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Lidiana da Silva Betega
TRABALHO FINAL DE GRADUAÇÃO
O Pasquim nos anos de chumbo (1969 – 1971): A CHARGE COMO
CRÍTICA AO REGIME MILITAR
Santa Maria, RS
2012
1
Lidiana da Silva Betega
O PASQUIM NOS ANOS DE CHUMBO (1969 – 1971):
A CHARGE COMO CRÍTICA AO REGIME MILITAR
Trabalho final de graduação apresentado ao Curso de Comunicação Social – Jornalismo
– Área de Ciências Sociais, do Centro Universitário Franciscano, como requisito parcial
para obtenção do grau de Jornalista – Bacharel em Jornalismo.
Orientador: Prof. Dr. Antonio Fausto Neto.
Santa Maria, RS
2012
2
Lidiana da Silva Betega
O Pasquim nos anos de CHUMBO (1969 – 1971): A CHARGE COMO
CRÍTICA AO REGIME MILITAR
Trabalho final de graduação apresentado ao Curso de Comunicação Social – Jornalismo
– Área de Ciências Sociais, do Centro Universitário Franciscano, como requisito parcial
para obtenção do grau de Jornalista – Bacharel em Jornalismo.
Orientador: Prof. Dr. Antonio Fausto Neto.
_________________________________________________
Prof. Dr. Antônio Fausto Neto – Orientador (Unisinos)
________________________________________________
Prof. Carlos Alberto Badke (Unifra)
________________________________________________
Profª. Paula Bolzan Jardim (Unifra)
Aprovado em ____ de ________________de 2012
3
AGRADECIMENTOS
Acredito que tudo na vida tenha um sentido, e que as coisas não acontecem por
acaso. Durante a minha infância e adolescência, pude acompanhar a rotina de meu avô,
Hélio. Ele era um grande pesquisador da língua portuguesa e passava o dia dentro do
seu escritório, em casa, rodeado de livros, coleção de canetas, máquina de escrever e
papel, muito papel. Quando eu entrava nesse mundo dele, sentia uma grande vontade de
ficar, ler as suas anotações, livros, revistas, enfim, folhear tudo. Meu avô viveu a
Ditadura Militar e pesquisou muito sobre esse período, acumulando diversas anotações
sobre o assunto. Sem possuir computador e internet, ele tinha o livro como seu melhor
companheiro. Eu aprendi a apreciar essa adoração dele, tanto pelos livros, como pelos
assuntos e costumes. Já falecido, deixou saudades e dele, eu herdei à coleção de canetas,
os livros, as anotações, a paixão pela escrita e o gosto pelo passado. Por isso, agradeço a
ele, que mesmo sem saber, me despertou um grande dom e me fez cursar Jornalismo e
me ajudou na escolha do tema desta monografia.
Agradeço a minha família, principalmente ao meu pai, Dagoberto, minha mãe
Vera e minha avó Noemi, pela força e pelo apoio. Obrigada por entenderem minhas
angústias, reclamações e falta de tempo.
Também dedico este trabalho às minhas amigas e colegas Thays, Fernanda,
Dandara e Luana, que compartilharam desse mesmo sentimento de nervosismo e
dedicação que o TFG exigiu, mas mesmo assim, dedicaram a mim, alguns momentos
dos seus dias com palavras de amizade e companheirismo.
Por último, o meus sinceros agradecimentos ao orientador Antônio Fausto Neto
que teve paciência e que se dedicou a esta monografia, compartilhando comigo a sua
inteligência e experiência. Agradeço pelas palavras de compreensão, pelas críticas e
“puxões de orelha”, e pelo tempo que dedicou ao nosso trabalho. Com toda a certeza,
lembrarei sempre de seus conselhos e ensinamentos. Muito obrigada!
4
Apesar de você
Amanhã há de ser outro dia
Eu pergunto a você onde vai se esconder
Da enorme euforia?
Como vai proibir
Quando o galo insistir em cantar?
Água nova brotando
E a gente se amando sem parar
Apesar de você (Chico Buarque)
5
RESUMO
O objeto desta pesquisa é o jornal O Pasquim e seu objetivo é refletir sobre como
tabloide conseguiu através da linguagem das charges, desenvolver críticas ao Regime
Militar. Um estudo sobre o funcionamento da imprensa e particularmente da imprensa
alternativa durante esse período nos parece importante para a compreensão de pelo
menos dois aspectos. De um lado, os mecanismos instituídos pelo ciclo ditatorial, cujo
os principais instrumentos foram os atos institucionais. De outro lado as estratégias
realizadas pelo jornalismo como àquelas feitas em O Pasquim, que procuravam produzir
um discurso crítico sobre o Regime pela via do humor segundo o trabalho dos
chargistas. Vários autores nos auxiliam para o desenvolvimento desta pesquisa e para o
trabalho de análise da linguagem sobre as charges e do humor nos demos da análise
interpretativa dos textos jornalísticos visando descrever e compreender os sentidos
enunciados pelas charges.
O trabalho de análise se fará a partir de seis edições do jornal O Pasquim,
compreendidas entre os anos 1969 a 1971, período em que o Pasquim constrói suas
estratégias de driblagem da censura.
Palavras-chave: jornalismo, censura, Pasquim
ABSTRACT
The object of this research is the newspaper The Pasquim and its purpose is to reflect on
how tabloid got through the language of cartoons, develop criticisms of the military
regime. A study on the functioning of the press and particularly the alternative press
during this period seems to be important for the understanding of at least two respects.
On one hand, the mechanisms imposed by dictatorial cycle, whose main instruments
were the institutional acts. On the other hand the strategies undertaken by journalism as
those made in The Pasquim, which sought to produce a critical discourse about the
scheme via the mood according to the work of cartoonists. Several authors help us to
develop this research and analysis work on the language of cartoons and humor gave us
the interpretative analysis of journalistic texts in order to describe and understand the
directions set by the cartoons. The analysis work will be done from six editions of the
newspaper The Pasquim, between the years 1969 to 1971, during which The Pasquim
builds its strategies to dribble censorship.
Keywords: journalism, censorship, Pasquim
6
LISTA DE SIGLAS
ABI Associação Brasileira de Imprensa
AI-5 Ato Institucional nº5
ARENA Aliança Renovadora Nacional
CIMI Conselho Indigenista Missionário
DFSP Departamento Federal de Segurança Pública
DIP Departamento de Imprensa e Propaganda
DOI-CODI Destacamento de Operações e Informações e Centro de Operações de
Defesa Interna
DOPS Delegacia de Ordem Política e Social
MDB Movimento Democrático Brasileiro
SCDP Serviço de Censura e Diversões Públicas
TFG Trabalho Final de Graduação
TCDPs Turmas de Censura de Diversões Públicas
TV Televisão
UDN União Democrática Nacional
UNIFRA Centro Universitário Franciscano
7
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Quadro de datas importantes da história institucional e legal da censura......33
Figura 2 - Quadro dos segmentos culturais inspecionados e censurados.......................34
Figura 3 - Gráfico dos jornais alternativos por tempo de duração................................. 46
Figura 4 - Primeiro exemplar de O Pasquim, veiculado em 26/06/1969......................60
Figura 5 - Mascote do Pasquim – Ratinho Sig...............................................................88
Figura 6 - Ratinho Sig por Henfil..................................................................................110
Figura 7 – Ratinho Sig por Jaguar................................................................................110
Figura A - A autocensura de Millôr................................................................................97
Figura B - Parodiando Drummond................................................................................100
Figura C - Plágio à Independência................................................................................104
Figura D - Um jornal sem jornalistas............................................................................107
Figura E - A saída !! Onde fica a saída?........................................................................109
Figura F – E agora?.......................................................................................................112
8
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO.........................................................................................9
2. VESTÍGIOS DE UM PASSADO NEM TÃO DISTANTE.................13
2.1. O Golpe Militar e as liberdades de expressão.........................................19
2.2. Os fundamentos da censura......................................................................27
3. EMERGÊNCIA DA IMPRENSA ALTERNATIVA............................36
3.1 Causas do surgimento dos jornais alternativos.......................................40
3.2 Perfil dos jornais alternativos nos anos de chumbo................................43
4. CHEGADA DO PASQUIM......................................................................49
4.1 Como nasceu o Pasquim..........................................................................55
4.2 História do Pasquim face à política.........................................................62
5. A PATOTA ENFRENTA A CENSURA.................................................66
5.1 Humor como linguagem de comunicação...............................................73
5.2 A resistência através do humor................................................................81
5.3 Humor no Pasquim: resistindo a censura................................................84
5.3.1 Uma breve descrição contextual das charges..............................90
5.3.2 A grande sacada............................................................................95
6. CONCLUSÃO..........................................................................................115
BIBLIOGRAFIA..........................................................................................118
ANEXOS.......................................................................................................126
9
1. INTRODUÇÃO
Este trabalho pretende analisar a utilização das charges humorísticas no jornal O
Pasquim, visando compreender as estratégias envolvidas pelo jornal para resistir as
formas de censura impostas aos jornais durante o período de vigência do ato
institucional no contexto da Ditadura Militar. Visa também construir modos de
aproximação com o leitor, usadas pelos cartunistas e jornalistas que faziam parte da
equipe do semanário no período do Regime Militar do Brasil (1964 – 1985).
O tema foi escolhido a partir da paixão pelo jornalismo, em primeiro lugar, e
logo, a paixão pelo jornalismo alternativo, que nasceu dos frutos de uma geração
insatisfeita com o governo, um jornalismo que por si só, se tornou subversivo, baseado
em lutas, movimentos e protestos, almejando sempre a democracia no país e uma
revolução no modo de informar.
Esta pesquisa é importante para que possamos entender, identificar e
compreender como o jornalismo alternativo do Brasil e como uso das charges no jornal
O Pasquim transformou o jornalismo.
Um estudo sobre o período em que a Ditadura Militar se instaurou no país é
fundamental para entendermos como foi a atuação ditatorial do governo que marcou
uma época, e como o jornal, um dos mais importantes meios de comunicação e de maior
expressão da imprensa atuou nesse período. Portanto, considera-se que este estudo
poderá contribuir com o resgate histórico do jornalismo e colaborar para o entendimento
de fatos do passado, complementando os registros já existentes sobre o assunto.
O objetivo geral da presente pesquisa é analisar as charges enquanto linguagem
em O Pasquim. Como elas driblaram a barreira da censura no país, produzindo leituras,
conquistando uma legião de leitores e marcando a geração do jornalismo dos anos de
chumbo.
Entre os objetivos específicos, pretendemos realizar um estudo que pretende
contemplar o jornalismo alternativo no período da Ditadura Militar do Brasil (1964 –
1985), bem como, estudar o histórico do jornal O Pasquim, um dos principais e mais
influente jornal alternativo do país e usar leitura interpretativa dos textos jornalísticos
10
(charges) enquanto linguagem no período de 1969 até 1971, anos de intensa repressão
política e censura.
Para desenvolver esta monografia, estruturamos a sua realização através de um
sumário, cujos capítulos estão assim organizados: Na introdução apresentamos os
objetivos, justificativa e a estrutura do trabalho. No segundo capítulo descrevemos a
situação política do país, contemporânea á ditadura, bem como, analisamos os fatores
que contribuíram para que esse período prosseguisse durante tantos anos. No capítulo 3,
abordamos o surgimento dos jornais alternativos no país, que nasceram na efervescência
de um período conturbado do Regime Militar, assim como, quais foram as causas dessa
emergência e o perfil desses tablóides. Ou seja, quais foram os fatores que contribuíram
para a sua ascensão, seus propósitos e quais foram às contribuições que essa imprensa
trouxe para a história do jornalismo e do país. No capítulo 4, o aparecimento do
Pasquim, jornal alternativo que nasceu nessa época, adquiriu uma identidade que se
tornou tão marcante e como o semanário enfrentou a situação política atual do país.
Enfatizamos dentre outros aspectos, a identidade do semanário, bem como a história do
Pasquim face à política.
No capítulo 5, elege-se a questão da censura, apresentando uma relação entre ela
e o semanário O Pasquim que, através do humor, denunciou um período de severa
repressão produzida pela Ditadura Militar. Para isso, precisamos contextualizar o humor
enquanto linguagem de comunicação e esse capítulo nos dará um melhor embasamento
sobre a proposta, uma vez que o humor é a estratégia usada pelo semanário para
enfrentar os anos de chumbo. Ainda nesse capítulo, faremos a análise de seis imagens
que foram publicadas entre os anos de 1970 e 1971. Além disso, de que forma suas
capas e charges ganharam impacto diante dos tantos olhos sedentos por liberdade de
expressão.
Chamamos atenção particularmente para o papel que a charge tem para discorrer
sobre a crise política através de recursos e expedientes cujo sentido nem sempre se
manifesta de forma latente.
O corte temporal da pesquisa concentra-se a nos anos de 1969 até 1971 quando
os meios de comunicação sofriam intensa repressão e O Pasquim é diretamente
atingido. A escolha do semanário dá-se por seu contexto histórico e a importância no
jornalismo do país, atuando diretamente com uma linguagem ímpar a favor da mudança,
marcando uma geração e consagrando-se em na história do jornalismo alternativo
durante o período da ditadura militar.
11
O momento político que retrata o corte temporal da pesquisa aborda a essência
dos anos 60 e 70, período referente a uma intensa repressão para as representações
culturais e jornalísticas. Retrataremos na pesquisa os fatos que o jornal O Pasquim
viveu e que o levou a tomar outros rumos como as leis, a censura, a política, a
economia, entre outros.
Através de suas charges, o jornal O Pasquim dizia, nas entrelinhas, o que queria
manifestar, o que muitos queriam dizer e calavam. Enfim, o Pasquim enfrentou a
censura com humor e leveza, conquistando uma legião de fãs na época e muitos que o
admiram até os dias de hoje, entre eles artistas, jornalistas e intelectuais.
No capítulo de análise, escolhemos charges que ilustraram o momento em que o
jornal vivia. As imagens esclarecem a situação em que o tabloide se encontrava. A
imagem A, de 12 a 18 de fevereiro de 1970, de Millôr Fernandes é uma charge feita
antes da prisão da equipe do Pasquim, que acontecem em 1º de novembro de 1970. A
imagem B, de 2 a 8 de julho de 1970 mostra uma charge de Jaguar, que contrasta a
campanha de Médici com a conquista do tricampeonato brasileiro ao ilustrar uma
família de favelados e os versos de Carlos Drummond de Andrade. Já na imagem C,
Jaguar cria uma fotomontagem que gerou a prisão de praticamente toda a equipe do
Pasquim. A imagem mostra a cavalaria de Dom Pedro I no Grito da Independência do
Brasil. Jaguar para caçoar, colocou um balão na imagem de Dom Pedro com a frase “Eu
quero é mocotó”, trecho de uma música de Jorge Ben Jor, bastante conhecida nos anos
70.
A imagem D, de 11 a 17 de novembro ilustra a ausência da equipe do jornal, em
um momento ímpar na trajetória do tablóide, no qual os jornalistas e cartunistas que
“sobraram”, entre eles Miguel Paiva, Henfil e Millôr Fernandes, tiveram que produzir o
Pasquim, continuar com seus editoriais, charges, entrevistas e o pior, sem poder noticiar
ao grande público que sua equipe havia sido presa. Na frase do editorial desta edição, a
explicação sobre a situação da redação: “O Pasquim – o jornal com algo menos”. O
Pasquim se refere à prisão como uma “gripe” que assolou a equipe do jornal.
Na imagem E, de 18 a 24 de novembro, na semana seguinte à capa anterior, a
equipe já conta com colaboradores. Jornalistas, artistas, intelectuais e demais pessoas do
meio público se solidarizaram com a equipe do Pasquim e resolveram colaborar na
produção de conteúdo do semanário. Por último, na imagem F, apresentamos a capa de
O Pasquim, da semana de 21 a 27 de janeiro de 1971 que simboliza a saída da equipe
12
prisão e o início de uma nova fase no semanário, agora sem o seu diretor, Tarso de
Castro.
13
2. VESTÍGIOS DE UM PASSADO NEM TÃO DISTANTE
O paradoxal é que tudo já foi escrito. As palavras se gastaram até a última
resistência. No entanto, tudo pode ser refeito, revisto, se sonhamos. As
palavras então, são meninas no quintal do vento. O texto, de tão antigo, se
tornou criança. Entre figueiras e metáforas. O leitor é que o acorda. E o
texto sabe reconhecê-lo. Como um terneiro sem dono.
Carlos Nejar
Estudar o passado é uma enorme responsabilidade, afinal, estamos pesquisando
sobre a história de um país, seus problemas, acontecimentos e marcos. O Brasil teve
grandes mudanças em sua política na década de 60 e isso afetou diretamente o
jornalismo, como veremos mais adiante.
Neste capítulo vamos englobar os aspectos políticos que anteciparam e estiveram
presentes na Ditadura Militar do Brasil (1964 – 1985), os presidentes da república que
passaram pelos anos de chumbo e os que sucederam esse período, já na democracia,
para assim, contextualizarmos por que a ditadura foi tão massacrante e chegou a atingir
os meios de comunicação.
Para entendermos então, esse momento histórico difícil, vivido pelo Brasil, é
necessário resgatarmos alguns acontecimentos da política brasileira, que teve início a
partir da renúncia de Jânio Quadros em 1961. Jânio da Silva Quadros foi o primeiro
presidente a tomar posse em Brasília, em janeiro de 1961. Sua renúncia em agosto do
mesmo ano foi considerada uma traição pelos eleitores.
De acordo com Koifman (2002), no livro Os presidentes do Brasil, o governo
Quadros percorreu um período marcado pela ameaça de grave crise econômica, pela
diversificação dos movimentos sociais, Ligas Camponesas, mudança do sindicalismo
populista urbano, greves, entre outros marcos, além da crescente interferência na cena
política, tanto de militares quanto da Igreja.
Durante seu governo, Jânio enfrentou não somente os problemas decorrentes da
crise econômica herdada de Juscelino Kubitschek. Durante os sete meses de mandato,
Jânio continuou a política internacional que teve início no mandato de Getúlio Vargas e
se aprofundou no governo JK, além disso, criou as primeiras reservas indígenas, dentre
elas o Parque Nacional do Xingu e os primeiros parques ecológicos nacionais, entre
14
outros feitos. Para renunciar, Jânio alegou que “forças terríveis” o levaram a tomar esta
decisão. A ação, que abriu caminho para o Golpe Militar de 1964, fez com que Jânio se
tornasse uma das figuras mais complexas da política brasileira.
O fim do governo de Jânio deixou marcas no cenário político e sua renúncia
provocou intensa transformação na política, como a citação abaixo, retirada do livro
sobre o governo de Jânio, explica.
Além dos assuntos já referidos, e da própria evidência da renúncia, em toda a
discussão em torno do governo Quadros, transparece uma questão típica do
autoritarismo personalista do governo Quadros: o desprezo do presidente
pelas instituições, sobretudo pelo Congresso, em favor de um significativo
respeito pelo papel dos militares. Estes se tornariam "sacerdotes de uma santa inquisição, cada vez mais convencidos de que uma corja de trêfegos
assaltantes civis enlameava a puridade nacional.” (BENEVIDES, O governo
Jânio Quadros, Ed. Brasiliense, 1982, p. 5).
O estilo de Jânio e sua renúncia colaboraram, também, para a desmoralização do
processo eleitoral, reduzindo nas pessoas a fé que tinham em relação à situação política
do Brasil. Com isso, se adquiriu uma percepção negativa dos direitos políticos, ou seja,
se meu voto não vale nada, por que vou votar?
Logo após esse período tumultuoso da política, o vice-presidente assume. João
Belchior Marques Goulart, nascido em São Borja. Jango, como era conhecido, governou
o país de 1961 a 1964. Em seu mandato, ocorreu um grande aumento quanto às lutas
populares no país. Seu governo ficou conhecido por ser reformista. Através da chamada
“reforma de base” (medidas econômicas e sociais que previam uma maior intervenção
do Estado na economia), defendia-se o direito do voto para os analfabetos e para os
militares de patentes menores, além de reformas bancárias, urbanas, fiscais, eleitorais,
agrárias e educacionais.
Em março de 1964, o governo é marcado por incidentes e ações radicalizadas.
Pelo lado da Esquerda, o Comício da Central do Brasil foi um momento importante e
determinante ara a situação política do momento.
Já no lado da Direita, o governo de Jango estava muito longe de ser uma
unanimidade e a prova disso foi a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, que
consistiu em uma série de manifestações públicas organizadas por setores conservadores
da sociedade brasileira em resposta ao Comício da Central do Brasil. Devido a esse
longo mês de março com intensas manifestações, de Esquerda e de Direita. João
Goulart, sem demonstrar resistência, se auto exilou no Uruguai. Como resultado dessa
instabilidade política e social que se instaurou no Brasil, em 1º de abril de 1964, João
15
Goulart é destituído. Forças politico-militares reagiram diante dessa instabilidade e
aproveitaram o momento de fraqueza de Jango para dar o famoso Golpe Militar.
Segundo Skidmore (1988), os civis a favor do Golpe estavam convencidos, na
década de 1960, de que Goulart pretendia tornar o país um estado socialista, o que iria
eliminar os valores e tradições institucionais do Brasil. Nesse período, o Brasil passa
por severas mudanças com o Golpe Militar em 1964 que deu origem a Ditadura Civil.
Com ela, as medidas autoritárias foram “legitimadas” por meio de atos institucionais
que enumeravam decretos.
O Golpe estabeleceu um Regime alinhado ao dos Estados Unidos e desencadeou
grandes transformações na política. Todos os próximos cinco presidentes que vieram
depois de Jango foram a favor da Ditadura Militar e continuaram a governar o país com
atos severos de repressão, como Castelo Branco, Costa e Silva, Emilio Garrastazu
Médici, Ernesto Geisel e João Figueiredo. Após Figueiredo em 1985, a Ditadura Militar
acaba e a Nova República se instaura no Brasil. Porém, não restam dúvidas que o
governo de Jango foi o mais conturbado de toda a experiência democrática iniciada após
a Era Vargas. Para Clóvis Rossi (1991), o objetivo do Golpe Militar foi atingir a
democracia, deixando a sociedade cada vez mais longe do governo. “Instalou- se no
Poder uma máquina oficial de matar, prender, torturar, fazer desaparecer dissidentes de
qualquer origem política (ou até sem filiação política)” (ROSSI, 1991, p. 24).
O primeiro militar a governar o Brasil pós Jango, foi o Marechal Humberto de
Alencar Castelo Branco. Ele governou o país até 1967, sendo substituído pelo General
Costa e Silva que foi eleito pelo Congresso Nacional em 1966. No seu governo, Costa e
Silva aboliu os treze partidos políticos existentes no Brasil através do Ato Institucional
nº 2. Após, foram criados os partidos Aliança Renovadora Nacional (ARENA) e o
Movimento Democrático Brasileiro (MDB) que se mantiveram únicos até 1979. Entre
os objetivos desse mandato, pretendia-se corrigir os “males sociais” e “políticos”,
combater a “subversão” e a corrupção e impedir que se instaurasse um “Regime
comunista” no Brasil.
Koifman (2002), trata do assunto, no qual afirma que em seu governo, Costa e
Silva instaurou diversas leis e quatro dos cinco atos institucionais que reprimiam as
manifestações contrárias às atitudes do governo. “Entre as repressões que fizeram parte
do governo Costa e Silva, a Lei de Imprensa foi um marco na história do jornalismo do
Brasil, no qual o então presidente restringiu ainda mais a liberdade de expressão dos
meios de comunicação”. A Lei da Segurança Nacional, também foi criada em seu
16
governo, que tinha como principal objetivo, proteger o país da subversão buscando
manter a sua ordem.
Já o governo de Emílio Garrastazu Médici que se instaurou no Brasil de 1969 até
1974, caracterizou-se como período de intensa repressão da ditadura militar,
fundamentada principalmente no Ato Institucional nº. 5 (AI - 5), decreto atribuído em
13 de dezembro de 1968, fazendo com que esse período seja chamado por parte da
historiografia como “os anos de chumbo”. Os famosos “porões da ditadura” ganhavam
o aval do Estado para promover a tortura e o assassinato no interior de delegacias e
presídios.
A instauração do AI - 5 marcou o auge das proibições e atingiu o jornalismo,
que deixou de cumprir seus verdadeiros princípios em função da censura. Esse Regime
Militar durou até 1985, quando o presidente Tancredo Neves foi eleito, indiretamente, o
primeiro presidente civil após a ditadura.
A Ditadura Militar (1964 – 1985) com seus instrumentos de exceção, tais como
a Lei de Segurança Nacional, Lei de Imprensa, censura prévia e outros, acabou
excitando um dos fenômenos que marcou a história do jornalismo brasileiro e a história
do país, a chamada Imprensa Alternativa, Popular ou imprensa nanica.
Através da Lei de Imprensa de 1967, o Regime Militar, podia através do
Ministro da Justiça, determinar a apreensão de qualquer jornal ou revista que contivesse
propaganda de guerra, promovesse estímulo à subversão da ordem social e política e
afrontasse a moral pública e os bons costumes, sendo que o poder de advertência foi
reforçado com a Lei de Segurança Nacional, no qual o artigo 16 previa a detenção de
até um ano para “o jornalista que divulgar, por qualquer meio de comunicação social,
notícia falsa, tendenciosa, ou fato verdadeiro truncado ou deturpado, de modo a indispor
o povo com as autoridades constituídas” (BERGER, 2003, p. 58).
Os órgãos responsáveis pela censura preocuparam-se, primeiramente, com os
chamados grupos “subversivos”, que seriam todos que tivessem participação ou
simpatia pelo comunismo. Os meios de comunicação viviam um momento
aparentemente esperançoso antes do decreto do AI-5. Lentamente, o cenário das
redações dos jornais foi sendo alterado à medida que a censura foi se tornando mais
rígida e centralizada. A repressão modificou as modos de produção jornalística e tudo
que fora produzido precisava de um “aval” do Regime, para ser publicado. Assim,
foram instituídos novos elementos ao cotidiano das publicações.
17
Como tudo no país estava amordaçado pela ditadura, a única forma da
sociedade tomar conhecimento do que estava acontecendo era pela imprensa alternativa,
que noticiava em seus periódicos o que acontecia nas ruas, os crimes que estavam sendo
praticados no Brasil, as mortes de presos políticos, torturas, infração dos direitos
humanos, entre outros temas de interesse geral da população.
Durante os anos 70, circularam no Brasil inúmeros jornais de tamanho tabloide,
que se caracterizaram pela oposição ao Regime militar, ao modelo econômico, à
violação dos direitos humanos e à censura.
Em um importante levantamento referente à imprensa alternativa, nos anos da
Ditadura Militar no Brasil, especialmente no período de 1964 a 1980, Kucinski cita que
nessa época nasceram mais de 150 periódicos. “Abrigando temáticas diversas (políticos,
de humor, feministas, homossexuais, culturais), podemos reconhecê-los pela postura de
“oposição intransigente ao Regime militar” (KUCINSKI, 1991, p. 10)”.
Ao conceituar, na apresentação de seu livro Jornalistas e revolucionários – Nos
tempos da imprensa alternativa, Kucinski (1991) argumenta sobre a palavra nanica. O
autor diz que ela foi inspirada no formato tabloide adotado pela maioria dos jornais
alternativos desse período, sendo “difundida principalmente por publicitários (...) que
também vivenciavam uma situação difícil e tinham o mesmo desejo das gerações dos
anos 60 e 70, ou seja, de protagonizar as transformações sociais que pregavam”. (1991,
p. 13).
Peruzzo relembra em sua tese, Revisitando os Conceitos de Comunicação
Popular, Alternativa e Comunitária, alguns dos jornais importantes no contexto político
e social da época.
Entre os segmentos vigilantes à imprensa político-partidária podemos citar os
jornais Voz da Unidade, Tribuna da Luta Operária, Companheiros e Em
Tempo. A imprensa sindical, por seu lado, editou jornais importantes como a
Tribuna Metalúrgica e Folha Bancária. (PERUZZO, 2006, p. 8).
De acordo com Peruzzo, o que caracterizava esse tipo de jornalismo era a
“opção enquanto fonte de informação, por seu conteúdo, tipo de abordagem e posição
social e/ou política”. (PERUZZO, 2006, p. 374).
Já Kucinski (1991) analisa a origem dessa imprensa alternativa e o poder
adquirido por ela no decorrer de sua trajetória da seguinte forma:
A imprensa alternativa surgiu da articulação de duas forças igualmente
compulsórias: o desejo dos oposicionistas de protagonizar as transformações
institucionais que propunham e a busca por jornalistas e intelectuais, de
18
espaços alternativos à grande imprensa”. É nessa dupla oposição ao sistema
representado pelo regime militar e aos limites à produção intelectual
jornalística devido a repressão, que se encontra a lógica dessa união que
movimentou tantas pessoas com os mesmos ideais. (KUCINSKI, 1991: p.
16).
Kucinski foi integrante do movimento jornalístico alternativo dos anos 60 e 70, e
nos dias de hoje é pesquisador do assunto. Em sua obra, Jornalistas e Revolucionários:
Nos tempos da Imprensa Alternativa, ele ressalta que “esses periódicos foram chamados
de imprensa nanica devido ao formado pequeno” (1991, p. 5). A expressão imprensa
alternativa teria sido intitulada por Dines, conforme citado em Kucinski (1991). Leia
abaixo.
O termo ‘alternativa’ contém quatro dos significados que podem explicar
esse tipo de imprensa. “o de algo que não está ligado a políticas dominantes;
o de uma opção entre duas coisas reciprocamente excludentes; o de única
saída, para uma situação difícil e, finalmente, o do desejo das gerações dos
anos 60 e 70 de protagonizar as transformações sociais que pregavam.”
(KUCINSKI, 1991, p. 13).
Jornalista e escritor, Dines lançou diversos jornais e revistas no Brasil e também
em Portugal. Entre os cargos que ocupou, o jornalista foi editor-chefe do Jornal do
Brasil durante doze anos, inclusive no período em que a Ditadura Militar se instaurou
no país.
Voltando aos impressos alternativos, Braga (1991, p. 22), ressalta que “apesar de
ter caráter militante, os jornais alternativos também são informativos e necessitam
manter-se como empresa para sobreviver, já que não sustentados por um partido”.
Esse entendimento é importante para enfatizar o papel social do jornalismo
alternativo, que engloba o desejo de reunir-se para fazer alguma coisa quanto às
injustiças da ditadura militar e da desigualdade social.
Claro, que no meio dessas vertentes, estão muitos outros fatores envolvidos
como a rebeldia de uma geração, um desejo de liberdade e da vontade de promover a
redução das desigualdades existentes no país e nesse contexto que os jornalistas da
imprensa alternativa se inspiraram e, consequentemente, os jornais, com o seu papel e
trabalho formam as características de uma imprensa nanica, porém atraente.
No item que segue, iremos continuar contextualizando a política no Brasil,
porém, de um novo e severo ponto de vista: o da repressão. Com o Golpe Militar em
1964, inicia-se um longo e difícil período para a população brasileira.
19
2.1 O GOLPE MILITAR E AS LIBERDADES DE EXPRESSÃO
A censura tem um histórico maior do que muitos imaginam. Ela já existia antes
do Golpe de 1964, porém era camuflada, oculta. Começou nos primeiros governos da
república eleita chegando a prejudicar, agredir e assassinar jornalistas. Até então
ninguém tinha usado a censura prévia como Getúlio Vargas na ditadura do Estado
Novo, criando o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), que tinha como
principal função, controlar a imprensa.
No ano de 1964, o general Castelo Branco foi eleito pelo Congresso Nacional
em 11 de abril e deveria governar o país até 31 de janeiro de 1966. Porém,
posteriormente, seu mandato foi prorrogado e foram suspensas as eleições presidenciais
diretas previstas para 3 de outubro de 1965. Desse modo, Castelo Branco governou o
Brasil até 15 de março de 1967, sendo substituído pelo general Costa e Silva, eleito
pelo Congresso Nacional, em 3 de outubro de 1966.
O Congresso Nacional, a partir de 1964, se formaria apenas de pessoas a favor
do novo Regime que se instaurava, isto é, parlamentares de direita, apoiadores do
governo e uma pequena oposição chamada "oposição consentida". Os congressistas que
ousassem fazer oposição mais forte poderiam ser cassados pelo Ato Institucional nº 1,
que vigorou até 15 de março de 1967, e que limitava os poderes do Poder Legislativo e
do Poder Judiciário e também atingiu fortemente os movimentos estudantil, operário e
camponês.
Durante seu governo, Castelo Branco promoveu diversas reformas políticas,
tributárias e econômicas. As medidas aplicadas não atingiram somente o poder
legislativo, mas também todas as organizações consideradas pelo governo militar como
prejudiciais à pátria, à segurança nacional, que pretendia ajustar os males sociais e
políticos, combater a corrupção e a subversão, além de impedir que se instaurasse um
Regime comunista no Brasil.
Já Costa e Silva foi quem estabeleceu de fato a Ditadura Militar no Brasil, em 13
de dezembro de 1968, com o AI-5. Durante os primeiros anos de Regime, permaneceu
um falso clima de liberdade. A imprensa ainda era relativamente independente e os
tribunais prosseguiam em funcionamento. No entanto, logo após o AI-5, a linha dura
ganhava mais espaço no governo.
20
O jornalista Alberto Dines, em uma entrevista concedida ao Jornal da ABI, conta
como recebeu a notícia que a censura seria instaurada no país e como ela destruiu com a
esperança de uma geração:
A esperança era de que a democracia fosse restaurada logo, mas o AI-5 em
1968 acabou com essa ilusão do modo mais trágico. Quando eu ouvi pelo
rádio, no programa A voz do Brasil, a leitura daquele catatau, disse: “Estamos
ferrados. Vem aí a censura”. (Jornal da ABI - nº375 - 21/02/2012)
Dines trabalhava no Jornal do Brasil nessa época e sofreu intensa repressão por
suas publicações, e como ele mesmo disse na mesma entrevista: “A gente tinha que
tomar decisões de extrema gravidade, de risco de vida no fazer jornalístico”. (DINES,
2012, p. 17).
Marconi (1980) ao se referir à expansão da chamada linha dura, defende que “o
motivo para tanta violência era um só: o Regime militar não queria que a imprensa
falasse sobre a política interna”. (MARCONI, 1980, p. 38). O autor ainda acusa a
censura de uma manobra escusa, cômoda e ilegítima perante a sociedade.
O Golpe Militar no Brasil reprimiu os diversos meios de comunicação e
expressão. O ato gerou um grande descontentamento para a população, que teve que
ficar calada diante de uma série de barbaridades, como violências e até torturas que a
ditadura militar realizou. O ato de informar foi diretamente atingido e os jornais não
podiam informar o que estava acontecendo no país. Skidmore (1998) explica que,
A prisão e tortura de jornalistas, as pressões (ou incentivos) sobre os
proprietários dos jornais, juntamente com a censura direta, haviam reduzido
quase toda a mídia, exceto uns poucos semanários de pequena circulação, à
condição de líderes de torcida do governo ou, no mínimo, de simples caixas
de ressonância das informações geradas no palácio presidencial
(SKIDMORE, 1988, p. 266).
O ato veio em represália à decisão da Câmara dos Deputados, que se se negou a
prestar autorização para que o deputado Márcio Moreira Alves fosse processado por um
discurso onde interrogava até quando o Exército abrigaria torturadores.
Entre tantos decretos, a censura prévia que foi instaurada nesse período foi um
dos momentos mais marcantes na história do Brasil e do jornalismo.
Com esse processo, a população sofreu com mudança econômica, a falta de
liberdade e a repressão policial. Foi criado até decreto-lei contra as greves dos
trabalhadores. O AI-5 estabeleceu os abusos do poder, concedendo ao Presidente da
21
República inúmeros domínios, como pontua Evaldo Viera em seu livro A república
brasileira 1964-1984:
a) fechar o Congresso Nacional, assembleias estaduais e câmaras municipais;
b) cassar mandatos de parlamentares; c) suspender por dez anos os direitos
políticos de qualquer pessoa;d) demitir, remover, aposentar ou pôr em disponibilidade funcionários federais, estaduais e municipais; e) demitir ou
remover juízes; f) suspensão das garantias do Poder Judiciário; g) decretar
estado de sítio sem qualquer impedimento; h) confiscar bens como punição
pó corrupção; i) suspensão do habeas-corpus em crimes contra a segurança
nacional; j) julgamento de crimes políticos por tribunais militares; k) legislar
por decreto e expedir outros atos institucionais ou complementares; l)
proibição de exame, pelo Poder Judiciário, de recursos impetrados por
pessoas acusadas por meio do Ato Institucional número 5.” (VIERA, 1985, p.
27)
O AI-5 durou até o governo de Ernesto Geisel, que permaneceu no poder até
1979 e o então presidente Costa e Silva, começou a sentir os primeiros sintomas de
isquemia, logo falece em 17 de dezembro de 1969. Em 30 de outubro do mesmo ano,
Emílio Garrastazu Médici toma posse e continuam vigentes os decretos do poderoso AI-
5.
Neste período de censura, foram criados jornais como Opinião, Movimento, Em
Tempo, Coojornal, Informação, Amanhã, e O Pasquim.
Sanchotene (2008), em sua monografia sobre o humor das charges na política,
reconhece a importância que o Pasquim teve no período da ditadura militar. “Em plena
vigência do AI-5, em 1969, a imprensa brasileira falava baixo. É nesse contexto que
surge no Brasil o jornal mais influente de oposição à ditadura militar: O Pasquim”. O
jornalista enfatiza sobre a importância que o semanário teve no contexto político e
social do pais, levando-se em conta que o tabloide iniciou sua trajetória em plena
ditadura militar. “A marca de mais de 200 mil, em meados dos anos 70 tornou O
Pasquim um dos maiores fenômenos do mercado editorial brasileiro. Criado a partir de
um grupo criativo de jornalistas, o tabloide era composto de ideias, humor, entrevistas e
discussões”. (SANCHOTENE, 2008, p. 33).
Em Humor e política: a charge como estratégia de editorialização do telejornal,
Sanchotene, analisou dez charges apresentadas no telejornal O Globo, feitas pelo
cartunista Chico Caruso no período de maio a julho de 2008. Na pesquisa, Sanchotene
aborda a charge midiatizada no âmbito da informação, no qual a mesma busca
editorializar o telejornal pelo viés da comicidade. O autor questiona como o humor se
apresenta e age por meio das charges e de que forma o discurso do humor está
22
representado nessas charges. A investigação da pesquisa de Sanchotene (2008) abrange
a análise do funcionamento da charge na televisão, no telejornal e as estratégias
humorísticas nelas apresentadas.
Ele analisa imagens mais recentes na nossa memória, imagens que foram
publicadas no ano de 2008. Na nossa pesquisa, o enfoque é outro, pois analisamos o
funcionamento discursivo das charges no meio impresso, através de imagens que já
foram publicadas há 50 anos, porém, os dois enfoques buscam analisar as charges
enquanto linguagem de comunicação através do humor e a contribuição das mesmas
para o jornalismo nesse sentido. Na pesquisa de Sanchotene (2008), os resultados
envolvem o fato de o som, que as charges reproduzem na televisão, ajuda na
compreensão do seu discurso, auxiliando o expectador a compreender o que está sendo
dito. o autor também concluiu que a opinião do autor da charge está implícita, assim
como a opinião da ideologia do programa, pois, caso contrário, a mesma não seria
veiculada. A charge é tratada, na pesquisa de Sanchotene, como um meio mais suave de
abordar a opinião política na televisão, usando o humor como estratégia.
Retomando o contexto da pesquisa, todas essas transformações que ocorreram
no jornalismo dos anos de chumbo, marcaram diversas mudanças no modo de informar,
assim como na rotina jornalística dos meios de comunicação. Com essa intensa censura
prévia, matérias foram vetadas e edições chegaram a ser recolhidas, resultando em um
grande no prejuízo financeiro de produção dos jornais. Se estendendo até à imprensa,
música, teatro e cinema, a censura atuou rigidamente a partir de 1970, na apreensão de
mais de 500 filmes, 400 peças teatrais, 200 livros e centenas de músicas. A liberdade de
expressão, assim como a criatividade dos jovens do país, se viam castradas.
Todas as investigações aos oposicionistas ao Regime que ocorreram nesse
período eram feitas pela Delegacia de Ordem Política e Social (DOPS), a qual tinha
como finalidade investigar os atos tidos como suspeitos e dentro destes poderia estar
intelectuais, jornalistas, artistas, políticos, professores, ou seja, todos que estivessem
relacionados a movimentos sociais. Os DOPS foram orgãos criados junto à estrutura das
secretarias estaduais de segurança pública de alguns estados brasileiros. A atribuição
principal dos DOPS era o papel de polícia política, uma modalidade especial de polícia, que
desempenha uma função preventiva e repressiva, “criada para entrever e coibir atividades
que colocassem em risco a ordem e a segurança pública” (XAVIER, 1996, p. 32). Esta
atribuição extraoficial estava ligada à necessidade dos governos quando decidissem vigiar e
23
punir determinados indivíduos, e condenar grupos inteiros, considerados como ameaças à
ordem pública e a tão almejada segurança nacional.
Nesse período de intensa repressão, Dines conta para o jornalista Francisco
Ucha, em entrevista ao Jornal da ABI, em fevereiro de 2012, que foi alvo dos censores e
sua profissão e posição política atrapalharam a sua participação em eventos. Tudo isso
gerou a sua prisão em 1968, como ele conta:
Na sexta-feira seguinte ao AI-5, eu já tinha sido escolhido paraninfo de uma
turma da PUC, no Rio. Com o AI-5 eu fiquei mortificado. (...) Aí fiz um
discurso bem contundente e li esse discurso na cerimônia de formatura da PUC. Marotamente, passei o texto para a Redação e eles escreveram a notícia
de que eu era paraninfo da PUC e reproduziram alguns trechos do meu
discurso. Os milicos viram a noticia, avisaram o secretário da Marinha e dois
dias depois fui preso. (Jornal da ABI - nº 375 – 21/02/12).
Todo esse clima de suspeita sobre os indivíduos e a supressão da liberdade
atingiu não só o meio jornalístico, mas vários segmentos da sociedade como um todo.
Essa censura se transformou em perseguição real e atingiu artistas da música popular
brasileira que além de terem suas músicas censuradas, a sua liberdade de expressão
também foi cerceada. Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Geraldo Vandré e
outros artistas que decolam em sua carreira nesse momento, passaram a ser vigiados e
logo tiveram que deixar o país, buscando um autoexílio.
Para protestar, as pessoas contrárias ao Regime escolheram uma das atividades
cujo controle era mais exercido pelos militares: o jornalismo. O jornalismo se tornou
mais do que nunca, o transmissor das vozes de uma multidão que clamava por justiça.
Justiça aos seus filhos, amigos, e demais pessoas que foram prejudicadas, ameaçadas e
mortas na Ditadura Militar.
As barreiras que a censura invocou para o jornalismo, buscava repreender os
chamados subversivos. Ridenti analisa e discute os tipos de censuras predominantes na
ditadura militar.
Não houve uma única censura durante o regime militar, mas duas. A censura
moderna de diversões públicas existia no Brasil, de maneira oficial, desde
1946. Integrava, por exemplo, a rotina profissional do pessoal do teatro, nada
havendo de novo (após 1964) na presença de um censor, durante o ensaio
geral, nem os atritos entre a classe e a censura moral das peças, com o tempo
também praticada contra o rádio, o cinema, a TV e até mesmo os circos e as
churrascarias com música ao vivo. De fato, todo um ethos próprio animava a
Divisão de Censura de Diversões Públicas (DCDP), desde muito antes do
golpe de 1964. A Divisão assumia orgulhosamente seu papel na sociedade
brasileira e supunha realmente expressar a vontade da maioria da população
24
ao cuidar para que os “atentados à moral e aos bons costumes” fossem
evitados. (RIDENTI, 2004, p. 269)
São diversos os estudos sobre censura no Brasil. Em Minorias Silenciadas, por
exemplo, livro organizado por Carneiro, é possível ver a transformação das limites à
imprensa ao longo da história: do Brasil colonial ao esboço da primeira esfera pública
brasileira, no começo do século XIX, chegando à mais recente experiência de censura
institucionalizada no pós-golpe de 1964. Nesse contexto, a censura já foi bastante
estudada por Ridenti e por outros autores em teses e publicações.
Trabalhos mais específicos com autores que fazem parte da bibliografia desta
pesquisa, como Aquino em Censura, Imprensa e Estado Autoritário (1968-1978) e Be
Kucinski, em Jornalistas e Revolucionários: Nos Tempos da Imprensa Alternativa,
exploram a censura militar sob visões distintas, porém com uma abordagem bastante
ampla.
Diversos estudos sobre a censura contemplam e ampliam o embasamento sobre
um dos piores momentos vividos pelo Brasil, no qual o Golpe militar deu origem a
outro golpe, à liberdade de expressão. Uma geração se calou aos mandos de um
governo, cerceando suas ações, ideais e voz. Porém, um grupo que se uniu para tentar
reverter essa situação e dar ao país um novo sentido para lutar e conquistar seus direitos.
Esse grupo foi composto por estudantes, jornalistas, intelectuais, artistas, entre outros
brasileiros sedentos por justiça.
Com toda a repressão instalada no país, o Regime enxugava as matérias que
seriam publicadas nos jornais, liberando apenas as que lhe convinham. Com o tempo, a
censura aos meios de comunicação se tornou cada vez mais severa.
De acordo com Gentilli (2004, p. 94), o grupo Frias Caldeira, que produzia os
jornais como a Folha de São Paulo, Folha da Tarde, Última hora, acatava muito bem
as ordens dos militares. Porém, no auge do governo Médici, um grande jornal como O
Estado de São Paulo, com a intensa repressão aos meios de comunicação decide
enfrentar os militares. Em março de 2004, no texto que fez parte do especial Março de
64, o jornal O Estado de São Paulo, conta que a partir de 13 de dezembro houve fortes
intervenções da censura no jornal O Estado de S. Paulo – sendo que entre 1972 e 1975
censores foram instalados diretamente na redação.
Com o AI-5, a censura se fez de duas formas: a censura prévia e a autocensura.
Poucos periódicos tiveram coragem de criticar as barbaridades que aconteciam no
Regime e passaram pela censura de uma maneira severa. A censura prévia segundo
25
Aquino, “era aplicada com censores, bilhetes e revisão da Polícia Federal, geralmente
vivenciada à distância. Já a autocensura consistia em uma linha editorial omissa aos
acontecimentos políticos, que foi um meio utilizado por muitos jornais para não sofrer a
censura prévia”. (AQUINO, 1999: 122-123).
A autocensura se tornou um meio alternativo encontrado pelos jornalistas nesse
período. Assunto trabalhado por Kucinski, a autocensura, por exemplo, participa da tom
da produção das notícias sob censura militar. No livro Síndrome da Antena Parabólica,
ele faz uma referência ao filósofo alemão Friedrich Engels, dizendo que:
Os melhores textos jornalísticos são aqueles que possuem sinais de censura
prévia, uma vez que as informações que sofrem tipo de represália carregam o
fato verídico, por isso, o lugar da autocensura na história da repressão ao
pensamento e à informação durante o regime militar acabou saturado pelos
episódios menos frequentes, porém mais espetaculares de censura exógena,
fechamento de jornais e prisões de jornalistas. (KUCINSKI, 1998, p. 52).
O autor se refere ao poder da autocensura pelo seu caráter transformador, que
através de um discurso inteligente, os jornalistas, por julgarem que determinado
conteúdo não poderia ser divulgado, já o aboliam.
Os processos alternativos de comunicação, por exemplo, englobam-se como
salienta Benevenuto Jr, num momento difícil na política brasileira, no qual os militares
dirigiam o programa de desenvolvimento do país, “desrespeitando as instituições
políticas e usando a força através de torturas para eliminar aqueles que criticavam a
repressão organizada pela Escola Superior de Guerra”. Assim, nasce “uma imprensa que
se constitui a partir das organizações sociais e políticas da oposição (...) e tinha um forte
viés cultural, além dos especialistas das áreas social, econômica e política”
(BENEVENUTO JUNIOR, 2007, p. 1).
O grande objetivo da imprensa alternativa era justamente ser de maneira
alternativa, ou seja, transformar a situação em que o país se encontrava, denunciar os
crimes que ocorriam, assim como as mortes de presos políticos, torturas que aconteciam
no Destacamento de Operações e Informações e Centro de Operações de Defesa Interna
(DOI-CODI), lutar contra a censura e o Regime autoritário, enfim, entre outros
interesses gerais da população.
Autores como Dionísio (2011, p. 6), discorrem sobre assunto e esclarecem que o
DOI-CODI foi um “órgão subordinado do Exército, de inteligência e repressão do
governo brasileiro durante o Regime Militar teve sua sede em São Paulo e foi
26
implantado em outros estados do Brasil”. Desse modo, cada estado tinha o seu DOI,
subordinado ao CODI, que era o órgão central. Nos porões da ditadura, como eram
chamados as salas que existiam no interior do DOI-CODI, aconteciam as detenções,
depoimentos e torturas. Nessas salas foram realizadas torturas com os mais cruéis
instrumentos de repressão, através da violência física e psicológica.
Voltando à censura aos meios de comunicação, que foi uma das vítimas do
Regime, passa a sofrer os cortes mais severos. Dessa forma, restringiu-se o acesso da
população aos acontecimentos do momento, ou seja, noticiar as torturas, por exemplo,
Além disso, o Regime autoritário ocasionou também a perseguição intensa a políticos
de esquerda, estudantes, artistas e intelectuais, cassação de mandatos, medidas
governamentais que afetavam o futuro político, econômico e social do Brasil. O
governo tinha plenos poderes sobre os meios de comunicação e apenas concordava em
publicar determinadas notícias quando era conveniente aos mesmos, caso contrário, os
fatos eram omitidos, distorcidos ou recriados.
Com o acirramento da repressão durante o Regime Militar, a informação tornou-
se cada vez mais comprometida e dependente dos órgãos do governo e artifícios da
imprensa para transmitir a notícia.
Os anos em que o Brasil esteve submetido à Ditadura Militar significaram um
atraso ao desenvolvimento da estrutura social brasileira e também dos modos de
informar no jornalismo que foi um dos setores mais afetados pelos anos de chumbo.
Durante todos esses anos, o país viveu diversas consequências, sofrendo com sua
vida profissional e pessoal devido à censura instaurada no país após o AI-5, como já
vimos neste capítulo, porém, no capítulo que segue, vamos entender melhor quais foram
os acontecimentos que geraram a censura, e de que forma ela atingiu a vida dos
brasileiros.
27
2.2 OS FUNDAMENTOS DA CENSURA
Neste item, vamos situar e refletir os aspectos que deram origem à censura e
qual era sua verdadeira função no contexto histórico do país, mais especificamente no
período da Ditadura Militar do Brasil (1964 – 1985). Para contextualizar a censura, é
preciso lembrar o seu nascimento, papel e atuação. Para isso, nos valemos de fontes
autorais como Miliandre Garcia, Gláucio Soares, Carlos Fico, Alexandre Stephanou,
Zuenir Ventura, entre outros.
Vamos analisar, de que forma a censura afetou o jornalismo, mas também outros
modos de fazer cultural, literatura e também na música. Buscamos compreender seus
fundamentos e no que ela resultou.
A censura do período, basicamente, instalou-se a partir do Ato institucional nº 5
em 13 de dezembro de 1968. Caracterizado por uma série de atos e leis que
amordaçavam a liberdade de expressão, a sociedade passou a sofrer as consequências
de um Regime arbitrário, autoritário e repressivo. Essa liberdade de expressão passou a
ser intensamente combatida pelo governo e os direitos individuais foram abolidos sob o
respaldo da Lei de Segurança Nacional, ao passo que o cidadão brasileiro ficou
vulnerável aos desmandos dos militares.
A abertura do texto do AI-5 mostra os motivos que levaram ao decreto. Diz, em
sua abertura:
“O presidente da República Federativa do Brasil, ouvido o Conselho de
Segurança Nacional, e:
Considerando que a Revolução Brasileira de 31 de março de 1964 teve,
conforme decorre dos Atos com os quais se institucionalizou, fundamentos e
propósitos que visavam a dar ao país um regime que, atendendo as exigências
de um sistema jurídico e político, assegurasse autêntica ordem democrática,
baseada na liberdade, no respeito à dignidade da pessoa humana, no combate
à subversão e às ideologias contrárias às tradições de nosso povo, na luta
contra a corrupção, buscando, deste modo, “os meios indispensáveis à obra
de reconstrução econômica, financeira, política e moral do Brasil, de maneira a poder enfrentar, de modo direto e imediato, os graves e urgentes problemas
de que depende a restauração da ordem interna e do prestígio internacional da
nossa Pátria” (Preâmbulo do Ato Institucional nº 1 de 9 de abril de 1964);
Considerando que o governo da República, responsável pela execução
daqueles objetivos e pela ordem e segurança internas, só não pode permitir
que pessoas ou grupos anti-revolucionários contra ela trabalhem, tramem ou
ajam, sob pena de estar faltando a compromissos que assumiu com o povo
brasileiro, bem como porque o Poder Revolucionário, ao editar o Ato Institucional nº 2, afirmou categoricamente, que “não se disse que a
Revolução foi, mas que é e continuará” e, portanto, o processo revolucionário
em desenvolvimento não pode ser detido;
28
Considerando que esse mesmo Poder Revolucionário, exercido pelo
presidente da República, ao convocar o Congresso Nacional para discutir,
votar e promulgar a nova Constituição, estabeleceu que esta, além de
representar “a institucionalização dos ideais e princípios da Revolução”,
deveria “assegurar a continuidade da obra revolucionária” (Ato Institucional
nº 4, de 7 de dezembro de 1966);
Considerando que, assim, se torna imperiosa a adoção de medidas que
impeçam sejam frustrados os ideais superiores da Revolução, preservando a ordem, a segurança, a tranquilidade, o desenvolvimento econômico e cultural
e a harmonia política e social do País comprometidos por processos
subversivos e de guerra revolucionária;
Considerando que todos esses fatos perturbadores da ordem são contrários
aos ideais e à consolidação do Movimento de março de 1964, obrigando os
que por ele se responsabilizaram e juraram defendê-lo a adotarem as
providências necessárias, que evitem sua destruição. (...) (Trecho do AI-5.
Publicado em Brasília, no dia 13 de dezembro de 1968).
Percebemos que a preocupação era, novamente, em relação aos chamados
subversivos. Desse modo, o AI-5 viria para fazer, segundo o Regime, a manutenção da
ordem, da segurança, da tranquilidade, do desenvolvimento e da harmonia da nação.
Porém, parte desse público de subversivos, estava preocupado em ocupar uma lacuna
deixada pela imprensa dominante, acrescentando aos jornais considerados pequenos,
nomes importantes ligados ao campo de produção cultural do país no momento, como
jornalistas e artistas.
Nesse contexto, notamos que os anos em que o Brasil sofreu com a Ditadura
Militar representou um atraso em diversos segmentos, algo que contribui para retardar o
crescimento e desenvolvimento do país, ao contrário do que os militares alegavam
almejar, o desenvolvimento e a tão sonhada “ordem”, não vingaram.
Com as ameaças e intervenções sobre as liberdades de expressão, a informação
tornou-se cada vez mais comprometida e os meios de comunicação afetados. O modo de
informar foi duramente afetado por causa do AI-5 deixando muitos reflexos para fases
posteriores sobre as praticas jornalísticas.
Aquino (1999) em seu livro Censura, Imprensa, Estado autoritário (1968 –
1978), aborda o AI-5 e suas origens, considera o episódio envolvendo o Deputado
Márcio Moreira Alves.
O AI-5 foi editado pelo presidente Costa e Silva, em meio ao rumoroso caso
do deputado Márcio Moreira Alves. O deputado, por época do 7 de setembro
de 1968, fez um discurso, na Câmara, em que instava a população a boicotar
a parada militar comemorativa da Independência e sugeria às mulheres
brasileiras que não namorassem militares envolvidos na repressão. O discurso
29
não teve grande repercussão na imprensa. Entretanto, serviu aos setores
interessados no recrudescimento da repressão para exercer pressões sobre o
presidente, no sentido de que tom asse medidas mais drásticas, pois
consideraram o discurso um grave ultraje às Forças Armadas. Foi requerido
por ministros militares, junto ao Supremo Tribunal Federal, o julgam en to do
deputado por ofensa às Forças Armadas brasileiras. O requerimento, com o
rezava a legislação, foi en caminhado ao Congresso Nacional, que poderia
aceitar a sugestão e levantar a imunidade parlamentar de Márcio Moreira
Alves, para qu e este pu desse ser processado. Ou então, o Congresso, por votação, rejeitaria o pedido, impossibilitando qualquer forma de punição ao
parlamentar. Em uma sessão conturbada e, por maioria esmagadora, o
Congresso optou pela negação da solicitação de punição. A vitória e a
recuperação da dignidade do Poder Legislativo, rapidamente transformaram-
se em derrota quando, menos de 24 horas após a votação, o Executivo
publicou o AI-5, concentrando e conferindo excepcionalidade maior ao
presidente; limitando ou extinguindo liberdades democráticas e suspendendo
garantias constitucionais. (AQUINO, 1999, p. 206).
A partir de Aquino (1999) e de tantos outros autores que estudaram esse período,
o AI-5 se tornou visível por todos os brasileiros, que passaram a ficar nas rédeas duras e
repressivas de um Regime Ditatorial.
Com a intensa repressão, a censura tomou conta do país, assolando uma geração
que se calou aos militares. Hollanda e Gonçalves (1991, p. 20) defendem que o Golpe
de 64 trouxe consigo a “reordenação dos laços de dependência”, e a “regulação
autoritária entre classes e grupos, colocando em vantagem os setores associados ao
capital monopolista ou a eles vinculados”. Após o AI-5, o governo se apoiou nas
doutrinas da segurança nacional, no qual os militares deveriam defender o país da
“bagunça dos subversivos”.
Para entendermos melhor os fundamentos da censura, precisamos fazer uma
breve explicação de seu histórico no Brasil. Ainda no governo de Getúlio Vargas, em
1944, foi criado um departamento para alterar a denominação da Polícia Civil do
Distrito Federal (atual Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro) para Departamento
Federal de Segurança Pública (DFSP), por meio de um decreto-lei. No governo do
presidente Castelo Branco, foi aprovado o regulamento do DFSP que definia o
organograma da censura. De acordo com Garcia:
na estrutura do Departamento Federal de Segurança Pública (DFSP) cabia ao
setor da Polícia Federal de Segurança acompanhar o trabalho do Serviço de
Censura de Diversões Públicas (SCDP), principal órgão da censura federal, e
às delegacias regionais as Turmas de Censura de Diversões Públicas
(TCDPs), braços auxiliares do órgão central. O SCDP era constituído por
quatro setores (secretaria, seções de censura, seção de fiscalização e arquivo)
e respondia pela coordenação das atividades da censura, pela unificação dos
trâmites burocráticos, pelo cumprimento de determinações superiores, pela
orientação dos setores regionais e pela sistematização das normas da censura.
30
As TCDPs, por sua vez, eram compostas por duas seções (secretaria e
arquivo), restringiam-se a cumprir instruções superiores, fiscalizar casas de
espetáculos, estabelecimentos públicos, estações de rádio e emissoras de
televisão, aplicar penas pecuniárias, além de elaborar relatórios de atividades.
(GARCIA, 2009, p. 23).
Durante o governo do presidente Jânio Quadros, em maio de 1961, foi
concedido aos Estados o direito de exercer a censura. Isso ao mesmo tempo em que a
legislação que, desde 1946, dava à Polícia Federal a responsabilidade de realizar a
censura prévia a, peças teatrais, discos, filmes, apresentações de grupo s musicais,
cartazes e espetáculos públicos em geral. Já em abril de 1965 foi inaugurado um prédio
para ser sede do Departamento Federal de Segurança Pública, onde atuaria o Serviço de
Censura e Diversões Públicas - SCDP, em Brasília. Essa concretização indica o anseio
do governo federal de centralizar as atividades censórias, como explica Stephanou
“Legalmente, a censura era jurisdição do Departamento de Polícia Federal; na prática,
todos os órgãos militares de segurança se achavam no direito de proibir”. O autor
salienta que a hierarquia de poderes não era bem organizada nesse departamento, pois
“diferentes autoridades, dos mais altos postos ao simples funcionário público, buscavam
vetar produções culturais ou artísticas” (STEPHANOU, 2001, p. 293).
Em 1967, ano que antecedia o AI-5, a Constituição oficializou a centralização da
censura como atividade do Governo Federal, em Brasília. Quando o AI-5 foi decretado,
as ações de censura já se encontravam centralizadas no Governo Federal.
De acordo com Ventura (1988, p. 155), antes do AI-5, duas grandes
manifestações públicas contra as arbitrariedades do Regime Militar ocorreram no Rio de
Janeiro: a manifestação “Cultura contra Censura”, em fevereiro de 1968 que reuniu
membros da classe teatral para manifestarem sua repulsa contra a interdição de oito
peças teatrais e, alguns meses mais tarde, aquela que ficou conhecida como “A Passeata
dos Cem Mil”, que ocorreu em 26 de junho de 1968.
Dia 13 de dezembro de 1968, o presidente Costa e Silva, alegando que em nome
da “autêntica ordem democrática, baseada na liberdade, no respeito à dignidade da
pessoa humana, no combate à subversão e às ideologias contrárias às tradições de nosso
povo”, concretiza o AI-5. Tal ato dá plenos poderes aos militares, que a partir desse
momento podem cassar mandatos, suspender direitos políticos e garantias individuais,
além de criar condições para a censura à divulgação da informação, manifestação de
opiniões e produções culturais e artísticas. A partir desse momento, se dá início aos
31
chamados anos de chumbo ou, para usar a nomenclatura utilizada por Gaspari (2003, p.
301): a ditadura escancarada.
O Marechal Costa e Silva explicou através de diversas transmissões radiofônicas
e televisivas, o quanto o AI-5 era necessário para a ordem e a segurança do país. Porém,
os seus depoimentos para a mídia não esclarecem suas ações de quinze dias depois, no
qual o governo cassou 38 mandatos legislativos e interrompeu por dez anos os direitos
políticos de 28 deputados federais, dois senadores e um vereador. Além disso,
determinou a aposentadoria de três ministros do Supremo Tribunal Federal e de um do
Supremo Tribunal Militar e suspendeu os direitos políticos da diretora do matutino
Correio da Manhã, do Rio de Janeiro. Dois meses se passaram e Costa e Silva assinava
a cassação de mais 95 parlamentares.
De acordo com o texto Assim se passaram dez anos, publicado na Revista Visão
em 11 de março de 1974, página 46: “O ano de 1969 foi um ano de “cassações em
massa, rígido controle dos movimentos operários e estudantis, recrudescimento da
censura, instituição da pena de morte e prisão perpétua para crimes políticos e
inauguração, no país, da prática de sequestros por parte de guerrilheiros urbanos. (...) As
atividades culturais passaram a ser rigorosamente vigiadas e artistas de projeção
nacional (...) tiveram de deixar o país”. Tudo que tivesse a intenção de ser publicado,
cantado, divulgado, enfim, deveria passar pelas mãos de censores e assim, sujeitado à
veto.
Estima-se que centenas de pessoas foram efetivamente presas após o AI-5:
“algumas centenas de intelectuais, estudantes, artistas, jornalistas (...) recolhidos às
celas do DOPS, da PM e aos vários quartéis do Exército, da Marinha e da Aeronáutica
em todo o país” (VENTURA, 1988, p. 46).
Soares (1989) explica que com o passar do tempo, a censura teve seus altos e
baixos. Em alguns momentos, foi de intensa severidade, outros nem tanto. Essa
inconstância se deu de acordo com o governo vigente do país e a maneira de governar
de cada presidente, seguindo ou não a linha dura.
A expansão mais acelerada da ação da censura teve lugar durante o período
mais negro por que o País passou: desde o AI-5, em dezembro de 1968, no
governo Costa e Silva, até o fim do governo Garrastazu Médici. (...) A partir
de 1976, data em que se afirma, o governo Geisel controlou a linha dura,
houve uma clara diminuição de suas atividades. (...) Foi somente no final do
governo Geisel e início do governo Figueiredo que a liberdade de imprensa
foi restaurada no Brasil. (SOARES, 1989, p. 22).
32
Segundo Garcia entre os anos de 1964 e 1965, várias medidas foram tomadas
para sistematizar o trabalho da mesma, entre as quais ele cita:
1) a convocação de servidores para avaliar as normas da censura; 2) a
adequação da estrutura ao regulamento policial; 3) a constituição de
grupos para analisar roteiros de filmes, programas de televisão e scripts
de peças; 4) a criação de uma comissão que visava discutir questões
polêmicas e examinar a legislação; e 5) a instituição de um grupo de
trabalho responsável por uniformizar os critérios da censura e assessorar
as delegacias regionais no exercício da censura dos filmes que não
ultrapassassem os limites dos estados (GARCIA, 2009, p. 23).
É possível perceber que a censura não afetou apenas o jornalismo, mas todo
sistema informativo, sendo severa e não se importando com as consequências, ela cala a
voz de um país, causando medo, mas também revolta.
Na opinião de Fico (2002), a censura não se remete apenas ao período ditatorial,
e sim, percorre por diversos períodos da história do Brasil.
A lembrança da censura sempre permanece associada ao último período no
qual ela existiu, sendo compreensível, portanto, que, na imprensa e entre os
mais jovens, a menção ao assunto remeta imediatamente ao regime militar.
Porém, como é sabido, a censura sempre esteve ativa no Brasil, e formas
diferenciadas dela persistem mesmo hoje, quando está formalmente abolida. (FICO, 2002, p. 253).
A censura na imprensa foi o principal alvo após o AI-5. Fico ainda comenta que
a “censura da imprensa sistematizou-se, tornou-se rotineira e passou a obedecer a
instruções especificamente emanadas dos altos escalões do poder” (2002, p. 253). O
autor explica a chamada Operação Limpeza, que tinha por função, censurar tudo aquilo
que atrapalhava a ordem do país.
A história do período também pode ser lida como a da trajetória do grupo
mais radical entre os militares que tomaram o poder, conhecido como “linha
dura”. De fato, ainda em 1964, com a implantação da “Operação Limpeza”
(prisões, cassações de mandatos e suspensões de direitos políticos dos
inimigos), um grupo de oficiais-superiores foi designado para presidir os
inquéritos policiais militares (IPM) que conduziam às punições mencionadas.
A idéia (que talvez possa ser chamada de “utopia autoritária”) era eliminar todo aquele que dissentisse das bandeiras da “Revolução”: combate ao
comunismo, à corrupção e outras diretrizes da retórica política radical de
direita que, naquele momento, tinha a inspirá-la políticos como Carlos
Lacerda. (FICO, 2002, p. 254).
Carlos Lacerda foi político e jornalista, membro da União Democrática Nacional
(UDN), vereador, deputado estadual e governador do estado da Guanabara. Como
33
jornalista, Lacerda foi proprietário do jornal Tribuna da Imprensa e em 1965, criador da
editora Nova Fronteira.
Em seu artigo, Fico (2002) enfatiza que a censura da imprensa engloba também
outras controvérsias, sendo uma delas o caráter político ou “moral” destas censuras.
Para Soares (1989, p. 34), a DCDP, departamento já citado anteriormente, “não exercia
atividades de censura política diretamente”, e sim, restringia-se a restringir o que
considerava impróprio, do ponto de vista moral, no teatro, no cinema, na TV, etc. Ainda
sobre os fundamentos da censura, segundo Kushnir (2001, p. 127), toda a censura é um
ato político, independentemente de visar a questões morais ou a temas explicitamente
políticos. Desse modo, é interessante analisar, ainda em Soares (1989, p. 23), a
cronologia da censura no Brasil, partindo de 1967, um ano antes do decreto do AI-5, até
1978, fim da censura prévia em diversos jornais do país, incluindo O Pasquim,
Movimento, Tribuna da Imprensa, entre outros. Confira abaixo:
Figura 1
Analisando o texto acima, é possível perceber que a censura se instaurou no país
durante muitos anos e privou diversos jornais a cumprirem seu verdadeiro papel. Soares
(1989) examina a duração das proibições e restrições aos meios de comunicação, além
dos governos que a censura percorreu.
34
Estas proibições foram muito numerosas durante a ditadura de Garrastazu
Médici, mantiveram-se altas durante o primeiro ano de Geisel, declinando
rapidamente a partir de 1975. Se, por um lado, não há dúvida de que a
censura durante a ditadura de Geisel foi amena, se comparada com a
existente durante a ditadura de Garrastazu Médici, é evidente que ela
continuou existindo durante todo o seu governo. A censura sobre os meios
eletrônicos continuou, inclusive, durante o governo Figueiredo. (SOARES,
(1989, p. 26).
Soares (1989, p. 30) analisa a censura e os diversos modos de sua atuação. O
autor mostra em um quadro, que a censura afetou o cenário jornalístico, assim como
afetou o cenário cultural e literário. Ele conta que “no rádio e na televisão, a censura
atingiu sistematicamente vários artistas cuja oposição à ditadura era conhecida, entre
eles Chico Buarque e Geraldo Vandré”. Veja a figura 2 e analise os segmentos que
foram alvo da censura.
Figura 2
É possível perceber que a censura atacou a cultura do país por diversos lados, e
os livros, campeões de vetos, ganham 74 “nãos” dos censores. Segundo Soares (1989, p.
32), “Este total refere-se aos livros levados à atenção da Divisão de Censura como
"suspeitos" e, consequentemente, com maior probabilidade de serem censurados do que
uma amostra aleatória dos livros publicados”.
Quanto às matérias jornalísticas, foram vetadas mais de 1.136, no período de 29
de março a 3 de janeiro de 1975, de acordo com Aquino (1999, p. 59). Segundo a
autora, os temas mais vetados pelos militares eram: questões políticas, questões
econômicas, críticas de oposição, relação Igreja – Estado, movimento estudantil, entre
outros.
Em 1988, através de Constituição votada pela Assembleia Constituinte, no dia
03 de agosto, a censura se extinguiu no país, após os longos anos de vigência,
35
representando o fim da tortura e aprovação da liberdade intelectual, de expressão e de
imprensa no país. Kushnir aponta trecho da Carta que revelava que:
Art. 220: A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a
informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
§ 1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena
liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação
social (...).
§ 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e
artística.
§ 3º Compete à lei federal: I - regular as diversões e espetáculos públicos,
cabendo ao poder público informar sobre a natureza deles, as faixas etárias a
que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre
inadequada;
II - estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e
televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de
produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos
à saúde e ao meio ambiente. (...)
§ 6º A publicação de veículo impresso de comunicação independe de licença
de autoridade. (KUSHNIR, 2004, p. 121).
Os decretos da censura foram muito mais além, porém acima podemos perceber
a quantidade de proibições feitas pelo Regime Militar que afetaram a cultura e a
liberdade de expressão do país.
Para Soares (1989, p. 39), a censura deixou muitos rastros, tanto no jornalismo
quanto em outros meios de informar, como citamos anteriormente. Porém, o autor
sublinha que ela (ao contrário do que os militares pensavam), prejudicou mais o Regime
do que beneficiou. O autor destaca que “os objetivos centrais da censura era reduzir a
oposição ao Regime militar. O alvo era a população letrada, no caso da imprensa
escrita, e a população total, no caso do rádio e da televisão”. Para ele, “o fato de cumprir
ou não este objetivo passava pelos meios de comunicação de massa. A interferência
com estes meios levou a reações negativas e, neste sentido, pode ter trazido mais
malefícios do que benefícios para o Regime Militar”. Ou seja, a censura contribuiu
consideravelmente os opositores ao Regime e não conseguiu atrair aliados, como era o
verdadeiro intuito dos militares.
Nesse contexto de liberdade de expressão cerceada, entra em cena um novo
modo de informar, com raízes e motivos fortes para trazer a mudança para o jornalismo
e para os modos de dizer e informar, o jornalismo alternativo, que vamos contextualizar
no próximo capítulo.
36
3. A EMERGÊNCIA DA IMPRENSA ALTERNATIVA
Neste terceiro capítulo, vamos identificar os principais motivos que levaram a
imprensa a inovar a fim de transformar o momento em que o país vivia, a Ditadura
Militar. Com o AI-5 e a censura, os modos de informar ficaram comprometidos,
trazendo a necessidade de uma mudança, de um modo de informar que atinja o público
alvo, os chamados de esquerda. Neste grupo, se encaixam todos aqueles que eram
contra o Regime, contra os mandos dos militares e a favor da liberdade de expressão.
Durante esse período, as formas de resistência encontradas foram inúmeras.
Aparece um novo grupo de movimentos sociais, forjados, especialmente a partir de uma
esquerda cristã. Quanto aos sindicatos, que criam suas centrais nacionais e grupos de
intelectuais, militantes políticos e jornalistas, dão vida e cor a essa imprensa alternativa,
também chamada independente e também nanica, que até então, dá seus primeiros
passos rumo ao estrelato.
Em um período de repressão, os jornais alternativos visavam justamente achar
brechas neste modo de controle (que envolvia censura e direitos abolidos). Esses meios
de comunicação transformam a lógica de controle pelo poder cultural: se o Regime
Militar queria esconder certas informações, os jornais alternativos tinham como papel,
contar, informar a população. Se o Regime buscava amordaçar o jornalismo, os meios
alternativos buscavam meios para fazer um exercício profissional de jornalismo cada
vez mais livre.
O surgimento dessa imprensa alternativa ocorreu justamente como resultado de
uma comunicação de resistência, que existiu mesmo nos momentos mais severos da
Ditadura Militar, baseada na música, filmes, leituras e reflexões acadêmicas. A
comunicação de resistência, conforme Berger é o indício da acumulação de forças pelos
grupos de oposição.
Braga (1991) observa o papel desse tipo de imprensa e o momento em que a
mesma se inseriu no país. Ele enfatiza que “um dos objetivos principais da imprensa
alternativa preenche um espaço deixado vago pelas grandes empresas nas condições
políticas dos anos 70, onde as maneiras de ocupar esse espaço vão caracterizá-la, e
sorna, por sua prática, uma crítica à imprensa indústria”. Desse modo, o autor explica
que:
37
os jornais alternativos feitos em pequenas empresas, onde não há a um
enfrentamento entre patrão e empregado, se estabelece uma relação pluralista
de troca de ideias entre jornalistas que buscavam procurar as perspectivas
mais globais sobre o social e o político que faz com que se produza uma
visão mais teórica das coisas. Essa visão vai direcionar a construção do
público alvo, geralmente estudantes, jornalistas, professores e profissionais
liberais. (BRAGA, 1991, p. 293).
Berger (1998) analisa a ideia de lançar uma imprensa alternativa e quais foram
as suas verdadeiras intenções assim como os seus resultados. “Contribuiu para que
alguns assimilassem as novas possibilidades tecnológicas também (...) para que os
intelectuais olhassem a imprensa como lugar de exposição de suas ideias. Mas,
principalmente, serviu como estímulo para o investimento político e cultural em
periódicos” (1998, p. 96).
Na visão de Caparelli (1989, p. 96), esses jornais alternativos são como
micromeios de oposição: são “jornais de pequena tiragem, produzidos por profissionais
que utilizam suas horas de lazer na luta por uma ideologia e por isso, sem objetivos de
lucros pessoais”.
Já Kucinski (2007), discorre sobre a função econômica desse tipo de jornalismo
e de que forma ele consegue exercer seu papel de forma independente. “No alternativo,
jornalistas e intelectuais não são pagos para defender ideias dos outros, são mal pagos
para dizer exatamente o que pensam”. Ele enfatiza que “no alternativo, a notícia não é
merecedora: é valor de uso e não de troca. Não há nada mais anticapitalista do que isso,
ainda que o alternativo tenha que pagar alguns salários e aluguéis, usar alguma
publicidade” (2007, p. 1). Desse modo, é possível compreender que esse tipo de
jornalismo se arriscou em prol de sua nação, a fim de promover transformações
baseados no talento, inteligência e força de vontade, sem depender de terceiros, ou seja,
empresas e principalmente dos governantes.
A imprensa alternativa conquistou um importante papel no período do Regime.
Com suas características marcantes e com um forte grupo á seu favor, foi uma grande
aliada dos movimentos sociais, principalmente porque nasceu das ideias de lideranças
populares, estudantis, sindicais, jornalistas, intelectuais e ativistas políticos que agiam
pela necessidade de se engajar em uma causa importante para o país no momento, a
favor de uma população que clamava por algum tipo de justiça, que tivesse efeito e
conseguisse transformar e dar voz aos que tiveram que se calar.
38
Kucinski (1991) refere-se a esse jornalismo de oposição como “aquele feito no
período de 1970 a 1975, quando os jornais alternativos não eram símbolo, mas a própria
resistência tomada face à censura” (1991, p. 15).
Klein (2006, apud Kucinski, 1991), aponta que este fazer jornalístico
empreendido pelos jornais alternativos que alcançaram grande repercussão (e tiragem)
influenciou no surgimento de práticas diferenciadas, que se expandiram para inúmeros
jornais. Esse jornalismo está inserido em um panorama mais amplo de resistência
cultural: os alternativos tentavam driblar a censura, fugindo das mais variadas formas de
domínio e contando as histórias sob as formas mais variadas.
Na visão de Caparelli, os alternativos geralmente “refletem as ideologias dos
grupos que estão por trás desses projetos” (1989, p. 96). Nesse grupo de oposição ao
Regime, faziam parte os chamados subversivos, que faziam parte da imprensa em geral
e eram mais dispersos, logo, mais difíceis de serem identificados e recriminados. Nota-
se que a censura sobre os jornais e jornalistas dessa imprensa tenha sido mais rígida.
Com isso, a imprensa alternativa não nasce apenas como resultado da repressão política.
A direta pressão econômica dos empresários de comunicação também contribuiu na
formação de um grupo de jornalistas (entre redatores, ilustradores, escritores e
fotógrafos) com grande capacidade de produção que, aos poucos foi sendo afastado da
grande imprensa criando outra forma de trabalho jornalístico no campo alternativo.
A grande sacada desse novo jornalismo, segundo Klein (2006), se deve as
propostas jornalísticas diferenciadas que ele buscava realizar, as quais “devem aludir
novas angulações para a abordagem do cotidiano (portanto, constituindo uma alternativa
frente ao discurso dominante)”. Assim, a autora enfatiza que “ao mesmo tempo em que,
por traduzir um sentimento de mudança e de tentativa de engajamento, estas mesmas
propostas consistem, em si, numa ação específica para chegar à mudança pretendida”.
(2006, p. 69). A autora enfatiza que os jornais alternativos se arriscaram a encontrar
formas novas de produção de materiais. “Alguns se dedicaram a trabalhar com a charge,
desenhos, contos, crônicas, histórias de vida de pessoas variadas. Desafiaram-se a
buscar um espaço que estava fechado e, em boa medida, impulsionaram grandes
aberturas”. (2006, p. 76).
A emergência desse tipo de imprensa foi fundamental para uma grande
transformação no país. Com essa imprensa, nasceram inúmeros jornais que
revolucionaram os modos de dizer no jornalismo e alcançaram seus objetivos para com
a sociedade e a própria profissão.
39
No item seguinte, iremos contextualizar com ênfase, quais foram as causas do
surgimento desse tipo de jornalismo, que foi tão peculiar e interessante, visto que
nasceu por uma necessidade de mudança e conseguiu, através de seu engajamento,
transformar o modo de informar.
40
3.1 AS CAUSAS DO SURGIMENTO DOS JORNAIS
ALTERNATIVOS
No capítulo anterior, percebemos que o jornalismo alternativo foi criado como
forma de resistência, que se encaixa em uma forma de controlar informações que
afetavam a construção da realidade que está sendo vivida.
Desse modo, pudemos compreender que a Ditadura Militar não representou,
apenas, um período de intenso conservadorismo político, mas, um momento de moral e
costumes conservadores. Com ela, o silêncio foi imposto aos opositores do Regime
político e comportamental, e também àqueles que buscavam novos modos de expressão
cultural, artística e de vida. Para Berger (1991) “é na imprensa alternativa que os
intelectuais e os militares políticos dos partidos vão buscar material para suas análises
de conjuntura”. Desse modo, o autor ressalta imprensa se torna “a leitura predileta dos
estudantes de ciências sociais e o único espaço de trabalho para muitos opositores ao
Regime”. (1991, p. 15).
Nessas vertentes, iremos contextualizar o capítulo atual nos baseando em
especialistas no assunto, ou seja, que estudam a imprensa alternativa e suas raízes e
vertentes.
Benvenuto Junior (2007) trata desse assunto em sua pesquisa, e sobre essas
fortes características, traçou o termo como “uma imprensa que se constituiu a partir das
organizações sociais e políticas da oposição”, o autor enfatiza que nesse período se tinha
“um forte viés cultural, ao contar com a colaboração dos intelectuais do teatro, cinema e
da própria televisão, além de especialistas da área social, econômica e política” (2007,
p. 1).
De acordo com Festa (1986), a causa dessa imprensa se deu “sob o impulso da
promessa da abertura política, rearticulação dos movimentos sociais e sindicais, assim
como na tentativa de revelar os pensamentos das diferentes correntes de esquerda,
surgiram muitos jornais alternativos no período da Ditadura Militar”. A autora analisa
as origens dessa imprensa, assim como seus verdadeiros fundamentos:
A grande proposta dessa imprensa é construir um modo próprio de interpretar
a realidade, originário do campo de contestação à Ditadura, lançando ideias
para debater, seja através do humor, como o caso do Pasquim ou através de
outras vertentes. “A verdadeira tarefa de comunicar e relacionar os
41
acontecimentos ocorridos nos círculos do podre, no interior da sociedade
civil e entre os movimentos populares coube, efetivamente, à imprensa
alternativa e popular” (FESTA, 1986, p. 16).
Já, Pereira (1986) associa a imprensa alternativa à popular e dos partidos
populares afirmando que elas têm “de assumir um compromisso básico essencial com
seus leitores, de apoiar-se na realidade objetiva, na vida concreta que os leitores têm
diante de si”. Quanto aos intuitos dessa imprensa, o autor aborda que elas “pretendiam
compreender para libertar-se, ou seja, a realidade objetiva é, e não pode deixar de ser, o
ponto de partida” (PEREIRA, 1986, p. 75).
Deste modo, os chamados jornalistas-militantes, ou críticos ao Regime, em
parceria com os intelectuais e ativistas políticos, encontraram brechas para agir
politicamente e oferecer novas propostas de informação e cultura através dessa
imprensa independente.
Braga (1991, p. 231), ao escrever sua tese de doutoramento sobre o jornal O
Pasquim, traçou algumas caracterizações sobre os jornais alternativos, destacando que
“a maior parte deles é centrada diretamente na política, na análise dos acontecimentos,
tendendo a privilegiar o ângulo propriamente político”.
Então, é possível perceber que a imprensa nanica que brota neste cenário, tenta,
dentre outras coisas, quebrar justamente com a relação de poder estabelecido entre
empregados e empregadores em uma redação. Os jornais alternativos permitiam uma
estrutura diferente na rotina de produção, ou seja, os próprios jornalistas sendo
proprietários ou sócios da empresa, alguns, em decorrência da própria exclusão que
sofreram na grande imprensa dominante.
Após decretada a Lei da Imprensa em 1967, a visão dos jornais alternativos
começou a se transformar, com a finalidade de cutucar o governo e deixar claro que o
jornalismo não estava de olhos e ouvidos fechados. Desse modo, os jornalistas de
esquerda entram em ação. Cansados do autoritarismo, desejavam um novo sistema
social e procuravam informar a população dos temas de interesse nacional com um
enfoque crítico e inteligente. Esses jornais alternativos eram vendidos como os outros,
em bancas, por assinatura, nas universidades, centro de convenções, entre outros locais.
Independentemente do estilo seguido, os jornais da imprensa alternativa eram
dirigidos a certos grupos de leitores, especialmente aqueles que se identificavam com as
vertentes e ideias do jornal.
42
Os mandos e desmandos da censura são vistos como relações de poder na
tentativa de controle das mensagens em relação ao Regime, buscando diminuir a força
dos opositores. Kucinski explica:
Enquanto a censura exógena do Estado impede o exercício da liberdade, sem
necessariamente afetar a dignidade do jornalista – sua persona de homem
livre, - autocensura vai minando a integridade do ser, porque ele aceita a
restrição a sua liberdade e se torna ao mesmo tempo agente e objeto da repressão. (KUCINSKI, 2003, p. 238).
A importância histórica da imprensa vinculada à geração de 60 vai além de seus
elementos de cunho revolucionário. Os jornais independentes experimentaram diversas
formas de fazer gestão empresarial e de conformação e adaptação aos movimentos
restritos e combativos da censura militar. Os mesmos, precisaram se moldar a uma nova
maneira de fazer jornalismo, sem perder suas origens e anseios, mesmo com a imensa
repressão que o período ditava.
Trabalhos mais específicos, como de Aquino, em Censura, Imprensa e Estado
Autoritário (1968-1978), e Kucinski (1991), em Jornalistas e Revolucionários: Nos
Tempos da Imprensa Alternativa, exploram a censura militar sob visões diferentes,
porém igualmente abertas. A primeira aborda um jornal da chamada grande imprensa e
um da imprensa alternativa. Já Kucinski apresenta um olhar para a história dos jornais
alternativos em uma tentativa de guardar a existência das mais passageiras publicações
impressas nos anos de chumbo.
Para os jovens e sonhadores jornalistas, acadêmicos, estudantes e profissionais
liberais, este caráter de libertação, característica do jornalismo independente, gera
prazer e aproximação da realidade, tornando esse tipo de jornalismo inovador e
transformador por si só.
43
3.2 PERFIL DOS JORNAIS ALTERNATIVOS NOS ANOS DE
CHUMBO
Neste capítulo, vamos destacar as principais características dos jornais que
surgiram durante os anos 60 e 70 no Brasil. O período, que se refere ao mais intenso da
Ditadura Militar, fez com que os meios de comunicação procurassem uma saída para
buscar a democracia de volta, ou pelo menos, o direito de informar. Desse modo, os
jornais alternativos entram nesse cenário para transformar essa situação.
Para entendermos esse contexto é preciso conceituar a imprensa alternativa e as
funções que esse tipo de comunicação tinha nesse período conturbado do Brasil.
Iniciamos a contextualização desses jornais, contemplando a comunicação
popular ou alternativa. A mesma se caracteriza por uma forma de expressão de lutas
populares por melhores condições de vida que se iniciam a partir de movimentos sociais
e representam um lugar de participação democrática de um povo. Peruzzo (2006, p. 9),
conceitua o termo povo como “um conceito dinâmico, que se origina da ideia do
popular-alternativo e se localiza no universo dos movimentos sociais populares e lutas
por direitos de cidadania”.
Para Vieira (2005, p. 8), o termo comunicação alternativa, popular ou
comunitária, na forma como vem se desenvolvendo nos últimos tempos, constitui-se
por ser o canal de expressão de uma comunidade (independente do seu nível
socioeconômico e território), por meio do qual os próprios indivíduos possam
manifestar seus interesses comuns e suas necessidades mais urgentes.
De acordo com Gonçalves (2007, p. 11), os 21 anos da Ditadura Militar foram
marcados pela proliferação e auge da imprensa alternativa. A autora enfatiza que nessa
luta contra o poder, “Raimundo Rodrigues Pereira foi um dos jornalistas mais
importantes e ativos desta fase”. Pereira em Vive a imprensa alternativa. Viva a
imprensa alternativa, publicado no livro “Comunicação popular e alternativa no
Brasil”, o surgimento dessa imprensa se encaixa no contexto do Regime Militar devido
os seus fundamentos. Essa imprensa, vê na censura aos meios de comunicação, na
repressão às atividades culturais e intelectuais, o motor para continuar caminhando, ou
seja, a principal razão para jornalistas, intelectuais e setores da esquerda investir nessa
luta.
44
Abaixo, Peruzzo analisa a origem e a função da comunicação popular ou
alternativa face ao seu público alvo e ao momento em que a mesma se insere na
sociedade brasileira:
Sua origem se deu entre 1970 e 1980, no Brasil e na América Latina. Possui
caráter mobilizador, com sede de mudança, que visa suprir as necessidades
populares buscando uma inserção maior desse povo na sociedade. Esse tipo
de comunicação possui conteúdo crítico e reivindicativo e tem o povo como
principal agente, o que a torna um processo justo e educativo. Ela não se
caracteriza como um tipo qualquer de mídia, mas como um processo de
comunicação que emerge da ação dos grupos populares (PERUZZO, 2006, p.
2).
A autora analisou o conceito baseado em seu papel face o contexto. “A
comunicação popular ou alternativa possui conteúdo crítico-emancipador e
reivindicativo, constituindo o “povo” como protagonista principal, o que a torna um
processo democrático e educativo” (PERUZZO, 2006, p. 4).
Pereira (1986 : 55-56) analisa esse tipo de imprensa partindo de sua origem,
assim, chegando aos pressupostos de seu papel. Diz que “a imprensa alternativa foi
expressão da média burguesia, dos trabalhadores e da pequena burguesia” Esse tipo de
imprensa, “defendeu os interesses nacionais e populares, portanto, condenava o Regime
Militar”. Desse modo, o que caracteriza o jornal como alternativo é o fato de representar
uma opção enquanto fonte de informação, pelo conteúdo que oferece e pelo tipo de
enfoque.
Kucinski (1991, p. 15) afirma que parte dos veículos de comunicação alternativa
desse período possuía jornalistas motivados por ideais políticos de esquerda. No livro
Jornalistas e Revolucionários – nos tempos da imprensa alternativa, ele aponta que
brotaram durante a ditadura, “131 jornais alternativos, sendo que 94 deles sobreviveram
menos de um ano”. O autor ressalta que apesar de ter caráter militante, como lembra
Braga (1991), “os alternativos são também informativos e necessitam se manter como
empresa para sobreviver, já que não são sustentados por um partido”.
Nos anos 60, em uma época em que a maioria dos grandes jornais se alinhava à visão
oficial do governo, por opção político-ideológico ou devido à censura, a imprensa
alternativa representada pelos pequenos jornais, em geral com formato tabloide, ousava
avaliar com críticas os acontecimentos da ditadura. São exemplos, o Pif-Paf, lançado
em 1964; o carioca Pasquim, que nasceu em 1969, Pato Macho (1971), de Porto Alegre
– RS ,Opinião (1972), de São Paulo. No ano de 1975, podemos citar o jornal De fato, de
Belo Horizonte, Versus e Movimento, de São Paulo, além de Coojornal de Porto Alegre.
45
Já em 1976, nasceu o também porto-alegrense Informação. Em 1977, foi a vez de
Repórter e Em Tempo, ambos de São Paulo. Kucinski analisa, que esses jornais, que se
lançaram na Ditadura Militar, “foram quase todos os embriões de futuras equipes que
tiveram grande importância no jornalismo". (KUCINSKI, 1998, p. 192). O autor
distingue os grupos de jornais alternativos do período de 1964 e 1980 em relação à linha
editorial que seguiram. Alguns eram predominantemente políticos, com raízes nos
ideais marxistas que dominavam o ambiente cultural e estudantil desse período.
Entre os principais jornais dos anos 60, destacam-se Movimento e Opinião. Esses, foram
os únicos, em toda a imprensa brasileira, que conseguiram publicar sistematicamente
denúncias políticas sobre as agressões da ditadura, além de denúncias econômicas sobre
o crescente endividamento externo do Brasil e as movimentações sociais contra o
sistema. Esses jornais apresentavam e debatiam temas clássicos da esquerda, em um
estilo crítico e carregado de uma ideologias marxistas.
Araújo (1998), em Uma história do tempo presente: política, esquerda e
imprensa alternativa no Brasil dos anos 70, sua tese de doutorado, engloba os diversos
tipos e abordagens desse tipo de jornalismo.
A imprensa alternativa congregava jornais de vários tipos: 1)
jornais de esquerda que se vinculavam tanto a jornalistas de oposição quanto
aos partidos e organizações políticas clandestinas; 2) revistas de “contra-
cultura”, que reuniam e artistas “alternativos” ou “malditos”, que produziam
fora do esquema comercial e 3) publicações de movimentos sociais
englobando neste campo o movimento estudantil, os movimentos de bairro e
os jornais das chamadas minorias políticas, como a imprensa feminista, a
chamada “imprensa negra”, os jornais de grupos homossexuais organizados,
as publicações indígenas, etc. (ARAÚJO, 1998, p. 158-159).
Pode-se entender que o jornalismo alternativo desse período alcançou inúmeros
leitores, dos mais diferentes modos de pensar, agir, seus anseios e ideais.·.
As narrativas desses jornais alternativos aproximavam-se dos aspectos literários
e do jornalismo narrativo, entre eles estavam Bondinho, Ex e Versus. Segundo Kucinski
(1991, p. 123), O Bondinho nasceu, em novembro de 1971, como uma revista
tradicional, voltada para a classe média paulistana, produzida por uma empresa
jornalística alternativa, a Arte & Comunicação (A&C), distribuída no maior
conglomerado de supermercados do Brasil, o Pão de Açúcar.”. Já o Ex, de acordo com
Kucinski:
realiza em toda sua plenitude o estilo da equipe de Realidade, o jornalismo
de ruptura, a narrativa forte, uma linguagem sem barreiras à leitura, a
46
ambição por grandes tiragens. Ex expressa a ansiedade do grupo em produzir
um jornalismo contundente, que vá direto à ferida, sem metáforas, sem
compromissos com a censura. que seja totalmente político sem precisar das
muletas do discurso pedagógico. (KUCINSKI, 1991, p. 127).
O jornal mensal Versus, iniciou sua trajetória desvinculado a partidos políticos,
porém com o tempo se tornou partidário. “O jornal passou a atrair ativistas do
movimento clandestino Liga operária, que tornaram-no um jornal organizador de
partido”. (KUCINSKI, 1991, p. 69).
Ainda discutindo sobre esses alternativos, o mesmo autor diz eles “procuravam
novas categorias explicativas da vida e dos conflitos humanos, que ousaram desafiar a
moral pudica dos marxistas ao abrir a discussão sobre a homossexualidade e o prazer”
Entre esses jornais, o autor cita Lampião da Esquina, dirigido por Aguinaldo Silva, que
discutia abertamente temas como a homossexualidade. Mulherio, Brasil Mulher e Nós
Mulheres, inspirados nos movimentos feministas franceses. (KUCINSKI, 1991, p. 72).
Políticos, culturais, literários, humorísticos, todos os alternativos, de uma forma
ou outra, sofreram, foram recriminados e vigiados pelo Regime militar. No universo dos
jornais alternativos de base filosófica existencialista, destaca-se O Pasquim. Através do
humor, criticou paradigmas e enfrentou os tabus da moral vigente – liberação sexual,
entre outros temas foram levantados e discutidos, suscitando escândalos e provocando
reações apaixonadas. (QUEIROZ, 2004, p. 232). Podemos sintetizar a presença no
tempo e divisão do espaço da imprensa alternativa, estudado por Kucinski (1991),
através do gráfico que segue.
NÚMERO DE JORNAIS ALTERNATIVOS POR TEMPO DE DURAÇÃO (1964-
1980)
Figura 3
Mais de 10 anos
De 6 a 10 anos
De 3 a 5 anos
De 1 a 2 anos
Jornais efêmeros (menos de
1 ano)
47
Gráfico 01: Elaborado a partir dos dados do livro de Bernardo Kucinski, Jornalistas e
Revolucionários – Nos Tempos da Imprensa Alternativa. 2ª edição. São Paulo: Edusp, 1993.
No gráfico, é possível analisar que os jornais de cunho independente e
alternativo não tiveram uma vida tão longa assim. O Pasquim foi exemplo mais
duradouro da história da imprensa alternativa do país. O tabloide que trazia o humor
como principal munição, é visto como um dos principais jornais alternativos ao lado de
Movimento e Opinião. No total, o Pasquim viveu 22 anos, porém, durante os primeiros
seis anos, foi que o jornal conseguiu transpor de forma mais brilhante o seu papel na
sociedade. Após o fim da censura prévia para o Pasquim, em 1975, o jornal perde um
pouco sua vertente.
A imprensa alternativa do Brasil foi uma aliada fundamental dos movimentos
sociais, principalmente por ser feita de lideranças de movimentos populares, ativistas
políticos que agiam na ilegalidade por intelectuais que percebiam a necessidade de
engajarem-se na luta pró-democratização e que, muitas vezes, fizeram isso pela
comunicação. Foram muitos os casos que, como por exemplo, os jornais Amanhã, Pif-
Paf e Informação, que exerceram influência decisiva nos campos da política e do
jornalismo em apenas meia dúzia de edições. (KUCINSKI, 1991, p. 24).
Os jornais alternativos se desafiaram a encontrar maneiras diferentes de
produção de materiais. Alguns partiram para o lado do humor e trabalharam com
charges, desenhos, outros com contos, crônicas e histórias de vida de pessoas variadas.
Porém, o desejo de liberdade e o anseio de promover a diminuição das desigualdades é
que realmente alimentaram os jornalistas da imprensa alternativa desse período.
Consequentemente, os jornais frutos de seu trabalho espelham estas características.
Caparelli (1980) observa que a maioria dos jornais alternativos foi fundada na
passagem do governo Médici para o governo Geisel. Essa difusão no início do governo
Geisel expressou também a esperança vivida pela sociedade. As pequenas esperanças
que, por esse tempo, “levaram luz ao ambiente autoritário talvez tivessem sido
impossíveis um ano antes, durante a censura mais feroz do governo Médici” (1980, p.
54).
Desse modo, apesar da intensa resistência aos meios alternativos, os jornais
alternativos entraram na pauta da teoria e dos debates acadêmicos ganhando destaque na
luta pela liberdade de expressão, porém eles não transformaram o mundo. Mas também
é verdade que chamaram a atenção da mídia comercial para temáticas que não podiam
48
mais ser desconhecidas ou ignoradas e foram impulsos para discussões importantes e
que visavam o futuro de um país.
Em 1979 com o fim do AI-5 não significou o fim da imprensa alternativa no
país. A mesma percorreu outros caminhos, tendo papel fundamental na luta pelo retorno
das eleições diretas, que aconteceu em 1984 com a campanha que ficou conhecida como
Diretas Já. Porém, a imprensa alternativa só perdeu suas forças com a redemocratização
do país, embora no que se refere à política, os meios de comunicação estarão sempre
alertas para contar o que está acontecendo, afinal, este é o papel da imprensa, seja ela
alternativa ou não.
Através desse estudo, consideramos o quão importante é ressaltar o papel que a
imprensa alternativa teve na história do Brasil ao longo dos anos em que esteve em
vigor o AI-5, embora com a censura sempre ao lado, essa imprensa esteve sempre na
luta pela democracia e liberdade de nosso país.
O que se pode observar é que o termo imprensa alternativa é bastante amplo,
pois a categoria não só ficou ligada aos pequenos jornais que nasceram nos anos da
Ditadura Militar como também implica tão somente veículos impressos.
As pesquisas sobre esse tipo de imprensa têm sido bastante amplas e diversas,
que buscam novas ideias e perspectivas para se entender um fenômeno que de modo
algum é recente na política e na cultura. Portanto, a leitura desses autores e suas
abordagens, conservados os enfoques e a opinião de cada um, se completam e
contribuem para clarear os múltiplos objetos alternativos que se fazem presente na
história do jornalismo brasileiro, na linguagem, na cultura, assim, oferecendo
contribuições para um sistema mais democrático de comunicação.
Após contextualizarmos o jornalismo alternativo com suas raízes e fundamentos,
partimos para um próximo capítulo que nos apresenta o semanário O Pasquim no
âmbito do jornalismo alternativo e de sua importância no período da Ditadura Militar
para o jornalismo e os novos modos de informar.
49
4. CHEGADA DO PASQUIM
Neste capítulo, vamos tratar do semanário O Pasquim, como um dos principais
jornais dos anos 70, e nesse contexto, sendo o mais influente do período. Baseado no
humor, o tabloide conseguiu conquistar uma legião de leitores e de fãs. Esse jornal foi
escolhido como o tema desta, pelo seu caráter transformador, corajoso, inteligente e
irreverente.
Iniciamos o capítulo com o histórico do tabloide face ao período em que ele se
insere. Ou seja, em plena vigência do AI-5, em 1969.
Neste período, a imprensa brasileira estava amordaçada, assim como a classe
artística, que usava sua criatividade para criar códigos que pudessem driblar a censura e
alertar a população dos acontecimentos do Regime. O decreto do AI-5 foi um marco no
Regime militar. A imprensa, que até então mantinha uma coerente autonomia,
surpreendeu-se com os rigorosos mecanismos de repressão do governo. É nesse
turbilhão de momentos que surge no Brasil o jornal mais influente de oposição à
Ditadura Militar: O Pasquim.
O nome do jornal carioca foi escolhido por Jaguar, que criou o jornal juntamente
com o Ivan Lessa. Sobre a origem do Pasquim,tecemos em seguida algumas noções de
caráter histórico e linguístico,antes de avançar no capítulo. Pasquim vem do italiano
‘paschino’ e significa jornal ou panfleto difamador. Porém, a palavra pasquim tem um
histórico que vai além do semanário carioca, e neste sentido, relataremos, um breve
apanhado sobre o aparecimento desta modalidade de jornal na imprensa no Brasil.
A noção de Pasquim teve uma grande importância no contexto histórico do país,
assim como para o jornalismo, pois a partir dos primeiros Pasquins, diversas técnicas de
escrita revolucionaram os modos de informar e até hoje são seguidas pelos jornais e
revistas, como no caso da transcrição das entrevistas estilo pergunta e resposta,
originadas dos Pasquins do século XIX.
Iniciamos a trajetória da imprensa no país, a partir da chegada da Corte ao Rio
de Janeiro e do processo que veio a conduzir à Independência do Brasil. Aliás, já antes
dessa chegada, em 1917, Basílio de Magalhães tinha escrito sobre Os Jornalistas da
Independência, no qual relatou a turbulenta atividade dos jornais pré e pós
Independência. Ou seja, a imprensa já começa a dar seus primeiros passos.
50
Estudos sobre esse período foram feitos por Mecenas Dourado, por exemplo, em
1957, com a obra Hypólito da Costa e o Correio Brasiliense, que contava a trajetória do
primeiro jornalista brasileiro. Além dele, outro autor, dedicou-se a escrever sobre a
imprensa no Brasil. Juarez Bahia, por exemplo, em Três Fases da Imprensa Brasileira,
lançado em 1960. Porém, autores portugueses iniciaram seus estudos sobre imprensa e
história do jornalismo, antes, em 1857, ano em que Tito de Noronha escreveu Ensaios
Sobre a História da Imprensa. Na obra o autor discute sobre a introdução e evolução da
tipografia em Portugal, no qual são apresentados dados sobre as primeiras folhas
noticiosas bem como sobre os primeiros jornais do país.
Outro importante especialista sobre o assunto é Nelson Werneck Sodré,
historiador brasileiro e autor da obra História da Imprensa Brasileira. Para Sodré, a
imprensa brasileira, “nasceu com o capitalismo e acompanhou o seu desenvolvimento”
(SODRÉ, 1999, p. 10). Esta frase indica o enquadramento materialista que o autor dá à
história da imprensa. O autor discute sobre as tentativas burguesas de controle do
jornalismo, ligadas ao desenvolvimento do capitalismo:
a história da imprensa é a própria história do desenvolvimento da sociedade
capitalista. O controle dos meios de difusão de ideias e de informações – que
se verifica ao longo do desenvolvimento da imprensa, como reflexo do
desenvolvimento capitalista (...) – é uma luta em que aparecem organizações
e pessoas da mais diversa situação social, cultural e política, correspondendo
a diferenças de interesses e aspirações. Ao lado dessas diferenças, e
correspondendo ainda à luta pelo referido controle, evolui a legislação
reguladora da atividade da imprensa (SODRÉ, 1999, p. 1).
O livro de Sodré (1999) divide-se em seis capítulos dedicados à imprensa
Colonial, à imprensa da Independência, ao pasquim, à imprensa no Império, à Grande
Imprensa e à crise da imprensa. Para esse autor, que estudou a imprensa em sua
profundidade, a Independência do Brasil em 1922, não trouxe liberdade de imprensa ao
país, e sim, a permanência da censura e da repressão: “É na medida em que
compreendem a necessidade de limitar a Independência que os representantes da classe
dominante colonial opõem restrições à liberdade de imprensa” (SODRÉ, 1999: 42 - 45).
Sodré (1999) prossegue, discutindo que a Independência não nem liberdade de
imprensa nem, muito menos, democracia, mas deve ser saudado o “período rico (...),
quando aparecem, e proliferam, os periódicos (...) de combate, de linguagem virulenta,
em que a historiografia oficial tem visto apenas os aspectos negativos, sem sentir neles
o fecundo exemplo (...) de avanço no esclarecimento da opinião.” (SODRÉ, 1999, p.
82). O autor discorre que “a historiografia oficial vê sempre a ordem, a democracia, o
51
desenvolvimento, quando, na verdade, foi a mais (...) atrasada [época] de nossa história”
(SODRÉ, 1999, p. 85).
Após a Independência de 1822, o país vive um avanço liberal que, de acordo
com Sodré, permitiram o surgimento do pasquim, “imprensa peculiar, cujos traços de
grandeza e autenticidade são normalmente apresentados como impuros” (SODRÉ,
1999, p. 85). A fase dos pasquins é encarada pelo autor, como a fase de propagação do
jornalismo no Brasil, produto de iniciativas individuais ou de grupos formados,
geralmente de liberais, de esquerda ou de direita. Sodré ainda classifica os pasquins da
seguinte maneira:
Eram vozes (...) bradando em altos termos e combatendo desatinadamente
pelo poder que lhes assegurasse condições de existência compatíveis ou com a tradição ou com a necessidade. Não encontrando a linguagem precisa (...), a
norma política adequada aos seus anseios, e a forma e organização a isso
necessárias, derivavam para a vala comum da injúria, da difamação (...). Não
podiam fazer uso de outro processo porque não o conheciam (...) num meio
em que a educação (...) estava pouquissimamente difundida (...), em que os
que sabiam ler não tinham atingido o nível necessário ao entendimento das
questões públicas e em que os que haviam frequentado escolas superiores se deliciavam em estéril formalismo (...), a única linguagem que todos
compreendiam era mesmo a da injúria. (SODRÉ, 1999, p. 157).
Já Sousa (2008), professor e pesquisador em Jornalismo, estuda sobre os jornais
de cunho revolucionário e difamador, como os pasquins. O autor discute sobre o perfil
desses jornais, “que tinham uma periodicidade incerta, poucas páginas e que geralmente
eram preenchidas através de artigos” (SOUSA, 2008, p. 20). O especialista comenta
sobre a origem e trajetória desses periódicos:
Vários deles nasceram no contexto das revoltas liberais e republicanas que
agitaram o Brasil até à estabilização da situação, já no reinado de D. Pedro II. Cada número podia conter um único artigo, sendo que no primeiro número
era, por regra, apresentado um “programa” esclarecedor dos motivos pelos
quais um novo periódico vinha a público. Normalmente, tinham vida curta e
muitos apenas publicaram um número. Eram, com frequência, produto do
trabalho de um homem só, mas por isso também eram livres e
desassombrados, sendo por vezes necessário recorrer à força para os
silenciar. (SOUSA, 2008, p. 20).
O autor salienta também, que além de artigos, nesse mesmo período, começaram
a surgir novas modalidades de pasquins, os humorísticos. (1999:20).
Já Sodré (1999, p. 180) classifica a época de 1830-1850 como “o grande
momento da imprensa brasileira”, principalmente devido à autenticidade e a liberdade
que adotam os pasquins. E tão grande a admiração que Sodré tem por esse tipo de
52
jornalismo, que ele sugere que “esse foi o jornalismo mais autêntico e não o industrial e
informativo”. (SODRÉ, 1999: 15 - 16).
Tengarrinha (1989), também historiador brasileiro e pesquisador na área do
jornalismo impresso, classifica os pasquins, antes deles se estenderem “aos jornais de
baixa qualidade e pouca moral”, como um “pequeno texto, com mais frequência
manuscrita, contendo acusação direta e simples, sem fundamentação.”
(TENGARRINHA, 1989, p. 75). Desse modo, se traduz que a opinião de Tengarrinha,
tem por trás, uma crítica ao estilo dos pasquins, do contrário que escreveu Sodré, no
qual preferiu salientar os traços de autenticidade e o esforço que os pasquins faziam
para alimentar e comandar com liberdade as correntes de opinião que traziam em suas
páginas e vertentes.
Esses pasquins, que por vezes continham apenas duas folhas, com formato
tabloide. Esse jornaleco, também foi chamado de samizdat. Para organizar o conjunto
expressivo de publicações recebidas o Centro de Imprensa Alternativa e Cultura Popular
elaborou um instrumento de pesquisa em que estão relacionados todos os jornais,
revistas, cadernos, boletins, suplementos e folhas, trabalho coordenado por Leila
Miccolis e Marcos Augusto Gonçalves. Neste acervo, o conceito de imprensa
alternativa engloba todos aqueles periódicos que contestavam diretamente o regime de
exceção imposto a partir de 1964 e os que constituíam veículos de movimentos e
correntes de esquerda, que agiam e pensavam de forma independente, que não possuíam
ligação a esquemas governamentais ou econômicos, mas sim, ligados ao
comportamento, linguagem, além de uma diagramação arrojada para a época.
Os jornais que se caracterizavam samizdat, tinham por características principais,
folha, tamanho ofício, grampeada, variando o número de páginas de duas a vinte, com
distribuição em São Paulo. Continha esquema de assinaturas, desenhos e textos. De
acordo com Miccolis (1986, p. 148), esses tabloides se caracterizavam por ser “um
jornalzinho de linha sem linha.” Leila Miccolis é escritora, editora e professora de
roteiro em televisão.
Retomando ao jornal O Pasquim, nosso objeto de pesquisa, após fazer um uma
breve explicação sobre a origem da palavra pasquim, seus significados, assim como as
suas funções dentro do jornalismo. Constatamos, que o jornal O Pasquim foi criado
justamente pelos mesmos embasamentos que o restante dos pasquins. Procurava
transformar, movimentar e acima de tudo informar, seja de forma clandestina ou não.
Para isso, nosso objeto de pesquisa usou o humor, que foi muito bem aceito pelos
53
leitores mais críticos ao regime e até hoje é lembrado e estudado devido sua
contribuição para o jornalismo.
Enquanto o Regime militar gerou o estabelecimento de um estado de medo para
extinguir atos de oposição, o humor foi usado pelo Pasquim como ferramenta de
divulgação de um sentimento de descontentamento.
A imprensa inteira mudou depois de O Pasquim. Era difícil você lê uma
entrevista despojada dentro de um grande jornal. O Pasquim trouxe um frescor maior ao jornalismo. (Angeli – cartunista. Documentário: O Pasquim,
a subversão do humor, 1999).
De acordo com o documentário, O Pasquim entra no cenário jornalístico,
reunindo alguns dos mais brilhantes jornalistas, cartunistas e chargistas da época para
satirizar o opressivo e desconjuntado dia-a-dia nacional. O tabloide surgiu em junho de
1969 como um jornal de bairro. Em especial, de um bairro da Zona Sul da cidade do
Rio de Janeiro, Ipanema. Nem todos seus jornalistas eram cariocas, mas em suas
trajetórias distintas constituíram um jornal a partir das referências da realidade do Rio
de Janeiro e de Ipanema, lugar no qual a maioria residia. “Ele foi produzido por Jaguar,
Tarso de Castro, Sérgio Cabral, Ziraldo, Millôr Fernandes, Claudius Ceccon e Carlos
Prosperi que executou o projeto gráfico. Aos poucos, outros profissionais do humor
foram se juntando a estes, formando assim a chamada patota d’O Pasquim” (A
subversão do humor, TV Câmara, 1999).
Até mesmo o mineiro Ziraldo, membro da patota, que não nasceu nesse
ambiente carioca, mas o incorporou em seu cotidiano, declarou que “O Pasquim foi
feito pra Ipanema. Naquela época Ipanema significava o Olimpo. O Pasquim vai
divulgar esse modus vivendi”. (ZIRALDO apud STEFANELLI, 2004).
Entre os cargos, o fundador, Jaguar ocupou o cargo de editor de humor, os
jornalistas Tarso de Castro (editor chefe), Sérgio Cabral (editor de texto), Carlos
Prosperi (editor gráfico) além dos cartunistas Ziraldo, Henfil e Millôr Fernandes, Ivan
Lessa, Miguel Paiva, Claudius, Paulo Francis, Luiz Carlos Maciel. Aos poucos, a
equipe aumenta e chega Sérgio Augusto, Caetano Veloso, Vinícius de Moraes, Glauber
Rocha, entre outros.
O projeto inicial do jornal era não possuir ideologia nenhuma, e sim, apenas
fazer humor, mas com o tempo foi impossível não tomar partido do que acontecia na
época. Com uma linguagem informal foi um periódico que deu voz a jornalistas, artistas
54
e intelectuais e sua primeira edição contava com textos da atriz Odete Lara, que se
encontrava no festival de Cannes, e do cantor e compositor Chico Buarque, direto de
Roma.
A equipe do Pasquim, sem saber no que ia resultar essa união, tinha um
pensamento de realmente manter o jornal desvinculado da política, porém com o passar
do tempo, a patota se tornou assumidamente engajada na luta contra o Regime, usando
o humor como principal arma.
55
4.1 COMO NASCEU O PASQUIM
Neste capítulo, vamos voltar no tempo, mais precisamente no ano de 1969,
quando foi o criado o jornal semanário que contribuiu substancialmente para modificar
o modo de informar no jornalismo e que através do humor como linguagem de
comunicação, levou a informação a uma geração que sofria com os desmandos de um
governo ditatorial.
Poderia parecer loucura, criar um jornal de humor, logo após o AI-5, decreto que
limitava a liberdade de expressão no país. Porém, o tabloide conseguiu, com
inteligência e sutileza, ser o emissor de tantas informações sobre o país, através do
humor.
Jaguar no documentário O Pasquim, a revolução pelo cartum (1999), conta que
foi no bar Jangadeiros, em Ipanema, que ele e Tarso de Castro reuniram-se para discutir
a abertura de um novo jornal. Este mesmo bar, além de outros do mesmo ambiente
carioca, tornou-se ponto de encontro intelectuais, ligados à vida boêmia, bebida
alcoólica, bares e madrugadas. Os principais frequentadores eram artistas, jornalistas,
escritores, enfim, pessoas vinculadas ao campo de produção cultural e alternativa da
época. Segundo Flores,
Para os lados do Leblon e Ipanema, tanto as esquerdas quanto as direitas
estariam tão próximas nos botecos, na praia, nas redações que a situação
parecia estimular um paradoxo. [...] Tanto o humor reacionário quanto o
humor pasquiniano [saíram] dos redutos elitizados da zona sul carioca e, não
raras às vezes, se [cruzaram] nos calçadões das praias, nas redações dos
jornais e nos botequins do Rio de Janeiro, ainda capital cultural e ideológica
da República. (FLORES, 2002, p. 170-171).
Desse modo, o Pasquim chega às bancas com uma forma simples: humor, ironia
e entrevistas que formava a principal característica do semanário. Contava com
ilustrações, textos curtos e frases que tinham vários sentidos com uma espécie de código
secreto que os editores usavam com os leitores. Na primeira edição do tabloide, em um
texto satírico, editado no alto da primeira página, a equipe expunha o seu ideal:
O Pasquim surge com duas vantagens: é um semanário com autocrítica,
planejado e executado só por jornalistas que se consideram geniais e que,
como os donos dos jornais não conhecessem tal fato em termos financeiros,
resolveram ser empresários. É também um semanário definido, a favor dos
leitores e anunciantes, embora não seja tão radical quanto o antigo PSD. Até
agora o Pasquim vai muito bem, pois conseguimos um prazo de 30 dias para pagar as faturas. Este primeiro número é dedicado à memória do nosso
56
Sérgio Porto, que hoje deveria estar aqui conosco. (O Pasquim, 1ª edição em
26 de junho de 1969).
Na última página, aparecia o expediente: Tarso de Castro (editor), Sérgio
Jaguaribe (editor de humor), Sérgio Cabral (editor de texto), Carlos Prósperi (editor
gráfico), Claudius Ceccon e Murilo Pereira Reis (diretor-responsável).
O único jornal da imprensa alternativa que conseguiu, durante a Ditadura
Militar, passar pelos diferentes momentos e formas de censura foi o Pasquim. Baseado
em um discurso humorístico e subjetivo, o semanário ocupou um espaço de produção de
acordo com o período e com seu ambiente cultural, tornando-se o porta-voz de uma
geração que o moldou, o alimentou e o fortaleceu. Suas 300 primeiras edições,
publicadas entre 1969 e 1975, tornam-se fonte e objeto de pesquisa, mostrando os
elementos de contestação dos novos grupos culturais daquele momento e as formas de
repressão em relação ao jornal e aos seus redatores, além de, principalmente, comprovar
que o jornal só sobreviveu porque fazia parte de um grupo cultural forte e engajado,
disposto a ajudar em sua produção, e porque contava com uma linguagem baseada no
humor.
Para Chinem (1995), “não há jornal brasileiro importante que não tenha sido
influenciado pelo idioma do Pasquim, direta ou indiretamente” (CHINEM, 1995, p. 45).
O Pasquim conseguiu transpor, de forma ímpar, os limites de duração e de
alcance da imprensa alternativa, estabelecendo a linguagem do humor como um
elemento importante nas manifestações de oposição durante a Ditadura Militar brasileira
O semanário conquistou uma tiragem de 80 mil exemplares já na edição de
número 16 e chegou a imprimir, em dezembro do mesmo ano de seu lançamento, 250
mil exemplares semanais, além de ter recebido anúncios de grandes multinacionais,
como a Shell. O tabloide chegou a vender mais do que a famosa revista Veja e também
a Manchete, ainda nos primeiros anos de lançamento.
Segundo Jaguar conta no documentário O Pasquim, a subversão do humor de
1999, no início da trajetória do jornal, a própria equipe acreditava que o semanário seria
um fracasso e seria apenas um jornal comportamental e humorístico (que falava sobre
sexo, drogas, entre outros assuntos), porém aos poucos foi se tornando politizado e
opositor da Ditadura que assolava o país.
Porém, ao contrário do que pensavam, o Pasquim carioca passou a ser o porta
voz da indignação social brasileira sendo uma dos principais jornais de resistência à
Ditadura Militar, que através da linguagem do humor contestou e protestou junto com
57
um coro de descontentes. Segundo conta o cartunista Cláudius (1999), o jornal fazia um
diálogo com os leitores:
Eu acho que o que havia, era uma cumplicidade que nós tínhamos com os
leitores, que era absolutamente extraordinária. A gente sabia muito bem que a
gente podia ser hermético que o censor não ia perceber isso, mas, ali adiante,
certamente o leitor ia saber o que a gente estava dizendo. Era uma espécie de
um código secreto que a gente utilizava com o leitor (Cláudius – Documentário O Pasquim, a subversão do humor. TV Câmara, 1999).
Kucinski (1991, p. 156) aponta que o Pasquim revolucionou a linguagem do
jornalismo brasileiro, instituindo uma oralidade que ia além da mera transferência da
linguagem coloquial para a escrita do jornal. Além disso, ele aponta alguns traços que
caracterizariam o jornal por toda a sua existência, dentre os quais a grande entrevista
provocadora e dialogada.
Com essa linguagem inovadora, o jornal conquistou o objetivo de toda
comunicação: a expressividade. “O Pasquim gerou uma prosódia, no processo de
retomar a fluidez da escrita. Produziu um tom, uma sonoridade que o distinguia dos
outros jornais da época”. Assim, o tom pasquiniano apareceu “como se fosse uma
cacoépia, uma pronúncia errada, diferentemente da ortoépia dos outros periódicos”.
Essa distinção entre os jornais já bastava para gerar um efeito humorístico, uma vez que,
ao tomar distância da escrita da imprensa dominante, O Pasquim exerceu um efeito de
sátira sobre as normas costumeiras. (QUEIROZ, apud BRAGA, 2009, p. 308).
O Pasquim era representado com uma série de especificidades que compunham
suas páginas. Estas reunidas caracterizavam o jornal com uma originalidade tamanha, a
qual provocou uma imagem do periódico, enquanto marco do jornalismo no Brasil.
Segundo Queiroz (2008), “se por um lado O Pasquim criticava o autoritarismo
do regime que se instalou no poder desde 1964, e depois com o AI-5, em 1968”, acabou
com as liberdades civis e políticas (...) e de acordo com a autora por outro lado, “o
jornal exerceu um autoritarismo ferrenho no que diz respeito a seu comportamento,
principalmente em relação ao bairro de Ipanema e à cidade do Rio de Janeiro”
(QUEIROZ, 2008, p. 224).
A autora ainda continua a afirmação, relatando que quando se referiam a outros
bairros, em especial os da Zona Norte carioca, os pasquinianos não os incluíam na
memória boêmia do Rio, apesar de existirem no jornal, colaboradores vindos dessa
parte da cidade, como no caso de Aldir Blanc (criado na Vila Isabel) e Millôr
58
Fernandes, no Méier. Entretanto, Queiroz enfatiza que “na maioria das vezes davam
destaque aos bares da Zona Sul, como o Jangadeiros e o Zeppelin. Além disso,
enfatizavam que, de Ipanema, lançavam moda e regras para outras regiões do país”.
Assim, os convencidos da patota, acreditavam que o bairro de Ipanema transmitia
hábitos e costumes, os quais eram divididos não só pela sociedade carioca, como
também pelo restante do país. A autora explica:
A polêmica foi instaurada quando os pasquinianos criticaram abertamente
diversas cidades. Mesmo abrindo espaço para a réplica de outros jornalistas
no semanário, prevalecia a opinião de seus colaboradores no final do
confronto, pois quando achavam que o assunto já estava esgotado,
encerravam a discussão. O autoritarismo também pode ser observado em suas entrevistas. Quando não concordavam com alguma opinião do entrevistado,
mudavam a pergunta ou acabavam com a entrevista. (QUEIROZ, 2008, p.
224).
Entre os temas abordados, a sátira à cidade de São Paulo esteve presente em
diversas edições. O contraponto era feito através da consagração do Rio de Janeiro.
Com o intuito de acabar a discussão entre cariocas e paulistas, que durou cerca de cinco
edições do jornal, Millôr Fernandes escreveu duas crônicas, ambas com o mesmo título:
“Parem com isso, meninos!”. O seu ponto de vista, entretanto, não era a de acalmar os
ânimos e, sim, promover uma reação autoritária para que o ponto final fosse dado por
eles (de São Paulo). A primeira crônica terminava com a seguinte reflexão:
Também é um hábito antigo do paulista se queixar do clima do Rio. E, no
entanto, este se equilibra admiravelmente entre dias infernalmente quentes e
dias de calor insuportável. Nem todo mundo pode ter aquele clima admirável
de São Paulo, que vai desde dias de garoa nojenta até noites de umidade
doentia. (O Pasquim - nº 14, 1969, p.: 4-5).
Além desse capacidade, que provinha de uma equipe extremamente talentosa e
criativa, o tablóide conseguiu modificar a linguagem jornalística usada até então,
reproduzindo a linguagem escrita da oral, e isso acabou por influenciar a propaganda,
como também transformou a linguagem coloquial. O Pasquim fez uso de palavrões, que
ficavam disfarçados através de neologismos, que daí em diante poderiam ser falados,
publicados e (re) interpretados.
Henfil, integrante da patota, destacou o valor das transformações de linguagem,
de estilo e de conteúdo que o semanário introduziu na cena jornalística. "O Pasquim foi
a Lei Áurea da imprensa", avaliaria em depoimento a Jorge Ferreira (julho de 1976). O
59
jornal modificou a linguagem. Nele se escrevia como se falava e isso reformulou a
propaganda no Brasil inteiro, libertou todo mundo com o uso de palavrões. Por
exemplo, “pô, putisgrila, paca. (...) E outra coisa: a gente podia escrever e desenhar de
uma maneira muito pessoal — foi essa a chave do negócio — e muito irreverente”
(Henfil em entrevista a Jorge Ferreira, 1976).
O discurso através do humor foi visto como uma arma a favor, pelo menos essa
era a versão que se estabelecia em torno dos intelectuais que faziam parte da equipe do
semanário. A ruptura da linguagem e a invenção de um novo paradigma textual,
baseados nas artes visuais, foram explicados por Millôr Fernandes, na crônica: Uma
senhora efeméride, publicada em 26 de março de 1970, no Pasquim. O cronista
destacaria, de forma satírica, o abalo moral que o jornal produziu por ter libertado a
linguagem escrita e falada da República:
Hoje, por exemplo, nesta fase, posso escrever indiferentemente, ‘uma
senhora efeméride’ ou ‘uma puta efeméride’. O Pasquim acabou com a
diferença de classe entre puta e senhora. Como adjetivos, claro. Com relação
aos substantivos o jornal é altamente conservador. Sobre esta observação
podemos entender que o periódico, apesar de ter rompido com alguns
paradigmas sociais, ainda mantinha um discurso conservador,
principalmente, no que diz respeito ao papel das mulheres e ao dos homossexuais na sociedade. (FERNANDES, 1970).
Sobre a citação podemos entender que o periódico, apesar de ter rompido com
alguns paradigmas sociais, ainda mantinha um discurso conservador, principalmente, no
que diz respeito ao papel das mulheres e ao dos homossexuais na sociedade.
Desse modo, o semanário Pasquim foi um gerador de grandes mudanças,
devido, não só de suas influências nos meios de comunicação, como também no
cotidiano da sociedade, que introduziu uma espécie de novo vocabulário, uma nova fala
pasquiniana. E, diante disso, é importante ressaltar que todos aqueles que fizeram parte
do periódico, colaboradores ou leitores, marcaram a história do jornalismo no Brasil
como a geração Pasquim.
A linguagem não foi a única estratégia que o Pasquim usou para conviver com a
censura. A relação com os censores é, também, cheia de particularidades. A conhecida
censora Dona Marina (Marina Brum Duarte) tornou-se parceira de uísque da dos
redatores; o general Juarez Paz Pinto censurava parte do material nas areias da praia.
Sérgio Augusto, que também participou do Pasquim e recentemente organizou a
coleção O Melhor do Pasquim, juntamente com Jaguar, define no livro que o semanário
era um “jornal sem patrão”:
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“Suas reuniões de pauta, quando havia, eram uma festa – ou, melhor, uma
ebúrnea. Ainda mais zoneadas eram as entrevista, sempre coletivas e regadas a
Buchanan´s, e cujo inusitado clima de descontração outros tentaram em vão imitar”. (O
Melhor do Pasquim, Ed. Desiderata, 2005).
A edição nº1 sintetiza vários elementos que foram constantes nas capas
seguintes do seminário, sob as diferentes formas de censura, como é o caso do ratinho
Sig, do humor, da frase-editorial e, principalmente, a participação de dois
colaboradores: Chico Buarque e Odete Lara. A capa da edição número 01 chama a
atenção, primeiramente, por uma escolha gráfica, intencional ou não, de posicionar o
logotipo do jornal, juntamente com o cabeçalho e a frase-editorial, quase ao centro da
página, não acima, como os periódicos faziam naquela época e fazem até os dias de
hoje, conforme se vê na figura 4.
Figura 4
Primeiro exemplar de O Pasquim – 26 de junho de 1969
O ponto de maior destaque nesta primeira edição e que se tornaria um elemento
diferencial do Pasquim foi a entrevista principal realizada com Ibrahim Sued, badalado
e polêmico colunista social.
Já sob o rigor do AI-5, o primeiro entrevistado do Pasquim, na edição número 1,
Ibrahim Sued, forneceu um furo jornalístico que atraiu os olhos do público para o novo
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semanário. O colunista revelou que Garrastazu Médici seria o próximo general a
governar o Brasil.
O Pasquim aumentou sua popularidade e começou a se tornar conhecido nos
círculos culturais cariocas e do país. Um dos principais motivos que levou a este feito
foi o desconhecimento técnico de Jaguar. Ou seja, Jaguar por não ser jornalista,
desconhecia as técnicas de escrita e edição das matérias. Desse modo, as matérias de
Jaguar logo eram reconhecidas pelo improviso na transcrição das entrevistas. Jaguar,
que só queria fazer um jornal de humor, apresentou essa novidade. Jaguar usou a técnica
de transcrever as entrevistas no estilo pergunta e resposta, algo que depois foi repetido
pela grande mídia impressa, com vários entrevistadores ao mesmo tempo. Portanto, a
prática foi adotada por vários meios de comunicação até os dias de hoje.
O número de páginas e o espaço ocupado pelos anúncios no jornal ao longo dos
diferentes períodos da censura mostram a variação das condições de produção do
Pasquim. Depois do número 20, o espaço de publicidade começou a acrescer
significativamente, chegando a ter 25% do jornal, com 17 anunciantes; alguns,
inclusive, de página inteira. A partir do número 40, a publicidade ocupa um terço do
jornal. O tamanho do jornal também variou bastante. A média entre as primeiras edições
foi de 30 páginas, depois se estabilizando em 26.
Consideraremos três fases temporais, determinados a partir do tipo de censura
sobre o semanário, para examinarmos as maneiras com que o jornal respondeu à
repressão, sendo classificado como subversivo pelos militares. Assim como as
mensagens que demonstram a repressão que sofreu e a colaboração que teve da geração
de 60: Desse modo: (1) a censura pontual na fase inicial do Pasquim, da primeira à 71ª
edição, quando os seus principais redatores são presos; (2) os quatro anos de censura no
Rio de Janeiro, de janeiro de 1970 a dezembro de 1973, com uma relação próxima e
pessoal com os censores e (3), devido às 1.072 edições publicadas durante mais de 22
anos, sendo mais de cinco delas sob censura direta, seja em decorrência da
administração ingênua e nada profissional da empresa, ou devido à falta de interesse dos
anunciantes, o jornal consegue passar por proibições e diferentes formas de censura.
62
4.2 A HISTÓRIA DO PASQUIM FACE À POLÍTICA
Como já apresentado anteriormente, com o Golpe Militar em 1964, e com a
chegada do AI-5 em 1968, o Brasil sofreu intensas transformações. Os meios de
comunicação foram um dos alvos nesse processo de mudança política. Os veículos de
comunicação mudaram seus modos de produção assim como os modos de informar.
Com os diversos decretos-leis que privavam os meios de comunicação de divulgar
notícias sobre o Regime, mediante veto da censura. Desse modo, os jornais deixavam de
exercer o seu verdadeiro papel.
Em função destes aspectos, neste capítulo vamos analisar como o semanário
Pasquim, desde seu nascimento, conseguiu percorrer a trajetória política do período
mais conturbado dos últimos tempos, a Ditadura Militar.
Para iniciarmos esse raciocínio, é necessário voltar no tempo para entender o
contexto político e como o semanário se insere.
Este período pode ser suprimido, sob a justificativa de uma suposta ameaça
comunista, que promoveria a desordem do país, a geração dos anos 60 e 70 foram
submetidas a mais longa e violenta ditadura da história. Com isso, a liberdade de
expressão ficou intensamente comprometida. O governo deteve o controle dos meios de
comunicação e passou a permitir a publicação de notícias que eram convenientes ao
Regime.
Para iniciarmos esse raciocínio, é necessário voltar no tempo para entender o
contexto político, em que semanário se insere.
O jornal O Pasquim caminhou junto com três governos militares no período de
censura, que alteraram as formas de produção no campo cultural e jornalístico. Os
jornalistas ratificaram as formas de criação e sobrevivência de uma identidade
construída em torno e em nome do tabloide carioca. Lançado em 26 de junho de 1969,
apenas seis meses após a publicação do AI-5, que limitava os direitos e liberdades do
cidadão brasileiro, o Pasquim nasceu e se fortaleceu durante o endurecimento das
formas ditatoriais: na mutação de poder entre a saída do marechal Arthur da Costa e
Silva (1967 - 1969) e o início da linha severa do general Emílio Garrastazu Médici
(outubro 1969-1974). O último governo militar a intervir mais diretamente no jornal, e
que determinou o fim da censura prévia à imprensa, foi do general Ernesto Geisel.
63
Gaspari (2002), em A Ditadura Escancarada, ao analisar a ditadura de Médici,
considerada a mais violenta, compara com os outros militares a quem foi atribuído o
posto, utilizando a única entrevista concedida pelo general:
A Castello Branco a ditadura parecera um mal. Para Costa e Silva, fora uma
conveniência. Para Médici, um favor neutro, instrumento da ação burocrática,
fonte de poder e depósito de força. Não só se orgulhou de ter namorado o AI-
5 desde antes de sua edição, como sempre viu nele um verdadeiro elixir: “Eu
tenho o AI-5 nas mãos e, com ele posso tudo”, disse certa vez a um de seus
ministros. “Eu tinha o AI-5, podia tudo”, rememorou na única entrevista que
concedeu. Teve uma relação natural com a censura, como se ela fizesse parte
de um manual de instrução. (GASPARI, 2002, p. 133).
Desse modo, classificado como imprensa tendenciosa, o Pasquim foi
considerado, nos documentos do presidente Geisel, assim como os jornais Movimento,
Opinião, Crítica e Ex, como uma imprensa tendenciosa que influenciava na formação
dos jovens.
Durante os anos em que o país esteve no comando dos militares, podemos
mencionar dois tipos de censura: a censura prévia e a autocensura.
Vaucher (2012, p. 4), classifica que “a censura prévia determinava que tudo que
o que fosse preparado por um jornal seria examinado pela polícia antes da sua
divulgação”. Desse modo, os censores analisavam todo o material que estava sendo
produzido. “Liberavam, vetavam ou liberavam com restrições, chegando ao ponto de
algumas vezes os cortes eram tão drásticos que praticamente inviabilizava a
publicação”. O autor enfatiza que esse tipo de censura “causou grandes prejuízos à
imprensa, por muitas razões muitos jornais deixaram de existir e outros perderam
força”. Esse fato se deu devido a intensa repressão aos meios de comunicação, que sem
poder exercer o seu papel, não via mais fundamento em continuar seu ofício.
Apesar de ter sido um dos alvos da censura “O Pasquim permaneceu atuante,
mesmo com grande parte de sua equipe sendo presa, por conta da ajuda de seus
colaboradores”. (VAUCHER, 2012, p. 4). Além do Pasquim, outros jornais sofreram
com a censura prévia, como o Estado de São Paulo, Tribuna de Imprensa, Movimento,
entre outros. De acordo com WEBER (2000, p. 185), essa censura era realizada de
várias maneiras: através de bilhetes, com ou sem assinatura, por telefone, audiência e
gravação, ou diretamente na redação dos veículos.
Retomando aos conceitos de Vaucher (2012), em 1º de novembro de 1970, a
censura e a repressão chegaram à redação de O Pasquim. Parte dos jornalistas e
cartunistas do jornal foi presa. Apesar disso, o tabloide não saiu de circulação, com o
64
auxilio dos que não haviam sido presos e de outros colaboradores. O Pasquim retomou
os trabalhos sem que os seus leitores soubessem o que havia acontecido. “Com a
criatividade que lhes era peculiar, os membros da patota fizeram com que os leitores
soubessem da prisão de uma forma que só O Pasquim poderia fazer, por intermédio do
humor, referindo-se a prisão como um surto de gripe” (VAUCHER, 2012, p. 8).
A repercussão da prisão foi grande, e o jornal passou por diversos momentos de
dificuldades, tanto devido à repressão e censura quanto financeira.
Os atos institucionais assinados nesse período, principalmente o nº5, foram tão
severos quanto à censura. Jornais de esquerda e jornais considerados pró João Goulart,
como Politika, Folha da Semana e O Semanário, foram invadidos e destruídos pelos
militares. Jornais respeitados como o Última hora e Correio da Manhã, tiveram suas
redações destruídas da mesma forma. Nota-se que o Regime não se importava com o
nome e prestígio do veículo. Tudo isso aconteceu nos governos de Castelo Branco e
Costa e Silva, porém, em comparação à censura que estava por vir, esse momento não
foi considerado o mais severo.
Apesar de toda essa repressão, a cultura e a oposição à Ditadura Militar parecem
constituir um grupo que mantinha os cariocas unidos. Instigados pela criatividade e pelo
desejo de mudança, constitui-se uma geração que tentou negar e, assim, criticar a
violência das repressões culturais com uma receita natural: “viver essa liberdade
cotidiana em um vínculo indissociável com a experiência completa, total, inteira.
Inevitavelmente, as obras destes inovadores culturais retratam, de alguma forma, esse
sentimento” (BUZALAF, 2009, p. 42).
O Pasquim conseguiu transmitir esse pensamento e ao mesmo tempo cumprir
uma espécie de semi-papel. Já que não conseguia informar a população com total
liberdade, tentava fazer o máximo possível para informar usando o humor como
principal arma. O semanário queria informar ao Regime, que estava vendendo e que
seus leitores eram fiéis, como explica Buzalaf.
A frase-editorial da edição 70, publicada em 1970, demonstra, com exagero e
ironia, o momento de crescimento das vendas do jornal: “Milhões de leitores
seguram este Pasquim”. Em outros números, seus redatores utilizaram a capa para mostrar a importância dos leitores no vínculo com o jornal. Na edição
90, publicada em 1971, a frase recorreu ao recurso bastante utilizado da
autopromoção do jornal, diz: “Na terra de cego, quem lê O Pasquim é rei”.
(BUZALAF, 2009, p. 42).
Ao ler o Pasquim, se tornava simples de perceber que ali, continha uma equipe
de muito talento e criatividade. Seria impossível que os militares não detectassem
65
claramente a existência de uma rede de colaboradores que alimentavam essa imprensa
nesse momento. Apesar de todas as barreiras, o semanário conseguiu marcar seu
território nesse momento conturbado, e sendo ou não de sua origem ou intenção, ele já
nasceu alternativo por si só, e se tornou subversivo por necessidade.
66
5. A PATOTA ENFRENTA A CENSURA
Como beber dessa bebida amarga
Tragar a dor, engolir a labuta
Mesmo calada a boca, resta o peito
Silêncio na cidade não se escuta De que me vale ser filho da santa
Melhor seria ser filho da outra
Outra realidade menos morta
Tanta mentira, tanta força bruta
Como é difícil acordar calado
Se na calada da noite eu me dano
Quero lançar um grito desumano
Que é uma maneira de ser escutado
Esse silêncio todo me atordoa
Atordoado eu permaneço atento
Na arquibancada pra a qualquer momento Ver emergir o monstro da lagoa
De muito gorda a porca já não anda
De muito usada a faca já não corta
Como é difícil, pai, abrir a porta
Essa palavra presa na garganta
Esse pileque homérico no mundo
De que adianta ter boa vontade
Mesmo calado o peito, resta a cuca
Dos bêbados do centro da cidade
Talvez o mundo não seja pequeno
Nem seja a vida um fato consumado
Quero inventar o meu próprio pecado Quero morrer do meu próprio veneno
Quero perder de vez tua cabeça
Minha cabeça perder teu juízo
Quero cheirar fumaça de óleo diesel
Me embriagar até que alguém me esqueça
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue.
Chico Buarque, “Cálice” (1973)
Chico Buarque compôs diversas músicas no período da Ditadura Militar,
buscando driblar a censura através de seus versos e ao mesmo tempo, protestar contra o
Regime Militar. Entre as músicas de Chico no período de 1964 a 1980, citamos Cálice
logo na introdução do capítulo devido sua importância nesse contexto. A letra, feita por
Chico Buarque, contém em seus versos, pensamentos de revolta sobre o Regime, sendo
que a palavra Cálice, está associada foneticamente a outra palavra: Cale-se. Chico refere
à censura, que queria calar a voz de uma geração. Ele argumenta que o silêncio
predominava naquele momento do país.
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Além de Cálice, Apesar de você, Acorda amor, Deus lhe pague, Quando o
carnaval chegar, Rosa dos ventos, são outras canções de Chico que trazem em suas
letras, versos de protesto nas entrelinhas. .
A relação da música Cálice com o capítulo presente visa lembrar a amizade do
compositor Chico Buarque com os jornalistas e cartunistas da equipe. Chico, sempre
ofereceu sua colaboração ao jornal, através de artigos, mas também colaborou com o
jornal e ajudou a equipe a passar por um momento difícil, como o episódio da prisão da
patota em 1969.
Poeta, cantor, compositor (que viria a ser dramaturgo), Chico Buarque de
Hollanda era filho do sociólogo Sérgio Buarque e da pianista amadora Maria Amélia.
Chico Buarque nasceu e cresceu em um ambiente propício à criação artística, musical e
é visto como um intelectual de alma sensível.
Apesar de a produção cultural durante a ditadura ter sido influenciada pela
censura, ocorreu a busca por novas linguagens, novas formas de criação que envolveram
vários campos, temáticas e estilos. Temas políticos e sociais estiveram presentes em
quase toda produção cultural da época. As produções artísticas, musicais, literárias,
cinema e teatro tentavam buscar diferentes caminhos para a construção de uma
sociedade mais justa.
Porém, o Golpe Militar, além de prejudicar a produção cultural do país,
estimulou outras alterações na configuração da sociedade como a mobilização de
pessoas, maiorias jovens, com ideias novas, com um caráter revolucionário e que se
resistiam ao sistema repressivo, O humor, a subjetividade, a coloquialidade e o
constante deboche aos costumes do período poderiam ser percebidos pelos censores que
lidavam diretamente com os jornalistas, como a arma do crime naquele momento. As
provocações do Pasquim não eram nada discretas. Pelo contrário. Estavam espalhadas
por todas as páginas do semanário: nas manchetes, nas frases-editoriais, nas fotos
provocativas, nas ilustrações debochadas e nas constantes referências ao sexo e à
boemia.
Desse modo, os meios visuais e textuais parecem ter funcionado, em alguns
momentos, como uma saída da chamada patota para desviar a censura. Outros veículos
de comunicação que circularam durante aquele mesmo momento, também alternativos,
da grande imprensa ou das emissoras públicas, foram mais incisivamente e rapidamente
repreendidos do que o Pasquim, considerado o grande provocador.
68
Como na primeira edição que foi às bancas depois da prisão dos jornalistas, em
março de 70. A frase demonstrava a ironia da situação e, talvez, um alerta para os
leitores do semanário: “Uma coisa é certa: lá dentro deve estar muito mais engraçado
do que aqui fora”. A prisão é um marco na história do Pasquim porque é, a partir dela,
que uma parte da geração de 60 se mobiliza física e intelectualmente para ajudar o
jornal e é justamente neste sentido que este acontecimento é utilizado, nesta pesquisa,
como um divisor entre duas fases da censura sobre o semanário.
O ano de 1970 estava sendo de crescimento do espaço do Pasquim: as vendas
aumentavam significativamente e o jornal deixava, aos poucos, de ser limitado ao Rio
de Janeiro e à Ipanema e passa a ser aceito em São Paulo, que era objeto de piada para
os redatores cariocas. Em vários exemplares, e em vários textos, o jornal não cansava de
repetir, em vários tons, a sua máxima, “Pasquim – um ponto de vista carioca”.
Os dois últimos meses do ano, porém, mudaram o rumo dos acontecimentos no
semanário. No final de outubro, Jaguar publica uma fotomontagem do quadro de Pedro
Américo, “O Grito do Ipiranga”, também conhecido como “Independência ou Morte”.
O cartunista adicionou à imagem de Dom Pedro I um balãozinho com a frase extraída
da música de Jorge Ben: “EU QUERO MOCOTÓ!”, como mostra a figura 6. (ver
Análise da imagem no capitulo 5 em item especifico)
Devido essa charge, os principais jornalistas do Pasquim, exceto Millôr
Fernandes e Henfil, foram presos no início de novembro de 1970, e foram liberados
dois meses depois. A detenção dos redatores, apesar de não ser acompanhada de
nenhuma forma de tortura, foi uma maneira de silenciar o jornal, que continuou
utilizando o riso para demonstrar a prisão dos redatores e as condições de produção nas
quais o jornal estava inserido.
Para justificar, de alguma maneira, o motivos dos jornalistas do Pasquim não
estarem na redação, na edição de número 73 (ver imagem em capítulo 5.3.2), a capa
anunciava um “surto de gripe na redação do Pasquim”, ou seja, o Pasquim sem os seus
componentes, em evidente ironia à não-presença de Ziraldo, Jaguar, Luiz Carlos Maciel,
Tarso de Castro, Paulo Francis, Sérgio Cabral e Fortuna. Mesmo assim, Paiva foi
responsável por imitar o traço dos ilustradores presos. Além de Miguel Paiva, Millôr e
Henfil, que não haviam sido presos, passaram à produzir material suficiente para
conseguir publicar o jornal semanalmente.
A prisão dos jornalistas foi publicada pelo jornal New York Times no dia 20 de
novembro de 1970, pouco mais de duas semanas após o ocorrido. O jornal norte-
69
americano publicou cinco A primeira matéria define o Pasquim como um jornal crítico
em relação ao governo ditatorial e satírico em relação aos tabus da sociedade brasileira.
Também menciona o sucesso do semanário, que atingia, naquele momento, a venda de
200 mil exemplares.
Neste momento, entra em cena uma manifestação de apoio ao semanário, que
talvez só a imprensa alternativa tinha: a colaboração de outros intelectuais cariocas da
mesma rede de sociabilidade. É possível dizer que a cultura e a própria censura
pareciam ser pontos de convergência desta geração. A essa colaboração intensa para
manter o jornal em produção, o próprio Pasquim deu o nome de Rush da Solidariedade.
Por identidade com os jornalistas do semanário, vários artistas e intelectuais de
outras áreas agregaram-se ao Pasquim. Martha Alencar, jornalista e companheira da
turma do Pasquim, conta que, na manhã seguinte da prisão dos redatores, Chico
Buarque foi até a redação do jornal. Deixou um bilhete na porta, mesmo correndo o
risco de ser reprimido, avisando que soube da prisão e estaria disposto a colaborar com
o jornal. A partir daí, outros compositores, deste mesmo grupo social, começaram a se
responsabilizar pelo fechamento de algumas páginas do Pasquim.
Na área cinematográfica, uma das mais importantes participações foi de Glauber
Rocha, porta-voz do conceitual e experimental cinema novo. Quando soube da prisão
dos jornalistas, o cineasta foi à redação do Pasquim e, esbravejando, segundo conta
Martha Alencar, mostrou sua repulsa em relação ao episódio e começou a colaborar
com o jornal sistematicamente.
A rede de colaboradores que se uniu para manter o Pasquim conseguiu imprimir
várias edições do jornal apesar de outras limitações que a censura impôs ao semanário.
A polícia federal do Rio de Janeiro suspendeu algumas vezes, sem ordem judicial, a
publicação do Pasquim, e grampearam o telefone da redação.
Ao contrário da violência que predominou os diferentes períodos de censura no
Brasil, os jornalistas do Pasquim acabaram tendo momentos de relacionamento próximo
com os militares mesmo quando presos. Sérgio Cabral lembra, no documentário O
Pasquim e a subversão do humor, de 1999, que um militar, em um sábado à noite, foi
conversar com ele e com Ziraldo, abriu a cela, pediu para trazerem cerveja e um violão.
O grande questionamento dos oficiais, entretanto, era em relação aos vínculos
dos redatores com a esquerda. Segundo Maciel conta, os interrogatórios vinham sempre
acompanhados de uma lista dos envolvimentos de cada um deles com a esquerda e com
70
os grupos revolucionários, assinatura de listas e abaixo-assinados e participação em
atividades culturais e estudantis.
A censura não assustou o grupo de colaboradores do jornal, que poderia ter
optado por manter-se afastado para não ser associado aos subversivos jornalistas presos.
Pelo contrário, aproximou e fortaleceu as interações entre os membros da geração do
Pasquim, que, neste momento, sentem-se parte do jornal. O termo patota, por mais
generalista que seja, é harmônico com esse sentimento e foi impresso diversas vezes nas
edições do tabloide. Também fica claro que o momento que dividiu o Pasquim e as
circunstâncias da publicação do jornal durante a prisão dos jornalistas consolidou a
linguagem e o estilo do jornal.
A mudança da censura do Pasquim para Brasília, em dezembro de 1973, esvazia
o espaço de relações e possibilidades que foi criado quando os redatores entregavam e
buscavam pessoalmente o material vetado. Ali, em alguns momentos, como vimos,
existiu uma interação que, mesmo quando não limitava a ação do censor, possibilitava
um entendimento maior de como a censura interpretava os textos e ilustrações
produzidas.
Com vários intelectuais no exterior, exilados ou auto-exilados, a redação do
jornal toma um novo ritmo de produção. O Pasquim passa por modificações que,
ampliadas, revelam momentos de silêncio, como edições sem frases-editoriais, na
tentativa de manter o jornal sob o mesmo ritmo.
Quando os jornalistas foram soltos, a censura prévia voltou, mas continuava
sendo executada no Rio de Janeiro. O censor mencionado pelos jornalistas do Pasquim,
em suas memórias, era o General Juarez Paz Pinto, pai da Garota de Ipanema, Helô
Pinheiro, que também teve um relacionamento interessante com os jornalistas. Não que
ele fosse companheiro de uísque, mas existia uma situação que se afasta, e muito, do
que se imagina como um ambiente de censura. A relação com o general, como recorda o
jornalista Sérgio Augusto em um documentário sobre o Pasquim mostra as
particularidades e condições do cotidiano do jornal e dos censores cariocas:
Um dia da semana, o Ivan Lessa ia com o Jaguar lá, para ver os cortes e fazer
uma troca de favores. Ai o general dizia: Tem certeza de que não tem
nenhuma sacanagem aí, não? (...). Os textos do Francis que chegavam por
último, que vinham de avião pela Varig, ele lia na praia. Ele ficava ali no
Posto 6, jogando biriba com os amigos dele, depois ele ia à redação do
Pasquim de calção, toalhinha, pé sujo de areia, entregar. (Documentário O
Pasquim, a subversão do humor. TV Câmara, 1999).
71
A partir do episódio marcante da prisão, a censura tentou corroer, e de fato
restringiu, não apenas as mensagens e a criatividade de seus jornalistas, mas,
principalmente, o jornal em si, através de repressões diretas e indiretas a quem se
envolvia com o jornal (principalmente as bancas de jornal e os anunciantes) e da crise
financeira que, naturalmente, foi vivenciada pelo Pasquim e por grande parte da
imprensa, na medida em que havia atraso na produção e distribuição do jornal.
O artigo de Millôr Fernandes, Réquiem para um Jornal Humorístico, abaixo
descrito, na edição de número 200, veiculada em junho de 1973, aponta a gravidade do
confronto com os censores e a ameaça constante de fechamento do debochado jornal
carioca:
Sob as mais variadas pressões, realmente violentas e sempre parecendo
invencíveis, escrevi alguns artigos sobre a vida do Pasquim. Este, dramático,
tinha sua razão de ser; o jornal estava, mais uma vez, pra ser fechado. Assim,
depois de quatro anos de muitas e gargalhantes pelejas, algumas das quais
foram acompanhadas alegremente pelo leitor, e outras das quais o leitor nem pode tomar conhecimento, O Pasquim chega ao número 200. Chega, não
passa. Este é o último número do nosso jocoso semanário. (...) Como todo o
mundo viu, cresceu, diminuiu e cresceu de novo, sempre castigando os
mores, e hoje morre, rindo às bandeiras despregadas. Pois morre vendendo
saúde (100.000 exemplares). Morre atropelado. Uma força de alguns milhões
de toneladas, uma teia de milhares de restrições e impedimentos, uma
incalculável massa de obrigações e imposições, tornaram irrespirável a nossa
já modesta ração de ar.
Dos seus quatro anos de hilariante vida, este zombeteiro hebdomadário pode
contabilizar a glória de ter modificado fundamentalmente a linguagem dos
outros jornais e ter influído muito na expressão falada da juventude e no estilo da comunicação publicitária. Durante quatro anos, este risonho jornal
cuja maioria de sorridentes redatores não é ligada a nenhum grupo político,
econômico, religioso, nacional ou estrangeiro, que tem como único objetivo o
exercício de uma crítica geral e democrática a tudo e a todos (os poderosos e
estabelecidos sendo, naturalmente, os mais criticados, pois, não há graça
nenhuma em criticar os caídos), foi combatido pela maioria dos grandes
órgãos de imprensa brasileira e por todos os detentores de algum poder,
inconformados com um veículo que não tinha preço de venda a não ser o da
banca e era dirigido por intelectuais inatacáveis porque sem fichas pregressas
que os situassem em qualquer esquema de ilegalidade ou qualquer espécie de
criminalidade, mesmo fiscal.
Chegando a circular com um máximo de 64 e um mínimo de 16 páginas, o risonho Pasquim conseguiu sobreviver a tudo, até mesmo à prisão de todos
seus redatores, provada inútil pelas próprias autoridades num processo que
foi a consagração deste grupo de profissionais, pois demonstrou que eles
tinham como único e total objetivo de vida o exercício de sua apaixonante
profissão.
A coação física não impossibilitou a saída do jornal. Durante dois meses, ele
circulou sem a colaboração de qualquer dos seus redatores habituais.
Sobreviveu graças à solidariedade de inúmeros colegas. Saiu fraco e
sobreviveu mal. Mas sobreviveu com a barriga doendo de tanto rir.
Agora, porém, temos que nos render e afirmamos, humildemente, a nossa
derrota, diante da única coação irresistível, a coação intelectual, hoje absoluta. Uma censura inconstitucional - a Constituição vigente é explícita
quanto à liberdade plena de jornais e revistas circularem sem qualquer
72
censura, os responsáveis respondendo, naturalmente, diante da lei, pelos
desmandos que cometerem - já vinha sendo exercida de maneira sufocante.
Jornais pobres, como este, resistiam debilmente, gastando 20 horas para
refazer um trabalho anteriormente feito em 10 e tendo o dobro e, às vezes, o
triplo de gastos para a confecção do material de suas folhas. Coincidindo com
o número 200, atingimos o limite das nossas possibilidades, fronteira natural
de nossas ilimitadas impossibilidades. As poucas normas que ainda havia
foram substituídas por um desvairo total das canetas pilotis, em que não há
nem mesmo aquilo que se poderia exigir como último direito do cidadão – o respeito ao seu trabalho. Nosso trabalho, mesmo os nossos piores adversários
reconhecem que o fazemos com conhecimento e seriedade. Trabalho de
criação, único, pois artigos e desenhos humorísticos não podem ser
substituídos de um momento para o outro como se fossem simples
reproduções de discursos ou resenhas de acontecimentos sociais. (MILLÔR
FERNANDES, Réquiem para um Jornal Humorístico, 1973).
Millôr havia assumido a diretoria do jornal em outubro de 1972. Apesar do
episódio, o jornal continua a circular mantendo a mesma linha editorial baseada no
humor e no deboche, o que fica claro nas capas publicadas nesse período. Millôr (1999)
conta que a equipe do jornal foi sempre muito unida. “Todos nos éramos bons
companheiros de certa maneira, apesar de todas as divergências que pudesse haver,
todos os humoristas sempre se deram bem”. (Documentário Humor com gosto de
Pasquim, SESC TV, 1999).
A importância do Pasquim na história da imprensa brasileira está registrada em
suas imagens. Até seus textos eram imagéticos, na medida em que eram repletos de
símbolos gráficos e compunham as páginas como um quadro, sem muita concordância
ou sentido. O jornal foi publicado durante mais de 20 anos, em diferentes condições de
produção e suas capas se tornaram históricas, polêmicas e até enigmáticas, no qual
mostraram a participação de uma geração que ajudou a fazer o semanário – seja como
personagens ou colaboração direta nas edições. São imagens que, ainda hoje,
surpreendem os olhos acostumados com o jornalismo politicamente e graficamente
correto. Com improviso e falta de padronização, o jornal ajudou a posicionar a
naturalidade da oralidade e das gírias no papel impresso pela primeira vez no
jornalismo.
73
5.1 O HUMOR COMO LINGUAGEM DE COMUNICAÇÃO
“O tirano pode evitar uma fotografia. jamais poderá impedir uma
caricatura” Millôr Fernandes.
Neste capítulo, antes de fazer a análise das estratégias do Pasquim, via humor,
estudamos o humor como forma de comunicação. vale lembrar que, dentro da formação
de estilos de oposição durante a Ditadura Militar no Brasil, é notável o uso do elemento
humorístico como instrumento de manifestações contra o Regime, e em alguns casos,
como o do jornal O Pasquim, no qual a linguagem do humor tornou-se o veículo de
comunicação entre as ideias de oposição de um pequeno grupo, os humoristas do jornal,
e o público leitor.
A palavra humor deriva do latim, e significa liquido, fluido (ZILLES, 2003, p.
1). Para falarmos sobre os recursos de linguagem do humor gráfico, a melhor maneira
de iniciar essa discussão é justamente sobre esse aspecto fluído que o humor apresenta.
Ao afirmar essa característica, procuramos na verdade ressaltar os atributos que fazem
da comicidade um meio de comunicação de possibilidades flexíveis.
Em uma mesma obra que apresente o humor como característica principal, pode
apresentar uma variedade de fins através do uso de recursos que se limitam pelo
imaginário, conhecimento prévio e criatividade do autor. Apesar de tais características
não serem uma exclusividade do humor, estudos como os de Freud sobre a natureza do
humor nos apontam que o desenvolvimento da fluidez do efeito cômico, principal
veículo do humor, se dá por meio de recursos necessários a esta forma de comunicação,
principalmente o humor gráfico.
Partindo do pressuposto que a charge é uma crítica a determinada situação ou
pessoa através do humor, nos apoiamos em uma das teorias do jornalismo, a
newsmaking, identificando os valores noticia, ou seja, os critérios de seleção das
charges, visamos com isso situar o humor dentro de um contexto jornalístico. Segundo
Wolf (2005, p. 202), esses valores “[...] representam a resposta à seguinte pergunta:
quais acontecimentos são considerados suficientemente interessantes, significativos,
relevantes para serem transformados em noticia?” Desse modo, é um critério de
relevância discutido entre os jornalistas ao longo do processo de produção. O valor-
notícia ajuda os profissionais de imprensa decidir quais notícias serão publicadas.
74
Para Sírio Possenti (2010), no livro Humor, Língua e Discurso, os textos
humorísticos têm cada vez mais surgido no meio jornalístico e também em diversos
campos de pesquisa (estudos “culturais”, História, Sociologia, Psicanálise, Psicologia) e
estudos de linguagem, classifica a charge como textos humorísticos:
Os “textos” humorísticos, embora, evidentemente, não sejam sempre
“referenciais”, guardam algum tipo de relação (a ser explicitada, já que
humor não é Sociologia nem História) com os diversos tipos de
acontecimento. As charges, por exemplo, são tipicamente relativas a fatos
“do dia”. (POSSENTI, 2010, p. 27).
O autor contempla em seu livro, os sentidos que um texto ou imagem pode ter.
Ele diz que:
as técnicas humorísticas fundamentais consistem em permitir a descoberta de
outro sentido, de preferência inesperado, frequentemente distante daquele que
é o expresso em primeiro plano, e que, até o desfecho da piada, parecia ser o
único possível. (POSSENTI, 2010, p. 61)
É através dessas construções que o humor se remete à raiz de seu significado
original, a liquidez, capaz de se adaptar a forma do espaço que o contêm, e onde coisas
tão distintas quanto uma ofensa e um alento podem misturar-se e provocar risos, e numa
gama de formas de expressão tão variadas quanto uma música, um texto ou uma charge.
Possenti analisa o humor como uma esfera, dividida em gêneros, dentre quais as
piadas. Ele explica.
Para caracterizar o humor como uma esfera, creio que o exemplo mais típico
para construir uma analogia é a literatura. Também nessa esfera se trata de
muitos temas – de quase tudo – e isso se faz por meio de muitos gêneros.
Correlativamente, o humor trata de quase tudo e também o faz por meio de
muitos gêneros, da comédia à charge. (POSSENTI, 2010, p. 104).
Englobada no conceito de humor, objeto da nossa análise, a charge é uma das
técnicas mais usadas como humor, no qual o desenho se torna o grande meio de
comunicação e informa tanto quanto um texto. Sanchotene apresenta o humor e suas
vias, na monografia Humor e Política: a charge como estratégia de editorialização do
telejornal, da seguinte forma. “O primeiro aspecto a abordar quando se fala de charge é
procurar defini-la. Isso porque a categoria que engloba o humor gráfico pode ser
representada de diversas formas”. Desse modo, o autor contempla que “essas definições
são, antes de tudo, uma questão de categorias distintas do desenho gráfico que
compreende o cartum, a história em quadrinhos, a caricatura e a charge”.
(SANCHOTENE, 2008, p. 76).
75
O autor se refere à charge então, como a técnica que mais ilustra o papel do
humor como linguagem, porém, o autor aborda as demais categorias e seus papéis no
humor gráfico e no jornalismo.
Já Marques de Melo afirma que:
As charges, caricaturas e ilustrações editoriais são um meio visual e muito
eloquente de expressar opiniões, geralmente pela forma de humor. O uso da
imagem como instrumento de opinião atende, muitas vezes ao imperativo de
influenciar um público maior que aquele dedicado à leitura atenta dos
gêneros opinativos convencionais: editorial, artigo, crônica etc. (MARQUES
DE MELO, 1985, p. 120).
O mesmo autor define a caricatura como a “forma de expressão artística através
do desenho que tem por fim o humor”. (1985, p. 123). Grudzinski, trata a charge
enquanto gênero jornalístico, tão importante quanto os outros gêneros opinativos. Isso
tudo porque a “imagem é um instrumento ainda mais eficaz de convencimento, devido à
assimilação que a charge dá ao leitor de perceber a opinião expressa” (2009: 3-4).
Desse modo, a linguagem das charges e caricaturas pode ser entendida como um
gênero opinativo no jornalismo, devido ao seu poder de informar tanto quanto um texto.
Elas ocupam um lugar significante dentro de um jornal, sendo o mesmo espaço do
editorial, comentários e artigos. A riqueza existente em uma charge é tão valiosa quanto
a riqueza de um texto, porém é preciso saber interpretá-la. A mensagem crítica que uma
charge pode exercer é bastante grande e pode valer por mil palavras. Oliveira e
Almeida (2006), no artigo Gêneros Jornalísticos opinativos do humor: caricaturas e
charges, tratam o humor como uma linguagem de comunicação muito poderosa e na
forma de charge, consegue transpor mais ainda a sua real intenção.
A charge sentencia e mostra os fatos pelo ângulo da indignação e da ironia.
No desenho, as atitudes duvidosas dos donos do poder são divulgadas sem
qualquer tentativa de suavização ou de imparcialidade. Esse é o espaço para a
crítica e para os juízos de valor. (OLIVEIRA; ALMEIDA, 2006, p. 78).
Segundo esta perspectiva, observa-se a articulação existente entre texto e humor
para a captação de um entendimento ou de efeito de uma mensagem. Articulação esta,
que reúne comicidade e analogia, características da charge, baseados em atos,
acontecimentos e fatos. O sentido a que envolve a charge é aquele que propõe uma
produção de verdade única através da sua penetração na realidade política e social. Na
maior parte de seu caminho, a charge interpreta o real de maneira combativa, crítica e
atrativa. Combativa por subverter a realidade e tomar isso como uma denúncia de
76
verdade; crítica por confrontar o bom-senso e senso comum; e atrativa por se debruçar
sobre a realidade e dela suscitar novos olhares sobre os acontecimentos.
Através das charges, que desempenharam um papel muito importante na
estratégia do jornal O Pasquim (apesar da censura prévia imposta pelo governo Médici),
os humoristas do jornal optaram pela tentativa de driblar os censores com seus
instrumentos de crítica:o humor e a sátira. Para Bakhtin (1999), o riso popular, por ser
ambivalente expressaria uma opinião sobre o mundo, no qual os que riem estariam
incluídos. O riso popular seria a imagem do “riso carnavalesco, visto que ele é
universal, festivo, e ao mesmo tempo sarcástico e burlador”. (BAKHTIN, 1999: 8-11).
Porém este não seria o caso do humor pasquiniano. Seria mais prudente creditar aos
cronistas e caricaturistas, que se resistiriam ao moralismo da Ditadura e aos censores
formais e informais, a condição de intelectuais que descreviam o comportamento das
pessoas reais ou imaginárias de modo humorístico. Assim, estas próprias pessoas
representadas não precisariam demonstrar humor algum, seriam elas, censores e
representantes do Regime.
Para Nery (1998, p. 39), a charge é uma “interpretação crítica, inteligente e
irônica”. Interpretando a definição de Nery em seu livro Charge e caricatura na
construção de imagens públicas, acrescentamos que a charge é crítica, pois discute e
opina sobre acontecimentos noticiosos, usando a linguagem do desenho. É inteligente
porque consegue resumir e criticar no pequeno espaço do desenho o que há de teor
relevante em um fato, de forma que o leitor compreenda do que se trata, e fique
informado sobre algo importante que se passa no seu país ou no mundo naquele dia.
De acordo com Nery (1998, p. 41), “[...] a charge insere-se então a favor dos
grupos ou partidos que editam o jornal e contra seus adversários”. Todavia, o autor
aborda a charge como uma linguagem de comunicação que não sobrevive em meio às
ditaduras. Ele acredita que as charges não conseguem exercer seu papel diante de um
governo ditatorial baseado em censura. O mesmo autor explica de forma mais detalhada
o assunto:
A exarcebação no traço e nas ações que compõem perfil político e
psicológico de suas ‘vitimas’, permite a charge expor as peças da
personalidade, objetivos, desvios de informação que o enfocado queira manter em segredo. Nas ditaduras, comumente elimina-se a charge e o
incômodo que ela pode causar aos ditadores [...] Em sociedades
democráticas, a charge é um importante instrumento de expressão da
heterogeneidade cultural e de pensamentos, pois ridiculariza o
comportamento político dos ‘donos do poder’ e compõe novas cenas no
espetáculo político. (Nery, 1998, p. 187).
77
Entende-se por exacerbação, um recurso utilizado em caricaturas e charges, no
qual os traços físicos ou ideológicos dos personagens reais apresentados são
propositalmente exagerados e/ou agravados.
Já Bakhtin (1997:31-36 apud MIANI, 2001, p. 6) visualiza um outro ponto de
discussão e de compreensão da imagem. Ele procura entender a relação entre o traço e o
armamento ideológico que este carrega.
Como vimos, qualquer imagem pode comunicar algo tanto quanto um texto
escrito e, portanto pode ser classificada como uma forma de emissão de mensagens.
Não muito diferente é o desenho de charge, pois comunica, especialmente, um discurso
ideológico de determinado chargista, que pertence a um veículo de comunicação, logo,
aceita e defende a linha editorial que pertence.
Basicamente, o chargista encontra no cotidiano os elementos para a construção
do seu discurso, com olhar atento aos problemas sociais, realizando assim, quase um
trabalho artesanal, misturando traços e cores, fazendo com que a crítica, disfarçada no
riso, se torne eficaz.
Nery (1998) ainda explica sobre o grau de dificuldade existente para
compreender uma charge (1998, p. 71-72), “Para ser decodificada, a charge necessita
manter uma relação estreita com o cotidiano e o universo cultural do leitor”. Afirmam
os teóricos que para a compreensão da charge há necessidade de entender o seu contexto
histórico/temporal.
Com o tempo, a charge foi ganhando mais importância, que um estudo realizado
por Agostinho (1993, p. 314) constatou que o público, em reconhecimento, “a vê como
matéria jornalística inserida nas páginas de jornais e revistas”. O autor ainda explica que
“a charge se constitui de uma realidade inquestionável no universo da comunicação”, e
um dos seus principais objetivos é “não apenas distrair, mas, ao contrário, alertar,
denunciar, coibir e levar à reflexão” (AGOSTINHO, 1993, p. 229).
Quanto aos elementos estéticos da charge como linguagem, o mesmo autor
analisa que ela é geralmente apresentada em desenho, através de linhas, o espaços, o
planos, ponto de enfoque, volume, luz, sombra, movimento, narrativa, balões,
onomatopéia e o texto verbal, não aparecendo, necessariamente, todos estes elementos
em todas as charges.
78
Enfim, segundo Agostinho, [...] os elementos que estruturam a charge podem
ser materiais - que constituem a estrutura - objeto - ou pertencentes a outros
níveis de elementos, tais como: sistema de referência ao qual a charg recorre,
ou ainda, aos sistemas de reações psicológicas contidas no desenho. Estes
níveis podem também se subdividir em tantos outros, como os níveis de
ritmo, de sons, de enredo, de ideologia etc (AGOSTINHO, 1993, p. 227).
No ponto de vista de Nery (1998, p. 189), que discute a charge inserida no
jornalismo, “a imprensa brasileira assimilou a charge como gênero opinativo e inseriu-a
em suas páginas, criando condições para que se estabelecesse o hábito de sua leitura
como parte do hábito de ler jornal ou revista”.
Desse modo, é importante observarmos a construção de uma linguagem do
humor e a presença do ridículo no discurso das obras cômicas. A apropriação do humor
na divulgação ou contestação de ideias, no ataque contra inimigos políticos, por
exemplo, como no caso das charges no período do Regime Militar, tem o ato de
ridicularizar como um caminho seguro para a produção dessas obras cômicas. Porém, é
necessário entender que a utilização do humor como instrumento social não implica, é
claro, numa liberdade total de ação, ou seja, aquilo que produz um efeito cômico para
determinado grupo, pode gerar revolta em outros, como aconteceu nesse período do
Regime.
A censura instituída durante a Ditadura Militar tinha, dentre outras obrigações, o
controle dos possíveis excessos que poderiam ser cometidos pelo uso do Estado como
alvo de produções de cunho humorístico. O senso de humor do cartunista atribui a sua
obra uma ação capaz de gerar uma interpretação diferente da ideia inserida nessa mesma
obra, multiplicando os seus sentidos.
Chartier (1990, p. 19), em A História Cultural – Entre Práticas e
Representações, discute a necessidade de identificação dos códigos criados entre
cartunistas e leitores, quando afirma que é vital “considerar como ‘simbólicos’ todos os
signos, atos ou objetos, todas as figuras intelectuais ou representações coletivas, graças
aos quais os grupos fornecem uma organização conceptual ao mundo social ou natural”.
Freud mostra, em sua obra “Os chistes e sua relação com o inconsciente”
(1927), os domínios do risível. Para ele, são três as formas de manifestação cômica do
inconsciente: o chiste, considerado piada ou anedota; o cômico, que é a manifestação -
com contrastes - de caráter alegre; e, por fim, o humor, que existe quando há
intencionalidade de uma leitura sátira de fatos negativos. “O humor goza das nossas
dificuldades e ao fazer isso diminui os nossos problemas, e mesmo que sejam alívios
temporários, fazem muito bem para a vida. Porque viver os problemas com bom humor
79
é sempre viver melhor” (FREUD, 1927, p. 192). O autor ainda distingue o humor tanto
do efeito dos chistes quanto do cômico. O que caracteriza os chistes é serem
manifestações do inconsciente, formas de escapar da repressão e do controle. O humor,
ao contrário, embora tenha como os chistes e o cômico algo de libertador.
Possui também qualquer coisa de grandeza e elevação, que faltam às outras
duas maneiras de obter prazer na atividade intelectual. Essa grandeza reside
claramente no triunfo do narcisismo, na afirmação vitoriosa da
invulnerabilidade do ego. O ego se recusa a ser afligido pelas provocações da
realidade, a permitir que seja compelido a sofrer. Insiste em que não pode ser
afetado pelos traumas do mundo extremo; demonstra, na verdade, que esses
traumas para ele não passam de ocasiões para obter prazer. (Freud,
1974[1927]:190).
A charge, por ter um catater imediatista, expressa a situação do país e do mundo
com os mesmos critérios de noticiabilidade de um texto, ou seja, (proximidade,
atualidade, impacto, conflito, interesse pessoal, entre outros), assim, representa com
humor uma situação, um contexto social ou político. Por ser imediatista, é apresentada
no jornal do dia, e dias depois perde seu valor e se torna uma fonte histórica.
Como artista do riso e sujeito politicamente ativo, Henfil assinalou
repetidamente o seu entendimento de que todo humor é político. Não como defensor de
determinadas plataformas partidárias, mas como a afirmação de uma postura perante os
acontecimentos imediatos. Em suas palavras,
É óbvio que a chave para se fazer humor engajado é você estar engajado. Não
há chance de você ficar na sua casa vendo os engajamentos lá fora, e
conseguir fazer algo. Esse talvez seja o humor panfletário. É o humor que
você faz de fora (...) Você não participa, você não age. Você desenha a ação.
(Como se faz humor político. Henfil em depoimento a Tarik de Souza.
Petrópolis: Vozes, 1984, p. 40).
No Pasquim, Henfil encontrou espaço para apresentar de forma mais aberta sua
“armadura” tanto contra as práticas políticas e econômicas do Regime, como
jornalísticas e comportamentais. Ao convite de Sérgio Cabral que, como Jaguar,
acreditava que o tipo de humor produzido por Henfil, humor porrada, se ajustava como
uma luva ao perfil do Pasquim.
A manifestação do humor como uma forma de oposição dentro do período
ditatorial brasileiro não se estabelece num caráter revolucionário, nem se apresenta
como uma voz universal dos que não apoiavam o Regime. O jornal O Pasquim,
principal referência do humor oposicionista, direcionava a sua produção a uma
população boêmia, intelectualizada e de classe média do Rio de Janeiro, não
representando uma força ordenada para a construção de uma nova hegemonia.
80
Essa é uma característica que se apresenta com grande força no humor de
oposição utilizado no período de 1969 até 1974 pelo jornal O Pasquim. Além das
críticas através da ridicularização, o riso provocado pelos trabalhos humorísticos
desencadeava um efeito de catarse sobre as pressões e medos desenvolvidos dentro de
um Regime que passa a utilizar o terror como forma de controle.
A utilização do humor na expressão textual, visual e social é bastante explorada
por Bergson (2004) em O Riso, ensaio sobre o significado do cômico. Nesta obra, o
autor busca definir os efeitos do cômico, ou seja, analisa as estratégias através das quais
o cômico é obtido.
O riso, portanto, é formado não apenas como a linha editorial escolhida pelo
Pasquim, mas, principalmente, como meio de sobrevivência e de comunicação de um
público, além de estabelecer uma relação de diálogo e não diálogo com a censura
carioca.
Neste capítulo nos baseamos em conceitos sobre humor e riso face a censura e o
que realmente esses dois conceitos fazem para deixar nas entrelinhas uma informação
que não pode ser percebida. Para isso, procuramos como suporte, conceitos de autores
estudiosos do assunto como Sigmund Freud, Henri Bergson, Roger Chartier, Aucione
Agostinho, entre outros.
No capítulo que segue, vamos aprofundar os conceitos de censura e humor como
linguagem. Demonstrar como o humor conseguiu estar a serviço de práticas
jornalísticas, agindo como uma linguagem militante durante o período militar. Para isso,
nos basearemos em autores como Rozinaldo Miani, Luiz Guilherme Teixeira, Gilberto
Maringoni, Marcos Silva, Eloisa Klein, Maria Conceição Pires, Bernardo Kucinski,
entre outros, que nos trazem alguns aportes empíricos para a análise que segue no
capítulos abaixo.
81
5.2 A RESISTÊNCIA ATRAVÉS DO HUMOR
Partimos do pressuposto que o humor tratado nessa pesquisa é humor como
forma de protesto, como elemento de comunicação fundamental no período de censura
no país. Esse conceito vem sendo tratado no decorrer da pesquisa e neste capítulo
damos ao mesmo um enfoque mais específico, destacando o seu modo de fazer, ou seja,
como esteve presente na prática do Pasquim, enfrentando ou desvencilhando-se da
censura que se instaurou no país após o decreto do AI-5.
Para apresentarmos tal singularidade, lembramos alguns fundamentos sobre o
conceito de informação. Segundo Maringoni (1996), a informação por si só não é
totalmente neutra. Ele explica o conceito, alegando que o próprio editor do jornal se
autoposiciona ao escrever a matéria:
Um redator ou um editor, quando escreve uma matéria, já toma diversas
opções subjetivas sobre que aspecto do fato realçar, que ponto reforçar no
título e em que lugar da página colocar a matéria. Estas opções induzem a
uma determinada compreensão do fato narrado. (MARINGONI, 1996, p. 86).
Desse modo, podemos entender que a informação não é totalmente imparcial.
Assim, no período da Ditadura Militar, esse jornalismo teve que se adaptar às ideias e
ideais de uma população que clamava por justiça. O humor entrou nesse processo, como
peça chave, criando um caráter transformador e importante para o jornalismo da época.
Desse modo, a produção das notícias, além do aparecimento dos jornais
alternativos, foi baseada pelos processos desencadeados a partir da severidade da
ditadura e da resistência. Na imprensa, assim como na política, a década de 1970 foi
uma época bastante rica, complexa, que definiu os caminhos que o país percorreria no
futuro.
Gentilli (2004) explica que “a imprensa, como uma espécie de porta-voz de seu
tempo, acompanha as ambivalências do momento”. O autor comenta sobre a
cumplicidade do emissor, no caso o Pasquim, e o receptor, que seriam os leitores. “Ora
adere ou simplesmente se cala, ora reage, sinalizando para o leitor os acontecimentos, às
vezes buscando sua cumplicidade” (GENTILLI, 2004, p. 90-91).
Com os diversos enfoques que o jornalismo alternativo apresentou, abordou
diferentes visões e defendeu diferentes direitos dentro do contexto político dos anos 60
e 70. Pires (2008), em seu artigo Humor, Participação e Engajamento Político na
Imprensa Alternativa debate o humor como forma de resistência no período da Ditadura
82
Militar, e mais especificamente, o mesmo do cartunista Henfil, um dos integrantes do
jornal O Pasquim. Pires (2008) destaca a importância que o jornalismo independente ou
alternativo, teve nesse período de transformações políticas no país:
Durante a ditadura militar brasileira, a imprensa alternativa mostrou-se
fundamental para a viabilização de importantes canais de expressão para
grupos marginalizados como negros, mulheres e homossexuais, favorecendo,
ao mesmo tempo, a consolidação de uma cultura afirmativa e de confrontação
ao caráter liberal-conservador do discurso político hegemônico. (PIRES,
2008, p. 1).
Como já foi citado anteriormente, foram inúmeros jornais que nasceram nesse
período, com ou sem uma ideologia, porém com o passar do tempo, foram tomando
forma e enfatizando seus ideais. Entre os diferentes enfoques ainda citamos os jornais
feministas, indígenas, estudantis, entre outros.
Quando se fala em produção humorística em prol de denúncia ou protesto, os
jornais alternativos buscaram no humor, através de linguagens de charges e de cartuns,
expor suas ideias, mesmo sendo de forma subentendida, disfarçada. De acordo com
Oliveira (2011, p. 2972), Henfil, em suas charges no jornal O Pasquim, buscou mostrar
através do humor, “a insegurança política que o país viveu tanto na instauração quanto
no momento de abertura do Regime Militar”.
Maringoni (1996) aborda que o humor deve seguir uma espécie de código, em
cada publicação, para que assim, o seu objetivo seja realmente alcançado:
Para se fazer humor é preciso haver cumplicidade com o público. Ninguém ri
da piada que você conta, se não existe um código prévio entre você e seus
ouvintes. Muitas vezes, este código está baseado no mais repugnante dos
preconceitos, mas ele - o vínculo - deve existir. (MARINGONI, 1996, p. 88).
A citação aponta uma das principais características desse tipo de humor: o
humor como forma de resistência. O código, que o autor trata, é realmente o diferencial
desse modo de fazer, no qual as charges e cartuns apresentados nos jornais do período
ditatorial.
Kucinski (1991) também aborda esse humor, dotado de características libertárias
e transformadoras. “Cínicos e libertários, os escritores satíricos e cartunistas
desempenharam um papel central na resistência à ditadura brasileira” (KUCINSKI,
1991, p. 26). De acordo com o autor, nenhuma outra categoria se opôs de forma tão
coerente.
83
Kucinski (1991, p. 26) ainda salienta que os humoristas criaram uma imprensa
própria, alternativa e com ela, driblaram o poder, “num exercício lúdico típico de seu
ofício”. Porém, para fazer parte dessa imprensa de resistência, esses jornalistas e
cartunistas sofreram consequências, como a prisão. O autor ressalta que apesar das
dificuldades, esses jornalistas não desistiram e fizeram do humor brasileiro dos anos de
1970, “um ato coletivo contra a ditadura, extravasando os limites não confrontacionais
do humor político clássico”.
84
5.3 HUMOR NO PASQUIM: RESISTINDO A CENSURA
Neste capítulo vamos apresentar a análise das charges no jornal O Pasquim no
período de 1969 até 1971, formando uma ordem cronológica de acontecimentos que
marcaram a trajetória do semanário carioca. Dessa forma, vamos examinar as imagens,
em termos de forma e de conteúdo, alinhando as mesmas na sequência de textos, cada
uma delas será identificada através de subtítulos. Para tanto nos apoiaremos em alguns
conceitos que foram mapeados no capítulo anterior e que vão nos ajudar na leitura dos
materiais.
Nestas condições, o objetivo deste capítulo é analisar algumas aspectos dos
construídos pelos jornalistas e cartunistas, na forma de charges, visando, sobretudo
identificar os propósitos dos autores, ao fazer uso desta estratégia. Segundo nossa
hipótese, o recurso a esta linguagem visa, dentre outras coisas, apresentar formas de
resistência à censura. Recordemos que o humor trabalhado conforme vimos acima com
a produção do segundo sentido, ou seja, algo que não está na aparentemente visível, mas
que se explica a partir de articulações de linguagens e seus protocolos. Iremos fazer a
leitura das imagens para desvendar como elas conseguiram informar apesar da censura
imposta.
O jornal O Pasquim utilizou esse segundo sentido na construção humorística de
suas charges, com mensagens implícitas como um mecanismo de se fazer entender
diante da censura. A maneira encontrada pela equipe do jornal foi utilizar largamente
deste recurso de linguagem para produzir mensagens nas quais deixava a posição
subentendida, como forma de driblar a censura. O humor foi a grande carta da manga,
enquanto estratégia discursiva do Pasquim. Muitos termos textuais contidos nas
entrevistas e as jogadas de mestre das charges conseguiram passar despercebidos pelos
censores.
No ambiente sufocante em que o país se encontrava, O Pasquim cumpriria a
missão de produzir novas condições para informar os leitores, reunindo alguns dos mais
brilhantes jornalistas, cartunistas e chargistas da época. Nomes como Sérgio Cabral,
Tarso de Castro, Millôr Fernandes, Jaguar, Ziraldo Alves Pinto, Sérgio Augusto,
Fortuna, Claudius Ceccon, Miguel Paiva, Paulo Francis, Luiz Carlos Maciel, Martha
Alencar, Ivan Lessa e Henfil.
85
Antes de procedermos à análise, desenvolveremos alguns parágrafos sobre a
pertinência dos conceitos levantados para a análise, de um modo breve, uma vez que
voltaremos aos mesmos no exame das charges, procurando localizar a ligação das
mesmas para as charges escolhidas.
O jornal O Pasquim, diante da necessidade de um modo de informar que
conseguisse revelar a indignação para com o período em que o país vivia, conseguiu
reunir os elementos humorísticos com caráter oposicionista como nenhum outro jornal.
No documentário sobre o tabloide, os cartunistas analisam a forma de humor
apresentada no semanário.
O humor é extremamente transformador. O humor é uma linguagem
subversiva por si só. Ele vai sempre descobrir uma maneira de pular aquele muro que construíram na frente dele. Não há maior alimento de incentivo ao
humor que a censura. (Miguel Paiva - Documentário: O Pasquim - A
Subversão do Humor. TV Câmara, 1999).
Miguel Paiva foi um dos componentes da patota e um dos poucos cartunistas
que não foram presos em 1970.
Além das técnicas criativas para lidar com as pressões vindas da Ditadura
Militar, as histórias sobre o Pasquim e seus editores vêm de relatos de que o humor foi
fundamental na relação com os censores e colaborou na determinação de quais textos
seriam publicados.
É através do humor que o semanário elege suas rotinas e inicia sua campanha
para mobilizar as pessoas, alertar para a política instaurada no momento e lembrar aos
desinformados, que rir era uma estratégia para não chorar diante do que estava
acontecendo. Ou seja, os jornalistas e cartunistas do Pasquim, acreditavam que era
preciso um pouco mais de graça e leveza para que a vida seja percebida em certos
detalhes incapazes de serem notados diante da Ditadura em que o Brasil vivia.
Desse modo, o humor e a geração que criou e alimentou o Pasquim parecem ser
elementos fundamentais para entender a resistência do seu discurso de contestação
durante o período da censura e os relacionamentos que permearam as publicações do
jornal. São histórias impressas em frases e imagens que desmascaram o silêncio do
Regime.
Apesar de ter o humor como linha editorial, o Pasquim comportava diferentes
estilos jornalísticos embora todos os textos e as imagens se enquadravam na categoria.
Maciel, Paulo Francis e Ivan Lessa faziam parte desses espaços que se diferenciavam
86
das páginas fortemente ilustradas, do riso constante e das críticas aos costumes
brasileiros. Os três editavam as páginas geralmente repletas de texto, com uma
abordagem mais característica do que o restante do jornal e dos redatores.
Bergson (2004) enfatiza ainda mais a função da comicidade quando explica que
“essa deve ser a função do riso. Sempre um pouco humilhante para quem é seu objeto, o
riso é de fato uma espécie de trote social” (BERGSON, 2004, p. 101). Ele ainda
complementa, enfatizando que quando se trata de comicidade de formas e movimentos,
certas imagens por mais simples que sejam, são risíveis por si mesmas. Desse modo, o
autor nos ajuda a compreender melhor a ideia de humor trazida pelo personagem do
ratinho Sig e toda sua autocomicidade, caracterizada em seus traços.
O jornal O Pasquim trazia bastante dessa comicidade em suas páginas. Além do
ratinho Sig, conforme vimos anteriormente, as charges eram o grande carro chefe do
semanário. Braga (1991, p. 162) enfatiza que “as imagens do desenho pasquiniano e
suas intenções satíricas levaram, geralmente, a uma integração entre as imagens e seu
texto”. Quanto às editorias, o tablóide trazia geralmente surpresas, seja com uma foto
de impacto, uma declaração chocante ou uma frase logo abaixo do nome do jornal,
chamada por Braga (1991) de "frases-lema", que mudavam a cada edição. A chamada
principal do semanário geralmente vinha da entrevista principal. O semanário propunha
uma linguagem visual e textual diferentes que permeavam o jornal inteiro.
Os elementos acima descritos fazem parte do estilo visual e textual do jornal, e
estão diretamente ligados a dois aspectos opostos da vida cotidiana, a repressão e a
cultura alternativa. Ambos fazem parte das principais características que determinaram
a linha editorial do Pasquim, o humor.
Outro atrativo do tablóide eram as famosas frases-editoriais que examinaremos
mais abaixo. Elas dividem-se pelos diferentes períodos de censura sobre o semanário. O
que se percebe é a permanência da estrutura subjetiva do auto-discurso, na construção
da frase de capa do jornal seguida de uma definição.
Braga (1991: 135-136) trata das frases editoriais de capa, como uma redefinição
semanal por parte do semanário. Ao fazer essa redefinição, o jornal “exprime também
uma opinião sobre sua atualidade política: que exige de um jornal o esforço de renascer
(ou não morrer) semanalmente, repensando-se a cada exemplar”. A frase editorial da
edição nº 16, de 1969 estampa a frase que explica a afirmação de Braga (1991): O
Pasquim, um jornal que sente o drama de escolher um lema por semana.
87
Três frases-editoriais do período em que a censura estava centralizada em
Brasília contam a dificuldade do processo de produção do jornal naquele momento: “O
Pasquim – um jornal que não é editado por seus editores” (edição 261, publicada em
1974); “O Pasquim – um jornal que balança, mas não cai” (edição 264, de 1974); e
“Cumprimos o doloroso dever de informar que estamos vivos” (edição 279, de 1974).
As campanhas institucionais do período Médici também eram alvo das piadas do
jornal. Pasquim: ame-o ou deixe-o, era uma clara menção à propaganda realizada pela
Assessoria Especial de Relações Públicas (AERP). Esta assessoria era composta por
jornalistas, psicólogos e sociólogos que determinavam sobre os temas e o enfoque geral,
contratando em seguida, agências de propaganda para produzir documentários para a
televisão e o cinema, além de matérias para os jornais.
O governo gastava milhões de cruzeiros em propagandas destinadas a melhorar
sua imagem junto ao povo. Através do humor, O Pasquim usou dessa mesma frase para
ressaltar que o país teria que aguentá-lo, como a frase: Pasquim, ame-o ou deixe-o,
fazendo uma espécie de releitura da famosa frase citada anteriormente.
Os jornalistas não poderiam se arriscar e correr o risco de perder o jornal, assim,
mais uma vez a autocensura foi o meio encontrado na frase editorial. Nela eles
demonstram que sim, tinham medo de tudo que estava acontecendo.
A frase da edição nº 131, de 1972 diz: O PASQUIM – sai todas as terças, ou
quartas, ou se calhar, quintas, se origina pelo fato de o jornal não ter o costume de
realizar reuniões de pauta, e por vezes o material atrasava, pois era necessário que os
censores lessem todo antes de ir para a impressão. O Pasquim não tinha um dia certo
para ir para as bancas. Geralmente era nas quintas-feiras, mas como nunca se sabia se
tudo ia dar certo com as publicações, a pontualidade nunca foi a maior virtude do
semanário.
Outra frase que estampou a capa do Pasquim foi: O importante não é vencer, é
sair vivo. O ano desta publicação é 1972, na edição nº 168. Os jornalistas tinham um
humor ímpar para enfrentar a repressão que assolava o país. Devido a tantos “sumiços”,
violências e mortes, o jornal driblava todo esse processo alertando que só queria sair
vivo disso tudo.
O ratinho Sig, uma espécie de mascote símbolo do Pasquim, estava presente em
todas as edições do semanário estando presente nas charges, entrevistas, capas, tendo
como principal função, ilustrar a opinião do jornal de uma forma irônica e engraçada.
88
Na frase editorial Pasquim – corajoso como um rato, os jornalistas se referiram
ao Sig para dizer o quanto estavam amordaçados e ameaçados pela repressão, através de
balões de fala no ratinho. Os traços do mascote criado em homenagem ao psicanalista
Sigmund Freud não incitam nenhuma reação cômica, sendo um conjunto de atitudes e
diálogos representados pelo personagem, para seu grupo de leitores, que reside o humor
do mascote do semanário. Os traços do mascote, criado por Jaguar, manteve-se durante
toda a trajetória do tabloide. Em todas as edições ele estava presente, tanto nos artigos,
capa, charges, e demais editorias. Visualize a seguir.
Figura 5
Mascote do humor pasquiniano
A interação do ratinho Sig com as entrevistas, fotomontagens e/ou de fotos de
bastidores (recurso raramente usado na época), fica evidente em várias edições do
periódico.
Um dos atrativos do Pasquim também estava relacionado às frases editoriais e
sempre continham uma ideia implícita a ser desvendada. A frase editorial Quem é vivo
sempre desaparece, que foi publicada na edição nº 174 do ano de 1972, referiu-se aos
sumiços na Ditadura Militar. Nesse período houve perseguição à lideranças políticas,
torturas, mortes misteriosas. Ou seja, falar, escrever, desenhar e publicar, tornaram-se
atos de resistência e por consequência, de medo.
O Pasquim tirou o formalismo do texto jornalístico utilizando o humor como
linha editorial. E não poderia ser diferente, já que grande parte dos jornalistas que se
juntaram para produzir o semanário já vinha de experiências com o jornalismo
humorístico.
O riso do jornal podia ser percebido na ação humorística “direta”, mas
facilmente desvendável. Já a “indireta”, na qual destacamos as entrelinhas que, uma vez
89
percebidas pelo leitor, provocavam com o mesmo efeito o riso, e cumpriam como disse
Braga (1999, p. 200), afirmando que “as técnicas do jornal, essencialmente voltadas
para a produção de subentendidos (a implicitação humorística), tiveram que chegar a
um nível de refinamento muito grande, em consequência da censura”.
Desse modo, O Pasquim trabalhou de um lado com o explícito, que era o
assunto mesmo tratado e também com o implícito. Não podendo manifestar uma
posição direta contra o Regime, a linha editorial avaliava, criticava e combatia a sua
lógica deixando a informação subentendida nas entrelinhas.
Os assuntos abordados no tabloide, geralmente envolviam temas polêmicos e
proibidos pela censura, como as atividades ligadas aos movimentos estudantis e
trabalhistas, críticas à economia, entre outros. Além disso, a censura proibia críticas ao
sistema habitacional, propaganda sobre homossexualidade e divulgação das
divergências da Igreja com o Regime. As notícias mais perigosas eram as que faziam
referência aos militares e ao sistema. Qualquer assunto que pudesse causar a bravura nas
Forças Armadas, ou tensão entre os militares, era censurado.
Com a finalidade de intensificar a repressão, a censura prévia, na qual era
exigido o envio de todos os originais dos materiais à Brasília, foi instalada no Pasquim
e em outros jornais da imprensa alternativa. Contudo, os jornalistas e humoristas do
tablóide não podiam evidenciar que o jornal estava sendo censurado. No lugar de
diversas matérias, a equipe colocava poesias de Camões ou as receitas de culinária. Isso
se repetiu por diversas edições.
Através da censura prévia, o Regime Militar foi submetendo aos poucos a
imprensa alternativa cada vez mais repressão. Aos censores era recomendado que, na
dúvida, deviam cortar a material.
Esse momento marcou consideravelmente a produção jornalística, que recebeu
inúmeros vetos e tinha suas matérias rabiscadas com um X. Gentilli (2006) analisa a
importância e o papel que a imprensa alternativa teve nesse período. “Ao mesmo tempo
em que, por traduzir um sentimento de mudança e de tentativa de engajamento”, as
propostas dos jornais independentes, tiveram uma “ação específica para chegar à
mudança pretendida”. (GENTILLI, 2006, p. 69).
Nessas propostas, os membros da patota do Pasquim, através do humor,
conseguiram transpor o sentimento de revolta, sentido por uma geração insatisfeita com
o governo vigente.
90
5.3.1 UMA BREVE DESCRIÇÃO CONTEXTUAL DAS
CHARGES
Nossa análise das charges envolve também um registro de contextualização das
mesmas, algo a ser feito nos próximos parágrafos. Este capítulo é a peça chave desta
pesquisa, pois engloba o grande objetivo do trabalho, ou seja, descrever as charges
através do humor usado como linguagem e como essas charges ajudaram a disfarçar o
momento de repressão vivido pelo país entre os anos de 1969 a 1972. A importância em
tratar de um assunto tão delicado quanto á censura, está na complexidade dos materiais
criados durante o período, no qual tiveram que mudar o seu modo de informar para se
adaptar aos mandos do governo.
As charges ilustram os momentos importantes vividos pelo semanário,
Pasquim,a de que marcaram a geração dos anos 70 e revolucionaram o modo de
informar, contando com uma equipe cheia de talentos, formada por jornalistas e
cartunistas.
A primeira charge, a ser analisada - A autocensura de Millôr, é de 1970. Ela
aponta a autocensura que Millôr Fernandes faz em relação ao governo. A segunda
charge, nomeada de Parodiando Drummond, apresenta uma relação inteligente que o
cartunista Jaguar fez com os versos de Drummond e o tricampeonato brasileiro de
futebol. Já na terceira charge, que recebeu o nome de Plágio à independência, talvez a
mais importante dessa ordem cronológica que montamos, pelo fato dela ser a peça
chave que levou os jornalistas e cartunistas à prisão em 1970. A quarta imagem,
intitulada Um jornal sem jornalistas, foi uma charge produzida enquanto a equipe
estava presa e desconhecemos o autor da mesma. Ressaltamos que apenas Miguel Paiva,
Millôr Fernandes, Martha Alencar e Henfil ficaram livres da prisão. Millôr organiza a
capa da edição nº 73 que ilustra um desenho antigo da fábula do lobo e do cordeiro, no
qual um balão de fala é colocado no personagem do cordeiro: Enfim, um Pasquim
inteiramente automático. Já a frase editorial desta edição dizia: Pasquim, um jornal com
algo a menos. A quinta imagem, nomeada de A saída !! Onde fica a saída?, ilustra
outro momento marcante da trajetória do Pasquim. O chamado Rush da Solidariedade
foi um episódio importante na história do semanário e consistiu na ajuda que o tabloide
recebeu quando a maioria de seus jornalistas e cartunistas estavam presos. Nesse Rush,
91
estavam presentes jornalistas, artistas, escritores e demais pessoas influentes do cenário
cultural brasileiros dos anos 70. Já na sexta e última imagem, recebeu o nome de E
agora?, o ratinho Sig acompanha um alvo centralizado cheio de tiros, com o anúncio
TARSO Á SOLTA. A imagem simboliza a liberdade dos componentes do jornal, que
haviam sido liberados da prisão há poucos dias, e o nome de Tarso foi usado
especialmente, pela sua saída do jornal, logo após perceber que o mesmo encontrava-se
em crise, devido à prisão de grande maioria da equipe.
Para a análise das charges, nós voltaremos a alguns conceitos que descreveremos
abaixo.
Entre os conceitos que já apresentados nesta pesquisa, destacaremos sempre,
pelo viés do humor, em qualquer um deles. É importante retomarmos alguns conceitos
de humor, baseados em autores como Freud, Bergson, Possenti, Maringoni, Sanchotene,
além de autores que debatem o humor, enquanto linguagem de comunicação através da
qual se dá a resistência a censura, já que nosso enfoque na pesquisa é o período da
Ditadura Militar. Entre esses autores podemos citar, Ferreira, Malachias e Bedin, entre
outros. Também iremos relembrar os conceitos de charge, com autores como Arrigoni,
Liebel, Miani, entre outros. Para isso, poderemos entender melhor o que, afinal, o que
provoca o riso?
Para fazer nossa análise, vamos nos valer dos conceitos de Freud (2004), grande
pesquisador do assunto, que contempla o humor em seus pressupostos, ou seja, o que
ele busca e o que ele provoca. Para Freud (2004, p. 99-100) o riso tem significado e
alcance sociais, ou seja, que “a comicidade exprime acima de tudo, a inadaptação
particular da pessoa à sociedade”, o autor complementa que, não há comicidade fora do
homem e que o homem é o caráter que é visado em primeiro lugar. O autor contempla o
humor, com a comédia, como o gênero que mais se aproxima da vida real.
A ele se mistura uma segunda intenção que a sociedade tem em relação a nós quando nós mesmos não temos. Mistura-se a intenção inconfessa de
humilhar, portanto, é verdade, de corrigir pelo menos exteriormente. Por isso
a comédia está bem mais perto da vida real que o drama. (FREUD, 2004, p.
102).
Desse modo, Freud diz relata que os elementos que contemplam o caráter
cômico serão os mesmos tanto na vida quanto no teatro. Na opinião de Firmino (2000,
p. 19), “uma das capacidades que distinguem o ser humano de qualquer outra criatura da
92
terra, sem dúvida é o riso”. A autora enfatiza ainda que “alguns filósofos definiram o
Homem como um animal que sabe rir”.
Possenti, (2009), que estudou o humor em mais de uma obra, crê que o mesmo é
uma questão de cultura, devido ao seu desconhecimento dos dados, ou seja:
no caso do humor há uma manifestação clara de seu funcionamento, o riso.
Quando não ocorre, atribuímos esse fato a uma diferença de cultura. Mas
creio que confundimos o que é apenas uma manifestação mais ou menos
lateral como que seria uma característica definidora. (POSSENTI, 2009, p.
226).
Em outra obra, Possenti (2010) analisa os “ingredientes” dos textos
humorísticos, contrastando sua relação com as questões de “ordem linguística, em
primeiro lugar, mas também pragmáticas, textuais, discursivas, cognitivas e históricas”.
O autor enfatiza que esse tema tem atraído muitos estudiosos e tem se percebido que o
assunto “trata de um corpus privilegiado para uma espécie de tese de diversas teorias ou
de avaliação de práticas como a leitura”. Possenti contempla que:
Os textos humorísticos evidencialmente não sejam sempre referenciais,,
guardam algum tipo de relação (a ser explicitada já que humor não é
Sociologia nem História) com os diversos tipos de acontecimento. As
charges, por exemplo, são tipicamente relativas aos fatos “do dia”. (2010, p.
27).
Possenti complementa que apesar dos assuntos ligados ao cotidiano, as charges
também abordam temas de média duração “como um governo, um regime, o tempo de
destaque de uma personalidade, como um mandato governamental” (2010, p. 28). O
autor contempla nesta mesma obra, chamada Humor, língua e discurso, que as técnicas
humorísticas nem sempre apresentam os todos os que escondem. Ou seja, elas permitem
a descoberta de outro sentido, que é geralmente, inesperado, “frequentemente distante
daquele que é expresso em primeiro plano e que, até o desfecho da piada, parece ser o
único possível”. (2010, p. 61).
As charges, como técnicas humorísticas, analisadas nesta monografia, também
apresentam um duplo sentido, ou seja, mais de um discurso, juntamente com o duplo
sentido, quando usadas involuntariamente, podem causar uma grande confusão, porém,
se inseridas intencionalmente, com a habilidade de poucos, podem gerar uma grande
gargalhada.
93
A charge, objeto de estudo desta monografia, tem como principal característica,
compreender a mescla das linguagens verbais e não verbais. Desse modo, essa
construção híbrida aponta que a charge tem uma dupla dimensão: a explícita e a
implícita. Combinando elementos de cunho explícito e implícito, segundo Vedovatto
(2000, p. 64), a configuração estratégica decorre da instância responsável pelo que é
dito (enunciado) com aquela responsável pelos modos de dizer (enunciação).
Para Machado (2006), o discurso em si, não existe por si mesmo, ele só existe
em um espaço entre sujeitos. Ou seja, “se o discurso depende dos sujeitos para existir,
isso significa que é produzido por esses sujeitos, não apenas pelo autor da fala ou
enunciador, mas também pelo sujeito que lê o discurso” (MACHADO, 2006, p. 3).
Mattos e Teodoro (2006, p. 3) discorrem sobre a função das charges, no qual
afirmam que “as charges têm o objetivo de persuadir, influenciar ideologicamente o
imaginário do interlocutor. Assim, elas se mostram como um poderoso instrumento de
crítica”. Diante dessas características, as autoras afirmam que uma é a mais marcante:
“o aspecto irônico e denunciador que tem a charge”. Desse modo, as autoras
complementam se apoiando em Castro (2005) que diz que:
a ironia é um caso típico de discurso bivocal. Nela a palavra tem
duplo sentido: volta-se para o objeto do discurso como palavra comum e para
um outro discurso”. Essa definição pode ser mais completa se acrescentarmos
que ironia é a afirmação de algo diferente do que se deseja comunicar,
geralmente contrário, na qual o emissor deixa transparecer a contrariedade
por meio do contexto, do discurso ou da entonação. A função da ironia,
geralmente, é criticar, impressionar e provocar humor. (CASTRO, 2005, p. 120)
Entre tantos conceitos de humor, duplo sentido, ironia, comicidade e demais
teses que nos apoiamos para construir esta pesquisa, com esses e outros pressupostos,
vamos dar continuidade ao nosso intuito neste capítulo, a análise das charges
escolhidas. Ressaltamos que esses conceitos serão vislumbrados adiante.
Para fazermos a análise dessas charges, vamos assim, englobar diversos
conceitos para assim, entendê-las melhor. Ao falarmos de interpretação das frases
contidas em charges, por exemplo, podemos contextualizar o enunciado. Caracterizado
como a manifestação das frases, a enunciação se dá através de frases, sendo estas,
caracterizadas como partes da língua, portanto o enunciado pode ser caracterizado como
uma realidade empírica. De acordo com Vedovatto (2000), o enunciado é “um
fragmento do discurso, uma manifestação particular”.
94
Desse modo, nos próximos capítulos, discorreremos sobre uma análise
específica de seis charges importantes no contexto desse trabalho e do jornalismo
brasileiro dos anos 70.
95
5.3.2 A GRANDE SACADA
Antes de começar a análise, façamos alguns esclarecimentos sobre alguns
procedimentos metodológicos que envolvem a leitura das charges. Lembro ao leitor que
a metodologia sobre a qual esta monografia é constituída repousa em inspirações
qualitativas, isto é, reúnem duas orientações, além do recurso obrigatório a
documentação, á história, os arquivos, etc. As duas orientações as quais eu me reporto,
envolvem a importância que tem para esta pesquisa o “estudo de caso” e a “análise de
discurso”. Ou seja, uma vez que o meu objeto esta centrado em uma pesquisa sobre o
Pasquim e, particularmente, em uma de suas fases, significa dizer que estou trabalhando
com questões relativas a um estudo de caso, compreendendo por este conceito a
seguinte noção.
É um método de pesquisa que se concentra em um único caso, e não um
censo de população ou numa amostra representativa. Este estudo é útil nos
primeiros estágios de uma pesquisa, quando o objetivo consiste em explorar
ideias, submeter a teste e aperfeiçoar instrumentos de medição e qualificações observacionais, e preparar um estudo com base mais ampla.
(JOHNSON, 1995, p. 32).
Tratando-se de uma monografia de final de graduação, não poderia estudar o
Pasquim em sua abrangência, o que envolveria muitos aspectos, histórico, político,
ético, organizacional, etc. Em função desta ampla possibilidade, elegemos um aspecto
desse caso, o estudo das charges e para tal fim teria que fazer também uma escolha de
uma técnica para examiná-las. Neste caso optei também por um certo tipo de análise de
discurso. Ou seja, descrição das características em termos de linguagem, de um certo
“corpus” de uma determinada forma de discurso jornalístico. Não se trata de uma
análise de discurso rigidamente aplicando princípios linguísticos e gramaticais, mas de
uma tentativa de interpretação que extraísse dos materiais das charges aqueles
elementos de linguagens em torno das quais se manifestaria uma certa produção de
sentidos. Trata-se de uma análise que é desafiada pela singularidade de um determinado
texto, no caso, o jornalístico, na forma de charge. Estou vendo a charge, mas não é em
qualquer lugar, como em uma parede, televisão outdoor, entre outros. Não. Estou vendo
a charge no jornal, e aí se constitui a sua matéria prima.
Desse modo, a ênfase da minha pesquisa é responder como o Pasquim dribla a
censura, através da descrição de textos (charges), onde o Pasquim constrói mensagens
com fim de driblar a censura e que são examinadas por mim. Para isso, usaremos a
96
enunciação para entender melhor o modo de dizer dessas mensagens. Para Benveniste
(1970), o termo enunciação envolve diversos aspectos, como a relação do locutor com a
língua determinada, que de acordo com a autora, determina os caracteres linguísticos da
enunciação. “O ato individual pelo qual se utiliza a língua introduz em primeiro lugar o
locutor como parâmetro nas condições necessárias da enunciação” (BENVENISTE,
1970, p. 83). O autor ainda elenca alguns conceitos sobre o termo.
Antes da enunciação, a língua não é senão possibilidade de língua. Depois da enunciação, a língua é efetuada uma instância de discurso, que emana de um
locutor, forma sonora que atinge um ouvinte e que suscita uma outra
enunciação de retorno. Enquanto realização individual, a enunciação pode se
definir, em relação a língua, como um processo de apropriação. O locutor se
apropria do aparelho formal da língua e enuncia sua posição de locutor por
meio de índices específicos, de um lado e por meio de procedimentos
acessórios, de outro. Por fim, na enunciação, a língua se acha empregada para
a expressão de uma certa relação com o mundo. A condição mesma dessa
mobilização e dessa apropriação da língua é, para o outro, a possibilidade de
co-referir identicamente, no consenso pragmático que faz de cada locutor um
co-locutor. A referência é parte integrante da enunciação. Seria preciso
também distinguir a enunciação falada da enunciação escrita. Esta se situa em dois planos: o que escreve se enuncia ao escrever e, no interior de sua escrita,
ele faz os indivíduos se enunciarem. (BENVENISTE, 1970: 82-90).
Já para os autores do livro Dicionário de Linguística, Dubois, Giacomo,
Guespin, Marcelessi e Mevel (1973, p. 218), enunciação “é o ato individual de
utilização da língua, enquanto enunciado é o resultado desse ato, é o ato de criação do
falante”. Desse modo, os autores enfatizam que, “a enunciação é constituída pelo
conjunto dos fatores e dos atos que provocam a produção de um enunciado”.
Assim, a partir dos conceitos estudados acima, constituímos um melhor
entendimento de algumas ferramentas sobre a metodologia usada nesta monografia.
O espírito deste capítulo que segue, é justamente aprofundar nossos
conhecimentos sobre charge e o poder que o humor como linguagem tem para a
construção da mesma. Assim, vamos analisar seis imagens a partir de suas
particularidades, seus detalhes e suas ambiguidades dentro do discurso jornalístico
aplicado no contexto histórico e social em questão. Para aplicarmos essas estratégias
discursivas, iniciamos a análise das charges com a charge A, de acordo com explicação
feita no capítulo anterior, no qual iniciamos pela charge de Millôr Fernandes.
97
Charge A - A AUTOCENSURA DE MILLÔR
Figura A
O Pasquim, n. 43, 12 a 18 de fevereiro de 1970, p. 33.
Feita em 1970, a charge nos mostra aparentemente dois homens conversando. O
personagem da esquerda, visivelmente mais jovem que o outro, vestindo uma camiseta
com o símbolo da paz, cabelos compridos, barba por fazer, e com um cigarro na mão
esquerda, apresenta o seguinte balão de fala contendo mensagem enviada ao segundo
personagem: Você já ouviu a última contra o governo? O outro personagem,
aparentemente mais velho, com paletó e gravata, e que possivelmente seria um censor
ou algum amigo, também com um balão de fala, diz: Cuidado, rapaz; tem gente lendo a
página. A fala diz, indiretamente que devido à censura, deveria se ter cuidado com o
que se falava e ou comentava sobre o governo. O alerta do personagem se dá como um
aviso ao jovem.
Podemos perceber que ali existia uma limitação na liberdade de expressão, o que
o período em que a charge foi feita, perfeitamente justifica o fato.
O ano de 1970 foi um dos piores anos vividos pelo país, pois marcou o segundo
ano que o Brasil seguia o decreto do AI-5, instaurado em 1968. O AI-5 decretou, entre
tantos mandos, que seria proibida qualquer manifestação sobre assuntos de natureza
política. A censura foi instaurada no país, afetando a imprensa, a música, o teatro e o
cinema.
98
Desse modo, fica mais fácil entendermos porque o jovem estava sendo avisado
que suas palavras deveriam ser cuidadas naquele momento. Qualquer manifestação
sobre o governo seria punida e os direitos do cidadão prejudicados.
É possível perceber na charge, que os traços que a compõem são finos e bem
característicos do chargista Millôr Fernandes. Vedovatto fala sobre esta característica:
“A linha fina simboliza leveza, graça, fragilidade” (2000, p. 29). A autora contextualiza
também o intuito que o movimento trazido pelo traço, beneficia a charge. “O
movimento potencializa a dinâmica na charge, o que é necessário para que ela traduza
inteiramente a mensagem que se propôs a transmitir” (VEDOVATTO, 2000, p. 46).
Desse modo, na charge A, podemos perceber o movimento das mãos do personagem da
esquerda, que está visivelmente articulando com o outro personagem, e em uma de suas
mãos possui um cigarro e a outra complementa a articulação da conversa entre os dois.
Aparentemente, podemos perceber que este personagem está mais animado que o outro,
que aparentemente permanece sério e imóvel.
Quanto à mensagem enviada através das charges, ainda nos baseamos em
Vedovatto (2000, p. 3), que contextualiza que “a charge é um texto complexo,
construído a partir de determinadas estratégias que requerem tanto do produtor quanto
do leitor, uma competência discursiva especial”. Para isso, “os contratos entre emissor e
leitor se concretizem plenamente, é necessário que haja uma cumplicidade entre eles”.
Desse modo, entendemos o quão importante é o receptor entender o que está
sendo dito, para compreender os diferentes sentidos que a charge pode trazer.
Quanto à questão da autocensura suscitada pela imagem, percebemos que ela é
apresentada na fala entre os personagens, no qual um diz euforicamente para o outro,
uma frase que não podia estar sendo dita, ou seja, durante aquele período político do
país, as pessoas não tinham uma manifestação livre, devido à repressão e à censura aos
meios de comunicação, portanto, logo, o outro personagem o alerta: Cuidado rapaz.
Seguindo os elementos característicos das charges, os balões também
identificam uma função à imagem. De acordo com Cagnin (1975), a forma mais
aplicada na apresentação verbal da charge é através de balões de fala. A fala nos balões
complemente a imagem e deixa o contexto da charge mais claro.
Millôr Fernandes foi um dos principais integrantes d’O Pasquim. Desenhista,
escritor e jornalista, Millôr ironizava constantemente a censura imposta às redações,
assim como a autocensura da grande imprensa.
99
Na charge A, pudemos destacar como o desenhista introduz o tema da
autocensura mediante personagem que se atreve a falar contra o governo militar. O
dialogo em questão, cuja alusão diz respeito a conversas entre jornalistas, em ambiente
de redação, os quais dialogam sobre as últimas notícias dos jornais, apresenta a
autocensura imposta pelo período político vivido no país.
Nas imagens que virão a seguir, vamos continuar analisando os principais traços,
objetivos, detalhes e sentido que as mesmas buscam apresentar ao leitor.
100
Charge B - PARODIANDO DRUMMOND
Antes de descrever a charge B, vamos contar um pouco sobre a situação política
que o país passava e porque as charges tiveram que constituir uma reação no campo
jornalístico para fazer face à censura.
Nos primeiros meses do governo de Geisel, em 1974, ocorreram alguns sinais de
abertura política. A censura prévia foi retirada de O Estado de São Paulo, Veja, O
Pasquim, mas continuou em Tribuna da Imprensa, São Paulo, Opinião. Isto era um
claro aviso aos jornais que não eram mais censurados, pois, apesar da censura recém
abolida, ela poderia voltar a qualquer momento. Esse fato pode ser claramente
percebido na primeira edição do Pasquim sem censura prévia, o nº 300, que, mesmo
sem censura, foi apreendido. Nesse período, o Brasil foi tomado por uma euforia em
razão da conquista do tricampeonato na Copa do Mundo, em 1970. A equipe da AERP
logo tomou proveito dessa situação, compondo a popular marchinha “Pra frente Brasil”
e criando o slogan “Ninguém segura mais este país”.
Criada por Jaguar, a charge contrasta a campanha que o governo Médici realizou
durante a conquista do tricampeonato de futebol, tomando como referência a situação
socioeconômica vivida pela população na época. Conforme vemos a seguir.
Figura B
O Pasquim, nº 54, 2 a 8 de julho de 1970, contracapa.
101
Os versos de Drummond são apresentados como o texto legenda da imagem
feita por Jaguar que mostra um casal de favelados segurando a bandeira do Brasil. Os
versos dizem: “E agora José, a festa acabou, o povo foi embora, a noite esfriou. E
agora, José?”.
O contexto da imagem se dá a partir da prisão de Jaguar, juntamente com o
restante dos integrantes do Pasquim e no inquérito policial, ele viu que o nome de
Carlos Drummond de Andrade constava da lista das pessoas que iam ser chamadas para
prestar depoimento, devido os versos que o escritor publicava no Pasquim. “Tive um
trabalho danado para convencer o general da Censura que publiquei o desenho sem a
autorização do autor dos versos, no caso, o Drummond”. (JAGUAR, 1981).
A imagem nos mostra o traço fino de Jaguar ao desenhar oito pessoas
aparentemente humildes, com roupas rasgadas e rostos tristes e desiludidos. A imagem
mostra um casal com seis filhos e que também possui um cão. A imagem traduz o
fanatismo tradicional que o país possui pelo futebol, no qual apesar das dificuldades
financeiras e sociais, os brasileiros tendem a participar e se engajar esperançosamente
nas competições de futebol, no caso dessa charge, a Copa do Mundo. O futebol há
muitos anos, é motivo de alegria e orgulho para os brasileiros, que torcem
incansavelmente pelo futebol do Brasil e pelas Copas do Mundo realizadas a cada
quatro anos. Porém, quanto a esse patriotismo em questão, notamos na imagem que o
homem está segurando em sua mão direita, uma bandeira do Brasil, sustentada para
baixo, e na mão esquerda, uma placa com o dizer: Avante seleção! As bandeiras
enfatizam mais uma vez a tristeza e o desânimo que a família humilde vivia no período,
devido às dificuldades econômicas, porém, se mantinha fiel ao futebol brasileiro.
.Quanto á linguagem usada na charge, Jaguar coloca os versos de Drummond
entre aspas, e isso significa dizer que a charge faz uma operação de intertextualidade ao
buscar no texto poético, o fragmento que serve de construção para a sua mensagem.
Para uma mensagem, em uma charge ou qualquer outro tipo de ilustração,
porém, principalmente na charge, que normalmente aborda um assunto de tema atual,
necessita de um reconhecimento do leitor sobre o assunto tratado e também à mensagem
implícita que ela contém. Os efeitos de sentido de uma mensagem, de forma estratégica,
necessitam do reconhecimento para assim, o sentido produzir seus efeitos. Na charge, o
efeito é sempre múltiplo de acordo com Vedovatto (2000), o efeito é sempre plural, ou
seja, o reconhecimento do contexto ali apresentado.
102
A charge B faz uma recorrência ao momento histórico vivido pelo país nos anos
70 e é apresentada em plano médio, uma vez que os personagens aparecem de corpo
inteiro, e cenário e os detalhes do traço permite que o leitor faça uma projeção do local
da ação e a ligação dele com a história. Essa modalidade de humor e de crítica social e
política até hoje continua incomodando as pessoas públicas pelo efeito que as charges
produzem.
Também é possível perceber a noção de perspectiva (frente e fundo) da imagem.
O primeiro plano traz a família, sendo o homem e a mulher (pais da família em questão)
apresentados em tamanho bem maior que as crianças, ganhando um destaque nesse
primeiro plano, e a casa da família, aparecem em um segundo plano, com tamanho bem
menor, mostrando que a família está distante da mesma.
A charge apresenta personagens que tem seus detalhes exagerados, ou seja,
cabeça grande para um corpo, assim como as barrigas da família, que ganharam um
exagero, referindo-se à situação de pobreza que o grupo vivia, sendo a barriga grande,
significado de vermes ou de algum outro problema ligado á má alimentação ou à
infecções alimentares. O fato de o casal possuir seis filhos e aparentemente, a mãe está
grávida na imagem, aponta a ocorrência de as famílias pobres brasileiras geralmente
possuíam mais filhos que o comum. Ou seja, mesmo com a falta de dinheiro e alimento,
a gravidez ocorre por falta de prevenção e demais cuidados, por desinformação ou
qualquer outro motivo.
Quanto ao traço, a charge não apresenta contrastes de sobra em sua composição
e também não possui um cenário, no qual os personagens aparecem ao centro, vazios de
cenário, com apenas a casa ao fundo.
A charge com os versos de Carlos Drummond de Andrade¹ entra no contexto da
imagem devido ao papel do enunciado interrogativo: E agora? Ou seja, o Brasil ganhou
a Copa do Mundo de futebol, mas e como fica a desigualdade social e a pobreza? O
contexto enfatiza que apesar desses paradigmas, o futebol envolve todas as classes
sociais, inclusive os menos favorecidos, como na caso charge em questão, que
continuarão pobres depois dessa conquista do futebol brasileiro.
O ano de 1970 estava sendo de crescimento do espaço do Pasquim, pois as
vendas aumentavam consideravelmente, e o jornal deixava, aos poucos, de ser limitado
ao Rio de Janeiro e ao bairro de Ipanema e passa a ser veiculado em São Paulo. Os dois
últimos meses do ano de 1970, porém, mudaram o rumo dos acontecimentos no
semanário, conforme já descrevemos em capítulos anteriores.
103
___________________
¹ - Poeta, contista e cronista carioca. Produziu poesias, livros, contos e crônicas, muitas delas
Publicadas no jornal Correio da Manhã, Jornal do Brasil e O Pasquim.
104
Charge C – PLÁGIO À INDEPENDÊNCIA
Como veremos abaixo, a figura C, trata-se de mais uma obra de Jaguar, que se
arrisca ao ilustrar o quadro de Pedro Américo, que leva o nome de O grito de Ipiranga,
no qual nesta tentativa, Dom Pedro I, ao invés de gritar Independência ou morte,
aparece com o balão e a frase: Eu quero mocotó, verso de uma música do cantor Jorge
BenJor. A charge foi considerada um deboche ao espírito nacionalista, do “Brasil, ame-
o ou deixe-o”, tão enfatizado pelos militares. Por causa da charge, Luiz Carlos Maciel,
Paulo Francis, Ziraldo, Sérgio Cabral e Paulo Garcez foram parar prisão, além claro, do
próprio autor da charge. O episódio de O Pasquim expõe uma das principais
características da charge, a crítica social e política expressa com humor.
Figura C
O Pasquim nº 72 de 4 a 10 de novembro de 1970, pg 14.
Antes de prosseguir a análise, deve ser lembrado que a existência desta charge
envolve um fato muito curioso. A primeira censora que frequentou á redação do
Pasquim, chamada pela equipe de apenas Dona Marina, acabou amiga de bebedeira dos
jornalistas e foi demitida por deixar passar esta fotomontagem de Jaguar, que na visão
dos militares foi um deboche a um quadro tão famoso da História do Brasil, tratando-se
do Grito da Independência ou Grito do Ipiranga, que ocorreu em 1822.
Dona Marina, responsável por liberar as páginas do Pasquim, foi destituída do
cargo logo após o jornal chegar às bancas. Para os que faziam o Pasquim, foi tomada
uma decisão radical para silenciar o jornal: em poucos dias, uma vez que, onze
jornalistas do semanário foram presos sem um período determinado. Várias
105
transformações aconteceram a partir dessa imagem que, na percepção de Jaguar, foi
uma brincadeira, apesar da evidente provocação ao reproduzir e caçoar da pintura que
tem um caráter patriótico.
Voltando à questão da análise, é possível analisar, na imagem de Jaguar, que ele
manteve os mesmos traços criados pelo pintor Pedro Américo. A charge usa bastante de
traços grossos e com sombra ao ilustrar a cavalaria de Dom Pedro I, dividida entre
cavalos de pelagem clara e escura. O balão inserido na imagem, que foi a peça chave,
que honrou o tradicional humor pasquiniano, no qual Jaguar inseriu uma frase de fala
em Dom Pedro I: Eu quero mocotó!! A canção que leva o nome de Também quero
mocotó, estava em alta na época, fazendo grande sucesso e deslanchando a carreira do
cantor Jorge BenJor. A letra da música, porém foi produzida pelo maestro e compositor
Erlon Chaves. A mensagem foi inserida no balão justamente para quebrar protocolos,
ou seja, zombar do patriotismo exagerado que os anos 70 apresentavam.
A palavra mocotó deriva de uma gíria do final do ano de 1969. Devido à moda,
as pernas femininas ganharam destaque e as saias das mulheres começaram a ficar mais
curtas, bem acima dos joelhos. Enquanto a minissaia fazia sucesso, o joelho feminino
ganhava um apelido: mocotó. Ou seja, mais uma vez encontramos o duplo sentido nos
balões das charges de O Pasquim. No caso da charge C, um único balão de fala foi
suficiente para produzir o efeito que os jornalistas buscavam ao ironizar o nacionalismo
exacerbado da época, fazendo um deboche com o famoso Dom Pedro I.
Os efeitos de sentido que uma charge como esta pode surtir, vão de uma simples
brincadeira à uma poderosa crítica, como foi o caso, no qual a charge de Jaguar rendeu à
prisão dos jornalistas e cartunistas do tabloide por dois meses.
Na charge, os detalhes são eliminados e as pessoas são identificadas apenas por
sua estética óbvia, ou seja, ao vê-la, sabemos quem é o ser humano, quem é o cavalo e
assim por diante. O traço escuro se manifesta na charge, aumentando a dinâmica da
imagem, ou seja, a sua veracidade, deixando-a mais marcada e destacada. O tom
carregado dos elementos os coloca num plano mais próximo do leitor. A imagem
também possui movimento. Ao pôr os olhos na charge, podemos perceber que ela
descreve uma cena e realmente a imaginamos em movimento, os cavaleiros e suas
espadas, os cavalos se movimentando, ou seja, a revolução realmente acontecendo.
O espaço da composição é fechado pelos contornos da própria charge, ou seja,
realmente facilita o entendimento do leitor, o aproximando da cena. A cena, constituída
principalmente de um primeiro plano, faz com que o leitor tenha a impressão que a
106
imagem está acontecendo logo ali, depois de sua janela, ou seja, a imagem está na altura
dos olhos do leitor.
Ziraldo (1970), um dos integrantes da equipe do semanário e que também foi
preso por causa desta charge, defende que o humor é coisa séria e tem importantes
funções, ou seja, o autor diz que essas funções são desempenhadas pelo humor graças
ao seu “jeito matreiro de quem não quer nada”.
No período da Ditadura Militar especialmente, como estudamos nesta
monografia, o humor ganha mais um sentido: a dissimulação, ou seja, ele era uma forma
de trazer informações à grande massa, driblando a censura imposta nas entrelinhas das
charges, como no caso do Pasquim.
Sobre a charge C, vale ressaltar que de acordo com diversas reportagens já
publicadas até os dias de hoje em jornais e revistas, a cena pintada por Pedro Américo
não foi uma cópia exata do acontecido, e o desenho do autor partiu de sua imaginação e
a partir dela, Jaguar deu um novo traço, com as cores preto e branco.
107
Charge D – UM JORNAL SEM JORNALISTAS
Dando continuidade à análise, chegamos na charge D, que nos apresenta uma
imagem de capa, do próprio periódico. Com a censura intensificada e a equipe do
Pasquim na prisão, foi preciso remodelar a produção gráfica do jornal, porém o fato não
podia ser noticiado e a equipe que escapou da prisão, teve que entrar na linha dos
cartunistas ausentes e continuar com o jornal de pé nesse período.
A capa a ser analisada é da semana de 11 a 17 de novembro de 1970 e estampa a
tradicional fábula do lobo e do cordeiro, de Esopo, com adaptação de Monteiro Lobato,
no qual o lobo diz: Enfim um Pasquim inteiramente automático sem o Ziraldo, sem o
Jaguar, sem o Tarso, sem o Francis, sem o Millôr, sem Flávio, sem o Sérgio, sem o
Fortuna, sem o Garcez, sem a redação, sem a contabilidade, sem a gerência e sem
caixa. Millôr Fernandes foi citado entre os que foram presos apenas para disfarçar, pois
na verdade, ele foi um dos poucos que não foram para a prisão. Veja imagem abaixo.
Figura D
Nota: Nesta capa, existe um erro no cabeçalho, que está impresso como sendo de 11 a 17 de
novembro de 1969, mas, na verdade, a edição 73 foi publicada em 1970. (O Pasquim – Antologia –
Vol. I 2006).
108
O tom humorístico do texto contrasta com a representação da censura no
semanário representada na imagem principal da capa e na frase-editorial. Na frase
editorial, a explicação sobre a situação da redação: O Pasquim – o jornal com algo a
menos.
O jornal, sem poder noticiar a prisão da equipe, produziu uma edição importante
após a prisão, e como disse no próprio balão do lobo: inteiramente automática. A capa
apresenta uma espécie de conotação, ou seja, a imagem ilustra algo além do seu
significado literal, que esconde o fato da prisão de equipe em suas entrelinhas. Um lobo
com a boca aberta, salivando, representaria a repressão através dos militares, já o
cordeiro, representaria a equipe do Pasquim, acuados e sem saída diante da situação em
que se encontravam. Essa seria a primeira mensagem enviada aos leitores sobre a prisão
dos jornalistas e cartunistas. A mensagem é dada então, através do balão de fala que sai
da boca do lobo. A imagem segue traços semelhantes aos do impressionismo, que
buscava em suas pinturas, dar ênfase à luz e ao movimento, utilizando pinceladas e
normalmente as telas eram pintadas ao ar livre para que o pintor pudesse capturar
melhor as variações de cores da natureza. Nesse caso, como a impressão gráfica do
tablóide era com as cores preto e branco, essas variações de cores não são exaltadas.
Millôr foi o responsável pela produção deste número, e a capa traz a imagem de
um desenho antigo, já produzido antes, retirado dos materiais do arquivo do tabloide.
Aliás, entre os números 74 até o 80, Martha Alencar, Miguel Paiva, Millôr e Henfil
foram os responsáveis pela produção do jornal.
109
Charge E – A SAÍDA !! ONDE FICA A SAÍDA?
Uma semana depois da edição marcante do lobo e do cordeiro, o Pasquim,
produz mais uma edição, agora com algo a mais. A edição da semana de 18 a 24 de
novembro chega com novidades.
Com os jornalistas e cartunistas presos, a produção editorial do Pasquim ganha
uma nova cara. Não mais sozinho, o tablóide ganha força através do Rush da
solidariedade. O movimento se deu devido à ajuda que o semanário recebeu durante o
período da prisão da patota.
Figura E
O Pasquim nº 74 de 18 a 24 de novembro de 1970
Segundo a charge E, a edição mostra na capa, inúmeros intelectuais, atores,
escritores, jornalistas, cineastas e compositores que colaboraram na produção do jornal
através do desenho de um labirinto com o ratinho Sig no meio da página, visivelmente
perdido e graficamente gritando: A saída!! Onde fica a saída?
Notamos a diferença no traço mais fino do desenho do ratinho. Nos
documentários: Henfil – Profissão Cartunista e O Pasquim – A subversão do humor, é
explicado com clareza, o esquema de produção feito a partir da prisão dos principais
110
redatores do jornal. Henfil era o responsável por imitar o traço de Jaguar, criador do
ratinho Sig, enquanto Miguel Paiva imitava as ilustrações de Ziraldo. Desse modo, a
situação da redação do Pasquim estava clara na capa em dois elementos: na frase-
editorial, O PASQUIM – Apesar dos pesares, evidenciando a persistência e a esperança
do jornal diante da situação da prisão de sua equipe, e no balãozinho solto no final da
página, aparentemente sem autor, que demonstra a perda dos redatores e o ganho de
uma equipe de colaboradores: Ainda com algo menos, mas agora com muito mais.
Cabe ressaltar que após o episódio da prisão, ficou claro para os jornalistas do
Pasquim que não era mais possível “brincar” com a Ditadura sem sofrer alguma
represália. Contudo, nem por isso o jornal perdeu seu tom humorístico ou criativo. Pelo
contrário, a imaginação dos colaboradores passou a ser solicitada de forma intensa para
driblar a censura, com os mesmos propósitos: implicitar, subtender e colocar nas
entrelinhas o que queria ser dito. Havia uma grande cumplicidade nesse processo
criativo dos colaboradores, que ao criar seu material, fixavam uma espécie de código
com os leitores, que precisavam entender a mensagem. Dessa maneira, podemos
perceber que as imagens no Pasquim acabavam por melhor despistar a censura e a
crítica, e é através dessa linguagem através de metáforas que se evitava o confronto
direto, porém, não menos eficiente, ou até mais eficaz que a crítica nua e crua, através
de palavras, textos.
Retomando a charge em referência, percebemos que ela cita diversos nomes.
Essa capa ilustra o Rush de solidariedade citado anteriormente através de colaboradores
como o cronista Rubem Braga, o jornalista e dramaturgo Antônio Callado, o cantor e
compositor Chico Buarque, o cineasta Glauber Rocha, a atriz Odete Lara, cantor
Roberto Carlos, entre tantos outros. Também podemos perceber na charge, que o traço
do ratinho Sig, imitado por Henfil é visivelmente diferente do ratinho desenhado pelo
seu criador, Jaguar.
Figura 6 Figura 7
Ratinho Sig por Henfil Ratinho Sig por Jaguar
111
Voltando à análise da charge E, observa-se que o balão na cabeça do mascote,
representa que ele está perdido diante de tantos colaboradores, ou seja, o Pasquim foi
surpreendido por uma grande procura de pessoas interessadas em ajudar, colaborar,
tanto moralmente quanto editorialmente na produção do semanário no momento de
ausência de grande parte da sua equipe. O Pasquim se referiu ao episódio da prisão
como um “surte de gripe” que numa “reação em cadeia assolou a equipe do jornal”.
(BRAGA, 1991, p. 37).
É visível que a capa conseguiu dizer em sua mensagem que o jornal estava
passando por um momento especial, e que os nomes de tantos colaboradores estavam ali
por algum motivo especial também. Os leitores já tinham compreendido, desde a edição
72, que o semanário estava passando por dificuldades, e a sequência das imagens desta
análise nos apresenta os acontecimentos mais marcantes da trajetória do tablóide. No
meio de dezembro de 1970, apesar das colaborações dos intelectuais, jornalistas,
cantores e demais influências da cultura do país, o jornal pára de funcionar durante duas
semanas, voltando em 30 de dezembro, com o número 78 com a frase editorial: estamos
aqui, ó!
Dando continuidade ao contexto da imagem, ao perceber que a censura estava
alimentando O Pasquim, o Regime decide liberar e equipe de redatores da prisão.
Em janeiro de 1971, parte da equipe do jornal sai da prisão, mas a fantasia do
milagre começa a se desfazer, já que os índices de inflação aumentaram e o próprio
jornal ficou cheio de dívidas e conflitos entre seus integrantes. A próxima charge a ser
analisada aponta exatamente essa turbulência na vida dos pasquinianos.
112
Charge F – E AGORA?
Quase toda a equipe foi solta, exceto Tarso de Castro. A edição 79 diz que os
nove do Pasquim agora são um. Tarso ainda permanece na prisão. O número 80 traz na
capa, a foto da equipe, todos com óculos escuros e na manchete dizia: Estes são os
verdadeiros homens sem visão. A frase queria transpor a ingenuidade da equipe ao
contrapor o governo com a charge da edição do número 72. Já o número 81, como
vemos na imagem abaixo, finalmente é o primeiro número com toda a equipe solta,
inclusive Tarso. A charge conclui o episódio da prisão da patota.
Figura F
O Pasquim, edição 81, Rio de Janeiro, 21 de janeiro de 1971
O período mais conturbado da trajetória do jornal chega ao fim. “A inocência se
perdera, a euforia do sucesso econômico também”. (BRAGA, 1991, p. 38).
De acordo com a charge F, o alvo centralizado na capa da charge em questão
está cheio de tiros e com o ratinho Sig ao centro, que anuncia: Tarso à solta. A edição
mostra o clima de perseguição na linguagem visual (o alvo) e textual (“à solta”). A
edição referida já foi produzida pela equipe que retomou à redação após dois meses de
prisão. Jaguar volta a desenhar o ratinho Sig, sempre companheiro das ilustrações do
semanário. O ratinho ao centro marca a volta de Jaguar, o criador e desenhista oficial do
mascote. O alvo representaria a equipe que retornou à redação e possivelmente seria
113
alvo principal do governo, que foi representado pelos tiros na imagem. Após episódio
da prisão, o Regime ficaria alerta e de olho na patota. Quanto a frase Tarso à solta, o
Pasquim anuncia que o último integrante da equipe saiu da prisão, porém, atrás dessa
mensagem há um desentendimento da equipe com Tarso de Castro.
Baseado em jornais e livros sobre o tabloide, como a Antologia do Pasquim, vol.
I, II e III, Tarso de Castro, ao sair da prisão e voltar ao jornal, percebeu que o mesmo
sofria com as dívidas e os problemas de atraso nas produções, assim como o fechamento
do jornal ocorrido durante duas semanas no mês de dezembro de 1970. A vendagem do
Pasquim, durante o período da prisão passou de 160 mil exemplares para apenas 60 mil.
Os anunciantes se retraíram, e muitos deixaram de anunciar sua marca no tabloide e a
economia está largamente nas mãos do governo nesse período. Com esses fatores, Tarso
decide abandonar os companheiros e deixa o jornal definitivamente. Ziraldo diz
(Folhetim, 1979): O Tarso é um homem de festa. Na hora que o negócio fica preto ele
pula fora. Foi o que aconteceu. Ele viu que tinha que enfrentar uma pedreira de dois
anos de trabalho e sem festa... se picou”. (BRAGA, 1991, p. 39).
Após a saída da prisão e a briga com Tarso de Castro, o semanário teve que
enfrentar suas dívidas, assim como a bagunça em que a redação do jornal se encontrava
após os longos dois meses atrás das grades. Além disso, a equipe se encontrava em uma
incerteza, sem saber o que fazer a partir desse episódio.
Com a saída de Tarso, a direção do Pasquim ficou com Sérgio Cabral, que
permaneceu no cargo até o fim do ano de 1971. No início de 1972, Jaguar assume as
rédeas do semanário, após Sérgio Cabral abandonar o grupo e ir trabalhar na editora
Abril, em São Paulo. Ziraldo e Henfil ganham os cargos de vice presidentes da empresa.
No decorrer dos próximos anos, outras mudanças ocorrem entre os cargos e os
companheiros trocam de comandos frequentemente.
Porém, apesar de todo o episódio da prisão e a queda das vendas, o Pasquim
mantinha uma relação muito forte com seu público. O número 100, que trouxe uma
entrevista com a atriz Dercy Gonçalves, atingiu 100 mil exemplares vendidos.
Quanto ao conteúdo do tabloide durante esses períodos de turbulência emocional
e econômica, com a prisão e a certeza de que não se deveria mais brincar com o
governo, o jornal não deixou de transpor sua essência e nem de inundar os leitores com
sua criatividade. Pelo contrário, a imaginação dos colaboradores no período da prisão,
por exemplo, que de forma intensa, tentaram driblar a censura, sugerir, implicitar,
subentender. A trajetória do Pasquim durante os anos 70 praticamente foi toda assim,
114
criando com inteligência suas mensagens, para que chegassem aos leitores com o
código intencional.
A recuperação econômica do semanário se faz em cerca de dois anos. Na forma
gráfica o jornal não sofre grandes modificações. Algumas adaptações na diagramação
são necessárias e frases manuscritas entre as colunas e nas margens, comentam os textos
impressos. A edição de número 104, em comemoração ao segundo aniversário do
tabloide, promete: Este jornal vai virar o Brasil de pernas pro ar. Millôr Fernandes
também passou pela gerência nesse período de transformações. Em setembro de 1972
ele consegue deixar a situação administrativa e econômica do tabloide, estável. Porém,
apesar de todas as modificações e problemas enfrentados pelo semanário, os leitores
cariocas nunca abandonaram o semanário e as charges e entrevistas sempre
conquistaram o público leitor. Braga (1991:44) diz que “todos os esforços empresariais
e promocionais não levantariam o jornal se ele não fosse sentido como criativo pelo seu
público”.
No fim de 1973, Henfil deixa o semanário para tentar a profissão nos Estados
Unidos, porém, continua ajudando o jornal com colaborações á distância. No início de
1974, o Pasquim já estava recuperado por inteiro, de todas as crises que sofreu e
reconstruiu sua linha editorial de forma coerente e fiel. A estabilização do jornal pôde
lhes proporcionar uma sede própria, que se tornou oficialmente a redação do Pasquim,
localizada na rua Saint Roman, 142, em Copacabana, no Rio. Nota: Para saber mais
sobre a continuidade do trabalho do semanário O Pasquim², é necessário uma ampliação
de sua trajetória.
____________________
² – Para se compreender a fase que envolve O Pasquim a partir dos anos que sucederam estes
acontecimentos tradados nesta monografia, indicamos a consulta de livros como O Pasquim – Antologia –
Vol I, II e III, livros organizado por Jaguar e Sérgio Augusto e publicados pela Editora Desiderata. Além
dessas obras, leia sobre a trajetória do semanário no livro de José Luiz Braga O Pasquim e os anos 70 –
mais pra epa que pra oba, publicado pela Editora UNB, entre outras obras que esclarecerão sobre o
tabloide mais revolucionário do jornalismo brasileiro.
115
6. CONCLUSÃO
Durante a realização desta monografia, traçamos caminhos, nos valendo de
diversos conceitos junto aos quais procuramos responder o nosso problema de pesquisa
e objetivos desta monografia. Chegando no capítulo da conclusão e nele veremos em
que medida os objetivos foram alcançados segundo a contribuição de cada capítulo para
a elucidação do problema de pesquisa.
Para isso, relembramos o nosso problema de pesquisa, que nos fazia a seguinte
pergunta: Como o jornal O Pasquim, conseguiu, através de suas charges humorísticas,
driblar a censura imposta pelo Regime Militar? Para isso, procuramos conceitos sobre a
charge enquanto linguagem de comunicação, encontrando diversos autores que
trabalharam sobre esse assunto em livros ou teses. Dentre os conceitos trabalhados
nesse contexto da charge como linguagem, discorremos também sobre humor, humor
como crítica, humor face à censura, charge, caricatura, entre outros segmentos. Para isso
buscamos embasamento em obras de vários especialistas.
Em nossa análise, as charges foram escolhidas estrategicamente em função do
contexto do nosso problema de pesquisa e também de acordo com a importância delas
no contexto das estratégias desenvolvidas pelo Pasquim no seu enfrentamento com a
censura, no dia a dia do período autoritário. Desse modo, as escolhemos devido sua
importância na história vivida pelo tablóide, um dos mais importantes jornais do Brasil.
Acreditamos ao escolher a charge para análise, que a contribuição que a mesma
pode gerar é curiosamente diferente dos demais gêneros jornalísticos. Através de sua
linguagem, a charge nos apresentou diversos modos de discurso e significado, segundo
modos de dizer que estavam associados a um contexto do qual se reportavam de modo
alusivo, indireto ou sob reticências... Desse modo, analisamos as seis imagens propostas
desde o início do trabalho e em prática, no capítulo da análise.
Através do diálogo dos conceitos com as charges analisadas, conseguimos
compreender melhor os sentidos que as imagens se propunham a gerar. Ou seja, nem
sempre apresentam um único sentido, podendo indicar dois ou mais sentidos em suas
entrelinhas, como percebemos na análise em questão. Desse modo, constatamos que o
jornal O Pasquim, conseguiu, através dessas modalidades de discurso – gráfico e visual
– via a utilização de charges, driblar a censura através de mecanismos humorísticos e
estratégicos. Nas seis charges apresentadas, a equipe do tabloide usa o humor como
116
principal sacada e desse modo, disfarça a situação em que o país vivia, mantendo uma
espécie de código com o seu leitor que recebe a mensagem e a entende.
Particularmente, acreditamos que o papel do humor na realização de um discurso
político para enfrentar regimes marcados pela censura, é um grande artifício, pois
através do humor, é possível brincar com tamanha arma, que é a censura, e discorrer
sobre assuntos polêmicos com leveza e graça. A peça chave do Pasquim foi com certeza
o humor utilizado em suas charges, principalmente no período analisado nesta
monografia (1969 – 1971), momento de intensa repressão e também o momento que o
tabloide se mostra mais forte e engajado, apoiado sempre em sua vertente: o humor.
Em relação às charges analisadas, cada uma delas possui características
peculiares de seus autores respectivos, assim como o traço e o modo de dizer. Elas se
interligam com os acontecimentos relacionados com o tablóide no período de um ano e
o humor apresentado nas mesmas gera uma relação direta com a situação da época do
semanário. Portanto, com esse humor peculiar podemos perceber e conhecer mais sobre
o imaginário de cada cartunista e o que eles queriam dizer nas mensagens dos balões de
fala, no traço, no modo de desenhar, na ênfase da mensagem, entre outras
peculiaridades.
Trabalhar com humor, com certeza nos trouxe um maior desejo e curiosidade de
investigar, procurar saber por que ele teve esse caráter tão importante para o Pasquim, e
como a equipe desse jornal, soube usar com maestria esse recurso em seus materiais. E
a partir desse contexto e dos resultados que pudemos adquirir nesta monografia, entendo
de uma forma mais clara o poder que uma imagem tem diante dos olhos do público e
principalmente do público alvo, como aconteceu nos anos do Regime Militar. O
Pasquim, com inteligência, soube atingir esse público alvo, que permaneceu fiel ao
semanário durante o período de repressão, assim como no período da prisão dos
jornalistas.
Rir, nesse período, se tornou algo raro diante de ações de um governo,
caracterizada por tantas prisões, mortes, desaparecimentos e demais acontecimentos
desse momento político em que o Brasil vivia. Portanto, rir, seja através de notícias,
reportagens e textos, ficou mais difícil e o Pasquim conseguiu, através das charges,
construir um humor sutil e eficaz, capaz de conquistas leitores fiéis que depositaram no
semanário toda a esperança de uma mudança no modo de vida nessa época, através do
riso que o mesmo proporcionava.
117
Desse modo, achamos que mesmo não vivendo esse período, soubemos nos
interessar pelos fatos que envolveram a política do nosso país, e assim, compreender
diversos acontecimentos que envolveram o jornalismo e que traçaram o longo caminho
de luta de sua história e o fizeram chegar aonde chegou. Contribuição esta, que se deu
através da pesquisa feita para o exercício desta monografia, assim como os capítulos
que escrevemos, que nos ajudaram a clarear as ideias sobre como o humor conseguiu na
época, agir com uma eficácia surpreendente. Além disso, esse estudo trouxe um
entendimento muito mais firme, fazendo uma divisa do que pensávamos entender sobre
o assunto e o que realmente aconteceu naquela época, trazendo um maior
esclarecimento sobre esse período.
No caso da nossa pesquisa, o jornal O Pasquim foi o melhor jornal a apresentar
esse humor com tanta leveza aos leitores, em um momento tão difícil da política
brasileira e que desde o primeiro número, já conquistou inúmeros fãs que não ficaram
restritos apenas aos moradores de Ipanema.
Com certeza, a partir desta monografia, pudemos entender melhor sobre a
recente história do jornalismo no país e compreender que ele também viveu anos de
chumbo, junto com o Brasil. A liberdade de expressão, peça fundamental para o real
exercício dessa profissão, foi abolida durante a Ditadura Militar e, mesmo assim, foram
buscadas maneiras de não se calar e a prova disso foi o nascimento do jornalismo
alternativo, que aprendemos a admirar e que significavelmente contribuiu em nossa
formação, tanto profissional quanto intelectual.
118
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O Pasquim: a subversão do humor. Dir. Roberto Stefanelli. Brasília, DF: TV
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ANEXOS
IMAGENS DO CAPÍTULO 5.3.2 AMPLIADAS
IMAGEM A
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IMAGEM B
128
IMAGEM C
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IMAGEM D
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IMAGEM E
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IMAGEM F