentro dos enunciados e textos (ação), ou por construírem um modo de pensar que se aprende recitando verbos.

Por outro lado, também apareceram textos, certamente porque essa forma de aprender aproxima-se mais da realidade, muitas vezes com a utilização de material autên-tico3, que circula no cotidiano do aluno (manual de instruções, propagandas, anúncios, janelas de advertência no computador, textos da internet, etc), o que torna a aprendiza-gem estrutural da língua mais interessante e ao mesmo tempo pode oferecer informa-ções pertinentes a questões relacionadas à sua área técnica, certamente, isso aumenta a sua autoestima, pois são entendedores do texto. Assim sendo, sentem-se importantes porque podem contribuir, e o conteúdo passa a ter mais sentido.

Quanto à quarta pergunta: “Se você fosse professor de Inglês que conteúdos ensi-naria e como faria para saber se o aluno aprendeu e por quê?”, três (3) alunos responde-ram que ensinariam conteúdos voltados para o curso de informática e trabalhariam mais textos. Já quanto ao modo de avaliar, foi recorrente (4 respostas) a forma oral. Vale a pena destacar a resposta de dois alunos: “aulas práticas” (aluno n. 11); “mostraria as partes do computador e pedia para falar em Inglês” (aluno n. 6).

Esses alunos querem dizer, provavelmente, que praticar a língua em uma situação real, voltada para o lado profissional do curso é mais interessante e eficiente para apren-der. Pode-se perceber, já, aí, uma proposta de integração por parte do aluno.

3 De acordo com Carvalho (1993), alguns autores definem: “Por material autêntico entende-se todo aquele material que não foi adaptado, simplificado ou criado para ser ministrado a alunos de línguas” (BERWALD, 1986), ao contrário, “é um material que foi escrito ou gravado para um público comum e não especificamente para alunos” (KIENBAUM et al., 1986) e “reflete um contexto situacional e cultural próprio” (ROGERS e MEDLEY, 1988).

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A quinta pergunta: “O que você conseguiu aprender de Língua Inglesa no Curso PROEJA?”, foi respondida pela metade dos alunos da seguinte forma: “pouco ou muito pouco” porque foram poucas aulas.

Observa-se, nessas respostas, a constatação de que aprenderam pouco ou muito pouco pelo fato de que foram poucas aulas, pouca carga-horária na disciplina. Duas horas semanais (80/ano) podem representar pouco tempo de contato com uma língua estrangeira. Sabe-se que esses alunos dificilmente dedicam mais tempo de estudo fora da sala de aula devido ao fato de trabalhar todo dia e terem família.

Talvez o problema não seja exatamente a carga horária, mas a forma como foram trabalhados os conhecimentos. Houve duas respostas à questão dois (2) que demons-tram claramente a necessidade de mostrar um sentido para o conteúdo: “Aprendi bas-tante com as brincadeiras de comunicação” (aluno n°6), e “Quando foi trabalhado Inglês com Educação Física em aulas práticas” (aluno n°11). Isso mostra que houve uma integra-ção, algo a mais foi agregado ao conteúdo e funcionou.

Creio que essas respostas são significativas para uma proposta de integração, po-dendo-se adiantar que farão efeito, sim, e caberá, sem dúvidas aos professores mostrarem a indissociabilidade dos conhecimentos que fazem parte da vida cotidiana dos alunos e do mundo do trabalho em que estão inseridos.

A questão seis (6) apresentava um pequeno texto o qual era uma pergunta em Inglês (retirado das advertências do computador) feita ao usuário em relação à instalação de um arquivo. Houve uma tentativa de resposta por cinco alunos que mostraram ter uma noção do que se tratava: “a instalação de um programa”, os demais não responderam.

Em resposta à questão sete (7), um total de oito (8) alunos optaram pela alterna-tiva: “sequência na tradução da frase”, e os demais não responderam.

Analisando as duas últimas questões percebe-se que esses alunos não conseguiram construir um conhecimento mínimo necessário para lidar com a área técnica do curso em questão, como por exemplo: desenvolvimento de vocabulário voltado para a informática. Afirmo isso, pois só conseguiram deduzir um pouco do que estava escrito, provavelmente, através das palavras cognatas (parecidas com o português); e, sequência na tradução da frase, conforme suas respostas, o que significa a falta de conhecimento e de familiaridade com a estrutura da Língua Inglesa. Isto é, se os conteúdos são trabalhados isoladamente e fora de um contexto interessante essa aprendizagem não se consolida e, consequentemente, quando aparece uma situação que exija esse conhecimento, ela não consegue ser resolvida.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não se trata, aqui, de uma conclusão final, mas de algumas considerações a partir do estudo, pesquisa e análise realizados com os alunos do Técnico em Informática do

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curso PROEJA o qual foi objeto do estudo e discussões pautadas em um novo contexto proposto por uma política pública do Ministério da Educação: a integração do Ensino Médio com o Ensino Profissionalizante.

Todo esse contexto proporciona muita reflexão e aprendizado acerca da impor-tância de uma gestão democrática e das relações de poder que também influenciam no tipo de aluno que queremos formar.

A pesquisa, então, tem origem em algumas inquietações que vieram à tona em re-lação à prática docente, o que me leva a perceber a importância de como ensinar, o quê ensinar e o como pode se dar a escolha dos conhecimentos ministrados aos estudantes na disciplina de Inglês Instrumental dentro de uma proposta de integração.

A partir da análise realizada, pode-se observar e constatar algumas situações co-mentadas a seguir.

Sente-se que ainda há muito isolamento dos conteúdos ministrados nas aulas de Inglês, o que, talvez, leva os alunos a “aprenderem pouco”.

Por outro lado, notam-se algumas tentativas, ainda tímidas de relacionar teoria e prática envolvendo mais de uma área do conhecimento.

Outra constatação interessante e, para mim, a mais significativa, é que os alunos já percebem a importância da Língua Inglesa na área técnica profissional e também como um requisito para se inserir no mundo do trabalho. Esse é um “achado” muito positivo para iniciar práticas interdisciplinares com vistas à integração, aproveitando, assim, esse interesse e essa importância atribuída pelos alunos para o Inglês Instrumental. É através da integração que eles verão tal disciplina de uma forma mais abrangente e ao mesmo tempo inserida em todas as outras.

Percebe-se que há uma “luz” nas respostas dos alunos pesquisados sobre qual for-ma é mais interessante aprender e sobre como evitar formas de passar conhecimentos os quais não dão certo e não provocam transformação. Tenho a convicção de que essas informações extraídas da pesquisa servirão para aprimorar as aulas no intuito de práticas curriculares integradas e como subsídio para o grupo de professores de Inglês Instrumen-tal e da área técnica, bem como para os demais professores que se dispuserem, para juntos, fazermos tentativas de construção de um currículo mais democrático, útil e formador.

Só assim, poderemos saber onde estamos e de onde poderemos partir para fazermos com que o currículo do PROEJA contemple os objetivos da política pública a que se propôs.

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Leitura NA CONCEPÇÃO DA PROVA BRASIL

Raquel Bevilaqua

Fabiana Veloso de Melo Dametto

1. Situando a questão

Avaliações sobre o nível de letramento proporcionado pelas escolas de educação básica bra-sileiras têm apontado para a alarmante situação do ensino no Brasil. Em relação ao letramen-to1 em linguagens, códigos e suas tecnologias, o país encontra-se muito abaixo dos níveis apresentados por outros países. Isso é o que aponta o relatório do PISA (Programa Interna-cional de Avaliação de Alunos) de 2010, referente à avaliação de 2009. Entre 65 países, o Brasil ocupa a 53ª posição, tendo subido tímidos 16 pontos na avaliação de leitura em uma década.

Da mesma forma, avaliações nacionais (Prova Brasil e SAEB) têm mostrado que o nível de letramento em língua portuguesa (foco na leitura) e a qualidade da aprendizagem de matemática dos alunos brasileiros estão próximos aos 4, 6 pontos, de uma escala que vai até 10. Se comparado esse índice com o de anos anteriores, nota-se que houve um crescimen-to, porém, muito abaixo do que se pode considerar razoável. Tal realidade, como supõem Dametto & Bevilaqua (2010), tem fomentado críticas diversas ao letramento em Língua Por-tuguesa no Brasil. De acordo com as autoras, profissionais da área e também leigos atribuem boa parte da responsabilidade pelo fracasso escolar ao ensino dessa disciplina.

No Brasil, principalmente a partir da década de 80 do século passado, instâncias oficiais de diversos níveis governamentais, principalmente os Estados, têm fomentado a produção, publicação e reformulação de propostas curriculares, com o objetivo de promover mudanças no ensino e melhorar os resultados obtidos nessas avaliações que vêm sendo realizadas. Isso pode ser observado quando da formulação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) no final da década de 90. Além deste, observam-se esfor-ços outros, como o caso do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), especifica-

1 Cumpre esclarecer que, neste texto, considera-se letramento como “resultado da ação de ensinar e aprender a ler e escrever: o estado ou a condição que adquire um grupo ou um indivíduo como consequência de ter-se apropriado da escrita” para poder interagir com o meio social, participando, enquanto leitor e escritor, da sociedade (SOARES, 2006, p. 18). Essa mesma concepção é melhor desenvolvida no texto de Bevilaqua, neste volume.

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mente, com a criação do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, o Ideb, cujo objetivo é medir a qualidade da educação básica brasileira em Língua Portuguesa e Ma-temática. Para tanto, leva em consideração o fluxo escolar e a média de desempenhos nessas avaliações. Suas ferramentas são a Prova Brasil – sobre a qual se discutirá mais adiante neste texto – e o SAEB (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica). Ambas as avaliações são aplicadas para alunos do ensino fundamental. Entretanto, o SAEB estende-se também para os alunos do 3º ano do ensino médio.

Para as discussões levantadas neste artigo, toma-se como objeto de análise o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE, 2009) – Prova Brasil de Língua Portuguesa e tem-se por objetivo investigar a proposta de avaliação em leitura presente nesse documento oficial. A fim de melhor apresentar a proposta, dividiu-se este trabalho em quatro momentos. Em um primeiro momento, é realizada uma breve retomada histórica do sistema educacional brasileiro, de modo que se possa visualizar o contexto em que se dá a produção do PDE. Em seguida, apresenta-se o Plano de Desenvolvimento da Educação (2009), realizando um detalhamento sobre esse plano, seus objetivos, público-alvo, função, concepção de ensino que está presente em seu texto e instrumentos de avaliação. Posteriormente, aborda-se a questão referente à Prova Brasil de Ensino de Língua Portuguesa e apresenta-se a forma de constituição desse instrumento de avaliação, critério de elaboração, matriz de referência, des-critores e como se dá a interpretação dos resultados. Por fim, são tecidas algumas considera-ções sobre as limitações do PDE-Prova Brasil para os professores da educação básica.

2. O percurso e os percalços na constituição da

Língua Portuguesa enquanto disciplina

A história do sistema educacional brasileiro é fortemente marcada por influências políti-cas e econômicas de diferentes momentos do país. No Brasil-colônia, cujo objetivo maior era de fornecer matérias-primas e riquezas à gananciosa Coroa Portuguesa, o processo educacional foi lento, de cunho propedêutico e voltado, primeiramente, aos descen-dentes de colonizadores portugueses que por essas terras se aventuraram. Em relação à disciplina de Língua Portuguesa, de acordo com Soares (2002), foi só com a Reforma Pombalina, em 1759, que tornou obrigatório o uso dessa língua no Brasil, que se dá sua consolidação, inclusão e valorização na escola. No entanto, como bem destaca Mar-cuschi (2001), seu estudo seguiu sendo feito ao estilo da Língua Latina, de modo que a Gramática, a Retórica e a Poética, disciplinas essas que faziam parte do currículo escolar, prescreviam como modelo os cânones da língua.

Dessa época até a década 1980, o ensino de língua materna passou por algumas mu-danças. Graças a inúmeras pesquisas realizadas na área da história das disciplinas escolares – em especial as empreendidas por Geraldi et al (1996); Marcuschi (2001); Soares (2001; 2002);

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Bittencourt (2003); de Pietri (2007); Faraco (2008) e Galvão (2009) –, sabe-se que, do final do século XIX até meados do século XX aproximadamente, o ensino da leitura tinha como foco a leitura oral, a boa pronúncia das palavras - dicção, o que não incluía o trabalho com a compreensão global do que era lido, apenas a significação de palavras isoladas.

Com relação aos textos trabalhados, eram lidos apenas trechos ou textos inteiros de obras clássicas da literatura, em especial a Portuguesa, não havendo espaço, na escola, para a leitura de outros autores, social e culturalmente situados. Da mesma forma, o ensino da escrita estava relacionado com a caligrafia, deixando de lado qualquer aspec-to ligado à qualidade do conteúdo do que era escrito. O estudo da língua portuguesa era voltado para uma compreensão metalinguística de seu sistema, restringindo-se aos exercícios de análise sintática e morfológica. A partir dessas informações, como conclui Dametto & Bevilaqua (2010), entende-se que essas atividades estavam atreladas a habili-dades puramente mecânicas, com foco na competência gramatical e seu parâmetro de ensino era o padrão da língua culta somente.

Por volta dos anos 80, as ciências linguísticas começaram a contribuir para o letra-mento, mais especificamente, o letramento em língua portuguesa. Isso ocorreu em virtu-de, principalmente, do maior destaque dado aos estudos sobre as variedades linguísticas, o que gerou uma mudança na concepção de gramática do português e da própria língua portuguesa. Assim, ocorreu uma reelaboração da concepção da função e natureza da gramática para fins didáticos, levando a novas formas de se entender e ensinar a gramática.

Entre as contribuições de teóricos para pesquisas sobre o ensino da língua materna, destaca-se a do linguista João Wanderlei Geraldi, que trouxe novas formas de se enten-der a língua e de se ensiná-la, ultrapassando os limites metalinguísticos. Além disso, foi publicado pela Secretaria do Estado de São Paulo um documento intitulado Proposta Curricular para Ensino da Língua Portuguesa. Ambas as propostas, em 1996, serviram de base para a elaboração dos PCNs, que fundaram uma nova concepção de letramento no Brasil, a qual privilegia o domínio de competências e não apenas de informações. E, na área da língua portuguesa especificamente, traz o entendimento de língua como uma atividade sociointeracional e histórica, diferentemente da concepção tradicional de língua até então vigente, qual seja, língua/linguagem entendida como expressão do pensamento.

Vale ressaltar que, de acordo com Oliveira (2006), os PCNs são parte integrante de um conjunto de medidas relacionados às políticas de educação no Brasil, no período de 1980 a 2005. Essas iniciativas tiveram como característica a implantação de um modelo de educação submetido à ideologia neoliberal e sob a influência das organizações monetárias nacionais e internacionais, entre elas o Banco Internacional de Desenvolvimento, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial. Desde os anos de 1960, essas organizações têm participado de forma sistemática das políticas educacionais da América Latina com vistas à qualificação da mão-de-obra necessária para o desenvolvimento econômico do país.

Mesmo com intervenções internacionais para melhorar a qualidade do ensino de-vido a interesses prioritariamente econômicos, a competência leitora, no Brasil, está ain-

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da muito aquém do que se deseja para que os sujeitos aprendentes tornem-se autôno-mos e críticos. É a partir desse contexto que o Plano de Desenvolvimento da Educação é lançado pelo Governo Federal, por meio do MEC – Ministério da Educação, em abril de 2007. Esse documento inclui um conjunto abrangente de programas que se relacionam com a educação básica, a profissionalizante e a de nível superior. Neste debate, será ana-lisado o documento publicado no ano de 2009, intitulado PDE – Prova Brasil.

3. Um ‘plano’ para desenvolver a educação

O PDE foi lançado em 24 de abril de 2007 e consiste, em termos gerais, em um conjunto de ações que, teoricamente, se constituiriam em estratégias para alcançar os objetivos e metas previstos no Plano Nacional de Educação (PNE), em vigor desde 2001 (SAVIANI, 2007, p. 9). O Plano aparece como um grande guarda-chuva que abriga praticamente to-dos os programas em desenvolvimento pelo MEC, com ações previstas para a educação infantil, ensino fundamental, médio, profissionalizante, tecnológico e superior.

O PDE-Prova Brasil é uma das ações do plano voltada para o ensino fundamental. O documento tem, aproximadamente, 200 páginas (as informações referentes à Língua Portuguesa e suas avaliações estão entre as páginas 19 e 105 do documento) e pode ser sintetizado da seguinte forma:

1. Direcionamento direto aos diretores e professores (destinatários do texto).2. Apresentação do PDE: objetivo com que foi criado; função e organização. 3. Apresentação do Plano de Metas do PDE: justificativa para sua criação, objetivo,

aplicabilidade/contribuição social.4. Apresentação do instrumento de medida do PDE, o Ideb: justificativa para sua

criação, objetivos, aplicabilidade/contribuição social.5. Apresentação do modelo de avaliação do PDE, a Prova Brasil: justificativas para sua

criação, aplicabilidade/contribuição social.6. Apresentação dos resultados das avaliações: importância e aplicabilidade/contri-

buição social.7. Apresentação dos objetivos e expectativas com a publicação do PDE.8. Reforço sobre a importância dos resultados obtidos a partir das avaliações.9. O enunciador (Governo Federal) se dirige diretamente aos destinatários (professores

apenas) e reforça suas expectativas em relação ao uso das avaliações por ele planejadas.

Para os fins propostos neste artigo, o item 5, relativo à avaliação por meio da Prova Brasil, representa o foco de estudo. O documento esclarece que a Prova Brasil é uma das maneiras de o Estado tentar garantir esse direito a todos os alunos. Além disso, os pro-fessores e diretores das escolas que participam dessa avaliação respondem a um ques-

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tionário socioeconômico que recolhe informações demográficas e acerca do perfil dos profissionais e das condições de trabalho. Tais informações podem ser cruzadas, poste-riormente, com os resultados obtidos na Prova Brasil, com o objetivo de se entender as relações estabelecidas entre contexto socioeconômico e desempenho dos alunos.

De acordo com o texto do PDE (2009), seu objetivo é possibilitar ao professor realizar a reflexão sobre a prática do ensino da leitura e da resolução de problemas sig-nificativos. O documento, a princípio, não admite a prescrição de práticas ou mesmo servir de modelo aos docentes. No entanto, como observam Dametto & Bevilaqua (2010), ao aplicar uma avaliação que tem como objetivo testar a qualidade do ensino ofereci-do, a partir do desempenho do aluno, esse instrumento serve mais ao próprio MEC e aos propositores dessa política educacional do que aos professores propriamente ditos. Além disso, acredita-se que a verdadeira reflexão dos docentes só é possível a partir do debate de ideias, conceitos, teorias e práticas propiciadas pela interação, isto é, a formação continuada desses profissionais é fundamental para que sejam possíveis práticas outras de letramento. Para isso, cabe também à escola organizar suas atividades de modo que a formação continuada seja um componente indispensável para a melhoria do ensino. Partindo do que até aqui foi exposto, conclui-se que o PDE – Prova Brasil, por si só, será incapaz de impulsionar as mudanças necessárias para as práticas de letramento escolar.

4. Prova Brasil de Língua Portuguesa

No tópico do PDE (2009, p.6) que se refere à Prova Brasil, é dada ênfase ao direito ao aprendizado escolar de competências cognitivas básicas e gerais, de forma que possam contribuir para a formação da visão de mundo e dos valores de cada criança ou jovem. Tais competências, vale destacar, estão sempre associadas à formação de cidadãos, sujei-tos capazes de exercer a sua cidadania na sociedade.

Além disso, o documento esclarece que a prova é definida por dois elementos: padronização e medida. A padronização refere-se ao fato de que a prova é a mesma para todos os alunos, garantindo assim o mesmo direito a todos. A medida representa os ní-veis de competência que os diferentes alunos devem atingir de acordo com o esperado para a série escolar e grupo a que pertencem.

No caso da prova de leitura, foi preciso estabelecer operacionalmente, como expli-ca o documento, o que é saber ler para uma criança de 11 anos ou um jovem de 14. Para tanto, foi criada uma escala de 0 a 500, com a qual será avaliado cada aluno. Dessa forma, as questões da Prova Brasil obedecem a uma escala previamente definida. Como explica, ainda, o documento, a prova, na verdade, é “um teste composto apenas de itens calibra-dos” e pertencentes a tal escala (PDE, 2009, p. 7). São 8 os níveis de leitura estabelecidos pela Prova Brasil; eles são utilizados para registrar as notas dos alunos de 4ª série/5° ano

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e 8ª série/9° ano. Dessa forma, espera-se que alunos da 4ª série/5° ano estejam em níveis mais baixos que os alunos da 8ª/9° ano.

Para a elaboração da prova de leitura, há também um cuidado na seleção e análise de cada texto que a compõe, assim como com as questões e suas alternativas, visto que cada erro ou acerto indica o nível de leitura em que cada aluno se encontra em relação a um tipo de habilidade esperada, como será mostrado mais adiante.

A escolha dos textos, então, é feita com base na complexidade do gênero textual e as estratégias interpretativas que exigirão. É levado em conta o nível de escolaridade, e são explorados aspectos referentes à temática desenvolvida, estratégias textuais, vocabu-lário, recursos sintático-semânticos, características específicas de cada gênero e da época de sua produção. Dessa forma, o texto se constitui no objeto de estudo, pois é a partir dele, dos mais variados gêneros e complexidades, que a habilidade interpretativa dos alunos, isto é, os processos cognitivos empreendidos serão avaliados.

A interpretação dos resultados obtidos na prova pode ser feita com base na nota de cada aluno ou na média, preferencialmente equitativa, obtida pela escola, cidade, re-gião e país. O PDE adotou como parâmetro que os alunos de 4ª série/5° ano devem atingir nota acima de 200 pontos e os alunos de 8ª série/9° ano acima de 275, dentro da escala de 0 a 500. Tal interpretação pode auxiliar dirigentes de escolas e professores a adotarem novas práticas pedagógicas, que garantam a melhoria da qualidade do ensino.

Com o objetivo de garantir a transparência e legitimidade na elaboração da prova, foi construída uma matriz de referência que define “o que será avaliado em cada disci-plina e série, informando as competências e habilidades esperadas dos alunos” ( BRASIL, 2009, p. 17). Essa matriz é um recorte do que é representativo nos currículos vigentes no Brasil, e tem por base os PCNs e os currículos propostos pelas Secretarias Estaduais de Educação e por algumas redes municipais. Portanto, a matriz são os conteúdos da aprendizagem que serão cobrados em prova.

É com base na associação dessa matriz (conteúdos) e das competências utilizadas no processo de construção do conhecimento (as operações mentais) que as questões da Prova Brasil são elaboradas, e que os alunos são, ou deveriam ser, preparados pelas escolas. Tal associação de conteúdos e competências é denominada descritor.

As competências são definidas, no PDE, como “as diferentes modalidades estruturais da inteligência que compreendem determinadas operações que o sujeito utiliza para estabelecer relações com e entre os objetos físicos, conceitos, situações e pessoas” (BRASIL, 2009, p.18). Já as habilidades são definidas como “o plano objetivo e prático do saber fazer e decorrem, dire-tamente, das competências já adquiridas e que se transformam em habilidades” (idem, ibidem).

Desse modo, cada matriz de referência apresenta questões ou temas com descri-tores que indicam as habilidades de Língua Portuguesa e Matemática a serem avaliadas. A Prova Brasil testa competências e habilidades, com base em um recorte dos conteúdos explorados nas séries avaliadas e de operações mentais esperadas que o aluno execute em determinada questão, ou seja, não é a aquisição dos conteúdos que é objeto de ava-

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liação, mas os processos cognitivos executados pelos alunos.Para o letramento em língua portuguesa, assim como para as matrizes de refe-

rência da Prova Brasil, são tomados por base os PCNs. Dessa forma, para o PDE (2009), o letramento em língua portuguesa deve estar voltado para a função social da língua e as mais diversas situações sociais de comunicação. Além disso, o texto é tomado como unidade básica para o ensino da língua, de forma que o aluno possa “desenvolver a ca-pacidade de produzir e compreender textos dos mais diversos gêneros e tanto na mo-dalidade escrita quanto na oral” (BRASIL, 2009, p.20). Observa-se que, no discurso do PDE (2009), o ensino de língua materna é entendido enquanto prática social e, portanto, deve privilegiar o uso da linguagem e suas funções no seio social. Os diferentes usos da língua são explorados por essa avaliação, que confronta duas abordagens de ensino de língua materna: a tradicional e a discursivo-interacionista, deixando clara a sua filiação à segunda abordagem, como esclarece o seguinte trecho:

Para a perspectiva discursivo-interacionista, a língua é uma atividade interativa, inserida no universo das práticas sociais e discursivas, envolvendo interlocutores e propósitos comuni-cativos determinados e realiza-se sob a forma de textos – concretamente sob a forma de diferentes gêneros de textos. (BRASIL, 2009,p.20).

Com relação à matriz de referência de Língua Portuguesa, esta é composta por tópicos e seus descritores. São seis os tópicos: Procedimentos de Leitura; Implicações do Suporte, do Gênero e/ou do Enunciador na Compreensão do Texto; Relação entre Textos, Coerência e Coesão no Processamento do Texto; Relações entre Recursos Expressivos e Efeitos de Sentido e Variação Linguística.

O documento esclarece que a matriz é composta por esses seis tópicos e 15 descritores para 4ª série/5° ano, e são acrescentado mais 6 para a 8ª série/9° ano, totalizando 21 descritores. Os tópicos compõem a primeira dimensão da matriz, denominada Objeto do conhecimento; os descritores compõem a segunda dimensão, denominada competência. Portanto, cada um dos seis objetos do conhecimento (tópico) é composto por alguns dos 21 descritores que indicam habilidades a serem avaliadas de acordo com tal conhecimento. As tabelas a seguir, expostas nas páginas 22 e 23 do PDE (2009), mostram a constituição dos tópicos:

Tópico I. Procedimentos de Leitura

DESCRITORES 4ª/5° EF 8ª/9° EF

Localizar informações explícitas em um texto D1 D1

Inferir o sentido de uma palavra ou expressão D3 D3

Inferir uma informação implícita em um texto D4 D4

Identificar o tema de um texto D6 D6

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Distinguir um fato da opinião relativa a esse fato D11 D14

Tópico II. Implicações do Suporte, do Gênero e/ou do Enunciador na Compreen-são do Texto

DESCRITORES 4ª/5° EF 8ª/9° EF

Interpretar texto com auxílio de material gráfico diverso(propaganda, quadrinhos, foto etc.).

D5 D5

Identificar a finalidade de textos de diferentes gêneros D9 D12

Tópico III. Relações entre textos

DESCRITORES 4ª/5° EF 8ª/9° EF

Reconhecer diferentes formas de tratar uma informação na compa-ração de textos que tratam do mesmo tema, em função das con-dições em que ele foi produzido e daquelas em que será recebido

D15 D20

Reconhecer posições distintas entre duas ou mais opiniões rela-tivas ao mesmo fato ou ao mesmo tema – D21

Tópico IV. Coerência, Coesão no Processamento do Texto

DESCRITORES 4ª/5° EF 8ª/9° EF

Estabelecer relações entre partes de um texto, identificando repetições ou substituições que contribuem para a continuidade de um texto

D2 D2

Identificar o conflito gerador do enredo e os elementos que constroem a narrativa

D7 D10

Estabelecer relação causa/consequência entre partes e elemen-tos do texto

D8 D11

Estabelecer relações lógico-discursivas presentes no texto, mar-cadas por conjunções, advérbios etc.

D12 D15

Identificar a tese de um texto – D7

Estabelecer relação entre a tese e os argumentos oferecidos para sustentá-la

– D8

Diferenciar as partes principais das secundárias em um texto – D9

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Tópico V. Relações entre Recursos Expressivos e Efeitos de Sentido

DESCRITORES 4ª/5° EF 8ª/9° EF

Identificar efeitos de ironia ou humor em textos variados D13 D16

Identificar o efeito de sentido decorrente do uso da pontuação e de outras notações

D14 D17

Reconhecer o efeito de sentido decorrente da escolha de uma determinada palavra ou expressão

– D18

Reconhecer o efeito de sentido decorrente da exploração de re-cursos ortográficos e/ou morfossintáticos

– D19

Tópico VI. Variação Linguística

DESCRITORES 4ª/5° EF 8ª/9° EF

Identificar as marcas linguísticas que evidenciam o locutor e o interlocutor de um texto

D10 D13

O PDE (2009) traz exemplos de questões da Prova Brasil (2007), que são denomi-nadas pelo documento como Itens, mostrando como cada um dos seis tópicos é ava-liado de acordo com os descritores que estarão em jogo. Por exemplo, o tópico Procedi-mento de Leitura envolverá a abordagem de diferentes habilidades, tais como: localizar informações explícitas e inferir as implícitas em um texto. Logo, será exigida do aluno a capacidade de extrapolar o texto, ler nas entrelinhas e chegar ao sentido global do texto.

Cada item é composto por um texto, um enunciado e quatro alternativas. Dentre as quatro alternativas apresentadas, uma é a resposta correta (gabarito), as demais serão consideradas erradas, semelhante ao que ocorre com as provas tradicionais já conheci-das. O fator inovador da Prova Brasil, porém, está justamente nas respostas ditas erradas, pois elas “devem ser plausíveis, ou seja, devem ser respostas que apresentem semelhança com a resposta correta, mas que não sejam o gabarito” (BRASIL, 2009, p.24). Essas respos-tas erradas são denominadas como distratores.

Com isso, ao invés de se oferecer ao aluno uma resposta certa e três totalmente er-radas, de forma que o aluno possa chegar ao gabarito por eliminação, a Prova Brasil exige do aluno que ele consiga chegar à resposta mais apropriada. Partindo dessa constatação, parece que as alternativas, como afirmam Dametto & Bevilaqua (2010), não se dividem mais entre a correta e as erradas, como no modelo tradicional, mas sim entre a correta e as que evidenciam níveis de leitura menos aprofundados, mas plausíveis. Portanto, se o aluno optar por uma resposta ‘errada’, ele estará mostrando ao professor não apenas que ele não sabe chegar à resposta correta. Mais do que isso, ele mostrará a estratégia cog-nitiva que ele usou que o impossibilitou de chegar até ela. O modelo de questão abaixo, exposto na página 27 do PDE (2009), ilustra essa questão. Exemplo de Item:

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(Portal turma da Mônica: Disponível em <www.turmadamonica.com.br>)

No primeiro quadrinho, a Mônica pensou que o lagarto era um desenho. Ao usar a expressão “DA HORA” ela deu a entender que o desenho

(A) tinha acabado de ser feito.(B) durava somente uma hora.(C) era moda entre a turma. (REPOSTA CERTA)(D) deveria ser usado na hora.

PROCEDIMENTO DE RESPOSTAS ÀS ALTERNATIVASA B C D

34% 16% 31% 16%

Nesse item, percebe-se que, na última edição da Prova Brasil, somente 31% dos alu-nos conseguiu chegar à resposta correta. Os que optaram pelas alternativas “A”, “B” e “D” estabeleceram, de certa forma, como explica o PDE (2009), relações de sentido literal en-tre a expressão “DA HORA” e o sentido empregado no texto. Isso mostra que a questão oferecia certo grau de complexidade, visto que grande parte dos alunos teve dificuldade para respondê-la, indicando que eles são capazes de localizar informações explícitas no texto, no entanto, não conseguem ir além desse nível para realizar inferências.

Em função desse perfil de elaboração da prova, conclui-se que a correção e ava-liação das repostas dos alunos são feitas de forma bastante detalhada, uma vez que cada erro e cada acerto são passíveis de uma interpretação e apontam o nível de leitura em que os alunos se encontram em relação a cada habilidade cobrada. Desse modo, o documento avalia como foi cobrado cada descritor, por exemplo, descritor 1: Localizar informações explícitas em um texto. Com relação a esse descritor, assim como com os demais, o documento incita as seguintes reflexões: Que habilidades pretendemos avaliar?; 1 exemplo de item proposto; O que o resultado do item indica?; e Que sugestões podem ser dadas para melhor desenvolver essa habilidade?. Essa avaliação é feita com base no de-sempenho de alunos em testes do Saeb e da Prova Brasil, com abrangência em todo país.

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Portanto, é uma avaliação que permite diagnosticar o nível de leitura nacional obtido na última avaliação aplicada.

5. Limitações da ferramenta e palavras finais

Desde o século XVIII, conforme explicitado no início deste texto, é possível perceber uma mudança na concepção de ensino de Língua Portuguesa. No que se refere ao ensino e avaliação da competência leitora, de uma abordagem tradicional, que tinha como foco a leitura oral, a boa pronúncia das palavras - dicção, o que não incluía o trabalho com a compreensão global do que era lido, apenas a significação de palavras isoladas-, chega-se, principalmente na última década, a um ensino de língua portuguesa que toma o texto como objeto de ensino e busca interpretar e apontar o nível de leitura em que os alunos se encontram em relação a cada habilidade cobrada.

Os textos explorados nas avaliações propostas pelo PDE não são mais os trechos ou textos inteiros de obras clássicas da literatura, em especial a portuguesa. Agora, parte-se de uma gama variada de gêneros textuais, frutos das práticas sociais.

Nessa perspectiva, assim como já ocorre com os PCN’s, há a presença constante de quatro aportes da Linguística para o ensino de língua materna: a concepção socio-interacionista; a noção de variedade linguística como própria de qualquer língua; e a organização das práticas de sala de aula em torno de três atividades: a leitura, a produção de textos (oral e escrito) e a análise Linguística. Dessa forma, o PDE (2009) insere-se nesse novo paradigma de ensino da língua materna.

Compreende-se que a Prova Brasil de Língua Portuguesa, a partir dos seus itens calibrados e baseados em descritores precisos, vai mais longe, se comparado aos PCN’s. Ela identifica não apenas o que o aluno sabe ou não sabe, ou seja, uma avaliação pautada em alternativas binárias: certa versus erradas. A Prova Brasil possibilita ao professor reco-nhecer as estratégias cognitivas usadas pelo aluno no momento da interpretação, apon-tando, assim, não só o que ele sabe, mas o quanto ele sabe e como ele chegou à resposta mais ou menos acertada. Talvez se possa até falar em grau de “acertividade” (referente a acerto) das alternativas propostas, pois do aluno é cobrado que ele consiga chegar à resposta que contém o maior grau de acerto ou o nível mais profundo de interpretação, por ter levado em conta um número maior de aspectos.

Apesar desses pontos positivos, como toda ferramenta de avaliação cunhada pelo empenho humano, o PDE-Prova Brasil também apresenta suas limitações. O programa foi constituído com vistas a diagnosticar os problemas referentes ao ensino de Língua Portuguesa e Matemática e a melhorá-los com base em metas traçadas. No entanto, são visíveis falhas e/ou imperfeições no que tange, primeiramente, ao desconhecimento de muitos docentes acerca do que é avaliado pela Prova Brasil e da forma como essa

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avaliação é realizada. Como exemplo disso, vale citar o modo como a Revista Nova Es-cola refere-se à Prova Brasil, em uma chamada de capa. Cumpre lembrar que a revista é voltada a práticas de ensino para educação básica e é a segunda revista mais vendida da Editora Abril, atrás apenas da Revista Veja, do mesmo grupo. Na edição número 222, de maio de 2009, a Revista apresenta uma reportagem cujo título é “Abrimos a caixa-preta da Prova Brasil de Língua Portuguesa”2 Como se vê, a Nova Escola chega a usar o ter-mo “caixa preta” para se referir à dificuldade que professores e gestores têm enfrentado em relação ao entendimento da Prova Brasil. É válido mencionar, ainda que brevemente, a questão do discurso assimétrico, nos termos de Dametto (2010), da referida revista quando da prescrição do trabalho docente. A revista apresenta-se, pretensamente, como a solucionadora de problemas educacionais, fornecendo dicas ao trabalho docente e, consequentemente, simplificando questões cuja natureza é muito mais complexa e que, certamente, não cabem em um roteiro de receitas a serem seguidas pelos professores, posicionados como aqueles que precisam de ajuda.

Essa questão foi corroborada por uma pesquisa realizada com 18 professores de Lín-gua Portuguesa da rede municipal de 4 municípios, no ano de 2010, na região de atuação do Instituto Federal Farroupilha – campus São Vicente do Sul. Entre as questões investiga-das, estavam o conhecimento dos professores sobre a Prova Brasil, sobre como funcionam os mecanismos descritos nessa avaliação e o Ideb de sua escola, medido, como se obser-vou, também pela Prova Brasil. Do total de docentes que responderam a um questionário, 80% afirmaram que tinham conhecimento da Prova Brasil e das metas do PDE. Em relação ao conhecimento dos resultados da prova e sua relação com as metas para o ensino, 60% dos entrevistados afirmaram que tinham esse conhecimento. No entanto, apenas metade deles respondeu ter conhecimento do Ideb atual e das metas futuras para sua(s) escola(s). Essa desarticulação entre a Prova Brasil e sua relação com os resultados do Ideb, que se propõe ‘termômetro’ para a educação básica, aponta para um conhecimento fragmen-tado das propostas do PDE e, consequentemente, do funcionamento dos mecanismos da Prova Brasil dentro do Plano. Desse modo, entende-se que essa avaliação ainda não atingiu questões que são consideradas de extrema importância para o processo educacio-nal, quais sejam, as discussões sobre letramento, as pesquisas em relação ao processo de ensino e aprendizagem, que deveriam ser fomentadas por cursos de formação continuada.

A segunda questão que se pode apontar sobre as incongruências do PDE-Prova Brasil refere-se ao próprio documento como programa de ensino. As matrizes curricula-res e os exemplos de questões da Prova Brasil acabam tornando-se, de uma certa forma, prescritores do trabalho docente, e alguns conceitos e teorias permanecem não total-mente compreendidos. De acordo com um estudo de Oliveira (2010), termos como gêneros textuais, letramento, discurso estão na moda desde o lançamento dos PCNs, na

2 Disponível em <http://revistaescola.abril.com.br/planejamento-e-avaliacao/avaliacao/prova-brasil-deta-lhes-450869.shtml?comments=yes> Acesso em setembro de 2010.

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década de 90. Contudo, a pesquisadora tem constatado que a real apropriação desses termos nas práticas de letramento dos docentes não tem ocorrido, fato que aponta para o insucesso da ação de publicação somente desses documentos quando se tem em mente a melhoria do processo educacional. É necessário, primeiramente, como já se disse, que se criem espaços para as análises e discussões sobre seu conteúdo.

Interessante observar que o documento, em sua apresentação (2009, p. 5), realiza um chamamento muito mais direcionado ao professor, como sujeito individual, autôno-mo, do que ao gestor escolar, quando da reflexão sobre práticas de ensino, como se ape-nas o professor, por si só, de forma singular, fosse o responsável pela qualidade do ensino:

Acreditamos, pois, que você, professor, possa fazer uso desse instrumental para uma refle-xão sobre sua prática escolar e sobre o processo de construção do conhecimento dos alu-nos, considerando-se a aquisição de conhecimentos e o desenvolvimento das habilidades necessárias para o alcance das competências exigidas na educação básica.3

Acredita-se que as questões pertinentes ao desenvolvimento da educação, como quer o PDE, necessitam adquirir outros contornos, envolvendo todos os atores do pro-cesso escolar, e não apenas o professor, em um diálogo contínuo e permanente. Além disso, é necessário que essas questões ultrapassem o nível da ‘referência’ (ou ‘receita’) para, de fato, serem incorporadas à prática docente. Para isso, o estudo, a pesquisa e o debate sobre termos e práticas referentes ao letramento são fundamentais, passando pela valorização da carreira do magistério e melhoria da infraestrutura das escolas.

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parte I IENSINO DE LÍNGUAS ARTICULADO

À PESQUISA E EXTENSÃO

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COMUNICAÇÃO INTERNA E ANÁLISE DE GÊNERO TEXTUAL EM UMA INSTITUIÇÃO PÚBLICA DE ENSINO

Cândida Martins Pinto

Raquel Bevilaqua

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Desenvolver e aprimorar os mecanismos de comunicação implica trabalhar com gêneros textuais. Gêneros textuais ou do discurso são fenômenos históricos e contribuem para organizar as atividades do dia-a-dia. Bakhtin (2000) considera gêneros do discurso como tipos particulares de enunciados, com características relativamente estáveis. Os gêneros são eventos sócio-históricos e discursivos, que apresentam, segundo Marcuschi (2003), um alto poder de predição de interpretação das ações humanas. Isso significa que qual-quer ato comunicativo ocorre, necessariamente, por meio de textos, sejam orais ou escri-tos, os quais são categorias de uma organização mais ampla: os gêneros textuais. A análise desses não se limita somente à descrição do sistema linguístico que organiza o texto, mas destina-se também à busca do evento social e do enquadramento desse evento em práti-cas sociais. A sociedade constrói discursos a partir da interação dos sujeitos em contextos sociais específicos nas diferentes situações comunicativas, o que ocasiona muitas vezes erros de comunicação, desentendimentos, duplas interpretações, falhas.

Nesse sentido, foi desenvolvido durante o ano de 2010 um projeto de pesquisa in-titulado “Análise de gênero textual: implicações na comunicação interna de uma institui-ção pública” com o intuito de identificar e analisar os gêneros textuais mais utilizados na comunicação do Instituto Federal Farroupilha – Campus São Vicente do Sul (doravante IFFarroupilha – SVS), a fim de que se contribua com a comunicação interna dos servido-res (docentes e técnicos administrativos) e alunos. Em outras palavras, o projeto da Linha de Pesquisa “Leitura e Interação” propõe o estudo dos textos produzidos, distribuídos e consumidos no campus São Vicente do Sul, com o objetivo de veicular informações gerais aos estudantes, docentes e técnicos administrativos.

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Para este artigo, buscou-se delimitar o estudo apenas na análise de um gênero textual – correio eletrônico – entre a Coordenação do Curso Técnico em Secretariado e a Direção do Ensino Médio e Técnico desta mesma instituição. Para tanto, primeira-mente far-se-á uma explanação sobre o Instituto e o projeto de pesquisa, assim como uma revisão da literatura acerca dos gêneros textuais. Em um segundo momento, apre-sentar-se-ão a metodologia utilizada para este estudo e a análise prévia dos dados. Por fim, os resultados parciais do projeto.

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1 O Instituto Federal Farroupilha – Campus São Vicente do Sul e o projeto de pesquisa

Trabalhar com gêneros é investigar o contexto ou prática social, as situações de espaço/tempo e os atores sociais que fazem uso do objeto pesquisado. Dessa forma, a teoria sociocultural de Vygotsky (1993), uma das bases teóricas do projeto, argumenta que a lin-guagem humana apresenta-se inicialmente como uma produção de interação associada às atividades sociais, considerada como instrumento pelo qual os participantes, intencio-nalmente, emitem pretensões à validade relativas às propriedades do meio em que essa atividade se desenvolve. O conjunto de ações, manipuladas por um grupo social, dire-ciona-se ao objetivo da atividade como um todo, podendo (ou não) ser eficaz. Melhor dizendo, os servidores e os alunos do IFFarroupilha – SVS, para realizarem suas atividades diárias, fazem uso de diversos instrumentos para se comunicarem. Essa comunicação é feita por meio de gêneros textuais. Cada gênero pressupõe um objetivo específico e tem por intenção transmitir uma mensagem. Nesse sentido, este projeto justifica-se na medida em que busca verificar como essa mensagem está sendo entendida. E também objetiva apontar possíveis melhorias de comunicação interna.

Além disso, o projeto justifica-se pela importância de se verificar como a leitura está sendo desenvolvida e, consequentemente, como está ocorrendo a produção de textos, pois sabemos que o processo de leitura e de escrita faz parte de uma sociedade como a nossa, letrada. Para que possamos nos comunicar verbalmente, fazemos uso de textos e, por conseguinte, selecionamos, ainda que inconscientemente, gêneros textuais específicos para determinada situação. A leitura, bem como a produção textual, nesta perspectiva, são processos que veiculam significados, sentidos, que podem ser estrutu-rados, reestruturados, negociados. O acesso à leitura e à escrita, por exemplo, em uma sociedade que lhe garante um alto prestígio e status social, é fundamental para a parti-cipação do sujeito em atividades e práticas sociais. Para ilustrarmos o quão importante é a atividade de leitura e produção textual quando da comunicação humana, fazemos

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referência a alguns teóricos, que há muito pesquisam na área: Guedes (2006), Coracini (1995), Meurer e Motta-Roth (2002), Bazerman (2005), Leffa (1999), Kleiman (1998).

Devemos afirmar também que, segundo dados de 2005 do INEP – Instituto Nacio-nal de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, temos milhões de leitores com baixo nível de entendimento do texto. São brasileiros incapazes de entender o tema de um texto, localizar informações específicas, fazer inferências, ou seja, incapazes de reali-zar a interpretação básica de um texto. Analogicamente à leitura truncada, observamos também uma escrita que, em muitos casos, não atinge seus objetivos, seja por motivos linguísticos (em relação à estrutura do texto), discursivos (em relação à apropriação con-textual) ou pela escolha inapropriada do gênero pelo qual se pretende a comunicação.

Sob essas justificativas, cabe mencionar os motivos pelos quais a proposta se materia-lizou em forma de projeto de pesquisa. Primeiramente, ressaltamos a constatação de falhas de comunicação interna na instituição, principalmente por parte dos servidores do IFFar-roupilha – SVS. Essas falhas advêm de razões como: informações desencontradas, atrasos na divulgação das informações e ausência delas em momentos precisos. Isso acarreta a falta de engajamento dos setores e a perda da agilidade para se solucionarem problemas. Em segun-do lugar, enfatizamos a necessidade da constante atividade de leitura e produção textual por parte dos discentes no sentido de fomentar sua formação profissional.

Os educandos envolvidos no projeto fazem parte de dois cursos profissionalizantes de nosso campus, a saber, Técnico em Informática e Técnico em Secretariado. No primeiro caso, uma das funções do egresso como profissional é trabalhar com as ferramentas da in-ternet, entre outras, enquanto canal de comunicação de uma empresa, estabelecimento de ensino, etc. Para dar conta desta função, o técnico em informática deve, necessariamente, ter conhecimento dos gêneros textuais mais utilizados na internet quando essa serve a fins de comunicação e informação. Dessa forma, com a finalidade de melhor compreender como funciona, ou como deveria funcionar, uma ferramenta de comunicação que se apoia na Internet, o educando do curso de informática deve ser capaz de reconhecer e selecionar os gêneros textuais que melhor alcançam os objetivos comunicativos de uma dada instituição.

O técnico em secretariado, por sua vez, representa, muitas vezes, o canal de co-municação de sua empresa ou instituição. É por esse profissional que passam diversas informações e, na maioria das vezes, é ele que seleciona essas informações para repassar às pessoas devidas. Além disso, esse profissional acaba, muitas vezes, sendo também o responsável por ‘comunicar’ a empresa junto a seus clientes, uma vez que é ele quem lida diretamente com os mesmos. Assim, é também importante para esse profissional compreender os mecanismos de funcionamento dos gêneros textuais que compõem seu sistema de atividades em uma empresa.

Ao aprender a selecionar, compreender e fazer uso daqueles gêneros mais utili-zados e que alcançam seus propósitos comunicativos, o educando de ambos os cursos está se aperfeiçoando para melhor atuar no mercado de trabalho. O aluno engajado no projeto estará vivenciando momentos de análise dos gêneros textuais e, consequente-

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mente, obtendo uma visão crítica sobre o processo de construção desses textos e uma prática eficiente, já que estará, juntamente com os professores, propondo melhorias para tal problema encontrado no IFFarroupilha – SVS.

Nesse sentido, este artigo constitui-se de uma análise acerca da comunicação via correio eletrônico entre a Coordenação do Curso Técnico em Secretariado e a Direção de Ensino Médio e Técnico. Assim, nesse primeiro momento, não houve a participação dos educandos pesquisadores por ter sido este apenas um estudo piloto.

2.2 Conceito de gênero

Interagimos por meio da linguagem em diferentes contextos situacionais (imediatos) e culturais (amplos), (re)construindo nossas relações interssociais, construindo ou transfor-mando nossa realidade social e participando de diferentes práticas socioculturais. Implí-citas a essas práticas plásticas e dinâmicas estão os gêneros do discurso. Entender gêneros é compreender que, “nossas atividades são realizadas no mundo social, em situações concretas, e é através da linguagem, nas suas diferentes modalidades, que realizamos muitas das ações que nos interessam” (KLEIMAN, 2006, p. 25).

Segundo Marcuschi (2008), gênero textual é fruto do trabalho coletivo e contri-bui para ordenar e estabilizar as atividades comunicativas do dia-a-dia. O gênero textual é uma atividade (a) constituída pela linguagem; (b) em um determinado contexto ou situação; (c) que engendra papéis para seus participantes; e (d) por sua recorrência, es-trutura o contexto da cultura.

Compreender linguagem como prática social é reconhecer que nossas ações são sempre situadas por determinados contextos, gêneros e esferas sociais, que não apenas regularizam, legitimam e negociam nossas interações como também as estabilizam por meio da tipificação dos enunciados nelas construídos. Cabe, em adição, retomar que gêneros sob a perspectiva de Bakhtin pressupõem interação, isto é, “as formas da língua e as formas típicas dos enunciados – os gêneros do discurso – chegam à nossa consciência em conjunto e estreitamente vinculadas” (2000, p. 283).

Um dos gêneros mais usado atualmente para a comunicação, como é o caso do Institu-to Federal Farroupilha – Campus São Vicente do Sul, é o correio eletrônico ou o já conhecido e-mail. O termo e-mail (electronic mail) é utilizado, em inglês, para o sistema de transmissão e, por metonímia, para o texto produzido para esse fim. O mesmo termo é ainda utilizado para o endereço eletrônico de cada usuário. Em português nos referimos ao canal como Correio ele-trônico e, ao texto, como mensagem eletrônica. O e-mail ou mensagem eletrônica é, geralmen-te, produzida pela mesma pessoa que a transmite e o receptor é, quase sempre, o destinatário da mensagem. O envio e a entrega de mensagens é mediada por um ou mais provedores de Internet e seu tráfego é determinado pela rede mundial de computadores, mas qualquer que seja a rota seguida, a entrega é, geralmente, feita em segundos (PAIVA, 2004).

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Por meio dos apontamentos de Paiva (2004), entendemos o gênero e-mail como de natureza eclética, heterogênea, dada a diversidade de características tomadas empres-tadas de outros gêneros. Dessa forma, de acordo com a autora (2004, p. 82):

O correio eletrônico é um novo canal de mediação de gêneros já conhecidos e deu ori-gem a um novo gênero que agrega características do memorando, do bilhete, da carta, da conversa face a face e da interação telefônica. Dos textos escritos herda a assincronia. Do memorando toma de empréstimo semelhanças de forma que é automaticamente gerada pelo software; do bilhete a informalidade e a predominância de um ou poucos tópicos; da carta as fórmulas de aberturas e fechamentos. Dos gêneros orais herda a rapidez, a objeti-vidade e a possibilidade de se estabelecer um “diálogo”. Da conversa face a face, temos um formato que guarda alguma semelhança com a tomada de turno e a interação telefônica, além de limitações contextuais também semelhantes, mas com a possibilidade de colocar em contato pessoas que se encontram geograficamente distantes. Os usuários têm a intui-ção de que estão utilizando um novo gênero que difere dos mencionados acima, mas que ao mesmo tempo guarda uma certa semelhança.

Esse gênero trouxe algumas vantagens; dentre elas cabe destacar a facilidade de cola-boração, discussão de tópicos de trabalho e aprendizagem em grupos grandes, viabilizando a criação de comunidades discursivas, superando limitações de tempo e de espaço. Essas comunidades discursivas pressupõem uma competência comunicativa compartilhada, ob-jetivos comuns e obediências a certas regras de etiquetas, as chamadas netiquetas.

Devido a essas características, muitas instituições públicas e privadas utilizam o cor-reio eletrônico para a comunicação dos diversos setores. A velocidade e a espontaneidade de seu processo de produção possibilitam uma comunicação mais eficaz e mais rápida entre o produtor e o receptor do texto. Porém, para que haja realmente eficácia na comu-nicação eletrônica, os participantes devem possuir conhecimentos compartilhados em relação às competências pragmáticas (saber sobre o gênero), tecnológica (saber operar as tecnologias) e intercultural. A cultura, no presente estudo, constitui-se em uma cultu-ra acadêmica, entre departamento e coordenação de curso com o objetivo principal de informar e solicitar informações ou ações para o andamento das atividades acadêmicas.

3 METODOLOGIA

Com o intuito de alcançar os objetivos propostos, a pesquisa caracterizou-se por ser de natureza descritivo-analítica, realizada por meio de levantamento do gênero cor-reio eletrônico utilizado no IFFarroupilha – SVS, entre a Coordenação do Curso Técnico em Secretariado e a Direção de Ensino Médio e Técnico. A pesquisa foi de caráter se-quencial, com fins verificatórios. Porém, não tem como pretensão uma análise exaustiva

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do corpus, delimitando-se à abordagem das escolhas dos textos pelos participantes das práticas sociais e a efetiva análise da efetividade comunicativa dos textos.

A escolha pela análise do email deu-se pelo fato de que 73% dos servidores pos-suem email institucional e fazem uso regular dele, segundo dados de pesquisa realizada em outubro de 2009 no campus sobre a comunicação interna. Nessa pesquisa, também se verificou que 100% dos docentes possuem email institucional.

A coleta dos dados transcorreu pela entrada no email institucional e a efetiva cópia de emails trocados entre os dias 25 de fevereiro de 2010 a 30 de março de 2010. A partir disso, a análise foi realizada de acordo com dois passos principais:

1º) análise linguística dos gêneros, com a utilização de recursos veiculados pela linguística textual, centrada em Elias e Koch (2007 e 2009), o que possibilita identificar as estruturas que organizam o discurso para se chegar à intencionalidade de cada instru-mento comunicativo.

2º) interpretação dos dados com o intuito de promover reflexões sobre as condi-ções de produção, distribuição e consumo dos gêneros, procurando buscar respostas e soluções ao problema previamente descrito, de modo a fomentar o estudo da leitura e da produção textual.

Após a análise de dados, verificou-se a efetividade da comunicação entre o grupo já mencionado da instituição. A análise inicial dos dados será descrita no capítulo que segue.

4 ANÁLISE DOS DADOS E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Os e-mails trocados entre a coordenação do Curso Técnico em Secretariado e o Departa-mento de Ensino Médio e Técnico sofreram dois recortes: 1- Recorte temporal: foram ana-lisados apenas e-mails dos meses de fevereiro e março, que constituem início de ano letivo, período que demanda uma série de informações e decisões; 2- Recorte funcional: perma-neceram para análise apenas os e-mails que tinham por finalidade informar ou solicitar algo. Salienta-se que todos os nomes foram trocados para preservar a identidade dos sujeitos.

Durante o mês de fevereiro de 2010, foi trocado apenas um e-mail (25 de fevereiro) com o intuito de informar e solicitar alterações no quadro de horários de professores e turmas, conforme atesta o texto a seguir:

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De: AlinePara: listadocente Assunto: Ajustes horáriosCaros colegas,Informamos que os ajustes referentes a salas ou disciplinas que tenham sido trocadas entre colegas devem ser informados até sexta-feira, amanhã, para seu coordenador encaminhar à Isabela ou Aline.Obrigada

Texto 1: E-mail de fevereiro

No mês de março de 2010, foram trocados nove e-mails (de 04 a 30 de março). O exemplo abaixo é apenas ilustrativo.

DATA: 04/03/10ASSUNTO: Horário I semestre 2010 com alteraçõesDE: AlinePARA: Lista docente, secretaria, Joana, Elisabeth Olá, colegasComo sabem, as duas primeiras semanas de aula trazem constatações (salas de aula, perí-odos) sobre o bom funcionamento do horário que passaram desapercebidas ou que, de-pendendo do curso, precisam de novas adequações. Por essa razão, nos primeiros 15 dias de início letivo, recebemos sugestões dos professores, coordenadores quanto ao horário.Assim, para o bom andamento do semestre e para ajustar algo que não tenha ficado ade-quado, acolhemos as sugestões e tentamos sempre atendê-las, preservando o bom senso e a aplicabilidade dessas sugestões. A maioria dos ajustes ocorreu nas salas de aula (troca de salas).Por isso, enviamos o horário com essas reformulações e pedimos para que confiram nova-mente seus horários de aula e salas.Esse horário “entra em vigor” a partir de segunda-feira, dia 8 de março, a fim de se evitarem confusões nesta semana.Obrigada pela compreensão e esperamos que esses ajustes sejam para melhorar o trabalho de todos nós e ajudar também nossos alunos.AttDiretoria de Ensino

Texto 2: Exemplo de Email em março

Buscou-se observar e compreender, nos e-mails trocados, determinados padrões retóricos que os constituem enquanto prática organizadora e estruturadora da vida aca-dêmica no campus. Assim, foram observados os seguintes elementos característicos do

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gênero e-mail: assunto, abertura e fechamento, corpo do texto.Em relação ao assunto, verificou-se que todos os textos apresentam o tema central a

ser tratado de forma clara e objetiva, justamente para facilitar o entendimento do mesmo, já na caixa de entrada. Além disso, pela quantidade e variedade de emails recebidos durante um dia ou uma semana pelos servidores do campus, a clareza e objetividade do assunto ajuda a selecionar aqueles e-mails que necessitam de atenção com mais urgência. A abertura e fecha-mento dos textos apresentam, na maioria das vezes, um modo formal, como por exemplo:

“Caros colegas, Prezados diretores, Olá, colegas” e “Att, Atenciosamente, Abraço, Obrigada”. Essa aparente formalidade é emprestada de gêneros como o ofício e o requerimento.

Os 8 emails remetidos pela direção tiveram por objetivos informar e esclarecer aos docentes, técnicos administrativos e coordenadores de curso sobre decisões previamen-te tomadas pela Direção, e solicitar alguma ajuda. Já o único email enviado pela Coorde-nação do Secretariado objetivou convidar para participação da aula inaugural do curso.

A modalidade retórica mais recorrente é a injuntiva e se realiza por meio das se-guintes expressões: “os ajustes (...) devem ser informados”; “pedimos que confiram no-vamente seus horários”; “esse horário entra em vigor”; “teremos os dois últimos períodos da noite, que serão reduzidos”; “Solicitamos que divulguem junto a seus cursos que re-alizaremos a seleção de 3 bolsistas”; “Precisamos da ajuda dos coordenadores de curso (ou de professores por vocês indicados)”; “Cada professor trabalhará com um dos coor-denadores das ações do Fic”; “avisem aos demais colegas que dão aula naquela turma”. Na situação de troca de e-mail entre diretoria e coordenação de curso, a recorrência de expressões injuntivas é explicada pela relação chefe-subordinado.

Verificou-se que nenhum e-mail da direção foi respondido, mesmo aqueles cujo obje-tivo era solicitar ajuda, o que atesta a unidirecionalidade dos textos. Já o e-mail da Coordena-ção do Secretariado foi respondido apenas por um remetente para informar que não estaria presente na aula inaugural. Pode-se inferir, a partir dessas observações, que a falta de resposta indica o entendimento das mensagens por todos, ou seja, a eficácia na comunicação. Essa interação e a rapidez de troca de informação implicam em facilidade de transmissão das in-formações relevantes para o andamento das atividades do campus, o que também assegura um bom entendimento entre as partes das mensagens enviadas e recebidas.

Com essa análise inicial dos dados, pode-se perceber que, apesar de não haver respostas aos emails enviados, houve sim uma boa comunicação entre a coordenação mencionada e a Direção. No entanto, de acordo com pesquisa realizada no campus pela sua assessoria de imprensa, muitos servidores consideram a comunicação interna um problema, pois são as várias as situações em que a não resposta a um email é entendida como a não recepção ou a não leitura de determinado email.

Por fim, é necessário que o presente projeto de pesquisa avance para outra etapa de coleta de corpus e de análise, buscando compreender o problema da comunicação interna, apontado pela pesquisa mencionada, e propor alternativas.

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OS GÊNEROS TEXTUAIS DO MURAL NO INSTITUTO FEDERAL FARROUPILHA, CAMPUS SÃO VICENTE DO SUL

Silvania Faccin Colaço

Evanir Piccolo Carvalho

1 INTRODUÇÃO

O texto, neste estudo, é considerado no seu aspecto mais amplo, como um todo de significado, constituindo qualquer manifestação que faça sentido em uma dada situa-ção comunicativa. É preciso que exista a preocupação com essa dimensão dos textos e suas relações com o contexto, a fim de que os indivíduos possam interagir em situações comunicativas reais, com consciência sobre a linguagem que utilizam, isto é, sobre os gêneros textuais usados na comunicação diária.

Os gêneros textuais contribuem para organizar as atividades comunicativas con-temporâneas e atender as necessidades advindas de novas atividades socioculturais. Para se adequar a tais situações, transformam-se constantemente em novos gêneros e formas de comunicação, pois são maleáveis e dinâmicos.

O mural, nesse contexto, é considerado um espaço de troca de informações e estabelecimento de acordos, pois, ao veicular uma informação, essa passa a constituir o discurso institucional traduzido por meio de divulgação de normas, horários, cartazes, avisos, notícias, reportagens, ofícios, anúncios, etc.

Assim, o presente artigo objetiva estudar os gêneros textuais divulgados nos murais do Departamento de Ensino do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Farrou-pilha – Campus São Vicente do Sul e problematizar a relação existente entre texto e suporte como constitutiva dos gêneros textuais. O estudo é parte de um projeto maior do grupo de pesquisa do campus - Núcleo de Estudos Linguísticos e Literários, intitulado “Análise de gênero textual: implicações na comunicação interna de uma Instituição Pública”, que vem es-tudando os gêneros e suportes utilizados no estabelecimento de redes comunicativas entre setores, entre equipe diretiva e servidores, bem como entre setores e alunos.

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Para esta pesquisa, foram selecionados sete murais: o da recepção da Diretoria de Ensino, o mural externo da Diretoria de Ensino, o da Sala dos Professores, o Mural Livre (para toda comunidade escolar), o do Setor de Estágios, o da Secretaria e o Mural dos Alu-nos. Esses murais foram escolhidos considerando sua vinculação com o ensino e, também, sua localização, na parte central dos prédios de maior circulação de alunos e professores.

Espera-se que este estudo traga colaborações significativas para a comunicação in-terna no Instituto Federal Farroupilha – campus São Vicente do Sul. Além disso, supõe-se que o grupo de pesquisa tenha obtido crescimento teórico para discutir com mais inte-ração a relação gênero / suporte textual. Publicações sobre gêneros textuais já existem várias em nossa área de estudos, mas poucos são os estudos sobre o mural como suporte de texto, destacando-se aqui o texto de Marcuschi, 2003, que serviu de importante base teórica para este trabalho.

2 GÊNEROS TEXTUAIS

A definição de gênero textual vem da literatura, com Platão e Aristóteles, acerca dos gêneros literários. Atualmente, o conceito de gênero textual ancora-se em Mikhail Bakhtin (2000), principalmente quanto aos gêneros discursivos, considerando-os tipos particulares de enunciados que se diferenciam de outros tipos de enunciados, com os quais têm em comum a natureza linguística.

Para Bakhtin (2000), gêneros discursivos são enunciados relativamente estáveis, usados para cumprir uma determinada função social. Como formas de ação social, os gêneros advêm das necessidades de comunicação de um grupo e são, portanto, construções sócio-históricas. Os gêneros textuais constituem-se nos textos que se encontram nos diversos ambientes de discurso na sociedade, e são vários os fatores socioculturais que ajudam a identificar e a definir que tipo de gênero deve ser usado em cada situação comunicativa.

Marcuschi (2003) observa que, desde os primórdios, o homem desenvolveu formas de comunicação utilizando-se de alguns gêneros. Com a evolução tecnológica e, especial-mente, o surgimento das tecnologias de informação e a internet, a sociedade passou a fazer adaptações aos gêneros existentes, dando-lhes novas configurações e usos, a fim de dar res-posta às necessidades outras de comunicação e para se adaptar a meios e suportes diferentes.

Essas adaptações e alterações em maior ou menor grau geraram novos gêneros, um exemplo disso é a carta, que se transformou em e-mail, ou a charge, que tem versão digital animada. Os gêneros formam-se a partir de critérios internos e externos, isto é, seguem aspectos como nível de linguagem, tipo de situação em que o gênero se situa, natureza da informação ou do conteúdo veiculado, entre outros.

Cada situação social exige uma produção textual com determinadas características temáticas, de estilo e de composição, que passam a formar os gêneros (KOCH, 2002). Assim,

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cabe aos usuários confrontar as situações, selecionar, entre tantas possibilidades, o gênero adequado para dar conta daquela atividade comunicativa. Essa escolha é uma “decisão estra-tégica, que envolve uma confrontação entre os valores atribuídos pelo agente produtor aos parâmetros da situação (...) e os usos atribuídos aos gêneros do intertexto” (KOCH, 2002, p 55).

O estudo de gêneros textuais considera todas as manifestações linguísticas (orais e escritas), marcadas pela especificidade de uma esfera de comunicação, que os elabora e que é realizada por eles. Assim, o gênero textual não pode ser definido somente pela lín-gua, mas de acordo com seu papel na sociedade, a fim de mostrar o funcionamento desta.

Bakhtin (2000, p.279) considera que existe um número infinito de gêneros discursi-vos, de acordo com as práticas sociais das diversas esferas da atividade humana, que é ines-gotável: crônicas, contos, cartas, receitas, diálogos, convites, etc. Afirma, ainda, que esses gêneros vão se modificando de acordo com as necessidades de uso face às necessidades dos usuários. Embora Bakhtin use a terminologia ‘gênero discursivo’, neste estudo, adota-

-se a expressão ‘gênero textual’, mais corrente nos estudos linguísticos em geral. Porém, destaca-se que os gêneros são aqui estudados com enfoque nas características discursivas. A abordagem utilizada baseia-se na Análise Crítica do Discurso, seguindo a linha teórica de Bakhtin (2000), Kress (1999), Bazerman (2005), Miller (1984) e Marcuschi (2002).

Bakhtin (2000) faz distinção entre os gêneros primários (simples) e secundários (complexos), relacionando-os às práticas comunicativas menos ou mais formais respec-tivamente. Isto é, textos como o romance, o teatro, o discurso científico, o discurso ideo-lógico são mais complexos e predominam na forma escrita, enquanto os textos simples, como cartas, receitas, etc ocorrem em práticas mais usuais ou até mesmo podem estar inseridos nos textos complexos, pois um gênero pode envolver vários na sua constituição, evidenciando a “transmutação” de que fala Bakhtin (2000, p. 281).

Considera-se, também, que os gêneros possam refletir um estilo individual de quem os produz (BAKHTIN, 2000, p.283), pois refletem o estilo, as intencionalidades e a linguagem de quem fala/escreve. No entanto, nem todos os gêneros se prestam a isso, como os que requerem uma forma padronizada (documentos oficiais, notas de serviço, ordem militar, etc.). O estilo linguístico ou funcional corresponde a um gênero peculiar a uma determinada esfera da atividade humana, de acordo com suas especificidades, gerando um dado tipo de enunciado (gênero), relativamente estável. O estilo está vincu-lado à temática, à estruturação, ao tipo de relação entre o locutor e seus interlocutores, constituindo um elemento na unidade de gênero de um enunciado. Isso determina tam-bém o gênero que será escolhido pelo produtor.

Porém, faz-se necessário destacar que as pessoas podem consumir todos os gêne-ros, mas nem sempre precisam produzi-los. Além disso, não há necessidade de os usuários conhecerem os pressupostos teóricos que descrevem os gêneros, pois, assim como as formas da língua, os gêneros textuais introduzem-se em nossa experiência de linguagem e em nossa consciência conjuntamente e sem rompimento de suas relações. Como o gêne-ro é dado ao falante/escritor pela comunidade linguística a que pertence, diz-se que tem

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um valor normativo (BAKHTIN, 2000, p. 304)”, o qual determina a variação linguística e a estrutura textual adequada à situação comunicativa, a partir dos objetivos comunicativos.

Miller (1984, p. 165) propõe que se aprende um gênero de acordo com os objetivos que precisam ser cumpridos, numa concepção de interação de usos do discurso e não apenas como um padrão de forma. Percebe-se que esse conceito é fundado na ação, na interação social dos indivíduos.

Todo texto, como uma unidade de análise, tem, além do produtor, um destinatário, um contexto de produção, portanto uma origem social. No estudo de gêneros, pode-se ver quais os atores que participam, em que circunstâncias, quem está autorizado a produzi-los, como se organiza a sociedade e em que suportes estes gêneros se realizam. As formas típicas de dirigir-se a alguém e as diversas concepções do destinatário são as particularidades constituti-vas que determinam a diversidade dos gêneros do discurso. Kress (1999) vê na aprendizagem a partir de gêneros textuais um dispositivo para analisar a própria sociedade, pois a linguagem reflete e constrói relações de poder e autoridade, interessando quem tem o poder de iniciar ou de completar o enunciado e como as relações de poder são realizadas linguisticamente. Bazerman (2005) também ultrapassa os aspectos formais da recorrência textual e invoca o contexto dos usos reais da língua, preocupando-se com o estudo da circulação dos discursos. Para o autor, mais importantes do que as características textuais fixas de cada gênero, são os usos e os papéis dos indivíduos que se utilizam dos gêneros textuais na sua interação social.

Faz-se necessário distinguir ‘tipo’ de ‘gênero’, pois ainda existem alguns equívocos quanto a essa nomenclatura. A língua é tida como uma forma de ação social e, nesse contexto, “os gêneros textuais se constituem como ações sociodiscursivas para agir sobre o mundo e dizer o mundo, constituindo-o de algum modo” (MARCUSCHI, 2002, p. 22). Todo texto realiza um gênero; todo gênero é um processo de textualização; assim todo gênero tem tipos textuais, isto é, sequências narrativas, expositivas, argumentativas, etc. Marcuschi define tipo textual como “uma espécie de construção teórica definida pela na-tureza linguística de sua composição” (MARCUSCHI, 2002, p. 22), abrangendo as seguintes categorias: narração, argumentação, exposição, descrição, injunção, enquanto os gêneros são infinitos, pois são os textos materializados no uso social, constituindo-se conforme os objetivos e suportes em que são divulgados: telefonema, sermão, carta, reportagem, notícia, horóscopo, conferência, resenha, etc.

3 OS SUPORTES DOS GÊNEROS TEXTUAIS

Como já mencionado, poucos são os estudos referentes a suporte textual na bibliografia corrente. Este trabalho, reporta-se, principalmente, a Marcuschi (2003), que se dedica à pesquisa sobre suporte textual, em especial a uma publicação provisória do autor, em que ele convida a discutir a questão relativa ao suporte textual.

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Verifica-se que os gêneros são publicados em determinados suportes, que variam de acordo com as situações de uso, havendo suportes mais fixos ou eventuais. É preciso analisar o gênero textual e sua relação com o suporte em que foi publicado, pois a análise do suporte nos mostra a circulação social dos gêneros (MARCUSCHI, 2003).

Segundo o autor, o suporte textual caracteriza-se como um “portador” de texto, onde este é fixado, repercutindo sobre o gênero que suporta, constituindo “uma superfí-cie física em formato específico que suporta, fixa e mostra um texto” (MARCUSCHI, 2003, p. 8). Essa ideia de suporte contém três aspectos discutidos em suas múltiplas interfaces pelo autor. Um deles é a de suporte como meio de expor o texto e torná-lo acessível para fins comunicativos. Outro é de que o suporte constitui-se como algo real ou como realidade virtual. Um outro aspecto ainda aponta para a especificidade dos formatos dos suportes, conforme os textos que veiculam.

A contribuição do suporte para o funcionamento do gênero ainda não foi suficien-temente estudada, porém autores como Marcuschi (2003), Bonini (2005) apresentam algumas considerações sobre a interdependência entre suporte e gênero em alguns casos. Marcuschi (2003, p.9), por exemplo, afirma que “o suporte não é neutro e o gênero não fica indiferente a ele”.

Para o autor, os suportes podem promover alterações nos gêneros, como aconte-ce com os editoriais que apresentam variações dependendo do suporte de publicação. Além disso, os suportes podem receber vários gêneros, e são exemplos disso o outdoor, o jornal, a revista, o livro didático, etc. É importante ressaltar que, ao mudarem de suporte, muitos gêneros perdem um pouco de sua função original. O anúncio publicitário, por exemplo, quando colocado em um livro didático de Língua Portuguesa, perde sua fun-ção principal de anunciar para constituir um texto cujo objetivo é servir para estudo da organização textual ou das estruturas da língua. Para Marcuschi (2003), esse processo evidencia que o suporte tem relevância na constituição de alguns aspectos daquilo que transporta ou suporta, pois muda a forma de recepção do gênero.

Verifica-se a relação existente entre o suporte e o texto, de modo que a leitura do texto é afetada pelo tipo de suporte. Lê-se de maneira diferente em cada suporte, pois se altera a relação do leitor com o texto. Manusear o texto ou não, veicular uma notícia numa revista científica ou num jornal local em que o status é outro são situações que conduzem a uma leitura e a uma recepção diferenciada de um texto. Se um texto sai em um jornal ou num livro ou se está afixado num mural, em uma parede, vai ter diferentes formas de recepção, que podem ser de aceitação, rejeição, credibilidade ou não. O con-teúdo do texto não muda, mas o leitor vai operar de forma diversa, porque muda sua relação com o texto. Por exemplo, um edital lido no Mural não permite anotações do leitor, o que seria possível se o texto estivesse sendo manuseado pelo leitor. No caso de uma informação oficial, muda muito sua credibilidade se o texto é manuscrito e exposto num mural aberto ou de forma impressa num mural fechado de uma secretaria escolar.

O autor aponta a existência de uma infinidade de suportes que foram evoluindo

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desde as inscrições rupestres até o ambiente virtual ou mesmo as pichações de rua, que necessitam de alguma interpretação, considerando sua importância e influência. Um mesmo texto pode ser veiculado em diferentes suportes e seu conteúdo não sofrerá grandes alterações, mas o gênero será adaptado ao suporte socialmente destinado a ele.

Assim, qualquer superfície real e concreta pode ser um suporte textual, alguns mais tradicionais, outros mais inusitados e originais. Marcuschi (2003) apresenta uma distinção entre suportes convencionais e incidentais. Os primeiros foram criados com a função de portar ou fixar textos (jornal, revista, outdoor, quadro de avisos, etc.); os últimos funcionam eventualmente como suporte textual (corpo humano, embalagem, roupa, parede, sacola, muro, etc.). Porém, o autor destaca que a distinção entre gênero e suporte nem sempre é simples.

4 ANÁLISE DO MURAL COMO SUPORTE TEXTUAL

Entre os estudos que têm sido realizados, verifica-se uma certa dúvida em classificar o mural como gênero ou suporte. Acredita-se que a diferença, embora sutil, recaia na fun-ção específica de cada um. Este estudo apresenta o mural como um suporte textual, pois, de acordo com a finalidade básica de um suporte, fixa o texto e torna-o acessível para fins comunicativos. É colocado em locais abertos, públicos e expõe textos de vida efêmera que funcionam aí com finalidades outras e em tempo e para interlocutores dife-rentes. Seu formato específico e convencionalizado faz com que textos dos mais diversos gêneros sejam agrupados com finalidades diversas daquelas pensadas no momento da produção. Assim, essa nova forma de exposição pode trazer contribuições aos gêneros relacionadas às novas formas de recepção.

Verifica-se que o mural constitui-se num grande quadro de avisos, abrigando uma expressiva quantidade e diversidade de gêneros, com publicidades, avisos, poemas, lis-tagens de notas, informações diversas, cartazes de eventos, placas, sugestões, propostas, regimento de cursos, recortes de jornal com notícias, editoriais, etc. Pode, ainda, conter outros suportes, como folders ou material visual como fotos e desenhos isolados.

Este artigo apresenta alguns resultados sobre o mural como um importante ins-trumento de interação comunicativa numa instituição de ensino. No material em estudo, existem textos elaborados para serem veiculados especialmente no Mural (avisos, iden-tificação e normas de uso do mural, indicação de salas, cartaz de boas-vindas), além de outros criados para os suportes diversos, como cartazes, ofício, planta baixa, folders, caracterização da obra de reforma e ampliação da quadra poliesportiva, horários, siglas das disciplinas e salas, edital de matrícula, reportagem, charge, fotos soltas e formulários. A isso, Marcuschi (2003) chama de “reversibilidade de funções”, operadas pelo suporte, em casos de gêneros que migram para vários suportes.

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Enquanto alguns textos têm um tempo variável de exposição, conforme a finalida-de a que se destinam (alterações de horários, avisos, cartazes de eventos, imagens, etc.), outros permanecem nos murais durante todo o ano, como horários de funcionamento da instituição, horários das aulas, missão da instituição, algumas partes de regulamentos, etc.

Faz-se necessário relatar um pouco sobre o histórico do uso dos murais na Instituição, para melhor contextualização do estudo. Sempre houve murais dispostos no Campus, mas sem uma organização e finalidade definidas. Em reuniões e pesquisas realizadas, foram apon-tadas falhas na comunicação interna e detectado o mau uso dos murais quanto à disposição dos textos nesse suporte, pois havia sobreposições que dificultavam a eficácia da comunicação.

Havia também um mural para comunicação com os alunos, com informações rela-tivas a sua vida estudantil, o qual se mostrava bastante eficaz. Em vista disso, foram criados murais fechados e outros livres em vários espaços da escola para atender às diversas fina-lidades e estabelecer a comunicação com diferentes interlocutores. Para a reorganização dos murais, a Instituição contou com o trabalho de uma jornalista, que fez um estudo da localização e do número de murais necessários para dar conta da comunicação interna.

Hoje, o Campus conta com diversos murais padronizados, distribuídos em locais espe-cíficos conforme sua função e setor, expondo orientações sobre o uso desse suporte e espe-cificação do objetivo de cada mural. Essa distribuição já contribuiu para a melhoria da comu-nicação interna da Instituição, aliado ao e-mail que passou a ser usado com mais intensidade.

Para este estudo, foram selecionados sete murais: o da Sala dos Professores, o da re-cepção da Diretoria de Ensino, o mural externo da Diretoria de Ensino, o Mural Livre (para toda comunidade escolar), o Mural do Setor de Estágios, o Mural da Secretaria e o Mural dos Alunos. Esses murais foram selecionados considerando sua vinculação com o ensino e, tam-bém, sua localização, na parte central dos prédios de maior circulação de alunos e professores.

A seguir, faz-se uma descrição dos murais e dos gêneros por eles apresentados, a fim de analisar a relação existente entre texto e suporte.

O Mural da Sala dos Professores apresenta gêneros diversificados, voltados ao interesse dos professores, pois sua função é veicular textos com informações funcionais, principalmente voltadas a Seminários, horários, avisos gerais e informações de utilidade pública, etc. É usado pela Direção, Coordenação Pedagógica da Escola, pelos Setores Di-versos e pelas Coordenações de Cursos para fixarem informações aos professores. Tam-bém é usado pelos próprios professores sempre que desejam destacar um texto lido no jornal, uma imagem, ou qualquer outro texto que possa ser do interesse geral.

O mural, ao veicular documentos oficiais, passa a ter como uma de suas funções instituir a cultura da organização, evidenciar as singularidades da instituição (Castoriadis, 1982), já que os textos fixados tem como emissor, principalmente, a direção geral, uma diretoria ou coordenação que normatiza, estabelece, emite uma informação que visa, em uma análise preliminar, a organização da instituição e a ordenação de procedimentos que passam a ser adotados por todos. São exemplos disso, a missão da instituição, horários

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das aulas e avisos de alterações deles, ofício informando os dados necessários no recibo para ressarcimento de despesas. Assim, a instituição de procedimentos e normas passa por gêneros veiculados no suporte mural, bem como por outros meios.

Além desses, outros gêneros textuais aparecem, como cartazes com instruções sobre a coleta seletiva de lixo, o controle da Gripe H1N1, concursos comemorativos organizados por outras instituições ou pelo Ministério da Educação, que evidenciam a convergência na defesa de princípios ecológicos e de adoção de ideias também defendidas por movimentos sociais da atualidade. Esses textos são expostos pelos próprios professores e pelas coordena-ções de forma livre, não necessitando autorização ou observação de um espaço específico.

Nesse mesmo mural, circulam gêneros como charges, fotos de animais, reporta-gens, mensagens que visam ilustrar alguma situação ou divertir, ou ainda, provocar a curiosidade pela imagem inusitada em meio a textos de certa seriedade. Em síntese, o Mural da Sala dos Professores constitui um espaço democrático, em que circulam textos com gêneros e objetivos diversificados.

O Mural da Diretoria de Ensino apresenta gêneros voltados ao interesse dos pro-fessores, funcionários e alunos, pois sua função é expor textos que tragam informações ge-rais, principalmente voltadas a horários de aulas, siglas de disciplinas, avisos, formulários, etc. Localiza-se na recepção da Direção de Ensino, onde circulam professores, alunos, técnicos, pais e pessoas da comunidade. Tal como alguns gêneros expostos no mural da Sala dos Professores, os textos publicados neste mural instituem as normas e a cultura educacional expressa nos gêneros que representam a organização institucional. Constitui-se como um espaço mais restrito de circulação de gêneros, visto que não são expostos textos com fina-lidades diversas às da Diretoria de Ensino, pois, embora seja aberto, o espaço é limitado e apenas os responsáveis por essa diretoria estão autorizados a fixar textos no mural.

O Mural Externo da Diretoria de Ensino localiza-se em um dos corredores de maior circulação de pessoas e constitui um suporte para veicular as informações que di-zem respeito diretamente da Diretoria de Ensino aos alunos: horários das aulas, alterações do horário do refeitório, mensagem de boas-vindas, edital de matrícula e rematrícula e demais avisos para os alunos do Instituto, dos cursos de Ensino Médio Integrado, Técnico e Superiores de Tecnologia e Licenciaturas.

O Mural do Setor de Estágios se caracteriza pela divulgação de gêneros espe-cíficos desse setor e também outros gêneros que vêm de contextos diversos, mas que constituem a essência do setor, que são as relações entre a instituição, a comunidade externa e as empresas, fazendo a ponte entre a escola, o educando e o mundo do tra-balho. Assim, são divulgadas ofertas de vagas em empresas para os técnicos, tecnólogos e licenciados da Instituição, programações de cursos, seminários, feiras agropecuárias e outros eventos para complementação da formação, apresentados por meio de folders, cartazes, programações de seminários.

Como esse é um mural fechado, também não dá ao aluno acesso direto para se manifestar. Ele não está impedido totalmente de divulgar eventos, estágios e vagas de trabalho ou outras mensagens, mas há barreiras ao livre acesso, pois ele deverá, primeira-

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mente, dirigir-se ao setor responsável para obter a autorização para fixar qualquer texto no mural. Assim, o suporte acaba por veicular informações a partir do olhar do coor-denador do setor, textos da área administrativa e burocrática, bem como reportagens, entrevistas, notícias e estatísticas relacionadas ao mundo do trabalho.

O Mural da Secretaria está localizado no corredor central dos prédios de salas de aula, local de maior circulação de alunos. Apresenta informações relativas a editais de matrícula e rematrícula, avisos da Secretaria, comunicações internas da Instituição, ho-rários de aulas, listas de classificados em editais, etc. Verifica-se que os textos veiculados neste mural dizem respeito, principalmente, aos registros oficiais da vida dos estudantes, que constituem o seu público-alvo. O único emissor desses textos é o responsável pelo Setor de Secretaria, sendo que o mural é fechado com chave, impedindo o acesso a qual-quer outra pessoa ou setor. Isso dá uma credibilidade ao que é veiculado no mural, pois o que for exposto nele refere-se a algo oficial na Instituição.

O Mural Livre também está localizado em um dos corredores de maior circu-lação de pessoas, junto ao Mural Externo da Diretoria de Ensino e caracteriza-se por apresentar gêneros diversificados, voltados ao interesse de toda a comunidade escolar, principalmente aos alunos, pois veicula textos que trazem informações voltadas para a vida estudantil e acadêmica, traduzidas em horários, avisos, cartazes de eventos, etc.

No entanto, apesar de ser caracterizado como um Mural Livre, observou-se que este expõe somente textos dirigidos aos alunos e não textos produzidos ou expostos por eles próprios. Essa ausência da verdadeira participação dos estudantes pode ser analisada como uma falta de clareza sobre os usos deste Mural, pois não é considerado por eles como meio de divulgação de suas ideias ou daquilo que lhes chama atenção. Na sua maioria, os textos expostos são de interesse institucional. Acredita-se que o uso efetivo dos murais pelos estudantes poderia fornecer pistas sobre os gêneros preferidos pelos jovens e sobre os usos que eles fazem da linguagem nesses contextos.

A partir da análise dos Murais do Instituto, sentiu-se a necessidade de um espaço, real-mente, livre para que os alunos possam expor textos de seu interesse. A falta de clareza para os alunos sobre o uso do Mural Livre, retira o direito do espaço para a voz dos estudantes, significa uma forma de silenciamento (ORLANDI,1997) de um dos segmentos mais impor-tantes da Instituição. Assim, criou-se o Mural dos Alunos, que, além de aberto, é itinerante, circulando por vários espaços próximos às salas de aula ou na entrada de auditórios onde se realizam eventos, para divulgação das produções dos alunos ou outros textos trazidos por eles, de fontes diversas. Os textos publicados nesse Mural são direcionados aos próprios alunos, aos professores, enfim, à comunidade escolar. Os gêneros predominantes são artigo de opinião, cartazes de evento, convites para festas, avisos, recados, anúncios (venda, troca, aluguel, perda de objetos, etc.), imagens, folders, trabalhos relacionados às artes, caricaturas, desenhos, charges, reportagens, etc. Esse mural constitui-se numa oportunidade de mani-festação dos interesses dos alunos, dando-lhes voz entre os diversos murais já existentes na Instituição, como forma de eliminar o silenciamento existente até então.

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5 Considerações Finais

Os gêneros são produzidos, circulam e são consumidos em todas as instâncias sociais. Em uma instituição de ensino tal como o Instituto Federal Farroupilha – Campus São Vicente do Sul, que tem uma estrutura organizacional destinada a atender vários níveis de ensino e públicos diversificados, a produção/circulação de gêneros é intensa e diversificada. Pode-se afirmar que os gêneros textuais publicados nos seis murais analisados cumprem a função principal de informar a comunidade escolar/acadêmica sobre assuntos de seu interesse.

Cada mural está direcionado a seu público específico, em local de fácil acesso para este, realizando ações comunicativas reais. Entretanto, essa comunicação parece ter via única: ser da Instituição para alguém, os docentes, os discentes, a comunidade externa, pois os textos são dirigidos à comunidade escolar e não desta para a Instituição. Não se percebe, por exemplo, nem no Mural Livre, textos produzidos ou expostos pelos alunos, caracterizando, assim, uma comu-nicação unidirecional. Acredita-se que, para realizar a função interativa da linguagem, deveria haver maior participação da comunidade escolar, principalmente no Mural Livre, que, como o próprio nome sugere, deveria ser usado livremente por todos e, especialmente, pelos estudantes.

Os gêneros expostos, na sua maioria, também evidenciam a unidirecionalidade da comunicação, visto que são gêneros que atendem aos interesses institucionais: calendá-rios, horários e suas alterações, avisos, normas e procedimentos, etc. Sabe-se que, embora não seja vedado o uso dos murais por segmentos variados da Instituição, esse espaço não está sendo utilizado por todos. O Mural dos Alunos surgiu como o propósito de mini-mizar esta lacuna. Mas isso certamente forneceria material para uma outra investigação.

Alguns textos publicados nos murais são efêmeros e substituídos semanalmente, outros ficam o ano inteiro fixados no mesmo mural. Ao se analisarem os murais no decorrer de algum tempo, observa-se a dinamicidade das ações da Instituição, numa sequência temporal, desde o período das matrículas, novos horários de aulas até o final do semestre, com a publicação das notas dos alunos e a divulgação do calendário de rematrículas. É como se a rotina do Campus passasse pelos murais, sendo também instituída através deles a cultura organizacional.

De acordo com o corpus em análise, considera-se o mural como uma superfície física com formato específico, com a função de fixar e mostrar os textos. Nesse contexto, o mural constitui-se como um importante suporte que comunica por meio de vários gê-neros textuais, uns produzidos especificamente para serem veiculados no mural; outros vindos de outras fontes e expostos no espaço mural. No entanto, isso não altera substan-cialmente o gênero, mudam somente as formas de recepção dos textos ali veiculados, e as leituras passam a ser outras, conforme os grupos que recebem as informações.

Na comunicação interna do Instituto, o mural cumpre um papel significativo, pois verifica-se que os principais eventos são veiculados nele. Esses eventos dizem respeito aos alunos e aos professores, por isso os locais escolhidos para a colocação dos murais são fundamentais na eficácia da comunicação. Acredita-se que este trabalho poderá ser enriquecido com pesquisas posteriores que façam a escuta dos alunos e professores, a fim de verificar se o êxito da comunicação está realmente ocorrendo.

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A ARGUMENTAÇÃO NA PRODUÇÃO DO TEXTO DISSERTATIVO

Silvania Faccin Colaço

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A leitura e a produção textual tornaram-se o foco das preocupações no ensino de Língua Portuguesa, a partir dos documentos oficiais que regem o ensino no país, como se verifica nos Parâmetros Curriculares Nacionais. Atualmente, as práticas de produção textual exigi-das na sociedade têm grande relevância, em especial, a redação para o vestibular, conside-rando que a prova de redação foi incluída de forma obrigatória nos vestibulares do país, a partir de 1978. Essa medida foi bem recebida pela sociedade e pelos educadores, principal-mente os da área de Letras. Assim, a redação adquiriu importância nos processos seletivos, tornando-se, inclusive, prova única em algumas universidades. O ENEM (Exame Nacional de Ensino Médio), por exemplo, atribui 50% da nota do processo à prova de redação.

Desse modo, o objetivo deste estudo é realizar um levantamento das estratégias argumentativas utilizadas no texto dissertativo-argumentativo. Inicialmente, apresen-tam-se as sequências tipológicas básicas, que se distinguem, mas coexistem nos diferen-tes gêneros textuais. Posteriormente, analisa-se a argumentação na sequência dissertativa, descrevendo as principais estratégias argumentativas.

Este artigo é resultado das pesquisas realizadas para atender ao trabalho realizado na Extensão, nos cursos de Redação para Vestibular que o Instituto Federal Farroupilha – campus São Vicente do Sul – realiza junto à comunidade. Espera-se contribuir com os estudos da área, intensificando as propostas de ensino baseadas numa perspectiva dialógica de leitura e escrita.

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1 SEQUÊNCIAS TIPOLÓGICAS BÁSICAS

É pela posse e uso da linguagem que se consegue organizar o pensamento e torná-lo articulado. De acordo com a situação comunicativa, os usuários de uma língua escolhem, entre as sequências disponíveis, a mais adequada para a situação (KOCH, 2010). Essas se-quências apresentam características de acordo com a estruturação, a seleção lexical, o uso de tempos verbais e outras marcas linguísticas, recebendo, assim, diversas categorizações.

Dolz; Noverraz; Schneuwly (2004) tratam as tipologias textuais como sequências no interior de cada gênero textual: narrar, relatar, argumentar, expor e descrever. Koch e Elias (2010) apresentam as estruturas mais frequentes como: a narrativa, centrada nos fatos narrados, numa sucessão temporal de eventos, com predominância dos verbos de ação; a descritiva, que apre-senta as características, com predomínio dos verbos de estado e situação; a expositiva, com a análise ou síntese de conceitos, exposição de ideias e sua ordenação lógica; a injuntiva, que mar-ca a conversa direta com o leitor, usando, principalmente, verbos no imperativo; e a argumen-tativa, que apresenta uma ordenação lógica de argumentos, justificando um ponto de vista. Já outros autores (GARCIA, 1997; SERAFINI, 1989; GUEDES, 2003; PLATÃO & FIORIN, 2005) descrevem as três sequências tipológicas clássicas: a dissertativa (incluindo a expositiva e a argumentativa), a narrativa e a descritiva, com a mesma caracterização proposta acima.

Convém ressaltar que cada texto pode ter uma ou mais sequências na sua constitui-ção, havendo a predominância de uma delas de acordo com o gênero textual, isto é, com as recorrências estáveis para cumprir determinada função social (BAKHTIN, 2000). Serafini (1989) destaca que, numa estrutura em que predomina o texto expositivo-argumentativo, é frequente que haja também sequências descritivas e narrativas para reforçar a argumentação. Logo, quando se nomeia um certo texto como “narrativo”, “descritivo” ou “argumentativo”, não se está nomeando o gênero e sim o predomínio de um tipo de sequência de base.

Atualmente, a dissertação ocorre com maior frequência nos concursos vestibu-lares, tendo em vista que é a sequência tipológica mais solicitada nos trabalhos aca-dêmicos. Assim, este estudo está centrado no texto dissertativo, em especial, o texto dissertativo-argumentativo, que apresenta ponto de vista e argumentos que o sustentam.

Platão & Fiorin (2005) apresentam o texto dissertativo como temático, pois “ana-lisa e interpreta a realidade com termos abstratos” (p. 252), com progressão lógica das ideias. Num texto dissertativo, as referências a dados concretos surgem para ilustrar a ar-gumentação. Os tempos verbais pertencem ao presente, pois não falam de uma situação em particular, mas de casos genéricos, que podem ocorrer em qualquer tempo e lugar.

Além disso, o texto dissertativo apresenta algumas características essenciais, como aborda Guedes (2003), destacando-se a unidade temática, pois um texto precisa deixar evidente a questão que está sendo tratada. Para o autor, quanto mais específico for um tema, maiores serão as chances de chamar a atenção do leitor. A especificidade pode garantir a originalidade, porque uma questão melhor delimitada provavelmente ainda não tenha sido tratada, pelo menos não daquela forma.

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2 A ARGUMENTAÇÃO

É preciso analisar por que a argumentação é tão importante na produção de texto. Em primeiro lugar, porque, nas relações interpessoais, é necessário saber conversar com as pessoas, argumentar sobre as próprias ideias, a fim de que os outros possam expor tam-bém seus pontos de vista. Segundo Abreu (2001), saber argumentar é saber integrar-se ao universo do outro.

Para Koch (2009), o ato de argumentar “constitui o ato linguístico fundamental, pois a todo e qualquer discurso subjaz uma ideologia”. Diante disso, nenhum texto pode ser con-siderado neutro, pois até o texto que se diz neutro já traz em si uma ideologia. Os estudiosos da área, em geral, são dessa mesma opinião, afirmando que todo texto é argumentativo, no sentido de que é usado para fazer com que um auditório venha aderir a uma tese. Platão e Forin (2005), por exemplo, postulam que não só os discursos persuasivos apresentam argu-mentação, mas os expositivos também, pois, no momento em que um estudioso produz um texto científico, ele também quer a adesão do auditório ao seu ponto de vista.

Ao falar-se em argumentação, não se pode deixar de mencionar Aristóteles (1959), que, em sua Arte Retórica, apresenta quatro fases para uma argumentação coerente: o exórdio, que é o início do texto, ou seja, a introdução; a narração, que apresenta o assunto, constituindo o núcleo da argumentação; as provas, que mostram as evidências das ideias e vêm a compor a argumentação; e a peroração, que é a conclusão do texto, na qual o autor tem sua última chance de convencer sobre sua tese.

A conceituação de argumentação, neste estudo, fundamenta-se, principalmente, em Perelman (1996). Para o autor, o objetivo de toda argumentação é provocar ou au-mentar a adesão de outros à tese que se apresenta. Uma argumentação eficaz é a que consegue aumentar essa adesão, de forma que se desencadeie nos interlocutores a ação pretendida ou, pelo menos, crie neles uma disposição para a ação.

Partindo dessa conceituação, é preciso abordar o auditório, isto é, o conjunto de pessoas que se quer convencer e persuadir. Pode ser o conjunto de leitores de uma revista ou os telespectadores em suas casas. Segundo Perelman (1996, p.22), “a argumentação efe-tiva tem de conceber o auditório presumido tão próximo quanto o possível da realidade”. Porém, auditório não é o mesmo que interlocutor, pois o interlocutor, em uma entrevista, por exemplo, pode ser o jornalista, mas o auditório é bem mais amplo, são as pessoas que irão ler/ouvir a entrevista. Para uma comunicação eficaz, portanto, deve-se ter o conhe-cimento daqueles que se pretende conquistar. Esse auditório é particular quando se tem controle das variáveis do grupo e universal quando não se tem o controle das variáveis.

‘Para Abreu (2001), argumentar é “a arte de convencer e persuadir”, sendo que convencer é voltado à razão, utilizando provas no campo das ideias, enquanto persuadir é falar à emoção do outro, conseguindo que ele faça algo que se deseja que ele faça.

Perelman (1996) apresenta uma distinção entre convencer e persuadir. Segundo o autor, para quem se preocupa com o resultado, persuadir é mais do que convencer, pois

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centra-se na ação; ao passo que, para quem está preocupado com o caráter racional da adesão, convencer é mais do que persuadir. O autor ainda relaciona o ato de persuadir a uma argumentação que pretende atingir apenas um auditório particular e convencer àquela que pretende atingir um auditório universal.

Segundo esse autor, ao lado dos fatos, das verdades e das presunções, devem-se considerar os valores e suas hierarquias, determinados pela cultura em auditórios particu-lares. Estar de acordo com um valor é admitir que podem existir outros valores também, que se configuram como pontos de vista. Toda argumentação traz valores, em que o es-critor recorre a eles para “motivar o ouvinte a fazer certas escolhas em vez de outras, e, so-bretudo, para justificar estas, de modo que se tornem aceitáveis e aprovadas por outrem”. (Perelman 1996, p. 84-85). Toda discussão prevê que existem outros valores a serem consi-derados, por isso o enunciador deve conhecer esses outros valores a fim de combatê-los, realizando, assim, uma hierarquização dos valores e prevendo que existirão divergências.

As hierarquias de valores são justificáveis de acordo com a cultura do auditório ou do enunciador, constituindo em algo mais importante na argumentação do que os pró-prios valores em si. O que caracteriza o auditório é o modo como hierarquiza os valores, e isso deve ser levado em conta pelo enunciador do texto, que se sentirá obrigado a hie-rarquizar os valores, pelo fato de que a busca simultânea desses valores obriga a escolhas tanto de quem produz o enunciado como de quem o recebe.

Para Abreu (2001), uma condição essencial para a argumentação é ter uma tese bem definida e identificar o problema a que essa tese se relaciona. Outra condição é usar a linguagem adequada para o público com o qual se está interagindo. Uma terceira con-dição é ter um contato positivo com o auditório, num bom gerenciamento de relações. E, ainda, argumentar exige ética, pois é preciso ser honesto e transparente com o outro, para não se confundir com manipulação. Isso pode garantir a credibilidade do enunciador.

Na organização do texto argumentativo, o autor afirma que é importante não se apresentar logo de início o ponto de vista. Primeiramente, deve-se preparar o auditório com outra afirmação com a qual todos concordem. Isso possibilita que o auditório já comece, a partir dessa tese mais geral, a concordar com as ideias do autor.

Para Citelli (1994, p. 29), produzir textos dissertativo-argumentativos implica “for-mular hipóteses sobre temas a serem desenvolvidos, escolher teses e arrolar argumentos defensáveis, capazes de conquistar a adesão de ouvintes ou leitores”. Destaca-se a neces-sidade de leitura para poder desenvolver temáticas com teses bem definidas e argumen-tos suficientemente convincentes.

Analisando as marcas do texto argumentativo, constata-se que, no processo de compreensão desse tipo de texto, é relevante o conhecimento prévio usado pelo leitor para interagir com o texto na construção efetiva do sentido. Quanto mais conhecimento prévio o leitor possui, isto é, quanto mais informação ele tem armazenada em sua memó-ria, mais fácil se torna a compreensão do texto. Nesse processo interativo, o leitor adota algumas estratégias, para ler o texto predominantemente argumentativo, que apresenta

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marcas linguísticas, esquemas estruturais e usos sociais que devem ser desvendados atra-vés da leitura. Na produção do texto, ocorre algo semelhante, em que o produtor busca em sua memória os conhecimentos prévios sobre o tema e usa as estratégias argumenta-tivas mais adequadas para convencer o auditório sobre um determinado ponto de vista.

Os argumentos apresentados num texto não podem ser analisados isoladamente. Surge, portanto, o estudo das técnicas argumentativas, que estabelecem a ligação entre as partes da argumentação (Perelman, 1996). Essas técnicas compreendem dois grupos principais: os argumentos quase lógicos e os argumentos fundamentados na estrutura do real. Os primeiros pretendem certa força de convicção, comparáveis a raciocínios formais, lógicos ou matemáticos, porém com um esforço de redução ou de precisão de natureza não-formal, com aparência demonstrativa. Os últimos estão ligados a pontos de vista, valendo-se da própria estrutura para estabelecer uma solidariedade entre juízos admiti-dos e outros que se procura promover.

Nos argumentos do tipo quase-lógico, destaca-se a contradição e incompatibili-dade. A existência de uma asserção e uma negação da mesma proposição caracterizaria uma contradição e, portanto, uma incoerência. A argumentação se empenhará em mos-trar que as teses combatidas levam a uma incompatibilidade, o que se parece com uma contradição, exigindo uma escolha do auditório, ou por uma delas ou pela negação de ambas. Essa técnica é utilizada quando a pessoa que argumenta procura demonstrar que a tese de adesão inicial, com a qual o auditório provavelmente concordou, é incompa-tível com a tese principal. Existem procedimentos que podem expor a contradição e in-compatibilidade, como afirmar que, de duas teses opostas, uma é sempre aplicável, mas somente com uma divisão no tempo ou do objeto, o que permitiria o conflito. Em alguns casos, a incompatibilidade ocorre devido ao fato de opor uma regra a consequências da mesma regra, a que Perelman chama de autofagia. Seu uso mais célebre é a retorsão, ou réplica usando os próprios argumentos do interlocutor.

O autor apresenta outros argumentos do tipo quase-lógico que merecem destaque. Entre eles, o ridículo, argumento que cria uma situação irônica como forma de sanção à transgressão de uma regra aceita. Diz-se que uma informação é ridícula quando vai contra o senso comum. Essa é uma técnica de que o produtor do texto dispõe para defender-se de quem pode abalar sua argumentação. “Dizer de um autor que suas opini-ões são inadmissíveis porque suas consequências seriam ridículas, é uma das mais fortes objeções que se possam apresentar na argumentação” (PERELMAN, 1996, p. 54). Essa téc-nica usa, portanto, como estratégia de ataque, a defesa.

A identidade e a definição são estratégias muito usadas na argumentação. Na identi-dade, pode-se dizer que, dado um enunciado, ele sempre é igual a ele mesmo, considerando-

-se a identificação de diversos elementos que são o objeto do discurso. O uso de conceitos, a aplicação de classificações, implicam uma relação ao que há de idêntico ou intercambiável entre os elementos confrontados. Assim, a identidade pode ser completa ou parcial, sendo que, na identificação completa, o procedimento mais característico é a definição. Toda de-

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finição é um argumento, pois impõe determinado sentido, geralmente em detrimento de outro. Garcia (1997, p. 324) apresenta uma “estrutura formal para a definição”, constituída de: termo – o que vai ser definido; cópula – verbo ser ou equivalente; gênero – classe a que pertence o que está sendo definido; e diferenças – o que distingue a coisa representada pelo termo de outras de mesma classe. Ex.: O retângulo é um quadrilátero de ângulos retos e lados iguais dois a dois. Observa-se que o termo é “o retângulo”, o verbo ser na forma “é”, a classe é “um quadrilátero” e as diferenças são “ângulos retos e lados iguais dois a dois”.

Outra estratégia é a regra de justiça, que prevê a “aplicação de um tratamento idêntico a seres ou a situações que são integrados numa mesma categoria” (PERELMAN, 1996, p. 248). Ressalta-se que nem sempre os objetos aos quais se aplica a regra de justiça são idênticos, pois sempre diferem em algum aspecto. É preciso, assim, levar em conside-ração se as diferenças entre os objetos são irrelevantes para a relação. Tratar seres de uma mesma categoria do mesmo modo pode ter certa força argumentativa. Exemplo disso é o caso na defesa da retirada de lombadas, alguém dizer que esses obstáculos são injustos porque prejudicam tanto os que abusam da velocidade como aqueles que não abusam mas sofrerão as mesmas consequências de incômodo e desgaste do veículo (ABREU, 2001, p. 52).

Ainda podem ser destacados: a inclusão da parte no todo, na qual o que vale para o todo vale para a parte; a divisão do todo em suas partes, que prevê a concepção do todo como a soma de suas partes; e a comparação, em que se cotejam vários objetos para avaliá-los um em relação ao outro. Esses são alguns dos argumentos quase-lógicos, citados por Perelman (1996), porque a ideia de mediação está subjacente nos enunciados e é suscetível de provas.

Entre os argumentos baseados na estrutura do real, destacam-se: o vínculo causal, que parte do princípio de que todo acontecimento tem uma causa, argumentando que todo ato é recompensa ou punição de um ato anterior; o argumento do desperdício, que consiste em dizer que é preciso ir até o fim de uma atividade, para não perder o que já foi investido nela; o argumento da superação, que mostra a possibilidade de ir além, num crescimento contínuo, sempre buscando transcender uma meta; o argumento de autoridade, que considera o prestígio de determinada pessoa ou instituição em relação ao assunto tratado, conferindo provas favoráveis à tese; a argumentação pelo exemplo, que permite a generalização, acontece quando é sugerida a imitação das ações de outras pessoas, cuja conduta é admirada.

Acredita-se que as técnicas apresentadas por Perelman possam explicar muitas das estratégias usadas em uma argumentação, sem, no entanto, esgotar as possibilidades. Outros autores também discutem técnicas argumentativas que se aplicam ao debate. Apresenta-se, a seguir, uma descrição dessas técnicas proposta por Platão e Fiorin.

Platão e Fiorin (2005, p. 284) apresentam uma definição de argumento, baseada na etimologia da palavra: “todo procedimento linguístico que visa a persuadir, a fazer o receptor aceitar o que lhe foi comunicado, a levá-lo a crer no que foi dito e a fazer o que foi proposto”. Os autores apresentam alguns recursos usados para convencimento, a que eles chamam de “tipos de argumento” (p. 284):

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a. Argumento de autoridade: o que é apresentado é aceito porque quem o descreve tem autoridade para fazê-lo. Destaca-se que a autoridade precisa ser aceita pelo auditório como uma fonte segura sobre o tema. A autoridade pode ser o próprio autor do texto ou uma alusão a alguém exterior ao texto (BRETON, 1999).

b. Argumento baseado no consenso: são propriedades evidentes por si mesmas, sem necessidade de demonstração, constituindo-se em proposições verdadeiras numa dada época. Por exemplo, ninguém discordaria de uma afirmação como “a leitura auxilia na obtenção de bons argumentos”. Platão e Fiorin (2005) fazem a ressalva de que não se deve confundir consenso com lugares-comuns, sem base científica.

c. Argumento baseado em provas concretas: comprovação da tese defendida pelo uso de fatos comprobatórios, verdadeiros, bem fundamentados em dados confiáveis e adequados. Nesse tipo de argumento, cabem exemplos, pesquisas, cifras e esta-tísticas, dados históricos, que demonstrem que o texto trata de coisas verdadeiras.

d. Argumento com base no raciocínio lógico: refere-se às relações entre proposições, que podem ser de causa e consequência, de adição de ideias justapostas, de condição, etc.

e. Argumento da competência linguística: constitui-se no modo de dizer as coisas, pois a linguagem utilizada precisa dar confiabilidade ao que se está dizendo. O vocabulário variado e culto, a correção linguística, a organização dos períodos, a pontuação eficaz, os elementos usados na ligação das ideias, bem como outros recursos da língua culta conferem ao texto maior credibilidade.

Com o conhecimento de algumas técnicas argumentativas, acredita-se que o pro-dutor do texto argumentativo possa conseguir maior adesão a sua tese. Um texto bem estruturado e organizado em torno de um ponto de vista, sustentado por argumentos convincentes, originais e criativos, terá cumprido sua função, que ultrapassa a simples exposição de ideias, atingindo a persuasão, isto é, a mudança de atitudes do auditório.

3 CONSIDERAÇOES FINAIS

Houve, nos últimos séculos, juntamente com a crescente cultura impressa, um aumento significativo de gêneros textuais escritos e, mais modernamente, com a internet, o surgi-mento de novos gêneros orais e escritos. Cumpre salientar que a maioria desses gêneros textuais é adquirida na vida cotidiana, mas alguns não são aprendidos no dia-a-dia, ne-cessitando, assim, ser mais trabalhados na escola.

A escola precisa se preocupar com essa dimensão sociocomunicativa dos tex-tos, a fim de que os indivíduos possam interagir em situações comunicativas reais, com consciência sobre a linguagem que utilizam. Os textos argumentativos permeiam essas relações sociais do cidadão, nas suas práticas diárias, sob diversos gêneros. O estudo da

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argumentação torna-se relevante para o reconhecimento dos textos do gênero artigo de opinião, ensaio, redação de vestibular, entre outros, pois, pela linha argumentativa do texto, pode-se analisar o discurso do escritor e, por consequência, do suporte que veicula tal discurso, isto é, do recurso usado para publicar, mostrar, fixar o texto.

A produção textual constitui-se num desafio no trabalho em sala de aula, por representar o resultado de um processo pedagógico voltado para a leitura e a escrita. Neste artigo, procurou-se dar destaque à argumentação, que exige várias competências do leitor, como pensar, desenvolver o raciocínio lógico e o conhecimento de estratégias que podem ser usadas na produção do texto dissertativo de opinião.

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PERELMAN, Chaïm. Tratado da argumentação: a nova retórica. Trad. Maria Ermantina Gal-vão. São Paulo: Martins Fontes, 1996

PLATÃO & FIORIN. Lições de texto: leitura e redação. 4 ed. São Paulo: Ática, 2005

SERAFINI, Maria Teresa. Como escrever textos. Trad. Maria Augusta Bastos de Mattos; adap-tação Ana Maria Marcondes Garcia. 3 ed. São Paulo: Globo, 1989

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parte I I IFORMAÇÃO DO

PROFESSOR DE LÍNGUAS

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TEORIAS DE AQUISIÇÃO DE SEGUNDA LÍNGUA

Cândida Martins Pinto

Fabrícia Cavichioli Braida

INTRODUÇÃO

Os estudos sobre processos e mecanismos de aquisição da linguagem – língua materna e segunda língua – por um lado, têm fortalecido cada vez mais as teorias aquisicionais de renome (por exemplo, Inatismo de Chomsky (1928-1971); Sociointeracionismo de Vygotsky (1934-1991) dentre outras.), mas, por outro lado, têm encorajado a discussão de outras “novas” (termo utilizado para designar aquelas teorias que ainda não têm o mesmo reconhecimento como as teorias de renome) teorias (em discussão aqui, o Modelo/Teoria da Aculturação de Schumann e a Teoria Holística da Atividade de Richter). Podemos dizer que os autores des-tas últimas fazem um apanhado teórico das primeiras, com o intuito de otimizar os pontos mais significativos para o processo aquisicional de uma segunda língua.

As teorias aquisicionais são frequentemente discutidas a fim de que cheguemos a um consenso, ou melhor, a uma resposta para a pergunta: como aprendemos uma língua?. Larsen-Freeman e Long (1991), citados por Paiva (2009), afirmam que, pelo menos quarenta teorias de segunda língua já foram propostas, no entanto, nenhuma dessas teorias, hipóteses e modelos de aquisição de uma segunda língua (ASL), como quer que tenham sido chama-das, apresenta uma explicação plena para o fenômeno – como aprendemos uma língua.

Com vistas às inúmeras e enigmáticas acepções de ASL, que, na maioria das vezes, se subtraem, ao invés de se somarem, pretendemos amalgamar neste artigo os pontos teóricos em consonância entre a Teoria da Aculturação e a Teoria Holística da Atividade. Essa proposta visa a evidenciar que as teorias de ASL não se solidificam de forma inde-pendente, elas são oriundas de um todo em comum, sendo seu diferencial a captação de aspectos distintos desse todo (Paiva, 2009). Vejamos, portanto, por que a soma das teorias é, de fato, um fator proeminente para o entendimento da ASL, partindo de uma experiência vivida com aprendizes de Português como segunda língua.

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1 TEORIA HOLÍSTICA DA ATIVIDADE

Linguagem como prática social. É a designação dada pela Teoria Holística da Ativida-de (THA) à concepção de linguagem. Sob essa percepção, verificamos que a linguagem abandona seu reducionismo e passa a ter dois significados interdependentes. Vejamos, portanto, os vieses propostos, a partir das considerações de Richter (2008):

1. Atividade social que (re)produz as propriedades semióticas (internas) da linguagem con-ferindo e mantendo seu uso potencial e afetivo de instrumento mediador. Trata-se de uma atividade linguística (ou talvez) que perpetua concretamente a linguagem (ou a atividade discursiva) enquanto componente constitutivo das atividades sociais materiais (RICHTER, 2008, p.45).

2. Atividade social que, projetada na fatorialidade1 dos sistemas de atividade, conduz as in-tervenções materiais sobre o mundo, (re)moldando-o segundo propósitos, valores, con-ceitos, visões de mundo, mas também técnicas, procedimentos, protocolos de conduta (RICHTER, 2008, p.46).

Com base nos dados conceituais, apresentados nos fragmentos, entendemos que o processo aquisicional de uma língua se constitui como um sistema de atividade, orientado este último pela hierarquização de alguns paradigmas – (1) educação linguística – diz res-peito ao sistema de atividade a considerar – (2) objetivo/motivo dessa atividade – a aqui-sição – entendida, numa visão interna, como um bem social, pertencente à competência comunicativa numa dada língua-alvo em diferentes graus; (3) gênero material didático, sistematicamente representado por um conjunto de ações encadeadas e orientadas para o desenvolvimento do processo aquisicional; (4) a aquisição, portanto, passa a ser vista internamente como um conjunto de competências setoriais e macro e microhabilidades construídas e consolidas da competência comunicativa (Idem, 2008).

Sob esse viés, salientamos a relevância de alguns conceitos-chave que corroboram para a consolidação da THA – papel social, grupo de pertença, sociedade, aquisição instrucional [grifos das autoras]. A THA privilegia as indagações sobre a construção de sistemas de atividade regidos por seus próprios membros, que, basicamente, comparti-lham o mesmo papel social. Em acréscimo, empenham-se em reverter uma situação crô-nica de ingerência de outros sistemas — o que acaba por esvaziar o senso de identidade e mesmo de relevância social da classe profissional (RICHTER et al, 2009).

Segundo Richter et al (2009), o desempenho de uma função passa antes pelo co-nhecimento, compreensão e aceitação do respectivo papel social – condições para poder assumi-lo. Em outras palavras, isso quer dizer que o aluno deve pautar o roteiro de sua for-mação profissional por um grupo organizado (o qual, com seus valores, atitudes, práticas,

1 Este termo é empregado por Richter para designar o conjunto de parâmetros sobre os quais uma interven-ção material institucionalizada se assenta.

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referências conceituais, aspirações, concretiza, num tempo e lugar, determinado papel) que lhe sirva de referência e alvo de investimento afetivo (ou seja, que lhe ancore identificação).

Os autores ressaltam ainda que, a identificação com um grupo é independente da pertença a ele, ou seja, o indivíduo poderá estar desempenhando funções dentro de um grupo do qual esteja afetivamente “distanciado”. Mesmo que a não-identificação com um grupo em si mesmo não impeça o trabalho satisfatoriamente realizado, um olhar crítico lançado às práticas discursivas e materiais das profissões regulamentadas deixa en-trever que a identificação de um membro com seu grupo de referência (em nível global) é acompanhada de identificação mútua entre seus membros.

Fazem, portanto, parte deste sistema aluno e professor, porque ambos são mem-bros integrantes de um espaço social determinado – espaço social de inserção e atua-ção – por isso buscam as respectivas aceitações de seus papéis sociais. O aluno caminha rumo à sua formação profissional (identificação profissional) e o docente à emancipa-ção profissional (reconhecimento profissional). O professor almeja amparo, valorização, proteção e, sobretudo, almeja o reconhecimento da sociedade em relação ao trabalho que desempenha. Ele nada mais quer do que a busca pela identidade profissional e o reconhecimento de seu trabalho. Diante desse cenário, fortalecemos a importância de o professor ter em sua profissão o status de emancipada, pois a emancipação:

(...) permite que os profissionais façam escolhas quanto aos contratos que merecem inves-timentos, favorece uma espécie de cumplicidade entre pares, que resulta num senso de autoproteção da classe. O próprio prestígio social, motivado por essa identidade de grupo, interfere na configuração da auto-imagem do profissional, repercutindo na forma como ele encara, assume e faz valer seu papel diante de si e dos outros. (MOTTA, 2009, p.75)

A busca por um grupo de pertença, conforme mencionado no fragmento, é exclu-sivamente do professor. Isso se deve ao fato de o docente querer mais segurança sistêmica à sua conduta, bem como ao papel social que está associado a ela. Partindo dessa linha de raciocínio, não é possível pensar em práticas sem pensar em papéis e como esses se encon-tram e se entrelaçam em qualquer atividade socialmente estabelecida [grifos das autoras].

Visto sob essa perspectiva, cabe ao professor agir, atuar, considerando o seu papel social e o papel social de seu aluno. Nesse caso, ressaltamos a importância da aquisi-ção instrucional na ASL pelo fato de o professor poder gerenciar as ações que, de fato, são vitais para o desempenho social do aprendiz. Na aquisição de uma segunda língua, por exemplo, o aprendiz, na maioria das vezes, apresenta (no início da aquisição) uma fala pidginizada, isto é, um tipo de fala que se mostra suficiente para suas necessidades primárias, objetivando a língua-alvo. Porém, os avanços dessa fala dependerão de um acompanhamento instrucional do professor para que ele ajude a (re)organizar o sistema linguístico do aluno, aproximando-o mais da língua-alvo.

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A aquisição instrucional toma seu primeiro impulso na internalização de um conjunto de recursos lexicais (tais como palavras, lexias, expressões idiomáticas, frases feitas, constru-ções fixas e semifixas com valor pragmático) que as pessoas de uma determinada língua têm a sua disposição para expressar-se, oralmente ou por escrito. Gradativamente, a língua-

-alvo, ou melhor, a interlíngua, vai se estruturando também por meio de um sistema de “re-gras” mais ou menos variáveis, repercutindo no aspecto criativo do desempenho linguístico (RICHTER et al, 2009, p. 10).

A aquisição instrucional mostra-se sensivelmente eficaz, porque permite ao apren-diz avanços em seu desempenho linguístico de modo que ele se envolva em um proces-so aquisicional do “dar-se conta”. O trabalho instrucional do professor, a partir da THA, implementa uma metodologia que possibilita ao aluno (re)conhecer os meios utilizados para a construção de seus saberes linguísticos. Através da aquisição instrucional, o pro-fessor constrói, reciprocamente, com o aluno, os caminhos do saber, no entanto, cabe ao aluno optar pela direção que mais lhe convém, consoante ao seu papel social.

Considerando os preceitos teóricos elencados nesta seção, queremos enfatizar que a THA é uma proposta que se mostra promissora desde que acompanhada por uma legítima decisão discente em mudar, aprimorar-se. Gera, em contextos de formação, um aprendizado profissional verdadeiramente holístico, na medida em que se acha com-prometido com o agir, o pensar e o sentir do futuro professor (formação inicial) e do professor (formação continuada), num primeiro momento, em sua trajetória acadêmica, e, num segundo momento, na militância educativa.

Dito de outra maneira, os supervisores de formação inicial e continuada se bene-ficiam em estabelecer uma série de princípios básicos de intervenção didática que sejam, por um lado, operacionalizáveis, isto é, enraizados em conceitos teóricos condizentes com a abordagem adotada; mas, por outro lado e simultaneamente, manifestos como uma ló-gica de encadeamento de ações orientadas à aquisição instrucional (RICHTER et al, 2006).

Concluindo a presente explanação, não podemos deixar de informar que a THA recebe sua maior influência do Paradigma da Complexidade, representado predominan-temente pela teoria dos sistemas sociais de Niklas Luhmann, secundado pela antropo-logia sistêmica de Gregory Bateson. Dessa forma, por admitir em sua formação teórica conceitos consagrados, conforme os autores citados, a THA passa a ser reconhecida como uma teoria de Enquadramento, uma vez que incorpora esta noção como um dos principais alicerces de seus preceitos de profissionalização docente.

2 MODELO DE ACULTURAÇÃO

A aquisição de língua estrangeira é um processo sócio-cognitivo complexo e suas manifestações através do uso da linguagem têm sido objeto constante da pesquisa em

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linguística aplicada. Explicar a aquisição de línguas sempre foi um desafio para todos que investigam o ensino e a aprendizagem de línguas estrangeiras (LE) ou de segunda língua (SL). Conforme mencionado nas palavras iniciais deste artigo, já foram propostas pelo menos quarenta teorias de aquisição de uma segunda língua, mas embora haja um número tão grande de teorias, hipóteses e modelos, ainda não se chegou a um consenso de como aprendemos uma língua.

Nesse contexto, alguns pesquisadores têm enfatizado as semelhanças entre aquisi-ção de segunda língua e as situações de contato envolvendo falantes de diferentes línguas. Um conhecido modelo foi inicialmente proposto por John Schumann (1978) e batizado de aculturação. O autor levantou a bandeira de que não há cognição sem emoção, isto é, a aquisição de uma SL é um processo fundamentalmente orientado pelas emoções e que a afetividade embasa a cognição humana. Argumenta também que o aprendiz adquire a língua na medida em que se aproxima e se integra aos falantes da língua alvo.

Segundo o autor, a aculturação na aquisição de segunda língua é determinada pelo grau de distância social e psicológica entre o aprendiz e a cultura da língua em es-tudo. Entendemos por distância social o resultado de um número de fatores que afetam o aprendiz como membro de um grupo social em contato com um grupo da língua em estudo. Já a distância psicológica é o resultado de vários fatores que se referem ao aprendiz como um indivíduo.

De acordo com Percegona (2005), as distâncias psicológica e social influenciam a aquisição de uma segunda língua, dependendo ainda do tempo de contato com a língua em estudo que o aprendiz experiencia, e também do grau de insumo ao qual o aprendiz está exposto. Isso quer dizer que, em situação de “mau” aprendizado, o aprendiz receberá pouco insumo da L2. Da mesma forma, quando a distância psicológica é grande, o apren-diz falhará ao converter o insumo disponível.

Schumann também descreve o tipo de aprendizado que se efetua. Ele sugere que os primeiros estágios de ASL são caracterizados pelos mesmos processos que são respon-sáveis pela formação das linguagens pidgin.Quando as distâncias sociais e/ou psicológicas são grandes, o aprendiz falha já nos está-gios iniciais e sua linguagem é pidginizada. Schumann (1976) sugere que a pidginização pode caracterizar toda a aquisição precoce de uma segunda língua e que sob condições de distância social e psicológica ela persiste. Quando tal fenômeno persiste, o aprendiz então “fossiliza”, ocorrendo assim a fossilização e a pidginização em processos idênticos.

Essa teoria originou-se de um estudo de caso, no qual Schumann investigou du-rante dez meses a aquisição não controlada do inglês como segunda língua de Alberto, um jovem de 33 anos de Costa Rica, que vivia com sua esposa em uma região de concen-tração de portugueses, em Cambridge, Massachussets. Alberto foi o aprendiz que obteve menos sucesso dentre os seis estudados. A explicação obtida por Schumann era que ele havia fossilizado ou pidginizado.

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Schumann (1976) propôs que a pidginização na aquisição da L2 acontece quando o aprendiz falha em se aculturar ao grupo da língua em estudo, ou seja, quando ele é incapaz de adaptar-se à nova cultura; por isso, as formas fossilizadas da interlíngua de Alberto eram atribuídas à falta de aculturação.

Para Schumann (BAPTISTA, 2000), o estudo longitudinal da interlíngua de Alberto prova a existência e a persistência da pidginização na aquisição de segunda língua. Nos estágios iniciais, as segundas línguas compartilham com os pidgins a ausência de morfo-logia reflexiva e de transformações e a tendência a evitar a redundância no sistema. Com-partilham traços de uma interlíngua simplificada, caracterizada pela ausência de certas regras de movimento (transformações) como a passiva. Posteriormente, a interlíngua alcança uma maior complexidade estrutural, exceto quando persiste a distância social e psicológica, tal como o caso de Alberto. (BAPTISTA, 2000).

Fator essencial, nesse modelo de ASL, é o contato social e psicológico com o gru-po da língua-alvo e não necessariamente a identificação total com a cultura dos falantes nativos, o estilo de vida e os valores. Estar aberto, psicologicamente, para a língua e inte-grado socialmente ao grupo bastam para que a aquisição torne-se eficaz. Caso contrário, quando há prevalência dessa distância, segundo Schumann (1976), encontrar-se-ão tra-ços de pidginização no discurso do aprendiz.

A hipótese da pidginização e o modelo de aculturação de Schumann fomentaram críticas no sentido de que as variáveis sociais e psicológicas estudadas pelo autor consti-tuem-se um ponto de partida para um modelo de aculturação e não para um modelo de aquisição de segundas línguas. Segundo Baptista (2000, p. 83), é preciso “contemplar os fatores grupais, individuais, sociais e psicológicos, se ansiamos por uma teoria compre-ensiva da aquisição de segundas línguas, considerando-os como variáveis condicionantes da quantidade e do tipo de exposição à língua-meta que o aprendiz experimenta”. Além disso, o modelo foca apenas a questão da integração social e psicológica do aprendiz com o grupo da língua alvo e não explica a aquisição em contextos onde a língua não é falada.

3 IDENTIFICAÇÃO vs. CULTURA vs. LÍNGUA-ALVO

Identificar-se com a cultura da língua-alvo é tido como um fator fundamental entre as teorias aqui concebidas – Teoria Holística da Atividade e Modelo da Aculturação. Os sujeitos, aprendizes de uma segunda língua, no momento em que se inserem no con-texto sócio-cultural dessa segunda língua precisam estar preparados tanto no que diz respeito ao âmbito social quanto emocionalmente. Em suma: a receptividade, por parte dos aprendizes, em relação aos novos desafios e/ou mudanças, ocasionados pela inter-venção cultural, deve atuar como um dispositivo motivador pela busca de um referencial

“individual e cultural” para cada aprendiz.

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É uma característica nata do ser humano identificar-se com o que mais sente afini-dade. Na aquisição de uma nova língua, conforme arguido pelas teorias, tal característica é fundamental. A cultura faz parte de um sistema de padrões internalizados, criando dessa forma, um contexto no qual “respira” nosso comportamento cognitivo e afetivo. Pode ser relativa, mas apresenta presunção de universalidade: sendo arbitrária, dá ao grupo que adota a impressão de ser “natural” – os “de fora” é que parecem estranhos (Richter, 2000).

Culturas são criações humanas poderosas, proporcionando aos seus membros uma identi-dade compartilhada, uma estrutura coesiva para selecionar, construir, e interpretar percep-ções, e para designar valores e significados de forma consistente. Os sistemas complexos de pensamento e comportamento que as pessoas criam e perpetuam e por associação são sutis e profundos, assim naturalmente forjados como sendo dotados por seus condutores com os atributos de verdade universal: coisas que encaixam dentro desta estrutura cultural são dadas como rótulos ‘natureza humana’, ‘instinto’, ‘senso comum’, ‘lógica’. Coisas que não se encaixam são diferentes, e, portanto, ou ilógicas, imorais, sem sentido, ou o resultado de um estágio de desenvolvimento ingênuo e inferior da ‘natureza humana’ (HADLEY,1993,

p.359 apud AGUIAR, 2005, p. 9).

Conforme explicita a citação, a construção da identidade se dá através da cultura compartilhada. Todas as ações que realizamos estão ligadas direta e/ou indiretamente aos nossos valores, crenças, enfim, ao nosso modo de viver. Dessa forma, no momento em que nos doamos com o intuito de adquirir/apreender uma segunda língua, precisa-mos adotar a cultura dessa língua, porque a cultura é a base constituinte da língua e, esta última, seu instrumento de veiculação.

Segundo Kramsch (1998), língua e cultura juntas são formas de socialização ou aculturação, a partir do momento em que impõem padrões para serem desempenhados socialmente. De um modo geral, as pessoas seguem normas sociais que são instituídas pela língua e concebidas como culturais, visto que regem as atitudes e formas verbais e não verbais de comunicação. Adequações e inadequações são parte de convenções culturais, sendo a língua parte integrante disso.

Encerraremos esta seção, apoiadas nas palavras de Richter (2000, p.111), que nos alerta para o fato de que, algumas vezes, “temos de outras culturas uma visão supersim-plificada, criadora do estereótipo, que apaga as diferenças individuais entre as pessoas e exagera os chamados traços típicos” [grifos do autor]. No entanto, tal atitude/com-portamento, pode acarretar efeitos negativos. Na aquisição de uma segunda língua, foco deste artigo, podemos presenciar altos índices de desinteresse e repulsa por parte do aprendiz em relação a língua-alvo, resultando no “abandono aquisicional”.

Assim, cabe ao professor trabalhar em sala de aula, abordando ambas as culturas, isto é, a cultura do aprendiz e a cultura da língua-alvo. Agindo dessa forma, o docente realiza o que chamamos de “prática intercultural”. Vejamos a aplicação desta prática na

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seção 4, na qual trataremos de pincelar parte de nossa prática no ensino de português como segunda língua, sendo o público-alvo alunos hispanofalantes.

4 ENSINO DE PORTUGUÊS COMO SEGUNDA LÍNGUA

A partir das teorias acima abordadas, faz-se necessário exemplificar como a identificação, ou melhor, a aceitação da cultura da língua-alvo facilita a aquisição da língua, já que se aproximar e se integrar ao meio dos falantes da língua-alvo é fator motivador.

Durante os anos 2004, 2005 e 2006, participávamos de um projeto de ensino de leitura para hispanofalantes, realizado no Laboratório Português Língua Estrangeira da Universidade Federal de Santa Maria. O curso ministrado apresentava um modelo de uma unidade de leitura estruturada na Teoria Holística da Atividade. Esse curso tinha um formato matricial cíclico, ou seja, cada unidade seguida determinados tópicos e temas que estão interligados, como, por exemplo: prática discursiva – alimentação; dimensão intercultural – classe social; gênero textual – reportagem.

O material didático preparado era visto como um gênero textual, já que ultrapas-sa de imediato aquela noção convencional do gênero como um texto com características formalmente definidas, que certamente os textos têm em comum por intermédio dos con-textos. Seguindo esta perspectiva, os gêneros podem ser definidos, segundo Russel (2005, p. 5), “como ferramenta-mediadora, que tem como objetivo proporcionar a interação entre pessoas em algum tipo de prática social, em um determinado sistema(s) de atividade”.

Além disso, a preparação do material didático para as aulas de leitura para aprendi-zes estrangeiros estava fundamentada nos preceitos de Aebersold e Field (1997). As auto-ras argumentam sobre a relevância das fases da leitura (pré-leitura, leitura e pós-leitura) em uma aula de língua estrangeira. Essas fases permitem ao aluno ativar seu conheci-mento prévio sobre o assunto a ser discutido, levantar inferências, confirmar e refutar as hipóteses levantadas, organizar informações contidas no texto, discutir assuntos que o texto leva a comentar, enfatizando sempre atividades macroestruturais (uso da estratégia de leitura top-down) e microestruturais (uso das estratégias de leitura bottom-up).

Para Rumelhart (1985), leitura é um processo perceptual e cognitivo de entender linguagem escrita. Começa com um movimento da retina e termina (quando há sucesso) com uma ideia definida sobre a intenção do autor com o texto. O autor ainda acrescenta que um leitor habilidoso deve ser capaz de fazer uso de informações sensórias, sintáticas, semânticas e pragmáticas para ter sucesso na atividade de uma maneira não linear. Perce-bemos, dessa forma, que o conceito de leitura vai ao encontro das duas estratégias, englo-bando-as simultaneamente ou alternadamente durante as atividades da unidade de curso.

Segundo Richter, Pinto e Cavichioli (2006), na THA, a construção de competências é alicerçada pela automatização de microhabilidades nas quatro macrohabilidades, falar,

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ouvir, ler e escrever. As tarefas de uma unidade de curso devem estar focalizando pelo menos uma microhabilidade, que se torna, então, o micro-objetivo da tarefa, e ser me-diadas pelo professor, que não se resume a “prescrever a tarefa”: faça isto, encontre aquilo, preencha tal espaço etc., e sim administrar os processos cognitivos e psicomotores do aluno para que este reiteradamente intervenha sobre o input que lhe é apresentado na tarefa de maneira concreta, orientada e refletida convertendo-o em output, de tal modo a percorrer as três etapas da aquisição instrucional de Ellis (1997): discriminar, comparar e integrar [os itens relevantes do input para o micro-objetivo estabelecido na tarefa].

Nesse sentido, as aulas eram embasadas em atividades que contextualizavam a cultura brasileira, no intuito do aluno familiarizar-se com as vivências e costumes dos na-tivos. Este fato é similar à proposta defendida por Schumann (1978), pois ele defende que a aquisição é fruto da aculturação e que os aprendizes se localizam em um continuum entre mais proximidade e mais distância social e psicológica dos falantes da língua alvo.

Em uma das aulas, trabalhamos com a culinária brasileira a partir de uma repor-tagem intitulada “Prato de comida segue a lógica do bolso”, retirada do portal UOL, de dezembro de 2004. Nessa aula, as atividades de pré-leitura enfatizavam o conhecimento prévio do aluno em relação ao principal prato de comida do brasileiro e os principais alimentos que o aluno já consumiu no Brasil. Já de imediato, percebemos que o aluno não tinha o conhecimento de que o prato feijão com arroz era o mais consumido. Além disso, verificamos certa resistência em provar o prato mencionado. A atitude do aluno foi de rejeição e repúdio ao alimento antes mesmo de tê-lo provado.

Segundo a THA, conduta, conceito e valor andam indissociáveis, já que para se aprender uma segunda língua a aceitação da cultura ajuda a adquirir conceitos e quebrar barreiras. Dessa forma, o impasse com o aluno foi solucionado de uma maneira simples e gostosa: convidamos o aluno para almoçar no restaurante universitário, visto que lá todos os dias são servidos feijão, arroz e alguma carne. A aula transcendeu a sala e outros aspectos da cultura brasileira, principalmente a cultura do restaurante universitário, fo-ram informados no intuito de o aluno modificar seu conceito sobre esse prato. Ao final do almoço, o aluno realmente disse estar com um conceito errôneo e que passaria a comer feijão e arroz com maior frequência.

Essa experiência comprovou que vivenciar, partilhar e estar disposto a se relacionar com falantes nativos em diversas situações sociais, auxilia o aprendiz a ampliar seu leque de conhecimentos em relação a aspectos lexicais e culturais. O aluno, em encontros ins-trucionais póstumos, mostrou-se mais receptivo e mais aberto a conhecer o novo, fato que, segundo as teorias previamente apresentadas, facilita a ASL.

A THA e o Modelo de Aculturação de Schumman, como já citado, assemelham-se no que condiz ao fechamento. Fechamento se refere ao grau de compartilhamento de atividades sociais entre os dois grupos. Segundo Schumann (1978), se as atividades sociais são compartilhadas, o fechamento é baixo e o contato entre os grupos será um fator fa-cilitador para a aquisição. Se o contato for limitado às oportunidades de aquisição serão

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reduzidas pelo alto fechamento do grupo. Dessa forma, querer aprender uma segunda língua e acostumar-se com a cultura do país é fator primordial para que se diminua a distância social entre aprendiz e nativo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho teve por objetivo apresentar duas teorias de aquisição de uma segunda língua: Teoria Holística da Atividade e Modelo de Aculturação, bem como discutir sobre a impor-tância da assimilação da cultura da língua alvo para facilitar a aquisição. Procuramos abor-dar, de forma sucinta, a contribuição do Modelo de Aculturação de Schuman, já que este enfatiza que a aquisição está diretamente relacionada com a interação social e psicológica do aprendiz com as práticas sociais veiculadas pelos falantes da língua alvo. Já para a THA, sa-lientamos que a teoria parte da ideia de que a aquisição se constrói a partir de um composto estruturado de crenças, desejos, valores, intenções, planos e condutas, que juntos transfor-mam os aspectos emocionais do sujeito em tentativas de enxergar a língua a ser aprendida como sua. Na verdade, reiteramos que este é o ponto em que as duas teorias se convergem.

Além disso, procuramos exemplificar como ocorreu a mudança de conceito sobre a culinária brasileira de um aluno estrangeiro estudante de português, já que, de imedia-to, mostrou-se resistente a provar um prato típico. Verificamos que essa mudança não só ajudou o aluno a interagir em outra prática social com outros sujeitos que frequentavam o restaurante universitário como também ampliou sua vivência em relação à cultura brasileira. Isso nos mostrou, em situações póstumas de sala de aula, que o aprendiz havia ampliado seu vocabulário e sua visão de mundo em relação ao estilo de vida e valores dos brasileiros.

Por fim, podemos conduzir a reflexão sobre como diversos fatores influenciam na aqui-sição de uma segunda língua e aqui salientamos a questão da aceitação da cultura como forma de facilitar o processo. Torna-se importante destacar que a cultura do aluno jamais deixou de fazer parte da elaboração das aulas de português como segunda língua, ponto este que auxiliava a aproximação e a aceitação da cultura brasileira, porque antes de absorver essa nova cultura, o aluno sentia-se valorizado pelo fato de sua cultura também ser abordada. Então, o que tínhamos em sala de aula, eram trocas interculturais e não imposições culturais.

REFERÊNCIAS

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LÍNGUA ESTRANGEIRA MODERNA – ORIENTAÇÕES DOS PCNS PARA UMA PRÁTICA EDUCACIONAL SIGNIFICATIVA

Josete Cardoso Berni

Leandro Wesz Parise

INTRODUÇÃO

Nos tempos atuais, o ensino de uma língua estrangeira moderna é concebido como uma prática educativa destinada normalmente à aquisição de um conjunto de habilidades linguísticas que possibilitam, aos estudantes, a capacidade de conhecer outras culturas, preparar-se “melhor” para o mundo do trabalho, processos seletivos e, talvez, adquirir conhecimentos diversos.

As orientações curriculares para Línguas Estrangeiras têm como objetivo retomar a reflexão sobre a sua função educacional no ensino básico e ressaltar sua importância. Orientam, também, no sentido da reafirmação da relevância da noção de cidadania e discutem a prática educativa no ensino da língua estrangeira.

Ainda nas citadas orientações, uma das funções primordiais do ensino refere-se à relevância de debater o problema da exclusão, em face de valores “globalizantes”, e o sentimento de inclusão, frequentemente aliado ao conhecimento de Línguas Estrangei-ras, em que se prioriza a introdução das teorias sobre a linguagem e as novas tecnologias (letramentos, multiletramentos, multimodalidade, hipertexto) e aponta sugestões sobre a prática do ensino de Línguas Estrangeiras por meio dessas.

LÍNGUA ESTRANGEIRA MODERNA

Em um contexto escolar onde haja uma preocupação com uma formação real e significativa do aprendiz, é fundamental ressaltar que a cognição dos mecanismos que movem a obtenção das habilidades necessárias à construção do conhecimento vai muito além do que uma série

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de atividades repetitivas e meramente formativas. Tais experiências devem proporcionar aos aprendizes um leque de possibilidades e opções infinitas que os permitam não só adquirir novos conhecimentos, mas também interagir e transformar o mundo ao qual pertencem.

Nessa perspectiva, vale lembrar que o domínio da capacidade de sociabilizar co-nhecimentos através do uso de uma língua estrangeira é contemplado nas instituições educacionais e se ampara em leis específicas, como a própria LDB (1996) preconiza no âmbito do ensino fundamental.

[...] Na parte diversificada do currículo será incluído, obrigatoriamente, a partir da quinta série, o ensino de pelo menos uma língua estrangeira moderna, cuja escolha ficará a cargo da comunidade escolar, dentro das possibilidades da instituição. (Art. XX, § 5º)

Já em relação ao ensino médio, o Art. 36, Inciso III, da mesma lei estabelece que:

[...] será incluída uma língua estrangeira moderna, como disciplina obrigatória, escolhida pela comunidade escolar, e uma segunda, em caráter optativo, dentro das possibilidades da instituição.

No entanto, essa normatização foi passível de alterações, emanadas através da edição e publicação do Decreto nº Lei nº. 11.161/2005, que tornou obrigatória a oferta de duas línguas estrangeiras no ensino médio.

Ainda com base nos apontamentos dos PCNs (2007, p. 20), é importante salientar o seguinte:

[...] Portanto, a leitura atende, por um lado, às necessidades da educação formal, e, por outro, é a habilidade que o aluno pode usar em seu contexto social imediato. Além disso, a aprendizagem de leitura em Língua Estrangeira pode ajudar o desenvolvimento integral do letramento do aluno. A leitura tem função primordial na escola e aprender a ler em outra língua pode colaborar no desempenho do aluno como leitor em sua língua materna.

Com base nesses pressupostos, observa-se que o ensino da língua estrangeira pode contribuir para a formação do aluno de uma forma global. Trata-se, portanto, de um processo pelo qual múltiplas aptidões são fomentadas e instituídas no estudante, quali-ficando-o para a obtenção de conhecimentos culturais, sociais, econômicos, científicos, humanísticos, entre tantos outros que possibilitam uma ampla formação do indivíduo.

No que se refere às habilidades a serem desenvolvidas no ensino de Línguas Estran-geiras, grande parcela das orientações focalizam a leitura, a prática escrita e a comunica-ção oral como atividades que devem ser contextualizadas.

Normalmente, quando se faz referência ao ensino de Línguas Estrangeiras no Brasil, as teorias sobre o tema voltam-se para o uso do Inglês e do Espanhol como segunda língua a ser trabalhada dentro dos currículos escolares. Novamente retomando os Parâ-

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metros Curriculares Nacionais, é preciso considerar que ambas requerem adaptações e ajustes, em função das especificidades de cada idioma estrangeiro.

Existe uma justificativa social para a inclusão de Língua Estrangeira, obtida nas considerações expostas nos PCNs (2007):

[...] No Brasil, tomando-se como exceção o caso do espanhol, principalmente nos con-textos das fronteiras nacionais, e o de algumas línguas nos espaços das comunidades de imigrantes (polonês, alemão, italiano etc.) e de grupos nativos, somente uma pequena parcela da população tem a oportunidade de usar línguas estrangeiras como instrumento de comunicação oral, dentro ou fora do país. Mesmo nos grandes centros, o número de pessoas que utilizam o conhecimento das habilidades orais de uma língua estrangeira em situação de trabalho é relativamente pequeno.

Considerando isso, o ensino de uma língua estrangeira torna-se uma formidável ferramenta para aquisição de conhecimentos. Entretanto, deve-se dar especial atenção à forma como as escolas concebem essa ação, pois normalmente as metodologias uti-lizadas não são tão eficazes como deveriam, visto que se apoiam em materiais didáticos precários, às vezes antigos e não contextualizados. Também a utilização de conteúdos dissociados entre si, desprovidos de aspectos interdisciplinares, atividades centradas na morfologia, sintaxe e regras gramaticais são fatores que tornam o ensino monótono, can-sativo e pouco interessante, desmotivando cada vez mais o estudante nesse aprendizado.

É nesse contexto que surge o papel do professor como motivador do processo. Segundo Vygotsky (1994), a motivação se constitui em um dos principais fatores que promovem a aprendizagem e facilitam a aquisição dos conhecimentos básicos de uma língua estrangeira. Isso implica que o aluno deve sentir prazer em aprender e cabe ao professor a tarefa de inculcar esse desejo no estudante.

A elaboração deste documento não pretende trazer soluções definitivas para os problemas do ensino em questão, porém, propõe-se a trazer reflexões teóricas – peda-gógicas e educacionais – que possam orientar o pensamento sobre o tema ou mesmo expandir o que já vem sendo pensado. É importante refletir sobre os conflitos inerentes à educação, ao ato de ensinar, à cultura que consolida a profissão de professor, ao apren-dizado de Línguas Estrangeiras e à construção de uma visão de mundo.

Sabe-se da necessidade de reflexões, de atualizações a respeito dos pensamentos sociais, educacionais e culturais na área do ensino e sabe-se também o quanto é difícil mudar as próprias atitudes, seja como pessoas, numa visão mais individualista, seja como profissionais, sob uma visão mais abrangente e que envolve um contexto maior - o das instituições em que se atua.

Um processo educacional capaz de atingir resultados satisfatórios, deve basear-se em concepções como as de Morin (2000, p. 20): “A reforma do ensino deve levar à reforma do pensamento, e a reforma do pensamento deve levar à reforma do ensino”. Considera-

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-se que esta seja uma premissa inspiradora dos fundamentos das Orientações Curriculares para o ensino de Línguas Estrangeiras na Educação Básica.

A partir daí, surgem variados questionamentos e um infindável número de indaga-ções a respeito do assunto. Esses questionamentos reportam-se a elementos que, conju-gados, levam novamente à cena a figura do professor, pois é ele o ser capaz de, através de múltiplas habilidades, despertar no estudante o “querer aprender”. Sem isso, o processo em questão não acontecerá. É o professor o responsável pela associação dos conteúdos aos conhecimentos subjacentes do aluno, é ele quem estimulará construções associati-vas que garantam uma cognição do próprio aprender. Assim, exercerá, com efetividade, o papel de agente motivador e poderá despertar curiosidade para uma competência comunicativa a ser adquirida. Para isso, o trabalho docente deve estar permeado de objetivos significativos e, principalmente, contextualizado com a realidade do estudante.

Há, nos PCNs (2007), registros sobre a existência de uma Zona de Desenvolvi-mento Proximal, que se reporta ao nível de desenvolvimento real, determinado pela ca-pacidade de resolver um problema sem ajuda e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através de resolução de um problema sob a orientação de um adulto ou em colaboração com outro companheiro. Sobre essa analogia das formas de aprendiza-gem (orientadas ou não), Vygotsky (1998) defende que a mesma precede e condiciona o desenvolvimento cognitivo e reforça o papel que o educador tem de levar até a sala de aula os conhecimentos a serem trabalhados no dia-a-dia.

[...] é necessário que o professor a prepare, conceba e ponha em prática tarefas de ensino e aprendizagem que potenciem essa janela. Os instru-mentos principais que o professor pode usar, no sentido de potenciar a janela de oportunidade, são a linguagem e o contexto cultural, os quais são as mais importantes ferramentas a serviço da aprendizagem e do desenvolvimento.

Nos PCNs, encontram-se observações sobre o papel educacional do ensino de Línguas Estrangeiras. Pesquisas de campo sobre o ensino de idiomas nas escolas regu-lares (de ensino fundamental e médio) apontam ser oportuna a retomada da questão. Salientam-se duas importantes indicações informadas nos levantamentos para reflexão, onde a primeira refere-se à frequência de depoimentos de pesquisados e a segunda a citações de pesquisadores que apontam resultados desiguais entre o ensino de línguas estrangeiras na escola e nos institutos de idiomas.

Segundo Morin (2000, p. 11), “os objetivos do ensino de idiomas em escola regular são diferentes dos objetivos dos cursos de idiomas”. Trata-se de instituições com finalida-des diferenciadas. Observa-se a falta de clareza quando a escola regular tende a concentrar-

-se no ensino apenas linguístico ou instrumental da Língua Estrangeira (desconsiderando outros objetivos, como os educacionais e os culturais). Esse foco retrata uma concepção

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de educação que concentra mais esforços na disciplina/conteúdo que propõe ensinar (no caso, um idioma, como se esse pudesse ser aprendido isoladamente de seus valores sociais, culturais, políticos e ideológicos) do que nos aprendizes e na formação desses.

A concentração em tais objetivos pode gerar indefinições (e comparações) sobre o que caracteriza o aprendizado dessa disciplina no currículo escolar e sobre a justifi-cativa dessa no referido contexto. As propostas epistemológicas que se delineiam de maneira mais compatível com as necessidades da sociedade atual apontam para um trabalho educacional em que as disciplinas do currículo escolar se tornam caminhos viáveis para a formação de indivíduos que acompanhem a globalização atual. Isso inclui o desenvolvimento de consciência social, criatividade, mente aberta para novos conhe-cimentos, enfim, uma reforma na maneira de pensar, no modo de ver o mundo e, quem sabe e por que não, transformá-lo.

Assim, estimula-se um ensino que se preocupe com uma cultura que permita compreender nossa condição humana e nos ajude a viver melhor e melhor entender o mundo. Incentiva-se um fazer pedagógico orientado para o desenvolvimento de compe-tências essenciais, capazes de propiciar ao estudante não apenas o seu desenvolvimento, mas também sua interação com o mundo. São competências que podem favorecer o crescimento intelectual desse estudante, bem como fortalecer sua condição cidadã.

Quando se retoma a questão educacional que sempre tem sido enfatizada nos documentos oficiais e reconhecida como necessária para a formação plena do educando, reitera-se que a disciplina Línguas Estrangeiras, na escola, visa ensinar um idioma estran-geiro e, ao mesmo tempo, cumprir outros compromissos. Esse elemento curricular deve contribuir para a formação de indivíduos cientes do processo pedagógico, bem como do compromisso de alargar horizontes e subsidiar as buscas e conquistas, a fim de que se tenha a conscientização de sua própria preocupação educacional, levando a um enten-dimento do por que aprender.

A questão didático-pedagógica que se focaliza remete à realização do processo de

conscientização, no qual a escola, segundo Abrantes (2001, p. 24):

[...] tem, hoje, que assegurar a formação integral dos alunos e, para isso, precisa de se assu-mir como um espaço privilegiado de educação para a cidadania e de integrar, na sua oferta curricular, experiências de aprendizagem diversificadas.

A aprendizagem de Línguas Estrangeiras, além de qualquer instrumentação lin-guística, é capaz de dar condições para a mobilização de conhecimentos diversos e de desenvolver aptidões que estendem o horizonte de comunicação do aprendiz para além de sua comunidade linguística própria. Isso faz com que este entenda que há uma he-terogeneidade no uso de qualquer linguagem, seja contextual, social, cultural e histórica.

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CONCLUSÃO

Por fim, cabe ressaltar que o aproveitamento dos conhecimentos dos estudantes, bem como de suas experiências, opiniões e gostos pessoais, aliado à escolha de textos signi-ficativos (selecionados pelo professor), contribuirá para aproximá-los de outros saberes e culturas, refletindo sobre as mudanças necessárias e almejadas. Para isso, esse trabalho deve ser organizado e pautado na interdisciplinaridade, uma vez que a Língua Estrangei-ra deve ser valorizada como contribuição para outras disciplinas e não mais como um conhecimento isolado na matriz curricular, tornando-o desconexo e descontextualizado.

Ainda é cabível salientar que há muito a avançar na política educacional brasileira, em vários aspectos. Com as discussões aqui levantadas, pretende-se aproximar os aspec-tos que julgamos ser inerentes na ação do professor, o qual deve buscar construir, com os estudantes, um conhecimento significativo baseado nas orientações vigentes e que aprimorem, de uma forma global, suas potencialidade.

Acredita-se, por fim, que essas medidas certamente contribuirão para que a Lín-gua Estrangeira deixe de ser vista como conhecimento secundário no processo formativo e passe a ser concebida como um subsídio fundamental para uma aprendizagem con-

creta, completa e cidadã.

REFERÊNCIAS

ABRANTES, P. (coord.) Currículo nacional do Ensino Básico: competências essenciais. Lis-boa: Ministério da Educação, 2001.

MORIN, E. A cabeça bem-feita: repensar a reforma – reformar o pensamento. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000.

VYGOTSKY, L. S. A Formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

_______, Lev Semenovich. A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Mar-tins Fontes, 2001

DOCUMENTOS

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasília: MC/SEF, 2000.

BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Lei de Diretrizes e Bases, 1996.

BRASIL. Constituição Federal, 1998.

Decreto nº Lei nº. 11.161/2005

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PRINCÍPIOS BÁSICOS PARA PRODUÇÃO DE MATERIAIS DIDÁTICOS

Cândida Martins Pinto

Evanir Piccolo Carvalho

Leandro Wesz Parise

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

As bases teórico-metodológicas do ensino de línguas têm apresentado um grande avanço nos últimos anos, desdobrando-se em um amplo leque de propostas, mas grande parte desta literatura parece relegar a um segundo plano pontos que desempenham importan-te papel na prática do ensino de línguas: a preparação de material didático. Dessa forma, o professor sente-se desamparado e incapaz de inovar suas abordagens de ensino, pois suas teorias muitas vezes já estão ultrapassadas e, quando adaptadas ao contexto de ensino, resultam na frustração do professor e também nos resultados negativos dos alunos.

Mais especificamente, em se tratando do ensino de leitura, as pesquisas destacavam apenas a importância do reconhecimento de palavras na compreensão textual, reduzindo o processo cognitivo de leitura a uma simples decodificação de significados. Para Goodman (1988) e outros estudiosos da área, isso significa uma grave falha, porque deixa uma grande lacuna no processo de leitura em sala de aula, ou seja, não contemplam a interação professor-

-aluno-texto no contexto institucional e sua implicação no processo ensino-aprendizagem.É por esses motivos, dentre outros, que este artigo visa a sumarizar os principais pon-

tos teóricos que julgamos importantes para a preparação de material didático ou até mesmo seleção de materiais em livros didáticos. Para tanto, discutir-se-ão os seguintes princípios: teorias aquisicionais de língua; ensino comunicativo em contraste com a gramática tradicio-nal; utilização de gêneros textuais; modelo interativo de leitura e ensino indutivo e dedutivo. Objetivamos, com este artigo, contribuir para uma maior reflexão acerca dos princípios que norteiam todo material didático e, assim, auxiliar professores a estarem metaconscientes da importância desse instrumento de ensino para mediar o conhecimento em sala de aula.

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1 TEORIAS AQUICIONAIS DE LÍNGUA

Durante muito tempo pesquisadores buscaram respostas a respeito da origem, da capaci-dade, a intuição, raciocínio, potencialidades, dons e aptidões humanas. Essas potencialida-des derivaram do amadurecimento biológico ou da experiência com o mundo externo? A busca por essas respostas, provavelmente, iniciaram-se nas discussões entre os maiores filósofos da história: Platão e Aristóteles. O primeiro defendia que nascemos com ideias inatas, e o segundo pensava que a experiência, o contato com o mundo externo era a forma de se obter conhecimento. As discussões estendem-se até hoje com avanços.

Os materiais didáticos tornam concretas as metodologias inseridas na educação. Assim, ao analisar aqueles produzidos no meio escolar, pode-se identificar a concepção de educação que permeia esse espaço: se está filiada a formas de educar para a repro-dução ou se considera o fazer educativo estritamente ligado aos aspectos humanos, psi-cológicos e às dimensões sociais que interferem nos modos de cada um compreender e construir o conhecimento. Nesse contexto, abordam-se as concepções como o behavio-rismo, o inatismo e o interacionismo e suas relações com a produção de material didático.

1.1 Behaviorismo

O Behaviorismo, cujo expoente principal foi Skinner, teve seu início em 1913 por John B. Watson que defende ser o meio de inserção do sujeito a base para prever e con-trolar a conduta humana. Após as teorias do russo Ivan Pavlov, sobre o condicionamento, defendiam que qualquer modificação é resultante de um estímulo. Nessa perspectiva, o sistema de aprendizagem apoia-se em mapas cognitivos, isto é, interações que se geram nos mecanismos cerebrais e produzem um comportamento, de certa forma, previsível.

A educação, na perspectiva behaviorista (também conhecida como comportamen-talista), vê as atitudes dos estudantes como uma resposta ao ambiente passado e presente. Todo o comportamento é aprendido e, por essa razão, pode ser analisado em termos de seu histórico de reforços. A responsabilidade do professor, nesse contexto, é construir um ambiente em que o comportamento correto do estudante seja reforçado, uma vez que a aprendizagem é uma forma de modificação desse comportamento, é um condicionamento.

O condicionamento clássico pode ser assim traduzido: o comportamento huma-no pode ser estudado em termos de estímulos e respostas, formação de hábitos e simi-lares. É possível conhecer e controlar a conduta, porque os estímulos permitem prever respostas e vice-versa, e a aprendizagem é um processo em que a consciência não tem papel importante para aperfeiçoar o pensamento (Kincheloe, 1997).

Conforme Gadotti (1988), esse modelo de educação teve seu destaque na escola liberal tecnicista, para a qual tem sentido a manutenção e o aperfeiçoamento da ordem

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social estabelecida, pois se articula com o sistema produtivo. Para tanto seu interesse prin-cipal é produzir indivíduos “competentes”, adaptados para o mercado de trabalho, não há, portanto, preocupação com as mudanças sociais. Assim, a escola vê o aluno como depo-sitário passivo dos conhecimentos acumulados na mente por associações. Segundo RI-CHTER (2000), nessa concepção, a aquisição da linguagem ocorre por meio de imitação e formação de hábitos. São exemplos de estratégias utilizadas a repetição, nos exercícios, e a instrução programada, para formar “hábitos” do uso correto da linguagem.

A partir da Reforma do Ensino promovida pela Lei 5.692/71, a escola tecnicista passa a ter espaço no Brasil, com ela preponderaram as influências do estruturalismo linguístico e a concepção de linguagem como instrumento de comunicação. A língua, conforme Travaglia (1998), é vista, nesse contexto, como um conjunto de signos que se combinam segundo regras e é capaz de transmitir uma mensagem, informações de um emissor a um receptor. Assim, saber a língua significa dominar o código linguístico, independente do contexto social.

Dessa forma, o ensino da língua passa a ser o trabalho com as estruturas linguísti-cas, isto é, a gramática normativa, como possibilidade de desenvolver a expressão oral e escrita, porém sem considerar o contexto social.

Richter (1998, p.95) explica como esse pensamento se traduz de forma prática na aqui-sição da linguagem: “a criança imita os enunciados do adulto e, ao acertar, é reforçada em seu comportamento. Os enunciados reforçados se fixam na mente da criança. Os enunciados errados não são reforçados e constituem comportamento verbal que vai desaparecendo”.

O Behaviorismo difundiu a crença na possibilidade de controlar e moldar o com-portamento humano, agindo sobre aquilo que é cientificamente observável. Nessa pers-pectiva, vão sendo descartadas consciência, vontade, inteligência, emoção e memória, ou seja, os estados mentais ou subjetivos.

No ensino de línguas, concretiza-se o behaviorismo no material didático metodi-camente organizado de modo que o aluno possa utilizar sozinho, receber estímulos ao avançar no conhecimento e ao responder corretamente segundo o modelo. O método, portanto, baseia-se no controle do erro e reforço para obter comportamento desejado pela repetição. A aprendizagem, nesse contexto, é receptiva, mecânica e desconsidera as características do sujeito aprendente.

Na visão behaviorista, o aluno e o professor têm papéis bem definidos: o primeiro detém e conduz o conhecimento, seu papel é criar ou modificar comportamentos, para que se realize o que foi cuidadosamente planejado. O aluno, por sua vez, é passivo, recebe instruções, escuta, escreve e repete as informações. A aprendizagem é definida como aquisição ou modificação de comportamentos.

No ensino, ganham espaço as atividades de repetição, pois essas garantiriam o condicionamento para a obtenção de respostas adequadas aos comportamentos. O Behaviorismo baseava-se na previsibilidade de reações aos estímulos e reforços, os resul-tados educacionais são, então, definidos antecipadamente. Richter (1998, p.95) aponta

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uma inconsistência: o behaviorismo “explica muito pouco da aquisição de uma língua”, pois o sujeito tem a capacidade de criar enunciados, enquanto aprende, e isso não de-pende de treinamento ou imitação”.

O Behaviorismo está presente hoje no meio educacional pelo uso sistemático de métodos de ensino programado, controle detalhado da organização das situações de aprendizagem, elaboração de tecnologias de ensino. Apresenta-se fora da escola em em-presas na forma de treinamentos, na psicologia pela modificação de comportamento, na publicidade pela repetição das informações e pelos estímulos que usa.

1.2 Inatismo

O Inatismo, associado à teoria racionalista do conhecimento, construiu-se como conse-quência da aplicação de modelos mentais inatos ao meio ambiente. A linguagem é per-cebida como decorrência da programação biológica dos sujeitos. O ambiente atua como modelo das propriedades básicas da língua. Assim, a criança aprende com a experiência que ativa os processos mentais, não sendo necessária organização, pois o inconsciente-mente encarrega-se disso. A experiência faz parte do processo, porém a ela é atribuída uma participação menor do que no behaviorismo.

Richter (1998) diz que, nessa concepção, a seleção, planejamento de conteúdo e de atividades linguísticas não constituem preocupação essencial, porque o aluno, ao compreender enunciados que o cercam, constrói a competência linguística por si pró-prio, não havendo necessidade de sistematização. Além disso, para esse autor, constitui falha do inatismo o fato de ignorar a interação com os outros por meio da linguagem, pois o contato com o adulto fornece o saber necessário para o uso da língua.

Assim, até o final dos anos 1950, nos estudos linguísticos, predominavam o behavio-rismo e o empirismo. A partir dos anos 1960, acentuou-se o domínio do cognitivismo com Chomsky. Este defende que a aprendizagem não se dá por mecanismos comportamentais como reforço de estímulo e resposta. Argumenta que essa teoria não é suficiente para expli-car fenômenos da linguagem e da aprendizagem, uma vez que os processos envolvidos na aquisição da linguagem são muito mais profundos. O comportamento linguístico deixa, en-tão de ser objeto de estudo e passa a ser estado da mente que faz parte do comportamento.

Conforme Marcuschi (2008, p.35), na teoria de Chomsky, a linguagem passa a ser concebida como uma “faculdade mental inata instalada no equipamento biológico”, não é, portanto, um fenômeno social. Esse mecanismo inato elabora hipóteses linguísticas sobre as informações com as quais já teve contato e aciona o que já está na mente, o co-nhecimento linguístico prévio. Nessa perspectiva, a linguística seria a ciência responsável pela análise desses princípios gerais.

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Na teoria Chomskiana, o processo de aprendizagem de uma língua é específico da espécie humana, devido à carga genética, dispositivo inato desencadearia a apren-dizagem. Não considera, portanto, o conjunto de aprendizagens verbais adquiridas na interação social. Fundamenta-se na filosofia racionalista e idealista para a qual conhecer se dá por intermédio da razão, inata, imutável e igual para todos os sujeitos.

Nesse contexto, o ser humano é percebido como um agente com reduzidas pos-sibilidades de mudanças: a personalidade, valores, hábitos, crenças, pensamentos, emo-ções e condutas sociais apresentam-se definidos. Assim, os fatores maturacionais e here-ditários são definidores da constituição do ser humano e do processo de conhecimento.

O inatismo desconsidera as interações socioculturais na formação das estruturas comportamentais e cognitivas do ser humano e o desenvolvimento constitui o pré-re-quisito para o aprendizado. Nessa visão, o conhecimento é pré-formado, as estruturas mentais se atualizam conforme o ser humano desenvolve-se, vai reorganizando sua inte-ligência pelas percepções da realidade. Assim, gradativamente, há aprendizagens cada vez mais complexas que não se dão pela reflexão, mas pelo armazenamento das informações acabadas, retidas pela memória. O desenvolvimento, portanto, baseia-se no pressuposto de que, ao aprender, o ser humano aprimora aquilo que já é inato avançando no seu desenvolvimento. A aprendizagem depende do desenvolvimento.

O papel do professor, nesse contexto, é facilitar a manifestação das características inatas do sujeito, entendendo-se que quanto menor a interferência, maior será a espon-taneidade e criatividade do aluno. Essa forma educar fundamenta-se nas pedagogias es-pontaneístas que subestimam a capacidade intelectual do ser humano. Os resultados escolares são atribuídos somente ao aluno, ao seu desempenho, aptidão, dom ou matu-ridade, isentando de responsabilidade o professor e a escola (Rego, 1996).

Na educação, as diferenças não são superadas, uma vez que o meio não interfere no de-senvolvimento. Supõe-se que as regras devem ser seguidas para a organização lógica do pen-samento e, a partir daí, a linguagem constitui-se nas normas gramaticais do uso correto. As ca-racterísticas dessa concepção estão relacionadas ao tradicional estudo da gramática normativa.

O papel da educação é significativamente limitado, privilegia a transmissão do conhecimento, pela exposição de conteúdos organizados de acordo com a lógica do professor, desconsiderando a lógica e a significação para os alunos. Consequentemente, a avaliação tem a função de medir as informações acumuladas e/ou memorizadas pelos alunos. É uma prática pedagógica que subestima as capacidades manifestadas pelo aluno e o processo de construção do conhecimento.

Nessa concepção, o desempenho dos educandos deixa de ser responsabilidade do sistema educacional, porque depende das qualidades e aptidões inatas, que garanti-riam a aprendizagem, tais como: inteligência, esforço, atenção, interesse ou maturidade para aprender. A relação com o contexto social mais amplo e a dinâmica interna da escola ou a atuação docente não são questionados ou considerados.

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1.3 Interacionismo

Dentro das abordagens contemporâneas de aprendizagem, destacam-se a Teoria cognitivis-ta de Jean Piaget e o Sociointeracionismo de Lev Vygotsky e Wallon, difundidas e aplicadas na educação, especialmente, na didática e tem influência nas pesquisas relacionadas à cog-nição e educação, especialmente aos estágios de desenvolvimento da inteligência de Piaget.

Para Piaget, o conhecimento é construído à medida que as estruturas mentais e cognitivas se organizam, conforme os estágios de desenvolvimento da inteligência. Esta é uma adaptação resultante da interação entre assimilação e acomodação que mobilizam a aprendizagem em direção à adaptação, que é o equilíbrio entre essas duas forças. A cada informação assimilada à estrutura mental, a acomodação modifica-se permitindo um processo contínuo de renovação interna (Becker, 1993).

As ideias de Piaget compreendem a teoria epistemológica da construção do conheci-mento a qual destaca a importância da interação, do desenvolvimento da autonomia, cria-tividade, cooperação e criatividade que constituem práticas pedagógicas ativas, individuais, de solução de problemas e valorização do erro como forma de construir o conhecimento.

O interacionismo surgiu em meados do século XX. Lev Semenovich Vygotsky ela-borou sua teoria alicerçada na teoria marxista do funcionamento intelectual humano, juntamente com Alexandre Romanovich Luria e Alexei Leontiev.

Conforme Rego (1996), o processo de desenvolvimento humano para Vygotsky ocor-re nas dimensões filogenética, histórico social e ontogenética, as quais se dão na interação social. Esta fornece os elementos mediadores, os diferentes signos e instrumentos para estru-turar o conhecimento. Ao utilizar esses mediadores, num processo interativo que contém er-ros, acertos, análise, problematização, levantamento de hipóteses e criação se dá desenvolvi-mento cognitivo, cujo processo de internalização da interação social é mediado pela cultura.

Para Vygotsky (1998), a abordagem socioconstrutiva do desenvolvimento cogniti-vo centra-se, principalmente, na origem social da inteligência e no estudo dos processos sociocognitivos que se traduzem em duas formas de funcionamento mental: processos elementares de ordem biológica (sensações, percepções imediatas, emoções primitivas, memória indireta) e as funções psicológicas superiores de origem sociocultural (atenção, percepção, memória, imaginação).

Nessa perspectiva, a mediação simbólica constitui um conhecimento essencial que explica as funções mentais superiores presentes em toda atividade humana, pois para Vygotsky relação do homem com o mundo não se dá diretamente, mas pela me-diaçao de instrumentos (externos) e signos (internos).

As funções psicológicas superiores têm suas bases nas características biológicas da espécie humana adquiridas durante o processo histórico que fornece material (signos e instrumentos) para o desenvolvimento das atividades psicológicas. Isso significa que a influência do mundo exterior pode ser analisada no mundo interior dos sujeitos. A base para isso está na interação com a realidade.

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Vygotsky defende uma dialética das interações com o outro e com o meio, para desencadear o desenvolvimento sociocognitivo, o qual é impulsionado pela linguagem, porém Vygotsky e seus colaboradores acreditam, diferentemente de Piaget, que o pro-cesso de aprender é que gera o desenvolvimento das estruturas mentais superiores. Para Piaget, o processo de estruturação do organismo precede o desenvolvimento.

Destaca-se na teoria de Vygotsky o conceito de Zona de desenvolvimento pro-ximal (ZDP). Essa constitui a distância entre o que o sujeito sabe e aquilo que poderá aprender na interaçao, o desenvolvimento potencial, no qual o professor tem o impor-tante papel de mediação no processo de ensino. Por essa razão, quanto mais ricas as interações, maior e mais elaborado torna-se o desenvolvimento.

Assim, para que o sujeito se constitua como pessoa, necessita estar inserido num determinado ambiente cultural e as possíveis mudanças existentes com esse mesmo su-jeito vinculam-se a sua interação com a cultura e a história da sociedade. Dessa forma, a aprendizagem envolve, na visão de Vygotsky (Rego, 1995), a interação com o outro e a interferência direta ou indireta entre os sujeitos.

O interacionismo percebe a aprendizagem de uma língua estreitamente relacio-nada ao ambiente social e resultante de dois fatores: as capacidades mentais inatas do aprendiz e a linguagem produzida na interação entre interlocutores em situações comu-nicativas autênticas e relevantes em sua vida. Essa forma de aprendizagem linguística é descrita por Richter (1998, p. 95):

quando o aluno usa a língua com autenticidade, aprende forma (regularidades formais da língua (como, quando e onde ocorrem), função (ações comunicativas, como pedir, infor-mar, queixar-se) e estratégia (maneiras de negociar através da linguagem para atingir objeti-vos). Para realizar a aquisição, a criança se engaja em um tipo específico de interação com o adulto, chamado maternês. É um tipo de comunicação simétrica, em que o adulto elicita o discurso a partir de elementos do contexto: Contexto – Tópico – Comentário – Ampliação do Comentário. Com isso, o adulto “ensina” a criança como conversar, como representar o mundo, como analisar sentenças.

Richter (1998) salienta que, na escola, a interação é insuficiente. Há violação dos precei-tos de aquisição de línguas provocados pela descontextualização, traduzidos nas abordagens tradicionais de ensino que privilegiam o uso de nomenclaturas e regras gramaticais, quando as atividades poderiam se relacionar ao desenvolvimento da competência comunicativa.

O sociointeracionismo concebe a linguagem como prática social considerada em contextos comunicativos concretos e por essa razão carregados de sentido ideológico. Assim o uso da linguagem seria socialmente orientado ininterruptamente. Também é um conceito importante, nos estudos de Bakhtin, o dialogismo, característica essencial da linguagem e constitutivo do discurso

A teoria bakhtiniana toma a linguagem como processo que traz consigo a exterio-ridade. Assim, compreender a linguagem como fenômeno social leva-nos a considerar

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também os contextos extraverbais, como o espaço entre os interlocutores, a situação comunicativa, a avaliação dessa situação.

Na relação entre locutor e interlocutor no meio social, em que o verbal e o não-ver-bal influenciam a construção dos enunciados, a interação ocorre por meio da linguagem, em um contexto em que todos participam em condição de igualdade e responsabilidade. Ao enunciar, o sujeito seleciona palavras para emitir uma mensagem compreensível aos destinatários que interpretam e respondem de forma ativa àquele enunciado. Internamen-te, isso ocorre através dos pensamentos e, externamente, por outros enunciados verbais.

No processo de desenvolvimento em interação social, a linguagem é ferramenta de mediação entre a ação (no mundo físico e social) e o pensamento. O professor pro-move essa mediação entre os conceitos trazidos pelos alunos para conceitos científicos. Desse modo, a escola torna-se um espaço de construção de representações sobre a rea-lidade pelo diálogo e a interação.

Assim, o contexto assume um significado importante na aprendizagem, pois ela é um processo social em que os conhecimentos são construídos, mas também definidos por as-pectos ideológicos e culturais. Nesse sentido, texto e contexto são partes do mesmo processo.

O domínio do conhecimento sobre como o sujeito aprende e a importância da linguagem e do contexto é essencial à educação tanto na prática em sala de aula, quan-to na elaboraçao de materiais didáticos, porque isso fornece pistas sobre a adequaçao desses materiais aos propósitos de ensino para um grupo específico. A partir disso, as atividades propostas devem considerar o nível de maturidade dos educandos, a forma de organizaçao, as especificidades de linguagem para o grupo, bem como os diversos gêneros produzidos socialmente e a realidade dos educandos, a fim de o trabalho com a língua esteja voltado à comunicacão, às necessidades dos alunos.

2 ENSINO COMUNICATIVO

A abordagem comunicativa no ensino de língua, mesmo materna, relaciona-se ao sentido, ao significado e à interação entre os sujeitos que estão aprendendo uma língua. Organiza-se em torno das experiências significativas para os sujeitos. Para tanto, essas experiências, num contexto de ensino comunicativo, devem conduzir o aluno ao uso efetivo da língua. Con-forme Leffa (2003), a abordagem comunicativa abre espaços múltiplos e variados, nas aulas de linguagem, para a produção dos alunos, tornando-os atores da própria aprendizagem.

Em relação à língua materna, o aluno já domina a variante coloquial em que tan-to o vocabulário quanto a estrutura são mais flexíveis, e a escola oferece o ensino da variedade padrão que, segundo Richter (2000), funciona, nesse contexto, como uma segunda língua, uma vez que essa variação exige novas aprendizagens relacionadas ao uso da língua em outros contextos; portanto outras exigências e outros conhecimentos.

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Assim, as ações propostas no ensino comunicativo devem ativar o conhecimento implícito do aluno (Ellis, 1997). Nesse reside o ponto de partida para o ensino da língua. Tam-bém é preciso considerar o interesse e/ou necessidade do aluno, para que ele passe a usar a língua em situações autênticas, na interação com outros usuários. É importante considerar, em sala de aula, as experiências com a linguagem, ligá-las à vida, a aplicações em situações concretas, pois o ensino comunicativo está direcionado ao uso (habilidades), embora admi-ta a necessidade do domínio e, portanto, do ensino das formas (conhecimento).

O ensino puramente gramatical não dá conta de organizar as experiências de aprender a língua em toda sua complexidade. Existem momentos que a explicitação de uma regra é necessária para tornar consciente o processo, mas isso não deve constituir a essência das aulas de língua. O ensino gramatical, conforme Almeida Filho (1993 apud Ellis, 1997), contribui principalmente para o conhecimento explícito, que pode atuar tam-bém como facilitador do desenvolvimento do conhecimento comunicativo, no entanto, é o uso, a produção que tornam a aprendizagem da língua prazerosa e significativa.

No ensino comunicativo, as atividades propostas orientam-se pelo uso da lingua-gem para mediar significados, de acordo com os objetivos estabelecidos. Essa abordagem promove o envolvimento do aluno em situações diversificadas de uso, de modo que isso impulsione sua vontade de dominar a língua escrita.

Nesse contexto, a organização do material a ser utilizado, nas aulas e livros didáti-cos, deve considerar, em primeiro lugar, o contexto de inserção dos alunos, consequen-temente, suas características pessoais, seus interesses e necessidades. Leffa (2003, p. 16), referindo-se à importância do conhecimento prévio e do acréscimo de informações no-vas na aprendizagem, expressa-se: “Ninguém aprende algo que é totalmente conhecido e nem algo que seja totalmente novo. A capacidade de acionar o conhecimento prévio do aluno é uma condição necessária para o sucesso de um determinado material “.

Além disso, Leffa (2003) aponta algumas etapas à elaboração de materiais didáticos para o ensino de línguas que são a análise, o desenvolvimento, a implementação e a avaliação.

A análise diz respeito à adequação do que se vai propor para estudo tomando por base a inserção dos alunos na realidade: seus conhecimentos, necessidades e expectativas. Para Freire (1987), essa análise vai apontar para o conhecimento de mundo dos educandos e vai nortear o trabalho docente, o qual considerará as necessidades de linguagem, os gêneros utilizados e os usos que esses usuários fazem da linguagem oral ou escrita naquele contexto.

A etapa do desenvolvimento considera as constatações da análise e direciona a elaboração dos materiais didáticos para a aproximação do trabalho com a língua aos inte-resses dos estudantes o que permite posteriormente a avaliação do trabalho pedagógico.

Assim, a elaboração do material deve passar por várias avaliações, tais como: o ma-terial a ser utilizado diretamente pelo aluno sem a presença do professor, se a aplicação será realizada pelo próprio professor ou por outro. Essas informações são fundamentais, pois orientam uma elaboração específica (Leffa, 2003), pois consideram o grau de com-plexidade do tema, a linguagem e a interação com o leitor (professor ou aluno).

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Leffa (2003) aponta ainda que os materiais didáticos podem se preparados de modo integrado ou não, seguindo a sequência proposta por ele, conforme as áreas: (1) fala, (2) escuta, (3) leitura e (4) escrita.

A última etapa, a avaliação objetiva um novo planejamento. Pode ser realizada de duas formas, conforme os propósitos. Pode ser realizada informalmente, quando o professor elabora atividades e aplica-as às turmas, mas sem aprofundar e chegar a uma conclusão sobre o material. A avaliação formal é produzida por um grupo para ser apli-cada para obter um resultado final sobre a aprendizagem (Leffa 2003).

É importante destacar que, na produção de materiais didáticos, todas as etapas são importantes. Entretanto, sensibilizar o aluno para a aprendizagem ao estabelecer estreita ligação com a realidade e integração de saberes das diversas áreas do conheci-mento são pontos muito importantes no processo de aprendizagem. Além disso, a vin-culação desses conhecimentos ao mundo do trabalho produz significações do mundo da escola ao mundo da vida de que fala Freire (1996).

3 GÊNEROS TEXTUAIS

A incorporação dos gêneros textuais no ensino não é, simplesmente, uma iniciativa que parte do bom senso do professor em levá-los até sala de aula, pelo fato de eles garan-tirem uma melhor compreensão da linguagem na interação entre os grupos sociais. Ao contrário, os gêneros encontram-se alicerçados na proposta dos PCNs, sendo seu objeti-vo, fundamentar o ensino da língua materna, tanto oral quanto escrita.

A inclusão dos gêneros nos PCNs fomentou uma relevante e significativa atividade de estudos, com propósitos bem estabelecidos: “1º) descrever uma diversidade consi-derável de gêneros a partir dos heterogêneos textos que os atualizam; 2º) apresentar sugestões didáticas para o uso dos textos enquanto exemplares e fonte de referência de um determinado gênero” (KLEIMAN, 2002, p 7).

Com o intuito de desenvolvermos propósitos a partir dos gêneros textuais, é im-portante, primeiramente, o professor ter bem clara a maneira como eles são definidos e/ou conceituados. Não basta, simplesmente, levar o texto à sala de aula, é preciso saber usá-lo, mostrando ao aluno que, por meio dele, pode-se aproximá-lo ainda mais da co-munidade de fala a qual pertencemos. Segundo Marcuschi (2005, p.10), “não se ensina um gênero como tal e sim se trabalha com a compreensão de seu funcionamento na sociedade e na sua relação com os indivíduos situados naquela cultura e suas intuições”.

Complementando as convicções de Marcuschi, Bazerman (2005, p. 31) ressalta que:

Podemos chegar a uma compreensão mais profunda de gêneros se os compreendermos como fenômenos de reconhecimento psicossocial que são parte de processos de ativida-des socialmente organizadas. Gêneros são tão-somente os tipos que as pessoas reconhe-

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cem como sendo usados por elas próprias e pelo outros. Gêneros são o que nós acredita-mos que eles sejam. Isto é, são fatos sociais sobre os tipos de atos de fala que as pessoas podem realizar e sobre os modos como elas os realizam. Gêneros emergem nos processos sociais em que pessoas tentam compreender umas às outras suficientemente bem para coordenar atividades e compartilhar significados com vistas a seus propósitos práticos.

Entendendo os gêneros, na perspectiva desses autores, em momento algum, po-de-se defini-los como formas estanques, pois as ações sociais não estão pré-estruturadas, a fim de seguir um modelo padrão. As pessoas têm livre arbítrio para conduzirem seus atos de fala da maneira que melhor lhes convêm. O importante nisso tudo é chegar a um entendimento, ou seja, os indivíduos precisam se compreender entre eles. Dessa forma, seria errôneo moldar um gênero, pois de acordo com Marcuschi (2005, p.19), eles “não são superestruturas canônicas e deterministas”. Entretanto, podem ser definidos como:

Formações interativas, multimodalizadas e flexíveis de organização social e de produção de sentidos. Assim, um aspecto importante na análise do gênero é o fato de ele não ser estático nem puro. Quando ensinamos a operar com um gênero, ensinamos um modo de atuação sócio-discursiva numa cultura e não um simples modo de produção textual. Em essência, os gêneros são formas de “ação tática”, como dizia Bhatia (1993), ou seja, a ação com gêneros é sempre uma seleção tática de ferramentas adequadas a algum objetivo.

Assim, observa-se que trabalhar com gênero textual na sala de aula é trabalhar com textos, encontrados em nossa vida diária (notícia, artigo de opinião, carta do leitor, discurso, bilhete, propaganda, folder). Esses textos apresentam padrões sociocomunica-tivos característicos definidos por composição funcional, objetivos enunciativos e estilos concretamente realizados na integração de forças históricas, sociais, institucionais e téc-nicas (MARCUSCHI, 2008, p. 155).

Quando o professor trabalha com gêneros na sala de aula, está ensinando um modo de atuação sociodiscursiva numa cultura e não um simples modo de produção textual. Desse modo, pode-se dizer que os gêneros textuais são uma forma bastante eficaz para se trabalhar o ensino de línguas de forma comunicativa, pelo fato de refletirem o con-texto da sociedade e também por permitirem que os indivíduos intervenham sobre ela.

4 MODELOS DE LEITURA E PROCESSOS COGNITIVOS

Pesquisas sobre como ocorre o processo de ler se intensificaram durante os anos 1960 e 1970. Nessa época, foram criados modelos que tentaram explicar o ato de ler. Alguns des-ses modelos ficaram conhecidos e foram difundidos dentre as teorias mais significativas para se utilizar em uma sala de aula. Recebem destaque três modelos: o ascendente ou

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bottom-up; o descendente ou top-down e o interativo, propostos por, respectivamente, Gough (1985), Goodman (1988) e Rumelhart (1985).

Os processos ascendentes, ou bottom-up, determinam a leitura como um ato per-ceptual, de decodificação, pois decodifica unidades linguísticas individuais (por exemplo, fonemas, grafemas, palavras, frases) e constrói significado textual das pequenas unidades para as maiores (das partes para o todo). Dessa forma, centra-se na habilidade de deco-dificar ou transformar em som o que é visto linearmente em um texto (GOUGH, 1985).

De acordo com essa perspectiva de leitura, o aspecto mais importante da leitura é a obtenção do conteúdo a que pertence e está exclusivamente no texto. A construção do significado não envolve negociação entre o leitor e o texto e muito menos atribuição de significado por parte do leitor; o significado é simplesmente construído através de um processo de extração. Nesse sentido, um mesmo texto produz sempre os mesmos significados (LEFFA, 1999).

Por outro lado, o modelo top-down (ou descendente), centrado no leitor, é visto como um processo cognitivo, visto que inclui pensamento e significado logo nos primei-ros estágios da leitura. A sequência do processo se dá de predições sobre o significado para atenção de pequenas unidades progressivamente (DAVIES, 1995).

O modelo foi desenvolvido particularmente por Goodman (1985, 1988) dentro do enquadre teórico da psicolinguística. O autor afirma que, durante a leitura, leitores usam seu conhecimento prévio para interpretar o texto e criar expectativas plausíveis sobre o que eles irão ler. Nessa perspectiva, a leitura é vista como uma transação entre leitor e texto, o que re-sulta na construção do significado. Essa visão faz com que o leitor tenha um papel altamente ativo, pois seu conhecimento de mundo é tão importante quanto as informações do texto.

O terceiro modelo, utilizado amplamente em aulas de línguas e defendido neste trabalho, foi criado por Rumelhart (1985). Ele defende a ideia de que o mais eficiente processamento de textos é o interativo, que combina tanto estratégias top-down quan-to bottom-up. Essas estratégias fazem referência aos modelos previamente apresentados, entretanto, enquanto estes são teorias independentes, as estratégias operam interativa-mente, constituindo, assim, o modelo de Rumelhart. Segundo Carrell (1988), a depen-dência de um modo de processamento e a negligência de outro constituem a causa das dificuldades de leitura para leitores de segunda língua. Um leitor maduro, dessa forma, usa os dois processamentos, ou, melhor dizendo, as duas estratégias, mudando de uma para a outra durante a leitura, enquanto um leitor menos habilidoso tende a focar em apenas uma, produzindo prejuízos que afetam a compreensão do texto.

O papel do conhecimento prévio na compreensão da linguagem tem sido forma-lizado pela Teoria dos Esquemas (RUMELHART, 1985; CARRELL e EISTERHOLH, 1988). O pro-cesso de interpretação é guiado pelo princípio que todo input é mapeado contra alguns esquemas existentes e que todos os aspectos daquele esquema devem ser compatíveis com a informação do input. Esses princípios resultam em dois modelos de processamen-to de informações – top-down (do geral para o particular) e bottom-up (do particular

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para o geral), ou seja, tanto conhecimento prévio quanto informações textuais são im-portantes para que se obtenha sucesso durante a leitura.

O modelo interativo de leitura tenta explicar a aprendizagem como um fenômeno sociointeracional, já que leva em consideração a experiência do aprendiz, agente que interage com o mundo, e as informações presentes no texto. Dessa forma, é plausível considerar esse modelo como pertencente a uma abordagem comunicativa de ensino de línguas, pois dá igual ênfase aos papéis do professor e do aluno durante a aprendiza-gem e, além disso, permite que a habilidade de leitura seja ensinada considerando-se o leitor e o texto simultaneamente ou paralelamente.

5.1 Contribuições do Modelo Interativo

Para o ensino-aprendizagem de línguas, o modelo interativo trouxe muitas contribui-ções, já que agrega conceitos dos dois modelos previamente apresentados. Do modelo bottom-up ou processo de mais baixo nível (ascendente), reitera a importância de se trabalhar com a microestrutura do texto, partindo das pequenas unidades para que o en-tendimento do todo aconteça. Dessa forma, trabalha com a gramática da língua e com o vocabulário. Do modelo top-down ou processo de mais alto nível (descendente), utiliza o conhecimento prévio do leitor para que o processo de leitura ocorra; contrasta, assim, a visão de mundo do leitor com as informações presentes na macroestrutura do texto. Em vista disso, utilizam-se as expressões “estratégias de leitura top-down e bottom-up” quan-do se está fazendo referência ao modelo interativo, e “modelos top-down e bottom-up” para as teorias propostas por Goodman (1985, 1988) e Gough (1985), respectivamente.

Em relação às estratégias bottom-up, pode-se citar a importância de se trabalhar com vocabulário e gramática em aulas de leitura. Segundo diversos estudos descritos por Carrell (1988), tanto para leitores nativos quanto para não-nativos, exercícios com foco na forma ajudam na leitura. Esses e outros estudos, então, enfatizam a necessidade de se trabalhar elementos locais do texto, incluindo instruções em elementos coesivos (substituição, elipses, conjunções, coesão lexical) e suas funções entre sentenças e parágrafos (PINTO, 2008, p. 36).

Vários são os autores que defendem o ensino gramatical em aulas de leitura. Den-tre eles pode-se citar Rutherford (1987), Ellis (1997), Giovannini et al (1996), Devine (1988) e Eskey (1988). Para eles, apenas a comunicação é insuficiente para a aquisição de uma completa competência gramatical. Afirmam também que, embora seja possível que os estudantes de uma segunda língua adquiram uma competência gramatical básica atra-vés de um ensino comunicativo, esse ensino ainda carece de complementos para que a gramática da língua seja aprendida. Portanto, os autores alegam que algumas atividades centradas na forma podem ajudar na aquisição de alguns pontos gramaticais mais difíceis.

O propósito de se ensinar gramática é para que os aprendizes construam algum tipo de consciência, representação cognitiva, a qual, se perguntado, eles poderão articular. Rutherford

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(op. cit.) chamou essa consciência sobre os aspectos formais da língua de consciousness-raising (C-R). Nesse sentido, o ensino da gramática em aulas de leitura deve estar a serviço da aprendi-zagem e não no comando da aprendizagem. Isto é, a gramática deve ser vista como um meio de facilitar o entendimento do texto, no intuito de cooperar para que isso aconteça.

O desenvolvimento de vocabulário e o reconhecimento de palavras são outras ha-bilidades cruciais de decodificação bottom-up, pois, ao contrário da visão tradicional do vocabulário, atualmente sabe-se que uma determinada palavra não tem uma noção fixa: dependerá do contexto e do conhecimento prévio do leitor, podendo, assim, assumir variados significados (CARRELL, 1988). Se o leitor não possui experiências prévias sobre determinada palavra empregada em determinado contexto, então, a compreensão do item lexical e da sentença como um todo pode ser afetada negativamente.

Em relação às estratégias top-down, pode-se dizer que ativar o conhecimento prévio (esquemas mentais) do aluno antes da leitura do texto propriamente dita é um ganho para o sucesso da leitura. Consequentemente, uma das razões pelas quais um esquema pode falhar para um leitor de segunda língua é que o esquema, geralmente, é específico a uma dada cultura (CARRELL, ibid.). Dessa forma, trabalhar os esquemas do aluno em atividades de pré-leitura é uma das soluções cabíveis para minimizar a diferen-ça entre as culturas da língua alvo e da língua materna do aprendiz.

Um ensino que demonstre conhecimento prévio adequado pode ser realizado por meio de atividades com filmes, peças de teatro, imagens, passeios, debates, entre outros. Além disso, podem ser feitas tarefas de associação de palavras-chave, mapa semântico, analogias ou comparações, no caso de dificuldades lexicais.

Outro ponto que chama à atenção para o ensino gramatical é como trabalhar em sala de aula o foco na forma. Os métodos e suas diferentes abordagens do ensino da gra-mática mudam ao longo do tempo, mas algumas questões parecem eternas, tais como: como a gramática pode ser apresentada de modo a facilitar o aprendizado dos alunos?

Dentre os elementos gramaticais que cabem ao professor ensinar, Ellis apud Richter (2000) nos aponta critérios de preferência para selecioná-los. Em primeiro lugar, atacar os traços frágeis (estes não podem ser aprendidos antes da hora, o aluno não consegue se dar conta porque são mais complexos) antes dos resilienses (são adquiridos de forma na-tural, através da comunicação). Em segundo, os traços redundantes (por exemplo: plural; masculino/feminino) devem predominar sobre os não-redundantes. Após, os traços mais marcados (têm um comportamento mais específico) devem predominar sobre os menos marcados (não-redundantes). E por fim, deve-se destacar as estruturas mais marcadas.

Nesse sentido, trabalhar leitura de forma interativa implica em levar em consideração conhecimento prévio do aluno bem como itens formais da língua específicos para que a lei-tura seja feita de maneira global, considerando sempre autor, texto e leitor. Assim, salienta-se que o ensino da gramática poderá ser trabalhado indutivamente ou dedutivamente.

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5.2 Ensino Indutivo e Dedutivo

A elicitação do desempenho do aluno se subdivide em comunicação focalizada e foco na marca formal. A comunicação focalizada é uma estratégia em que o professor predis-põe o aluno a interagir utilizando os itens gramaticais que interessa. O foco em marca formal é uma tentativa de se distanciar do conteúdo e trabalhar em cima de formas de expressão. Existem duas maneiras de fazer isso: através da via dedutiva e da via indutiva.

A estratégia dedutiva consiste em apresentar a explicar diretamente uma regra, se-guida de exemplos, partindo do geral para o particular. Já a indutiva consiste em fornecer aos alunos uma massa de dados a partir dos quais deve ser inferida a regra que responde pelas regularidades que esses dados têm em comum, ou seja, inicia do particular para o geral e implica trabalhar casos até chegar a regra.

O professor deverá decidir, de acordo com o nível de desenvolvimento dos alunos, quando usar a via dedutiva e quando usar a via indutiva. (Ellis apud Richter, 2000, não pa-ginado). Sabe-se, portanto, que essas duas vias são estratégias eficientes para o ensino gra-matical desde que associadas a um ensino interativo e comunicativo de gêneros textuais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A busca por um ensino de qualidade nos leva a acreditar que o professor, consciente sobre algumas teorias linguísticas, trabalha de forma reflexiva, ou seja, traduz nas ativi-dades realizadas em sala de aula as teorias necessárias para o ensino de línguas (sejam estas estrangeiras ou maternas). Assim, discutimos neste artigo alguns pontos teóricos que julgamos imprescindíveis no momento da produção e avaliação de material didático para aulas de leitura. O profissional metaconsciente tende a acarretar mudanças no agir, no pensar e o valorar, trazendo consequências positivas ao ensino.

Quando se pensa em uma sala de aula envolta em um processo interativo de ensino, à luz da teoria interacionista, acredita-se que todos terão possibilidade de falar, levantar hipóteses e, nas negociações, chegar a conclusões que ajudem o aluno a se per-ceber parte de um processo dinâmico de construção.

Nesse sentido, a abordagem comunicativa auxilia no processo de assimilação de conceitos, pois, como se caracteriza por ter foco no sentido, no significado e na interação propositada entre os sujeitos que estão aprendendo uma língua, organiza as experiências de aprender em termos de atividades de real interesse e/ou necessidade do aluno. Isso facilita a aprendizagem já que o sujeito passa a usar a língua para realizar ações autênticas. Além disso, esse ensino não toma as formas da língua descritas nas gramáticas como modelo suficiente para organizar as experiências de aprender outra língua, embora não descarte a possibilidade de criar momentos de explicitação de regras e de prática rotini-

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zante de aspectos gramaticais (Almeida Filho, 1993). Salienta-se, então, um ensino emba-sado no modelo interativo de leitura, no qual conhecimento prévio e itens linguísticos (trabalhados de forma indutiva ou dedutiva) estão presentes.

Quando o professor estimula seus alunos a usarem a linguagem de forma pragmá-tica, está, necessariamente, trabalhando com gêneros textuais que circulam no cotidiano e que fazem com que o aprendiz observe práticas sociais e se insira nelas, tornando-se produtor de textos orais e escritos.

Pensamos, por fim, que estes são pontos teóricos importantes para o professor refletir sobre o material didático que trabalha nas aulas de leitura. Porém, sabemos que as teorias linguísticas não se restringem apenas aos pontos abordados neste artigo e que todas as teo-rias de ensino são válidas desde que o professor consiga traduzi-las para seu material didático.

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LEITURA: UMA PROPOSTA PARA AS DIFERENTES ÁREAS A PARTIR DOS GÊNEROS TEXTUAIS DO COTIDIANO

Silvania Faccin Colaço

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A linguagem expressa pela leitura e produção de textos orais e escritos constitui objeto de ensino em todas as disciplinas da Educação Básica. Isso porque a comunicação diária ocorre através de tex tos de diversos gêneros, que circulam socialmente. Estudar os gêne-ros textuais (Bakhtin, 2000) é verificar como os textos se organizam para cumprir uma determinada função, considerando-se todo o contexto de comunicação: o produtor do texto e seu interlocutor, bem como a intenção com que o texto é produzido.

Em vista disso, os documentos oficiais que tratam da Educação no Brasil, como a própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, as Diretrizes e os Parâmetros Curriculares Nacionais e, mais recentemente, o Programa Lições do Rio Grande apon-tam a importância da leitura para formar cidadãos críticos e atuantes na sociedade. As-sim, todo professor deve centrar sua prática pedagógica na leitura e produção textual. Salienta-se que o texto é considerado no seu aspecto mais amplo, como um todo de significado, constituindo qualquer manifestação que faça sentido em uma dada situação de comunicação, como uma obra de arte, um bilhete, um telefonema, um e-mail, um cartaz, um texto técnico-científico, um poema, etc.

Para auxiliar os profissionais das diversas áreas do conhecimento, este trabalho visa a uma proposta de leitura e análise de gêneros textuais diversos, demonstrando como proporcionar ao educando formas de se tornar um leitor eficiente de textos que cir-culam socialmente no cotidiano da interação verbal. Além disso, a proposta prevê um trabalho pedagógico voltado para aprendizagens que despertem o interesse do aluno ao ler os textos que a ele são propostos. Para isso, exploram-se as múltiplas possibilidades da linguagem verbal e não-verbal, num estudo contextualizado, que destaca a importân-cia social e comunicativa dos gêneros textuais, pois, na relação leitor/texto/autor com a situação de uso, evidenciam-se aprendizagens mais significativas.

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A escola precisa se preocupar com essa dimensão dos textos e suas relações com o contexto, a fim de que os indivíduos possam interagir em situações comunicativas reais, com consciência sobre a linguagem que utilizam, isto é, sobre os gêneros textuais usados na comunicação diária.

2 LEITURA: PROCESSAMENTO INTERATIVO DE SENTIDO

Esta pesquisa insere-se na área de Linguística, mais especificamente na Psicolinguística, com o estudo do processamento da leitura em língua materna, pois, segundo a Psicolo-gia, cada indivíduo possui procedimentos próprios de aquisição de conhecimento.

A leitura, compreendida como uma atividade de processamento de informações, envolve uma série de processos psicológicos e cognitivos bem como de atividades cons-cientes, que resultam no entendimento do sentido do texto por parte do leitor. Os pro-cessos utilizados durante a leitura dependem de vários fatores, como o grau de maturi-dade do sujeito-leitor, o nível de complexidade do texto, o objetivo da leitura, o grau de conhecimento prévio que o leitor possui sobre o assunto tratado e o seu estilo individual (KATO, 1990, p. 60).

A preocupação com o processamento de sentido tem suscitado vários estudos por parte dos pesquisadores da área. Algumas pesquisas foram realizadas sobre leitura, especialmente com referência a modelos e abordagens que buscam entender, descrever e explicar os procedimentos utilizados pelo leitor para compreender o texto. Esta pes-quisa está voltada para o processamento da leitura à luz das teorias estabelecidas, princi-palmente, por Ruth Garner (1988), Kenneth Goodman (1990), Mary Kato (1990), Vilson Leffa (1996) e Ângela Kleiman (1998).

A leitura transformou-se em foco principal de estudos linguísticos, pois já se sabe que a aprendizagem da leitura é fundamental para a integração do indivíduo no seu con-texto cultural, político e econômico, visto que o ato de ler abre novas perspectivas, per-mitindo-lhe posicionar-se criticamente diante da realidade. Assim, aqueles que não têm acesso à leitura ficam à margem e não completam sua realização como ser-no-mundo.

No ensino, em todos os níveis, os professores têm uma preocupação constante com a leitura, pois observam que os alunos apresentam muitas dificuldades quanto ao resultado atingido no processamento de sentido e, consequentemente, no interesse pela leitura de textos e livros em geral. Surge, assim, um problema complexo e merecedor de estudos: como melhorar o processamento de sentido dos alunos e despertar neles o interesse pela leitura?

Nas últimas décadas, a leitura deixou de ser vista apenas como uma atividade mecânica, ou decodificação, feita sem nenhum compromisso com a compreensão. As pesquisas em torno da leitura ultrapassaram as preocupações com o produto e passa-ram a olhar para os processos empregados pelo sujeito no ato de ler. Entre as diferentes

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abordagens das teorias de leitura, destacam-se três modelos básicos: o processamento ascendente, centrado no texto como repositório de informações; o processamento des-cendente, centrado no leitor e suas adivinhações; e o modelo interativo, que é o mais indicado porque combina os dois primeiros (GARNER, 1988).

No modelo interativo, há uma inter-relação do processamento ascendente com o descendente. Verifica-se que a compreensão só é atingida na interação entre o leitor e o texto, numa relação de encontro, em que a leitura implica uma correspondência entre o conhecimento prévio do leitor – que é adquirido ao longo da vida – e os dados fornecidos pelo texto. Para Leffa, “leitor e texto podem ser representados como duas engrenagens. Quanto melhor o encaixe entre um e outro, melhor a compreensão do texto” (1996, p.22).

David Rumelhart (1980) apresenta a “teoria dos esquemas”, na qual os dois proces-sos – ascendente e descendente – devem ocorrer simultaneamente, cujo resultado é o processamento interativo. Para esse autor, os esquemas são “estruturas para representar os conceitos genéricos armazenados na memória” (1980, p.34). Por isso, no momento em que o leitor usa seus esquemas, ele está realizando um processamento interativo, pois está relacionando informações do texto a esquemas existentes em sua mente.

Kleiman (1989) defende a leitura como um processo interativo, com o argumento de que o leitor utiliza diversos níveis de conhecimento que interagem. Para ela, a compre-ensão do texto ocorre mediante a interação dos níveis linguístico, textual e de conheci-mento do mundo. Daí dizer-se que é impossível haver compreensão sem o conhecimento prévio e sem o entendimento das pistas textuais deixadas pelo autor, estabelecendo-se o acordo de “responsabilidade mútua” (p.65) entre autor e leitor, em que o autor procura ser o mais claro possível e o leitor esforça-se para compreender o texto.

Goodman (1991) descreve o modelo interativo de leitura como um “modelo psi-colinguístico transacional”, abordando o processo pelo qual o escritor constrói o texto, as características do texto e o processo pelo qual o leitor elabora o significado. Para o autor, a leitura é um processo não-linear, dinâmico e preditivo de formulação de hipóteses, no qual o leitor utiliza seu conhecimento linguístico, conceitual e de mundo.

De forma semelhante, Kato (1990, p.39) afirma que “a compreensão em leitura é uma atividade que envolve a integração do velho com o novo”. Para a autora, o leitor usa, de forma adequada e no momento oportuno, os dois processos complementarmente – o descendente e o ascendente, conforme os objetivos da leitura.

De acordo com os princípios defendidos por Smith (1989), destaca-se que existe um conhecimento da língua e do assunto do texto (informação visual) e um conheci-mento prévio, que está fora do texto (informação não-visual), caracterizando, assim, o processo interativo entre o que o leitor já sabe e o que ele retira dos dados explícitos do texto. Nesse processo, o leitor eficiente é aquele que utiliza o conhecimento prévio arma-zenado na memória para fazer uma leitura rápida e seletiva através da previsão de parte do material do texto. Enfatiza-se que, quanto maior o conhecimento partilhado entre autor e leitor, melhor será a compreensão. Para Leffa (1999), essa é uma abordagem con-

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ciliadora, que pretende “não apenas conciliar o texto com o leitor, mas descrever a leitura como um processo interativo/transacional, com ênfase na relação com o outro” (p. 13).

O processamento interativo também está implícito nos níveis propostos por José Marcelino Poersch (1991), já que, para atingir esses níveis, o leitor deve participar ativa-mente da leitura. Para descrever os níveis, o autor adota uma taxonomia baseada no cri-tério de profundidade de compreensão. Ele denomina de nível explícito àquilo que está escrito no texto; nível implícito ao que pode ser inferido das entrelinhas, compreendido pelo leitor de acordo com seu conhecimento prévio; e nível metaplícito, ao que compre-ende os dados relativos à situação de produção do texto, portanto, exteriores ao texto, cuja compreensão depende do grau de interação do leitor com o texto, de sua leitura crítica, resultado dos dados escritos e de seu conhecimento prévio. Assim considerados, os níveis relacionam-se com os processos de leitura.

Segundo Pereira; Andrade (2009), os estudos sobre compreensão da leitura exi-gem uma abordagem sobre os processos cognitivos do leitor que associe os conheci-mentos prévios destes com as pistas do texto, a fim de constituir o sentido. A leitura passa a ser assumida como “uma atividade interativa altamente complexa de produção de sentidos” (KOCH; ELIAS, 2006, p.11), em que o leitor se baseia nos elementos linguísticos da superfície textual e sua organização associados à mobilização dos saberes no interior do evento comunicativo.

Por tudo isso, optou-se, neste trabalho, por uma abordagem de leitura como pro-cesso de interação, no qual a compreensão acontece no momento em que há a corres-pondência entre o conhecimento prévio do leitor e os dados fornecidos pelo texto.

3 LEITURA: NA PERSPECTIVA DOS GÊNEROS TEXTUAIS DO

COTIDIANO

Para trabalhar com a leitura de textos de circulação social do cotidiano, é preciso apresentar a definição de gênero textual, ou gênero discursivo. Bakhtin (2000) apresenta um estudo dos gêneros discursivos, considerando-os tipos particulares de enunciados que se diferen-ciam de outros tipos de enunciados, com os quais têm em comum a natureza linguística.

O estudo de gêneros textuais considera as mais diversas manifestações linguísticas, tanto orais como escritas. Assim, o gênero textual é definido de acordo com seu papel na sociedade, vindo a revelar o seu funcionamento.

As pessoas usam os gêneros textuais para se comunicar e interagir socialmente. Assim, as línguas realizam um extenso contínuo de gêneros, que revelam as competên-cias comunicativas de seus falantes. Nos últimos séculos, juntamente com a crescente cultura impressa, houve um aumento significativo de gêneros textuais escritos e, mais modernamente, com a internet, o surgimento de novos gêneros. Assim, a escola torna-se

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o espaço de circulação dos gêneros socialmente recorrentes. Um número infinito de gêneros discursivos pode ser encontrado nas diferentes

esferas de interação comunicativa, de acordo com suas práticas sociais: notícias, bilhetes, avisos, telefonemas, crônicas, receitas, diálogos, convites, artigos de opinião, etc. A termi-nologia usada por Bakhtin é “gênero discursivo”, mas, neste estudo, optou-se por “gênero textual”, uma terminologia mais corrente nos estudos linguísticos em geral.

Os estudiosos são unânimes em considerar o gênero textual a partir da função exer-cida pelo texto em dada situação comunicativa. Miller (1984, p.165), por exemplo, observa que o gênero é determinado pelos objetivos que precisam ser cumpridos, constituindo uma interação de usos do discurso e não apenas um padrão formal. Para Kress (1999), a aprendizagem a partir de gêneros textuais traz um dispositivo para analisar a própria socie-dade, pois a linguagem reflete e constrói relações de poder e autoridade. Bazerman (2005) também ultrapassa os aspectos formais da recorrência textual, pois privilegia os usos e os papéis dos indivíduos que se utilizam dos gêneros textuais na sua interação social.

Marcuschi (2002) apresenta ainda a noção de domínios discursivos, que designam uma esfera ou instância de produção discursiva ou de atividade humana em que os tex-tos circulam: jurídico, jornalístico, religioso, etc. O mesmo autor diferencia texto de discurso, considerando texto como “uma entidade concreta realizada materialmente e corporificada em algum gênero textual” e discurso como “aquilo que um texto produz ao se manifestar em alguma instância discursiva”. Assim, verifica-se que o discurso se realiza nos textos e os textos realizam discursos. Destaca-se que nem sempre os textos são puros, muitas vezes apresentam um gênero híbrido (um gênero em outro) ou um tipo textual com sequências tipológicas heterogêneas, mas relacionadas entre si (narração, descrição, dissertação).

Para permitir um maior e mais justo acesso à sociedade, a escola é o instrumento que pode colocar o aluno numa condição mais crítica, pois a liberdade de escolha na área cultural, social, política e ética depende da capacidade de usar qualquer gênero em sua sociedade (KRESS, 1999). Verifica-se, assim, que a escola precisa trabalhar os gêneros orais e escritos que circulam no meio sociocultural, já que os gêneros são resultados dos fatores sociais. Os gêneros de prestígio, usados por grupos culturais dominantes, preci-sam ser ensinados de uma maneira crítica e reflexiva, desvendando a ideologia social, política e econômica e constituindo o letramento dos sujeitos. E os gêneros mais simples podem ser estudados como motivadores da leitura de outros textos mais complexos, como uma tira motivando a leitura de um texto técnico-científico.

3 PROPOSTA TEÓRICO-PEDAGÓGICA

Inicialmente, convém destacar que todo professor constitui-se num professor de leitu-ra, independentemente da área do conhecimento em que está inserida sua disciplina.

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Verifica-se que, ao trabalhar com textos apenas da esfera científica, o professor deixa de relacionar os conteúdos curriculares com a realidade do aluno. Assim, propõe-se que o ensino esteja voltado para a leitura de textos do cotidiano, desde os gêneros de domínio jornalístico até os de domínio científico.

Para tal, o passo inicial é cada professor se instrumentalizar da leitura de jornais e revistas, para poder selecionar os textos mais adequados a cada conteúdo a ser traba-lhado. Por exemplo, fica muito mais interessante iniciar um estudo da vegetação de uma dada região, em Geografia, com a análise de uma charge ou de uma notícia que abor-dem o tema, para, só depois, inserir o aluno em textos que exijam maiores habilidades de competência leitora. Destaca-se que, se o aluno tiver alguns conhecimentos prévios sobre o assunto, torna-se mais fácil processar o sentido de um texto científico, que, além do tema novo, apresenta uma linguagem mais técnica.

Além disso, todo texto está inserido em um contexto de circulação. Por isso é preciso analisar as características recorrentes no gênero e sua função na sociedade, de acordo com as intenções de comunicação do produtor e com as condições de compre-ensão dos leitores. Dessa forma, sugerem-se algumas questões que precisam ser pontua-das “antes” de se iniciar a leitura propriamente de qualquer texto:

• Qual o veículo de publicação em que o texto está inserido? Quais as características desse veículo: público-alvo, temáticas abordadas, etc?

• Qual a seção do jornal/revista em que o texto está publicado? É de opinião ou é a apresentação de fatos?

• É possível identificar o autor do texto? Há alguma informação sobre ele? Se não houver, como se pode obter essas informações?

• O que se pode depreender do título? Que hipóteses podemos criar a partir de sua leitura?

• Existe subtítulo, partes em negrito ou imagens/gráficos/tabelas, que venham expli-car melhor o título ou trazer informações referentes ao tema do texto?

Esses questionamentos constituem a pré-leitura, que irá acionar alguns conheci-mentos prévios que poderão auxiliar o aluno na construção do sentido ao ler o texto propriamente dito. Além disso, são questões que abordam o texto como gênero, consi-derando seu público leitor, seu produtor e a situação social comunicativa.

Após essa preparação inicial, o aluno encontra-se mais apto para realizar a leitura linear do texto, num processo interativo de construção de sentido, em que o leitor pode relacionar os seus conhecimentos prévios com as informações novas trazidas pelo texto.

Durante a leitura, ainda é importante que o aluno aprenda a identificar as partes mais importantes, sublinhando-as ou destacando-as de alguma forma. É o momento de confirmar ou refutar/reformular hipóteses e direcionar a leitura para cumprir seus objetivos. A leitura, as-sim, passa a fazer sentido para o aluno e, ao final da tarefa, o aluno consegue estabelecer alguma relação do texto lido com sua realidade e com os conhecimentos que já possuía.

Após esse trabalho envolvendo textos de gêneros variados e também de domínio

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jornalístico, o professor pode inserir a leitura de textos científicos, a fim de estabelecer relações entre um contexto mais simples e um mais complexo. A partir daí, a introdução de conteúdos curriculares mais aprofundados torna-se mais fácil para a aprendizagem, pois adquire sentido para o aluno, considerando-se que ele já possui, em sua história de leitura, uma “bagagem” que vai dar suporte aos novos conhecimentos.

Assim, o professor estará realizando com seus alunos uma leitura de mundo, de imagens e da palavra. A leitura de mundo ocorre ao se usar, em sala de aula, textos do cotidiano dos alunos, dos jornais e revistas a que ele está submetido na atualidade: charges, editoriais, artigos de opinião, anúncios publicitários, notícias, reportagens, etc. Esses gêne-ros textuais oportunizam discussões sobre o contexto social, político, cultural e econômi-co em que os textos foram produzidos. Nesse caso, pode-se distinguir fato de opinião e mostrar aos alunos que os textos não trazem em si verdades absolutas, mas versões de fatos e pontos de vista, que podem ser contestados se houver argumentos suficientes para tal. Antes de introduzir um texto científico sobre propriedades do solo, por exemplo, pode-se realizar a leitura de uma notícia sobre desabamentos provocados por enxurradas ou um artigo de opinião sobre construções habitacionais em lugares inapropriados.

A leitura da imagem ocorre paralela à leitura da palavra, verificando-se as cores, formas, texturas, expressões fisionômicas e corporais, números, etc. na construção de uma argu-mentação ou na ilustração de informações. A imagem sempre teve o poder de se impor, fazendo com que surgisse a atual “civilização da imagem”, que se caracteriza como a era da visualidade, da cultura visual. Assim, a análise de um anúncio publicitário, por exemplo, ob-servando o uso da imagem como um fator de persuasão, ou a exploração de uma capa de revista podem introduzir vários conteúdos da matriz curricular de um curso. Outros gêneros exploram bastante a imagem, como: tiras, histórias em quadrinhos, charges, rótulos, mapas, gráficos, obras de arte. A partir da leitura de um gênero com imagens, pode-se introduzir o texto mais árduo do domínio científico. As aulas tornam-se mais agradáveis por trabalharem com situações concretas e reais do cotidiano, antes de abordarem a teoria.

A leitura da palavra acontece simultaneamente à leitura do mundo e das imagens (em textos mistos) ou é a forma de decodificação em textos que usam a linguagem verbal apenas. A palavra está em textos de gêneros diversos (orais ou escritos), dos mais simples aos mais complexos, trazendo marcas linguísticas, isto é, as palavras/expressões que dão as pistas para o leitor construir o sentido do texto e às quais é preciso se estar atento. São muitos os gêneros que usam a palavra falada ou escrita apenas: telefonema, aula expositivo-dialogada, palestra, crônica, editorial, artigo de opinião, resenha, plano de aula, receita, carta do leitor, bula de remédio, etc. Outros gêneros trazem uma linguagem mista, misturando o verbal e o não-verbal: tiras, charges, anúncios publicitários, panfletos, cartazes, capas de revista, reportagens, convites, relatórios, etc.

Destaca-se que é na interação do autor com o texto que as intenções mais es-condidas são captadas. A leitura das entrelinhas revela as ideias implícitas e desvenda-das pelo bom leitor, que precisa aprender estratégias para desvendar o texto, seja ele verbal ou não-verbal. Assim, o professor torna-se o facilitador do processo, o instigador

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do desafio de desvendar os sentidos do texto. É importante que se comece por textos mais simples e, sucessivamente, proponha-se a leitura de textos mais complexos, a fim de que a atividade se torne de fácil execução e, por conseguinte, de interesse do aluno, despertando-lhe o gosto por realizar uma atividade prazerosa.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A leitura de gêneros textuais diversos, desde os textos que circulam no cotidiano social dos alunos até os de domínio científico, estudados na escola, precisa ser o ponto forte do ensino em qualquer disciplina. Alunos que leem bastante ficam mais preparados para resolver pro-blemas que exigem raciocínio, reflexão e concentração, pois a leitura desenvolve essas habili-dades. E, acima de tudo, tornam-se produtores de textos claros e coerentes, pois conseguem organizar as ideias com mais facilidade. Verifica-se que as provas do ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) têm, em todas as disciplinas, questões de interpretação, com enunciados longos e que exigem o processamento de sentido adequado para sua realização.

Cabe, portanto, aos professores das diversas áreas do conhecimento um trabalho contínuo em sala de aula, voltado para o desenvolvimento de habilidades que tornem os alunos competentes em leitura de textos curtos ou longos, verbais, não-verbais ou mistos, simples ou complexos, de acordo com cada série. A escolha dos textos torna-se uma tarefa importante, em que o professor precisa tomar cuidado. Mas, é uma capacidade que tam-bém vai se desenvolvendo ao longo do processo, no conhecimento diagnóstico dos interes-ses da turma, bem como no desenvolvimento das próprias leituras do professor. Destaca-se que o professor, numa proposta de trabalho voltada para a leitura de gêneros textuais diver-sos, precisa ser um leitor dinâmico e assíduo. É isso que lhe dará condições de escolher bons textos para relacionar aos conteúdos curriculares que precisa desenvolver em suas aulas.

Acredita-se que as habilidades desenvolvidas em aula com leitura auxiliem os alu-nos a alcançarem melhor desempenho em todas as disciplinas curriculares e também na prática de linguagem exercida em sociedade, a fim de se tornarem cidadãos conscientes de seu papel e usuários competentes de sua língua, aptos à realização de leituras em todas as áreas do conhecimento.

Considera-se relevante, assim, o estudo da leitura em todas áreas do conhecimen-to. Além do mais, uma proposta centrada no texto, num domínio social e político, re-presenta um avanço, pois linguagem sempre acontece como texto que ocorre em uma forma de gênero específico. Provavelmente, um estudo centrado nessa perspectiva de gêneros textuais contribuiria para o combate à exclusão social, no desenvolvimento da consciência do indivíduo em relação a si mesmo, em relação ao outro e à sociedade.

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REFERÊNCIAS

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GARNER, Ruth. Metacognition and reading comprehension. Norwood, New Jersey: Ablex, 1988.

GOODMAN, Kenneth. Unidade de leitura: um modelo psicolinguístico transacional. Letras de Hoje, Porto Alegre EDIPUCRS, v. 26, nº 4, p. 9-43, dez. 1991.

KATO, Mary. O aprendizado da leitura. São Paulo: Martins Fontes, 1990. 121 p.

KLEIMAN, Angela. Texto e leitor: aspectos cognitivos da leitura. Campinas: Pontes, 1989.

KOCH, Ingedore G. Villaça; ELIAS, Vanda Maria. Ler e compreender: os sentidos do texto. São Paulo: Contexto, 2006.

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MILLER, C. R. Genre as social action. Quarterly Journal of Speech, 1984.

PEREIRA, Vera Wannmarcher; ANDRADE, Gilberto Keller de. Leitura de e-book dirigido a pro-fessores de anos iniciais: compreensão, processamento e adesão. In: COSTA, Jorge Campos da; PEREIRA, Vera Wannmarcher. (orgs.) Linguagem e cognição: relações interdisciplina-res. Porto Alegre: EDIPUCRS, p. 329-341, 2009.

POERSCH, José Marcelino. Por um nível metaplícito na construção do sentido textual. Letras de Hoje. Porto Alegre: v. 26, nº 86, dez., p. 127-143.1991.

RUMELHART, E. David. Schemata: the building blocks of cognition. In: SPIRO et al. (org.). The-oretical issues in reading comprehension. New Jersey: Erlbaum, p. 33-58, 1980.

SMITH, F. A. Compreendendo a leitura : uma análise psicolinguística da leitura e do aprender a ler. Tradução por Daise Batista. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989.

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CURRÍCULO DOS AUTORES

Cândida Martins PintoPossui graduação em Letras Inglês/Português e respectivas Literaturas pela Universidade Federal de Santa Maria (2005) e Mestrado em Estudos Linguísticos pela mesma instituição (2008). Em 2008, também se especializou em Metodologias de Ensino de Línguas pela Universidade Fran-ciscana (UNIFRA). Atua principalmente nos seguintes temas: leitura, gêneros textuais, produção textual, interação e linguagem. É professora efetiva do Instituto Federal Farroupilha – Campus São Vicente do Sul e ministra aulas para cursos de nível médio, pós-médio e de tecnologia.

Evanir Piccolo CarvalhoProfessora de Língua Portuguesa e Língua Inglesa no Instituto Federal de Edu-cação, Ciência e Tecnologia Farroupilha – Campus São Vicente do Sul. Possui Mestrado em Educação pela Universidade Federal de Santa Maria e exerce suas atividades, atuando principalmente nos seguintes temas: leitura, produção textual nos cursos de Ensino Médio, Técnicos, Tecnólogos e Licenciaturas.

Fabiana Veloso de Melo DamettoProfessora da Escola Técnica Liceu – Santa Cruz do Sul/RS. Mestre em Letras pela Uni-versidade Federal de Santa Maria, participante do grupo de pesquisa NELCE (Núcleo de Estudos de Línguas em Contextos de Ensino) e integrante da linha de pesquisa “Repre-sentações sociais do agir docente”.

Fabrícia Cavichioli BraidaPossui Graduação em Letras (Licenciatura Plena em Língua Portuguesa e respectivas Li-teraturas) e Mestrado em Letras (Área de concentração Estudos Linguísticos) pela Uni-versidade Federal de Santa Maria (UFSM). Atualmente, é doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Letras da UFSM. Desempenha a atividade de professora de Língua Portuguesa no Colégio Militar de Santa Maria. Também é professora-tutora (bolsista) do Curso de Graduação em Letras a distância na UFSM, atuando, principalmente, nas disciplinas de Morfologia da Língua Portuguesa, Sociolinguística, Pragmática da Língua Portuguesa e Produção e Análise de Materiais Didáticos em Língua Portuguesa.

Josete Cardoso BerniPossui graduação em Letras Português Espanhol pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (2001). Especialista em Educação Ambiental pela Uni-versidade Castelo Branco, RJ. Atualmente é docente do Instituto Federal de Educação Ciências e Tecnologia Farroupilha. Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Lín-

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gua Portuguesa e Espanhola, bem como suas respectivas Literaturas. Possui experiência comprovada na Educação de Jovens e Adultos(EJA).

Leandro Wesz ParisePossui Curso Normal de Nível Médio. Graduação em Letras Português – Inglês e Respectivas Literaturas pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões URI - San-tiago(2007). Especialista em Educação Inclusiva pela Universidade Luterana do Brasil - UL-BRA - RS. Pós-Graduando em Mídias na Educação pela Universidade Federal da Santa Maria, UFSM - RS.  Atualmente é docente substituto no Instituto Federal de Educação, Ciências e Tecnologia Farroupilha - Campus de São Vicente do Sul. Com experiência de dez anos na área de Letras no ensino fundamental, médio (regular e EJA), superior  e cursos preparatórios.

Lísia Vencatto LorenzoniPossui graduação em Letras pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Santiago – FA-FIS (1990), Especialização em Português pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e PROEJA pelo Instituto Federal Farroupilha, convênio com Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Atualmente é professora de Ensino Médio, Técnico e Tecnológico do Instituto Federal Farroupilha – Campus São Vicente do Sul – RS. Aluna mestranda em Educação Agrícola da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – UFRRJ. Tem experiência na área de Letras atuando principalmente nos seguintes temas: Língua Portuguesa, Produ-ção Textual, Inglês Instrumental.

Raquel BevilaquaPossui Graduação em Letras Inglês/Português e respectivas literaturas pela Universidade Federal de Santa Maria (2001). É mestre em Letras pela mesma instituição de ensino (2005). Em seu curso de Mestrado, trabalhou com a Análise de Discurso de linha fran-cesa. Atualmente coordena curso de Formação Inicial e Continuada em Proeja e desen-volve pesquisas na área de letramentos. É professora titular de língua inglesa e de língua portuguesa do Instituto Federal Farroupilha, Campus São Vicente do Sul – RS, atuando em cursos de nível médio, técnico e tecnológico.

Silvania Faccin ColaçoPossui Graduação em Letras: Português/Inglês, pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Santiago/RS, Especialização em Língua Portuguesa, pela Universidade Federal de Santa Maria/RS e Mestrado em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2000), na área de concentração em Linguística Aplicada. Atualmente, é professora efetiva do Instituto Federal Farroupilha, campus São Vicente do Sul/RS, atu-ando em cursos de nível Médio, Técnico e Tecnológico. Tem experiência na formação de professores, na área de Letras, com ênfase em Linguística, atuando principalmente nos seguintes temas: leitura, gênero textual, produção textual, texto e linguagem.

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Livro digitalizado composto em Cronos Pro por Marcelo Kunde em Junho de 2011.