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Lidiana da Silva Betega TRABALHO FINAL DE GRADUAÇÃO O Pasquim nos anos de chumbo (1969 1971): A CHARGE COMO CRÍTICA AO REGIME MILITAR Santa Maria, RS 2012

Lidiana da Silva Betega - Jornalismo-Unifra/RS¡ contribuir com o resgate histórico do jornalismo e colaborar para o entendimento de fatos do passado, ... produzindo leituras,

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Lidiana da Silva Betega

TRABALHO FINAL DE GRADUAÇÃO

O Pasquim nos anos de chumbo (1969 – 1971): A CHARGE COMO

CRÍTICA AO REGIME MILITAR

Santa Maria, RS

2012

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Lidiana da Silva Betega

O PASQUIM NOS ANOS DE CHUMBO (1969 – 1971):

A CHARGE COMO CRÍTICA AO REGIME MILITAR

Trabalho final de graduação apresentado ao Curso de Comunicação Social – Jornalismo

– Área de Ciências Sociais, do Centro Universitário Franciscano, como requisito parcial

para obtenção do grau de Jornalista – Bacharel em Jornalismo.

Orientador: Prof. Dr. Antonio Fausto Neto.

Santa Maria, RS

2012

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Lidiana da Silva Betega

O Pasquim nos anos de CHUMBO (1969 – 1971): A CHARGE COMO

CRÍTICA AO REGIME MILITAR

Trabalho final de graduação apresentado ao Curso de Comunicação Social – Jornalismo

– Área de Ciências Sociais, do Centro Universitário Franciscano, como requisito parcial

para obtenção do grau de Jornalista – Bacharel em Jornalismo.

Orientador: Prof. Dr. Antonio Fausto Neto.

_________________________________________________

Prof. Dr. Antônio Fausto Neto – Orientador (Unisinos)

________________________________________________

Prof. Carlos Alberto Badke (Unifra)

________________________________________________

Profª. Paula Bolzan Jardim (Unifra)

Aprovado em ____ de ________________de 2012

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AGRADECIMENTOS

Acredito que tudo na vida tenha um sentido, e que as coisas não acontecem por

acaso. Durante a minha infância e adolescência, pude acompanhar a rotina de meu avô,

Hélio. Ele era um grande pesquisador da língua portuguesa e passava o dia dentro do

seu escritório, em casa, rodeado de livros, coleção de canetas, máquina de escrever e

papel, muito papel. Quando eu entrava nesse mundo dele, sentia uma grande vontade de

ficar, ler as suas anotações, livros, revistas, enfim, folhear tudo. Meu avô viveu a

Ditadura Militar e pesquisou muito sobre esse período, acumulando diversas anotações

sobre o assunto. Sem possuir computador e internet, ele tinha o livro como seu melhor

companheiro. Eu aprendi a apreciar essa adoração dele, tanto pelos livros, como pelos

assuntos e costumes. Já falecido, deixou saudades e dele, eu herdei à coleção de canetas,

os livros, as anotações, a paixão pela escrita e o gosto pelo passado. Por isso, agradeço a

ele, que mesmo sem saber, me despertou um grande dom e me fez cursar Jornalismo e

me ajudou na escolha do tema desta monografia.

Agradeço a minha família, principalmente ao meu pai, Dagoberto, minha mãe

Vera e minha avó Noemi, pela força e pelo apoio. Obrigada por entenderem minhas

angústias, reclamações e falta de tempo.

Também dedico este trabalho às minhas amigas e colegas Thays, Fernanda,

Dandara e Luana, que compartilharam desse mesmo sentimento de nervosismo e

dedicação que o TFG exigiu, mas mesmo assim, dedicaram a mim, alguns momentos

dos seus dias com palavras de amizade e companheirismo.

Por último, o meus sinceros agradecimentos ao orientador Antônio Fausto Neto

que teve paciência e que se dedicou a esta monografia, compartilhando comigo a sua

inteligência e experiência. Agradeço pelas palavras de compreensão, pelas críticas e

“puxões de orelha”, e pelo tempo que dedicou ao nosso trabalho. Com toda a certeza,

lembrarei sempre de seus conselhos e ensinamentos. Muito obrigada!

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Apesar de você

Amanhã há de ser outro dia

Eu pergunto a você onde vai se esconder

Da enorme euforia?

Como vai proibir

Quando o galo insistir em cantar?

Água nova brotando

E a gente se amando sem parar

Apesar de você (Chico Buarque)

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RESUMO

O objeto desta pesquisa é o jornal O Pasquim e seu objetivo é refletir sobre como

tabloide conseguiu através da linguagem das charges, desenvolver críticas ao Regime

Militar. Um estudo sobre o funcionamento da imprensa e particularmente da imprensa

alternativa durante esse período nos parece importante para a compreensão de pelo

menos dois aspectos. De um lado, os mecanismos instituídos pelo ciclo ditatorial, cujo

os principais instrumentos foram os atos institucionais. De outro lado as estratégias

realizadas pelo jornalismo como àquelas feitas em O Pasquim, que procuravam produzir

um discurso crítico sobre o Regime pela via do humor segundo o trabalho dos

chargistas. Vários autores nos auxiliam para o desenvolvimento desta pesquisa e para o

trabalho de análise da linguagem sobre as charges e do humor nos demos da análise

interpretativa dos textos jornalísticos visando descrever e compreender os sentidos

enunciados pelas charges.

O trabalho de análise se fará a partir de seis edições do jornal O Pasquim,

compreendidas entre os anos 1969 a 1971, período em que o Pasquim constrói suas

estratégias de driblagem da censura.

Palavras-chave: jornalismo, censura, Pasquim

ABSTRACT

The object of this research is the newspaper The Pasquim and its purpose is to reflect on

how tabloid got through the language of cartoons, develop criticisms of the military

regime. A study on the functioning of the press and particularly the alternative press

during this period seems to be important for the understanding of at least two respects.

On one hand, the mechanisms imposed by dictatorial cycle, whose main instruments

were the institutional acts. On the other hand the strategies undertaken by journalism as

those made in The Pasquim, which sought to produce a critical discourse about the

scheme via the mood according to the work of cartoonists. Several authors help us to

develop this research and analysis work on the language of cartoons and humor gave us

the interpretative analysis of journalistic texts in order to describe and understand the

directions set by the cartoons. The analysis work will be done from six editions of the

newspaper The Pasquim, between the years 1969 to 1971, during which The Pasquim

builds its strategies to dribble censorship.

Keywords: journalism, censorship, Pasquim

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LISTA DE SIGLAS

ABI Associação Brasileira de Imprensa

AI-5 Ato Institucional nº5

ARENA Aliança Renovadora Nacional

CIMI Conselho Indigenista Missionário

DFSP Departamento Federal de Segurança Pública

DIP Departamento de Imprensa e Propaganda

DOI-CODI Destacamento de Operações e Informações e Centro de Operações de

Defesa Interna

DOPS Delegacia de Ordem Política e Social

MDB Movimento Democrático Brasileiro

SCDP Serviço de Censura e Diversões Públicas

TFG Trabalho Final de Graduação

TCDPs Turmas de Censura de Diversões Públicas

TV Televisão

UDN União Democrática Nacional

UNIFRA Centro Universitário Franciscano

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Quadro de datas importantes da história institucional e legal da censura......33

Figura 2 - Quadro dos segmentos culturais inspecionados e censurados.......................34

Figura 3 - Gráfico dos jornais alternativos por tempo de duração................................. 46

Figura 4 - Primeiro exemplar de O Pasquim, veiculado em 26/06/1969......................60

Figura 5 - Mascote do Pasquim – Ratinho Sig...............................................................88

Figura 6 - Ratinho Sig por Henfil..................................................................................110

Figura 7 – Ratinho Sig por Jaguar................................................................................110

Figura A - A autocensura de Millôr................................................................................97

Figura B - Parodiando Drummond................................................................................100

Figura C - Plágio à Independência................................................................................104

Figura D - Um jornal sem jornalistas............................................................................107

Figura E - A saída !! Onde fica a saída?........................................................................109

Figura F – E agora?.......................................................................................................112

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO.........................................................................................9

2. VESTÍGIOS DE UM PASSADO NEM TÃO DISTANTE.................13

2.1. O Golpe Militar e as liberdades de expressão.........................................19

2.2. Os fundamentos da censura......................................................................27

3. EMERGÊNCIA DA IMPRENSA ALTERNATIVA............................36

3.1 Causas do surgimento dos jornais alternativos.......................................40

3.2 Perfil dos jornais alternativos nos anos de chumbo................................43

4. CHEGADA DO PASQUIM......................................................................49

4.1 Como nasceu o Pasquim..........................................................................55

4.2 História do Pasquim face à política.........................................................62

5. A PATOTA ENFRENTA A CENSURA.................................................66

5.1 Humor como linguagem de comunicação...............................................73

5.2 A resistência através do humor................................................................81

5.3 Humor no Pasquim: resistindo a censura................................................84

5.3.1 Uma breve descrição contextual das charges..............................90

5.3.2 A grande sacada............................................................................95

6. CONCLUSÃO..........................................................................................115

BIBLIOGRAFIA..........................................................................................118

ANEXOS.......................................................................................................126

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1. INTRODUÇÃO

Este trabalho pretende analisar a utilização das charges humorísticas no jornal O

Pasquim, visando compreender as estratégias envolvidas pelo jornal para resistir as

formas de censura impostas aos jornais durante o período de vigência do ato

institucional no contexto da Ditadura Militar. Visa também construir modos de

aproximação com o leitor, usadas pelos cartunistas e jornalistas que faziam parte da

equipe do semanário no período do Regime Militar do Brasil (1964 – 1985).

O tema foi escolhido a partir da paixão pelo jornalismo, em primeiro lugar, e

logo, a paixão pelo jornalismo alternativo, que nasceu dos frutos de uma geração

insatisfeita com o governo, um jornalismo que por si só, se tornou subversivo, baseado

em lutas, movimentos e protestos, almejando sempre a democracia no país e uma

revolução no modo de informar.

Esta pesquisa é importante para que possamos entender, identificar e

compreender como o jornalismo alternativo do Brasil e como uso das charges no jornal

O Pasquim transformou o jornalismo.

Um estudo sobre o período em que a Ditadura Militar se instaurou no país é

fundamental para entendermos como foi a atuação ditatorial do governo que marcou

uma época, e como o jornal, um dos mais importantes meios de comunicação e de maior

expressão da imprensa atuou nesse período. Portanto, considera-se que este estudo

poderá contribuir com o resgate histórico do jornalismo e colaborar para o entendimento

de fatos do passado, complementando os registros já existentes sobre o assunto.

O objetivo geral da presente pesquisa é analisar as charges enquanto linguagem

em O Pasquim. Como elas driblaram a barreira da censura no país, produzindo leituras,

conquistando uma legião de leitores e marcando a geração do jornalismo dos anos de

chumbo.

Entre os objetivos específicos, pretendemos realizar um estudo que pretende

contemplar o jornalismo alternativo no período da Ditadura Militar do Brasil (1964 –

1985), bem como, estudar o histórico do jornal O Pasquim, um dos principais e mais

influente jornal alternativo do país e usar leitura interpretativa dos textos jornalísticos

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(charges) enquanto linguagem no período de 1969 até 1971, anos de intensa repressão

política e censura.

Para desenvolver esta monografia, estruturamos a sua realização através de um

sumário, cujos capítulos estão assim organizados: Na introdução apresentamos os

objetivos, justificativa e a estrutura do trabalho. No segundo capítulo descrevemos a

situação política do país, contemporânea á ditadura, bem como, analisamos os fatores

que contribuíram para que esse período prosseguisse durante tantos anos. No capítulo 3,

abordamos o surgimento dos jornais alternativos no país, que nasceram na efervescência

de um período conturbado do Regime Militar, assim como, quais foram as causas dessa

emergência e o perfil desses tablóides. Ou seja, quais foram os fatores que contribuíram

para a sua ascensão, seus propósitos e quais foram às contribuições que essa imprensa

trouxe para a história do jornalismo e do país. No capítulo 4, o aparecimento do

Pasquim, jornal alternativo que nasceu nessa época, adquiriu uma identidade que se

tornou tão marcante e como o semanário enfrentou a situação política atual do país.

Enfatizamos dentre outros aspectos, a identidade do semanário, bem como a história do

Pasquim face à política.

No capítulo 5, elege-se a questão da censura, apresentando uma relação entre ela

e o semanário O Pasquim que, através do humor, denunciou um período de severa

repressão produzida pela Ditadura Militar. Para isso, precisamos contextualizar o humor

enquanto linguagem de comunicação e esse capítulo nos dará um melhor embasamento

sobre a proposta, uma vez que o humor é a estratégia usada pelo semanário para

enfrentar os anos de chumbo. Ainda nesse capítulo, faremos a análise de seis imagens

que foram publicadas entre os anos de 1970 e 1971. Além disso, de que forma suas

capas e charges ganharam impacto diante dos tantos olhos sedentos por liberdade de

expressão.

Chamamos atenção particularmente para o papel que a charge tem para discorrer

sobre a crise política através de recursos e expedientes cujo sentido nem sempre se

manifesta de forma latente.

O corte temporal da pesquisa concentra-se a nos anos de 1969 até 1971 quando

os meios de comunicação sofriam intensa repressão e O Pasquim é diretamente

atingido. A escolha do semanário dá-se por seu contexto histórico e a importância no

jornalismo do país, atuando diretamente com uma linguagem ímpar a favor da mudança,

marcando uma geração e consagrando-se em na história do jornalismo alternativo

durante o período da ditadura militar.

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O momento político que retrata o corte temporal da pesquisa aborda a essência

dos anos 60 e 70, período referente a uma intensa repressão para as representações

culturais e jornalísticas. Retrataremos na pesquisa os fatos que o jornal O Pasquim

viveu e que o levou a tomar outros rumos como as leis, a censura, a política, a

economia, entre outros.

Através de suas charges, o jornal O Pasquim dizia, nas entrelinhas, o que queria

manifestar, o que muitos queriam dizer e calavam. Enfim, o Pasquim enfrentou a

censura com humor e leveza, conquistando uma legião de fãs na época e muitos que o

admiram até os dias de hoje, entre eles artistas, jornalistas e intelectuais.

No capítulo de análise, escolhemos charges que ilustraram o momento em que o

jornal vivia. As imagens esclarecem a situação em que o tabloide se encontrava. A

imagem A, de 12 a 18 de fevereiro de 1970, de Millôr Fernandes é uma charge feita

antes da prisão da equipe do Pasquim, que acontecem em 1º de novembro de 1970. A

imagem B, de 2 a 8 de julho de 1970 mostra uma charge de Jaguar, que contrasta a

campanha de Médici com a conquista do tricampeonato brasileiro ao ilustrar uma

família de favelados e os versos de Carlos Drummond de Andrade. Já na imagem C,

Jaguar cria uma fotomontagem que gerou a prisão de praticamente toda a equipe do

Pasquim. A imagem mostra a cavalaria de Dom Pedro I no Grito da Independência do

Brasil. Jaguar para caçoar, colocou um balão na imagem de Dom Pedro com a frase “Eu

quero é mocotó”, trecho de uma música de Jorge Ben Jor, bastante conhecida nos anos

70.

A imagem D, de 11 a 17 de novembro ilustra a ausência da equipe do jornal, em

um momento ímpar na trajetória do tablóide, no qual os jornalistas e cartunistas que

“sobraram”, entre eles Miguel Paiva, Henfil e Millôr Fernandes, tiveram que produzir o

Pasquim, continuar com seus editoriais, charges, entrevistas e o pior, sem poder noticiar

ao grande público que sua equipe havia sido presa. Na frase do editorial desta edição, a

explicação sobre a situação da redação: “O Pasquim – o jornal com algo menos”. O

Pasquim se refere à prisão como uma “gripe” que assolou a equipe do jornal.

Na imagem E, de 18 a 24 de novembro, na semana seguinte à capa anterior, a

equipe já conta com colaboradores. Jornalistas, artistas, intelectuais e demais pessoas do

meio público se solidarizaram com a equipe do Pasquim e resolveram colaborar na

produção de conteúdo do semanário. Por último, na imagem F, apresentamos a capa de

O Pasquim, da semana de 21 a 27 de janeiro de 1971 que simboliza a saída da equipe

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prisão e o início de uma nova fase no semanário, agora sem o seu diretor, Tarso de

Castro.

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2. VESTÍGIOS DE UM PASSADO NEM TÃO DISTANTE

O paradoxal é que tudo já foi escrito. As palavras se gastaram até a última

resistência. No entanto, tudo pode ser refeito, revisto, se sonhamos. As

palavras então, são meninas no quintal do vento. O texto, de tão antigo, se

tornou criança. Entre figueiras e metáforas. O leitor é que o acorda. E o

texto sabe reconhecê-lo. Como um terneiro sem dono.

Carlos Nejar

Estudar o passado é uma enorme responsabilidade, afinal, estamos pesquisando

sobre a história de um país, seus problemas, acontecimentos e marcos. O Brasil teve

grandes mudanças em sua política na década de 60 e isso afetou diretamente o

jornalismo, como veremos mais adiante.

Neste capítulo vamos englobar os aspectos políticos que anteciparam e estiveram

presentes na Ditadura Militar do Brasil (1964 – 1985), os presidentes da república que

passaram pelos anos de chumbo e os que sucederam esse período, já na democracia,

para assim, contextualizarmos por que a ditadura foi tão massacrante e chegou a atingir

os meios de comunicação.

Para entendermos então, esse momento histórico difícil, vivido pelo Brasil, é

necessário resgatarmos alguns acontecimentos da política brasileira, que teve início a

partir da renúncia de Jânio Quadros em 1961. Jânio da Silva Quadros foi o primeiro

presidente a tomar posse em Brasília, em janeiro de 1961. Sua renúncia em agosto do

mesmo ano foi considerada uma traição pelos eleitores.

De acordo com Koifman (2002), no livro Os presidentes do Brasil, o governo

Quadros percorreu um período marcado pela ameaça de grave crise econômica, pela

diversificação dos movimentos sociais, Ligas Camponesas, mudança do sindicalismo

populista urbano, greves, entre outros marcos, além da crescente interferência na cena

política, tanto de militares quanto da Igreja.

Durante seu governo, Jânio enfrentou não somente os problemas decorrentes da

crise econômica herdada de Juscelino Kubitschek. Durante os sete meses de mandato,

Jânio continuou a política internacional que teve início no mandato de Getúlio Vargas e

se aprofundou no governo JK, além disso, criou as primeiras reservas indígenas, dentre

elas o Parque Nacional do Xingu e os primeiros parques ecológicos nacionais, entre

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outros feitos. Para renunciar, Jânio alegou que “forças terríveis” o levaram a tomar esta

decisão. A ação, que abriu caminho para o Golpe Militar de 1964, fez com que Jânio se

tornasse uma das figuras mais complexas da política brasileira.

O fim do governo de Jânio deixou marcas no cenário político e sua renúncia

provocou intensa transformação na política, como a citação abaixo, retirada do livro

sobre o governo de Jânio, explica.

Além dos assuntos já referidos, e da própria evidência da renúncia, em toda a

discussão em torno do governo Quadros, transparece uma questão típica do

autoritarismo personalista do governo Quadros: o desprezo do presidente

pelas instituições, sobretudo pelo Congresso, em favor de um significativo

respeito pelo papel dos militares. Estes se tornariam "sacerdotes de uma santa inquisição, cada vez mais convencidos de que uma corja de trêfegos

assaltantes civis enlameava a puridade nacional.” (BENEVIDES, O governo

Jânio Quadros, Ed. Brasiliense, 1982, p. 5).

O estilo de Jânio e sua renúncia colaboraram, também, para a desmoralização do

processo eleitoral, reduzindo nas pessoas a fé que tinham em relação à situação política

do Brasil. Com isso, se adquiriu uma percepção negativa dos direitos políticos, ou seja,

se meu voto não vale nada, por que vou votar?

Logo após esse período tumultuoso da política, o vice-presidente assume. João

Belchior Marques Goulart, nascido em São Borja. Jango, como era conhecido, governou

o país de 1961 a 1964. Em seu mandato, ocorreu um grande aumento quanto às lutas

populares no país. Seu governo ficou conhecido por ser reformista. Através da chamada

“reforma de base” (medidas econômicas e sociais que previam uma maior intervenção

do Estado na economia), defendia-se o direito do voto para os analfabetos e para os

militares de patentes menores, além de reformas bancárias, urbanas, fiscais, eleitorais,

agrárias e educacionais.

Em março de 1964, o governo é marcado por incidentes e ações radicalizadas.

Pelo lado da Esquerda, o Comício da Central do Brasil foi um momento importante e

determinante ara a situação política do momento.

Já no lado da Direita, o governo de Jango estava muito longe de ser uma

unanimidade e a prova disso foi a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, que

consistiu em uma série de manifestações públicas organizadas por setores conservadores

da sociedade brasileira em resposta ao Comício da Central do Brasil. Devido a esse

longo mês de março com intensas manifestações, de Esquerda e de Direita. João

Goulart, sem demonstrar resistência, se auto exilou no Uruguai. Como resultado dessa

instabilidade política e social que se instaurou no Brasil, em 1º de abril de 1964, João

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Goulart é destituído. Forças politico-militares reagiram diante dessa instabilidade e

aproveitaram o momento de fraqueza de Jango para dar o famoso Golpe Militar.

Segundo Skidmore (1988), os civis a favor do Golpe estavam convencidos, na

década de 1960, de que Goulart pretendia tornar o país um estado socialista, o que iria

eliminar os valores e tradições institucionais do Brasil. Nesse período, o Brasil passa

por severas mudanças com o Golpe Militar em 1964 que deu origem a Ditadura Civil.

Com ela, as medidas autoritárias foram “legitimadas” por meio de atos institucionais

que enumeravam decretos.

O Golpe estabeleceu um Regime alinhado ao dos Estados Unidos e desencadeou

grandes transformações na política. Todos os próximos cinco presidentes que vieram

depois de Jango foram a favor da Ditadura Militar e continuaram a governar o país com

atos severos de repressão, como Castelo Branco, Costa e Silva, Emilio Garrastazu

Médici, Ernesto Geisel e João Figueiredo. Após Figueiredo em 1985, a Ditadura Militar

acaba e a Nova República se instaura no Brasil. Porém, não restam dúvidas que o

governo de Jango foi o mais conturbado de toda a experiência democrática iniciada após

a Era Vargas. Para Clóvis Rossi (1991), o objetivo do Golpe Militar foi atingir a

democracia, deixando a sociedade cada vez mais longe do governo. “Instalou- se no

Poder uma máquina oficial de matar, prender, torturar, fazer desaparecer dissidentes de

qualquer origem política (ou até sem filiação política)” (ROSSI, 1991, p. 24).

O primeiro militar a governar o Brasil pós Jango, foi o Marechal Humberto de

Alencar Castelo Branco. Ele governou o país até 1967, sendo substituído pelo General

Costa e Silva que foi eleito pelo Congresso Nacional em 1966. No seu governo, Costa e

Silva aboliu os treze partidos políticos existentes no Brasil através do Ato Institucional

nº 2. Após, foram criados os partidos Aliança Renovadora Nacional (ARENA) e o

Movimento Democrático Brasileiro (MDB) que se mantiveram únicos até 1979. Entre

os objetivos desse mandato, pretendia-se corrigir os “males sociais” e “políticos”,

combater a “subversão” e a corrupção e impedir que se instaurasse um “Regime

comunista” no Brasil.

Koifman (2002), trata do assunto, no qual afirma que em seu governo, Costa e

Silva instaurou diversas leis e quatro dos cinco atos institucionais que reprimiam as

manifestações contrárias às atitudes do governo. “Entre as repressões que fizeram parte

do governo Costa e Silva, a Lei de Imprensa foi um marco na história do jornalismo do

Brasil, no qual o então presidente restringiu ainda mais a liberdade de expressão dos

meios de comunicação”. A Lei da Segurança Nacional, também foi criada em seu

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governo, que tinha como principal objetivo, proteger o país da subversão buscando

manter a sua ordem.

Já o governo de Emílio Garrastazu Médici que se instaurou no Brasil de 1969 até

1974, caracterizou-se como período de intensa repressão da ditadura militar,

fundamentada principalmente no Ato Institucional nº. 5 (AI - 5), decreto atribuído em

13 de dezembro de 1968, fazendo com que esse período seja chamado por parte da

historiografia como “os anos de chumbo”. Os famosos “porões da ditadura” ganhavam

o aval do Estado para promover a tortura e o assassinato no interior de delegacias e

presídios.

A instauração do AI - 5 marcou o auge das proibições e atingiu o jornalismo,

que deixou de cumprir seus verdadeiros princípios em função da censura. Esse Regime

Militar durou até 1985, quando o presidente Tancredo Neves foi eleito, indiretamente, o

primeiro presidente civil após a ditadura.

A Ditadura Militar (1964 – 1985) com seus instrumentos de exceção, tais como

a Lei de Segurança Nacional, Lei de Imprensa, censura prévia e outros, acabou

excitando um dos fenômenos que marcou a história do jornalismo brasileiro e a história

do país, a chamada Imprensa Alternativa, Popular ou imprensa nanica.

Através da Lei de Imprensa de 1967, o Regime Militar, podia através do

Ministro da Justiça, determinar a apreensão de qualquer jornal ou revista que contivesse

propaganda de guerra, promovesse estímulo à subversão da ordem social e política e

afrontasse a moral pública e os bons costumes, sendo que o poder de advertência foi

reforçado com a Lei de Segurança Nacional, no qual o artigo 16 previa a detenção de

até um ano para “o jornalista que divulgar, por qualquer meio de comunicação social,

notícia falsa, tendenciosa, ou fato verdadeiro truncado ou deturpado, de modo a indispor

o povo com as autoridades constituídas” (BERGER, 2003, p. 58).

Os órgãos responsáveis pela censura preocuparam-se, primeiramente, com os

chamados grupos “subversivos”, que seriam todos que tivessem participação ou

simpatia pelo comunismo. Os meios de comunicação viviam um momento

aparentemente esperançoso antes do decreto do AI-5. Lentamente, o cenário das

redações dos jornais foi sendo alterado à medida que a censura foi se tornando mais

rígida e centralizada. A repressão modificou as modos de produção jornalística e tudo

que fora produzido precisava de um “aval” do Regime, para ser publicado. Assim,

foram instituídos novos elementos ao cotidiano das publicações.

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Como tudo no país estava amordaçado pela ditadura, a única forma da

sociedade tomar conhecimento do que estava acontecendo era pela imprensa alternativa,

que noticiava em seus periódicos o que acontecia nas ruas, os crimes que estavam sendo

praticados no Brasil, as mortes de presos políticos, torturas, infração dos direitos

humanos, entre outros temas de interesse geral da população.

Durante os anos 70, circularam no Brasil inúmeros jornais de tamanho tabloide,

que se caracterizaram pela oposição ao Regime militar, ao modelo econômico, à

violação dos direitos humanos e à censura.

Em um importante levantamento referente à imprensa alternativa, nos anos da

Ditadura Militar no Brasil, especialmente no período de 1964 a 1980, Kucinski cita que

nessa época nasceram mais de 150 periódicos. “Abrigando temáticas diversas (políticos,

de humor, feministas, homossexuais, culturais), podemos reconhecê-los pela postura de

“oposição intransigente ao Regime militar” (KUCINSKI, 1991, p. 10)”.

Ao conceituar, na apresentação de seu livro Jornalistas e revolucionários – Nos

tempos da imprensa alternativa, Kucinski (1991) argumenta sobre a palavra nanica. O

autor diz que ela foi inspirada no formato tabloide adotado pela maioria dos jornais

alternativos desse período, sendo “difundida principalmente por publicitários (...) que

também vivenciavam uma situação difícil e tinham o mesmo desejo das gerações dos

anos 60 e 70, ou seja, de protagonizar as transformações sociais que pregavam”. (1991,

p. 13).

Peruzzo relembra em sua tese, Revisitando os Conceitos de Comunicação

Popular, Alternativa e Comunitária, alguns dos jornais importantes no contexto político

e social da época.

Entre os segmentos vigilantes à imprensa político-partidária podemos citar os

jornais Voz da Unidade, Tribuna da Luta Operária, Companheiros e Em

Tempo. A imprensa sindical, por seu lado, editou jornais importantes como a

Tribuna Metalúrgica e Folha Bancária. (PERUZZO, 2006, p. 8).

De acordo com Peruzzo, o que caracterizava esse tipo de jornalismo era a

“opção enquanto fonte de informação, por seu conteúdo, tipo de abordagem e posição

social e/ou política”. (PERUZZO, 2006, p. 374).

Já Kucinski (1991) analisa a origem dessa imprensa alternativa e o poder

adquirido por ela no decorrer de sua trajetória da seguinte forma:

A imprensa alternativa surgiu da articulação de duas forças igualmente

compulsórias: o desejo dos oposicionistas de protagonizar as transformações

institucionais que propunham e a busca por jornalistas e intelectuais, de

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espaços alternativos à grande imprensa”. É nessa dupla oposição ao sistema

representado pelo regime militar e aos limites à produção intelectual

jornalística devido a repressão, que se encontra a lógica dessa união que

movimentou tantas pessoas com os mesmos ideais. (KUCINSKI, 1991: p.

16).

Kucinski foi integrante do movimento jornalístico alternativo dos anos 60 e 70, e

nos dias de hoje é pesquisador do assunto. Em sua obra, Jornalistas e Revolucionários:

Nos tempos da Imprensa Alternativa, ele ressalta que “esses periódicos foram chamados

de imprensa nanica devido ao formado pequeno” (1991, p. 5). A expressão imprensa

alternativa teria sido intitulada por Dines, conforme citado em Kucinski (1991). Leia

abaixo.

O termo ‘alternativa’ contém quatro dos significados que podem explicar

esse tipo de imprensa. “o de algo que não está ligado a políticas dominantes;

o de uma opção entre duas coisas reciprocamente excludentes; o de única

saída, para uma situação difícil e, finalmente, o do desejo das gerações dos

anos 60 e 70 de protagonizar as transformações sociais que pregavam.”

(KUCINSKI, 1991, p. 13).

Jornalista e escritor, Dines lançou diversos jornais e revistas no Brasil e também

em Portugal. Entre os cargos que ocupou, o jornalista foi editor-chefe do Jornal do

Brasil durante doze anos, inclusive no período em que a Ditadura Militar se instaurou

no país.

Voltando aos impressos alternativos, Braga (1991, p. 22), ressalta que “apesar de

ter caráter militante, os jornais alternativos também são informativos e necessitam

manter-se como empresa para sobreviver, já que não sustentados por um partido”.

Esse entendimento é importante para enfatizar o papel social do jornalismo

alternativo, que engloba o desejo de reunir-se para fazer alguma coisa quanto às

injustiças da ditadura militar e da desigualdade social.

Claro, que no meio dessas vertentes, estão muitos outros fatores envolvidos

como a rebeldia de uma geração, um desejo de liberdade e da vontade de promover a

redução das desigualdades existentes no país e nesse contexto que os jornalistas da

imprensa alternativa se inspiraram e, consequentemente, os jornais, com o seu papel e

trabalho formam as características de uma imprensa nanica, porém atraente.

No item que segue, iremos continuar contextualizando a política no Brasil,

porém, de um novo e severo ponto de vista: o da repressão. Com o Golpe Militar em

1964, inicia-se um longo e difícil período para a população brasileira.

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2.1 O GOLPE MILITAR E AS LIBERDADES DE EXPRESSÃO

A censura tem um histórico maior do que muitos imaginam. Ela já existia antes

do Golpe de 1964, porém era camuflada, oculta. Começou nos primeiros governos da

república eleita chegando a prejudicar, agredir e assassinar jornalistas. Até então

ninguém tinha usado a censura prévia como Getúlio Vargas na ditadura do Estado

Novo, criando o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), que tinha como

principal função, controlar a imprensa.

No ano de 1964, o general Castelo Branco foi eleito pelo Congresso Nacional

em 11 de abril e deveria governar o país até 31 de janeiro de 1966. Porém,

posteriormente, seu mandato foi prorrogado e foram suspensas as eleições presidenciais

diretas previstas para 3 de outubro de 1965. Desse modo, Castelo Branco governou o

Brasil até 15 de março de 1967, sendo substituído pelo general Costa e Silva, eleito

pelo Congresso Nacional, em 3 de outubro de 1966.

O Congresso Nacional, a partir de 1964, se formaria apenas de pessoas a favor

do novo Regime que se instaurava, isto é, parlamentares de direita, apoiadores do

governo e uma pequena oposição chamada "oposição consentida". Os congressistas que

ousassem fazer oposição mais forte poderiam ser cassados pelo Ato Institucional nº 1,

que vigorou até 15 de março de 1967, e que limitava os poderes do Poder Legislativo e

do Poder Judiciário e também atingiu fortemente os movimentos estudantil, operário e

camponês.

Durante seu governo, Castelo Branco promoveu diversas reformas políticas,

tributárias e econômicas. As medidas aplicadas não atingiram somente o poder

legislativo, mas também todas as organizações consideradas pelo governo militar como

prejudiciais à pátria, à segurança nacional, que pretendia ajustar os males sociais e

políticos, combater a corrupção e a subversão, além de impedir que se instaurasse um

Regime comunista no Brasil.

Já Costa e Silva foi quem estabeleceu de fato a Ditadura Militar no Brasil, em 13

de dezembro de 1968, com o AI-5. Durante os primeiros anos de Regime, permaneceu

um falso clima de liberdade. A imprensa ainda era relativamente independente e os

tribunais prosseguiam em funcionamento. No entanto, logo após o AI-5, a linha dura

ganhava mais espaço no governo.

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O jornalista Alberto Dines, em uma entrevista concedida ao Jornal da ABI, conta

como recebeu a notícia que a censura seria instaurada no país e como ela destruiu com a

esperança de uma geração:

A esperança era de que a democracia fosse restaurada logo, mas o AI-5 em

1968 acabou com essa ilusão do modo mais trágico. Quando eu ouvi pelo

rádio, no programa A voz do Brasil, a leitura daquele catatau, disse: “Estamos

ferrados. Vem aí a censura”. (Jornal da ABI - nº375 - 21/02/2012)

Dines trabalhava no Jornal do Brasil nessa época e sofreu intensa repressão por

suas publicações, e como ele mesmo disse na mesma entrevista: “A gente tinha que

tomar decisões de extrema gravidade, de risco de vida no fazer jornalístico”. (DINES,

2012, p. 17).

Marconi (1980) ao se referir à expansão da chamada linha dura, defende que “o

motivo para tanta violência era um só: o Regime militar não queria que a imprensa

falasse sobre a política interna”. (MARCONI, 1980, p. 38). O autor ainda acusa a

censura de uma manobra escusa, cômoda e ilegítima perante a sociedade.

O Golpe Militar no Brasil reprimiu os diversos meios de comunicação e

expressão. O ato gerou um grande descontentamento para a população, que teve que

ficar calada diante de uma série de barbaridades, como violências e até torturas que a

ditadura militar realizou. O ato de informar foi diretamente atingido e os jornais não

podiam informar o que estava acontecendo no país. Skidmore (1998) explica que,

A prisão e tortura de jornalistas, as pressões (ou incentivos) sobre os

proprietários dos jornais, juntamente com a censura direta, haviam reduzido

quase toda a mídia, exceto uns poucos semanários de pequena circulação, à

condição de líderes de torcida do governo ou, no mínimo, de simples caixas

de ressonância das informações geradas no palácio presidencial

(SKIDMORE, 1988, p. 266).

O ato veio em represália à decisão da Câmara dos Deputados, que se se negou a

prestar autorização para que o deputado Márcio Moreira Alves fosse processado por um

discurso onde interrogava até quando o Exército abrigaria torturadores.

Entre tantos decretos, a censura prévia que foi instaurada nesse período foi um

dos momentos mais marcantes na história do Brasil e do jornalismo.

Com esse processo, a população sofreu com mudança econômica, a falta de

liberdade e a repressão policial. Foi criado até decreto-lei contra as greves dos

trabalhadores. O AI-5 estabeleceu os abusos do poder, concedendo ao Presidente da

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República inúmeros domínios, como pontua Evaldo Viera em seu livro A república

brasileira 1964-1984:

a) fechar o Congresso Nacional, assembleias estaduais e câmaras municipais;

b) cassar mandatos de parlamentares; c) suspender por dez anos os direitos

políticos de qualquer pessoa;d) demitir, remover, aposentar ou pôr em disponibilidade funcionários federais, estaduais e municipais; e) demitir ou

remover juízes; f) suspensão das garantias do Poder Judiciário; g) decretar

estado de sítio sem qualquer impedimento; h) confiscar bens como punição

pó corrupção; i) suspensão do habeas-corpus em crimes contra a segurança

nacional; j) julgamento de crimes políticos por tribunais militares; k) legislar

por decreto e expedir outros atos institucionais ou complementares; l)

proibição de exame, pelo Poder Judiciário, de recursos impetrados por

pessoas acusadas por meio do Ato Institucional número 5.” (VIERA, 1985, p.

27)

O AI-5 durou até o governo de Ernesto Geisel, que permaneceu no poder até

1979 e o então presidente Costa e Silva, começou a sentir os primeiros sintomas de

isquemia, logo falece em 17 de dezembro de 1969. Em 30 de outubro do mesmo ano,

Emílio Garrastazu Médici toma posse e continuam vigentes os decretos do poderoso AI-

5.

Neste período de censura, foram criados jornais como Opinião, Movimento, Em

Tempo, Coojornal, Informação, Amanhã, e O Pasquim.

Sanchotene (2008), em sua monografia sobre o humor das charges na política,

reconhece a importância que o Pasquim teve no período da ditadura militar. “Em plena

vigência do AI-5, em 1969, a imprensa brasileira falava baixo. É nesse contexto que

surge no Brasil o jornal mais influente de oposição à ditadura militar: O Pasquim”. O

jornalista enfatiza sobre a importância que o semanário teve no contexto político e

social do pais, levando-se em conta que o tabloide iniciou sua trajetória em plena

ditadura militar. “A marca de mais de 200 mil, em meados dos anos 70 tornou O

Pasquim um dos maiores fenômenos do mercado editorial brasileiro. Criado a partir de

um grupo criativo de jornalistas, o tabloide era composto de ideias, humor, entrevistas e

discussões”. (SANCHOTENE, 2008, p. 33).

Em Humor e política: a charge como estratégia de editorialização do telejornal,

Sanchotene, analisou dez charges apresentadas no telejornal O Globo, feitas pelo

cartunista Chico Caruso no período de maio a julho de 2008. Na pesquisa, Sanchotene

aborda a charge midiatizada no âmbito da informação, no qual a mesma busca

editorializar o telejornal pelo viés da comicidade. O autor questiona como o humor se

apresenta e age por meio das charges e de que forma o discurso do humor está

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representado nessas charges. A investigação da pesquisa de Sanchotene (2008) abrange

a análise do funcionamento da charge na televisão, no telejornal e as estratégias

humorísticas nelas apresentadas.

Ele analisa imagens mais recentes na nossa memória, imagens que foram

publicadas no ano de 2008. Na nossa pesquisa, o enfoque é outro, pois analisamos o

funcionamento discursivo das charges no meio impresso, através de imagens que já

foram publicadas há 50 anos, porém, os dois enfoques buscam analisar as charges

enquanto linguagem de comunicação através do humor e a contribuição das mesmas

para o jornalismo nesse sentido. Na pesquisa de Sanchotene (2008), os resultados

envolvem o fato de o som, que as charges reproduzem na televisão, ajuda na

compreensão do seu discurso, auxiliando o expectador a compreender o que está sendo

dito. o autor também concluiu que a opinião do autor da charge está implícita, assim

como a opinião da ideologia do programa, pois, caso contrário, a mesma não seria

veiculada. A charge é tratada, na pesquisa de Sanchotene, como um meio mais suave de

abordar a opinião política na televisão, usando o humor como estratégia.

Retomando o contexto da pesquisa, todas essas transformações que ocorreram

no jornalismo dos anos de chumbo, marcaram diversas mudanças no modo de informar,

assim como na rotina jornalística dos meios de comunicação. Com essa intensa censura

prévia, matérias foram vetadas e edições chegaram a ser recolhidas, resultando em um

grande no prejuízo financeiro de produção dos jornais. Se estendendo até à imprensa,

música, teatro e cinema, a censura atuou rigidamente a partir de 1970, na apreensão de

mais de 500 filmes, 400 peças teatrais, 200 livros e centenas de músicas. A liberdade de

expressão, assim como a criatividade dos jovens do país, se viam castradas.

Todas as investigações aos oposicionistas ao Regime que ocorreram nesse

período eram feitas pela Delegacia de Ordem Política e Social (DOPS), a qual tinha

como finalidade investigar os atos tidos como suspeitos e dentro destes poderia estar

intelectuais, jornalistas, artistas, políticos, professores, ou seja, todos que estivessem

relacionados a movimentos sociais. Os DOPS foram orgãos criados junto à estrutura das

secretarias estaduais de segurança pública de alguns estados brasileiros. A atribuição

principal dos DOPS era o papel de polícia política, uma modalidade especial de polícia, que

desempenha uma função preventiva e repressiva, “criada para entrever e coibir atividades

que colocassem em risco a ordem e a segurança pública” (XAVIER, 1996, p. 32). Esta

atribuição extraoficial estava ligada à necessidade dos governos quando decidissem vigiar e

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punir determinados indivíduos, e condenar grupos inteiros, considerados como ameaças à

ordem pública e a tão almejada segurança nacional.

Nesse período de intensa repressão, Dines conta para o jornalista Francisco

Ucha, em entrevista ao Jornal da ABI, em fevereiro de 2012, que foi alvo dos censores e

sua profissão e posição política atrapalharam a sua participação em eventos. Tudo isso

gerou a sua prisão em 1968, como ele conta:

Na sexta-feira seguinte ao AI-5, eu já tinha sido escolhido paraninfo de uma

turma da PUC, no Rio. Com o AI-5 eu fiquei mortificado. (...) Aí fiz um

discurso bem contundente e li esse discurso na cerimônia de formatura da PUC. Marotamente, passei o texto para a Redação e eles escreveram a notícia

de que eu era paraninfo da PUC e reproduziram alguns trechos do meu

discurso. Os milicos viram a noticia, avisaram o secretário da Marinha e dois

dias depois fui preso. (Jornal da ABI - nº 375 – 21/02/12).

Todo esse clima de suspeita sobre os indivíduos e a supressão da liberdade

atingiu não só o meio jornalístico, mas vários segmentos da sociedade como um todo.

Essa censura se transformou em perseguição real e atingiu artistas da música popular

brasileira que além de terem suas músicas censuradas, a sua liberdade de expressão

também foi cerceada. Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Geraldo Vandré e

outros artistas que decolam em sua carreira nesse momento, passaram a ser vigiados e

logo tiveram que deixar o país, buscando um autoexílio.

Para protestar, as pessoas contrárias ao Regime escolheram uma das atividades

cujo controle era mais exercido pelos militares: o jornalismo. O jornalismo se tornou

mais do que nunca, o transmissor das vozes de uma multidão que clamava por justiça.

Justiça aos seus filhos, amigos, e demais pessoas que foram prejudicadas, ameaçadas e

mortas na Ditadura Militar.

As barreiras que a censura invocou para o jornalismo, buscava repreender os

chamados subversivos. Ridenti analisa e discute os tipos de censuras predominantes na

ditadura militar.

Não houve uma única censura durante o regime militar, mas duas. A censura

moderna de diversões públicas existia no Brasil, de maneira oficial, desde

1946. Integrava, por exemplo, a rotina profissional do pessoal do teatro, nada

havendo de novo (após 1964) na presença de um censor, durante o ensaio

geral, nem os atritos entre a classe e a censura moral das peças, com o tempo

também praticada contra o rádio, o cinema, a TV e até mesmo os circos e as

churrascarias com música ao vivo. De fato, todo um ethos próprio animava a

Divisão de Censura de Diversões Públicas (DCDP), desde muito antes do

golpe de 1964. A Divisão assumia orgulhosamente seu papel na sociedade

brasileira e supunha realmente expressar a vontade da maioria da população

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ao cuidar para que os “atentados à moral e aos bons costumes” fossem

evitados. (RIDENTI, 2004, p. 269)

São diversos os estudos sobre censura no Brasil. Em Minorias Silenciadas, por

exemplo, livro organizado por Carneiro, é possível ver a transformação das limites à

imprensa ao longo da história: do Brasil colonial ao esboço da primeira esfera pública

brasileira, no começo do século XIX, chegando à mais recente experiência de censura

institucionalizada no pós-golpe de 1964. Nesse contexto, a censura já foi bastante

estudada por Ridenti e por outros autores em teses e publicações.

Trabalhos mais específicos com autores que fazem parte da bibliografia desta

pesquisa, como Aquino em Censura, Imprensa e Estado Autoritário (1968-1978) e Be

Kucinski, em Jornalistas e Revolucionários: Nos Tempos da Imprensa Alternativa,

exploram a censura militar sob visões distintas, porém com uma abordagem bastante

ampla.

Diversos estudos sobre a censura contemplam e ampliam o embasamento sobre

um dos piores momentos vividos pelo Brasil, no qual o Golpe militar deu origem a

outro golpe, à liberdade de expressão. Uma geração se calou aos mandos de um

governo, cerceando suas ações, ideais e voz. Porém, um grupo que se uniu para tentar

reverter essa situação e dar ao país um novo sentido para lutar e conquistar seus direitos.

Esse grupo foi composto por estudantes, jornalistas, intelectuais, artistas, entre outros

brasileiros sedentos por justiça.

Com toda a repressão instalada no país, o Regime enxugava as matérias que

seriam publicadas nos jornais, liberando apenas as que lhe convinham. Com o tempo, a

censura aos meios de comunicação se tornou cada vez mais severa.

De acordo com Gentilli (2004, p. 94), o grupo Frias Caldeira, que produzia os

jornais como a Folha de São Paulo, Folha da Tarde, Última hora, acatava muito bem

as ordens dos militares. Porém, no auge do governo Médici, um grande jornal como O

Estado de São Paulo, com a intensa repressão aos meios de comunicação decide

enfrentar os militares. Em março de 2004, no texto que fez parte do especial Março de

64, o jornal O Estado de São Paulo, conta que a partir de 13 de dezembro houve fortes

intervenções da censura no jornal O Estado de S. Paulo – sendo que entre 1972 e 1975

censores foram instalados diretamente na redação.

Com o AI-5, a censura se fez de duas formas: a censura prévia e a autocensura.

Poucos periódicos tiveram coragem de criticar as barbaridades que aconteciam no

Regime e passaram pela censura de uma maneira severa. A censura prévia segundo

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Aquino, “era aplicada com censores, bilhetes e revisão da Polícia Federal, geralmente

vivenciada à distância. Já a autocensura consistia em uma linha editorial omissa aos

acontecimentos políticos, que foi um meio utilizado por muitos jornais para não sofrer a

censura prévia”. (AQUINO, 1999: 122-123).

A autocensura se tornou um meio alternativo encontrado pelos jornalistas nesse

período. Assunto trabalhado por Kucinski, a autocensura, por exemplo, participa da tom

da produção das notícias sob censura militar. No livro Síndrome da Antena Parabólica,

ele faz uma referência ao filósofo alemão Friedrich Engels, dizendo que:

Os melhores textos jornalísticos são aqueles que possuem sinais de censura

prévia, uma vez que as informações que sofrem tipo de represália carregam o

fato verídico, por isso, o lugar da autocensura na história da repressão ao

pensamento e à informação durante o regime militar acabou saturado pelos

episódios menos frequentes, porém mais espetaculares de censura exógena,

fechamento de jornais e prisões de jornalistas. (KUCINSKI, 1998, p. 52).

O autor se refere ao poder da autocensura pelo seu caráter transformador, que

através de um discurso inteligente, os jornalistas, por julgarem que determinado

conteúdo não poderia ser divulgado, já o aboliam.

Os processos alternativos de comunicação, por exemplo, englobam-se como

salienta Benevenuto Jr, num momento difícil na política brasileira, no qual os militares

dirigiam o programa de desenvolvimento do país, “desrespeitando as instituições

políticas e usando a força através de torturas para eliminar aqueles que criticavam a

repressão organizada pela Escola Superior de Guerra”. Assim, nasce “uma imprensa que

se constitui a partir das organizações sociais e políticas da oposição (...) e tinha um forte

viés cultural, além dos especialistas das áreas social, econômica e política”

(BENEVENUTO JUNIOR, 2007, p. 1).

O grande objetivo da imprensa alternativa era justamente ser de maneira

alternativa, ou seja, transformar a situação em que o país se encontrava, denunciar os

crimes que ocorriam, assim como as mortes de presos políticos, torturas que aconteciam

no Destacamento de Operações e Informações e Centro de Operações de Defesa Interna

(DOI-CODI), lutar contra a censura e o Regime autoritário, enfim, entre outros

interesses gerais da população.

Autores como Dionísio (2011, p. 6), discorrem sobre assunto e esclarecem que o

DOI-CODI foi um “órgão subordinado do Exército, de inteligência e repressão do

governo brasileiro durante o Regime Militar teve sua sede em São Paulo e foi

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implantado em outros estados do Brasil”. Desse modo, cada estado tinha o seu DOI,

subordinado ao CODI, que era o órgão central. Nos porões da ditadura, como eram

chamados as salas que existiam no interior do DOI-CODI, aconteciam as detenções,

depoimentos e torturas. Nessas salas foram realizadas torturas com os mais cruéis

instrumentos de repressão, através da violência física e psicológica.

Voltando à censura aos meios de comunicação, que foi uma das vítimas do

Regime, passa a sofrer os cortes mais severos. Dessa forma, restringiu-se o acesso da

população aos acontecimentos do momento, ou seja, noticiar as torturas, por exemplo,

Além disso, o Regime autoritário ocasionou também a perseguição intensa a políticos

de esquerda, estudantes, artistas e intelectuais, cassação de mandatos, medidas

governamentais que afetavam o futuro político, econômico e social do Brasil. O

governo tinha plenos poderes sobre os meios de comunicação e apenas concordava em

publicar determinadas notícias quando era conveniente aos mesmos, caso contrário, os

fatos eram omitidos, distorcidos ou recriados.

Com o acirramento da repressão durante o Regime Militar, a informação tornou-

se cada vez mais comprometida e dependente dos órgãos do governo e artifícios da

imprensa para transmitir a notícia.

Os anos em que o Brasil esteve submetido à Ditadura Militar significaram um

atraso ao desenvolvimento da estrutura social brasileira e também dos modos de

informar no jornalismo que foi um dos setores mais afetados pelos anos de chumbo.

Durante todos esses anos, o país viveu diversas consequências, sofrendo com sua

vida profissional e pessoal devido à censura instaurada no país após o AI-5, como já

vimos neste capítulo, porém, no capítulo que segue, vamos entender melhor quais foram

os acontecimentos que geraram a censura, e de que forma ela atingiu a vida dos

brasileiros.

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2.2 OS FUNDAMENTOS DA CENSURA

Neste item, vamos situar e refletir os aspectos que deram origem à censura e

qual era sua verdadeira função no contexto histórico do país, mais especificamente no

período da Ditadura Militar do Brasil (1964 – 1985). Para contextualizar a censura, é

preciso lembrar o seu nascimento, papel e atuação. Para isso, nos valemos de fontes

autorais como Miliandre Garcia, Gláucio Soares, Carlos Fico, Alexandre Stephanou,

Zuenir Ventura, entre outros.

Vamos analisar, de que forma a censura afetou o jornalismo, mas também outros

modos de fazer cultural, literatura e também na música. Buscamos compreender seus

fundamentos e no que ela resultou.

A censura do período, basicamente, instalou-se a partir do Ato institucional nº 5

em 13 de dezembro de 1968. Caracterizado por uma série de atos e leis que

amordaçavam a liberdade de expressão, a sociedade passou a sofrer as consequências

de um Regime arbitrário, autoritário e repressivo. Essa liberdade de expressão passou a

ser intensamente combatida pelo governo e os direitos individuais foram abolidos sob o

respaldo da Lei de Segurança Nacional, ao passo que o cidadão brasileiro ficou

vulnerável aos desmandos dos militares.

A abertura do texto do AI-5 mostra os motivos que levaram ao decreto. Diz, em

sua abertura:

“O presidente da República Federativa do Brasil, ouvido o Conselho de

Segurança Nacional, e:

Considerando que a Revolução Brasileira de 31 de março de 1964 teve,

conforme decorre dos Atos com os quais se institucionalizou, fundamentos e

propósitos que visavam a dar ao país um regime que, atendendo as exigências

de um sistema jurídico e político, assegurasse autêntica ordem democrática,

baseada na liberdade, no respeito à dignidade da pessoa humana, no combate

à subversão e às ideologias contrárias às tradições de nosso povo, na luta

contra a corrupção, buscando, deste modo, “os meios indispensáveis à obra

de reconstrução econômica, financeira, política e moral do Brasil, de maneira a poder enfrentar, de modo direto e imediato, os graves e urgentes problemas

de que depende a restauração da ordem interna e do prestígio internacional da

nossa Pátria” (Preâmbulo do Ato Institucional nº 1 de 9 de abril de 1964);

Considerando que o governo da República, responsável pela execução

daqueles objetivos e pela ordem e segurança internas, só não pode permitir

que pessoas ou grupos anti-revolucionários contra ela trabalhem, tramem ou

ajam, sob pena de estar faltando a compromissos que assumiu com o povo

brasileiro, bem como porque o Poder Revolucionário, ao editar o Ato Institucional nº 2, afirmou categoricamente, que “não se disse que a

Revolução foi, mas que é e continuará” e, portanto, o processo revolucionário

em desenvolvimento não pode ser detido;

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Considerando que esse mesmo Poder Revolucionário, exercido pelo

presidente da República, ao convocar o Congresso Nacional para discutir,

votar e promulgar a nova Constituição, estabeleceu que esta, além de

representar “a institucionalização dos ideais e princípios da Revolução”,

deveria “assegurar a continuidade da obra revolucionária” (Ato Institucional

nº 4, de 7 de dezembro de 1966);

Considerando que, assim, se torna imperiosa a adoção de medidas que

impeçam sejam frustrados os ideais superiores da Revolução, preservando a ordem, a segurança, a tranquilidade, o desenvolvimento econômico e cultural

e a harmonia política e social do País comprometidos por processos

subversivos e de guerra revolucionária;

Considerando que todos esses fatos perturbadores da ordem são contrários

aos ideais e à consolidação do Movimento de março de 1964, obrigando os

que por ele se responsabilizaram e juraram defendê-lo a adotarem as

providências necessárias, que evitem sua destruição. (...) (Trecho do AI-5.

Publicado em Brasília, no dia 13 de dezembro de 1968).

Percebemos que a preocupação era, novamente, em relação aos chamados

subversivos. Desse modo, o AI-5 viria para fazer, segundo o Regime, a manutenção da

ordem, da segurança, da tranquilidade, do desenvolvimento e da harmonia da nação.

Porém, parte desse público de subversivos, estava preocupado em ocupar uma lacuna

deixada pela imprensa dominante, acrescentando aos jornais considerados pequenos,

nomes importantes ligados ao campo de produção cultural do país no momento, como

jornalistas e artistas.

Nesse contexto, notamos que os anos em que o Brasil sofreu com a Ditadura

Militar representou um atraso em diversos segmentos, algo que contribui para retardar o

crescimento e desenvolvimento do país, ao contrário do que os militares alegavam

almejar, o desenvolvimento e a tão sonhada “ordem”, não vingaram.

Com as ameaças e intervenções sobre as liberdades de expressão, a informação

tornou-se cada vez mais comprometida e os meios de comunicação afetados. O modo de

informar foi duramente afetado por causa do AI-5 deixando muitos reflexos para fases

posteriores sobre as praticas jornalísticas.

Aquino (1999) em seu livro Censura, Imprensa, Estado autoritário (1968 –

1978), aborda o AI-5 e suas origens, considera o episódio envolvendo o Deputado

Márcio Moreira Alves.

O AI-5 foi editado pelo presidente Costa e Silva, em meio ao rumoroso caso

do deputado Márcio Moreira Alves. O deputado, por época do 7 de setembro

de 1968, fez um discurso, na Câmara, em que instava a população a boicotar

a parada militar comemorativa da Independência e sugeria às mulheres

brasileiras que não namorassem militares envolvidos na repressão. O discurso

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não teve grande repercussão na imprensa. Entretanto, serviu aos setores

interessados no recrudescimento da repressão para exercer pressões sobre o

presidente, no sentido de que tom asse medidas mais drásticas, pois

consideraram o discurso um grave ultraje às Forças Armadas. Foi requerido

por ministros militares, junto ao Supremo Tribunal Federal, o julgam en to do

deputado por ofensa às Forças Armadas brasileiras. O requerimento, com o

rezava a legislação, foi en caminhado ao Congresso Nacional, que poderia

aceitar a sugestão e levantar a imunidade parlamentar de Márcio Moreira

Alves, para qu e este pu desse ser processado. Ou então, o Congresso, por votação, rejeitaria o pedido, impossibilitando qualquer forma de punição ao

parlamentar. Em uma sessão conturbada e, por maioria esmagadora, o

Congresso optou pela negação da solicitação de punição. A vitória e a

recuperação da dignidade do Poder Legislativo, rapidamente transformaram-

se em derrota quando, menos de 24 horas após a votação, o Executivo

publicou o AI-5, concentrando e conferindo excepcionalidade maior ao

presidente; limitando ou extinguindo liberdades democráticas e suspendendo

garantias constitucionais. (AQUINO, 1999, p. 206).

A partir de Aquino (1999) e de tantos outros autores que estudaram esse período,

o AI-5 se tornou visível por todos os brasileiros, que passaram a ficar nas rédeas duras e

repressivas de um Regime Ditatorial.

Com a intensa repressão, a censura tomou conta do país, assolando uma geração

que se calou aos militares. Hollanda e Gonçalves (1991, p. 20) defendem que o Golpe

de 64 trouxe consigo a “reordenação dos laços de dependência”, e a “regulação

autoritária entre classes e grupos, colocando em vantagem os setores associados ao

capital monopolista ou a eles vinculados”. Após o AI-5, o governo se apoiou nas

doutrinas da segurança nacional, no qual os militares deveriam defender o país da

“bagunça dos subversivos”.

Para entendermos melhor os fundamentos da censura, precisamos fazer uma

breve explicação de seu histórico no Brasil. Ainda no governo de Getúlio Vargas, em

1944, foi criado um departamento para alterar a denominação da Polícia Civil do

Distrito Federal (atual Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro) para Departamento

Federal de Segurança Pública (DFSP), por meio de um decreto-lei. No governo do

presidente Castelo Branco, foi aprovado o regulamento do DFSP que definia o

organograma da censura. De acordo com Garcia:

na estrutura do Departamento Federal de Segurança Pública (DFSP) cabia ao

setor da Polícia Federal de Segurança acompanhar o trabalho do Serviço de

Censura de Diversões Públicas (SCDP), principal órgão da censura federal, e

às delegacias regionais as Turmas de Censura de Diversões Públicas

(TCDPs), braços auxiliares do órgão central. O SCDP era constituído por

quatro setores (secretaria, seções de censura, seção de fiscalização e arquivo)

e respondia pela coordenação das atividades da censura, pela unificação dos

trâmites burocráticos, pelo cumprimento de determinações superiores, pela

orientação dos setores regionais e pela sistematização das normas da censura.

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30

As TCDPs, por sua vez, eram compostas por duas seções (secretaria e

arquivo), restringiam-se a cumprir instruções superiores, fiscalizar casas de

espetáculos, estabelecimentos públicos, estações de rádio e emissoras de

televisão, aplicar penas pecuniárias, além de elaborar relatórios de atividades.

(GARCIA, 2009, p. 23).

Durante o governo do presidente Jânio Quadros, em maio de 1961, foi

concedido aos Estados o direito de exercer a censura. Isso ao mesmo tempo em que a

legislação que, desde 1946, dava à Polícia Federal a responsabilidade de realizar a

censura prévia a, peças teatrais, discos, filmes, apresentações de grupo s musicais,

cartazes e espetáculos públicos em geral. Já em abril de 1965 foi inaugurado um prédio

para ser sede do Departamento Federal de Segurança Pública, onde atuaria o Serviço de

Censura e Diversões Públicas - SCDP, em Brasília. Essa concretização indica o anseio

do governo federal de centralizar as atividades censórias, como explica Stephanou

“Legalmente, a censura era jurisdição do Departamento de Polícia Federal; na prática,

todos os órgãos militares de segurança se achavam no direito de proibir”. O autor

salienta que a hierarquia de poderes não era bem organizada nesse departamento, pois

“diferentes autoridades, dos mais altos postos ao simples funcionário público, buscavam

vetar produções culturais ou artísticas” (STEPHANOU, 2001, p. 293).

Em 1967, ano que antecedia o AI-5, a Constituição oficializou a centralização da

censura como atividade do Governo Federal, em Brasília. Quando o AI-5 foi decretado,

as ações de censura já se encontravam centralizadas no Governo Federal.

De acordo com Ventura (1988, p. 155), antes do AI-5, duas grandes

manifestações públicas contra as arbitrariedades do Regime Militar ocorreram no Rio de

Janeiro: a manifestação “Cultura contra Censura”, em fevereiro de 1968 que reuniu

membros da classe teatral para manifestarem sua repulsa contra a interdição de oito

peças teatrais e, alguns meses mais tarde, aquela que ficou conhecida como “A Passeata

dos Cem Mil”, que ocorreu em 26 de junho de 1968.

Dia 13 de dezembro de 1968, o presidente Costa e Silva, alegando que em nome

da “autêntica ordem democrática, baseada na liberdade, no respeito à dignidade da

pessoa humana, no combate à subversão e às ideologias contrárias às tradições de nosso

povo”, concretiza o AI-5. Tal ato dá plenos poderes aos militares, que a partir desse

momento podem cassar mandatos, suspender direitos políticos e garantias individuais,

além de criar condições para a censura à divulgação da informação, manifestação de

opiniões e produções culturais e artísticas. A partir desse momento, se dá início aos

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chamados anos de chumbo ou, para usar a nomenclatura utilizada por Gaspari (2003, p.

301): a ditadura escancarada.

O Marechal Costa e Silva explicou através de diversas transmissões radiofônicas

e televisivas, o quanto o AI-5 era necessário para a ordem e a segurança do país. Porém,

os seus depoimentos para a mídia não esclarecem suas ações de quinze dias depois, no

qual o governo cassou 38 mandatos legislativos e interrompeu por dez anos os direitos

políticos de 28 deputados federais, dois senadores e um vereador. Além disso,

determinou a aposentadoria de três ministros do Supremo Tribunal Federal e de um do

Supremo Tribunal Militar e suspendeu os direitos políticos da diretora do matutino

Correio da Manhã, do Rio de Janeiro. Dois meses se passaram e Costa e Silva assinava

a cassação de mais 95 parlamentares.

De acordo com o texto Assim se passaram dez anos, publicado na Revista Visão

em 11 de março de 1974, página 46: “O ano de 1969 foi um ano de “cassações em

massa, rígido controle dos movimentos operários e estudantis, recrudescimento da

censura, instituição da pena de morte e prisão perpétua para crimes políticos e

inauguração, no país, da prática de sequestros por parte de guerrilheiros urbanos. (...) As

atividades culturais passaram a ser rigorosamente vigiadas e artistas de projeção

nacional (...) tiveram de deixar o país”. Tudo que tivesse a intenção de ser publicado,

cantado, divulgado, enfim, deveria passar pelas mãos de censores e assim, sujeitado à

veto.

Estima-se que centenas de pessoas foram efetivamente presas após o AI-5:

“algumas centenas de intelectuais, estudantes, artistas, jornalistas (...) recolhidos às

celas do DOPS, da PM e aos vários quartéis do Exército, da Marinha e da Aeronáutica

em todo o país” (VENTURA, 1988, p. 46).

Soares (1989) explica que com o passar do tempo, a censura teve seus altos e

baixos. Em alguns momentos, foi de intensa severidade, outros nem tanto. Essa

inconstância se deu de acordo com o governo vigente do país e a maneira de governar

de cada presidente, seguindo ou não a linha dura.

A expansão mais acelerada da ação da censura teve lugar durante o período

mais negro por que o País passou: desde o AI-5, em dezembro de 1968, no

governo Costa e Silva, até o fim do governo Garrastazu Médici. (...) A partir

de 1976, data em que se afirma, o governo Geisel controlou a linha dura,

houve uma clara diminuição de suas atividades. (...) Foi somente no final do

governo Geisel e início do governo Figueiredo que a liberdade de imprensa

foi restaurada no Brasil. (SOARES, 1989, p. 22).

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Segundo Garcia entre os anos de 1964 e 1965, várias medidas foram tomadas

para sistematizar o trabalho da mesma, entre as quais ele cita:

1) a convocação de servidores para avaliar as normas da censura; 2) a

adequação da estrutura ao regulamento policial; 3) a constituição de

grupos para analisar roteiros de filmes, programas de televisão e scripts

de peças; 4) a criação de uma comissão que visava discutir questões

polêmicas e examinar a legislação; e 5) a instituição de um grupo de

trabalho responsável por uniformizar os critérios da censura e assessorar

as delegacias regionais no exercício da censura dos filmes que não

ultrapassassem os limites dos estados (GARCIA, 2009, p. 23).

É possível perceber que a censura não afetou apenas o jornalismo, mas todo

sistema informativo, sendo severa e não se importando com as consequências, ela cala a

voz de um país, causando medo, mas também revolta.

Na opinião de Fico (2002), a censura não se remete apenas ao período ditatorial,

e sim, percorre por diversos períodos da história do Brasil.

A lembrança da censura sempre permanece associada ao último período no

qual ela existiu, sendo compreensível, portanto, que, na imprensa e entre os

mais jovens, a menção ao assunto remeta imediatamente ao regime militar.

Porém, como é sabido, a censura sempre esteve ativa no Brasil, e formas

diferenciadas dela persistem mesmo hoje, quando está formalmente abolida. (FICO, 2002, p. 253).

A censura na imprensa foi o principal alvo após o AI-5. Fico ainda comenta que

a “censura da imprensa sistematizou-se, tornou-se rotineira e passou a obedecer a

instruções especificamente emanadas dos altos escalões do poder” (2002, p. 253). O

autor explica a chamada Operação Limpeza, que tinha por função, censurar tudo aquilo

que atrapalhava a ordem do país.

A história do período também pode ser lida como a da trajetória do grupo

mais radical entre os militares que tomaram o poder, conhecido como “linha

dura”. De fato, ainda em 1964, com a implantação da “Operação Limpeza”

(prisões, cassações de mandatos e suspensões de direitos políticos dos

inimigos), um grupo de oficiais-superiores foi designado para presidir os

inquéritos policiais militares (IPM) que conduziam às punições mencionadas.

A idéia (que talvez possa ser chamada de “utopia autoritária”) era eliminar todo aquele que dissentisse das bandeiras da “Revolução”: combate ao

comunismo, à corrupção e outras diretrizes da retórica política radical de

direita que, naquele momento, tinha a inspirá-la políticos como Carlos

Lacerda. (FICO, 2002, p. 254).

Carlos Lacerda foi político e jornalista, membro da União Democrática Nacional

(UDN), vereador, deputado estadual e governador do estado da Guanabara. Como

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jornalista, Lacerda foi proprietário do jornal Tribuna da Imprensa e em 1965, criador da

editora Nova Fronteira.

Em seu artigo, Fico (2002) enfatiza que a censura da imprensa engloba também

outras controvérsias, sendo uma delas o caráter político ou “moral” destas censuras.

Para Soares (1989, p. 34), a DCDP, departamento já citado anteriormente, “não exercia

atividades de censura política diretamente”, e sim, restringia-se a restringir o que

considerava impróprio, do ponto de vista moral, no teatro, no cinema, na TV, etc. Ainda

sobre os fundamentos da censura, segundo Kushnir (2001, p. 127), toda a censura é um

ato político, independentemente de visar a questões morais ou a temas explicitamente

políticos. Desse modo, é interessante analisar, ainda em Soares (1989, p. 23), a

cronologia da censura no Brasil, partindo de 1967, um ano antes do decreto do AI-5, até

1978, fim da censura prévia em diversos jornais do país, incluindo O Pasquim,

Movimento, Tribuna da Imprensa, entre outros. Confira abaixo:

Figura 1

Analisando o texto acima, é possível perceber que a censura se instaurou no país

durante muitos anos e privou diversos jornais a cumprirem seu verdadeiro papel. Soares

(1989) examina a duração das proibições e restrições aos meios de comunicação, além

dos governos que a censura percorreu.

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Estas proibições foram muito numerosas durante a ditadura de Garrastazu

Médici, mantiveram-se altas durante o primeiro ano de Geisel, declinando

rapidamente a partir de 1975. Se, por um lado, não há dúvida de que a

censura durante a ditadura de Geisel foi amena, se comparada com a

existente durante a ditadura de Garrastazu Médici, é evidente que ela

continuou existindo durante todo o seu governo. A censura sobre os meios

eletrônicos continuou, inclusive, durante o governo Figueiredo. (SOARES,

(1989, p. 26).

Soares (1989, p. 30) analisa a censura e os diversos modos de sua atuação. O

autor mostra em um quadro, que a censura afetou o cenário jornalístico, assim como

afetou o cenário cultural e literário. Ele conta que “no rádio e na televisão, a censura

atingiu sistematicamente vários artistas cuja oposição à ditadura era conhecida, entre

eles Chico Buarque e Geraldo Vandré”. Veja a figura 2 e analise os segmentos que

foram alvo da censura.

Figura 2

É possível perceber que a censura atacou a cultura do país por diversos lados, e

os livros, campeões de vetos, ganham 74 “nãos” dos censores. Segundo Soares (1989, p.

32), “Este total refere-se aos livros levados à atenção da Divisão de Censura como

"suspeitos" e, consequentemente, com maior probabilidade de serem censurados do que

uma amostra aleatória dos livros publicados”.

Quanto às matérias jornalísticas, foram vetadas mais de 1.136, no período de 29

de março a 3 de janeiro de 1975, de acordo com Aquino (1999, p. 59). Segundo a

autora, os temas mais vetados pelos militares eram: questões políticas, questões

econômicas, críticas de oposição, relação Igreja – Estado, movimento estudantil, entre

outros.

Em 1988, através de Constituição votada pela Assembleia Constituinte, no dia

03 de agosto, a censura se extinguiu no país, após os longos anos de vigência,

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representando o fim da tortura e aprovação da liberdade intelectual, de expressão e de

imprensa no país. Kushnir aponta trecho da Carta que revelava que:

Art. 220: A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a

informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

§ 1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena

liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação

social (...).

§ 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e

artística.

§ 3º Compete à lei federal: I - regular as diversões e espetáculos públicos,

cabendo ao poder público informar sobre a natureza deles, as faixas etárias a

que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre

inadequada;

II - estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e

televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de

produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos

à saúde e ao meio ambiente. (...)

§ 6º A publicação de veículo impresso de comunicação independe de licença

de autoridade. (KUSHNIR, 2004, p. 121).

Os decretos da censura foram muito mais além, porém acima podemos perceber

a quantidade de proibições feitas pelo Regime Militar que afetaram a cultura e a

liberdade de expressão do país.

Para Soares (1989, p. 39), a censura deixou muitos rastros, tanto no jornalismo

quanto em outros meios de informar, como citamos anteriormente. Porém, o autor

sublinha que ela (ao contrário do que os militares pensavam), prejudicou mais o Regime

do que beneficiou. O autor destaca que “os objetivos centrais da censura era reduzir a

oposição ao Regime militar. O alvo era a população letrada, no caso da imprensa

escrita, e a população total, no caso do rádio e da televisão”. Para ele, “o fato de cumprir

ou não este objetivo passava pelos meios de comunicação de massa. A interferência

com estes meios levou a reações negativas e, neste sentido, pode ter trazido mais

malefícios do que benefícios para o Regime Militar”. Ou seja, a censura contribuiu

consideravelmente os opositores ao Regime e não conseguiu atrair aliados, como era o

verdadeiro intuito dos militares.

Nesse contexto de liberdade de expressão cerceada, entra em cena um novo

modo de informar, com raízes e motivos fortes para trazer a mudança para o jornalismo

e para os modos de dizer e informar, o jornalismo alternativo, que vamos contextualizar

no próximo capítulo.

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3. A EMERGÊNCIA DA IMPRENSA ALTERNATIVA

Neste terceiro capítulo, vamos identificar os principais motivos que levaram a

imprensa a inovar a fim de transformar o momento em que o país vivia, a Ditadura

Militar. Com o AI-5 e a censura, os modos de informar ficaram comprometidos,

trazendo a necessidade de uma mudança, de um modo de informar que atinja o público

alvo, os chamados de esquerda. Neste grupo, se encaixam todos aqueles que eram

contra o Regime, contra os mandos dos militares e a favor da liberdade de expressão.

Durante esse período, as formas de resistência encontradas foram inúmeras.

Aparece um novo grupo de movimentos sociais, forjados, especialmente a partir de uma

esquerda cristã. Quanto aos sindicatos, que criam suas centrais nacionais e grupos de

intelectuais, militantes políticos e jornalistas, dão vida e cor a essa imprensa alternativa,

também chamada independente e também nanica, que até então, dá seus primeiros

passos rumo ao estrelato.

Em um período de repressão, os jornais alternativos visavam justamente achar

brechas neste modo de controle (que envolvia censura e direitos abolidos). Esses meios

de comunicação transformam a lógica de controle pelo poder cultural: se o Regime

Militar queria esconder certas informações, os jornais alternativos tinham como papel,

contar, informar a população. Se o Regime buscava amordaçar o jornalismo, os meios

alternativos buscavam meios para fazer um exercício profissional de jornalismo cada

vez mais livre.

O surgimento dessa imprensa alternativa ocorreu justamente como resultado de

uma comunicação de resistência, que existiu mesmo nos momentos mais severos da

Ditadura Militar, baseada na música, filmes, leituras e reflexões acadêmicas. A

comunicação de resistência, conforme Berger é o indício da acumulação de forças pelos

grupos de oposição.

Braga (1991) observa o papel desse tipo de imprensa e o momento em que a

mesma se inseriu no país. Ele enfatiza que “um dos objetivos principais da imprensa

alternativa preenche um espaço deixado vago pelas grandes empresas nas condições

políticas dos anos 70, onde as maneiras de ocupar esse espaço vão caracterizá-la, e

sorna, por sua prática, uma crítica à imprensa indústria”. Desse modo, o autor explica

que:

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os jornais alternativos feitos em pequenas empresas, onde não há a um

enfrentamento entre patrão e empregado, se estabelece uma relação pluralista

de troca de ideias entre jornalistas que buscavam procurar as perspectivas

mais globais sobre o social e o político que faz com que se produza uma

visão mais teórica das coisas. Essa visão vai direcionar a construção do

público alvo, geralmente estudantes, jornalistas, professores e profissionais

liberais. (BRAGA, 1991, p. 293).

Berger (1998) analisa a ideia de lançar uma imprensa alternativa e quais foram

as suas verdadeiras intenções assim como os seus resultados. “Contribuiu para que

alguns assimilassem as novas possibilidades tecnológicas também (...) para que os

intelectuais olhassem a imprensa como lugar de exposição de suas ideias. Mas,

principalmente, serviu como estímulo para o investimento político e cultural em

periódicos” (1998, p. 96).

Na visão de Caparelli (1989, p. 96), esses jornais alternativos são como

micromeios de oposição: são “jornais de pequena tiragem, produzidos por profissionais

que utilizam suas horas de lazer na luta por uma ideologia e por isso, sem objetivos de

lucros pessoais”.

Já Kucinski (2007), discorre sobre a função econômica desse tipo de jornalismo

e de que forma ele consegue exercer seu papel de forma independente. “No alternativo,

jornalistas e intelectuais não são pagos para defender ideias dos outros, são mal pagos

para dizer exatamente o que pensam”. Ele enfatiza que “no alternativo, a notícia não é

merecedora: é valor de uso e não de troca. Não há nada mais anticapitalista do que isso,

ainda que o alternativo tenha que pagar alguns salários e aluguéis, usar alguma

publicidade” (2007, p. 1). Desse modo, é possível compreender que esse tipo de

jornalismo se arriscou em prol de sua nação, a fim de promover transformações

baseados no talento, inteligência e força de vontade, sem depender de terceiros, ou seja,

empresas e principalmente dos governantes.

A imprensa alternativa conquistou um importante papel no período do Regime.

Com suas características marcantes e com um forte grupo á seu favor, foi uma grande

aliada dos movimentos sociais, principalmente porque nasceu das ideias de lideranças

populares, estudantis, sindicais, jornalistas, intelectuais e ativistas políticos que agiam

pela necessidade de se engajar em uma causa importante para o país no momento, a

favor de uma população que clamava por algum tipo de justiça, que tivesse efeito e

conseguisse transformar e dar voz aos que tiveram que se calar.

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Kucinski (1991) refere-se a esse jornalismo de oposição como “aquele feito no

período de 1970 a 1975, quando os jornais alternativos não eram símbolo, mas a própria

resistência tomada face à censura” (1991, p. 15).

Klein (2006, apud Kucinski, 1991), aponta que este fazer jornalístico

empreendido pelos jornais alternativos que alcançaram grande repercussão (e tiragem)

influenciou no surgimento de práticas diferenciadas, que se expandiram para inúmeros

jornais. Esse jornalismo está inserido em um panorama mais amplo de resistência

cultural: os alternativos tentavam driblar a censura, fugindo das mais variadas formas de

domínio e contando as histórias sob as formas mais variadas.

Na visão de Caparelli, os alternativos geralmente “refletem as ideologias dos

grupos que estão por trás desses projetos” (1989, p. 96). Nesse grupo de oposição ao

Regime, faziam parte os chamados subversivos, que faziam parte da imprensa em geral

e eram mais dispersos, logo, mais difíceis de serem identificados e recriminados. Nota-

se que a censura sobre os jornais e jornalistas dessa imprensa tenha sido mais rígida.

Com isso, a imprensa alternativa não nasce apenas como resultado da repressão política.

A direta pressão econômica dos empresários de comunicação também contribuiu na

formação de um grupo de jornalistas (entre redatores, ilustradores, escritores e

fotógrafos) com grande capacidade de produção que, aos poucos foi sendo afastado da

grande imprensa criando outra forma de trabalho jornalístico no campo alternativo.

A grande sacada desse novo jornalismo, segundo Klein (2006), se deve as

propostas jornalísticas diferenciadas que ele buscava realizar, as quais “devem aludir

novas angulações para a abordagem do cotidiano (portanto, constituindo uma alternativa

frente ao discurso dominante)”. Assim, a autora enfatiza que “ao mesmo tempo em que,

por traduzir um sentimento de mudança e de tentativa de engajamento, estas mesmas

propostas consistem, em si, numa ação específica para chegar à mudança pretendida”.

(2006, p. 69). A autora enfatiza que os jornais alternativos se arriscaram a encontrar

formas novas de produção de materiais. “Alguns se dedicaram a trabalhar com a charge,

desenhos, contos, crônicas, histórias de vida de pessoas variadas. Desafiaram-se a

buscar um espaço que estava fechado e, em boa medida, impulsionaram grandes

aberturas”. (2006, p. 76).

A emergência desse tipo de imprensa foi fundamental para uma grande

transformação no país. Com essa imprensa, nasceram inúmeros jornais que

revolucionaram os modos de dizer no jornalismo e alcançaram seus objetivos para com

a sociedade e a própria profissão.

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No item seguinte, iremos contextualizar com ênfase, quais foram as causas do

surgimento desse tipo de jornalismo, que foi tão peculiar e interessante, visto que

nasceu por uma necessidade de mudança e conseguiu, através de seu engajamento,

transformar o modo de informar.

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3.1 AS CAUSAS DO SURGIMENTO DOS JORNAIS

ALTERNATIVOS

No capítulo anterior, percebemos que o jornalismo alternativo foi criado como

forma de resistência, que se encaixa em uma forma de controlar informações que

afetavam a construção da realidade que está sendo vivida.

Desse modo, pudemos compreender que a Ditadura Militar não representou,

apenas, um período de intenso conservadorismo político, mas, um momento de moral e

costumes conservadores. Com ela, o silêncio foi imposto aos opositores do Regime

político e comportamental, e também àqueles que buscavam novos modos de expressão

cultural, artística e de vida. Para Berger (1991) “é na imprensa alternativa que os

intelectuais e os militares políticos dos partidos vão buscar material para suas análises

de conjuntura”. Desse modo, o autor ressalta imprensa se torna “a leitura predileta dos

estudantes de ciências sociais e o único espaço de trabalho para muitos opositores ao

Regime”. (1991, p. 15).

Nessas vertentes, iremos contextualizar o capítulo atual nos baseando em

especialistas no assunto, ou seja, que estudam a imprensa alternativa e suas raízes e

vertentes.

Benvenuto Junior (2007) trata desse assunto em sua pesquisa, e sobre essas

fortes características, traçou o termo como “uma imprensa que se constituiu a partir das

organizações sociais e políticas da oposição”, o autor enfatiza que nesse período se tinha

“um forte viés cultural, ao contar com a colaboração dos intelectuais do teatro, cinema e

da própria televisão, além de especialistas da área social, econômica e política” (2007,

p. 1).

De acordo com Festa (1986), a causa dessa imprensa se deu “sob o impulso da

promessa da abertura política, rearticulação dos movimentos sociais e sindicais, assim

como na tentativa de revelar os pensamentos das diferentes correntes de esquerda,

surgiram muitos jornais alternativos no período da Ditadura Militar”. A autora analisa

as origens dessa imprensa, assim como seus verdadeiros fundamentos:

A grande proposta dessa imprensa é construir um modo próprio de interpretar

a realidade, originário do campo de contestação à Ditadura, lançando ideias

para debater, seja através do humor, como o caso do Pasquim ou através de

outras vertentes. “A verdadeira tarefa de comunicar e relacionar os

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acontecimentos ocorridos nos círculos do podre, no interior da sociedade

civil e entre os movimentos populares coube, efetivamente, à imprensa

alternativa e popular” (FESTA, 1986, p. 16).

Já, Pereira (1986) associa a imprensa alternativa à popular e dos partidos

populares afirmando que elas têm “de assumir um compromisso básico essencial com

seus leitores, de apoiar-se na realidade objetiva, na vida concreta que os leitores têm

diante de si”. Quanto aos intuitos dessa imprensa, o autor aborda que elas “pretendiam

compreender para libertar-se, ou seja, a realidade objetiva é, e não pode deixar de ser, o

ponto de partida” (PEREIRA, 1986, p. 75).

Deste modo, os chamados jornalistas-militantes, ou críticos ao Regime, em

parceria com os intelectuais e ativistas políticos, encontraram brechas para agir

politicamente e oferecer novas propostas de informação e cultura através dessa

imprensa independente.

Braga (1991, p. 231), ao escrever sua tese de doutoramento sobre o jornal O

Pasquim, traçou algumas caracterizações sobre os jornais alternativos, destacando que

“a maior parte deles é centrada diretamente na política, na análise dos acontecimentos,

tendendo a privilegiar o ângulo propriamente político”.

Então, é possível perceber que a imprensa nanica que brota neste cenário, tenta,

dentre outras coisas, quebrar justamente com a relação de poder estabelecido entre

empregados e empregadores em uma redação. Os jornais alternativos permitiam uma

estrutura diferente na rotina de produção, ou seja, os próprios jornalistas sendo

proprietários ou sócios da empresa, alguns, em decorrência da própria exclusão que

sofreram na grande imprensa dominante.

Após decretada a Lei da Imprensa em 1967, a visão dos jornais alternativos

começou a se transformar, com a finalidade de cutucar o governo e deixar claro que o

jornalismo não estava de olhos e ouvidos fechados. Desse modo, os jornalistas de

esquerda entram em ação. Cansados do autoritarismo, desejavam um novo sistema

social e procuravam informar a população dos temas de interesse nacional com um

enfoque crítico e inteligente. Esses jornais alternativos eram vendidos como os outros,

em bancas, por assinatura, nas universidades, centro de convenções, entre outros locais.

Independentemente do estilo seguido, os jornais da imprensa alternativa eram

dirigidos a certos grupos de leitores, especialmente aqueles que se identificavam com as

vertentes e ideias do jornal.

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Os mandos e desmandos da censura são vistos como relações de poder na

tentativa de controle das mensagens em relação ao Regime, buscando diminuir a força

dos opositores. Kucinski explica:

Enquanto a censura exógena do Estado impede o exercício da liberdade, sem

necessariamente afetar a dignidade do jornalista – sua persona de homem

livre, - autocensura vai minando a integridade do ser, porque ele aceita a

restrição a sua liberdade e se torna ao mesmo tempo agente e objeto da repressão. (KUCINSKI, 2003, p. 238).

A importância histórica da imprensa vinculada à geração de 60 vai além de seus

elementos de cunho revolucionário. Os jornais independentes experimentaram diversas

formas de fazer gestão empresarial e de conformação e adaptação aos movimentos

restritos e combativos da censura militar. Os mesmos, precisaram se moldar a uma nova

maneira de fazer jornalismo, sem perder suas origens e anseios, mesmo com a imensa

repressão que o período ditava.

Trabalhos mais específicos, como de Aquino, em Censura, Imprensa e Estado

Autoritário (1968-1978), e Kucinski (1991), em Jornalistas e Revolucionários: Nos

Tempos da Imprensa Alternativa, exploram a censura militar sob visões diferentes,

porém igualmente abertas. A primeira aborda um jornal da chamada grande imprensa e

um da imprensa alternativa. Já Kucinski apresenta um olhar para a história dos jornais

alternativos em uma tentativa de guardar a existência das mais passageiras publicações

impressas nos anos de chumbo.

Para os jovens e sonhadores jornalistas, acadêmicos, estudantes e profissionais

liberais, este caráter de libertação, característica do jornalismo independente, gera

prazer e aproximação da realidade, tornando esse tipo de jornalismo inovador e

transformador por si só.

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3.2 PERFIL DOS JORNAIS ALTERNATIVOS NOS ANOS DE

CHUMBO

Neste capítulo, vamos destacar as principais características dos jornais que

surgiram durante os anos 60 e 70 no Brasil. O período, que se refere ao mais intenso da

Ditadura Militar, fez com que os meios de comunicação procurassem uma saída para

buscar a democracia de volta, ou pelo menos, o direito de informar. Desse modo, os

jornais alternativos entram nesse cenário para transformar essa situação.

Para entendermos esse contexto é preciso conceituar a imprensa alternativa e as

funções que esse tipo de comunicação tinha nesse período conturbado do Brasil.

Iniciamos a contextualização desses jornais, contemplando a comunicação

popular ou alternativa. A mesma se caracteriza por uma forma de expressão de lutas

populares por melhores condições de vida que se iniciam a partir de movimentos sociais

e representam um lugar de participação democrática de um povo. Peruzzo (2006, p. 9),

conceitua o termo povo como “um conceito dinâmico, que se origina da ideia do

popular-alternativo e se localiza no universo dos movimentos sociais populares e lutas

por direitos de cidadania”.

Para Vieira (2005, p. 8), o termo comunicação alternativa, popular ou

comunitária, na forma como vem se desenvolvendo nos últimos tempos, constitui-se

por ser o canal de expressão de uma comunidade (independente do seu nível

socioeconômico e território), por meio do qual os próprios indivíduos possam

manifestar seus interesses comuns e suas necessidades mais urgentes.

De acordo com Gonçalves (2007, p. 11), os 21 anos da Ditadura Militar foram

marcados pela proliferação e auge da imprensa alternativa. A autora enfatiza que nessa

luta contra o poder, “Raimundo Rodrigues Pereira foi um dos jornalistas mais

importantes e ativos desta fase”. Pereira em Vive a imprensa alternativa. Viva a

imprensa alternativa, publicado no livro “Comunicação popular e alternativa no

Brasil”, o surgimento dessa imprensa se encaixa no contexto do Regime Militar devido

os seus fundamentos. Essa imprensa, vê na censura aos meios de comunicação, na

repressão às atividades culturais e intelectuais, o motor para continuar caminhando, ou

seja, a principal razão para jornalistas, intelectuais e setores da esquerda investir nessa

luta.

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Abaixo, Peruzzo analisa a origem e a função da comunicação popular ou

alternativa face ao seu público alvo e ao momento em que a mesma se insere na

sociedade brasileira:

Sua origem se deu entre 1970 e 1980, no Brasil e na América Latina. Possui

caráter mobilizador, com sede de mudança, que visa suprir as necessidades

populares buscando uma inserção maior desse povo na sociedade. Esse tipo

de comunicação possui conteúdo crítico e reivindicativo e tem o povo como

principal agente, o que a torna um processo justo e educativo. Ela não se

caracteriza como um tipo qualquer de mídia, mas como um processo de

comunicação que emerge da ação dos grupos populares (PERUZZO, 2006, p.

2).

A autora analisou o conceito baseado em seu papel face o contexto. “A

comunicação popular ou alternativa possui conteúdo crítico-emancipador e

reivindicativo, constituindo o “povo” como protagonista principal, o que a torna um

processo democrático e educativo” (PERUZZO, 2006, p. 4).

Pereira (1986 : 55-56) analisa esse tipo de imprensa partindo de sua origem,

assim, chegando aos pressupostos de seu papel. Diz que “a imprensa alternativa foi

expressão da média burguesia, dos trabalhadores e da pequena burguesia” Esse tipo de

imprensa, “defendeu os interesses nacionais e populares, portanto, condenava o Regime

Militar”. Desse modo, o que caracteriza o jornal como alternativo é o fato de representar

uma opção enquanto fonte de informação, pelo conteúdo que oferece e pelo tipo de

enfoque.

Kucinski (1991, p. 15) afirma que parte dos veículos de comunicação alternativa

desse período possuía jornalistas motivados por ideais políticos de esquerda. No livro

Jornalistas e Revolucionários – nos tempos da imprensa alternativa, ele aponta que

brotaram durante a ditadura, “131 jornais alternativos, sendo que 94 deles sobreviveram

menos de um ano”. O autor ressalta que apesar de ter caráter militante, como lembra

Braga (1991), “os alternativos são também informativos e necessitam se manter como

empresa para sobreviver, já que não são sustentados por um partido”.

Nos anos 60, em uma época em que a maioria dos grandes jornais se alinhava à visão

oficial do governo, por opção político-ideológico ou devido à censura, a imprensa

alternativa representada pelos pequenos jornais, em geral com formato tabloide, ousava

avaliar com críticas os acontecimentos da ditadura. São exemplos, o Pif-Paf, lançado

em 1964; o carioca Pasquim, que nasceu em 1969, Pato Macho (1971), de Porto Alegre

– RS ,Opinião (1972), de São Paulo. No ano de 1975, podemos citar o jornal De fato, de

Belo Horizonte, Versus e Movimento, de São Paulo, além de Coojornal de Porto Alegre.

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Já em 1976, nasceu o também porto-alegrense Informação. Em 1977, foi a vez de

Repórter e Em Tempo, ambos de São Paulo. Kucinski analisa, que esses jornais, que se

lançaram na Ditadura Militar, “foram quase todos os embriões de futuras equipes que

tiveram grande importância no jornalismo". (KUCINSKI, 1998, p. 192). O autor

distingue os grupos de jornais alternativos do período de 1964 e 1980 em relação à linha

editorial que seguiram. Alguns eram predominantemente políticos, com raízes nos

ideais marxistas que dominavam o ambiente cultural e estudantil desse período.

Entre os principais jornais dos anos 60, destacam-se Movimento e Opinião. Esses, foram

os únicos, em toda a imprensa brasileira, que conseguiram publicar sistematicamente

denúncias políticas sobre as agressões da ditadura, além de denúncias econômicas sobre

o crescente endividamento externo do Brasil e as movimentações sociais contra o

sistema. Esses jornais apresentavam e debatiam temas clássicos da esquerda, em um

estilo crítico e carregado de uma ideologias marxistas.

Araújo (1998), em Uma história do tempo presente: política, esquerda e

imprensa alternativa no Brasil dos anos 70, sua tese de doutorado, engloba os diversos

tipos e abordagens desse tipo de jornalismo.

A imprensa alternativa congregava jornais de vários tipos: 1)

jornais de esquerda que se vinculavam tanto a jornalistas de oposição quanto

aos partidos e organizações políticas clandestinas; 2) revistas de “contra-

cultura”, que reuniam e artistas “alternativos” ou “malditos”, que produziam

fora do esquema comercial e 3) publicações de movimentos sociais

englobando neste campo o movimento estudantil, os movimentos de bairro e

os jornais das chamadas minorias políticas, como a imprensa feminista, a

chamada “imprensa negra”, os jornais de grupos homossexuais organizados,

as publicações indígenas, etc. (ARAÚJO, 1998, p. 158-159).

Pode-se entender que o jornalismo alternativo desse período alcançou inúmeros

leitores, dos mais diferentes modos de pensar, agir, seus anseios e ideais.·.

As narrativas desses jornais alternativos aproximavam-se dos aspectos literários

e do jornalismo narrativo, entre eles estavam Bondinho, Ex e Versus. Segundo Kucinski

(1991, p. 123), O Bondinho nasceu, em novembro de 1971, como uma revista

tradicional, voltada para a classe média paulistana, produzida por uma empresa

jornalística alternativa, a Arte & Comunicação (A&C), distribuída no maior

conglomerado de supermercados do Brasil, o Pão de Açúcar.”. Já o Ex, de acordo com

Kucinski:

realiza em toda sua plenitude o estilo da equipe de Realidade, o jornalismo

de ruptura, a narrativa forte, uma linguagem sem barreiras à leitura, a

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ambição por grandes tiragens. Ex expressa a ansiedade do grupo em produzir

um jornalismo contundente, que vá direto à ferida, sem metáforas, sem

compromissos com a censura. que seja totalmente político sem precisar das

muletas do discurso pedagógico. (KUCINSKI, 1991, p. 127).

O jornal mensal Versus, iniciou sua trajetória desvinculado a partidos políticos,

porém com o tempo se tornou partidário. “O jornal passou a atrair ativistas do

movimento clandestino Liga operária, que tornaram-no um jornal organizador de

partido”. (KUCINSKI, 1991, p. 69).

Ainda discutindo sobre esses alternativos, o mesmo autor diz eles “procuravam

novas categorias explicativas da vida e dos conflitos humanos, que ousaram desafiar a

moral pudica dos marxistas ao abrir a discussão sobre a homossexualidade e o prazer”

Entre esses jornais, o autor cita Lampião da Esquina, dirigido por Aguinaldo Silva, que

discutia abertamente temas como a homossexualidade. Mulherio, Brasil Mulher e Nós

Mulheres, inspirados nos movimentos feministas franceses. (KUCINSKI, 1991, p. 72).

Políticos, culturais, literários, humorísticos, todos os alternativos, de uma forma

ou outra, sofreram, foram recriminados e vigiados pelo Regime militar. No universo dos

jornais alternativos de base filosófica existencialista, destaca-se O Pasquim. Através do

humor, criticou paradigmas e enfrentou os tabus da moral vigente – liberação sexual,

entre outros temas foram levantados e discutidos, suscitando escândalos e provocando

reações apaixonadas. (QUEIROZ, 2004, p. 232). Podemos sintetizar a presença no

tempo e divisão do espaço da imprensa alternativa, estudado por Kucinski (1991),

através do gráfico que segue.

NÚMERO DE JORNAIS ALTERNATIVOS POR TEMPO DE DURAÇÃO (1964-

1980)

Figura 3

Mais de 10 anos

De 6 a 10 anos

De 3 a 5 anos

De 1 a 2 anos

Jornais efêmeros (menos de

1 ano)

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Gráfico 01: Elaborado a partir dos dados do livro de Bernardo Kucinski, Jornalistas e

Revolucionários – Nos Tempos da Imprensa Alternativa. 2ª edição. São Paulo: Edusp, 1993.

No gráfico, é possível analisar que os jornais de cunho independente e

alternativo não tiveram uma vida tão longa assim. O Pasquim foi exemplo mais

duradouro da história da imprensa alternativa do país. O tabloide que trazia o humor

como principal munição, é visto como um dos principais jornais alternativos ao lado de

Movimento e Opinião. No total, o Pasquim viveu 22 anos, porém, durante os primeiros

seis anos, foi que o jornal conseguiu transpor de forma mais brilhante o seu papel na

sociedade. Após o fim da censura prévia para o Pasquim, em 1975, o jornal perde um

pouco sua vertente.

A imprensa alternativa do Brasil foi uma aliada fundamental dos movimentos

sociais, principalmente por ser feita de lideranças de movimentos populares, ativistas

políticos que agiam na ilegalidade por intelectuais que percebiam a necessidade de

engajarem-se na luta pró-democratização e que, muitas vezes, fizeram isso pela

comunicação. Foram muitos os casos que, como por exemplo, os jornais Amanhã, Pif-

Paf e Informação, que exerceram influência decisiva nos campos da política e do

jornalismo em apenas meia dúzia de edições. (KUCINSKI, 1991, p. 24).

Os jornais alternativos se desafiaram a encontrar maneiras diferentes de

produção de materiais. Alguns partiram para o lado do humor e trabalharam com

charges, desenhos, outros com contos, crônicas e histórias de vida de pessoas variadas.

Porém, o desejo de liberdade e o anseio de promover a diminuição das desigualdades é

que realmente alimentaram os jornalistas da imprensa alternativa desse período.

Consequentemente, os jornais frutos de seu trabalho espelham estas características.

Caparelli (1980) observa que a maioria dos jornais alternativos foi fundada na

passagem do governo Médici para o governo Geisel. Essa difusão no início do governo

Geisel expressou também a esperança vivida pela sociedade. As pequenas esperanças

que, por esse tempo, “levaram luz ao ambiente autoritário talvez tivessem sido

impossíveis um ano antes, durante a censura mais feroz do governo Médici” (1980, p.

54).

Desse modo, apesar da intensa resistência aos meios alternativos, os jornais

alternativos entraram na pauta da teoria e dos debates acadêmicos ganhando destaque na

luta pela liberdade de expressão, porém eles não transformaram o mundo. Mas também

é verdade que chamaram a atenção da mídia comercial para temáticas que não podiam

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mais ser desconhecidas ou ignoradas e foram impulsos para discussões importantes e

que visavam o futuro de um país.

Em 1979 com o fim do AI-5 não significou o fim da imprensa alternativa no

país. A mesma percorreu outros caminhos, tendo papel fundamental na luta pelo retorno

das eleições diretas, que aconteceu em 1984 com a campanha que ficou conhecida como

Diretas Já. Porém, a imprensa alternativa só perdeu suas forças com a redemocratização

do país, embora no que se refere à política, os meios de comunicação estarão sempre

alertas para contar o que está acontecendo, afinal, este é o papel da imprensa, seja ela

alternativa ou não.

Através desse estudo, consideramos o quão importante é ressaltar o papel que a

imprensa alternativa teve na história do Brasil ao longo dos anos em que esteve em

vigor o AI-5, embora com a censura sempre ao lado, essa imprensa esteve sempre na

luta pela democracia e liberdade de nosso país.

O que se pode observar é que o termo imprensa alternativa é bastante amplo,

pois a categoria não só ficou ligada aos pequenos jornais que nasceram nos anos da

Ditadura Militar como também implica tão somente veículos impressos.

As pesquisas sobre esse tipo de imprensa têm sido bastante amplas e diversas,

que buscam novas ideias e perspectivas para se entender um fenômeno que de modo

algum é recente na política e na cultura. Portanto, a leitura desses autores e suas

abordagens, conservados os enfoques e a opinião de cada um, se completam e

contribuem para clarear os múltiplos objetos alternativos que se fazem presente na

história do jornalismo brasileiro, na linguagem, na cultura, assim, oferecendo

contribuições para um sistema mais democrático de comunicação.

Após contextualizarmos o jornalismo alternativo com suas raízes e fundamentos,

partimos para um próximo capítulo que nos apresenta o semanário O Pasquim no

âmbito do jornalismo alternativo e de sua importância no período da Ditadura Militar

para o jornalismo e os novos modos de informar.

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4. CHEGADA DO PASQUIM

Neste capítulo, vamos tratar do semanário O Pasquim, como um dos principais

jornais dos anos 70, e nesse contexto, sendo o mais influente do período. Baseado no

humor, o tabloide conseguiu conquistar uma legião de leitores e de fãs. Esse jornal foi

escolhido como o tema desta, pelo seu caráter transformador, corajoso, inteligente e

irreverente.

Iniciamos o capítulo com o histórico do tabloide face ao período em que ele se

insere. Ou seja, em plena vigência do AI-5, em 1969.

Neste período, a imprensa brasileira estava amordaçada, assim como a classe

artística, que usava sua criatividade para criar códigos que pudessem driblar a censura e

alertar a população dos acontecimentos do Regime. O decreto do AI-5 foi um marco no

Regime militar. A imprensa, que até então mantinha uma coerente autonomia,

surpreendeu-se com os rigorosos mecanismos de repressão do governo. É nesse

turbilhão de momentos que surge no Brasil o jornal mais influente de oposição à

Ditadura Militar: O Pasquim.

O nome do jornal carioca foi escolhido por Jaguar, que criou o jornal juntamente

com o Ivan Lessa. Sobre a origem do Pasquim,tecemos em seguida algumas noções de

caráter histórico e linguístico,antes de avançar no capítulo. Pasquim vem do italiano

‘paschino’ e significa jornal ou panfleto difamador. Porém, a palavra pasquim tem um

histórico que vai além do semanário carioca, e neste sentido, relataremos, um breve

apanhado sobre o aparecimento desta modalidade de jornal na imprensa no Brasil.

A noção de Pasquim teve uma grande importância no contexto histórico do país,

assim como para o jornalismo, pois a partir dos primeiros Pasquins, diversas técnicas de

escrita revolucionaram os modos de informar e até hoje são seguidas pelos jornais e

revistas, como no caso da transcrição das entrevistas estilo pergunta e resposta,

originadas dos Pasquins do século XIX.

Iniciamos a trajetória da imprensa no país, a partir da chegada da Corte ao Rio

de Janeiro e do processo que veio a conduzir à Independência do Brasil. Aliás, já antes

dessa chegada, em 1917, Basílio de Magalhães tinha escrito sobre Os Jornalistas da

Independência, no qual relatou a turbulenta atividade dos jornais pré e pós

Independência. Ou seja, a imprensa já começa a dar seus primeiros passos.

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Estudos sobre esse período foram feitos por Mecenas Dourado, por exemplo, em

1957, com a obra Hypólito da Costa e o Correio Brasiliense, que contava a trajetória do

primeiro jornalista brasileiro. Além dele, outro autor, dedicou-se a escrever sobre a

imprensa no Brasil. Juarez Bahia, por exemplo, em Três Fases da Imprensa Brasileira,

lançado em 1960. Porém, autores portugueses iniciaram seus estudos sobre imprensa e

história do jornalismo, antes, em 1857, ano em que Tito de Noronha escreveu Ensaios

Sobre a História da Imprensa. Na obra o autor discute sobre a introdução e evolução da

tipografia em Portugal, no qual são apresentados dados sobre as primeiras folhas

noticiosas bem como sobre os primeiros jornais do país.

Outro importante especialista sobre o assunto é Nelson Werneck Sodré,

historiador brasileiro e autor da obra História da Imprensa Brasileira. Para Sodré, a

imprensa brasileira, “nasceu com o capitalismo e acompanhou o seu desenvolvimento”

(SODRÉ, 1999, p. 10). Esta frase indica o enquadramento materialista que o autor dá à

história da imprensa. O autor discute sobre as tentativas burguesas de controle do

jornalismo, ligadas ao desenvolvimento do capitalismo:

a história da imprensa é a própria história do desenvolvimento da sociedade

capitalista. O controle dos meios de difusão de ideias e de informações – que

se verifica ao longo do desenvolvimento da imprensa, como reflexo do

desenvolvimento capitalista (...) – é uma luta em que aparecem organizações

e pessoas da mais diversa situação social, cultural e política, correspondendo

a diferenças de interesses e aspirações. Ao lado dessas diferenças, e

correspondendo ainda à luta pelo referido controle, evolui a legislação

reguladora da atividade da imprensa (SODRÉ, 1999, p. 1).

O livro de Sodré (1999) divide-se em seis capítulos dedicados à imprensa

Colonial, à imprensa da Independência, ao pasquim, à imprensa no Império, à Grande

Imprensa e à crise da imprensa. Para esse autor, que estudou a imprensa em sua

profundidade, a Independência do Brasil em 1922, não trouxe liberdade de imprensa ao

país, e sim, a permanência da censura e da repressão: “É na medida em que

compreendem a necessidade de limitar a Independência que os representantes da classe

dominante colonial opõem restrições à liberdade de imprensa” (SODRÉ, 1999: 42 - 45).

Sodré (1999) prossegue, discutindo que a Independência não nem liberdade de

imprensa nem, muito menos, democracia, mas deve ser saudado o “período rico (...),

quando aparecem, e proliferam, os periódicos (...) de combate, de linguagem virulenta,

em que a historiografia oficial tem visto apenas os aspectos negativos, sem sentir neles

o fecundo exemplo (...) de avanço no esclarecimento da opinião.” (SODRÉ, 1999, p.

82). O autor discorre que “a historiografia oficial vê sempre a ordem, a democracia, o

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desenvolvimento, quando, na verdade, foi a mais (...) atrasada [época] de nossa história”

(SODRÉ, 1999, p. 85).

Após a Independência de 1822, o país vive um avanço liberal que, de acordo

com Sodré, permitiram o surgimento do pasquim, “imprensa peculiar, cujos traços de

grandeza e autenticidade são normalmente apresentados como impuros” (SODRÉ,

1999, p. 85). A fase dos pasquins é encarada pelo autor, como a fase de propagação do

jornalismo no Brasil, produto de iniciativas individuais ou de grupos formados,

geralmente de liberais, de esquerda ou de direita. Sodré ainda classifica os pasquins da

seguinte maneira:

Eram vozes (...) bradando em altos termos e combatendo desatinadamente

pelo poder que lhes assegurasse condições de existência compatíveis ou com a tradição ou com a necessidade. Não encontrando a linguagem precisa (...), a

norma política adequada aos seus anseios, e a forma e organização a isso

necessárias, derivavam para a vala comum da injúria, da difamação (...). Não

podiam fazer uso de outro processo porque não o conheciam (...) num meio

em que a educação (...) estava pouquissimamente difundida (...), em que os

que sabiam ler não tinham atingido o nível necessário ao entendimento das

questões públicas e em que os que haviam frequentado escolas superiores se deliciavam em estéril formalismo (...), a única linguagem que todos

compreendiam era mesmo a da injúria. (SODRÉ, 1999, p. 157).

Já Sousa (2008), professor e pesquisador em Jornalismo, estuda sobre os jornais

de cunho revolucionário e difamador, como os pasquins. O autor discute sobre o perfil

desses jornais, “que tinham uma periodicidade incerta, poucas páginas e que geralmente

eram preenchidas através de artigos” (SOUSA, 2008, p. 20). O especialista comenta

sobre a origem e trajetória desses periódicos:

Vários deles nasceram no contexto das revoltas liberais e republicanas que

agitaram o Brasil até à estabilização da situação, já no reinado de D. Pedro II. Cada número podia conter um único artigo, sendo que no primeiro número

era, por regra, apresentado um “programa” esclarecedor dos motivos pelos

quais um novo periódico vinha a público. Normalmente, tinham vida curta e

muitos apenas publicaram um número. Eram, com frequência, produto do

trabalho de um homem só, mas por isso também eram livres e

desassombrados, sendo por vezes necessário recorrer à força para os

silenciar. (SOUSA, 2008, p. 20).

O autor salienta também, que além de artigos, nesse mesmo período, começaram

a surgir novas modalidades de pasquins, os humorísticos. (1999:20).

Já Sodré (1999, p. 180) classifica a época de 1830-1850 como “o grande

momento da imprensa brasileira”, principalmente devido à autenticidade e a liberdade

que adotam os pasquins. E tão grande a admiração que Sodré tem por esse tipo de

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jornalismo, que ele sugere que “esse foi o jornalismo mais autêntico e não o industrial e

informativo”. (SODRÉ, 1999: 15 - 16).

Tengarrinha (1989), também historiador brasileiro e pesquisador na área do

jornalismo impresso, classifica os pasquins, antes deles se estenderem “aos jornais de

baixa qualidade e pouca moral”, como um “pequeno texto, com mais frequência

manuscrita, contendo acusação direta e simples, sem fundamentação.”

(TENGARRINHA, 1989, p. 75). Desse modo, se traduz que a opinião de Tengarrinha,

tem por trás, uma crítica ao estilo dos pasquins, do contrário que escreveu Sodré, no

qual preferiu salientar os traços de autenticidade e o esforço que os pasquins faziam

para alimentar e comandar com liberdade as correntes de opinião que traziam em suas

páginas e vertentes.

Esses pasquins, que por vezes continham apenas duas folhas, com formato

tabloide. Esse jornaleco, também foi chamado de samizdat. Para organizar o conjunto

expressivo de publicações recebidas o Centro de Imprensa Alternativa e Cultura Popular

elaborou um instrumento de pesquisa em que estão relacionados todos os jornais,

revistas, cadernos, boletins, suplementos e folhas, trabalho coordenado por Leila

Miccolis e Marcos Augusto Gonçalves. Neste acervo, o conceito de imprensa

alternativa engloba todos aqueles periódicos que contestavam diretamente o regime de

exceção imposto a partir de 1964 e os que constituíam veículos de movimentos e

correntes de esquerda, que agiam e pensavam de forma independente, que não possuíam

ligação a esquemas governamentais ou econômicos, mas sim, ligados ao

comportamento, linguagem, além de uma diagramação arrojada para a época.

Os jornais que se caracterizavam samizdat, tinham por características principais,

folha, tamanho ofício, grampeada, variando o número de páginas de duas a vinte, com

distribuição em São Paulo. Continha esquema de assinaturas, desenhos e textos. De

acordo com Miccolis (1986, p. 148), esses tabloides se caracterizavam por ser “um

jornalzinho de linha sem linha.” Leila Miccolis é escritora, editora e professora de

roteiro em televisão.

Retomando ao jornal O Pasquim, nosso objeto de pesquisa, após fazer um uma

breve explicação sobre a origem da palavra pasquim, seus significados, assim como as

suas funções dentro do jornalismo. Constatamos, que o jornal O Pasquim foi criado

justamente pelos mesmos embasamentos que o restante dos pasquins. Procurava

transformar, movimentar e acima de tudo informar, seja de forma clandestina ou não.

Para isso, nosso objeto de pesquisa usou o humor, que foi muito bem aceito pelos

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leitores mais críticos ao regime e até hoje é lembrado e estudado devido sua

contribuição para o jornalismo.

Enquanto o Regime militar gerou o estabelecimento de um estado de medo para

extinguir atos de oposição, o humor foi usado pelo Pasquim como ferramenta de

divulgação de um sentimento de descontentamento.

A imprensa inteira mudou depois de O Pasquim. Era difícil você lê uma

entrevista despojada dentro de um grande jornal. O Pasquim trouxe um frescor maior ao jornalismo. (Angeli – cartunista. Documentário: O Pasquim,

a subversão do humor, 1999).

De acordo com o documentário, O Pasquim entra no cenário jornalístico,

reunindo alguns dos mais brilhantes jornalistas, cartunistas e chargistas da época para

satirizar o opressivo e desconjuntado dia-a-dia nacional. O tabloide surgiu em junho de

1969 como um jornal de bairro. Em especial, de um bairro da Zona Sul da cidade do

Rio de Janeiro, Ipanema. Nem todos seus jornalistas eram cariocas, mas em suas

trajetórias distintas constituíram um jornal a partir das referências da realidade do Rio

de Janeiro e de Ipanema, lugar no qual a maioria residia. “Ele foi produzido por Jaguar,

Tarso de Castro, Sérgio Cabral, Ziraldo, Millôr Fernandes, Claudius Ceccon e Carlos

Prosperi que executou o projeto gráfico. Aos poucos, outros profissionais do humor

foram se juntando a estes, formando assim a chamada patota d’O Pasquim” (A

subversão do humor, TV Câmara, 1999).

Até mesmo o mineiro Ziraldo, membro da patota, que não nasceu nesse

ambiente carioca, mas o incorporou em seu cotidiano, declarou que “O Pasquim foi

feito pra Ipanema. Naquela época Ipanema significava o Olimpo. O Pasquim vai

divulgar esse modus vivendi”. (ZIRALDO apud STEFANELLI, 2004).

Entre os cargos, o fundador, Jaguar ocupou o cargo de editor de humor, os

jornalistas Tarso de Castro (editor chefe), Sérgio Cabral (editor de texto), Carlos

Prosperi (editor gráfico) além dos cartunistas Ziraldo, Henfil e Millôr Fernandes, Ivan

Lessa, Miguel Paiva, Claudius, Paulo Francis, Luiz Carlos Maciel. Aos poucos, a

equipe aumenta e chega Sérgio Augusto, Caetano Veloso, Vinícius de Moraes, Glauber

Rocha, entre outros.

O projeto inicial do jornal era não possuir ideologia nenhuma, e sim, apenas

fazer humor, mas com o tempo foi impossível não tomar partido do que acontecia na

época. Com uma linguagem informal foi um periódico que deu voz a jornalistas, artistas

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e intelectuais e sua primeira edição contava com textos da atriz Odete Lara, que se

encontrava no festival de Cannes, e do cantor e compositor Chico Buarque, direto de

Roma.

A equipe do Pasquim, sem saber no que ia resultar essa união, tinha um

pensamento de realmente manter o jornal desvinculado da política, porém com o passar

do tempo, a patota se tornou assumidamente engajada na luta contra o Regime, usando

o humor como principal arma.

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4.1 COMO NASCEU O PASQUIM

Neste capítulo, vamos voltar no tempo, mais precisamente no ano de 1969,

quando foi o criado o jornal semanário que contribuiu substancialmente para modificar

o modo de informar no jornalismo e que através do humor como linguagem de

comunicação, levou a informação a uma geração que sofria com os desmandos de um

governo ditatorial.

Poderia parecer loucura, criar um jornal de humor, logo após o AI-5, decreto que

limitava a liberdade de expressão no país. Porém, o tabloide conseguiu, com

inteligência e sutileza, ser o emissor de tantas informações sobre o país, através do

humor.

Jaguar no documentário O Pasquim, a revolução pelo cartum (1999), conta que

foi no bar Jangadeiros, em Ipanema, que ele e Tarso de Castro reuniram-se para discutir

a abertura de um novo jornal. Este mesmo bar, além de outros do mesmo ambiente

carioca, tornou-se ponto de encontro intelectuais, ligados à vida boêmia, bebida

alcoólica, bares e madrugadas. Os principais frequentadores eram artistas, jornalistas,

escritores, enfim, pessoas vinculadas ao campo de produção cultural e alternativa da

época. Segundo Flores,

Para os lados do Leblon e Ipanema, tanto as esquerdas quanto as direitas

estariam tão próximas nos botecos, na praia, nas redações que a situação

parecia estimular um paradoxo. [...] Tanto o humor reacionário quanto o

humor pasquiniano [saíram] dos redutos elitizados da zona sul carioca e, não

raras às vezes, se [cruzaram] nos calçadões das praias, nas redações dos

jornais e nos botequins do Rio de Janeiro, ainda capital cultural e ideológica

da República. (FLORES, 2002, p. 170-171).

Desse modo, o Pasquim chega às bancas com uma forma simples: humor, ironia

e entrevistas que formava a principal característica do semanário. Contava com

ilustrações, textos curtos e frases que tinham vários sentidos com uma espécie de código

secreto que os editores usavam com os leitores. Na primeira edição do tabloide, em um

texto satírico, editado no alto da primeira página, a equipe expunha o seu ideal:

O Pasquim surge com duas vantagens: é um semanário com autocrítica,

planejado e executado só por jornalistas que se consideram geniais e que,

como os donos dos jornais não conhecessem tal fato em termos financeiros,

resolveram ser empresários. É também um semanário definido, a favor dos

leitores e anunciantes, embora não seja tão radical quanto o antigo PSD. Até

agora o Pasquim vai muito bem, pois conseguimos um prazo de 30 dias para pagar as faturas. Este primeiro número é dedicado à memória do nosso

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Sérgio Porto, que hoje deveria estar aqui conosco. (O Pasquim, 1ª edição em

26 de junho de 1969).

Na última página, aparecia o expediente: Tarso de Castro (editor), Sérgio

Jaguaribe (editor de humor), Sérgio Cabral (editor de texto), Carlos Prósperi (editor

gráfico), Claudius Ceccon e Murilo Pereira Reis (diretor-responsável).

O único jornal da imprensa alternativa que conseguiu, durante a Ditadura

Militar, passar pelos diferentes momentos e formas de censura foi o Pasquim. Baseado

em um discurso humorístico e subjetivo, o semanário ocupou um espaço de produção de

acordo com o período e com seu ambiente cultural, tornando-se o porta-voz de uma

geração que o moldou, o alimentou e o fortaleceu. Suas 300 primeiras edições,

publicadas entre 1969 e 1975, tornam-se fonte e objeto de pesquisa, mostrando os

elementos de contestação dos novos grupos culturais daquele momento e as formas de

repressão em relação ao jornal e aos seus redatores, além de, principalmente, comprovar

que o jornal só sobreviveu porque fazia parte de um grupo cultural forte e engajado,

disposto a ajudar em sua produção, e porque contava com uma linguagem baseada no

humor.

Para Chinem (1995), “não há jornal brasileiro importante que não tenha sido

influenciado pelo idioma do Pasquim, direta ou indiretamente” (CHINEM, 1995, p. 45).

O Pasquim conseguiu transpor, de forma ímpar, os limites de duração e de

alcance da imprensa alternativa, estabelecendo a linguagem do humor como um

elemento importante nas manifestações de oposição durante a Ditadura Militar brasileira

O semanário conquistou uma tiragem de 80 mil exemplares já na edição de

número 16 e chegou a imprimir, em dezembro do mesmo ano de seu lançamento, 250

mil exemplares semanais, além de ter recebido anúncios de grandes multinacionais,

como a Shell. O tabloide chegou a vender mais do que a famosa revista Veja e também

a Manchete, ainda nos primeiros anos de lançamento.

Segundo Jaguar conta no documentário O Pasquim, a subversão do humor de

1999, no início da trajetória do jornal, a própria equipe acreditava que o semanário seria

um fracasso e seria apenas um jornal comportamental e humorístico (que falava sobre

sexo, drogas, entre outros assuntos), porém aos poucos foi se tornando politizado e

opositor da Ditadura que assolava o país.

Porém, ao contrário do que pensavam, o Pasquim carioca passou a ser o porta

voz da indignação social brasileira sendo uma dos principais jornais de resistência à

Ditadura Militar, que através da linguagem do humor contestou e protestou junto com

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um coro de descontentes. Segundo conta o cartunista Cláudius (1999), o jornal fazia um

diálogo com os leitores:

Eu acho que o que havia, era uma cumplicidade que nós tínhamos com os

leitores, que era absolutamente extraordinária. A gente sabia muito bem que a

gente podia ser hermético que o censor não ia perceber isso, mas, ali adiante,

certamente o leitor ia saber o que a gente estava dizendo. Era uma espécie de

um código secreto que a gente utilizava com o leitor (Cláudius – Documentário O Pasquim, a subversão do humor. TV Câmara, 1999).

Kucinski (1991, p. 156) aponta que o Pasquim revolucionou a linguagem do

jornalismo brasileiro, instituindo uma oralidade que ia além da mera transferência da

linguagem coloquial para a escrita do jornal. Além disso, ele aponta alguns traços que

caracterizariam o jornal por toda a sua existência, dentre os quais a grande entrevista

provocadora e dialogada.

Com essa linguagem inovadora, o jornal conquistou o objetivo de toda

comunicação: a expressividade. “O Pasquim gerou uma prosódia, no processo de

retomar a fluidez da escrita. Produziu um tom, uma sonoridade que o distinguia dos

outros jornais da época”. Assim, o tom pasquiniano apareceu “como se fosse uma

cacoépia, uma pronúncia errada, diferentemente da ortoépia dos outros periódicos”.

Essa distinção entre os jornais já bastava para gerar um efeito humorístico, uma vez que,

ao tomar distância da escrita da imprensa dominante, O Pasquim exerceu um efeito de

sátira sobre as normas costumeiras. (QUEIROZ, apud BRAGA, 2009, p. 308).

O Pasquim era representado com uma série de especificidades que compunham

suas páginas. Estas reunidas caracterizavam o jornal com uma originalidade tamanha, a

qual provocou uma imagem do periódico, enquanto marco do jornalismo no Brasil.

Segundo Queiroz (2008), “se por um lado O Pasquim criticava o autoritarismo

do regime que se instalou no poder desde 1964, e depois com o AI-5, em 1968”, acabou

com as liberdades civis e políticas (...) e de acordo com a autora por outro lado, “o

jornal exerceu um autoritarismo ferrenho no que diz respeito a seu comportamento,

principalmente em relação ao bairro de Ipanema e à cidade do Rio de Janeiro”

(QUEIROZ, 2008, p. 224).

A autora ainda continua a afirmação, relatando que quando se referiam a outros

bairros, em especial os da Zona Norte carioca, os pasquinianos não os incluíam na

memória boêmia do Rio, apesar de existirem no jornal, colaboradores vindos dessa

parte da cidade, como no caso de Aldir Blanc (criado na Vila Isabel) e Millôr

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Fernandes, no Méier. Entretanto, Queiroz enfatiza que “na maioria das vezes davam

destaque aos bares da Zona Sul, como o Jangadeiros e o Zeppelin. Além disso,

enfatizavam que, de Ipanema, lançavam moda e regras para outras regiões do país”.

Assim, os convencidos da patota, acreditavam que o bairro de Ipanema transmitia

hábitos e costumes, os quais eram divididos não só pela sociedade carioca, como

também pelo restante do país. A autora explica:

A polêmica foi instaurada quando os pasquinianos criticaram abertamente

diversas cidades. Mesmo abrindo espaço para a réplica de outros jornalistas

no semanário, prevalecia a opinião de seus colaboradores no final do

confronto, pois quando achavam que o assunto já estava esgotado,

encerravam a discussão. O autoritarismo também pode ser observado em suas entrevistas. Quando não concordavam com alguma opinião do entrevistado,

mudavam a pergunta ou acabavam com a entrevista. (QUEIROZ, 2008, p.

224).

Entre os temas abordados, a sátira à cidade de São Paulo esteve presente em

diversas edições. O contraponto era feito através da consagração do Rio de Janeiro.

Com o intuito de acabar a discussão entre cariocas e paulistas, que durou cerca de cinco

edições do jornal, Millôr Fernandes escreveu duas crônicas, ambas com o mesmo título:

“Parem com isso, meninos!”. O seu ponto de vista, entretanto, não era a de acalmar os

ânimos e, sim, promover uma reação autoritária para que o ponto final fosse dado por

eles (de São Paulo). A primeira crônica terminava com a seguinte reflexão:

Também é um hábito antigo do paulista se queixar do clima do Rio. E, no

entanto, este se equilibra admiravelmente entre dias infernalmente quentes e

dias de calor insuportável. Nem todo mundo pode ter aquele clima admirável

de São Paulo, que vai desde dias de garoa nojenta até noites de umidade

doentia. (O Pasquim - nº 14, 1969, p.: 4-5).

Além desse capacidade, que provinha de uma equipe extremamente talentosa e

criativa, o tablóide conseguiu modificar a linguagem jornalística usada até então,

reproduzindo a linguagem escrita da oral, e isso acabou por influenciar a propaganda,

como também transformou a linguagem coloquial. O Pasquim fez uso de palavrões, que

ficavam disfarçados através de neologismos, que daí em diante poderiam ser falados,

publicados e (re) interpretados.

Henfil, integrante da patota, destacou o valor das transformações de linguagem,

de estilo e de conteúdo que o semanário introduziu na cena jornalística. "O Pasquim foi

a Lei Áurea da imprensa", avaliaria em depoimento a Jorge Ferreira (julho de 1976). O

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jornal modificou a linguagem. Nele se escrevia como se falava e isso reformulou a

propaganda no Brasil inteiro, libertou todo mundo com o uso de palavrões. Por

exemplo, “pô, putisgrila, paca. (...) E outra coisa: a gente podia escrever e desenhar de

uma maneira muito pessoal — foi essa a chave do negócio — e muito irreverente”

(Henfil em entrevista a Jorge Ferreira, 1976).

O discurso através do humor foi visto como uma arma a favor, pelo menos essa

era a versão que se estabelecia em torno dos intelectuais que faziam parte da equipe do

semanário. A ruptura da linguagem e a invenção de um novo paradigma textual,

baseados nas artes visuais, foram explicados por Millôr Fernandes, na crônica: Uma

senhora efeméride, publicada em 26 de março de 1970, no Pasquim. O cronista

destacaria, de forma satírica, o abalo moral que o jornal produziu por ter libertado a

linguagem escrita e falada da República:

Hoje, por exemplo, nesta fase, posso escrever indiferentemente, ‘uma

senhora efeméride’ ou ‘uma puta efeméride’. O Pasquim acabou com a

diferença de classe entre puta e senhora. Como adjetivos, claro. Com relação

aos substantivos o jornal é altamente conservador. Sobre esta observação

podemos entender que o periódico, apesar de ter rompido com alguns

paradigmas sociais, ainda mantinha um discurso conservador,

principalmente, no que diz respeito ao papel das mulheres e ao dos homossexuais na sociedade. (FERNANDES, 1970).

Sobre a citação podemos entender que o periódico, apesar de ter rompido com

alguns paradigmas sociais, ainda mantinha um discurso conservador, principalmente, no

que diz respeito ao papel das mulheres e ao dos homossexuais na sociedade.

Desse modo, o semanário Pasquim foi um gerador de grandes mudanças,

devido, não só de suas influências nos meios de comunicação, como também no

cotidiano da sociedade, que introduziu uma espécie de novo vocabulário, uma nova fala

pasquiniana. E, diante disso, é importante ressaltar que todos aqueles que fizeram parte

do periódico, colaboradores ou leitores, marcaram a história do jornalismo no Brasil

como a geração Pasquim.

A linguagem não foi a única estratégia que o Pasquim usou para conviver com a

censura. A relação com os censores é, também, cheia de particularidades. A conhecida

censora Dona Marina (Marina Brum Duarte) tornou-se parceira de uísque da dos

redatores; o general Juarez Paz Pinto censurava parte do material nas areias da praia.

Sérgio Augusto, que também participou do Pasquim e recentemente organizou a

coleção O Melhor do Pasquim, juntamente com Jaguar, define no livro que o semanário

era um “jornal sem patrão”:

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“Suas reuniões de pauta, quando havia, eram uma festa – ou, melhor, uma

ebúrnea. Ainda mais zoneadas eram as entrevista, sempre coletivas e regadas a

Buchanan´s, e cujo inusitado clima de descontração outros tentaram em vão imitar”. (O

Melhor do Pasquim, Ed. Desiderata, 2005).

A edição nº1 sintetiza vários elementos que foram constantes nas capas

seguintes do seminário, sob as diferentes formas de censura, como é o caso do ratinho

Sig, do humor, da frase-editorial e, principalmente, a participação de dois

colaboradores: Chico Buarque e Odete Lara. A capa da edição número 01 chama a

atenção, primeiramente, por uma escolha gráfica, intencional ou não, de posicionar o

logotipo do jornal, juntamente com o cabeçalho e a frase-editorial, quase ao centro da

página, não acima, como os periódicos faziam naquela época e fazem até os dias de

hoje, conforme se vê na figura 4.

Figura 4

Primeiro exemplar de O Pasquim – 26 de junho de 1969

O ponto de maior destaque nesta primeira edição e que se tornaria um elemento

diferencial do Pasquim foi a entrevista principal realizada com Ibrahim Sued, badalado

e polêmico colunista social.

Já sob o rigor do AI-5, o primeiro entrevistado do Pasquim, na edição número 1,

Ibrahim Sued, forneceu um furo jornalístico que atraiu os olhos do público para o novo

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semanário. O colunista revelou que Garrastazu Médici seria o próximo general a

governar o Brasil.

O Pasquim aumentou sua popularidade e começou a se tornar conhecido nos

círculos culturais cariocas e do país. Um dos principais motivos que levou a este feito

foi o desconhecimento técnico de Jaguar. Ou seja, Jaguar por não ser jornalista,

desconhecia as técnicas de escrita e edição das matérias. Desse modo, as matérias de

Jaguar logo eram reconhecidas pelo improviso na transcrição das entrevistas. Jaguar,

que só queria fazer um jornal de humor, apresentou essa novidade. Jaguar usou a técnica

de transcrever as entrevistas no estilo pergunta e resposta, algo que depois foi repetido

pela grande mídia impressa, com vários entrevistadores ao mesmo tempo. Portanto, a

prática foi adotada por vários meios de comunicação até os dias de hoje.

O número de páginas e o espaço ocupado pelos anúncios no jornal ao longo dos

diferentes períodos da censura mostram a variação das condições de produção do

Pasquim. Depois do número 20, o espaço de publicidade começou a acrescer

significativamente, chegando a ter 25% do jornal, com 17 anunciantes; alguns,

inclusive, de página inteira. A partir do número 40, a publicidade ocupa um terço do

jornal. O tamanho do jornal também variou bastante. A média entre as primeiras edições

foi de 30 páginas, depois se estabilizando em 26.

Consideraremos três fases temporais, determinados a partir do tipo de censura

sobre o semanário, para examinarmos as maneiras com que o jornal respondeu à

repressão, sendo classificado como subversivo pelos militares. Assim como as

mensagens que demonstram a repressão que sofreu e a colaboração que teve da geração

de 60: Desse modo: (1) a censura pontual na fase inicial do Pasquim, da primeira à 71ª

edição, quando os seus principais redatores são presos; (2) os quatro anos de censura no

Rio de Janeiro, de janeiro de 1970 a dezembro de 1973, com uma relação próxima e

pessoal com os censores e (3), devido às 1.072 edições publicadas durante mais de 22

anos, sendo mais de cinco delas sob censura direta, seja em decorrência da

administração ingênua e nada profissional da empresa, ou devido à falta de interesse dos

anunciantes, o jornal consegue passar por proibições e diferentes formas de censura.

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4.2 A HISTÓRIA DO PASQUIM FACE À POLÍTICA

Como já apresentado anteriormente, com o Golpe Militar em 1964, e com a

chegada do AI-5 em 1968, o Brasil sofreu intensas transformações. Os meios de

comunicação foram um dos alvos nesse processo de mudança política. Os veículos de

comunicação mudaram seus modos de produção assim como os modos de informar.

Com os diversos decretos-leis que privavam os meios de comunicação de divulgar

notícias sobre o Regime, mediante veto da censura. Desse modo, os jornais deixavam de

exercer o seu verdadeiro papel.

Em função destes aspectos, neste capítulo vamos analisar como o semanário

Pasquim, desde seu nascimento, conseguiu percorrer a trajetória política do período

mais conturbado dos últimos tempos, a Ditadura Militar.

Para iniciarmos esse raciocínio, é necessário voltar no tempo para entender o

contexto político e como o semanário se insere.

Este período pode ser suprimido, sob a justificativa de uma suposta ameaça

comunista, que promoveria a desordem do país, a geração dos anos 60 e 70 foram

submetidas a mais longa e violenta ditadura da história. Com isso, a liberdade de

expressão ficou intensamente comprometida. O governo deteve o controle dos meios de

comunicação e passou a permitir a publicação de notícias que eram convenientes ao

Regime.

Para iniciarmos esse raciocínio, é necessário voltar no tempo para entender o

contexto político, em que semanário se insere.

O jornal O Pasquim caminhou junto com três governos militares no período de

censura, que alteraram as formas de produção no campo cultural e jornalístico. Os

jornalistas ratificaram as formas de criação e sobrevivência de uma identidade

construída em torno e em nome do tabloide carioca. Lançado em 26 de junho de 1969,

apenas seis meses após a publicação do AI-5, que limitava os direitos e liberdades do

cidadão brasileiro, o Pasquim nasceu e se fortaleceu durante o endurecimento das

formas ditatoriais: na mutação de poder entre a saída do marechal Arthur da Costa e

Silva (1967 - 1969) e o início da linha severa do general Emílio Garrastazu Médici

(outubro 1969-1974). O último governo militar a intervir mais diretamente no jornal, e

que determinou o fim da censura prévia à imprensa, foi do general Ernesto Geisel.

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Gaspari (2002), em A Ditadura Escancarada, ao analisar a ditadura de Médici,

considerada a mais violenta, compara com os outros militares a quem foi atribuído o

posto, utilizando a única entrevista concedida pelo general:

A Castello Branco a ditadura parecera um mal. Para Costa e Silva, fora uma

conveniência. Para Médici, um favor neutro, instrumento da ação burocrática,

fonte de poder e depósito de força. Não só se orgulhou de ter namorado o AI-

5 desde antes de sua edição, como sempre viu nele um verdadeiro elixir: “Eu

tenho o AI-5 nas mãos e, com ele posso tudo”, disse certa vez a um de seus

ministros. “Eu tinha o AI-5, podia tudo”, rememorou na única entrevista que

concedeu. Teve uma relação natural com a censura, como se ela fizesse parte

de um manual de instrução. (GASPARI, 2002, p. 133).

Desse modo, classificado como imprensa tendenciosa, o Pasquim foi

considerado, nos documentos do presidente Geisel, assim como os jornais Movimento,

Opinião, Crítica e Ex, como uma imprensa tendenciosa que influenciava na formação

dos jovens.

Durante os anos em que o país esteve no comando dos militares, podemos

mencionar dois tipos de censura: a censura prévia e a autocensura.

Vaucher (2012, p. 4), classifica que “a censura prévia determinava que tudo que

o que fosse preparado por um jornal seria examinado pela polícia antes da sua

divulgação”. Desse modo, os censores analisavam todo o material que estava sendo

produzido. “Liberavam, vetavam ou liberavam com restrições, chegando ao ponto de

algumas vezes os cortes eram tão drásticos que praticamente inviabilizava a

publicação”. O autor enfatiza que esse tipo de censura “causou grandes prejuízos à

imprensa, por muitas razões muitos jornais deixaram de existir e outros perderam

força”. Esse fato se deu devido a intensa repressão aos meios de comunicação, que sem

poder exercer o seu papel, não via mais fundamento em continuar seu ofício.

Apesar de ter sido um dos alvos da censura “O Pasquim permaneceu atuante,

mesmo com grande parte de sua equipe sendo presa, por conta da ajuda de seus

colaboradores”. (VAUCHER, 2012, p. 4). Além do Pasquim, outros jornais sofreram

com a censura prévia, como o Estado de São Paulo, Tribuna de Imprensa, Movimento,

entre outros. De acordo com WEBER (2000, p. 185), essa censura era realizada de

várias maneiras: através de bilhetes, com ou sem assinatura, por telefone, audiência e

gravação, ou diretamente na redação dos veículos.

Retomando aos conceitos de Vaucher (2012), em 1º de novembro de 1970, a

censura e a repressão chegaram à redação de O Pasquim. Parte dos jornalistas e

cartunistas do jornal foi presa. Apesar disso, o tabloide não saiu de circulação, com o

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auxilio dos que não haviam sido presos e de outros colaboradores. O Pasquim retomou

os trabalhos sem que os seus leitores soubessem o que havia acontecido. “Com a

criatividade que lhes era peculiar, os membros da patota fizeram com que os leitores

soubessem da prisão de uma forma que só O Pasquim poderia fazer, por intermédio do

humor, referindo-se a prisão como um surto de gripe” (VAUCHER, 2012, p. 8).

A repercussão da prisão foi grande, e o jornal passou por diversos momentos de

dificuldades, tanto devido à repressão e censura quanto financeira.

Os atos institucionais assinados nesse período, principalmente o nº5, foram tão

severos quanto à censura. Jornais de esquerda e jornais considerados pró João Goulart,

como Politika, Folha da Semana e O Semanário, foram invadidos e destruídos pelos

militares. Jornais respeitados como o Última hora e Correio da Manhã, tiveram suas

redações destruídas da mesma forma. Nota-se que o Regime não se importava com o

nome e prestígio do veículo. Tudo isso aconteceu nos governos de Castelo Branco e

Costa e Silva, porém, em comparação à censura que estava por vir, esse momento não

foi considerado o mais severo.

Apesar de toda essa repressão, a cultura e a oposição à Ditadura Militar parecem

constituir um grupo que mantinha os cariocas unidos. Instigados pela criatividade e pelo

desejo de mudança, constitui-se uma geração que tentou negar e, assim, criticar a

violência das repressões culturais com uma receita natural: “viver essa liberdade

cotidiana em um vínculo indissociável com a experiência completa, total, inteira.

Inevitavelmente, as obras destes inovadores culturais retratam, de alguma forma, esse

sentimento” (BUZALAF, 2009, p. 42).

O Pasquim conseguiu transmitir esse pensamento e ao mesmo tempo cumprir

uma espécie de semi-papel. Já que não conseguia informar a população com total

liberdade, tentava fazer o máximo possível para informar usando o humor como

principal arma. O semanário queria informar ao Regime, que estava vendendo e que

seus leitores eram fiéis, como explica Buzalaf.

A frase-editorial da edição 70, publicada em 1970, demonstra, com exagero e

ironia, o momento de crescimento das vendas do jornal: “Milhões de leitores

seguram este Pasquim”. Em outros números, seus redatores utilizaram a capa para mostrar a importância dos leitores no vínculo com o jornal. Na edição

90, publicada em 1971, a frase recorreu ao recurso bastante utilizado da

autopromoção do jornal, diz: “Na terra de cego, quem lê O Pasquim é rei”.

(BUZALAF, 2009, p. 42).

Ao ler o Pasquim, se tornava simples de perceber que ali, continha uma equipe

de muito talento e criatividade. Seria impossível que os militares não detectassem

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claramente a existência de uma rede de colaboradores que alimentavam essa imprensa

nesse momento. Apesar de todas as barreiras, o semanário conseguiu marcar seu

território nesse momento conturbado, e sendo ou não de sua origem ou intenção, ele já

nasceu alternativo por si só, e se tornou subversivo por necessidade.

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5. A PATOTA ENFRENTA A CENSURA

Como beber dessa bebida amarga

Tragar a dor, engolir a labuta

Mesmo calada a boca, resta o peito

Silêncio na cidade não se escuta De que me vale ser filho da santa

Melhor seria ser filho da outra

Outra realidade menos morta

Tanta mentira, tanta força bruta

Como é difícil acordar calado

Se na calada da noite eu me dano

Quero lançar um grito desumano

Que é uma maneira de ser escutado

Esse silêncio todo me atordoa

Atordoado eu permaneço atento

Na arquibancada pra a qualquer momento Ver emergir o monstro da lagoa

De muito gorda a porca já não anda

De muito usada a faca já não corta

Como é difícil, pai, abrir a porta

Essa palavra presa na garganta

Esse pileque homérico no mundo

De que adianta ter boa vontade

Mesmo calado o peito, resta a cuca

Dos bêbados do centro da cidade

Talvez o mundo não seja pequeno

Nem seja a vida um fato consumado

Quero inventar o meu próprio pecado Quero morrer do meu próprio veneno

Quero perder de vez tua cabeça

Minha cabeça perder teu juízo

Quero cheirar fumaça de óleo diesel

Me embriagar até que alguém me esqueça

Pai, afasta de mim esse cálice

Pai, afasta de mim esse cálice

Pai, afasta de mim esse cálice

De vinho tinto de sangue.

Chico Buarque, “Cálice” (1973)

Chico Buarque compôs diversas músicas no período da Ditadura Militar,

buscando driblar a censura através de seus versos e ao mesmo tempo, protestar contra o

Regime Militar. Entre as músicas de Chico no período de 1964 a 1980, citamos Cálice

logo na introdução do capítulo devido sua importância nesse contexto. A letra, feita por

Chico Buarque, contém em seus versos, pensamentos de revolta sobre o Regime, sendo

que a palavra Cálice, está associada foneticamente a outra palavra: Cale-se. Chico refere

à censura, que queria calar a voz de uma geração. Ele argumenta que o silêncio

predominava naquele momento do país.

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Além de Cálice, Apesar de você, Acorda amor, Deus lhe pague, Quando o

carnaval chegar, Rosa dos ventos, são outras canções de Chico que trazem em suas

letras, versos de protesto nas entrelinhas. .

A relação da música Cálice com o capítulo presente visa lembrar a amizade do

compositor Chico Buarque com os jornalistas e cartunistas da equipe. Chico, sempre

ofereceu sua colaboração ao jornal, através de artigos, mas também colaborou com o

jornal e ajudou a equipe a passar por um momento difícil, como o episódio da prisão da

patota em 1969.

Poeta, cantor, compositor (que viria a ser dramaturgo), Chico Buarque de

Hollanda era filho do sociólogo Sérgio Buarque e da pianista amadora Maria Amélia.

Chico Buarque nasceu e cresceu em um ambiente propício à criação artística, musical e

é visto como um intelectual de alma sensível.

Apesar de a produção cultural durante a ditadura ter sido influenciada pela

censura, ocorreu a busca por novas linguagens, novas formas de criação que envolveram

vários campos, temáticas e estilos. Temas políticos e sociais estiveram presentes em

quase toda produção cultural da época. As produções artísticas, musicais, literárias,

cinema e teatro tentavam buscar diferentes caminhos para a construção de uma

sociedade mais justa.

Porém, o Golpe Militar, além de prejudicar a produção cultural do país,

estimulou outras alterações na configuração da sociedade como a mobilização de

pessoas, maiorias jovens, com ideias novas, com um caráter revolucionário e que se

resistiam ao sistema repressivo, O humor, a subjetividade, a coloquialidade e o

constante deboche aos costumes do período poderiam ser percebidos pelos censores que

lidavam diretamente com os jornalistas, como a arma do crime naquele momento. As

provocações do Pasquim não eram nada discretas. Pelo contrário. Estavam espalhadas

por todas as páginas do semanário: nas manchetes, nas frases-editoriais, nas fotos

provocativas, nas ilustrações debochadas e nas constantes referências ao sexo e à

boemia.

Desse modo, os meios visuais e textuais parecem ter funcionado, em alguns

momentos, como uma saída da chamada patota para desviar a censura. Outros veículos

de comunicação que circularam durante aquele mesmo momento, também alternativos,

da grande imprensa ou das emissoras públicas, foram mais incisivamente e rapidamente

repreendidos do que o Pasquim, considerado o grande provocador.

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Como na primeira edição que foi às bancas depois da prisão dos jornalistas, em

março de 70. A frase demonstrava a ironia da situação e, talvez, um alerta para os

leitores do semanário: “Uma coisa é certa: lá dentro deve estar muito mais engraçado

do que aqui fora”. A prisão é um marco na história do Pasquim porque é, a partir dela,

que uma parte da geração de 60 se mobiliza física e intelectualmente para ajudar o

jornal e é justamente neste sentido que este acontecimento é utilizado, nesta pesquisa,

como um divisor entre duas fases da censura sobre o semanário.

O ano de 1970 estava sendo de crescimento do espaço do Pasquim: as vendas

aumentavam significativamente e o jornal deixava, aos poucos, de ser limitado ao Rio

de Janeiro e à Ipanema e passa a ser aceito em São Paulo, que era objeto de piada para

os redatores cariocas. Em vários exemplares, e em vários textos, o jornal não cansava de

repetir, em vários tons, a sua máxima, “Pasquim – um ponto de vista carioca”.

Os dois últimos meses do ano, porém, mudaram o rumo dos acontecimentos no

semanário. No final de outubro, Jaguar publica uma fotomontagem do quadro de Pedro

Américo, “O Grito do Ipiranga”, também conhecido como “Independência ou Morte”.

O cartunista adicionou à imagem de Dom Pedro I um balãozinho com a frase extraída

da música de Jorge Ben: “EU QUERO MOCOTÓ!”, como mostra a figura 6. (ver

Análise da imagem no capitulo 5 em item especifico)

Devido essa charge, os principais jornalistas do Pasquim, exceto Millôr

Fernandes e Henfil, foram presos no início de novembro de 1970, e foram liberados

dois meses depois. A detenção dos redatores, apesar de não ser acompanhada de

nenhuma forma de tortura, foi uma maneira de silenciar o jornal, que continuou

utilizando o riso para demonstrar a prisão dos redatores e as condições de produção nas

quais o jornal estava inserido.

Para justificar, de alguma maneira, o motivos dos jornalistas do Pasquim não

estarem na redação, na edição de número 73 (ver imagem em capítulo 5.3.2), a capa

anunciava um “surto de gripe na redação do Pasquim”, ou seja, o Pasquim sem os seus

componentes, em evidente ironia à não-presença de Ziraldo, Jaguar, Luiz Carlos Maciel,

Tarso de Castro, Paulo Francis, Sérgio Cabral e Fortuna. Mesmo assim, Paiva foi

responsável por imitar o traço dos ilustradores presos. Além de Miguel Paiva, Millôr e

Henfil, que não haviam sido presos, passaram à produzir material suficiente para

conseguir publicar o jornal semanalmente.

A prisão dos jornalistas foi publicada pelo jornal New York Times no dia 20 de

novembro de 1970, pouco mais de duas semanas após o ocorrido. O jornal norte-

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americano publicou cinco A primeira matéria define o Pasquim como um jornal crítico

em relação ao governo ditatorial e satírico em relação aos tabus da sociedade brasileira.

Também menciona o sucesso do semanário, que atingia, naquele momento, a venda de

200 mil exemplares.

Neste momento, entra em cena uma manifestação de apoio ao semanário, que

talvez só a imprensa alternativa tinha: a colaboração de outros intelectuais cariocas da

mesma rede de sociabilidade. É possível dizer que a cultura e a própria censura

pareciam ser pontos de convergência desta geração. A essa colaboração intensa para

manter o jornal em produção, o próprio Pasquim deu o nome de Rush da Solidariedade.

Por identidade com os jornalistas do semanário, vários artistas e intelectuais de

outras áreas agregaram-se ao Pasquim. Martha Alencar, jornalista e companheira da

turma do Pasquim, conta que, na manhã seguinte da prisão dos redatores, Chico

Buarque foi até a redação do jornal. Deixou um bilhete na porta, mesmo correndo o

risco de ser reprimido, avisando que soube da prisão e estaria disposto a colaborar com

o jornal. A partir daí, outros compositores, deste mesmo grupo social, começaram a se

responsabilizar pelo fechamento de algumas páginas do Pasquim.

Na área cinematográfica, uma das mais importantes participações foi de Glauber

Rocha, porta-voz do conceitual e experimental cinema novo. Quando soube da prisão

dos jornalistas, o cineasta foi à redação do Pasquim e, esbravejando, segundo conta

Martha Alencar, mostrou sua repulsa em relação ao episódio e começou a colaborar

com o jornal sistematicamente.

A rede de colaboradores que se uniu para manter o Pasquim conseguiu imprimir

várias edições do jornal apesar de outras limitações que a censura impôs ao semanário.

A polícia federal do Rio de Janeiro suspendeu algumas vezes, sem ordem judicial, a

publicação do Pasquim, e grampearam o telefone da redação.

Ao contrário da violência que predominou os diferentes períodos de censura no

Brasil, os jornalistas do Pasquim acabaram tendo momentos de relacionamento próximo

com os militares mesmo quando presos. Sérgio Cabral lembra, no documentário O

Pasquim e a subversão do humor, de 1999, que um militar, em um sábado à noite, foi

conversar com ele e com Ziraldo, abriu a cela, pediu para trazerem cerveja e um violão.

O grande questionamento dos oficiais, entretanto, era em relação aos vínculos

dos redatores com a esquerda. Segundo Maciel conta, os interrogatórios vinham sempre

acompanhados de uma lista dos envolvimentos de cada um deles com a esquerda e com

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os grupos revolucionários, assinatura de listas e abaixo-assinados e participação em

atividades culturais e estudantis.

A censura não assustou o grupo de colaboradores do jornal, que poderia ter

optado por manter-se afastado para não ser associado aos subversivos jornalistas presos.

Pelo contrário, aproximou e fortaleceu as interações entre os membros da geração do

Pasquim, que, neste momento, sentem-se parte do jornal. O termo patota, por mais

generalista que seja, é harmônico com esse sentimento e foi impresso diversas vezes nas

edições do tabloide. Também fica claro que o momento que dividiu o Pasquim e as

circunstâncias da publicação do jornal durante a prisão dos jornalistas consolidou a

linguagem e o estilo do jornal.

A mudança da censura do Pasquim para Brasília, em dezembro de 1973, esvazia

o espaço de relações e possibilidades que foi criado quando os redatores entregavam e

buscavam pessoalmente o material vetado. Ali, em alguns momentos, como vimos,

existiu uma interação que, mesmo quando não limitava a ação do censor, possibilitava

um entendimento maior de como a censura interpretava os textos e ilustrações

produzidas.

Com vários intelectuais no exterior, exilados ou auto-exilados, a redação do

jornal toma um novo ritmo de produção. O Pasquim passa por modificações que,

ampliadas, revelam momentos de silêncio, como edições sem frases-editoriais, na

tentativa de manter o jornal sob o mesmo ritmo.

Quando os jornalistas foram soltos, a censura prévia voltou, mas continuava

sendo executada no Rio de Janeiro. O censor mencionado pelos jornalistas do Pasquim,

em suas memórias, era o General Juarez Paz Pinto, pai da Garota de Ipanema, Helô

Pinheiro, que também teve um relacionamento interessante com os jornalistas. Não que

ele fosse companheiro de uísque, mas existia uma situação que se afasta, e muito, do

que se imagina como um ambiente de censura. A relação com o general, como recorda o

jornalista Sérgio Augusto em um documentário sobre o Pasquim mostra as

particularidades e condições do cotidiano do jornal e dos censores cariocas:

Um dia da semana, o Ivan Lessa ia com o Jaguar lá, para ver os cortes e fazer

uma troca de favores. Ai o general dizia: Tem certeza de que não tem

nenhuma sacanagem aí, não? (...). Os textos do Francis que chegavam por

último, que vinham de avião pela Varig, ele lia na praia. Ele ficava ali no

Posto 6, jogando biriba com os amigos dele, depois ele ia à redação do

Pasquim de calção, toalhinha, pé sujo de areia, entregar. (Documentário O

Pasquim, a subversão do humor. TV Câmara, 1999).

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A partir do episódio marcante da prisão, a censura tentou corroer, e de fato

restringiu, não apenas as mensagens e a criatividade de seus jornalistas, mas,

principalmente, o jornal em si, através de repressões diretas e indiretas a quem se

envolvia com o jornal (principalmente as bancas de jornal e os anunciantes) e da crise

financeira que, naturalmente, foi vivenciada pelo Pasquim e por grande parte da

imprensa, na medida em que havia atraso na produção e distribuição do jornal.

O artigo de Millôr Fernandes, Réquiem para um Jornal Humorístico, abaixo

descrito, na edição de número 200, veiculada em junho de 1973, aponta a gravidade do

confronto com os censores e a ameaça constante de fechamento do debochado jornal

carioca:

Sob as mais variadas pressões, realmente violentas e sempre parecendo

invencíveis, escrevi alguns artigos sobre a vida do Pasquim. Este, dramático,

tinha sua razão de ser; o jornal estava, mais uma vez, pra ser fechado. Assim,

depois de quatro anos de muitas e gargalhantes pelejas, algumas das quais

foram acompanhadas alegremente pelo leitor, e outras das quais o leitor nem pode tomar conhecimento, O Pasquim chega ao número 200. Chega, não

passa. Este é o último número do nosso jocoso semanário. (...) Como todo o

mundo viu, cresceu, diminuiu e cresceu de novo, sempre castigando os

mores, e hoje morre, rindo às bandeiras despregadas. Pois morre vendendo

saúde (100.000 exemplares). Morre atropelado. Uma força de alguns milhões

de toneladas, uma teia de milhares de restrições e impedimentos, uma

incalculável massa de obrigações e imposições, tornaram irrespirável a nossa

já modesta ração de ar.

Dos seus quatro anos de hilariante vida, este zombeteiro hebdomadário pode

contabilizar a glória de ter modificado fundamentalmente a linguagem dos

outros jornais e ter influído muito na expressão falada da juventude e no estilo da comunicação publicitária. Durante quatro anos, este risonho jornal

cuja maioria de sorridentes redatores não é ligada a nenhum grupo político,

econômico, religioso, nacional ou estrangeiro, que tem como único objetivo o

exercício de uma crítica geral e democrática a tudo e a todos (os poderosos e

estabelecidos sendo, naturalmente, os mais criticados, pois, não há graça

nenhuma em criticar os caídos), foi combatido pela maioria dos grandes

órgãos de imprensa brasileira e por todos os detentores de algum poder,

inconformados com um veículo que não tinha preço de venda a não ser o da

banca e era dirigido por intelectuais inatacáveis porque sem fichas pregressas

que os situassem em qualquer esquema de ilegalidade ou qualquer espécie de

criminalidade, mesmo fiscal.

Chegando a circular com um máximo de 64 e um mínimo de 16 páginas, o risonho Pasquim conseguiu sobreviver a tudo, até mesmo à prisão de todos

seus redatores, provada inútil pelas próprias autoridades num processo que

foi a consagração deste grupo de profissionais, pois demonstrou que eles

tinham como único e total objetivo de vida o exercício de sua apaixonante

profissão.

A coação física não impossibilitou a saída do jornal. Durante dois meses, ele

circulou sem a colaboração de qualquer dos seus redatores habituais.

Sobreviveu graças à solidariedade de inúmeros colegas. Saiu fraco e

sobreviveu mal. Mas sobreviveu com a barriga doendo de tanto rir.

Agora, porém, temos que nos render e afirmamos, humildemente, a nossa

derrota, diante da única coação irresistível, a coação intelectual, hoje absoluta. Uma censura inconstitucional - a Constituição vigente é explícita

quanto à liberdade plena de jornais e revistas circularem sem qualquer

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censura, os responsáveis respondendo, naturalmente, diante da lei, pelos

desmandos que cometerem - já vinha sendo exercida de maneira sufocante.

Jornais pobres, como este, resistiam debilmente, gastando 20 horas para

refazer um trabalho anteriormente feito em 10 e tendo o dobro e, às vezes, o

triplo de gastos para a confecção do material de suas folhas. Coincidindo com

o número 200, atingimos o limite das nossas possibilidades, fronteira natural

de nossas ilimitadas impossibilidades. As poucas normas que ainda havia

foram substituídas por um desvairo total das canetas pilotis, em que não há

nem mesmo aquilo que se poderia exigir como último direito do cidadão – o respeito ao seu trabalho. Nosso trabalho, mesmo os nossos piores adversários

reconhecem que o fazemos com conhecimento e seriedade. Trabalho de

criação, único, pois artigos e desenhos humorísticos não podem ser

substituídos de um momento para o outro como se fossem simples

reproduções de discursos ou resenhas de acontecimentos sociais. (MILLÔR

FERNANDES, Réquiem para um Jornal Humorístico, 1973).

Millôr havia assumido a diretoria do jornal em outubro de 1972. Apesar do

episódio, o jornal continua a circular mantendo a mesma linha editorial baseada no

humor e no deboche, o que fica claro nas capas publicadas nesse período. Millôr (1999)

conta que a equipe do jornal foi sempre muito unida. “Todos nos éramos bons

companheiros de certa maneira, apesar de todas as divergências que pudesse haver,

todos os humoristas sempre se deram bem”. (Documentário Humor com gosto de

Pasquim, SESC TV, 1999).

A importância do Pasquim na história da imprensa brasileira está registrada em

suas imagens. Até seus textos eram imagéticos, na medida em que eram repletos de

símbolos gráficos e compunham as páginas como um quadro, sem muita concordância

ou sentido. O jornal foi publicado durante mais de 20 anos, em diferentes condições de

produção e suas capas se tornaram históricas, polêmicas e até enigmáticas, no qual

mostraram a participação de uma geração que ajudou a fazer o semanário – seja como

personagens ou colaboração direta nas edições. São imagens que, ainda hoje,

surpreendem os olhos acostumados com o jornalismo politicamente e graficamente

correto. Com improviso e falta de padronização, o jornal ajudou a posicionar a

naturalidade da oralidade e das gírias no papel impresso pela primeira vez no

jornalismo.

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5.1 O HUMOR COMO LINGUAGEM DE COMUNICAÇÃO

“O tirano pode evitar uma fotografia. jamais poderá impedir uma

caricatura” Millôr Fernandes.

Neste capítulo, antes de fazer a análise das estratégias do Pasquim, via humor,

estudamos o humor como forma de comunicação. vale lembrar que, dentro da formação

de estilos de oposição durante a Ditadura Militar no Brasil, é notável o uso do elemento

humorístico como instrumento de manifestações contra o Regime, e em alguns casos,

como o do jornal O Pasquim, no qual a linguagem do humor tornou-se o veículo de

comunicação entre as ideias de oposição de um pequeno grupo, os humoristas do jornal,

e o público leitor.

A palavra humor deriva do latim, e significa liquido, fluido (ZILLES, 2003, p.

1). Para falarmos sobre os recursos de linguagem do humor gráfico, a melhor maneira

de iniciar essa discussão é justamente sobre esse aspecto fluído que o humor apresenta.

Ao afirmar essa característica, procuramos na verdade ressaltar os atributos que fazem

da comicidade um meio de comunicação de possibilidades flexíveis.

Em uma mesma obra que apresente o humor como característica principal, pode

apresentar uma variedade de fins através do uso de recursos que se limitam pelo

imaginário, conhecimento prévio e criatividade do autor. Apesar de tais características

não serem uma exclusividade do humor, estudos como os de Freud sobre a natureza do

humor nos apontam que o desenvolvimento da fluidez do efeito cômico, principal

veículo do humor, se dá por meio de recursos necessários a esta forma de comunicação,

principalmente o humor gráfico.

Partindo do pressuposto que a charge é uma crítica a determinada situação ou

pessoa através do humor, nos apoiamos em uma das teorias do jornalismo, a

newsmaking, identificando os valores noticia, ou seja, os critérios de seleção das

charges, visamos com isso situar o humor dentro de um contexto jornalístico. Segundo

Wolf (2005, p. 202), esses valores “[...] representam a resposta à seguinte pergunta:

quais acontecimentos são considerados suficientemente interessantes, significativos,

relevantes para serem transformados em noticia?” Desse modo, é um critério de

relevância discutido entre os jornalistas ao longo do processo de produção. O valor-

notícia ajuda os profissionais de imprensa decidir quais notícias serão publicadas.

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Para Sírio Possenti (2010), no livro Humor, Língua e Discurso, os textos

humorísticos têm cada vez mais surgido no meio jornalístico e também em diversos

campos de pesquisa (estudos “culturais”, História, Sociologia, Psicanálise, Psicologia) e

estudos de linguagem, classifica a charge como textos humorísticos:

Os “textos” humorísticos, embora, evidentemente, não sejam sempre

“referenciais”, guardam algum tipo de relação (a ser explicitada, já que

humor não é Sociologia nem História) com os diversos tipos de

acontecimento. As charges, por exemplo, são tipicamente relativas a fatos

“do dia”. (POSSENTI, 2010, p. 27).

O autor contempla em seu livro, os sentidos que um texto ou imagem pode ter.

Ele diz que:

as técnicas humorísticas fundamentais consistem em permitir a descoberta de

outro sentido, de preferência inesperado, frequentemente distante daquele que

é o expresso em primeiro plano, e que, até o desfecho da piada, parecia ser o

único possível. (POSSENTI, 2010, p. 61)

É através dessas construções que o humor se remete à raiz de seu significado

original, a liquidez, capaz de se adaptar a forma do espaço que o contêm, e onde coisas

tão distintas quanto uma ofensa e um alento podem misturar-se e provocar risos, e numa

gama de formas de expressão tão variadas quanto uma música, um texto ou uma charge.

Possenti analisa o humor como uma esfera, dividida em gêneros, dentre quais as

piadas. Ele explica.

Para caracterizar o humor como uma esfera, creio que o exemplo mais típico

para construir uma analogia é a literatura. Também nessa esfera se trata de

muitos temas – de quase tudo – e isso se faz por meio de muitos gêneros.

Correlativamente, o humor trata de quase tudo e também o faz por meio de

muitos gêneros, da comédia à charge. (POSSENTI, 2010, p. 104).

Englobada no conceito de humor, objeto da nossa análise, a charge é uma das

técnicas mais usadas como humor, no qual o desenho se torna o grande meio de

comunicação e informa tanto quanto um texto. Sanchotene apresenta o humor e suas

vias, na monografia Humor e Política: a charge como estratégia de editorialização do

telejornal, da seguinte forma. “O primeiro aspecto a abordar quando se fala de charge é

procurar defini-la. Isso porque a categoria que engloba o humor gráfico pode ser

representada de diversas formas”. Desse modo, o autor contempla que “essas definições

são, antes de tudo, uma questão de categorias distintas do desenho gráfico que

compreende o cartum, a história em quadrinhos, a caricatura e a charge”.

(SANCHOTENE, 2008, p. 76).

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O autor se refere à charge então, como a técnica que mais ilustra o papel do

humor como linguagem, porém, o autor aborda as demais categorias e seus papéis no

humor gráfico e no jornalismo.

Já Marques de Melo afirma que:

As charges, caricaturas e ilustrações editoriais são um meio visual e muito

eloquente de expressar opiniões, geralmente pela forma de humor. O uso da

imagem como instrumento de opinião atende, muitas vezes ao imperativo de

influenciar um público maior que aquele dedicado à leitura atenta dos

gêneros opinativos convencionais: editorial, artigo, crônica etc. (MARQUES

DE MELO, 1985, p. 120).

O mesmo autor define a caricatura como a “forma de expressão artística através

do desenho que tem por fim o humor”. (1985, p. 123). Grudzinski, trata a charge

enquanto gênero jornalístico, tão importante quanto os outros gêneros opinativos. Isso

tudo porque a “imagem é um instrumento ainda mais eficaz de convencimento, devido à

assimilação que a charge dá ao leitor de perceber a opinião expressa” (2009: 3-4).

Desse modo, a linguagem das charges e caricaturas pode ser entendida como um

gênero opinativo no jornalismo, devido ao seu poder de informar tanto quanto um texto.

Elas ocupam um lugar significante dentro de um jornal, sendo o mesmo espaço do

editorial, comentários e artigos. A riqueza existente em uma charge é tão valiosa quanto

a riqueza de um texto, porém é preciso saber interpretá-la. A mensagem crítica que uma

charge pode exercer é bastante grande e pode valer por mil palavras. Oliveira e

Almeida (2006), no artigo Gêneros Jornalísticos opinativos do humor: caricaturas e

charges, tratam o humor como uma linguagem de comunicação muito poderosa e na

forma de charge, consegue transpor mais ainda a sua real intenção.

A charge sentencia e mostra os fatos pelo ângulo da indignação e da ironia.

No desenho, as atitudes duvidosas dos donos do poder são divulgadas sem

qualquer tentativa de suavização ou de imparcialidade. Esse é o espaço para a

crítica e para os juízos de valor. (OLIVEIRA; ALMEIDA, 2006, p. 78).

Segundo esta perspectiva, observa-se a articulação existente entre texto e humor

para a captação de um entendimento ou de efeito de uma mensagem. Articulação esta,

que reúne comicidade e analogia, características da charge, baseados em atos,

acontecimentos e fatos. O sentido a que envolve a charge é aquele que propõe uma

produção de verdade única através da sua penetração na realidade política e social. Na

maior parte de seu caminho, a charge interpreta o real de maneira combativa, crítica e

atrativa. Combativa por subverter a realidade e tomar isso como uma denúncia de

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verdade; crítica por confrontar o bom-senso e senso comum; e atrativa por se debruçar

sobre a realidade e dela suscitar novos olhares sobre os acontecimentos.

Através das charges, que desempenharam um papel muito importante na

estratégia do jornal O Pasquim (apesar da censura prévia imposta pelo governo Médici),

os humoristas do jornal optaram pela tentativa de driblar os censores com seus

instrumentos de crítica:o humor e a sátira. Para Bakhtin (1999), o riso popular, por ser

ambivalente expressaria uma opinião sobre o mundo, no qual os que riem estariam

incluídos. O riso popular seria a imagem do “riso carnavalesco, visto que ele é

universal, festivo, e ao mesmo tempo sarcástico e burlador”. (BAKHTIN, 1999: 8-11).

Porém este não seria o caso do humor pasquiniano. Seria mais prudente creditar aos

cronistas e caricaturistas, que se resistiriam ao moralismo da Ditadura e aos censores

formais e informais, a condição de intelectuais que descreviam o comportamento das

pessoas reais ou imaginárias de modo humorístico. Assim, estas próprias pessoas

representadas não precisariam demonstrar humor algum, seriam elas, censores e

representantes do Regime.

Para Nery (1998, p. 39), a charge é uma “interpretação crítica, inteligente e

irônica”. Interpretando a definição de Nery em seu livro Charge e caricatura na

construção de imagens públicas, acrescentamos que a charge é crítica, pois discute e

opina sobre acontecimentos noticiosos, usando a linguagem do desenho. É inteligente

porque consegue resumir e criticar no pequeno espaço do desenho o que há de teor

relevante em um fato, de forma que o leitor compreenda do que se trata, e fique

informado sobre algo importante que se passa no seu país ou no mundo naquele dia.

De acordo com Nery (1998, p. 41), “[...] a charge insere-se então a favor dos

grupos ou partidos que editam o jornal e contra seus adversários”. Todavia, o autor

aborda a charge como uma linguagem de comunicação que não sobrevive em meio às

ditaduras. Ele acredita que as charges não conseguem exercer seu papel diante de um

governo ditatorial baseado em censura. O mesmo autor explica de forma mais detalhada

o assunto:

A exarcebação no traço e nas ações que compõem perfil político e

psicológico de suas ‘vitimas’, permite a charge expor as peças da

personalidade, objetivos, desvios de informação que o enfocado queira manter em segredo. Nas ditaduras, comumente elimina-se a charge e o

incômodo que ela pode causar aos ditadores [...] Em sociedades

democráticas, a charge é um importante instrumento de expressão da

heterogeneidade cultural e de pensamentos, pois ridiculariza o

comportamento político dos ‘donos do poder’ e compõe novas cenas no

espetáculo político. (Nery, 1998, p. 187).

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Entende-se por exacerbação, um recurso utilizado em caricaturas e charges, no

qual os traços físicos ou ideológicos dos personagens reais apresentados são

propositalmente exagerados e/ou agravados.

Já Bakhtin (1997:31-36 apud MIANI, 2001, p. 6) visualiza um outro ponto de

discussão e de compreensão da imagem. Ele procura entender a relação entre o traço e o

armamento ideológico que este carrega.

Como vimos, qualquer imagem pode comunicar algo tanto quanto um texto

escrito e, portanto pode ser classificada como uma forma de emissão de mensagens.

Não muito diferente é o desenho de charge, pois comunica, especialmente, um discurso

ideológico de determinado chargista, que pertence a um veículo de comunicação, logo,

aceita e defende a linha editorial que pertence.

Basicamente, o chargista encontra no cotidiano os elementos para a construção

do seu discurso, com olhar atento aos problemas sociais, realizando assim, quase um

trabalho artesanal, misturando traços e cores, fazendo com que a crítica, disfarçada no

riso, se torne eficaz.

Nery (1998) ainda explica sobre o grau de dificuldade existente para

compreender uma charge (1998, p. 71-72), “Para ser decodificada, a charge necessita

manter uma relação estreita com o cotidiano e o universo cultural do leitor”. Afirmam

os teóricos que para a compreensão da charge há necessidade de entender o seu contexto

histórico/temporal.

Com o tempo, a charge foi ganhando mais importância, que um estudo realizado

por Agostinho (1993, p. 314) constatou que o público, em reconhecimento, “a vê como

matéria jornalística inserida nas páginas de jornais e revistas”. O autor ainda explica que

“a charge se constitui de uma realidade inquestionável no universo da comunicação”, e

um dos seus principais objetivos é “não apenas distrair, mas, ao contrário, alertar,

denunciar, coibir e levar à reflexão” (AGOSTINHO, 1993, p. 229).

Quanto aos elementos estéticos da charge como linguagem, o mesmo autor

analisa que ela é geralmente apresentada em desenho, através de linhas, o espaços, o

planos, ponto de enfoque, volume, luz, sombra, movimento, narrativa, balões,

onomatopéia e o texto verbal, não aparecendo, necessariamente, todos estes elementos

em todas as charges.

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Enfim, segundo Agostinho, [...] os elementos que estruturam a charge podem

ser materiais - que constituem a estrutura - objeto - ou pertencentes a outros

níveis de elementos, tais como: sistema de referência ao qual a charg recorre,

ou ainda, aos sistemas de reações psicológicas contidas no desenho. Estes

níveis podem também se subdividir em tantos outros, como os níveis de

ritmo, de sons, de enredo, de ideologia etc (AGOSTINHO, 1993, p. 227).

No ponto de vista de Nery (1998, p. 189), que discute a charge inserida no

jornalismo, “a imprensa brasileira assimilou a charge como gênero opinativo e inseriu-a

em suas páginas, criando condições para que se estabelecesse o hábito de sua leitura

como parte do hábito de ler jornal ou revista”.

Desse modo, é importante observarmos a construção de uma linguagem do

humor e a presença do ridículo no discurso das obras cômicas. A apropriação do humor

na divulgação ou contestação de ideias, no ataque contra inimigos políticos, por

exemplo, como no caso das charges no período do Regime Militar, tem o ato de

ridicularizar como um caminho seguro para a produção dessas obras cômicas. Porém, é

necessário entender que a utilização do humor como instrumento social não implica, é

claro, numa liberdade total de ação, ou seja, aquilo que produz um efeito cômico para

determinado grupo, pode gerar revolta em outros, como aconteceu nesse período do

Regime.

A censura instituída durante a Ditadura Militar tinha, dentre outras obrigações, o

controle dos possíveis excessos que poderiam ser cometidos pelo uso do Estado como

alvo de produções de cunho humorístico. O senso de humor do cartunista atribui a sua

obra uma ação capaz de gerar uma interpretação diferente da ideia inserida nessa mesma

obra, multiplicando os seus sentidos.

Chartier (1990, p. 19), em A História Cultural – Entre Práticas e

Representações, discute a necessidade de identificação dos códigos criados entre

cartunistas e leitores, quando afirma que é vital “considerar como ‘simbólicos’ todos os

signos, atos ou objetos, todas as figuras intelectuais ou representações coletivas, graças

aos quais os grupos fornecem uma organização conceptual ao mundo social ou natural”.

Freud mostra, em sua obra “Os chistes e sua relação com o inconsciente”

(1927), os domínios do risível. Para ele, são três as formas de manifestação cômica do

inconsciente: o chiste, considerado piada ou anedota; o cômico, que é a manifestação -

com contrastes - de caráter alegre; e, por fim, o humor, que existe quando há

intencionalidade de uma leitura sátira de fatos negativos. “O humor goza das nossas

dificuldades e ao fazer isso diminui os nossos problemas, e mesmo que sejam alívios

temporários, fazem muito bem para a vida. Porque viver os problemas com bom humor

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é sempre viver melhor” (FREUD, 1927, p. 192). O autor ainda distingue o humor tanto

do efeito dos chistes quanto do cômico. O que caracteriza os chistes é serem

manifestações do inconsciente, formas de escapar da repressão e do controle. O humor,

ao contrário, embora tenha como os chistes e o cômico algo de libertador.

Possui também qualquer coisa de grandeza e elevação, que faltam às outras

duas maneiras de obter prazer na atividade intelectual. Essa grandeza reside

claramente no triunfo do narcisismo, na afirmação vitoriosa da

invulnerabilidade do ego. O ego se recusa a ser afligido pelas provocações da

realidade, a permitir que seja compelido a sofrer. Insiste em que não pode ser

afetado pelos traumas do mundo extremo; demonstra, na verdade, que esses

traumas para ele não passam de ocasiões para obter prazer. (Freud,

1974[1927]:190).

A charge, por ter um catater imediatista, expressa a situação do país e do mundo

com os mesmos critérios de noticiabilidade de um texto, ou seja, (proximidade,

atualidade, impacto, conflito, interesse pessoal, entre outros), assim, representa com

humor uma situação, um contexto social ou político. Por ser imediatista, é apresentada

no jornal do dia, e dias depois perde seu valor e se torna uma fonte histórica.

Como artista do riso e sujeito politicamente ativo, Henfil assinalou

repetidamente o seu entendimento de que todo humor é político. Não como defensor de

determinadas plataformas partidárias, mas como a afirmação de uma postura perante os

acontecimentos imediatos. Em suas palavras,

É óbvio que a chave para se fazer humor engajado é você estar engajado. Não

há chance de você ficar na sua casa vendo os engajamentos lá fora, e

conseguir fazer algo. Esse talvez seja o humor panfletário. É o humor que

você faz de fora (...) Você não participa, você não age. Você desenha a ação.

(Como se faz humor político. Henfil em depoimento a Tarik de Souza.

Petrópolis: Vozes, 1984, p. 40).

No Pasquim, Henfil encontrou espaço para apresentar de forma mais aberta sua

“armadura” tanto contra as práticas políticas e econômicas do Regime, como

jornalísticas e comportamentais. Ao convite de Sérgio Cabral que, como Jaguar,

acreditava que o tipo de humor produzido por Henfil, humor porrada, se ajustava como

uma luva ao perfil do Pasquim.

A manifestação do humor como uma forma de oposição dentro do período

ditatorial brasileiro não se estabelece num caráter revolucionário, nem se apresenta

como uma voz universal dos que não apoiavam o Regime. O jornal O Pasquim,

principal referência do humor oposicionista, direcionava a sua produção a uma

população boêmia, intelectualizada e de classe média do Rio de Janeiro, não

representando uma força ordenada para a construção de uma nova hegemonia.

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Essa é uma característica que se apresenta com grande força no humor de

oposição utilizado no período de 1969 até 1974 pelo jornal O Pasquim. Além das

críticas através da ridicularização, o riso provocado pelos trabalhos humorísticos

desencadeava um efeito de catarse sobre as pressões e medos desenvolvidos dentro de

um Regime que passa a utilizar o terror como forma de controle.

A utilização do humor na expressão textual, visual e social é bastante explorada

por Bergson (2004) em O Riso, ensaio sobre o significado do cômico. Nesta obra, o

autor busca definir os efeitos do cômico, ou seja, analisa as estratégias através das quais

o cômico é obtido.

O riso, portanto, é formado não apenas como a linha editorial escolhida pelo

Pasquim, mas, principalmente, como meio de sobrevivência e de comunicação de um

público, além de estabelecer uma relação de diálogo e não diálogo com a censura

carioca.

Neste capítulo nos baseamos em conceitos sobre humor e riso face a censura e o

que realmente esses dois conceitos fazem para deixar nas entrelinhas uma informação

que não pode ser percebida. Para isso, procuramos como suporte, conceitos de autores

estudiosos do assunto como Sigmund Freud, Henri Bergson, Roger Chartier, Aucione

Agostinho, entre outros.

No capítulo que segue, vamos aprofundar os conceitos de censura e humor como

linguagem. Demonstrar como o humor conseguiu estar a serviço de práticas

jornalísticas, agindo como uma linguagem militante durante o período militar. Para isso,

nos basearemos em autores como Rozinaldo Miani, Luiz Guilherme Teixeira, Gilberto

Maringoni, Marcos Silva, Eloisa Klein, Maria Conceição Pires, Bernardo Kucinski,

entre outros, que nos trazem alguns aportes empíricos para a análise que segue no

capítulos abaixo.

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5.2 A RESISTÊNCIA ATRAVÉS DO HUMOR

Partimos do pressuposto que o humor tratado nessa pesquisa é humor como

forma de protesto, como elemento de comunicação fundamental no período de censura

no país. Esse conceito vem sendo tratado no decorrer da pesquisa e neste capítulo

damos ao mesmo um enfoque mais específico, destacando o seu modo de fazer, ou seja,

como esteve presente na prática do Pasquim, enfrentando ou desvencilhando-se da

censura que se instaurou no país após o decreto do AI-5.

Para apresentarmos tal singularidade, lembramos alguns fundamentos sobre o

conceito de informação. Segundo Maringoni (1996), a informação por si só não é

totalmente neutra. Ele explica o conceito, alegando que o próprio editor do jornal se

autoposiciona ao escrever a matéria:

Um redator ou um editor, quando escreve uma matéria, já toma diversas

opções subjetivas sobre que aspecto do fato realçar, que ponto reforçar no

título e em que lugar da página colocar a matéria. Estas opções induzem a

uma determinada compreensão do fato narrado. (MARINGONI, 1996, p. 86).

Desse modo, podemos entender que a informação não é totalmente imparcial.

Assim, no período da Ditadura Militar, esse jornalismo teve que se adaptar às ideias e

ideais de uma população que clamava por justiça. O humor entrou nesse processo, como

peça chave, criando um caráter transformador e importante para o jornalismo da época.

Desse modo, a produção das notícias, além do aparecimento dos jornais

alternativos, foi baseada pelos processos desencadeados a partir da severidade da

ditadura e da resistência. Na imprensa, assim como na política, a década de 1970 foi

uma época bastante rica, complexa, que definiu os caminhos que o país percorreria no

futuro.

Gentilli (2004) explica que “a imprensa, como uma espécie de porta-voz de seu

tempo, acompanha as ambivalências do momento”. O autor comenta sobre a

cumplicidade do emissor, no caso o Pasquim, e o receptor, que seriam os leitores. “Ora

adere ou simplesmente se cala, ora reage, sinalizando para o leitor os acontecimentos, às

vezes buscando sua cumplicidade” (GENTILLI, 2004, p. 90-91).

Com os diversos enfoques que o jornalismo alternativo apresentou, abordou

diferentes visões e defendeu diferentes direitos dentro do contexto político dos anos 60

e 70. Pires (2008), em seu artigo Humor, Participação e Engajamento Político na

Imprensa Alternativa debate o humor como forma de resistência no período da Ditadura

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Militar, e mais especificamente, o mesmo do cartunista Henfil, um dos integrantes do

jornal O Pasquim. Pires (2008) destaca a importância que o jornalismo independente ou

alternativo, teve nesse período de transformações políticas no país:

Durante a ditadura militar brasileira, a imprensa alternativa mostrou-se

fundamental para a viabilização de importantes canais de expressão para

grupos marginalizados como negros, mulheres e homossexuais, favorecendo,

ao mesmo tempo, a consolidação de uma cultura afirmativa e de confrontação

ao caráter liberal-conservador do discurso político hegemônico. (PIRES,

2008, p. 1).

Como já foi citado anteriormente, foram inúmeros jornais que nasceram nesse

período, com ou sem uma ideologia, porém com o passar do tempo, foram tomando

forma e enfatizando seus ideais. Entre os diferentes enfoques ainda citamos os jornais

feministas, indígenas, estudantis, entre outros.

Quando se fala em produção humorística em prol de denúncia ou protesto, os

jornais alternativos buscaram no humor, através de linguagens de charges e de cartuns,

expor suas ideias, mesmo sendo de forma subentendida, disfarçada. De acordo com

Oliveira (2011, p. 2972), Henfil, em suas charges no jornal O Pasquim, buscou mostrar

através do humor, “a insegurança política que o país viveu tanto na instauração quanto

no momento de abertura do Regime Militar”.

Maringoni (1996) aborda que o humor deve seguir uma espécie de código, em

cada publicação, para que assim, o seu objetivo seja realmente alcançado:

Para se fazer humor é preciso haver cumplicidade com o público. Ninguém ri

da piada que você conta, se não existe um código prévio entre você e seus

ouvintes. Muitas vezes, este código está baseado no mais repugnante dos

preconceitos, mas ele - o vínculo - deve existir. (MARINGONI, 1996, p. 88).

A citação aponta uma das principais características desse tipo de humor: o

humor como forma de resistência. O código, que o autor trata, é realmente o diferencial

desse modo de fazer, no qual as charges e cartuns apresentados nos jornais do período

ditatorial.

Kucinski (1991) também aborda esse humor, dotado de características libertárias

e transformadoras. “Cínicos e libertários, os escritores satíricos e cartunistas

desempenharam um papel central na resistência à ditadura brasileira” (KUCINSKI,

1991, p. 26). De acordo com o autor, nenhuma outra categoria se opôs de forma tão

coerente.

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Kucinski (1991, p. 26) ainda salienta que os humoristas criaram uma imprensa

própria, alternativa e com ela, driblaram o poder, “num exercício lúdico típico de seu

ofício”. Porém, para fazer parte dessa imprensa de resistência, esses jornalistas e

cartunistas sofreram consequências, como a prisão. O autor ressalta que apesar das

dificuldades, esses jornalistas não desistiram e fizeram do humor brasileiro dos anos de

1970, “um ato coletivo contra a ditadura, extravasando os limites não confrontacionais

do humor político clássico”.

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5.3 HUMOR NO PASQUIM: RESISTINDO A CENSURA

Neste capítulo vamos apresentar a análise das charges no jornal O Pasquim no

período de 1969 até 1971, formando uma ordem cronológica de acontecimentos que

marcaram a trajetória do semanário carioca. Dessa forma, vamos examinar as imagens,

em termos de forma e de conteúdo, alinhando as mesmas na sequência de textos, cada

uma delas será identificada através de subtítulos. Para tanto nos apoiaremos em alguns

conceitos que foram mapeados no capítulo anterior e que vão nos ajudar na leitura dos

materiais.

Nestas condições, o objetivo deste capítulo é analisar algumas aspectos dos

construídos pelos jornalistas e cartunistas, na forma de charges, visando, sobretudo

identificar os propósitos dos autores, ao fazer uso desta estratégia. Segundo nossa

hipótese, o recurso a esta linguagem visa, dentre outras coisas, apresentar formas de

resistência à censura. Recordemos que o humor trabalhado conforme vimos acima com

a produção do segundo sentido, ou seja, algo que não está na aparentemente visível, mas

que se explica a partir de articulações de linguagens e seus protocolos. Iremos fazer a

leitura das imagens para desvendar como elas conseguiram informar apesar da censura

imposta.

O jornal O Pasquim utilizou esse segundo sentido na construção humorística de

suas charges, com mensagens implícitas como um mecanismo de se fazer entender

diante da censura. A maneira encontrada pela equipe do jornal foi utilizar largamente

deste recurso de linguagem para produzir mensagens nas quais deixava a posição

subentendida, como forma de driblar a censura. O humor foi a grande carta da manga,

enquanto estratégia discursiva do Pasquim. Muitos termos textuais contidos nas

entrevistas e as jogadas de mestre das charges conseguiram passar despercebidos pelos

censores.

No ambiente sufocante em que o país se encontrava, O Pasquim cumpriria a

missão de produzir novas condições para informar os leitores, reunindo alguns dos mais

brilhantes jornalistas, cartunistas e chargistas da época. Nomes como Sérgio Cabral,

Tarso de Castro, Millôr Fernandes, Jaguar, Ziraldo Alves Pinto, Sérgio Augusto,

Fortuna, Claudius Ceccon, Miguel Paiva, Paulo Francis, Luiz Carlos Maciel, Martha

Alencar, Ivan Lessa e Henfil.

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Antes de procedermos à análise, desenvolveremos alguns parágrafos sobre a

pertinência dos conceitos levantados para a análise, de um modo breve, uma vez que

voltaremos aos mesmos no exame das charges, procurando localizar a ligação das

mesmas para as charges escolhidas.

O jornal O Pasquim, diante da necessidade de um modo de informar que

conseguisse revelar a indignação para com o período em que o país vivia, conseguiu

reunir os elementos humorísticos com caráter oposicionista como nenhum outro jornal.

No documentário sobre o tabloide, os cartunistas analisam a forma de humor

apresentada no semanário.

O humor é extremamente transformador. O humor é uma linguagem

subversiva por si só. Ele vai sempre descobrir uma maneira de pular aquele muro que construíram na frente dele. Não há maior alimento de incentivo ao

humor que a censura. (Miguel Paiva - Documentário: O Pasquim - A

Subversão do Humor. TV Câmara, 1999).

Miguel Paiva foi um dos componentes da patota e um dos poucos cartunistas

que não foram presos em 1970.

Além das técnicas criativas para lidar com as pressões vindas da Ditadura

Militar, as histórias sobre o Pasquim e seus editores vêm de relatos de que o humor foi

fundamental na relação com os censores e colaborou na determinação de quais textos

seriam publicados.

É através do humor que o semanário elege suas rotinas e inicia sua campanha

para mobilizar as pessoas, alertar para a política instaurada no momento e lembrar aos

desinformados, que rir era uma estratégia para não chorar diante do que estava

acontecendo. Ou seja, os jornalistas e cartunistas do Pasquim, acreditavam que era

preciso um pouco mais de graça e leveza para que a vida seja percebida em certos

detalhes incapazes de serem notados diante da Ditadura em que o Brasil vivia.

Desse modo, o humor e a geração que criou e alimentou o Pasquim parecem ser

elementos fundamentais para entender a resistência do seu discurso de contestação

durante o período da censura e os relacionamentos que permearam as publicações do

jornal. São histórias impressas em frases e imagens que desmascaram o silêncio do

Regime.

Apesar de ter o humor como linha editorial, o Pasquim comportava diferentes

estilos jornalísticos embora todos os textos e as imagens se enquadravam na categoria.

Maciel, Paulo Francis e Ivan Lessa faziam parte desses espaços que se diferenciavam

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das páginas fortemente ilustradas, do riso constante e das críticas aos costumes

brasileiros. Os três editavam as páginas geralmente repletas de texto, com uma

abordagem mais característica do que o restante do jornal e dos redatores.

Bergson (2004) enfatiza ainda mais a função da comicidade quando explica que

“essa deve ser a função do riso. Sempre um pouco humilhante para quem é seu objeto, o

riso é de fato uma espécie de trote social” (BERGSON, 2004, p. 101). Ele ainda

complementa, enfatizando que quando se trata de comicidade de formas e movimentos,

certas imagens por mais simples que sejam, são risíveis por si mesmas. Desse modo, o

autor nos ajuda a compreender melhor a ideia de humor trazida pelo personagem do

ratinho Sig e toda sua autocomicidade, caracterizada em seus traços.

O jornal O Pasquim trazia bastante dessa comicidade em suas páginas. Além do

ratinho Sig, conforme vimos anteriormente, as charges eram o grande carro chefe do

semanário. Braga (1991, p. 162) enfatiza que “as imagens do desenho pasquiniano e

suas intenções satíricas levaram, geralmente, a uma integração entre as imagens e seu

texto”. Quanto às editorias, o tablóide trazia geralmente surpresas, seja com uma foto

de impacto, uma declaração chocante ou uma frase logo abaixo do nome do jornal,

chamada por Braga (1991) de "frases-lema", que mudavam a cada edição. A chamada

principal do semanário geralmente vinha da entrevista principal. O semanário propunha

uma linguagem visual e textual diferentes que permeavam o jornal inteiro.

Os elementos acima descritos fazem parte do estilo visual e textual do jornal, e

estão diretamente ligados a dois aspectos opostos da vida cotidiana, a repressão e a

cultura alternativa. Ambos fazem parte das principais características que determinaram

a linha editorial do Pasquim, o humor.

Outro atrativo do tablóide eram as famosas frases-editoriais que examinaremos

mais abaixo. Elas dividem-se pelos diferentes períodos de censura sobre o semanário. O

que se percebe é a permanência da estrutura subjetiva do auto-discurso, na construção

da frase de capa do jornal seguida de uma definição.

Braga (1991: 135-136) trata das frases editoriais de capa, como uma redefinição

semanal por parte do semanário. Ao fazer essa redefinição, o jornal “exprime também

uma opinião sobre sua atualidade política: que exige de um jornal o esforço de renascer

(ou não morrer) semanalmente, repensando-se a cada exemplar”. A frase editorial da

edição nº 16, de 1969 estampa a frase que explica a afirmação de Braga (1991): O

Pasquim, um jornal que sente o drama de escolher um lema por semana.

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Três frases-editoriais do período em que a censura estava centralizada em

Brasília contam a dificuldade do processo de produção do jornal naquele momento: “O

Pasquim – um jornal que não é editado por seus editores” (edição 261, publicada em

1974); “O Pasquim – um jornal que balança, mas não cai” (edição 264, de 1974); e

“Cumprimos o doloroso dever de informar que estamos vivos” (edição 279, de 1974).

As campanhas institucionais do período Médici também eram alvo das piadas do

jornal. Pasquim: ame-o ou deixe-o, era uma clara menção à propaganda realizada pela

Assessoria Especial de Relações Públicas (AERP). Esta assessoria era composta por

jornalistas, psicólogos e sociólogos que determinavam sobre os temas e o enfoque geral,

contratando em seguida, agências de propaganda para produzir documentários para a

televisão e o cinema, além de matérias para os jornais.

O governo gastava milhões de cruzeiros em propagandas destinadas a melhorar

sua imagem junto ao povo. Através do humor, O Pasquim usou dessa mesma frase para

ressaltar que o país teria que aguentá-lo, como a frase: Pasquim, ame-o ou deixe-o,

fazendo uma espécie de releitura da famosa frase citada anteriormente.

Os jornalistas não poderiam se arriscar e correr o risco de perder o jornal, assim,

mais uma vez a autocensura foi o meio encontrado na frase editorial. Nela eles

demonstram que sim, tinham medo de tudo que estava acontecendo.

A frase da edição nº 131, de 1972 diz: O PASQUIM – sai todas as terças, ou

quartas, ou se calhar, quintas, se origina pelo fato de o jornal não ter o costume de

realizar reuniões de pauta, e por vezes o material atrasava, pois era necessário que os

censores lessem todo antes de ir para a impressão. O Pasquim não tinha um dia certo

para ir para as bancas. Geralmente era nas quintas-feiras, mas como nunca se sabia se

tudo ia dar certo com as publicações, a pontualidade nunca foi a maior virtude do

semanário.

Outra frase que estampou a capa do Pasquim foi: O importante não é vencer, é

sair vivo. O ano desta publicação é 1972, na edição nº 168. Os jornalistas tinham um

humor ímpar para enfrentar a repressão que assolava o país. Devido a tantos “sumiços”,

violências e mortes, o jornal driblava todo esse processo alertando que só queria sair

vivo disso tudo.

O ratinho Sig, uma espécie de mascote símbolo do Pasquim, estava presente em

todas as edições do semanário estando presente nas charges, entrevistas, capas, tendo

como principal função, ilustrar a opinião do jornal de uma forma irônica e engraçada.

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Na frase editorial Pasquim – corajoso como um rato, os jornalistas se referiram

ao Sig para dizer o quanto estavam amordaçados e ameaçados pela repressão, através de

balões de fala no ratinho. Os traços do mascote criado em homenagem ao psicanalista

Sigmund Freud não incitam nenhuma reação cômica, sendo um conjunto de atitudes e

diálogos representados pelo personagem, para seu grupo de leitores, que reside o humor

do mascote do semanário. Os traços do mascote, criado por Jaguar, manteve-se durante

toda a trajetória do tabloide. Em todas as edições ele estava presente, tanto nos artigos,

capa, charges, e demais editorias. Visualize a seguir.

Figura 5

Mascote do humor pasquiniano

A interação do ratinho Sig com as entrevistas, fotomontagens e/ou de fotos de

bastidores (recurso raramente usado na época), fica evidente em várias edições do

periódico.

Um dos atrativos do Pasquim também estava relacionado às frases editoriais e

sempre continham uma ideia implícita a ser desvendada. A frase editorial Quem é vivo

sempre desaparece, que foi publicada na edição nº 174 do ano de 1972, referiu-se aos

sumiços na Ditadura Militar. Nesse período houve perseguição à lideranças políticas,

torturas, mortes misteriosas. Ou seja, falar, escrever, desenhar e publicar, tornaram-se

atos de resistência e por consequência, de medo.

O Pasquim tirou o formalismo do texto jornalístico utilizando o humor como

linha editorial. E não poderia ser diferente, já que grande parte dos jornalistas que se

juntaram para produzir o semanário já vinha de experiências com o jornalismo

humorístico.

O riso do jornal podia ser percebido na ação humorística “direta”, mas

facilmente desvendável. Já a “indireta”, na qual destacamos as entrelinhas que, uma vez

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percebidas pelo leitor, provocavam com o mesmo efeito o riso, e cumpriam como disse

Braga (1999, p. 200), afirmando que “as técnicas do jornal, essencialmente voltadas

para a produção de subentendidos (a implicitação humorística), tiveram que chegar a

um nível de refinamento muito grande, em consequência da censura”.

Desse modo, O Pasquim trabalhou de um lado com o explícito, que era o

assunto mesmo tratado e também com o implícito. Não podendo manifestar uma

posição direta contra o Regime, a linha editorial avaliava, criticava e combatia a sua

lógica deixando a informação subentendida nas entrelinhas.

Os assuntos abordados no tabloide, geralmente envolviam temas polêmicos e

proibidos pela censura, como as atividades ligadas aos movimentos estudantis e

trabalhistas, críticas à economia, entre outros. Além disso, a censura proibia críticas ao

sistema habitacional, propaganda sobre homossexualidade e divulgação das

divergências da Igreja com o Regime. As notícias mais perigosas eram as que faziam

referência aos militares e ao sistema. Qualquer assunto que pudesse causar a bravura nas

Forças Armadas, ou tensão entre os militares, era censurado.

Com a finalidade de intensificar a repressão, a censura prévia, na qual era

exigido o envio de todos os originais dos materiais à Brasília, foi instalada no Pasquim

e em outros jornais da imprensa alternativa. Contudo, os jornalistas e humoristas do

tablóide não podiam evidenciar que o jornal estava sendo censurado. No lugar de

diversas matérias, a equipe colocava poesias de Camões ou as receitas de culinária. Isso

se repetiu por diversas edições.

Através da censura prévia, o Regime Militar foi submetendo aos poucos a

imprensa alternativa cada vez mais repressão. Aos censores era recomendado que, na

dúvida, deviam cortar a material.

Esse momento marcou consideravelmente a produção jornalística, que recebeu

inúmeros vetos e tinha suas matérias rabiscadas com um X. Gentilli (2006) analisa a

importância e o papel que a imprensa alternativa teve nesse período. “Ao mesmo tempo

em que, por traduzir um sentimento de mudança e de tentativa de engajamento”, as

propostas dos jornais independentes, tiveram uma “ação específica para chegar à

mudança pretendida”. (GENTILLI, 2006, p. 69).

Nessas propostas, os membros da patota do Pasquim, através do humor,

conseguiram transpor o sentimento de revolta, sentido por uma geração insatisfeita com

o governo vigente.

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5.3.1 UMA BREVE DESCRIÇÃO CONTEXTUAL DAS

CHARGES

Nossa análise das charges envolve também um registro de contextualização das

mesmas, algo a ser feito nos próximos parágrafos. Este capítulo é a peça chave desta

pesquisa, pois engloba o grande objetivo do trabalho, ou seja, descrever as charges

através do humor usado como linguagem e como essas charges ajudaram a disfarçar o

momento de repressão vivido pelo país entre os anos de 1969 a 1972. A importância em

tratar de um assunto tão delicado quanto á censura, está na complexidade dos materiais

criados durante o período, no qual tiveram que mudar o seu modo de informar para se

adaptar aos mandos do governo.

As charges ilustram os momentos importantes vividos pelo semanário,

Pasquim,a de que marcaram a geração dos anos 70 e revolucionaram o modo de

informar, contando com uma equipe cheia de talentos, formada por jornalistas e

cartunistas.

A primeira charge, a ser analisada - A autocensura de Millôr, é de 1970. Ela

aponta a autocensura que Millôr Fernandes faz em relação ao governo. A segunda

charge, nomeada de Parodiando Drummond, apresenta uma relação inteligente que o

cartunista Jaguar fez com os versos de Drummond e o tricampeonato brasileiro de

futebol. Já na terceira charge, que recebeu o nome de Plágio à independência, talvez a

mais importante dessa ordem cronológica que montamos, pelo fato dela ser a peça

chave que levou os jornalistas e cartunistas à prisão em 1970. A quarta imagem,

intitulada Um jornal sem jornalistas, foi uma charge produzida enquanto a equipe

estava presa e desconhecemos o autor da mesma. Ressaltamos que apenas Miguel Paiva,

Millôr Fernandes, Martha Alencar e Henfil ficaram livres da prisão. Millôr organiza a

capa da edição nº 73 que ilustra um desenho antigo da fábula do lobo e do cordeiro, no

qual um balão de fala é colocado no personagem do cordeiro: Enfim, um Pasquim

inteiramente automático. Já a frase editorial desta edição dizia: Pasquim, um jornal com

algo a menos. A quinta imagem, nomeada de A saída !! Onde fica a saída?, ilustra

outro momento marcante da trajetória do Pasquim. O chamado Rush da Solidariedade

foi um episódio importante na história do semanário e consistiu na ajuda que o tabloide

recebeu quando a maioria de seus jornalistas e cartunistas estavam presos. Nesse Rush,

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estavam presentes jornalistas, artistas, escritores e demais pessoas influentes do cenário

cultural brasileiros dos anos 70. Já na sexta e última imagem, recebeu o nome de E

agora?, o ratinho Sig acompanha um alvo centralizado cheio de tiros, com o anúncio

TARSO Á SOLTA. A imagem simboliza a liberdade dos componentes do jornal, que

haviam sido liberados da prisão há poucos dias, e o nome de Tarso foi usado

especialmente, pela sua saída do jornal, logo após perceber que o mesmo encontrava-se

em crise, devido à prisão de grande maioria da equipe.

Para a análise das charges, nós voltaremos a alguns conceitos que descreveremos

abaixo.

Entre os conceitos que já apresentados nesta pesquisa, destacaremos sempre,

pelo viés do humor, em qualquer um deles. É importante retomarmos alguns conceitos

de humor, baseados em autores como Freud, Bergson, Possenti, Maringoni, Sanchotene,

além de autores que debatem o humor, enquanto linguagem de comunicação através da

qual se dá a resistência a censura, já que nosso enfoque na pesquisa é o período da

Ditadura Militar. Entre esses autores podemos citar, Ferreira, Malachias e Bedin, entre

outros. Também iremos relembrar os conceitos de charge, com autores como Arrigoni,

Liebel, Miani, entre outros. Para isso, poderemos entender melhor o que, afinal, o que

provoca o riso?

Para fazer nossa análise, vamos nos valer dos conceitos de Freud (2004), grande

pesquisador do assunto, que contempla o humor em seus pressupostos, ou seja, o que

ele busca e o que ele provoca. Para Freud (2004, p. 99-100) o riso tem significado e

alcance sociais, ou seja, que “a comicidade exprime acima de tudo, a inadaptação

particular da pessoa à sociedade”, o autor complementa que, não há comicidade fora do

homem e que o homem é o caráter que é visado em primeiro lugar. O autor contempla o

humor, com a comédia, como o gênero que mais se aproxima da vida real.

A ele se mistura uma segunda intenção que a sociedade tem em relação a nós quando nós mesmos não temos. Mistura-se a intenção inconfessa de

humilhar, portanto, é verdade, de corrigir pelo menos exteriormente. Por isso

a comédia está bem mais perto da vida real que o drama. (FREUD, 2004, p.

102).

Desse modo, Freud diz relata que os elementos que contemplam o caráter

cômico serão os mesmos tanto na vida quanto no teatro. Na opinião de Firmino (2000,

p. 19), “uma das capacidades que distinguem o ser humano de qualquer outra criatura da

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terra, sem dúvida é o riso”. A autora enfatiza ainda que “alguns filósofos definiram o

Homem como um animal que sabe rir”.

Possenti, (2009), que estudou o humor em mais de uma obra, crê que o mesmo é

uma questão de cultura, devido ao seu desconhecimento dos dados, ou seja:

no caso do humor há uma manifestação clara de seu funcionamento, o riso.

Quando não ocorre, atribuímos esse fato a uma diferença de cultura. Mas

creio que confundimos o que é apenas uma manifestação mais ou menos

lateral como que seria uma característica definidora. (POSSENTI, 2009, p.

226).

Em outra obra, Possenti (2010) analisa os “ingredientes” dos textos

humorísticos, contrastando sua relação com as questões de “ordem linguística, em

primeiro lugar, mas também pragmáticas, textuais, discursivas, cognitivas e históricas”.

O autor enfatiza que esse tema tem atraído muitos estudiosos e tem se percebido que o

assunto “trata de um corpus privilegiado para uma espécie de tese de diversas teorias ou

de avaliação de práticas como a leitura”. Possenti contempla que:

Os textos humorísticos evidencialmente não sejam sempre referenciais,,

guardam algum tipo de relação (a ser explicitada já que humor não é

Sociologia nem História) com os diversos tipos de acontecimento. As

charges, por exemplo, são tipicamente relativas aos fatos “do dia”. (2010, p.

27).

Possenti complementa que apesar dos assuntos ligados ao cotidiano, as charges

também abordam temas de média duração “como um governo, um regime, o tempo de

destaque de uma personalidade, como um mandato governamental” (2010, p. 28). O

autor contempla nesta mesma obra, chamada Humor, língua e discurso, que as técnicas

humorísticas nem sempre apresentam os todos os que escondem. Ou seja, elas permitem

a descoberta de outro sentido, que é geralmente, inesperado, “frequentemente distante

daquele que é expresso em primeiro plano e que, até o desfecho da piada, parece ser o

único possível”. (2010, p. 61).

As charges, como técnicas humorísticas, analisadas nesta monografia, também

apresentam um duplo sentido, ou seja, mais de um discurso, juntamente com o duplo

sentido, quando usadas involuntariamente, podem causar uma grande confusão, porém,

se inseridas intencionalmente, com a habilidade de poucos, podem gerar uma grande

gargalhada.

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A charge, objeto de estudo desta monografia, tem como principal característica,

compreender a mescla das linguagens verbais e não verbais. Desse modo, essa

construção híbrida aponta que a charge tem uma dupla dimensão: a explícita e a

implícita. Combinando elementos de cunho explícito e implícito, segundo Vedovatto

(2000, p. 64), a configuração estratégica decorre da instância responsável pelo que é

dito (enunciado) com aquela responsável pelos modos de dizer (enunciação).

Para Machado (2006), o discurso em si, não existe por si mesmo, ele só existe

em um espaço entre sujeitos. Ou seja, “se o discurso depende dos sujeitos para existir,

isso significa que é produzido por esses sujeitos, não apenas pelo autor da fala ou

enunciador, mas também pelo sujeito que lê o discurso” (MACHADO, 2006, p. 3).

Mattos e Teodoro (2006, p. 3) discorrem sobre a função das charges, no qual

afirmam que “as charges têm o objetivo de persuadir, influenciar ideologicamente o

imaginário do interlocutor. Assim, elas se mostram como um poderoso instrumento de

crítica”. Diante dessas características, as autoras afirmam que uma é a mais marcante:

“o aspecto irônico e denunciador que tem a charge”. Desse modo, as autoras

complementam se apoiando em Castro (2005) que diz que:

a ironia é um caso típico de discurso bivocal. Nela a palavra tem

duplo sentido: volta-se para o objeto do discurso como palavra comum e para

um outro discurso”. Essa definição pode ser mais completa se acrescentarmos

que ironia é a afirmação de algo diferente do que se deseja comunicar,

geralmente contrário, na qual o emissor deixa transparecer a contrariedade

por meio do contexto, do discurso ou da entonação. A função da ironia,

geralmente, é criticar, impressionar e provocar humor. (CASTRO, 2005, p. 120)

Entre tantos conceitos de humor, duplo sentido, ironia, comicidade e demais

teses que nos apoiamos para construir esta pesquisa, com esses e outros pressupostos,

vamos dar continuidade ao nosso intuito neste capítulo, a análise das charges

escolhidas. Ressaltamos que esses conceitos serão vislumbrados adiante.

Para fazermos a análise dessas charges, vamos assim, englobar diversos

conceitos para assim, entendê-las melhor. Ao falarmos de interpretação das frases

contidas em charges, por exemplo, podemos contextualizar o enunciado. Caracterizado

como a manifestação das frases, a enunciação se dá através de frases, sendo estas,

caracterizadas como partes da língua, portanto o enunciado pode ser caracterizado como

uma realidade empírica. De acordo com Vedovatto (2000), o enunciado é “um

fragmento do discurso, uma manifestação particular”.

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Desse modo, nos próximos capítulos, discorreremos sobre uma análise

específica de seis charges importantes no contexto desse trabalho e do jornalismo

brasileiro dos anos 70.

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5.3.2 A GRANDE SACADA

Antes de começar a análise, façamos alguns esclarecimentos sobre alguns

procedimentos metodológicos que envolvem a leitura das charges. Lembro ao leitor que

a metodologia sobre a qual esta monografia é constituída repousa em inspirações

qualitativas, isto é, reúnem duas orientações, além do recurso obrigatório a

documentação, á história, os arquivos, etc. As duas orientações as quais eu me reporto,

envolvem a importância que tem para esta pesquisa o “estudo de caso” e a “análise de

discurso”. Ou seja, uma vez que o meu objeto esta centrado em uma pesquisa sobre o

Pasquim e, particularmente, em uma de suas fases, significa dizer que estou trabalhando

com questões relativas a um estudo de caso, compreendendo por este conceito a

seguinte noção.

É um método de pesquisa que se concentra em um único caso, e não um

censo de população ou numa amostra representativa. Este estudo é útil nos

primeiros estágios de uma pesquisa, quando o objetivo consiste em explorar

ideias, submeter a teste e aperfeiçoar instrumentos de medição e qualificações observacionais, e preparar um estudo com base mais ampla.

(JOHNSON, 1995, p. 32).

Tratando-se de uma monografia de final de graduação, não poderia estudar o

Pasquim em sua abrangência, o que envolveria muitos aspectos, histórico, político,

ético, organizacional, etc. Em função desta ampla possibilidade, elegemos um aspecto

desse caso, o estudo das charges e para tal fim teria que fazer também uma escolha de

uma técnica para examiná-las. Neste caso optei também por um certo tipo de análise de

discurso. Ou seja, descrição das características em termos de linguagem, de um certo

“corpus” de uma determinada forma de discurso jornalístico. Não se trata de uma

análise de discurso rigidamente aplicando princípios linguísticos e gramaticais, mas de

uma tentativa de interpretação que extraísse dos materiais das charges aqueles

elementos de linguagens em torno das quais se manifestaria uma certa produção de

sentidos. Trata-se de uma análise que é desafiada pela singularidade de um determinado

texto, no caso, o jornalístico, na forma de charge. Estou vendo a charge, mas não é em

qualquer lugar, como em uma parede, televisão outdoor, entre outros. Não. Estou vendo

a charge no jornal, e aí se constitui a sua matéria prima.

Desse modo, a ênfase da minha pesquisa é responder como o Pasquim dribla a

censura, através da descrição de textos (charges), onde o Pasquim constrói mensagens

com fim de driblar a censura e que são examinadas por mim. Para isso, usaremos a

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enunciação para entender melhor o modo de dizer dessas mensagens. Para Benveniste

(1970), o termo enunciação envolve diversos aspectos, como a relação do locutor com a

língua determinada, que de acordo com a autora, determina os caracteres linguísticos da

enunciação. “O ato individual pelo qual se utiliza a língua introduz em primeiro lugar o

locutor como parâmetro nas condições necessárias da enunciação” (BENVENISTE,

1970, p. 83). O autor ainda elenca alguns conceitos sobre o termo.

Antes da enunciação, a língua não é senão possibilidade de língua. Depois da enunciação, a língua é efetuada uma instância de discurso, que emana de um

locutor, forma sonora que atinge um ouvinte e que suscita uma outra

enunciação de retorno. Enquanto realização individual, a enunciação pode se

definir, em relação a língua, como um processo de apropriação. O locutor se

apropria do aparelho formal da língua e enuncia sua posição de locutor por

meio de índices específicos, de um lado e por meio de procedimentos

acessórios, de outro. Por fim, na enunciação, a língua se acha empregada para

a expressão de uma certa relação com o mundo. A condição mesma dessa

mobilização e dessa apropriação da língua é, para o outro, a possibilidade de

co-referir identicamente, no consenso pragmático que faz de cada locutor um

co-locutor. A referência é parte integrante da enunciação. Seria preciso

também distinguir a enunciação falada da enunciação escrita. Esta se situa em dois planos: o que escreve se enuncia ao escrever e, no interior de sua escrita,

ele faz os indivíduos se enunciarem. (BENVENISTE, 1970: 82-90).

Já para os autores do livro Dicionário de Linguística, Dubois, Giacomo,

Guespin, Marcelessi e Mevel (1973, p. 218), enunciação “é o ato individual de

utilização da língua, enquanto enunciado é o resultado desse ato, é o ato de criação do

falante”. Desse modo, os autores enfatizam que, “a enunciação é constituída pelo

conjunto dos fatores e dos atos que provocam a produção de um enunciado”.

Assim, a partir dos conceitos estudados acima, constituímos um melhor

entendimento de algumas ferramentas sobre a metodologia usada nesta monografia.

O espírito deste capítulo que segue, é justamente aprofundar nossos

conhecimentos sobre charge e o poder que o humor como linguagem tem para a

construção da mesma. Assim, vamos analisar seis imagens a partir de suas

particularidades, seus detalhes e suas ambiguidades dentro do discurso jornalístico

aplicado no contexto histórico e social em questão. Para aplicarmos essas estratégias

discursivas, iniciamos a análise das charges com a charge A, de acordo com explicação

feita no capítulo anterior, no qual iniciamos pela charge de Millôr Fernandes.

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Charge A - A AUTOCENSURA DE MILLÔR

Figura A

O Pasquim, n. 43, 12 a 18 de fevereiro de 1970, p. 33.

Feita em 1970, a charge nos mostra aparentemente dois homens conversando. O

personagem da esquerda, visivelmente mais jovem que o outro, vestindo uma camiseta

com o símbolo da paz, cabelos compridos, barba por fazer, e com um cigarro na mão

esquerda, apresenta o seguinte balão de fala contendo mensagem enviada ao segundo

personagem: Você já ouviu a última contra o governo? O outro personagem,

aparentemente mais velho, com paletó e gravata, e que possivelmente seria um censor

ou algum amigo, também com um balão de fala, diz: Cuidado, rapaz; tem gente lendo a

página. A fala diz, indiretamente que devido à censura, deveria se ter cuidado com o

que se falava e ou comentava sobre o governo. O alerta do personagem se dá como um

aviso ao jovem.

Podemos perceber que ali existia uma limitação na liberdade de expressão, o que

o período em que a charge foi feita, perfeitamente justifica o fato.

O ano de 1970 foi um dos piores anos vividos pelo país, pois marcou o segundo

ano que o Brasil seguia o decreto do AI-5, instaurado em 1968. O AI-5 decretou, entre

tantos mandos, que seria proibida qualquer manifestação sobre assuntos de natureza

política. A censura foi instaurada no país, afetando a imprensa, a música, o teatro e o

cinema.

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Desse modo, fica mais fácil entendermos porque o jovem estava sendo avisado

que suas palavras deveriam ser cuidadas naquele momento. Qualquer manifestação

sobre o governo seria punida e os direitos do cidadão prejudicados.

É possível perceber na charge, que os traços que a compõem são finos e bem

característicos do chargista Millôr Fernandes. Vedovatto fala sobre esta característica:

“A linha fina simboliza leveza, graça, fragilidade” (2000, p. 29). A autora contextualiza

também o intuito que o movimento trazido pelo traço, beneficia a charge. “O

movimento potencializa a dinâmica na charge, o que é necessário para que ela traduza

inteiramente a mensagem que se propôs a transmitir” (VEDOVATTO, 2000, p. 46).

Desse modo, na charge A, podemos perceber o movimento das mãos do personagem da

esquerda, que está visivelmente articulando com o outro personagem, e em uma de suas

mãos possui um cigarro e a outra complementa a articulação da conversa entre os dois.

Aparentemente, podemos perceber que este personagem está mais animado que o outro,

que aparentemente permanece sério e imóvel.

Quanto à mensagem enviada através das charges, ainda nos baseamos em

Vedovatto (2000, p. 3), que contextualiza que “a charge é um texto complexo,

construído a partir de determinadas estratégias que requerem tanto do produtor quanto

do leitor, uma competência discursiva especial”. Para isso, “os contratos entre emissor e

leitor se concretizem plenamente, é necessário que haja uma cumplicidade entre eles”.

Desse modo, entendemos o quão importante é o receptor entender o que está

sendo dito, para compreender os diferentes sentidos que a charge pode trazer.

Quanto à questão da autocensura suscitada pela imagem, percebemos que ela é

apresentada na fala entre os personagens, no qual um diz euforicamente para o outro,

uma frase que não podia estar sendo dita, ou seja, durante aquele período político do

país, as pessoas não tinham uma manifestação livre, devido à repressão e à censura aos

meios de comunicação, portanto, logo, o outro personagem o alerta: Cuidado rapaz.

Seguindo os elementos característicos das charges, os balões também

identificam uma função à imagem. De acordo com Cagnin (1975), a forma mais

aplicada na apresentação verbal da charge é através de balões de fala. A fala nos balões

complemente a imagem e deixa o contexto da charge mais claro.

Millôr Fernandes foi um dos principais integrantes d’O Pasquim. Desenhista,

escritor e jornalista, Millôr ironizava constantemente a censura imposta às redações,

assim como a autocensura da grande imprensa.

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Na charge A, pudemos destacar como o desenhista introduz o tema da

autocensura mediante personagem que se atreve a falar contra o governo militar. O

dialogo em questão, cuja alusão diz respeito a conversas entre jornalistas, em ambiente

de redação, os quais dialogam sobre as últimas notícias dos jornais, apresenta a

autocensura imposta pelo período político vivido no país.

Nas imagens que virão a seguir, vamos continuar analisando os principais traços,

objetivos, detalhes e sentido que as mesmas buscam apresentar ao leitor.

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Charge B - PARODIANDO DRUMMOND

Antes de descrever a charge B, vamos contar um pouco sobre a situação política

que o país passava e porque as charges tiveram que constituir uma reação no campo

jornalístico para fazer face à censura.

Nos primeiros meses do governo de Geisel, em 1974, ocorreram alguns sinais de

abertura política. A censura prévia foi retirada de O Estado de São Paulo, Veja, O

Pasquim, mas continuou em Tribuna da Imprensa, São Paulo, Opinião. Isto era um

claro aviso aos jornais que não eram mais censurados, pois, apesar da censura recém

abolida, ela poderia voltar a qualquer momento. Esse fato pode ser claramente

percebido na primeira edição do Pasquim sem censura prévia, o nº 300, que, mesmo

sem censura, foi apreendido. Nesse período, o Brasil foi tomado por uma euforia em

razão da conquista do tricampeonato na Copa do Mundo, em 1970. A equipe da AERP

logo tomou proveito dessa situação, compondo a popular marchinha “Pra frente Brasil”

e criando o slogan “Ninguém segura mais este país”.

Criada por Jaguar, a charge contrasta a campanha que o governo Médici realizou

durante a conquista do tricampeonato de futebol, tomando como referência a situação

socioeconômica vivida pela população na época. Conforme vemos a seguir.

Figura B

O Pasquim, nº 54, 2 a 8 de julho de 1970, contracapa.

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Os versos de Drummond são apresentados como o texto legenda da imagem

feita por Jaguar que mostra um casal de favelados segurando a bandeira do Brasil. Os

versos dizem: “E agora José, a festa acabou, o povo foi embora, a noite esfriou. E

agora, José?”.

O contexto da imagem se dá a partir da prisão de Jaguar, juntamente com o

restante dos integrantes do Pasquim e no inquérito policial, ele viu que o nome de

Carlos Drummond de Andrade constava da lista das pessoas que iam ser chamadas para

prestar depoimento, devido os versos que o escritor publicava no Pasquim. “Tive um

trabalho danado para convencer o general da Censura que publiquei o desenho sem a

autorização do autor dos versos, no caso, o Drummond”. (JAGUAR, 1981).

A imagem nos mostra o traço fino de Jaguar ao desenhar oito pessoas

aparentemente humildes, com roupas rasgadas e rostos tristes e desiludidos. A imagem

mostra um casal com seis filhos e que também possui um cão. A imagem traduz o

fanatismo tradicional que o país possui pelo futebol, no qual apesar das dificuldades

financeiras e sociais, os brasileiros tendem a participar e se engajar esperançosamente

nas competições de futebol, no caso dessa charge, a Copa do Mundo. O futebol há

muitos anos, é motivo de alegria e orgulho para os brasileiros, que torcem

incansavelmente pelo futebol do Brasil e pelas Copas do Mundo realizadas a cada

quatro anos. Porém, quanto a esse patriotismo em questão, notamos na imagem que o

homem está segurando em sua mão direita, uma bandeira do Brasil, sustentada para

baixo, e na mão esquerda, uma placa com o dizer: Avante seleção! As bandeiras

enfatizam mais uma vez a tristeza e o desânimo que a família humilde vivia no período,

devido às dificuldades econômicas, porém, se mantinha fiel ao futebol brasileiro.

.Quanto á linguagem usada na charge, Jaguar coloca os versos de Drummond

entre aspas, e isso significa dizer que a charge faz uma operação de intertextualidade ao

buscar no texto poético, o fragmento que serve de construção para a sua mensagem.

Para uma mensagem, em uma charge ou qualquer outro tipo de ilustração,

porém, principalmente na charge, que normalmente aborda um assunto de tema atual,

necessita de um reconhecimento do leitor sobre o assunto tratado e também à mensagem

implícita que ela contém. Os efeitos de sentido de uma mensagem, de forma estratégica,

necessitam do reconhecimento para assim, o sentido produzir seus efeitos. Na charge, o

efeito é sempre múltiplo de acordo com Vedovatto (2000), o efeito é sempre plural, ou

seja, o reconhecimento do contexto ali apresentado.

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A charge B faz uma recorrência ao momento histórico vivido pelo país nos anos

70 e é apresentada em plano médio, uma vez que os personagens aparecem de corpo

inteiro, e cenário e os detalhes do traço permite que o leitor faça uma projeção do local

da ação e a ligação dele com a história. Essa modalidade de humor e de crítica social e

política até hoje continua incomodando as pessoas públicas pelo efeito que as charges

produzem.

Também é possível perceber a noção de perspectiva (frente e fundo) da imagem.

O primeiro plano traz a família, sendo o homem e a mulher (pais da família em questão)

apresentados em tamanho bem maior que as crianças, ganhando um destaque nesse

primeiro plano, e a casa da família, aparecem em um segundo plano, com tamanho bem

menor, mostrando que a família está distante da mesma.

A charge apresenta personagens que tem seus detalhes exagerados, ou seja,

cabeça grande para um corpo, assim como as barrigas da família, que ganharam um

exagero, referindo-se à situação de pobreza que o grupo vivia, sendo a barriga grande,

significado de vermes ou de algum outro problema ligado á má alimentação ou à

infecções alimentares. O fato de o casal possuir seis filhos e aparentemente, a mãe está

grávida na imagem, aponta a ocorrência de as famílias pobres brasileiras geralmente

possuíam mais filhos que o comum. Ou seja, mesmo com a falta de dinheiro e alimento,

a gravidez ocorre por falta de prevenção e demais cuidados, por desinformação ou

qualquer outro motivo.

Quanto ao traço, a charge não apresenta contrastes de sobra em sua composição

e também não possui um cenário, no qual os personagens aparecem ao centro, vazios de

cenário, com apenas a casa ao fundo.

A charge com os versos de Carlos Drummond de Andrade¹ entra no contexto da

imagem devido ao papel do enunciado interrogativo: E agora? Ou seja, o Brasil ganhou

a Copa do Mundo de futebol, mas e como fica a desigualdade social e a pobreza? O

contexto enfatiza que apesar desses paradigmas, o futebol envolve todas as classes

sociais, inclusive os menos favorecidos, como na caso charge em questão, que

continuarão pobres depois dessa conquista do futebol brasileiro.

O ano de 1970 estava sendo de crescimento do espaço do Pasquim, pois as

vendas aumentavam consideravelmente, e o jornal deixava, aos poucos, de ser limitado

ao Rio de Janeiro e ao bairro de Ipanema e passa a ser veiculado em São Paulo. Os dois

últimos meses do ano de 1970, porém, mudaram o rumo dos acontecimentos no

semanário, conforme já descrevemos em capítulos anteriores.

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___________________

¹ - Poeta, contista e cronista carioca. Produziu poesias, livros, contos e crônicas, muitas delas

Publicadas no jornal Correio da Manhã, Jornal do Brasil e O Pasquim.

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Charge C – PLÁGIO À INDEPENDÊNCIA

Como veremos abaixo, a figura C, trata-se de mais uma obra de Jaguar, que se

arrisca ao ilustrar o quadro de Pedro Américo, que leva o nome de O grito de Ipiranga,

no qual nesta tentativa, Dom Pedro I, ao invés de gritar Independência ou morte,

aparece com o balão e a frase: Eu quero mocotó, verso de uma música do cantor Jorge

BenJor. A charge foi considerada um deboche ao espírito nacionalista, do “Brasil, ame-

o ou deixe-o”, tão enfatizado pelos militares. Por causa da charge, Luiz Carlos Maciel,

Paulo Francis, Ziraldo, Sérgio Cabral e Paulo Garcez foram parar prisão, além claro, do

próprio autor da charge. O episódio de O Pasquim expõe uma das principais

características da charge, a crítica social e política expressa com humor.

Figura C

O Pasquim nº 72 de 4 a 10 de novembro de 1970, pg 14.

Antes de prosseguir a análise, deve ser lembrado que a existência desta charge

envolve um fato muito curioso. A primeira censora que frequentou á redação do

Pasquim, chamada pela equipe de apenas Dona Marina, acabou amiga de bebedeira dos

jornalistas e foi demitida por deixar passar esta fotomontagem de Jaguar, que na visão

dos militares foi um deboche a um quadro tão famoso da História do Brasil, tratando-se

do Grito da Independência ou Grito do Ipiranga, que ocorreu em 1822.

Dona Marina, responsável por liberar as páginas do Pasquim, foi destituída do

cargo logo após o jornal chegar às bancas. Para os que faziam o Pasquim, foi tomada

uma decisão radical para silenciar o jornal: em poucos dias, uma vez que, onze

jornalistas do semanário foram presos sem um período determinado. Várias

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transformações aconteceram a partir dessa imagem que, na percepção de Jaguar, foi

uma brincadeira, apesar da evidente provocação ao reproduzir e caçoar da pintura que

tem um caráter patriótico.

Voltando à questão da análise, é possível analisar, na imagem de Jaguar, que ele

manteve os mesmos traços criados pelo pintor Pedro Américo. A charge usa bastante de

traços grossos e com sombra ao ilustrar a cavalaria de Dom Pedro I, dividida entre

cavalos de pelagem clara e escura. O balão inserido na imagem, que foi a peça chave,

que honrou o tradicional humor pasquiniano, no qual Jaguar inseriu uma frase de fala

em Dom Pedro I: Eu quero mocotó!! A canção que leva o nome de Também quero

mocotó, estava em alta na época, fazendo grande sucesso e deslanchando a carreira do

cantor Jorge BenJor. A letra da música, porém foi produzida pelo maestro e compositor

Erlon Chaves. A mensagem foi inserida no balão justamente para quebrar protocolos,

ou seja, zombar do patriotismo exagerado que os anos 70 apresentavam.

A palavra mocotó deriva de uma gíria do final do ano de 1969. Devido à moda,

as pernas femininas ganharam destaque e as saias das mulheres começaram a ficar mais

curtas, bem acima dos joelhos. Enquanto a minissaia fazia sucesso, o joelho feminino

ganhava um apelido: mocotó. Ou seja, mais uma vez encontramos o duplo sentido nos

balões das charges de O Pasquim. No caso da charge C, um único balão de fala foi

suficiente para produzir o efeito que os jornalistas buscavam ao ironizar o nacionalismo

exacerbado da época, fazendo um deboche com o famoso Dom Pedro I.

Os efeitos de sentido que uma charge como esta pode surtir, vão de uma simples

brincadeira à uma poderosa crítica, como foi o caso, no qual a charge de Jaguar rendeu à

prisão dos jornalistas e cartunistas do tabloide por dois meses.

Na charge, os detalhes são eliminados e as pessoas são identificadas apenas por

sua estética óbvia, ou seja, ao vê-la, sabemos quem é o ser humano, quem é o cavalo e

assim por diante. O traço escuro se manifesta na charge, aumentando a dinâmica da

imagem, ou seja, a sua veracidade, deixando-a mais marcada e destacada. O tom

carregado dos elementos os coloca num plano mais próximo do leitor. A imagem

também possui movimento. Ao pôr os olhos na charge, podemos perceber que ela

descreve uma cena e realmente a imaginamos em movimento, os cavaleiros e suas

espadas, os cavalos se movimentando, ou seja, a revolução realmente acontecendo.

O espaço da composição é fechado pelos contornos da própria charge, ou seja,

realmente facilita o entendimento do leitor, o aproximando da cena. A cena, constituída

principalmente de um primeiro plano, faz com que o leitor tenha a impressão que a

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imagem está acontecendo logo ali, depois de sua janela, ou seja, a imagem está na altura

dos olhos do leitor.

Ziraldo (1970), um dos integrantes da equipe do semanário e que também foi

preso por causa desta charge, defende que o humor é coisa séria e tem importantes

funções, ou seja, o autor diz que essas funções são desempenhadas pelo humor graças

ao seu “jeito matreiro de quem não quer nada”.

No período da Ditadura Militar especialmente, como estudamos nesta

monografia, o humor ganha mais um sentido: a dissimulação, ou seja, ele era uma forma

de trazer informações à grande massa, driblando a censura imposta nas entrelinhas das

charges, como no caso do Pasquim.

Sobre a charge C, vale ressaltar que de acordo com diversas reportagens já

publicadas até os dias de hoje em jornais e revistas, a cena pintada por Pedro Américo

não foi uma cópia exata do acontecido, e o desenho do autor partiu de sua imaginação e

a partir dela, Jaguar deu um novo traço, com as cores preto e branco.

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Charge D – UM JORNAL SEM JORNALISTAS

Dando continuidade à análise, chegamos na charge D, que nos apresenta uma

imagem de capa, do próprio periódico. Com a censura intensificada e a equipe do

Pasquim na prisão, foi preciso remodelar a produção gráfica do jornal, porém o fato não

podia ser noticiado e a equipe que escapou da prisão, teve que entrar na linha dos

cartunistas ausentes e continuar com o jornal de pé nesse período.

A capa a ser analisada é da semana de 11 a 17 de novembro de 1970 e estampa a

tradicional fábula do lobo e do cordeiro, de Esopo, com adaptação de Monteiro Lobato,

no qual o lobo diz: Enfim um Pasquim inteiramente automático sem o Ziraldo, sem o

Jaguar, sem o Tarso, sem o Francis, sem o Millôr, sem Flávio, sem o Sérgio, sem o

Fortuna, sem o Garcez, sem a redação, sem a contabilidade, sem a gerência e sem

caixa. Millôr Fernandes foi citado entre os que foram presos apenas para disfarçar, pois

na verdade, ele foi um dos poucos que não foram para a prisão. Veja imagem abaixo.

Figura D

Nota: Nesta capa, existe um erro no cabeçalho, que está impresso como sendo de 11 a 17 de

novembro de 1969, mas, na verdade, a edição 73 foi publicada em 1970. (O Pasquim – Antologia –

Vol. I 2006).

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O tom humorístico do texto contrasta com a representação da censura no

semanário representada na imagem principal da capa e na frase-editorial. Na frase

editorial, a explicação sobre a situação da redação: O Pasquim – o jornal com algo a

menos.

O jornal, sem poder noticiar a prisão da equipe, produziu uma edição importante

após a prisão, e como disse no próprio balão do lobo: inteiramente automática. A capa

apresenta uma espécie de conotação, ou seja, a imagem ilustra algo além do seu

significado literal, que esconde o fato da prisão de equipe em suas entrelinhas. Um lobo

com a boca aberta, salivando, representaria a repressão através dos militares, já o

cordeiro, representaria a equipe do Pasquim, acuados e sem saída diante da situação em

que se encontravam. Essa seria a primeira mensagem enviada aos leitores sobre a prisão

dos jornalistas e cartunistas. A mensagem é dada então, através do balão de fala que sai

da boca do lobo. A imagem segue traços semelhantes aos do impressionismo, que

buscava em suas pinturas, dar ênfase à luz e ao movimento, utilizando pinceladas e

normalmente as telas eram pintadas ao ar livre para que o pintor pudesse capturar

melhor as variações de cores da natureza. Nesse caso, como a impressão gráfica do

tablóide era com as cores preto e branco, essas variações de cores não são exaltadas.

Millôr foi o responsável pela produção deste número, e a capa traz a imagem de

um desenho antigo, já produzido antes, retirado dos materiais do arquivo do tabloide.

Aliás, entre os números 74 até o 80, Martha Alencar, Miguel Paiva, Millôr e Henfil

foram os responsáveis pela produção do jornal.

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Charge E – A SAÍDA !! ONDE FICA A SAÍDA?

Uma semana depois da edição marcante do lobo e do cordeiro, o Pasquim,

produz mais uma edição, agora com algo a mais. A edição da semana de 18 a 24 de

novembro chega com novidades.

Com os jornalistas e cartunistas presos, a produção editorial do Pasquim ganha

uma nova cara. Não mais sozinho, o tablóide ganha força através do Rush da

solidariedade. O movimento se deu devido à ajuda que o semanário recebeu durante o

período da prisão da patota.

Figura E

O Pasquim nº 74 de 18 a 24 de novembro de 1970

Segundo a charge E, a edição mostra na capa, inúmeros intelectuais, atores,

escritores, jornalistas, cineastas e compositores que colaboraram na produção do jornal

através do desenho de um labirinto com o ratinho Sig no meio da página, visivelmente

perdido e graficamente gritando: A saída!! Onde fica a saída?

Notamos a diferença no traço mais fino do desenho do ratinho. Nos

documentários: Henfil – Profissão Cartunista e O Pasquim – A subversão do humor, é

explicado com clareza, o esquema de produção feito a partir da prisão dos principais

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redatores do jornal. Henfil era o responsável por imitar o traço de Jaguar, criador do

ratinho Sig, enquanto Miguel Paiva imitava as ilustrações de Ziraldo. Desse modo, a

situação da redação do Pasquim estava clara na capa em dois elementos: na frase-

editorial, O PASQUIM – Apesar dos pesares, evidenciando a persistência e a esperança

do jornal diante da situação da prisão de sua equipe, e no balãozinho solto no final da

página, aparentemente sem autor, que demonstra a perda dos redatores e o ganho de

uma equipe de colaboradores: Ainda com algo menos, mas agora com muito mais.

Cabe ressaltar que após o episódio da prisão, ficou claro para os jornalistas do

Pasquim que não era mais possível “brincar” com a Ditadura sem sofrer alguma

represália. Contudo, nem por isso o jornal perdeu seu tom humorístico ou criativo. Pelo

contrário, a imaginação dos colaboradores passou a ser solicitada de forma intensa para

driblar a censura, com os mesmos propósitos: implicitar, subtender e colocar nas

entrelinhas o que queria ser dito. Havia uma grande cumplicidade nesse processo

criativo dos colaboradores, que ao criar seu material, fixavam uma espécie de código

com os leitores, que precisavam entender a mensagem. Dessa maneira, podemos

perceber que as imagens no Pasquim acabavam por melhor despistar a censura e a

crítica, e é através dessa linguagem através de metáforas que se evitava o confronto

direto, porém, não menos eficiente, ou até mais eficaz que a crítica nua e crua, através

de palavras, textos.

Retomando a charge em referência, percebemos que ela cita diversos nomes.

Essa capa ilustra o Rush de solidariedade citado anteriormente através de colaboradores

como o cronista Rubem Braga, o jornalista e dramaturgo Antônio Callado, o cantor e

compositor Chico Buarque, o cineasta Glauber Rocha, a atriz Odete Lara, cantor

Roberto Carlos, entre tantos outros. Também podemos perceber na charge, que o traço

do ratinho Sig, imitado por Henfil é visivelmente diferente do ratinho desenhado pelo

seu criador, Jaguar.

Figura 6 Figura 7

Ratinho Sig por Henfil Ratinho Sig por Jaguar

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Voltando à análise da charge E, observa-se que o balão na cabeça do mascote,

representa que ele está perdido diante de tantos colaboradores, ou seja, o Pasquim foi

surpreendido por uma grande procura de pessoas interessadas em ajudar, colaborar,

tanto moralmente quanto editorialmente na produção do semanário no momento de

ausência de grande parte da sua equipe. O Pasquim se referiu ao episódio da prisão

como um “surte de gripe” que numa “reação em cadeia assolou a equipe do jornal”.

(BRAGA, 1991, p. 37).

É visível que a capa conseguiu dizer em sua mensagem que o jornal estava

passando por um momento especial, e que os nomes de tantos colaboradores estavam ali

por algum motivo especial também. Os leitores já tinham compreendido, desde a edição

72, que o semanário estava passando por dificuldades, e a sequência das imagens desta

análise nos apresenta os acontecimentos mais marcantes da trajetória do tablóide. No

meio de dezembro de 1970, apesar das colaborações dos intelectuais, jornalistas,

cantores e demais influências da cultura do país, o jornal pára de funcionar durante duas

semanas, voltando em 30 de dezembro, com o número 78 com a frase editorial: estamos

aqui, ó!

Dando continuidade ao contexto da imagem, ao perceber que a censura estava

alimentando O Pasquim, o Regime decide liberar e equipe de redatores da prisão.

Em janeiro de 1971, parte da equipe do jornal sai da prisão, mas a fantasia do

milagre começa a se desfazer, já que os índices de inflação aumentaram e o próprio

jornal ficou cheio de dívidas e conflitos entre seus integrantes. A próxima charge a ser

analisada aponta exatamente essa turbulência na vida dos pasquinianos.

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Charge F – E AGORA?

Quase toda a equipe foi solta, exceto Tarso de Castro. A edição 79 diz que os

nove do Pasquim agora são um. Tarso ainda permanece na prisão. O número 80 traz na

capa, a foto da equipe, todos com óculos escuros e na manchete dizia: Estes são os

verdadeiros homens sem visão. A frase queria transpor a ingenuidade da equipe ao

contrapor o governo com a charge da edição do número 72. Já o número 81, como

vemos na imagem abaixo, finalmente é o primeiro número com toda a equipe solta,

inclusive Tarso. A charge conclui o episódio da prisão da patota.

Figura F

O Pasquim, edição 81, Rio de Janeiro, 21 de janeiro de 1971

O período mais conturbado da trajetória do jornal chega ao fim. “A inocência se

perdera, a euforia do sucesso econômico também”. (BRAGA, 1991, p. 38).

De acordo com a charge F, o alvo centralizado na capa da charge em questão

está cheio de tiros e com o ratinho Sig ao centro, que anuncia: Tarso à solta. A edição

mostra o clima de perseguição na linguagem visual (o alvo) e textual (“à solta”). A

edição referida já foi produzida pela equipe que retomou à redação após dois meses de

prisão. Jaguar volta a desenhar o ratinho Sig, sempre companheiro das ilustrações do

semanário. O ratinho ao centro marca a volta de Jaguar, o criador e desenhista oficial do

mascote. O alvo representaria a equipe que retornou à redação e possivelmente seria

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alvo principal do governo, que foi representado pelos tiros na imagem. Após episódio

da prisão, o Regime ficaria alerta e de olho na patota. Quanto a frase Tarso à solta, o

Pasquim anuncia que o último integrante da equipe saiu da prisão, porém, atrás dessa

mensagem há um desentendimento da equipe com Tarso de Castro.

Baseado em jornais e livros sobre o tabloide, como a Antologia do Pasquim, vol.

I, II e III, Tarso de Castro, ao sair da prisão e voltar ao jornal, percebeu que o mesmo

sofria com as dívidas e os problemas de atraso nas produções, assim como o fechamento

do jornal ocorrido durante duas semanas no mês de dezembro de 1970. A vendagem do

Pasquim, durante o período da prisão passou de 160 mil exemplares para apenas 60 mil.

Os anunciantes se retraíram, e muitos deixaram de anunciar sua marca no tabloide e a

economia está largamente nas mãos do governo nesse período. Com esses fatores, Tarso

decide abandonar os companheiros e deixa o jornal definitivamente. Ziraldo diz

(Folhetim, 1979): O Tarso é um homem de festa. Na hora que o negócio fica preto ele

pula fora. Foi o que aconteceu. Ele viu que tinha que enfrentar uma pedreira de dois

anos de trabalho e sem festa... se picou”. (BRAGA, 1991, p. 39).

Após a saída da prisão e a briga com Tarso de Castro, o semanário teve que

enfrentar suas dívidas, assim como a bagunça em que a redação do jornal se encontrava

após os longos dois meses atrás das grades. Além disso, a equipe se encontrava em uma

incerteza, sem saber o que fazer a partir desse episódio.

Com a saída de Tarso, a direção do Pasquim ficou com Sérgio Cabral, que

permaneceu no cargo até o fim do ano de 1971. No início de 1972, Jaguar assume as

rédeas do semanário, após Sérgio Cabral abandonar o grupo e ir trabalhar na editora

Abril, em São Paulo. Ziraldo e Henfil ganham os cargos de vice presidentes da empresa.

No decorrer dos próximos anos, outras mudanças ocorrem entre os cargos e os

companheiros trocam de comandos frequentemente.

Porém, apesar de todo o episódio da prisão e a queda das vendas, o Pasquim

mantinha uma relação muito forte com seu público. O número 100, que trouxe uma

entrevista com a atriz Dercy Gonçalves, atingiu 100 mil exemplares vendidos.

Quanto ao conteúdo do tabloide durante esses períodos de turbulência emocional

e econômica, com a prisão e a certeza de que não se deveria mais brincar com o

governo, o jornal não deixou de transpor sua essência e nem de inundar os leitores com

sua criatividade. Pelo contrário, a imaginação dos colaboradores no período da prisão,

por exemplo, que de forma intensa, tentaram driblar a censura, sugerir, implicitar,

subentender. A trajetória do Pasquim durante os anos 70 praticamente foi toda assim,

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criando com inteligência suas mensagens, para que chegassem aos leitores com o

código intencional.

A recuperação econômica do semanário se faz em cerca de dois anos. Na forma

gráfica o jornal não sofre grandes modificações. Algumas adaptações na diagramação

são necessárias e frases manuscritas entre as colunas e nas margens, comentam os textos

impressos. A edição de número 104, em comemoração ao segundo aniversário do

tabloide, promete: Este jornal vai virar o Brasil de pernas pro ar. Millôr Fernandes

também passou pela gerência nesse período de transformações. Em setembro de 1972

ele consegue deixar a situação administrativa e econômica do tabloide, estável. Porém,

apesar de todas as modificações e problemas enfrentados pelo semanário, os leitores

cariocas nunca abandonaram o semanário e as charges e entrevistas sempre

conquistaram o público leitor. Braga (1991:44) diz que “todos os esforços empresariais

e promocionais não levantariam o jornal se ele não fosse sentido como criativo pelo seu

público”.

No fim de 1973, Henfil deixa o semanário para tentar a profissão nos Estados

Unidos, porém, continua ajudando o jornal com colaborações á distância. No início de

1974, o Pasquim já estava recuperado por inteiro, de todas as crises que sofreu e

reconstruiu sua linha editorial de forma coerente e fiel. A estabilização do jornal pôde

lhes proporcionar uma sede própria, que se tornou oficialmente a redação do Pasquim,

localizada na rua Saint Roman, 142, em Copacabana, no Rio. Nota: Para saber mais

sobre a continuidade do trabalho do semanário O Pasquim², é necessário uma ampliação

de sua trajetória.

____________________

² – Para se compreender a fase que envolve O Pasquim a partir dos anos que sucederam estes

acontecimentos tradados nesta monografia, indicamos a consulta de livros como O Pasquim – Antologia –

Vol I, II e III, livros organizado por Jaguar e Sérgio Augusto e publicados pela Editora Desiderata. Além

dessas obras, leia sobre a trajetória do semanário no livro de José Luiz Braga O Pasquim e os anos 70 –

mais pra epa que pra oba, publicado pela Editora UNB, entre outras obras que esclarecerão sobre o

tabloide mais revolucionário do jornalismo brasileiro.

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6. CONCLUSÃO

Durante a realização desta monografia, traçamos caminhos, nos valendo de

diversos conceitos junto aos quais procuramos responder o nosso problema de pesquisa

e objetivos desta monografia. Chegando no capítulo da conclusão e nele veremos em

que medida os objetivos foram alcançados segundo a contribuição de cada capítulo para

a elucidação do problema de pesquisa.

Para isso, relembramos o nosso problema de pesquisa, que nos fazia a seguinte

pergunta: Como o jornal O Pasquim, conseguiu, através de suas charges humorísticas,

driblar a censura imposta pelo Regime Militar? Para isso, procuramos conceitos sobre a

charge enquanto linguagem de comunicação, encontrando diversos autores que

trabalharam sobre esse assunto em livros ou teses. Dentre os conceitos trabalhados

nesse contexto da charge como linguagem, discorremos também sobre humor, humor

como crítica, humor face à censura, charge, caricatura, entre outros segmentos. Para isso

buscamos embasamento em obras de vários especialistas.

Em nossa análise, as charges foram escolhidas estrategicamente em função do

contexto do nosso problema de pesquisa e também de acordo com a importância delas

no contexto das estratégias desenvolvidas pelo Pasquim no seu enfrentamento com a

censura, no dia a dia do período autoritário. Desse modo, as escolhemos devido sua

importância na história vivida pelo tablóide, um dos mais importantes jornais do Brasil.

Acreditamos ao escolher a charge para análise, que a contribuição que a mesma

pode gerar é curiosamente diferente dos demais gêneros jornalísticos. Através de sua

linguagem, a charge nos apresentou diversos modos de discurso e significado, segundo

modos de dizer que estavam associados a um contexto do qual se reportavam de modo

alusivo, indireto ou sob reticências... Desse modo, analisamos as seis imagens propostas

desde o início do trabalho e em prática, no capítulo da análise.

Através do diálogo dos conceitos com as charges analisadas, conseguimos

compreender melhor os sentidos que as imagens se propunham a gerar. Ou seja, nem

sempre apresentam um único sentido, podendo indicar dois ou mais sentidos em suas

entrelinhas, como percebemos na análise em questão. Desse modo, constatamos que o

jornal O Pasquim, conseguiu, através dessas modalidades de discurso – gráfico e visual

– via a utilização de charges, driblar a censura através de mecanismos humorísticos e

estratégicos. Nas seis charges apresentadas, a equipe do tabloide usa o humor como

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principal sacada e desse modo, disfarça a situação em que o país vivia, mantendo uma

espécie de código com o seu leitor que recebe a mensagem e a entende.

Particularmente, acreditamos que o papel do humor na realização de um discurso

político para enfrentar regimes marcados pela censura, é um grande artifício, pois

através do humor, é possível brincar com tamanha arma, que é a censura, e discorrer

sobre assuntos polêmicos com leveza e graça. A peça chave do Pasquim foi com certeza

o humor utilizado em suas charges, principalmente no período analisado nesta

monografia (1969 – 1971), momento de intensa repressão e também o momento que o

tabloide se mostra mais forte e engajado, apoiado sempre em sua vertente: o humor.

Em relação às charges analisadas, cada uma delas possui características

peculiares de seus autores respectivos, assim como o traço e o modo de dizer. Elas se

interligam com os acontecimentos relacionados com o tablóide no período de um ano e

o humor apresentado nas mesmas gera uma relação direta com a situação da época do

semanário. Portanto, com esse humor peculiar podemos perceber e conhecer mais sobre

o imaginário de cada cartunista e o que eles queriam dizer nas mensagens dos balões de

fala, no traço, no modo de desenhar, na ênfase da mensagem, entre outras

peculiaridades.

Trabalhar com humor, com certeza nos trouxe um maior desejo e curiosidade de

investigar, procurar saber por que ele teve esse caráter tão importante para o Pasquim, e

como a equipe desse jornal, soube usar com maestria esse recurso em seus materiais. E

a partir desse contexto e dos resultados que pudemos adquirir nesta monografia, entendo

de uma forma mais clara o poder que uma imagem tem diante dos olhos do público e

principalmente do público alvo, como aconteceu nos anos do Regime Militar. O

Pasquim, com inteligência, soube atingir esse público alvo, que permaneceu fiel ao

semanário durante o período de repressão, assim como no período da prisão dos

jornalistas.

Rir, nesse período, se tornou algo raro diante de ações de um governo,

caracterizada por tantas prisões, mortes, desaparecimentos e demais acontecimentos

desse momento político em que o Brasil vivia. Portanto, rir, seja através de notícias,

reportagens e textos, ficou mais difícil e o Pasquim conseguiu, através das charges,

construir um humor sutil e eficaz, capaz de conquistas leitores fiéis que depositaram no

semanário toda a esperança de uma mudança no modo de vida nessa época, através do

riso que o mesmo proporcionava.

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Desse modo, achamos que mesmo não vivendo esse período, soubemos nos

interessar pelos fatos que envolveram a política do nosso país, e assim, compreender

diversos acontecimentos que envolveram o jornalismo e que traçaram o longo caminho

de luta de sua história e o fizeram chegar aonde chegou. Contribuição esta, que se deu

através da pesquisa feita para o exercício desta monografia, assim como os capítulos

que escrevemos, que nos ajudaram a clarear as ideias sobre como o humor conseguiu na

época, agir com uma eficácia surpreendente. Além disso, esse estudo trouxe um

entendimento muito mais firme, fazendo uma divisa do que pensávamos entender sobre

o assunto e o que realmente aconteceu naquela época, trazendo um maior

esclarecimento sobre esse período.

No caso da nossa pesquisa, o jornal O Pasquim foi o melhor jornal a apresentar

esse humor com tanta leveza aos leitores, em um momento tão difícil da política

brasileira e que desde o primeiro número, já conquistou inúmeros fãs que não ficaram

restritos apenas aos moradores de Ipanema.

Com certeza, a partir desta monografia, pudemos entender melhor sobre a

recente história do jornalismo no país e compreender que ele também viveu anos de

chumbo, junto com o Brasil. A liberdade de expressão, peça fundamental para o real

exercício dessa profissão, foi abolida durante a Ditadura Militar e, mesmo assim, foram

buscadas maneiras de não se calar e a prova disso foi o nascimento do jornalismo

alternativo, que aprendemos a admirar e que significavelmente contribuiu em nossa

formação, tanto profissional quanto intelectual.

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http://www.youtube.com/O Pasquim_ a Revolução pelo Cartum 4_4

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ANEXOS

IMAGENS DO CAPÍTULO 5.3.2 AMPLIADAS

IMAGEM A

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IMAGEM B

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IMAGEM C

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IMAGEM D

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IMAGEM E

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IMAGEM F