Livro 1 - Vila Rica Populacao 1719-1826 - Parte 1

Embed Size (px)

Citation preview

  • 7/31/2019 Livro 1 - Vila Rica Populacao 1719-1826 - Parte 1

    1/80

    VILA RICA: POPULAO (1719-1826)

    IRACIDEL NERODA COSTASO PAULO, 1979.

    PARAMEUSPAIS: MOACYREEDNA

    No estudo vertente ampliamos e complementamos nossa dissertao de mestradoapresentada, sob mesmo ttulo, na Faculdade de Economia e Administrao daUniversidade de So Paulo. Devemo-lo, em grande parte, Profa. Dra. Alice PifferCanabrava, a quem somos especialmente reconhecidos. Nossos agradecimentos

    estendem-se, igualmente, FINANCIADORA DE ESTUDOS E PROJETOS (FINEP) e aoINSTITUTO DE PESQUISAS ECONMICAS (IPE) cujo apoio financeiro possibilitou aelaborao desta pesquisa, bem como ao Prof. Dr. Eurico Ueda, Coordenador doProjetoFINEP/IPE.

    SUMRIO

    INTRODUO.

    PRIMEIRA PARTE - EVOLVER DA POPULAO OURO-PRETANA.I. As Gerais e os Geralistas. Vila Rica e Antnio Dias.II. Batismos, bitos e Casamentos - Viso de Conjunto.III. Casamentos: 1727-1826.IV. Batismos de Inocentes: 1719-1818.V. Batismos de Adultos: 1759-1818.VI. bitos: 1719-1818.VII. Confronto entre Batismos e bitos de Inocentes.VIII. Sobre o Crescimento Vegetativo da Populao.IX. Anlise da Morbidade: 1799-1801.Notas.

    SEGUNDA PARTE - VILA RICA: O CENSO DE 1804.I. Vila Rica no Alvorecer do Sculo XIX.II. Os Dados Empricos.III. Estrutura Populacional.IV. Estrutura das Famlias e Domiclios.V. Estrutura Populacional Segundo Profisses e Atividades Produtivas.Notas.

    CONSIDERAES FINAIS.

  • 7/31/2019 Livro 1 - Vila Rica Populacao 1719-1826 - Parte 1

    2/80

    APNDICE METODOLGICO REFERENTE PRIMEIRA PARTE.I. Os Dados Empricos.II. Tratamento Dispensado aos Dados.III. Modelos da Fichas Utilizadas em nossa Pesquisa.Notas.

    APNDICE ESTATSTICO.

    FONTES E BIBLIOGRAFIA.

    INTRODUO.

    O evolver da populao brasileira no perodo colonial condicionou-se por uma largasrie de fatores, tanto endgenos como exgenos. Com respeito a estes ltimosressalta, desde logo, o direcionamento poltico e econmico a que se destinou a Colnia.

    Como sabemos, o povoamento e explorao do Brasil ocorreram nos quadros daspolticas mercantilistas; assim, quando nos debruamos sobre nossa formaopopulacional devemos reconhecer, forosamente, no tratarmos de simples repetiodos processos verificados na Europa ou em pases mais desenvolvidos.

    Para nosso perodo colonial reputamos altamente relevante a existncia da economia deexportao ao lado da de subsistncia. A rentabilidade daquela condicionava-se pelospreos vigentes no mercado internacional. Considerada a oferta elstica do fator terra e

    a relativa facilidade com que se podia realocar a mo-de-obra escrava da atividadeexportadora para a de subsistncia, espera-se que os freios malthusianos aocrescimento vegetativo da populao jamais tenham assumido papel grandementesignificativo no Brasil.

    Por outro lado, as condies do mercado e dos preos internacionais para os produtosexportados podiam afetar o ritmo das atividades voltadas para a produo de gnerosde primeira necessidade. Destarte, provavelmente, as respostas da oferta de alimentosbsicos aos estmulos do mercado interno vinculavam-se estreitamente aos incentivosgerados na rbita do comrcio internacional. Fato a exercer papel fundamental naalocao da fora de trabalho, dos recursos produtivos e, sobretudo, nos processos dedisperso e convergncia populacionais; a influir decisivamente, portanto, nos

    movimentos migratrios internos.

    A articulao da economia colonial na economia europia vai, igualmente, condicionaros fluxos imigratrios tanto dos reinis como da escravaria negra trazida da frica. Doponto de vista endgeno salientam-se, primacialmente, o meio fsico, a dotao relativade fatores e a ocorrncia de insumos, bem como as formas assumidas na produo ouna extrao das riquezas naturais. Como decorrncia desta ltima observao, pe-se oproblema referente existncia, no perodo em anlise, de segmentos populacionais --livres, forros e escravos -- distintos dos prevalecentes na Europa e que, certamente,

  • 7/31/2019 Livro 1 - Vila Rica Populacao 1719-1826 - Parte 1

    3/80

    apresentaram dinmica prpria.

    A compreenso dos processos demogrficos brasileiros est, pois, a exigir esforo nos dirigido no sentido da coleta e anlise de dados, mas, igualmente, no de elaboraoterica capaz de integrar tais movimentos em quadro sociolgico, histrico, econmicoe demogrfico original.

    * * *

    Pretendemos, neste trabalho, apresentar uma colaborao no sentido de se levantarelementos empricos e aventar hipteses tericas para o entendimento mais largo eprofundo do processo formativo da populao brasileira.

    Visamos a revelar os dados disponveis do evolver populacional de Vila Rica, materialeste que proporcionou a base emprica para o estudo vertente. Nossa ambio maior interpret-los no quadro socioeconmico dos trs ltimos quartos do sculo XVIII eprimeiro quartel do sculo XIX, de modo a participarmos das tendncias que distinguema pesquisa demogrfica na atualidade. A relevncia de nosso empreendimento decorre,

    no s da originalidade dos elementos empricos levantados, mas, tambm, daimportncia que emprestamos compreenso do fenmeno demogrfico inserido nodesenvolvimento social e econmico, numa perspectiva regional em seu momentohistrico; o que poder definir nova dimenso dessa realidade histrica regional.

    Nossas fontes primrias constam, essencialmente, (1) dos assentos de batismos, bitose casamentos da parquia de Nossa Senhora da Conceio de Antnio Dias, uma deduas existentes, no perodo colonial, em Vila Rica, hoje Ouro Preto. S a partir dasegunda dcada do sculo XVIII podemos contar com registros contnuos e em bomestado de conservao. Este fato determinou o limite cronolgico inferior do perodoselecionado para estudo. O limite superior -- final do primeiro quarto do sculo dezenove-- escolheu-se primeiramente por imposio metodolgica, pois propicia segmento de

    tempo suficiente observao de fenmenos demogrficos; em segundo, porquecondicionamentos socioeconmicos de grande importncia podem ser consideradospois, a este tempo, apresentava-se definitivamente superada a explorao aurfera nasMinas Gerais e escoara-se o perodo que se nos apresenta como de transio daatividade exploratria para a agrcola.

    Assim, o espao temporal analisado abarca o surto minerat5rio, seu auge e decadncia,captando as repercusses sociais e econmicas do reflorescimento agrcola na Colnia,cujas razes assentaram-se no ltimo quartel do sculo dezoito. Compreende,igualmente, a concentrao populacional ocorrida nos trs primeiros quartos do sculoXVIII perodo no qual se formou o estoque de populao que, em segundo momento,tambm englobado pelo estudo vertente, dirigiu-se para outras reas do territ6rio

    brasileiro.

    Temos, assim, como objeto de anlise, o fluxo e refluxo populacional, vale dizer, aconcentrao de grande contingente humano (oriundo dos diversos quadrantes doBrasil, da metrpole e demais dependncias coloniais) em pequeno espao territorial esua subsecutiva dispora. Estes movimentos foram condicionados, de um lado, pelaascenso e recesso da atividade aurfera e, de outro, pelas atividades econmicassubsequentes decadncia da minerao.

  • 7/31/2019 Livro 1 - Vila Rica Populacao 1719-1826 - Parte 1

    4/80

    * * *

    Os dados primrios receberam tratamento derivado da metodologia preconizada edesenvolvida, em Frana, principalmente, por Michel Fleury, Louis Henry e PierreGoubert.

    Adaptamos os procedimentos institudos por esses autores s circunstanciasespecficas em que se estruturou a populao brasileira. Ressalta aqui a existncia, noBrasil, de segmentos populacionais distintos daqueles observados na Europa, fato japontado acima. Destarte, a massa de escravos, os forros e os demais livres revelaram,de per si, comportamentos particulares, formando corpos populacionais autnomos emrelao a vrios parmetros demogrficos e, ao mesmo tempo, apresentaram respostasdiversas quanto s flutuaes da atividade econmica, tanto no curto como no longoprazo.

    Do relacionamento entre as condies socioeconmicas e os segmentos populacionaisaludidos tentamos derivar um quadro bsico de referencia que poder servir,eventualmente, para a formulao de estudo de mais longo flego, no qual se poder

    propor o entendimento do processo global de gnese e desenvolvimento da populaobrasileira.

    PRIMEIRA PARTEEVOLVER DA POPULAO OURO-PRETANA.

    I - AS GERAIS E OS GERALISTAS. VILA RICA E ANTNIO DIAS. (*)

    Dificilmente poder-se-ia superestimar a importncia do perodo mineratrio na formaosocioeconmica do Brasil. A atividade aurfera levou ocupao do interior brasileiro;

    os limites tericos fixados em Tordesilhas foram largamente ultrapassados. As reas deocorrncia do ouro, afastadas do litoral e de baixa densidade populacional, passaram aexercer tamanha atrao sobre o esprito dos reinis e colonos que, em pouco mais denoventa anos, a populao viu-se decuplicada, concentrando-se no centro-sul -- reaque apresentava, anteriormente, baixssima densidade demogrfica -- cerca de cinqentapor cento do contingente humano da Colnia.

    A interligao das reas j ocupadas pelo colonizador europeu aparecia como primeiroelemento de integrao econmico-social, ao mesmo tempo esboava-se o mercadoconsumidor interno e intensificava-se o processo de urbanizao.

    Como adverte Caio Prado Jnior, os descobertos aurferos afetaram profundamente a

    vida da colnia projetando-se, ademais, na futura articulao econmica do Brasil: "Oimpulso desencadeado pela descoberta das minas permitiu colonizao portuguesaocupar todo o centro do continente sul-americano. este mais um fator que precisa sercontado na explicao da atual rea imensa do Brasil."As transformaes provocadas pela minerao deram como resultado final odeslocamento do eixo econmico da colnia, antes localizado nos grandes centrosaucareiros do Nordeste (Pernambuco e Bahia). A prpria capital da colnia (capitalmais de nome, pois as diferentes capitanias, que so hoje os Estados, sempre forammais ou menos independentes entre si, subordinando-se cada qual diretamente a

  • 7/31/2019 Livro 1 - Vila Rica Populacao 1719-1826 - Parte 1

    5/80

    Lisboa) transfere-se em 1763 da Bahia para o Rio de Janeiro. As comunicaes maisfceis das minas para o exterior se fazem por este porto, que se tornar assim oprincipal centro urbano da colnia."De um modo geral, todo este setor centro-sul que, graas em grande parte minerao, toma o primeiro lugar entre as diferentes regies do pas; para conserv-loat hoje. A necessidade de abastecer a populao concentrada nas minas e na nova

    capital estimular as atividades econmicas num largo raio geogrfico que atingir nosomente as capitanias de Minas Gerais e Rio de Janeiro propriamente, mas tambm SoPaulo. A agricultura e mais em particular a pecuria se desenvolvero grandementenestas regies. de notar que o territrio das minas propriamente (sobretudo das maisimportantes localizadas no centro de Minas Gerais) imprprio para as atividades rurais.O solo pobre e o relevo excessivamente acidentado. Nestas condies, os mineradorestero de se abastecer de gneros de consumo vindos de fora. Servir-lhes- sobretudo osul de Minas Gerais, onde se desenvolve uma economia agrria que embora nocontando com gneros exportveis de alto valor comercial -- como se dera com asregies aucareiras do litoral --, alcanar um nvel de relativa prosperidade." (1)

    Paralelamente, ocorriam mudanas significativas na administrao colonial, maior vigor

    e fortalecimento do Estado faziam-se necessrios para controlar a economia, a cadapasso mais complexa, e enquadrar uma populao a crescer aceleradamente. " nosculo XVIII, no entanto, que se define com rigor a administrao portuguesa, com ofortalecimento do Estado, antes dividido e frgil; [...] Neste breve ensaio, no sepretende tratar de um aspecto, mas to s realar a novidade no quadro das instituiespolticas com seu fortalecimento ao longo de cem anos, na caracterizao do que foi oEstado. Pretende-se tambm explicar o fato pela existncia de um eixo em torno do qualgira o administrador, que so as minas de ouro, que condicionam direta ouindiretamente o perodo. Esse eixo um dos responsveis -- sem duvida o principal --pela centralizao poltica, com todas as suas conseqncias. Ela condiciona oprocesso e provoca, com o fortalecimento da autoridade, a rebelio ao domnioportugus. Da afirmar-se que ento que se verifica o auge e o principio de

    desagregao do sistema colonial." (2)

    A regio das Minas Gerais desenvolveu-se no sculo XVIII como centro de intensaatividade, cuja influncia se fez sentir nas varias economias da Colnia. Dos maisimportantes o fato de que o desenvolvimento da minerao deu-se concomitantemente decadncia da lavoura, atividade que at ento havia monopolizado as energias docolonizador luso. "A minerao teve na vida da colnia um grande papel. Durante 3/4 desculo ocupou a maior parte das atenes do pas, e desenvolveu-se custa dadecadncia das demais atividades. O fluxo de populao para as minas desde o iniciodo sculo XVIII considervel; um rush de propores gigantescas, que relativamente scondies da colnia ainda mais acentuado e violento que o famoso rush californianodo sculo XIX.

    "Isto j seria o suficiente para desequilibrar a vida do pas e lhe transformarcompletamente o aspecto. Em alguns decnios povoa-se um territrio imenso at entodesabitado, e cuja rea global no inferior a 2 milh5es de km2." (3)

    Evento de tamanha magnitude, alm de repercutir nas atividades econmicas daColnia, multiplicou o fluxo imigratrio e, concomitantemente, inflectiu a direo dopovoamento: "A economia colonial brasileira havia-se desenvolvido, at ento, na zonalitornea. Os engenhos de acar ocupavam uma faixa de solos ricos, primitivamentecobertos de florestas, que abrangia apenas 30 a 60 km junto ao mar. As notcias que se

  • 7/31/2019 Livro 1 - Vila Rica Populacao 1719-1826 - Parte 1

    6/80

    propagavam sobre as descobertas nas gerais, os rendimentos considerveis das pintasatraram para aquela rea elementos da populao de todas as partes da Colnia. oentusiasmo contagiou todas as camadas sociais. Nas frotas comprimiam-se centenas dereinis e at estrangeiros se infiltraram nas entradas de roldo dos primeiros anos. Ofenmeno, comum historicamente quanto ao papel polarizador de populao dosachados aurferos, deslocou rapidamente para o interior da colnia o centro de

    gravidade do povoamento, localizado at ento no litoral leste." (4)

    Vila Rica surge como expresso deste quadro, do qual encararemos os movimentospopulacionais da parquia de Nossa Senhora da Conceio de Antnio Dias.

    Interessam-nos, sobremaneira, o processo de imigrao e os movimentos migratrios;os condicionamentos decorrentes da concentrao populacional em pequena rea ondesurge vida urbana em moldes novos para os padres da sociedade colonial comoestivera estruturada at ento; as interaes dos segmentos populacionais entre si e detoda populao com o meio fsico, base da atividade exploratria.

    * * *

    A ocupao e povoamento das Minas Gerais se nos apresentam, em larga medidas,regulados pelas condies em que se exploraram o ouro e as pedras preciosas. Em cadamomento relacionam-se as condies geogrficas, de um lado, e a forma derecolhimento das riquezas minerais, por outro. (5)

    Os depsitos de aluvio -- produto da atividade milenar das guas -- a par de seesgotarem com rapidez, so facilmente explorveis; este fenmeno levou as primeirasatividades extrativas a se localizarem nos rios, com o mnimo de aparelhagem,dependendo, a produo alcanada, do trabalho de maior ou menor nmero deescravos. Mesmo os "rosrios" -- almanjarras que pe a seco trechos previamente

    cercados dos rios -- no se constituram em utensilagem capaz de impedir o nomadismodos mineradores. A explorao a seco efetuava-se rapidamente entre as estaes dechuvas, pois as guas, engrossadas, arrebentavam as ensecadeiras inundando edestruindo o que se lhes anteparava. (6) A falta de continuidade nos trabalhos vinha afacilitar o abandono de uma explorao por outra com maiores perspectivas de ganho.

    Durante esta primeira fase o explorador vivia nmade e a populao apresentava-seextremamente diluda. Concentrados na atividade mais rentvel, os mineradoresdeixavam-se absorver completamente pelo trabalho nas aluvies; os perodos degrandes fomes, sincrnicos com a alta dos preos, geraram-se pela concentrao dosrecursos na tarefa mineratria. A falta de gneros propiciou a primeira convergncia dasatividades at ento esparsas e ensejou os grandes acampamentos ao longo dos rios.

    Estes primeiros ncleos se abasteciam por tropas oriundas da Bahia, So Paulo e Rio deJaneiro.

    Na medida em que escasseava o ouro de aluvio os mineradores, antes limitados aexplorar o leito dos rios, passaram a procur-lo nos "tabuleiros", margem daqueles,onde abriram as primeiras catas. Esta atividade mais complexa no conseguiu, contudo,fixar o homem; continuava-se a viver em acampamentos, abandonados to cedo quantomigravam as catas.

  • 7/31/2019 Livro 1 - Vila Rica Populacao 1719-1826 - Parte 1

    7/80

    Durante cerca de trinta anos explorou-se, apenas, o ouro de lavagem e abriram-se catasnos tabuleiros. Os primeiros povoados viviam a fase embrionria caracterizada pelocomrcio feito por tropas e com o concurso dos mascates.

    Logo as exploraes comearam a subir pelas encostas dos morros procura de ouronas aluvies de meia encosta, as chamadas "grupiaras". Somente a partir deste

    momento o trabalho tendeu a estabilizar-se. Seu denominador comum foram asprimeiras "catas altas", verdadeiras lavras pelo movimento de terra nelas efetuado. Nomorro -- onde inicialmente apenas se trabalhava na poca das chuvas, pois as guasavolumadas impossibilitavam a atividade junto aos rios -- concentraram-se os trabalhos,que se multiplicaram na razo direta do esgotamento dos leitos dos rios.

    As exploraes na meia encosta necessitavam de gua conduzida por canais que seestendiam por quilmetros. Surge em 1720 o Regimento das guas e a guardamoriapassa tambm a conceder datas de "guas minerais". Os regos, a contornar vales, aatravessar morros, a correr sobre extensos "andaimes" de pedra empilhada, soverdadeiros aquedutos; os "mundus" -- reservatrios enormes -- aparecem comotrabalhos de vulto a reclamar significativos investimentos em capital fixo. A explorao

    das grupiaras exigia estabilidade populacional e operava no sentido de consolidar ospovoados anteriormente esboados.

    A partir de 1720 restavam poucos descobertos a fazer nos rios. Os mineiros, semnecessitar de novas concesses, subiram pelas encostas dos vales, junto s suas datas,at atingir o alto dos morros. Os trabalhos vultosos que o ouro de montanha exigiarevelavam-se incompatveis com a atividade errante dos primeiros tempos. Os homenspassaram a radicar-se terra. Organizava-se a sociedade, a justia civil comeava afirmar-se. Desde 1720 grande parte da populao das Minas j no vivia nmade. Aconcentrao e a estabilidade dos trabalhos levaram os senhores a construir suas casasprximo s mineraes e constituram-se as primeiras famlias regulares.

    Junto s primeiras lavras, com o tempo, desapareceram as primitivas "casas desopapo". Em seu lugar os mineradores levantaram seus casares. Tais edifcios, emgeral, compunham-se de duas partes: na frente, junto varanda -- onde se vivia a maiorparte do tempo -- e Capela (erguida junto quela) estavam a sala de visitas e os quartospara hspedes. O acesso s outras dependncias -- sala de jantar, quartos, cozinhaetc. -- fazia-se pelo corredor interno guarnecido com uma porta que separava a casa emduas partes. As residncias grandes dispunham-se em um s piso. Inexistindo no flancodos morros, junto s lavras, terrenos planos, as casas tiveram de alar-se sobrepilastras que corrigiam os desnveis do solo. Apresentavam-se, deste modo, muitasvezes, como sobrados.

    Enquanto os senhores de lavras construam suas casas junto aos trabalhos de

    minerao, estruturavam-se os povoados como centro de gravidade das zonas maisricas, neles os tropeiros podiam mais facilmente estabelecer-se como comerciantes; taislugarejos aparecem como retaguarda imediata do trabalho mineratrio. O local daprimitiva Capela -- situada em cima do morro, bem vista das vrias minera3es -- j noservia como ncleo para as vilas em desenvolvimento. O casario desceu para o vale procura de local mais apropriado ao seu crescimento.

    No povoado, aos domingos, comeou a estruturar-se a vida em comunidade. As pessoasapresentavam-se nas festas religiosas incorporadas s respectivas confrarias e cada

  • 7/31/2019 Livro 1 - Vila Rica Populacao 1719-1826 - Parte 1

    8/80

    qual se esforava para dar a sua irmandade mais prestgio e brilho. Depois da missapercorriam as casas de comrcio e faziam as compras para toda a semana. Os primeirospovoados chamaram-se "arraiais" -- nome que em Portugal se dava ao acampamento, reunio festiva do povo quando das romarias.

    Em cada rea de maior densidade de minerao surgiu um ncleo urbano. Os senhores

    das lavras acabaram por se instalar nestes povoados, embora continuassem a mantersuas residncias nas lavras. Os arraiais, oriundos da fixao do comrcio ambulante,avolumaram-se com o duplicar das moradas. Na casa da cidade, o minerador habitava,quando a negcios. As construes mantiveram-se estritamente citadinas, sem jardins,arvores ou alpendre. As casas, sem luxo, alinhavam suas fachadas bem sobre a rua.

    Os povoados cresceram sob a influncia da Igreja. Mesmo ao atingirem foros de vila ecidade, os aglomerados urbanos continuaram "arraiais". Sem conhecer odesenvolvimento pleno das corporaes de ofcios, apenas ocorreram confrariasreligiosas. As irmandades, presentes em todos povoados, rivalizavam na construo deigrejas e capelas.

    * * *

    A atividade exploratria operou, ainda, no sentido de articular, caracteristicamente, asrelaes entre senhores e cativos. Embora fadados a existncia rdua e, por vezes,breve -- resultante da labuta a que se os destinava -- podiam esquivar-se de muitos maustratos dada a possibilidade de utilizarem, contra seus donos, a arma da denncia defraudes fiscais; qualquer delao, mesmo infundada, podia causar srios transtornos.

    Por outro lado, o rendimento das lavras dependia, em grande parte, da diligencia e boavontade do trabalhador. Os escravos mais produtivos recebiam prmios, "h senhoresque, ao fim de umas tantas gramas apuradas pelo negro, consentem que este trabalhe o

    resto do dia para o seu prprio proveito. Nos contratos diamantferos, o escravo queachar um diamante de certo tamanho obtm a liberdade." (7) Em face do nmerocrescente de alforrias a coroa adotou medidas inibitrias desta prtica. (8)

    Em Minas, defrontamo-nos com realidade diversa daquela das reas voltadasprecipuamente para a atividade agrcola. "Se bem que a base da economia mineiratambm seja o trabalho escravo, por sua organizao geral ela se diferencia amplamenteda economia aucareira... a forma como se organiza o trabalho permite que o escravotenha maior iniciativa e que circule num meio social mais complexo ... Muitos escravoschegam mesmo a trabalhar por conta prpria, com prometendo-se a pagarperiodicamente uma quantia fixa a seu dono, o que lhes abre a possibilidade de comprara prpria liberdade." (9)

    Os mineradores viam-se, com respeito aos cativos, frente a situao dilemtica: por umlado tendiam a dispensar-lhes -- dadas as condies de trabalho -- bom tratamento, poroutro, fazia-se necessria estrita vigilncia para evitar fugas. (10) Apresentavam, noentanto, via de regra, fcies branda, delegando aos capites do mato o lado antipticoda ao repressora: "Os capites do mato agindo por conta dos governos das cmaras,permitem que os senhores de lavra usem de certa liberalidade junto aos negros e assimconsigam, em troca, maior diligncia nos servios [...] nas vilas, as cadeias -- feitassobretudo para abrigar o escravo fujo espera de que o senhor o reclame, pagando ao

  • 7/31/2019 Livro 1 - Vila Rica Populacao 1719-1826 - Parte 1

    9/80

    capito do mato o devido pela captura -- tornam-se os maiores edifcios dentre ocasario." (11)

    * * *

    O ouro condicionava, igualmente, o tnus e ritmo da sociedade mineira. O prprio juzo

    que se alcanava da vida social e das instituies a ele relacionava-se; movimentosimilar d-se com respeito percepo do meio fsico circundante.

    A euforia gerada pelos novos e contnuos descobertos, pela afluncia,consubstanciaram-se, por exemplo, no Triunfo Eucarstico (12) esfuziante smbolo daunidade de pensamento e ao de uma comunidade rica e em processo de crescimentoeconmico. Nele, Simo Ferreira Machado, relata as festividades associadas inaugurao -- em 1733 -- da nova matriz de Nossa Senhora do Pilar e a transfernciapara ela da Eucaristia, depositada que estivera em outra igreja. Quanto urbe, assim avia o cronista: "Nesta vila habitam os homens de maior comercio, cujo trfego eimportncia excede sem comparao o maior dos maiores homens de Portugal: a ela,como a porto, se encaminham, e recolhem as grandiosas somas de ouro de todas as

    minas na Real Casa da Moeda: nela residem os homens de maiores letras, seculares, eeclesisticos: nela tem assento toda a nobreza, e fora da milcia; por situao danatureza cabea de toda a Amrica, pela opulncia das riquezas a prola preciosa doBrasil." (13)

    J outro esprito nota-se no ureo Trono Episcopal (14) relato da posse, em 1748, deDom Frei Manuel da Cruz como primeiro bispo da diocese de Mariana, criada que foraem 1745. O autor, annimo, pinta-nos o quadro das Minas Gerais no meado do sculoXVIII: "... sem embargo de ser tanta a decadncia do mesmo pas, que por acaso seacha nele quem possa com o dispndio necessrio para a conservao de sua pessoa, efbricas." (15)

    A crise aprofundava-se; em Toms Antnio Gonzaga (16) -- 1786/89 -- adverte-se, de umlado, nostalgia, por outro, revolta. (17) Com o ouro a esgotar-se, acabam a bonomia, ofastgio; resta a crtica dos costumes, das prticas, do sistema -- a Inconfidncia.

    A situao folgada de outrora, do ouro aluvionrio via-se decantada:

    "Em quanto, Dorotheo, a nossa ChileEm toda a parte tinha flor da terraExtensas, e abundantes minas de oiro..................................................................Ento, prezado amigo, em qualquer festaTirava liberal o bom Senado

    Dos cofres chapeados grossas barras." (18)

    Enquanto as dvidas para com a Coroa aumentavam, os exatores mostravam-se maisinflexveis:

    "Pretende, Dorotheo, o nosso chefeMostrar um grande zelo nas cobranasDo imenso cabedal, que todo o povo

  • 7/31/2019 Livro 1 - Vila Rica Populacao 1719-1826 - Parte 1

    10/80

    Aos cofres do Monarca, est devendo:Envia bons Soldados s Comarcas,E manda-lhes, que cobrem, ou que metamA quantos no pagarem nas Cadeias"(19)

    O encanto chegara ao fim. Vila Rica -- "pela opulncia das riquezas a prola preciosa do

    Brasil" (20) -- transformara-se em "pobre Aldeia" (21), "terra decadente" (22) -- "Humildepovoado, aonde os Grandes/Moram em casas de madeira a pique" (23)

    * * *

    Depois de trs dcadas de intensa produo aurfera, no meado do sculo XVIII, asminas comearam a exaurir-se. O produto das jazidas v-se reduzido, a Coroa, por seulado, nega-se a reformular a sistemtica tributria. Nas minas, exploravam-se osdepsitos superficiais rapidamente esgotveis. As reservas de aluvies extinguem-secom brevidade; nos morros chegava-se rocha dura. Para os trabalhos subterrneosfaltavam capitais e, sobretudo, tcnicas economicamente aceitveis.

    No ltimo quartel do sculo XVIII a decadncia generalizou-se. Os mineiros passaram aprocurar as poucas reas de terra frtil na regio das Minas ou dirigiram-se para leste --zona da mata, de terras mais ricas --, para as reas de plantio do sul ou demandaram oscampos criatrios situados a oeste.

    Superava-se uma fase da vida econmica colonial, as atenes voltavam-se,redobradamente, para a atividade agrcola. Conforme Caio Prado Jnior: "Esterenascimento agrcola da colnia se faz em contraste frisante com as regiesmineradoras, cujo declnio se torna cada vez mais acentuado. Elas se voltam alis, namedida do possvel, para as atividades rurais. Vimos j como a cultura do algodo ai sedesenvolve; a pecuria tambm adquire importncia excepcional, e em Minas Gerais se

    constituir o centro criador de mais alto nvel na Colnia." (24) Particularmente o preparode laticnios, que antes no se praticava no Brasil em escala comercial, torna-se notvel.O queijo a produzido tornou-se famoso, e at hoje o mais conhecido do pas (o queijode Minas). Forma-se tambm, no sul de Minas Gerais, uma regio de cultura do tabacoque, embora nunca chegue a rivalizar com a Bahia, tem sua importncia,

    * * *

    Em Minas, a ocorrncia do ouro d-se em terrenos do algonquiano (Sries de Minas eItacolomi), numa faixa -- correspondente a serra do Espinhao -- que se estende de sul anorte: da bacia do Rio Grande s proximidades das nascentes do Jequitinhonha. A

    concentrou-se o povoamento, cujos principais centros foram as Vilas de So Joo e SoJos d'El Rei (hoje Tiradentes), Vila Rica (atual Ouro Preto), Mariana, Caet, Sabar, Vilado Prncipe (agora Serro) e Arraial do Tejuco (a Diamantina de nossos dias e ondeexploravam-se os diamantes). Em torno deste ncleo central surgiram outros,secundrios: Minas Novas, ocupadas a partir de 1726; Minas do Rio Verde, exploradasdesde 1720; Minas do Itajub, por volta de 1723; Minas do Paracatu, descobertas em1744. (25)

    O antigo povoado que veio a ser Vila Rica nasceu da atividade exploratria dos paulistas

  • 7/31/2019 Livro 1 - Vila Rica Populacao 1719-1826 - Parte 1

    11/80

    nas areias do Tripu e nas encostas do Itacolomi. Reivindica-se o pioneirismo na reapara Antonio Rodrigues Arzo -- a quem se atribui o primeiro achado de ouro em Minas-- para o Padre Joo de Faria Fialho e para Antnio Dias de Oliveira, paulista de Taubat.(26). A um deles, ou aos trs, deve-se atribuir a fundao do povoado que se constituirianum dos quatro principais centros aurferos de Minas. Segundo o autor da MemriaHistrica da Capitania de Minas Gerais: "As Minas de Vila Rica, ou do Oiro Preto, tiveram

    por descobridores nos anos de 1699, 1700 e 1701, a Antnio Dias, natural de Taubat, aoPadre Joo de Faria Fialho, natural da Ilha de So Sebastio, que viera por Capelo dasBandeiras do Taubat, a Thoms Lopes de Camargo, e a Francisco Bueno da Silva,ambos Paulistas, de todos estes tomaram nome, alguns Bairros de Vila Rica." (27)

    Diz Augusto de Lima Jnior sobre os descobertos, em 1692, de Antnio RodriguesArzo: "Arzo contornou a serrania e, galgando os campos, seguiu o curso de um riachoque se foi avolumando at penetrar em uma garganta da serra muito penhascosa. Nocume da montanha erguiam-se dois rochedos, seja um grande outro pequeno. So aspedras de Itacolomi, que em lngua indgena significa "pedra com o filho". O ribeiro era oTripu, que vara penosamente o seu caminho no fundo de um rochoso desfiladeiro."(28)

    Alice Piffer Canabrava, por sua vez, afirma: "Graas ao grande avano dos estudossobre o bandeirismo, com respeito ao fenmeno da ocupao do solo, podemos situar,no tempo, as descobertas referidas por Andreoni. Nas minas gerais dos Catagus, osachados de Antnio Dias de Oliveira, no ribeiro que leva o seu nome, em 1698-9; os doribeiro do padre Joo de Faria Fialho em 1699, que completou as descobertas doprimeiro, no Ouro Preto; os de Bento Rodrigues, no ribeiro do seu nome em 1697; os deFrancisco da Silva Bueno, no ribeiro Bueno e no rio das Pedras; ..." (29) Em verdade,podemos pensar em uma srie de povoados ou arraiais estabelecidos por diversosdesbravadores e, posteriormente, reunidos com o nome de Vila Rica. justamente estaconcluso, alis, que se pode inferir da descrio de Antonil: "Em distncia de meialgua do ribeiro do Ouro Preto, achou-se outra mina, que se chama a do ribeiro deAntnio Dias; e da a outra meia lgua, a do ribeiro do Padre Joo de Faria; e, junto

    desta, pouco mais de uma lgua, a do ribeiro do Bueno e a de Bento Rodrigues." (30)Baseado neste relato, escreveu Diogo de Vasconcelos: "Esta vila se compunha dosvrios arraiais da Serra, separados por montes cobertos de espessura. Como oregimento no permitia o ttulo de primeiro descobridor, aos que achassem mina emdistncia de menos de meia lgua da j descoberta, os primeiros povoadores da serraestabeleceram-se em distncia de meia lgua uns dos outros. Antonil ainda em seutempo achou pelos caminhos, que havia, as minas de Ouro Preto separadas meia lguadas de Antnio Dias, e estas a meia lgua do Padre Faria, e assim as mais, que primeiroforam repartidas pelo coronel Salvador Fernandes Furtado de Mendona, em 1700." (31)

    At fins de 1711, Vila Rica desenvolveu-se como simples aglomerao de casas de sap;de palha eram as capelas, mesmo que denominadas matrizes. Somente a partir de 1712

    comeou-se a construir as habitaes definitivas, cobertas com telhas. (32) J estavam,no entanto, desde ento, seus principais bairros (chamados "arraiais") definidos; de seuentrelaamento resultou a fisionomia definitiva da vila. O arraial dos Paulistas, o bairrode Nossa Senhora da Conceio de Antnio Dias, o de Nossa Senhora do Pilar de OuroPreto, o do Padre Faria, o da Cruz das Almas, o da Barra, o do Caquende j existiam,com essas denominaes e com as duas Matrizes (Antnio Dias e Pilar), em 1711. (33)

    Tais ncleos foram reunidos aos 8 de julho de 1711, para formar o segundo municpiomineiro com a denominao de Vila Rica de Albuquerque. Erigida por Antnio de

  • 7/31/2019 Livro 1 - Vila Rica Populacao 1719-1826 - Parte 1

    12/80

    Albuquerque Coelho de Carvalho, prosperou de tal modo que, em 172l, tornou-se a sededo governo da Capitania. (34) Em 20 de maro de 1823 foi elevada categoria de cidade,com o nome de Ouro Preto.

    Antnio Dias deve ter estabelecido o arraial que lhe tomou o nome, em junho de 1698.Nele foi fundada a Parquia dedicada a Nossa Senhora da Conceio, construindo-se

    para ela, igreja definitiva, a partir de 1727, cujas obras, projetadas e arrematadas deincio por Manuel Francisco Lisboa, se prolongaram at a segunda metade do sculo.No foi estabelecida definitivamente a data de criao de facto da freguesia em estudo;instituda de jure -- por alvar rgio -- aos 16 de fevereiro de 1724, sua existnciaremonta, provavelmente, a 1705. Nos livros paroquiais constam assentos de batismos ebitos, respectivamente, desde 1707 e 1718; em 1727 aparece o primeiro registro decasamento.

    Vila Rica contava, ainda, com a freguesia de Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto. Asirmandades e ordens terceiras faziam-se tambm presentes. As confrarias constituem-seem associaes de fiis, organicamente institudas, para o incremento do culto pblico;foram especialmente estabelecidas para aqueles que desejam vantagens de ao prtica

    proporcionadas pelas organizaes religiosas, mas sem vocao para ingressar nasverdadeiras ordens religiosas. No perodo colonial as irmandades do Carmo ou de SoFrancisco apareciam em grande nmero de povoados e vilas. Elas rivalizavam naconstruo de capelas e igrejas, faziam caridade, seus mesrios e festeiros organizavamgrandes festas.

    Em Vila Rica tnhamos as Ordens Terceiras de Nossa Senhora do Carmo e SoFrancisco; as Confrarias de Nossa Senhora das Mercs -- dos crioulos --, as Irmandadesde So Jos de Ouro Preto e da Senhora da Boa Morte, ambas cultivadas pelos pardosdas duas parquias; havia ainda a Irmandade de Nossa Senhora do Rosrio dos Pretos --no Ouro Preto e no Alto da Cruz -- e a dos Brancos, no Padre Faria. (35) Em Minasestavam proibidas por ordem rgia, como sabido, as ordens religiosas (franciscanas,

    carmelitas, jesuticas etc.) responsveis por grande parte das edificaes religiosas dolitoral. Este fato condicionou a correspondncia da arquitetura religiosa com odesenvolvimento e estratificao sociais da rea, pois, os leigos -- aos quais coube atarefa de erigir os templos -- organizaram-se em irmandades correspondentes aossegmentos populacionais ento existentes. (36)

    Vila Rica, como j aludimos, apresentava-se como ncleo tipicamente citadino; nelacentralizava-se a vida poltico-administrativa da capitania. Seus habitantes compunham-se, na maior parte, de mineradores e negociantes. Artesos dos mais variados ofcios aliresidiam, as atividades agrcolas eram de pequena monta dada a prpria composiodas terras e o fato de estar encravada em terreno acidentado. Apesar destes elementosdesfavorveis plantavam-se hortalias e frutas. Delas nos d notcia -- em 1776 -- Jos

    Joaquim da Rocha: "A situao desta Vila desagradvel bastantemente, no s pelaarquitetura das casas, mas ainda pelo elevado das suas ruas, que fatigam, a todos osque a passeiam, porm abundante de vveres necessrios para passar a vida; e asterras produzem muitas hortalias, como so, couves, repolhos e cebolas... As frutas, sedo com abundncia, principalmente os pssegos, marmelos, laranjas, mas, joazes."(37) John Mawe, que ali esteve em 1809/10, acrescenta: '1H tambm excelenteshortalias de toda espcie, tais como alcachofras, aspargos, espinafres, repolhos, feijoe batatas." (38)

  • 7/31/2019 Livro 1 - Vila Rica Populacao 1719-1826 - Parte 1

    13/80

    A dieta dos habitantes complementava-se com os gneros provenientes de outras reas,para a vila concorriam "todos os dias, imensidade de tropas carregadas de toicinhos,queijos, milho, feijo, arroz e azeite." (39). A tais produtos, originrios das demaiscomarcas em que se dividia a capitania, somavam-se os bens oriundos da Bahia, SoPaulo, Rio de Janeiro e Portugal. (40)

    * * *

    Delineada a matriz que enformou a ocupao das Gerais, estabelecida a gnese da urbeque nos ocupa e desenhado seu processo evolutivo at o incio do sculo passadopreocupar-nos-, adiante, a populao ouro-pretense da qual analisaremos a estrutura eos movimentos. Para tanto, como explicitado acima, servir-nos-emos, nesta primeiraparte deste trabalho, dos manuscritos da freguesia de Antnio Dias que no sofreu, noperodo em estudo, mutilaes ou acrscimos jurisdicionais.

    II - BATISMOS, BITOS E CASAMENTOS: VISO DE CONJUNTO.

    Nos grficos subsequentes apresentamos as mdias anuais de batismos, bitos ecasamentos, por perodos de dez anos. (4l) Este procedimento ameniza as oscilaes,por vezes bruscas, observadas de um ano para outro; destarte, -- eliminadas asflutuaes mais acentuadas --, torna-se possvel verificar as tendncias de longo prazorelativas a cada varivel considerada.

    As curvas apresentam, em termos gerais, comportamento similar no correr dos perodosselecionados para anlise. A corresponder ascenso (recesso) da atividadeexploratria observa-se o crescimento (decrscimo) das cifras relativas a mortes,consrcios e batizados. Evidentemente, as variaes na atividade aurfera, de um lado, enas quantidades referentes s variveis demogrficas em foco, por outro, no aparecemsuperpostas no tempo. Como se verificar adiante, os valores aludidos aparecem

    defasados por lapso temporal necessrio aos ajustamentos decorrentes de processosbiolgicos e institucionais (Cf. Grfico 3).

    Destarte, observou-se rpido aumento no nmero de bitos entre os decnios 1719-28 e1744-53. De u'a mdia anual equivalente a sessenta e uma defunes -- relativa aoprimeiro perodo assinalado -- passou-se a quantidade quase quatro vezes superior(duzentas e trinta e oito mortes por ano) no segundo intervalo temporal acima anotado.Altos nveis para os valores mdios anuais verificaram-se at o decnio 1759-68; seguiu-se queda substancial na dcada 1769-78 -- de duzentas e trinta e duas caiu-se a cento enoventa e uma mortes por ano. De ento at o final do sculo XVIII (1789-98) configurou-se um patamar no qual observou-se estreita faixa de variao -- entre o mnimo de centoe oitenta e nove e o mximo de cento e noventa e seis bitos anuais. De fins do sculo

    XVIII e inicio da dcima nona centria (1794-1803) at o limite cronolgico superior denosso estudo (1818) apresentou-se persistente decrscimo na quantidade defalecimentos -- de cento e noventa e seis mortes por ano (1789-98) passou-se a cento etrinta e sete; quebra correspondente a pouco menos de um tero (30,1%).

    Os batismos mostraram lineamento muito prximo ao dos bitos. De quarenta e sete, emmedia, correspondentes dcada 1719-28, passou-se para valor quatro vezes maiselevado no perodo 1764-73 -- cento e setenta batizados por ano --, desta cifra mximapassou-se, no decnio 1779-88, para mdia anual equivalente a cento e quarenta e sete

  • 7/31/2019 Livro 1 - Vila Rica Populacao 1719-1826 - Parte 1

    14/80

    batismos. Deste ltimo perodo ao compreendido pelos anos 1794-1803 configurou-seum patamar no qual a oscilao mxima foi de quatro batismos. De 1794-1803 ao fim dointervalo temporal em estudo observou-se queda substantiva na varivel em pauta -- decento e quarenta e sete passamos para cento e vinte e seis batismos anuais, em mdia,no decnio 1809-18, ou seja, quebra proporcional de 14,3%.

    Note-se que, se grosseiramente, os movimentos das curvas de batismos e de bitosaproximam-se, apresentaram, no entanto, variaes diferenciais distintas no correr dotempo. Assim, depois de um perodo inicial, no qual os batismos mostraram-se, via deregra, em nmero mais elevado do que os bitos -- lembre-se, a este respeito, aexistncia de numerosas lacunas nos registros de bitos referentes ao perodo 1719-1735 (Cf. Apndice Metodolgico) --, os valores correspondentes s defunessobrepujaram, sistematicamente, as cifras relativas aos batizados. A diferena entrebitos e nascimentos tendeu, num primeiro momento, a aumentar; chegou-se, nodecnio 1744-53, ao diferencial mximo: 2.381 mortes contra 1.290 batismos, equivalentea razo 1,84:1,00. A partir dessa dcada, dado o decremento no nmero de mortes econcomitante acrscimo dos batizados, a relao entre as variveis tendeu a cair.Destarte, no intervalo 1769-78 -- embora os batismos j apresentassem ligeiro declnio

    com relao dcada 1764-73, na qual atingiram o ponto de mximo no perodoabarcado por este estudo -- observaram-se 1.907 bitos versus 1.661 batismos,equivalente razo 1,15:1,00. Da dcada 1769-78 compreendida pelos anos 1789-98verificou-se ligeira tendncia ao aumento do nmero de mortes e diminuio daquantidade de batismos; assim, para esta ltima dcada a relao entre as variveis empauta subiu para 1,30. A seguir, at o fim do perodo analisado neste trabalho, asdefunes caram a taxas mais altas do que os batismos; como conseqncia a razomortes/batizados tendeu a diminuir -- para a dcada 1809-18 observou-se a cifra de 1,08.Esboa-se, portanto, ao fim do perodo em estudo o equilbrio entre nascimentos ebitos; significativamente, no intervalo 1815-18, computamos 474 mortes e 478batismos, prenncio de relevante mudana no crescimento vegetativo da populao deAntnio Dias que, de negativo, como se mostrara por quase todo o sculo XVIII e incio

    do XIX, passou a positivo nos ltimos anos do primeiro quinto da dcima nona centria.

    Grfico 1Nmero Anual Mdio de Casamentos, bitos e Batismo por Perodo de 10 Anos

  • 7/31/2019 Livro 1 - Vila Rica Populacao 1719-1826 - Parte 1

    15/80

    Como no caso de bitos e batismos, a anlise dos dados relativos evoluo doscasamentos evidencia, de imediato, perodos de acrscimos e quedas no nmero deconsrcios celebrados. Assim, de 1727 dcada compreendida entre 1760-69 verificou-se substancial aumento na quantidade de unies. De fins da dcada dos 60 dos 80 osenlaces rarefizeram-se segundo taxa mais elevada do que a correspondente aoacrscimo verificado no perodo anterior. Ao final dos anos 70, e em todo o decnio dos80, o numero de casamentos estabilizou-se em torno da mdia prevalecente nos anos 30e 40 -- em 1786 o nmero de consrcios igualou-se ao registrado em 1737 e, em 1790,observou-se quantidade correspondente mdia dos anos compreendidos entre 1732 e1741.

    Dos 80 ao incio do sculo XIX verificou-se rpida recuperao seguida de baixa que se

    estendeu at o segundo decnio do sculo -- ao que nos parece, luz docomportamento das curvas de bitos e batismos, estes movimentos deveram-se,sobretudo, mudana de comportamento dos ouro-pretanos que passaram a legitimarem grau mais elevado as unies que, em outras circunstncias, manter-se-iam no planodo concubinato. A confirmar esta hiptese aparecem os porcentuais relativos ao nmerode bastardos sobre o total de batizados. Enquanto no decnio 1779-88 esta cifra igualava66,83%, na dcada 1799-1808 alcanava, apenas, 57,62%; caso considerssemos osquinqunios 1784-88 e 1804-08 a variao em pauta ficaria ainda mais evidenciada, pois,os bastardos compreendiam 68,89% dos batizados no primeiro lustro e apenas 56,78%no segundo.

    Por fim, em seqncia aos movimentos acima apontados, registrou-se, nos anos 20 da

    dcima nona centria, novo aumento no nmero de enlaces sacramentados perante aIgreja.

    * * *

    Cuidemos, agora, dos principais condicionantes das variaes observadas nas curvasora analisadas. Ressaltam, desde logo, trs fatores explicativos bsicos, intimamentecorrelacionados. Altamente relevante parece ter sido o grande afluxo e posteriorretrao numrica do elemento africano. Para D. Rodrigo da Costa, governador do Brasil,

  • 7/31/2019 Livro 1 - Vila Rica Populacao 1719-1826 - Parte 1

    16/80

    ao voltar Europa, em 1706, "representava caminhar o Estado para a runa total, porfaltarem os escravos, todos vendidos para as minas, mal chegavam aos portos." (42)

    A populao escrava de Vila Rica apresentou rpido incremento nas quatro primeirasdcadas do sculo XVIII. Em 1716 contaram-se 6.721 cativos, dois anos depois -- 7.110(43); em 1728 a cifra subia a 11.521. (44) Em 1735, segundo dados incorporados ao

    Cdice Costa Matoso, o nmero de cativos atingia 20.863. (45) Em 1743 somaram 21.746(46), A partir deste ano a tendncia declinante mostrou-se evidente; em 1749 o nmerode escravos cara a 18.293. (47) O Grfico 2 ilustra as variaes do nmero de cativos deVila Rica, no perodo 1735-49.

    Grfico 2

    Variaes no Nmero de Escravos Matriculados(Vila Rica - 1735/1749; 1735=100)

  • 7/31/2019 Livro 1 - Vila Rica Populacao 1719-1826 - Parte 1

    17/80

    Com respeito aos cativos deve-se lembrar, ainda, sua alta taxa de mortalidade. Martinhode Mendona, delegado da Coroa e conhecedor das condies reinantes em Minasrelatava, em 1734, que os senhores no esperavam conseguir, em mdia, mais de dozeanos de trabalho dos escravos comprados ainda jovens. (48) Com base no documentoannimo Consideraes sobre as duas classes mais importantes de povoadores daCapitania de Minas Gerais (49) pode-se estabelecer que, grosseiramente, a taxa de

    mortalidade dos escravos estaria entre 50 a 66,6 mortes por mil cativos. (50) ndicemuitssimo elevado (51) e em muito superior taxa bruta de mortalidade -- de 23,40bitos por mil habitantes -- calculada para a Comarca de Vila Rica Comarca com base emdados referentes a 1776. (52)

    A estas consideraes devemos acrescentar a alta taxa de mortalidade infantilconcernente aos filhos de cativos. Em que pese a baixa fecundidade das escravas (53)dado seu grande nmero, o peso relativo de nascimentos (e, por conseqncia, debitos) de crianas escravas mostrava-se elevado. Fato a contribuir para o alto ndice de

  • 7/31/2019 Livro 1 - Vila Rica Populacao 1719-1826 - Parte 1

    18/80

    mortalidade.

    afluncia da mo-de-obra africana deve-se aliar a rpida concentrao, na reamineratria, de grande contingente de livres e escravos oriundos do Reino e do prprioterritrio da colnia.

    O mais eloqente testemunho deste fenmeno, legou-nos, Antonil. No alvorecer dosculo XVIII, assim caracterizava, o jesuta, as "pessoas que andam nas minas e tiramouro dos ribeiros": "A sede insacivel do ouro estimulou a tantos a deixarem suas terrase a meterem-se por caminhos to speros como so os das minas, que dificultosamentese poder dar conta do nmero das pessoas que atualmente l esto. Contudo, os queassistiram nelas nestes ltimos anos por largo tempo, e as correram todas, dizem quemais de trinta mil almas se ocupam, umas em catar, e outras em mandar catar nosribeiros do ouro, e outras em negociar, vendendo e comprando o que se h mister nos para a vida, mas para o regalo, mais que nos portos do mar.

    "Cada ano, vm nas frotas quantidade de portugueses e de estrangeiros, para passarems minas. Das cidades, vilas, recncavos e sertes do Brasil, vo brancos, pardos e

    pretos, e muitos ndios, de que os paulistas se servem. A mistura de toda a condiode pessoas: homens e mulheres, moas e velhos, pobres e ricos, nobres e plebeus,seculares e clrigos, e religiosos de diversos institutos muitos dos quais no tm noBrasil convento nem casa." (54)

    A Coroa, alarmada com o despovoamento decorrente deste processo emigratrioindiscriminado, resolveu refre-lo e passou a exarar decretos e dispositivos legais dosquais, a prpria freqncia, evidencia a inocuidade. Destes instrumentos, o maiseloqente e restritivo parece ter sido a lei de 20 de maro de 1720. (55) Mesmo comrespeito a ela, revelou-se cptico, Joo Lcio de Azevedo: "Quanto tempo estaria emvigor a proibio no sabemos, e de crer que, por mil modos iludida, se lhereconhecesse em breve tempo a ineficcia." (56)

    Por seu lado, o movimento migratrio colonial, de grandes propores, chegou a abalara economia agrcola preexistente. "Na borda martima da colnia, o xodo, motivado pelaatrao das minas, teve conseqncias deplorveis. Despovoavam-se as terras, no sda gente livre, que corria aventura, mas principalmente dos escravos, sem os quaisno havia lavoura nem indstria possveis. A cultura e fabricao do acar, que era ariqueza essencial do pais, cessava em muitos lugares, porque os lavradores partiamcom seus negros, ou os vendiam para serem levados minas, por altos preos, de queno tinham sonhado em tempo algum. Mas, realizada a operao, impossibilitadosestavam de substituir os trabalhadores perdidos, porque se lhes no ofereciam outros.Com os negros emigrava juntamente o pessoal de raa branca, a gente hbil dosengenhos, feitores, mestres, purgadores, carpinteiros das caixas, e outros, de ofcios

    necessrios indstria." (57)

    A alimentar tamanho deslocamento populacional, como nos lembra Celso Furtado,estava a prpria forma de ocorrncia do metal precioso: "Dadas suas caractersticas, aeconomia mineira brasileira oferecia possibilidades a pessoas de recursos limitados,pois no se exploravam grandes minas -- como ocorria com a prata no Peru e no Mxico-- e sim o metal de aluvio que se encontrava depositado no fundo dos rios. (58)

    Este caracterstico e a relativa pobreza do solo na rea mineratria, em geral, e em torno

  • 7/31/2019 Livro 1 - Vila Rica Populacao 1719-1826 - Parte 1

    19/80

    de Vila Rica, em particular, do-nos o embasamento do terceiro fator explicativo dosperfis das curvas em anlise: com a decadncia da atividade mineratria, a populao--sobretudo a parcela livre, como veremos na segunda parte deste trabalho -- tendeu adeslocar-se para novas reas procura de ouro ou, em momento mais tardio -- quandoesgotado o estoque aurfero acumulado milenarmente --, a demandar terras mais ricasaptas a garantir-lhe o sustento baseado, agora, na faina agrcola.

    Grfico 3Nmero Anual Mdio de Casamentos, bitos, Batismo e Exportao e Produo de Ouro

    por Perodos de 10 Anos

    Subjacente ao processo demogrfico em estudo sempre esteve presente, pois, aatividade exploratria. Justamente esta concluso deriva do confronto entre as

    variaes referentes ao nmero de casamentos, bitos e batizados e as relativas aomontante extrado de ouro. Na falta de dados em termos mais desagregados utilizamos,para efeito comparativo, a curva traada por R. C. Simonsen para as exportaes, emlibras esterlinas, do ouro brasileiro e o clculo da produo de ouro (em quilogramas) deMinas Gerais, efetuado por Virglio Noya Pinto (vide Grfico 3). (59)

    III - CASAMENTOS: 1727 - 1826.

    Conforme j fizemos notar, revelou-se estreita correlao entre o nmero de consrcios,de um lado, e o montante ou valor do ouro extrado, por outro (Cf. Grfico 4).

    Grfico 4Nmero Anual Mdio de Casamentos por Perodos de 10 Anos e Exportao e Produo

    de Ouro

  • 7/31/2019 Livro 1 - Vila Rica Populacao 1719-1826 - Parte 1

    20/80

    Caso segmente-se a populao em estratos correspondentes a livres, forros e escravosreconhecemos, para cada grupo, comportamento diverso (vide Grfico 5). Assim, ascurvas referentes a escravos e forros apresentam grande similitude. Ambas -- a primeiramais do que a segunda -- revelam-se altamente correlacionadas com a atividade aurferaem todo perodo analisado, enquanto a evoluo dos casamentos de livres ganhaautonomia -- com respeito extrao de ouro -- a partir do ltimo quinto do sculo XVIII,fenmeno j discutido em captulo anterior.

    Grfico 5Nmero Anual Mdio de Casamentos por Perodos de 10 Anos e Exportao e Produo

    de Ouro

    As evidncias acima apontadas patenteiam o comportamento distinto das curvasreferentes aos segmentos populacionais aludidos. Destarte, distinguem-se claramente

  • 7/31/2019 Livro 1 - Vila Rica Populacao 1719-1826 - Parte 1

    21/80

    os escravos dos livres e, em posicionamento intermedirio, dispem-se os forros

    * * *

    Antes de passarmos ao estudo pormenorizado dos casamentos cabe notar os entraves

    legitimao, perante a Igreja, do intercurso sexual -- problema altamente relevante selembrarmos que a maior parte das crianas batizadas inscrevia-se como filhos naturais.

    Alm dos empecilhos decorrentes de maneira imediata do maior ou menor dinamismo daatividade exploratria ocorriam, tambm, condicionantes de ordem institucional. Assim,a par das diferentes vivncias relativas aos estratos sociais componentes da sociedadebrasileira colonial, derivavam-se limitaes colocadas pelo prprio mecanismo impostopela Igreja consecuo do sacramento indispensvel legitimao dos consrcios.

    bices advindos, por um lado, do procedimento formal exigido para conseguir-se aautorizao necessria para que fosse celebrado o casamento e, por outro, dos custosmonetrios associados s prescries ditadas pelo poder espiritual. Neste sentido

    parecem-nos altamente sugestivos os juzos expendidos, no inicio do sculo passado,por Saint-Hilaire: "O vigrio da vara ... juiz dos casamentos, e no se pode contrairnenhum sem o seu consentimento. Ainda que as partes estejam perfeitamente de acordo necessrio que tenha lugar um processo perante o vigrio da vara, e o resultado dessaao bizarra uma proviso que se paga por 10 ou 12$000 ris (cerca de 65 a 75 fr. ) oumais, e que autoriza o cura a casar os nubentes. Se existe a sombra de um impedimento,ento a despesa sobe a 30, 40, 50$000 ris ou mais. verdade que no h nada aacrescentar a essas despesas para a cerimnia do casamento propriamente dito, mas necessrio despender ainda 1$200 ris com os proclamas. Assim, em um pas onde jexiste tanta repugnncia pelas unies legtimas, e onde seria to essencial para o Estadoe a moralidade pblica que elas fossem encorajadas, os indigentes so, por assim dizer,arrastados pela falta de recursos a viver de modo irregular." (60)

    * * *

    Passemos anlise em termos mais desagregados. Consideramos 1.591 assentos;destes, 1.391 (87,43%) reuniram livres (inclusive forros) e 200 (12,57%) referiram-se aescravos (inclusive casamentos entre cativos e forros).

    Mostra-nos a Tabela 1, distintamente, a separao dos segmentos populacionaisreferidos. Os consrcios "dentro" do mesmo segmento prevalecem sobre as uniesentre indivduos de "diferentes" grupos populacionais. Por outro lado, no encontramosrigidez absoluta com respeito aos casamentos entre indivduos de grupos distintos; no

    se verificou casamento a reunir escravos e livres, mas o numero de consrcios entreescravos e forros parece-nos altamente significativo.

    Tabela 1CASAMENTOS, SEGUNDO A CONDIO SOCIAL DOS CNJUGES

    -------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

  • 7/31/2019 Livro 1 - Vila Rica Populacao 1719-1826 - Parte 1

    22/80

    ESPOSA ESPOSO .LIVRES FORROS ESCRAVOS INDETERMINADO

    -------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------LIVRES 957 20 -- --

    (60,16) (1,26)FORRAS 55 351 38 1

    (3,46) (22,07) (2,38) (0,06)ESCRAVAS -- 12 150 --

    (0,75) (9,44)INDET. 1 4 -- 2

    (0,06) (0,24) (0,12)-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------OBS. : Os nmeros entre parnteses so porcentagens.

    Dos casamentos a envolver escravos -- vale dizer, com a presena de pelo menos umcnjuge cativo -- 25% realizaram-se entre escravos e forros (vide Tabela 2): 19%referiram-se a unies de mulheres forras com homens escravos e apenas 6% entre

    forros e mulheres cativas.

    TABELA 2CASAMENTOS A ENVOLVER PELO MENOS UM CNJUGE ESCRAVO

    -------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------ESPOSA ESPOSO .

    FORRO ESCRAVO-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------FORRA -- 38

    (19,0)ESCRAVA 12 150

    (6,0) (75,0)-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------OBS. : Os nmeros entre parnteses so porcentagens.

    Alguns dos casamentos a envolver libertos e escravos parecem-nos altamentesugestivos e trazem subsdios ao entendimento do papel representado pelo escravismona sociedade brasileira. Evidentemente, so casos isolados mas que, justamente por suaexcepcionalidade, emprestam colorido ao quadro, por vezes esquemtico, das relaespessoais e entre as camadas sociais ento vigentes.

    Ocorriam, por exemplo, consrcios entre senhores e seus prprios cativos. Deste feitio

    foi o enlace de "Garcia Pedroso preto forro com Maria da Costa tambm preta suaescrava" (61) celebrado aos quinze de novembro de 1744; dois meses depois, aos novede janeiro de 1745, celebrava-se a unio de "Tomas de Freitas preto de nao Mina escravo da contraente, Ana de Jesus, com a dita Ana de Jesus preta forra de nao Guin"(62)

    Aos cinco de maio de 1740 acontecia outro casamento sui generis: "... na minhapresena se casaram por palavras de presente Brs Gonalves negro Angola escravode Joana Fernandes Lima com Juliana Fernandes Lima filha da dita Joana Fernandes

  • 7/31/2019 Livro 1 - Vila Rica Populacao 1719-1826 - Parte 1

    23/80

    crioula forra." (63)

    Registrou-se maior nmero de homens livres do que mulheres de igual condio social(1.013 contra 977), para os forros predominaram as mulheres (445 versus 387) e entre osescravos prevaleceram os homens (188 sobre 162).

    Em termos relativos verificaram-se mais casamentos "fora do grupo social" parahomens livres e escravos do que para mulheres destes mesmos estratos.Correlatamente, as mulheres forras casaram-se "fora" de seu grupo social mais do queos homens do mesmo estrato (55+38 contra 20+12 casamentos, Cf. Tabela 1).Quanto cor, distribumos os cnjuges segundo grupos a envolver: ambos livres,ambos forros, homens livres-forras, homens forros-mulheres livres, escravos (Tabelas 3a 7, respectivamente).

    A observao dos dados sugere a predominncia dos consrcios entre indivduos demesma cor. Por outro lado, registraram-se, para os homens, maiores porcentuais decasamentos "fora" do grupo de cor.

    Tabela 3CASAMENTOS SEGUNDO A COR - CNJUGES LIVRES (EXCLUSIVE FORROS)

    (em porcentagem)-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------ESPOSA ESPOSO .

    BRANCO PARDO PRETO INESPECIFICADO-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------BRANCA 13,44 -- -- 0,32PARDA 6,35 14,68 0,10 0,73PRETA 0,21 0,10 0,84 0,10

    INESPECIF. 14,38 0,94 0,10 47,71-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

    Para ambos cnjuges forros, registraram-se 6,84% de unies entre pardos epretas contra 4,27% referentes a casamentos de mulheres pardas com pretos.

    Tabela 4CASAMENTOS SEGUNDO A COR- CNJUGES FORROS

    (em porcentagem)-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------ESPOSA ESPOSO .

    PARDO PRETO INESPECIFICADO-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------PARDA 14,82 4,27 --PRETA 6,84 73,79 0,28INESPECIF. -- -- ---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

    A mesma ordenao observada para os forros ocorreu para cnjuges escravos.

  • 7/31/2019 Livro 1 - Vila Rica Populacao 1719-1826 - Parte 1

    24/80

    Tabela 5CASAMENTOS SEGUNDO A COR - CNJUGES ESCRAVOS

    (em porcentagem)-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

    ESPOSA ESPOSO .PARDO PRETO INESPECIFICADO

    -------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------PARDA 4,0 2,5 0,5PRETA 3,0 86,5 --INESPECIF. -- 0,5 3,0-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

    Considerado o grupo "homens livres - mulheres forras" verificou-se 25% de consrciosentre pardos e pretas e nenhum a envolver pardas e negros.

    Tabela 6CASAMENTOS SEGUNDO A COR DOS CNJUGES - HOMEM LIVRE - MULHER FORRA

    (em porcentagem)-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

    ESPOSA ESPOSO .

    BRANCO PARDO PRETO INESPECIFICADO-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------PARDA 26,79 25,00 -- 5,35PRETA 7,14 25,00 1,79 5,35INESPECIF. 1,79 -- -- 1,79

    -------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

    Com respeito ao conjunto "homens forros - mulheres livres" registraram-se 8,33% decasamentos entre pretos e pardas contra nenhum de pardos e negras.

    Tabela 7CASAMENTOS SEGUNDO A COR DOS CNJUGES

    HOMEM FORRO - MULHER LIVRE(em porcentagem)

    -------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

    ESPOSA ESPOSO .PARDO PRETO INESPECIFICADO-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------BRANCA -- -- --PARDA 41,67 8,33 --PRETA -- 20,83 --INESPECIF. 4,17 12,50 12,50-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

  • 7/31/2019 Livro 1 - Vila Rica Populacao 1719-1826 - Parte 1

    25/80

    Por fim, o confronto das Tabelas 5 e 6, confirma exaustivamente a afirmativa em pauta.Assim, os brancos casaram com pardas (26,79%) e pretas (7,14%) enquanto mulheralguma, de cor branca, uniu-se a homem forro.

    Os resultados relativos aos segmentos populacionais em termos de condio social e

    cor, parecem indicar, inequivocamente, quanto escolha do parceiro, mais liberdade deopo para o sexo masculino, em geral, e para os homens livres, em particular.

    * * *

    Nas Tabelas 8 e 9 apresentam-se dados em termos do estado conjugal dos cnjuges. Amassa das unies deu-se entre solteiros -- 95,5% para escravos e 91,58% para livres(inclusive forros).

    Tabela 8

    CASAMENTOS DE LIVRES - SEGUNDO O ESTADO CONJUGAL DOS CNJUGES(em porcentagem)

    -------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------ESPOSA ESPOSO .

    SOLTEIRO VIVO INESPECIFICADO-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------SOLTEIRA 91,58 4,24 --VIVA 3,02 0,72 --INESPECIF. 0,15 -- 0,29-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

    Tabela 9CASAMENTOS DE ESCRAVOS - SEGUNDO O ESTADO CONJUGAL DOS CNJUGES(em porcentagem)

    -------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

    ESPOSA ESPOSO .SOLTEIRO VIVO INESPECIFICADO

    -------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------SOLTEIRA 95,50 0,50 --VIVA 2,50 -- --INESP. -- -- 1,50-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

    Para os livres, o peso relativo dos casamentos a reunir vivos e solteiras foi maior doque o porcentual de consrcios entre solteiros e vivas (4,24% e 3,02%,respectivamente). O mesmo no aconteceu com respeito aos escravos, para os quaispredominaram casamentos entre solteiros e vivas (2,5%) sobre unies de vivos comsolteiras (0,5%).

    * * *

  • 7/31/2019 Livro 1 - Vila Rica Populacao 1719-1826 - Parte 1

    26/80

    Caso consideremos a condio de legitimidade dos cnjuges (64) -- Tabelas 10 a 13 --evidenciam-se as seguintes concluses:

    i) apenas entre os livres predominaram casamentos de filhos legtimos; por outro lado,apresentou-se maior o peso relativo das unies de legtimos para os consrcios entre

    homens livres e mulheres forras em face dos casamentos de forros;

    Tabela 10CASAMENTOS SEGUNDO A NATUREZA DA FILIAO

    CONJUGES LIVRES (EXCLUSIVE FORROS)(em porcentagem)

    -------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------ESPOSA ESPOSO .

    LEGTIMO NATURAL-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------LEGITIMA 36,08 12,48

    NATURAL 25,32 26,12-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------OBS. : Excludos os vivos, para os quais no foi indicada a filiao.

    ii) para os forros predominaram as unies de filhos naturais; ocorreu maior porcentualde casamentos entre filhos naturais na situao "homem forro - mulher livre" do quenos consrcios de homens livres com mulheres forras (54,2% contra 37,5%,respectivamente).

    Tabela 11CASAMENTOS SEGUNDO A NATUREZA DA FILIAO - CNJUGES FORROS

    (em porcentagem)

    -------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------ESPOSA ESPOSO .LEGTIMO NATURAL

    -------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------LEGITIMA 3,98 9,98NATURAL 7,98 78,06-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------OBS. : Excludos os vivos, para os quais no foi indicada a filiao.

    Tabela 12CASAMENTOS SEGUNDO A NATUREZA DA FILIAO

    HOMEM LIVRE X MULHER FORRA

    (em porcentagem)-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------ESPOSA ESPOSO .

    LEGTIMO NATURAL-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------LEGTIMA 10,70 5,30NATURAL 46,50 37,50-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------OBS. : Excludos os vivos, para os quais no foi indicada a filiao.

  • 7/31/2019 Livro 1 - Vila Rica Populacao 1719-1826 - Parte 1

    27/80

    Tabela 13CASAMENTOS SEGUNDO A NATUREZA DA FILIAO

    HOMEM FORRO X MULHER LIVRE(em porcentagem)

    -------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------ESPOSA ESPOSO .

    LEGTIMO NATURAL-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------LEGTIMA -- 20.80NATURAL 25,00 54,20-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------OBS. : Excludos os vivos, para os quais no foi indicada a filiao.

    As variaes registradas devem-se a dois fatos intimamente relacionados. Em primeiro,ao maior porcentual de legtimos quando se trata de livres (vide Tabela 14) e, emsegundo, por prevalecer a condio de legitimidade para os homens (Tabela 15).

    Tabela 14CASAMENTOS SEGUNDO A NATUREZA DA FILIAO E GRUPOS ESPECFICOS

    (em porcentagem)-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------FILIAO SEXO H. FORROS H. LIVRES AMBOS FORROS AMBOS LIVRES

    M. LIVRES M. FORRAS exclusive forros-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

    H 25,00 57,20 11,96 61,40LEGTIMA

    M 20,80 16,00 13,96 48,56

    H 75,00 42,80 88,04 38,60NATURAL

    M 79,20 84,00 86,04 51,44-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------OBS. : H = homens, M = mulheres. Exclusive vivos, para eles no foi indicada a filiao.

    Tabela 15CASAMENTOS: REPARTIO SEGUNDO SEXO E NATUREZA DA FILIAO

    (em porcentagem)-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

    SEXO LEGTIMOS NATURAIS TOTAL-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------HOMENS 38,89 61,11 100,00MULHERES 24,83 75,17 100,00-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------OBS. : Excludos os vivos, para os quais no foi indicada a filiao.

    * * *

  • 7/31/2019 Livro 1 - Vila Rica Populacao 1719-1826 - Parte 1

    28/80

    Pelo estudo do nmero mdio de casamentos por ms (Grfico 6), verificamos que opadro estabelecido -- para escravos e livres -- deveu-se s posturas religiosascontrrias a casamentos durante os perodos de "trevas" ou "penitncia" que precedemo Natal (o chamado Advento) e a Quaresma -- da quarta-feira de Cinzas Pscoa. Daaparecerem poucos casamentos nos meses de maro, abril e dezembro; a mesma razo

    explica o numero relativamente elevado de enlaces nos meses de fevereiro, maio enovembro.

    Grfico 6MOVIMENTOS SAZONAIS DE CASAMENTOS

    * * *

    Visando a estabelecer as regies s quais se deve contribuio para o povoamento deVila Rica e, ainda, a amplitude dos movimentos migratrios, distribumos os locais deorigem dos esposos em 8 categorias. (65) A classificao adotada, segundo crculoscentrados em Vila Rica, foi a seguinte:

    Categoria 1 - cnjuge nascido (e/ou batizado) na freguesia de Nossa Senhora daConceio de Antnio Dias.

    Categoria 2 - cnjuge nascido (e/ou batizado) na Freguesia do Pilar (Vila Rica).

    Categoria 3 - cnjuge nascido (e/ou batizado) nas vilas, povoaes ou freguesiassituadas em raio de 50 km em torno de Vila Rica.

    Categoria 4 - cnjuge nascido (e/ou batizado) em vilas, povoaes ou freguesias emrea limitada por raios de 50 e 100 km.

    Categoria 5 - cnjuge nascido no Bispado de Mariana porm, em local fora do raio de 100

  • 7/31/2019 Livro 1 - Vila Rica Populacao 1719-1826 - Parte 1

    29/80

    km.

    Categoria 6 - cnjuge nascido em outros Bispados do Brasil.

    Categoria 7 - cnjuge proveniente de Portugal, da Itlia, das Ilhas Atlnticas ou da frica.

    Categoria 8 - cnjuge sem origem especificada.

    Os resultados (Tabela 16) sugerem menor mobilidade das mulheres em face doshomens. Assim, 68,8% das mulheres enquadraram-se nas categorias 1 e 2 (nascidase/ou batizadas em Vila Rica) enquanto apenas 38,2% dos homens encontraram-se emigual situao. De um raio de 100 km procederam 55,7% dos homens e 83,6% dasmulheres; 92,1% destas ltimas nasceram ou foram batizadas no Brasil enquanto oshomens em igual condio corresponderam a 66,1%. A maior estabilidade da massafeminina em face dos homens mostrou-se, pois, iniludvel.

    Tabela 16ORIGEM DOS CNJUGES LIVRES (EXCLUSIVE FORROS)

    (960 casamentos)-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------CATEGORIA HOMENS MULHERES .

    No. Absol. Por 1.000 Acumulada No. Absol. Por 1.000 Acumulada-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

    1 322 335,418 335,418 601 626,044 626,0442 45 46,875 382,293 60 62,500 688,5443 146 152,083 534,376 123 128,125 816,6694 22 22,916 557,292 19 19,791 836,4605 45 46,875 604,167 33 34,375 870,835

    6 55 57,291 661,458 49 51,041 921,8767 267 278,126 939,584 26 27,083 948,9598 58 60,416 1.000,000 49 51,041 1.000,000

    -------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

    Por outro lado, no fluxo imigratrio -- proveniente da metrpole e de outrasdependncias coloniais portuguesas -- predominou o elemento masculino (27,8% dototal de cnjuges homens) sobre o feminino (2,7% do total de esposas).

    * * *

    Conclui-se, do exposto, que a varincia, no tempo, dos consrcios celebradosapresentou estreita correlao com o evoluir do montante exportado de ouro. Por outrolado os estratos populacionais correspondentes a livres, forros e escravos mostraramcomportamento especifico. No encontramos rigidez absoluta com respeito s uniesentre indivduos de grupos sociais distintos, parecendo-nos altamente significativo onmero de casamentos de escravos com libertos.

    Em termos de estrato social e cor -- considerados os trs segmentos populacionais

  • 7/31/2019 Livro 1 - Vila Rica Populacao 1719-1826 - Parte 1

    30/80

    aludidos -- verificou-se, quanto escolha do parceiro, mais liberdade de opo para osexo masculino, em geral, e para os homens livres, em particular. O estudo das mdiasmensais de consrcios revelou variaes sazonais devidas s posturas religiosascontrrias a casamentos durante a Quaresma e o Advento. Em relao ao local deorigem dos cnjuges, nascidos e/ou batizados no Brasil, registrou-se menor mobilidadeda massa feminina; quanto ao fluxo imigratrio, apresentou-se predominante o elemento

    masculino.

    IV - BATISMOS DE INOCENTES: 1719 - 1818.

    Como j salientamos, o comportamento das variveis demogrficas apresentou-sedistinto quando considerados os segmentos populacionais relativos a livres, forros eescravos. Vejamos, pois, a configurao das curvas de batismos, levados em conta osestratos sociais aludidos.

    Patenteia-se no Grfico 7 a discrepncia assinalada. Assim, enquanto os batismos delivres mostraram tendncia ascendente at a dcada 1799-1808 -- verificando-se, aseguir, ligeira queda devida, ao que nos parece, emigrao dos habitantes de Vila Rica

    --, os valores relativos aos batizados de escravos, depois de subirem rapidamente nasprimeiras quatro dcadas do sculo XVIII, tenderam a declinar. Esta perda de substnciadeu-se gradativamente; num primeiro momento passou-se da mdia anual de 89batismos -- dcada 1729-38 -- para valor mdio igual a 64 no perodo 1739-48. Desteltimo decnio ao compreendido entre 1764-73 observou-se patamar no qual adiscrepncia maior alcanou, em media, apenas 3 batismos por ano. A seguir,configurou-se declnio persistente -- de 64 batismos em mdia, por ano, no perodo 1764-73, passou-se, na dcada 1809-18, mdia de 18,5.

    Estes movimentos divergentes deveram-se a trs condicionantes: quebra no nmerode escravos entrados na rea; afluncia de livres, notadamente nas primeiras dcadasdo sculo XVIII e, por fim, concesso ou compra da alforria, processo este que

    engrossava o contingente de crianas nascidas livres.

    Quanto aos inocentes dados por forros ao nascerem verificou-se tendncia declinante --entre 1719-43 contamos em mdia e por ano, cerca de 9 batismos nas condiesaludidas; a partir da, com fases intermedirias que apresentaram pequena oscilao,passamos, no ltimo decnio (1809-18) do perodo em anlise, mdia de 1,8 batizadospor ano.

    Os dados empricos acima arrolados permitem-nos algumas inferncias quanto contribuio de cada estrato social em pauta para o delineamento da curva de batismosquando tomados globalmente. Destarte, verifica-se, desde logo, a pequena importncianumrica dos batismos daqueles inocentes dados por forros ao nascerem. Por outro

    lado, ressalta a relevncia dos escravos e livres. Considerados estes dois segmentospopulacionais podemos estabelecer a periodizao do espao de tempo em estudo

    Assim, de 1719 dcada 1739-48 o perfil da curva de batismos esteve fortementedominado pelos batizados de crianas escravas. A partir de ento, at o decnio 1764-73, coube preeminncia aos inocentes livres, pois, enquanto estes ltimos apresentavammarcada tendncia a aumentarem numericamente, os batismos de escravos colocavam-se em patamar a que j aludimos.

  • 7/31/2019 Livro 1 - Vila Rica Populacao 1719-1826 - Parte 1

    31/80

    Grfico 7Nmero Anual Mdio, por Perodo de 10 anos, de Batismos, Segundo a Condio Social

    Da dcada 1764-73 compreendida pelos anos 1799-1808 ganhou significncia,novamente, o estrato correspondente aos escravos -- enquanto estes ltimosregistravam queda persistente o mesmo verificava-se na curva que expressa o nmerototal de batismos. Esta ltima teve seu contorno suavizado pelo comportamento dacurva dos batismos de livres que se mostrou estacionaria no perodo 1764-88 ecrescente at a dcada compreendida entre 1799-1808.

    Por fim, registrou-se no primeiro quinto do sculo XIX decremento nos batizados delivres que, aliado persistente tendncia declinante no nmero de nascimentos decrianas escravas, reforou o perfil decrescente da curva dos batismos tomadosconjuntamente.

    * * *Pode-se derivar sugestivas ilaes do confronto das curvas de batismos, considerada afiliao dos inocentes. Para efeitos analticos distribumos as crianas em trs grupos:filhos legtimos, naturais e expostos -- estas duas ltimas categorias, computadas embloco, do-nos o nmero total de bastardos.

    Atentemos, primeiramente, aos expostos. Trata-se de recm-nascidos abandonados porta de residncias particulares, igrejas ou do Senado da Cmara. Esta instituio, com

  • 7/31/2019 Livro 1 - Vila Rica Populacao 1719-1826 - Parte 1

    32/80

    o aumento do nmero de enjeitados, viu-se obrigada a auxiliar monetariamente os paisadotivos visando a evitar o abandono e morte das crianas. Nas Cartas Chilenasmenciona-se explicitamente o problema gerado pelos gastos com estes prvulos: "Unsdizem, que das rendas do Senado/Tiradas as despesas, nada sobra./Os outrosacrescentam, que se devem/Parcelas numerosas impagveis/s consternadas amas dos"expostos." (66)

    O conhecimento do evoluir no tempo do nmero e peso relativo dos enjeitados mostra-se importante porque nos permite lanar luz sobre as condies econmicas gerais dascomunidades estudadas; espera-se, nos perodos de dificuldade econmica ouempobrecimento persistente, o aumento do peso relativo dos expostos, vale dizer, ospais ou a me solteira, na impossibilidade de sustentar os filhos -- dada a deterioraoeconmica e na possvel ausncia de mtodos ou prticas anticoncepcionais -- ver-se-iam na contingncia de abandonar os recm-nascidos a terceiros. (67)

    Conforme ilustrado no Grfico 8 verificou-se, em termos absolutos, incrementocontinuado dos expostos do incio do perodo em anlise at a dcada 1799-1808; talaumento numrico assumiu carter dramtico -- de 4 enjeitados batizados no decnio

    1724-1733 atingiu-se a cifra de 167 na dcada 1799-1808. Desta ltima ao espao detempo compreendido entre 1809 e 1818 observou-se queda substancial -- de 167 passou-se a 129 -- decorrente, com certeza, do processo emigratrio que abatia a populaoouro-pretana.

    Grfico 8Nmero Anual Mdio, por Perodo de 10 anos, de Batismos, Segundo a Filiao

  • 7/31/2019 Livro 1 - Vila Rica Populacao 1719-1826 - Parte 1

    33/80

    Referentemente ao peso relativo dos enjeitados sobre o total de batismos verificou-semovimento igualmente significativo -- de 0,45% na dcada 1724-33 chegou-se a cifrasque giraram em torno de 11% no intervalo 1779-1818. Este incremento representa umdos aspectos do impacto, sobre as variveis demogrficas, da decadncia da atividade

    mineratria (vide Grfico 9).

    Grfico 9Porcentagem de Expostos Sobre o Total de Batismos (por qinqnios)

    Repartidos, os enjeitados, segundo o sexo, impe-se o reconhecimento de algumastendncias peculiares a crianas de sexos opostos. Assim, dentre outros eventos,verifica-se -- computados os batismos de expostos em termos decenais (Cf. Grfico 10)-- situar-se, a quebra relativa ao sexo masculino, em momento imediatamente anterior concernente s meninas. Para os primeiros ocorreram, dadas apenas duas excees,incrementos continuados at a dcada 1794-1803 (79 batizados); no perodo 1809-18deram-se, to somente, 58 batismos, declnio proporcional equivalente a 26,58%. Comrespeito s crianas do sexo feminino configurou-se, igualmente, movimentoascendente no nmero de enjeitamentos, no entanto, observaram-se variaes maisamplas em face das detectadas para meninos; assim, os batismos de expostasmarcaram-se por aumento, presentes quatro reverses, at os anos 1799-1808 -- 96

    batismos --, no perodo subsecutivo (1809-18) batizaram-se 71 enjeitadas, ou seja,reduo relativa de 26,04%, praticamente igual respeitante aos expostos do sexomasculino.

  • 7/31/2019 Livro 1 - Vila Rica Populacao 1719-1826 - Parte 1

    34/80

    Grfico 10Nmero Anual Mdio, por Perodo de 10 anos, de Batismos de Expostos,

    Segundo o Sexo

    Outro fenmeno a merecer realce prende-se ao peso relativo dos sexos no conjunto decrianas expostas. Considerado todo o espao temporal em estudo observa-se apredominncia do sexo feminino. A razo de masculinidade igualou 89,10 -- vale dizer, acada centena de meninas corresponderam 89,10 prvulos homens --, esta cifra indica oparcelamento dos enjeitados em 52,88% de meninas e 47,12% de homens.

    Este departimento, mascara, no entanto, o processo desenrolado no decurso do tempo;assim, caso tomemos o nmero acumulado de enjeitados, segundo o sexo e por lustros,evidenciam-se dois segmentos temporais distintos. Conforme se pode visualizar noGrfico 11 houve, at o qinqnio 1779-83, ntido equilbrio entre expostos de ambos ossexos. Os valores acumulados at o lustro supracitado patenteiam tal harmonia: 144batismos de homens vis--vis 143 de meninas, ou seja, a razo da masculinidade para oespao de tempo 1719-83 igualou 100,70. A partir do qinqnio 1784-88 o diferencialentre batismos de mulheres e prvulos do sexo oposto deflectiu em favor das primeiras,disso resultou a razo de masculinidade de 83,15 para o marco cronolgico 1784-1818.

  • 7/31/2019 Livro 1 - Vila Rica Populacao 1719-1826 - Parte 1

    35/80

    Grfico 11Quantidades Acumuladas, por Qinqnios, de Batismos de Expostos, Segundo o Sexo

    Outro fato expressivo diz respeito aos porcentuais de enjeitamentos verificados nos doissub-perodos em foco. Nos primeiros sessenta e cinco anos -- 1719-1783 -- anotou-se,to-somente, 35,96% do total de enjeitamentos (38,29% dos relativos aos meninos e33,89% dos atinentes s mulheres); nos restantes trinta e cinco anos (1784-1818),caracterizados pela franca decadncia econmica de Vila Rica, deram-se os porcentuaiscomplementares, vale dizer, 64,04% do total de enjeitamentos -- 61,71% dos referentesaos meninos e 66,11% dos concernentes s crianas do sexo feminino.

    Do supradito resultam vrias inferncias. Primeiramente, ressalta a distinta composio,segundo o sexo, da massa de expostos; ao equilbrio caracterstico do lapso temporal1719-1783, seguiu-se a predominncia do sexo feminino ao tempo do recessoeconmico mais pronunciado. Tal fenmeno reflete, eventualmente, o maior apreoemprestado aos filhos homens e/ou a relativa "desutilidade econmica" das mulheresnos quadros da sociedade colonial brasileira.

    Outra ilao pertinente diz respeito ao avolumar-se do nmero de expostos

  • 7/31/2019 Livro 1 - Vila Rica Populacao 1719-1826 - Parte 1

    36/80

    concomitantemente ao exaustar-se a lida mineradora; como notamos, cerca de um terodos enjeitamentos efetuou-se nos primeiros dois teros do perodo estudado;correlatamente, essas relaes reviraram quando se acentuou a crise econmica.

    Por fim, cabe notar uma vez mais que, no obstante a queda no nmero absoluto deexpostos a partir do decnio 1799-1808, o peso relativo deles sobre o total de batismos

    manteve-se em nvel muito elevado, pois, o declnio tautcrono na quantidade global denascimentos mostrou-se altamente significativo.

    J a curva dos batismos de filhos naturais apresentou comportamento distinto; por umlado, sofreu forte influncia das variaes observadas no nmero de nascimentos deescravos, de outro, condicionou-se pelo aludido processo de alforrias -- neste particularapresentou-se altamente significativo o nmero dos filhos naturais de solteiras forras.Outro elemento a influir sobre a quantidade dos batismos de filhos naturais derivou dasvariaes observadas no volume de casamentos consagrados pela Igreja.

    Os batismos de legtimos mostraram-se, evidentemente, altamente correlacionados aoscasamentos legitimados perante a Igreja (Cf. Grfico 12)

    Grfico 12Nmero Anual Mdio de Casamentos e Batismos de Filhos Legtimos,

    por Perodo de 10 anos

    As evidncias assinaladas propiciam-nos alguns cotejos elucidativos. Assim, osbatismos de filhos naturais vis--vis os de legtimos colocaram-se, nas quatro primeirasdcadas do sculo XVIII, em nvel proporcional alto e apareceram como mltiplorelativamente constante do nmero de batizados de filhos legtimos. Estecomportamento explica-se, de um lado, pela macia presena dos escravos e, por outro,pelo crescente nmero de casamentos

    Do decnio 1729-38 ao compreendido entre 1754-63 revelou-se ntida tendncia de quedarelativa dos batismos de filhos naturais como decorrncia do crescente nmero de

  • 7/31/2019 Livro 1 - Vila Rica Populacao 1719-1826 - Parte 1

    37/80

    consrcios e continuado decremento na taxa de entrada de escravos. De 1754-63 a 1779-88 observou-se equilbrio proporcional entre legtimos e naturais devido, sobretudo, violenta queda nos casamentos. interessante notar que neste perodo a quantidade defilhos naturais ganha autonomia com respeito persistente diminuio do nmero deescravos novos e batismos de crianas cativas -- parece-nos que a este tempo j seapresentava dilatada a massa de mes solteiras alforriadas. Por outro lado, a quebra no

    nmero de casamentos e batizados -- tanto de legtimos como de bastardos -- espelhavaa situao decadente defrontada pela economia ouro-pretense nos anos queantecederam a Inconfidncia Mineira. Certamente Vila Rica comeou a despovoar-senos anos 60 da dcima oitava centria.

    Nos anos que sucederam dcada 1779-88 e se estenderam at 1793, devido queda nonmero de casamentos, aumentou o peso relativo dos filhos naturais. Nos anossubseqentes, dada a mudana de comportamento com respeito legalizao doscasamentos -- como j tivemos oportunidade de reportar --, os batizados de legtimosapresentaram peso relativo mais substancial.

    Com respeito aos bastardos em geral (naturais e expostos) vis--vis os legtimos deve-

    se notar que se apresentaram aqueles, sempre, em posio relativa majoritria. De ummximo de 89,47% no lustro 1719-23 tenderam, no correr do tempo e em termosproporcionais, a cair paulatinamente -- no primeiro quinto do sculo passadorepresentavam cerca de 58,4% dos batizados (vide Grfico 13).

    Grfico 13Porcentagem de Bastardos Sobre o Total de Batismos, por Qinqnios

    * * *Os movimentos sazonais de batismos, de pequena monta -- com exceo de dezembro,ms no qual observou-se queda significativa -- parecem indicar a inexistncia deimpactos mais significativos do clima ou de variaes trmicas nas concepesocorridas em Vila Rica. Assim, nem as estaes -- pouco definidas, alis -- nem osperodos de chuvas (grosso modo, de outubro a abril) ou de menor precipitaopluviomtrica (de maio a setembro) marcaram o comportamento, no correr do ano, dosnascimentos (Cf. Grfico 14).

  • 7/31/2019 Livro 1 - Vila Rica Populacao 1719-1826 - Parte 1

    38/80

    Grfico 14Movimentos Sazonais dos Batismos de Inocentes

    Este asserto viu-se confirmado pelos coeficientes de correlao -- nosignificativamente distintos de zero -- estabelecidos entre os movimentos sazonais debatismos, as mdias trmicas mensais e os ndices pluviomtricos tomados ms a ms.