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LICENCIATURA EM ENGENHARIA FÍSICA TECNOLÓGICA LINHA DE TRANSMISSÃO DE ENERGIA ELECTROMAGNÉTICA por Carlos Varandas 1 e Maria Emília Manso 2 1 Professor Catedrático do Departamento de Física 2 Professora Associada com Agregação do Departamento de Engenharia Electrotécnica e Computadores IST, Abril de 2005

LINHA DE TRANSMISSÃO DE ENERGIA ELECTROMAGNÉTICA - IPFNvarandas/RadioFrequencia/Linha_TEE-1.pdf · E Exu r r = (1) e y u y B B r r r ... Estes resultados permitem concluir que,

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LICENCIATURA EM ENGENHARIA FÍSICA TECNOLÓGICA

LINHA DE TRANSMISSÃO DE ENERGIA ELECTROMAGNÉTICA

por

Carlos Varandas1 e Maria Emília Manso2

1Professor Catedrático do Departamento de Física 2Professora Associada com Agregação do Departamento de

Engenharia Electrotécnica e Computadores

IST, Abril de 2005

1. INTRODUÇÃO

Uma linha de transmissão de energia electromagnética é um dispositivo constituído por dois

condutores, paralelos, separados por um meio dieléctrico, especialmente adequado para a

propagação guiada de ondas electromagnéticas na banda das rádio-frequência.

Do ponto de vista conceptual, o exemplo mais simples é a linha de transmissão plana (ou

rectangular) constituída por duas lâminas condutoras, paralelas, de largura b separadas por um meio

isolante (constante dieléctrica ε e permeabilidade magnética µ) de espessura a (Figura 1). A linha

mais usada na prática é a linha coaxial, constituída por dois condutores cilíndricos, coaxiais,

separados por um meio isolante; o condutor interior é maciço de raio b e o condutor exterior é oco,

sendo a o seu raio interior (Figura 2).

Figura 1 – Linha de transmissão plana

Figura 2 - Secções longitudinal (à esquerda) e transversal (à direita) de uma linha coaxial de transmissão de energia

1

2. MODOS DE PROPAGAÇÃO

Vamos escolher um sistema de coordenadas (rectangulares ou cilíndricas) em que o eixo dos Zs

coincide com o eixo da linha e estudar a propagação dos modos que têm a estrutura mais simples de

campos eléctrico e magnético: o chamado modo TEM em que os campos Er

e Br

são

perpendiculares entre si e à direcção de propagação. Nestas condições podemos escrever para a

linha plana

xuxEE rr= (1)

e

yuyBB rrr= (2)

com

)(0

kztjeEE x −= ω (3)

e

)(0

kztjeBB y −= ω (4)

e

00

0 ZBE

= (5)

sendo Z0 a impedância característica da linha

Analogamente, para a linha coaxial podemos escrever

rurEE rr= (6)

ϕϕ uBB rr

= (7)

)(0

kztjeEE r −= ω (8)

)(0

kztjeBB −= ωϕ (9)

Nas secções seguintes iremos determinar a relação de dispersão deste modo (relação entre a

frequência angular (ω) e o número de onda (k)) e o valor da impedância característica da linha.

Por razões práticas (é mais fácil medir tensões e correntes do que campos eléctrico e magnético),

no estudo da propagação de ondas electromagnéticas numa linha de transmissão de energia é

costume caracterizar o modo de propagação através da tensão entre os dois condutores e a corrente

que percorre cada condutor. Obviamente, a tensão e a corrente

2

3

)(

0kztjeVV −= ω (10)

)(0

kztjeII −= ω (11)

estão relacionadas com os campos Er

e Br

através das equações de Maxwell

tDJrotH∂∂

+=r

r (12)

tBrotE∂∂

−=r

(13)

ρ=Ddivr

(14)

0=Bdivr

(15)

A tensão V acima referida representa a tensão entre os dois condutores em cada plano transversal

da linha. Ou seja, esta tensão não deve ser confundida com a tensão longitudinal ao longo de um

condutor de corrente contínua. Neste caso, como estamos a admitir condutores perfeitos, a tensão ao

longo da linha é nula.

3. LINHA DE TRANSMISSÃO PLANA

3.1. Introdução

Os campos Er

e Br

definidos através das equações (1) e (2):

(i) Verificam as condições fronteiras (as componentes tangencial do campo eléctrico e normal do

campo magnético são nulas na superfície de um condutor perfeito);

(ii) Apenas variam na direcção dos Zs, pelo que têm uma distribuição uniforme no plano XoY.

Nos instantes em que os campos Er

e Br

têm os sentidos indicados na Figura 3, há:

(i) Uma distribuição de carga positiva na face interior do condutor inferior e uma distribuição de

carga negativa na face interior do condutor superior;

(ii) Uma corrente eléctrica na lâmina superior a fluir para fora da página e uma corrente na lâmina

inferior a deslocar-se para dentro da página.

As densidades de carga σS e de corrente js estão relacionadas com os campos Er

e Br

através das

equações:

εσ

x

SE

= (16)

µ

x

SBj = (17)

4

Figura 3 – Campos eléctrico e magnético de uma linha plana

3.2. Equação de onda

Vamos aplicar a equação de Maxwell (13), escrita na forma integral:

dSNtBPdE

S

rr

rr⋅

∂∂

−=⋅ ∫∫∫ (18)

ao caminho fechado indicado na Figura 4.

Figura 4 – Geometria usada nos cálculos da equação (18)

O primeiro membro da equação (18) pode ser decomposto em quatro termos:

PdEPdEPdEPdEPdErrrrrrrrrr

⋅+⋅+⋅+⋅=⋅ ∫∫∫∫∫1

4

4

3

3

2

2

1 (19)

em que:

)(2

1zVPdE −=⋅∫

rr (20)

pela definição de tensão entre os condutores interior e exterior (V(z)).

01

4

3

2=⋅=⋅ ∫∫ PdEPdE

rrrr (21)

porque o campo Er

é perpendicular ao deslocamento (ou seja, por outras palavras, dado que a

componente do campo eléctrico tangencial a um condutor perfeito é nula).

5

(22) )(

4

3dzzVPdE +=⋅∫

rr

ou seja

)()( dzzVzVPdE ++−=⋅∫rr

(23)

O segundo membro da equação (18) reduz-se a:

t

yBdzadSNtB

S ∂

∂−=⋅

∂∂

∫∫r

r

(24)

admitindo que o campo By é uniforme na superfície considerada.

Substituindo (23) e (24) em (18) obtemos:

t

yBdzadzzVzV∂∂

−=++− )()( (25)

ou seja

t

yBazV

∂∂

−=∂∂ (26)

Como

bIjB S

y µµ == (27)

temos que

tI

ba

zV

∂∂

⎟⎠⎞

⎜⎝⎛−=

∂∂ µ (28)

Aplicando agora a equação de Maxwell (12), na sua forma integral

dSNtEJPdB

S

rr

rrr⋅⎟⎟⎠

⎞⎜⎜⎝

⎛∂∂

+=⋅ ∫∫∫ εµ (29)

ao caminho indicado na Figura 5, obtemos

⎟⎟⎠

⎞⎜⎜⎝

∂∂

=+−tEdzbdzzBbzBb

xyy εµ)()( (30)

ou seja

tV

ab

zI

∂∂

−=∂∂ ε (31)

Figura 5 – Geometria usada nos cálculos da equação (29).

dado que

(32) IzBb y µ=)(

e

aVE x = (33)

Substituindo (31) em (28) obtemos finalmente

2

2

2

2

tV

zV

∂=

∂ µε (34)

ou seja, uma equação de onda que, do estudo da propagação de ondas electromagnéticas em espaço

livre, já sabemos admite soluções do tipo onda plana, transversal, que se propagam com a seguinte

relação de dispersão

vk=ω (35)

em que

εµ1

=v (36)

Estes resultados permitem concluir que, do ponto de vista da relação de dispersão (frequências

que se podem propagar e valor da velocidade de fase), uma linha de transmissão é igual ao espaço

livre1. Do ponto de vista matemático, este resultado surpreendente resulta do facto do factor a/b da

equação (28) se cancelar com o factor b/a da equação (31).

Embora uma linha de transmissão de energia possa propagar ondas electromagnéticas de

qualquer frequência (teoricamente desde zero até infinito), este dispositivo é usado principalmente

6

1 Veremos, na secção seguinte, que, contudo, as relações entre as amplitudes dos campos e são diferentes na linha e no espaço livre.

oE oB

para a propagação guiada de ondas com frequências na banda das radiofrequências (10 kHz a 3

GHz). Para frequências maiores, é mais conveniente usar um guia de ondas (na banda das micro-

ondas entre 3 e 150 GHz) ou uma barra/tubo dieléctrico. Nas baixas frequências, a energia

electromagnética é transmitida usando o vulgar cabo eléctrico, constituído por dois condutores

paralelos, envolvidos em isolantes.

3.3. Equações fundamentais da linha

Vamos deduzir nesta secção as chamadas equações fundamentais da linha que relacionam as

variações no tempo e no espaço da corrente e da tensão através da capacidade por unidade de

comprimento (Co) e da inductância por unidade de comprimento (Lo) da linha. Para isso, vamos ver

qual o significado físico dos factores µ a/b na equação (28) e ε b/a na equação (31), admitindo que

a penetração dos campos da onda nos condutores é desprezável, aproximação que é tanto mais

verdadeira quanto maior for a frequência. Só nestas condições podemos admitir que a configuração

instantânea dos campos eléctrico e magnético entre os condutores é exactamente a mesma que seria

criada por uma distribuição estática de carga e por uma corrente contínua, uniformente distribuídas

pela linha.

Como

albε (37)

em que l representa um comprimento segundo a direcção do eixo dos Zs, representa a capacidade de

um condensador plano de área S=b l e cujos condutores estão separados por a, o termo ε b/a

representa a capacidade da linha por unidade de comprimento

abCo ε= (38)

Analogamente, termo µ a/b na equação (28) representa a inductância por unidade de

comprimento

baLo µ= (39)

Substituindo (38) e (39) em (28) e (31) obtemos as chamadas equações fundamentais da linha

tIL

zV

o ∂∂

−=∂∂ (40)

e

tVC

zI

o ∂∂

−=∂∂ (41)

7

3.4. Impedância característica

A impedância característica da linha é definida através da equação (5) e pode ser calculada através

da expressão:

o

oo C

LZ = (42)

Substituindo (38) e (39) em (42) obtemos:

baZ

ba

abba

Z elo ===εµ

ε

µ (43)

em que

εµ

=elZ (44)

representa a impedância característica do meio dieléctrico que preenche o espaço entre os

condutores, mas em espaço livre.

Este resultado mostra que a relação entre as amplitudes dos campos eléctrico e magnético

depende da largura da tira metálica (b) e da espessura do dieléctrico (a). A impedância característica

da linha é maior, igual ou menor do que a impedância característica em espaço livre consoante a

seja maior, igual ou menor que b.

4. LINHA COAXIAL

4.1. Impedância característica

Para determinarmos L0 vamos admitir que o condutor interior é percorrido por uma corrente I.

Então, o campo magnético num ponto do dieléctrico é dado por

ϕµπµ rr

rIB

2= (45)

em que r representa a distância do ponto ao eixo da linha.

O fluxo magnético através de uma superfície rectangular, de comprimento l e de largura (a-b), é

dado por

drr

lIdsBa

b∫∫ ==Ψ1

2µµ (46)

baIl ln

2πµ

= (47)

8

9

Figura 6 – Superfície usada no cálculo do fluxo magnético

Então, pela definição, de inductãncia por unidade de comprimento, obtemos

ba

lIL ln

2πµ

= (48)

Vamos agora calcular a capacidade por unidade de comprimento, admitindo que o condutor

interior tem uma carga eléctrica Q. Então, o campo eléctrico num ponto à distância r do eixo da

linha é dado por:

rrlQE µεπrr

2= (49)

pelo que a diferença de potencial entre os dois condutores é dada por

ba

lQdr

rlQVV

a

bext ln22int επεπ

==− ∫ (50)

Usando a respectiva definição, podemos agora calcular a capacidade da linha por unidade de

comprimento

lVQC∆

=0 (51)

baln

2πε= (52)

Substituindo (48) e (52) em (42) obtemos a expressão da impedância característica da linha

coaxial de transmissão de energia electromagnética.

0

00 C

LZ = (53)

εµ

π baln

21

= (54)

10

ba

elZ ln21π

= (55)

em que Zel representa a impedância característica em espaço livre do meio dieléctrico que preenche

o espaço entre os dois condutores.

A análise da equação (55) permite tirar as seguintes conclusões:

(i) A impedância característica da linha depende dos raios dos dois condutores (a e b) e das

características eléctricas e magnéticas do meio dieléctrico que preenche o espaço entre

os dois condutores;

(ii) A impedância característica da linha é nula quando a=b, ou seja, quando não há linha,

mas sim um único condutor;

(iii) Z0 é menor, igual ou maior que Zel quando baln é menor, igual ou maior do que 2π.

4.2. Influência da impedância de carga nas características de propagação

Vamos caracterizar a propagação numa linha coaxial de transmissão de energia utilizando a

diferença de potencial entre os dois condutores (V) e a corrente que percorre cada condutor (I).

)()( krtjerVkztjeiVV ++−= ωω (56)

)()( kztjerIkztjeiII ++−= ωω (57)

Atendendo à definição de impedância característica, esta equação pode ser escrita na forma:

)(

0

)(

0

kztjeZ

rVkztjeZ

iVI +−−= ωω (58)

Suponhamos, agora, que a linha está terminada, em z = 0, por uma impedãncia de carga ZL

(Figura 8). Então

Figura 7 – Terminação de uma linha por uma carga ZL

11

tjerViVLV ω)( += (59)

e

tjeZ

rV

ZiV

LI ω⎟⎟

⎜⎜

⎛−=

00 (60)

Como, por definição de impedância,

LILV

LZ = (61)

temos que:

rViVrViV

Z

ZrV

ZiV

rViVLZ

+=

+= 0

00

(62)

Vamos agora definir o coeficiente de reflexão de tensão

iVrV

vR = (63)

e o coeficiente de reflexão de corrente

iIrI

IR = (64)

Em termos do coeficiente Rv a equação (62) pode ser escrita na forma

vRvR

ZLZ

+=

1

1

0 (65)

ou seja

0

0ZLZ

ZLZvR

+

−= (66)

Analogamente, podemos obter

12

0

0ZLZ

LZZIR

+

−= (67)

Vamos, agora, analisar os valores da tensão e da corrente medidos ao longo da linha, para vários

valores típicos da impedância de carga2.

(i) Suponhamos que a linha está adaptada à impedância de carga

0ZLZ = (68)

Neste caso

0== IRvR (69)

o que significa que toda a energia incidente é absorvida pela carga.

Então

)( kztjeiVV −= ω (70)

e

)(

0

kztjeZ

iVI −= ω (71)

pelo que o voltímetro e o amperímetro vão, respectivamente, medir

iVV = (72)

e

iII = (73)

ou seja os módulos da tensão entre os condutores e da corrente que percorre cada condutor não

variam ao longo da linha.

(ii) Suponhamos que a linha está terminada por um curto circuito.

(74) 0=LZ

Então

1−=vR (75)

e

1=IR (76)

pelo que

2 É importante recordar que os voltímetros e os amperímetros medem o módulo da tensão ou da corrente, sendo insensíveis à fase.

13

( tjeiV V )() kztjeiVkz +−−= ωω (77)

e

)(

0

)(

0

kztjeZ

iVkztjeZ

iVI ++−= ωω (78)

Num dado instante, temos que

(79) kzseniVjjkzejkzeiVV 2)( −=−−=

e

kzZ

iVjkzejkzeZ

iVI cos

0

2

0=⎟

⎠⎞⎜

⎝⎛ +−= (80)

A análise destas duas equações permite tirar as seguintes conclusões:

(i) Os módulos da tensão e da corrente variam com z.

kzsenVV i2= (81)

kzZV

I i cos2

0

= (82)

(ii) A amplitude da tensão (corrente) é o dobro da amplitude da tensão (corrente) da onda

incidente.

(iii) A tensão é nula em Z=0, como não podia deixar de ser devido à definição de curto-

circuito.

(iv) A tensão e a corrente têm uma desfazagem entre si de π/2 (devido ao factor j na equação

(128)). Ou seja, quando a tensão é nula a corrente é máxima (e vice-versa).

(iii) Suponhamos, agora, que a linha está em aberto

∞=LZ (83)

Como

LZ

ZLZ

Z

vR01

01

+

= (84)

e

14

10

10

+

=

LZ

ZLZ

Z

IR (85)

temos que

1=vR (86)

e

1−=IR (87)

Neste caso

tjeiVjkzejkzeV ω)( +−= (88)

tjeZ

iVjkzejkzeI ω

0⎟⎠⎞

⎜⎝⎛ −−= (89)

donde obtemos

kziVV cos2= (90)

e

zksenZV

jI i

0

2−= (91)

Uma vez mais, os módulos da tensão e da corrente variam com Z, a amplitude da tensão

(corrente) é o dobro da amplitude da tensão (corrente) da onda incidente e a tensão e a corrente

estão desfasadas de π/2. Agora, e devido à definição de circuito aberto, é a corrente que é nula em

z=0.