Livro - O canto na escola de primeiro grau, Leda Mársico

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Presidente da Repblica Federativa do Brasil Ernesto Geisel Ministro da Educao e Cultura Ney Braga

O canto na escola de 1 grau

Universidade Federal do Rio Grande do Sul Reitor: Homero S Jobim Faculdade de Educao Diretor: Gilberto Mucilo de Medeiros Departamento de Ensino e Currculo Chefe: Iula Green Herv Laboratrio de Metodologia e Currculo Coordenadora Geral: Isolda Holmer Paes Coordenadora Tcnica: Tnia Maria Diederichs Fischer rea de Comunicao e Expresso Projeto: O Canto na Escola de 1 Grau Coordenadora: Leda Osrio Mrsico Pesquisadoras: Leda Osrio Mrsico Vera Regina Pilla Cauduro Porto Alegre, 30 de setembro de 1977

BRASIL. Departamento de Ensino Fundamental. O canto na escola de 1 grau. Braslia, Ministrio da Educao e Cultura, Departamento de Documentao e Divulgao, 1978. 157p. 1. Msica no ensino de 1 grau. I . Ttulo CDD-372.87

MINISTRIO DA EDUCAO E CULTURA DEPARTAMENTO DE ENSINO FUNDAMENTAL

PRODIARTEPrograma do Desenvolvimento integrado arts na educao

DEF - MEC

O canto na escola de 1. grauUma nova abordagem com proposio de um modelo para desenvolvimento da expresso msico-vocal de crianas e adolescentes.

Departamento de Documentao e Divulgao Braslia, DF- 1978

"O homem se forma mais pelo que faz do que pelo que meramente v e ouve. Da a necessidade de criar mltiplas oportunidades de assimilar as impresses e de aprender a expressar-se atravs do canto e da msica." (Schoch44,p. 191)

AGRADECIMENTO

As autoras deixam registrado seu agradecimento a todos os que as auxiliaram a levar a termo este trabalho: colega Leda Falco de Freitas, que participou da elaborao do projeto e das primeiras etapas da pesquisa, pelo apoio e estmulo efetivo; aos professores integrantes da Equipe de Avaliao da Unidade de Pesquisa, Superviso e Orientao Educacional (UPO/SUT/SEC), sob a orientao da Prof Maria Assunta Tanssine, pelas valiosas indicaes e sugestes relativas delimitao do problema da pesquisa, caracterizao da amostra e montagem dos instrumentos para coleta de dados; ao professor Nelson Monte, por ter facultado a realizao da pesquisa na rede escolar do Estado; aos professores informantes, que cooperaram no fornecimento de dados preenchendo prontamente os questionrios; ao pianista e crtico musical Celso Loureiro Chaves, pelo assessoramento na anlise estrutural das partituras que constituram a amostra; ao professor lvaro Magalhes, pela colaborao e discusso de certos tpicos; amiga Emery Schmitz Ruas, pelas sugestes na redao, pelo estmulo constante e colaborao efetiva; a todas as pessoas que, direta ou indiretamente, colaboraram para a realizao deste trabalho.

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SUMRIO

ndice de tabelas ................................................................................................ ndice de quadros ................................................................................................. ndice de anexos................................................................................................... Prefcio .............................................................................................................. I. INTRODUO ............................................................................................. A. Reviso da Literatura ............................................................................. 1. Etapas de desenvolvimento da fonao .......................................... 2. A voz e a idade................................................................................ 3. Registro e cavidades de ressonncia ................................................. 4. Tessitura e extenso vocal............................................................... 5. Classificao das vozes .................................................................... 6. A educao vocal ............................................... .......................... 6.1 A respirao............................................................................. 6.2 Emisso vocal........................................................................... 6.3 Articulao e dico................................................................. 6.4 Interpretao ............................................................................ 7. Percepo da cano ....................................................................... 8. Mtodos no ensino vocal................................................................. 9. Seleo do repertrio ...................................................................... 10. Coro escolar..................................................................................... B. Implicaes Metodolgicas

11 12 12 13 17 18 18 20 25 29 33 35 37 38 39 40 41 43 45 49 50

II. MTODO A. Caracterizao da Amostra ....................................................................... B. Material Utilizado ..................................................................................... C. Levantamento de Dados ........................................................................... D. Definio de Termos................................................................................. III. ANLISE DOS RESULTADOS A. Anlise dos Aspectos Construtivos e Complementares da Melodia .... 1. Hinos..................................................................................................... 2. Canes cvico-patriticas .................................................................... 3. Canes do folclore nacional ................................................................ 4. Canes do folclore internacional ........................................................ 5. Canes regionais .................................................................................. 6. Canes populares................................................................................. 7. Canes eruditas ................................................................................... B. Anlise da Distribuio de Freqncia das Composies por Srie .... C. Estudo Comparativo do Regime de Trabalho dos Professores Informan tes e seu Nivel de Qualificao ............................................................... IV. CONCLUSES V. MODELO PARA DESENVOLVIMENTO DA EXPRESSO MSICOVOCAL DE CRIANAS E ADOLESCENTES 1. Apresentao............................................................................................ 2. Descrio do modelo ............................................................................. 3. Organizao do ensino ........................................................................... 3.1 Objetivos ........................................................................................ 3.2 Pr-requisitos...................................................................................... 3.3 Atividades a serem programadas ........................................... 3.4 Contedos .......................................................................................... 3.5 Avaliao............................................................................................ 4. O professor................................................................................................ 5. Condies ambientais ................................................................................ 6. Composio dos grupos............................................................................. 7. Posio da Educao Musical na hierarquia curricular.............................. 8. Validao do modelo................................................................................. VI. APNDICE: PROPOSTA PARA ORGANIZAO DO CANCIONEIRO VII. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS VIII. ANEXOS

53 57 59 60

65 65 71 76 80 83 87 87 94 99

111 114 122 123 123 123 124 124 128 129 130 131 132

NDICE DAS TABELAS Constituio da Amostra para levantamento de Dados ... 54 Constituio da Amostra para Anlise das Composies Musicais .............................................................................. 58 Distribuio de Freqncia Absoluta dos Aspectos Cons trutivos da Melodia por Gnero (Hino)............................... 67 Distribuio de Freqncia Absoluta dos Aspectos Com plementares da Melodia por Gnero (Hino)........................ 69 Distribuio de Freqncia Absoluta dos Aspectos Cons trutivos da Melodia por Gnero (Cvico-Patritico) ............ 74 Distribuio de Freqncia Absoluta dos Aspectos Com plementares da Melodia por Gnero (Cvico-Patritico) . . 75 Distribuio de Freqncia Absoluta dos Aspectos Cons trutivos da Melodia por Gnero (Folclore Nacional) .... 78 Distribuio de Freqncia Absoluta dos Aspectos Com plementares da Melodia por Gnero (Folclore Nacional) . . 79 Distribuio de Freqncia Absoluta dos Aspectos Cons trutivos da Melodia por Gnero (Folclore Internacional) . 81 Distribuio de Freqncia Absoluta dos Aspectos Com plementares da Melodia por Gnero (Folclore Interna cional) ................................................................................. 82 Distribuio de Freqncia Absoluta dos Aspectos Cons trutivos da Melodia por Gnero (Regional) ...................... 85 Distribuio de Freqncia Absoluta dos Aspectos Com plementares da Melodia por Gnero (Regional)................... 86 Distribuio de Freqncia Absoluta dos Aspectos Cons trutivos da Melodia por Gnero (Popular)........................... 90 Distribuio de Freqncia Absoluta dos Aspectos Com plementares da Melodia por Gnero (Popular) .................. 91 Distribuio de Freqncia Absoluta dos Aspectos Cons trutivos da Melodia por Gnero (Erudito) ........................... 92 Distribuio de Freqncia Absoluta dos Aspectos Com plementares da Melodia por Gnero (Erudito) .................. 93 Distribuio de Frequncia Absoluta dos Hinos e Canes Cvico-Patriticas por Srie................................................ 95 Distribuio de Freqncia Absoluta das Canes Folcl ricas Nacionais e Internacionais por Srie ....................... 97 Distribuio de Freqncia Absoluta das Canes Regio nais, Populares e Eruditas por Srie .................................... 98 Distribuio de Freqncia Absoluta e Percentual do Regime de Trabalho e Nvel de Qualificao do Professor... 99 Distribuio dos Hinos e Canes Cvico-Patriticas de Acordo com sua Adequao s Sries do 1 Grau............... 102 Distribuio das Canes Folclricas Nacionais e Inter nacionais de Acordo com sua Adequao s Sries do 1? Grau ..................................................................................... 105

TABELA TABELA TABELA TABELA TABELA TABELA TABELA TABELA TABELA TABELA TABELA TABELA TABELA TABELA TABELA TABELA TABELA TABELA TABELA TABELA TABELA TABELA

I II III IV V VI VII VIII IX X XI XII XIII XIV XV XVI XVII XVIII XIX XX XXI XXII

TABELA XXIII - Distribuio das Canes Regionais, Populares e Eruditas de Acordo com sua Adequao s Sries do 1 ? Grau .... NDICE DE QUADROS QUADRO QUADRO QUADRO QUADRO QUADRO I II III IV V

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QUADRO VI QUADRO VII QUADRO VIII QUADRO IX QUADRO X QUADRO XI QUADRO XII

Categorias para Classificao das Composies ................... ' 57 Ocorrncia de Modulaes nos Hinos Ptrios........................ 66 Hinos Patriticos, seus Autores e Fontes de Consulta ... .... 70 Ocorrncia de Modulaes nas Canes Cvico-Patriticas . . 71 Canes Cvico-Patriticas, seus Autores e Fontes de Con sulta ...................................................................................... 73 Canes Folclricas Nacionais e Fontes de Consulta .... 77 Canes Folclricas Internacionais e Fontes de Consulta . 80 Ocorrncia de Modulaes nas Canes Regionais .............. 83 Canes Regionais, seus Autores e Fontes de Consulta. . . 84 Ocorrncia de Modulaes nas Canes Populares.............. 88 Canes Populares, seus Autores e Fontes de Consulta . . 89 Modelo para Desenvolvimento da Expresso Msico-Vocal de Crianas e Adolescentes................................................. 112/3 NDICE DE ANEXOS

ANEXO ANEXO ANEXO ANEXO ANEXO ANEXO ANEXO

I - Instrumento nico .............................. .......................... . . . 144 II - Instrues Gerais para a Aplicao do Instrumento ni co .............................................................................................. 150 III - Ofcio Circular para Convocao dos Professores de Educao Musical .................................................................................. 153 IV - Ficha de Anlise dos Aspectos Construtivos da Melodia (Es quema Formal, Frase) ............................................................. 154 V Ficha de Anlise dos Aspectos Construtivos da Melodia (In tervalos) .................................................................................. 155 VI - Ficha de Anlise dos Aspectos Construtivos da Melodia (Pa dres Rtmicos, Harmonia) .................................................. 156 VII - Ficha de Anlise dos Aspectos Construtivos da Melodia (Tes situra, Prosdia) .................................................................. 157

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PREFCIO

No ensino-aprendizagem da Msica nas escolas, em todas as pocas, tem sido dado destaque especial atividade vocal e busca da expresso vocal atravs do canto coletivo. Isso porque nada existe de mais humano do que a voz, colocando-se os outros instrumentos como prolongamentos artificiais do prprio homem. "O homem que canta seu prprio instrumento" (Kaelin25, p. 1). O canto coletivo tem demonstrado, no decorrer do tempo, seus efeitos positivos sobre o desenvolvimento musical dos que dele participam. Entretanto, a prtica do canto em conjunto colocou o problema da educao vocal. At bem pouco tempo, a literatura sbre a formao e o desenvolvimento da voz humana era destinada exclusivamente ao cantor profissional. Atualmente, porm, j se dirige, tambm, ao cantor amador, muito embora em ambos os casos esses estudos tratem da voz do adulto, cuja funo vocal muitas vezes se apresenta defeituosa. A voz infantil parece estar relegada a um segundo plano, talvez porque se parta do pressuposto de que s e perfeita. O contato freqente com crianas nas escolas atesta, no entanto, que, devido principalmente s influncias do ambiente e falta de cuidado e proteo dos adultos com os quais convive no lar e na escola, um grande nmero de crianas apresenta um desenvolvimento antinatural e defeituoso, que impede o uso pleno e harmonioso da funo da voz. Uma das finalidades da presente pesquisa foi justamente chamar a ateno dos educadores para a necessidade de delimitar o campo dentro do qual a voz possa desenvolver-se naturalmente, de modo a passar pela muda vocal e atingir a plenitude da voz adulta sem perturbaes. Juntamente com Nitsche34, poder-se-ia dizer que o professor semelhante ao jardineiro que protege a planta e cria condies favorveis a seu crescimento, deixando-a desenvolver-se por seus prprios meios,mas que,em caso de necessidade, a poda ou co13

loca-lhe um ponto de apoio. Exige, pois, do professor intuio e conhecimento, uma vez que preciso ter clara compreenso da funo da voz para saber us-la corretamente e, ademais, poder reconhecer seus defeitos, determinar as causas destes e aplicar as necessrias medidas de correo. Pois, como lembra Nitsche34, "s quem fala e canta corretamente pode ser guia de outros no desenvolvimento sadio da voz" (p. 8). Por outra parte, os pedagogos da Msica so unnimes em reconhecer que o canto desempenha o papel mais importante na educao musical da criana. Segundo Willems47, a cano agrupa, de maneira sinttica, melodia, ritmo e harmonia, e o melhor meio para desenvolver a audio interior*, considerada a chave da verdadeira musicalidade. No contexto atual, no que se refere educao da voz, observaes e depoimentos de estudiosos, bem como informaes provindas da experincia de professores de Msica e dos prprios autores deste trabalho, tm indicado que a m utilizao do instrumento vocal acarreta criana uma voz rouca e gutural, sem modulaes e com altura e timbre naturais alterados, ainda que, em princpio, a natureza lhes assegure uma voz sadia. Alm disso, tem-se verificado que o ensino de certas canes, que levam a criana a cantar fora de seu registro e tessitura prpria, fora o emprego dos msculos vocais. Acredita-se que essas falhas e deficincias, evidenciadas no desenvolvimento vocal do aluno, estejam relacionadas com a inexistncia de uma formao adequada do professor de Educao Musical, no que diz respeito prtica do canto e ao emprego de seu prprio instrumento vocal, e sejam agravadas, ainda, pelas influncias perniciosas da poluio sonora e do ar no meio ambiente. Diante desse contexto, levanta-se uma interrogante fundamental, que o presente estudo procura responder: A seleo do repertrio vocal nas escolas de 1 grau obedece a critrios que atendam s diferentes etapas da evoluo do aluno, favorecendo o desenvolvimento sadio da funo vocal nos seus mltiplos aspectos? Sem a pretenso de responder completamente ao problema e apresentar solues, este trabalho, a partir dos dados concretos da realidade das escolas estaduais do Rio Grande do Sul, visou a explorar um campo onde as controvrsias abundam, como comprova a reviso da literatura, para uma tomada de posio com vistas a traar perspectivas e direes que orientem o ensino nesse importante setor da Educao Musical. Para tanto, buscou-se, a partir de dados colhidos atravs do levantamento do repertrio vocal trabalhado nas escolas de 1 grau das zonas urbanas das delegacias de educao do Estado, e da anlise estrutural do repertrio que constitui a amostra, propor um modelo de ensino tcnico-vocal que, aps a devida testagem, possa constituir-se num modelo a ser adotado naquelas escolas.

* Audio interior definida como "a aptido para se representar toda espcie de sons, timbres, melodias, acordes, ritmos ou obras musicais complexas tomadas em seu conjunto, sem receber de fora nenhuma impresso musical" (Maikapar, apud Teplov45 , p. 279).

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LEDA OSRIO MRSICO Professora-assistente de Metodologia do Ensino da Msica e Fundamentos da Educao Musical no Departamento de Msica do Instituto de Artes da UFRGS. Professora de Prtica de Ensino de Msica no Departamento de Ensino e Currculo da Faculdade de Educao da UFRGS. Professora especialista em Msica da rea de Comunicao e Expresso do Laboratrio de Metodologia e Currculo da Faculdade de Educao da UFRGS. Mestra em Educao (rea de Ensino) pela UFRGS. VERA REGINA PILLA CAUDURO Professora de Educao Musical do Instituto de Educao Gen.Flores da Cunha, de Porto Alegre. Professora especialista em Msica da rea de Comunicao e Expresso do Laboratrio de Metodologia e Currculo da Faculdade de Educao da UFRGS. Mestra em Educao (rea de Ensino) pela UFRGS.

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I. INTRODUO

A "Reviso da Literatura" teve como propsitos: a) dar a conhecer as diversas opinies de pedagogos, foniatras, professores de canto e psiclogos que se dedicam ao estudo dos problemas ligados funo vocal, nos seus aspectos mais relevantes; b) conscientizar o professor de Msica dos problemas que se acham envolvidos na educao vocal da criana e do adolescente; c) oferecer embasamento terico em que se possa apoiar o desempenho do professor no decorrer da atividade docente. Para tanto, foram selecionados itens considerados bsicos para a compreenso do processo vocal na faixa etria de 6 a 15 anos. Partindo-se das etapas do desenvolvimento da fonao antes da ocorrncia da muda vocal, j que se constatam fases diversificadas na resposta vocal e musical da criana, chega-se s discusses dos problemas da voz e de suas relaes com a idade, quando se aborda principalmente a questo da muda e suas implicaes na atividade vocal dos alunos em grupos mistos. A seguir, examinam-se os conceitos de registro e cavidades de ressonncia, fundamentais para a posterior classificao das vozes. Em prosseguimento, apresentam-se diversos conceitos de tessitura e extenso vocal, mostrando suas inter-relaes, bem como as concordncias e discrepncias de opinies entre os autores consultados. O tpico "Classificao das Vozes", que aponta critrios para a classificao das vozes tanto infantis como adultas, seguido de uma rpida abordagem do processo de percepo auditiva na aprendizagem de uma cano, que se convencionou chamar "Percepo da Cano" Deste item, passa-se ao da "Educao Vocal", em que se focalizam problemas relativos educao individual e coletiva, apresentando-se algumas diretrizes apoiadas na experincia de pedagogos e professores de canto, nas quais se particularizam os elementos essenciais sua prtica. 17

Dando seqncia a esse captulo, passa-se ao estudo dos "Mtodos no ensino vocal", onde se apontam posicionamentos referentes maneira de como iniciar e conduzir o ensino vocal e, logo aps, abordagem dos problemas relacionados com o repertrio, onde se examinam resumidamente os critrios para a seleo de canes e para a organizao do repertrio vocal. Isso leva a consideraes sobre a formao e organizao do coro escolar, ressaltando o valor educativo dessa atividade em conjunto e sugerindo uma ordem seqencial para a realizao do trabalho, alm de reforar a importncia do papel do professor como modelo a ser seguido pelos componentes do conjunto. Finalmente, numa tentativa de sntese, procura-se reunir diretrizes metodolgicas que resultam da prpria reviso da literatura e condensam os aspectos considerados mais relevantes para o desenvolvimento do trabalho vocal. A. REVISO DA LITERATURA 7. ETAPAS DE DESENVOLVIMENTO DA FONAO Observaes de pedagogos, mdicos e psiclogos confirmam que a primeira ao do recm-nascido gritar. O aparelho fonador surge, assim, como o primeiro instrumento de expresso do ser humano e conservar esse papel durante toda a vida. De acordo com Chevais12, a fonao passa pelas mesmas etapas de desenvolvimento da audio: reaes negativas, motivadas pelo medo (rudos e sons desconhecidos), e reaes positivas, caracterizadas pela ateno auditiva que permite a identificao de sons e rudos. Os psiclogos concordam em que a criana grita inicialmente por necessidade fisiolgica, por medo, dor (reaes negativas). Mas, medida que percebe que seus gritos so sucedidos de satisfao (alimentao, embalo, troca de roupa, etc), suas reaes se organizam positivamente e seus gritos caracterizam-se mais pela impacincia ou decepo do que por outro motivo. As reaes positivas vo levar ao. As observaes de Chevais mostram que no 3? ou 4? ms a criana manifesta prazer ao ouvir rudos e sons, comea a diferenci-los, chegando mesmo a sorrir ao ouvir vozes conhecidas. Acolhe, portanto, favoravelmente sons e rudos que lhe trazem satisfao. Entretanto, ou porque os sons e rudos no se apresentam com a freqncia desejada, ou porque tenha necessidade de movimento, o fato que a criana passa a fazer rudos por sua prpria conta; sacudir o bero, bater com a colher no prato, agitar um chocalho, deixar cair objetos so, entre outras, formas de produzir rudos. Ao mesmo tempo, passa a gesticular para mostrar sua alegria ao ouvir sons de instrumentos, rdio, etc. Durante esse perodo a criana presta mais ateno intensidade do que qualidade do som. No se verificam tambm, nessa primeira etapa, atividades resultantes de imitao. Na etapa da imitao os rgos da audio e da fonao progridem rapidamente. Chevais12 verificou que os primeiros atos de imitao surgem por volta do 5 ou 6 ms. Nessa poca a criana murmura, vocaliza e articula algumas slabas por impulso prprio. Trata-se aqui de exerccios pessoais, constantes e que constituem uma espcie de auto-imitao. De acordo com o mesmo pedagogo, a capacidade de imitao desen18

volve-se sobretudo a partir do 109 ms, quando, ento, a criana passa a copiar modelos. Reproduz no s slabas e palavras, mas as acentuaes e a entoao. Nesse momento, a fonao parece adquirir a primazia sobre os outros atos de imitao. Tudo indica que a criana no experimenta nenhuma dificuldade em imitar o que ouve. No perodo da imitao, a reproduo de ritmos apresenta-se como uma das formas mais curiosas de resposta estimulao auditiva. Decroly (apud Chevais12, p. 91) mostra, num de seus filmes, uma criana de 9 meses seguindo o ritmo de uma cano com flexes do corpo, na posio sentada. Nesse caso, no se verifica imitao de movimento, mas resposta ao ritmo da cano. Chevais12, por sua vez, relata que aos 11 meses a criana capaz de traduzir ritmos espontaneamente, atravs dos movimentos variados: balanos laterais, movimentos de braos ou mos. Com um ano capaz de marcar com preciso e espontaneidade, atravs de movimentos corporais, o ritmo de uma pea musical transmitida pelo rdio ou por disco. Observa, ainda, o mesmo pedagogo que, curiosamente, alguns meses depois, a criana renuncia a marcar ritmos que ouve e s recomea muito mais tarde, por volta dos 5 anos. O perodo da imitao vocal compreende as primeiras tentativas de reproduo de sons e de frases meldicas. A precocidade dos resultados, nesse perodo, parece estar condicionada colaborao do meio familiar, e a qualidade dos resultados depender da qualidade dos modelos. Por outro lado, a voz encontra-se na dependncia do ouvido; da a necessidade de bons exemplos vocais. A criana, pois, no se limita a ouvir, quer imitar o que ouve. Talvez isso explique por que uma criana capaz de ouvir muitas vezes uma mesma cano com interesse crescente. Parece que o prazer vem muito mais do ato de repetir do que do prprio ato de cantar. oportuno ressaltar, aqui, que a criana poder transformar o timbre de sua voz, ajustando-o ao timbre da voz que lhe servir de modelo. Essa imitao reforada pela opinio que a criana faz de seu modelo (me ou professora). Chevais12 verificou que quando a criana acredita reproduzir seu modelo preferido com exatido no tem nenhuma razo para acreditar que est errada. Por isso no admite correes de uma segunda pessoa e se obstina na verso que acredita certa. Para o autor, isso explica a diversidade de verses de uma mesma cano folclrica muitas vezes aprendida a partir de lembranas insuficientes, com rros de compreenso ou audio. Convm lembrar, tambm, que ao ouvido cabe perceber e voz, reproduzir. o ouvido, portanto, que orienta a voz na sua emisso. Sem dvida, os dois rgos, receptor e fonador, mantm estreita relao fisiolgica, embora o ouvido desempenhe o papel principal. "O ouvido percebe o som a ser produzido, comanda o ato vocal e exerce controle sobre o mesmo" (Chevais12, p. 98). Os pedagogos em geral concordam em que a criana de 4, 5 e 6 anos j um ouvinte capaz de manter ateno e de reproduzir ritmos e melodias, encontrar prazer na audio de peas musicais e participar de conjuntos instrumentais. Encontram-se, porm, crianas nessa faixa de idade que no conseguem ainda o suficiente comando auditivo para cantar em conjunto. Bentley3 observa, nesse particular, que para uma criana unir o prprio canto ao de outras crianas deve acomodar seu tom ao do grupo com quem vai cantar. Pois, como atesta Bustarret9, "cantar em conjunto ter uma s voz e um s sopro" (p. 43). 19

Considerando esse fato, Bentley3 identifica trs fases no desenvolvimento da resposta vocal da criana: coincidncia rtmica, reproduo da melodia mais aproximada do que exata, e uma terceira fase em que se verifica a perfeita coincidncia de tom na reproduo da melodia, ou seja, o unssono. As experincias de Bentley3 atestam que a criana retm uma figura rtmica com relativa facilidade e, quando em grupo, a reconhece com rapidez e capaz de responder em conjunto referida figura, espontaneamente. Entretanto, acredita que a 2a e 3a fases estejam intimamente vinculadas, pois, na resposta vocal, os intervalos pertencentes a uma melodia tendem a ser inicialmente aproximados, at que atinjam o unssono. O referido autor conclui que, na resposta melodia, se verifica um forte impulso para a coincidncia rtmica dominante e outro impulso semelhante, mas menos intenso, para a coincidncia de tom. 0 mesmo psiclogo argumenta, ainda, que a coincidncia rtmica e meldica resultam das reaes individuais aos estmulos do som. Essas reaes, porm, segundo ele, no so simultneas aos estmulos, que surgem primeiro. A criana percebe os estmulos conscientemente ou recorda o que percebeu para, ento, responder. No pode, por conseguinte, participar no momento preciso em que pela primeira vez ouve os estmulos, pois nesse momento ainda no est estabelecida a pulsao rtmica da qual depende o motivo rtmico, tampouco a configurao tonai. Para que a resposta rtmica acontea, a pulsao regular precisa ser percebida; similarmente, a configurao tonai precisa ser percebida para que o movimento em direo coincidncia de tom ocorra. Nesse momento, porm, j no mais se ouvem os estmulos e cabe, ento, memria desempenhar seu papel. "Sem a ajuda da memria nenhuma participao ativa possvel, por mais breve que seja, na atividade musical" (Bentley3,p. 23). Assim pois, de acordo com Bentley3, para responder com exatido a uma melodia ou cano a criana deve ser capaz de perceber e reter na memria, pelo menos durante curto perodo de tempo, uma determinada ordem de intervalos e de duraes de sons. 2. A VOZ E A IDADE Os estudiosos dos problemas da voz observam que a criana, sobretudo a pequena, tem uma voz bastante resistente, mas que esta se torna frgil medida que a criana cresce e sua laringe se desenvolve. Verifica-se, com freqncia, que as crianas tm, em geral, o hbito pouco saudvel de "dar guinchos", "berros" e gritos, o que deve ser combatido devido ao esforo vocal que exigem. De acordo com Canuyt10, se a laringe resiste a esses esforos repetidos, a voz, por sua vez, comea a tornar-se spera e a sade vocal da criana fica comprometida. Ream42 postula que. at mais ou menos 11 anos de idade, se verifica pouca diferena entre o aparelho vocal do menino e o da menina, sendo a extenso da voz cantada igual para ambos os sexos. Por esse motivo, as vozes infantis devem ser tratadas identicamente nessa etapa. evidente, porm, que nem todas as crianas so dotadas da mesma facilidade para reproduzir sons musicais. Mas o pedagogo em questo afirma que todas podem aprender. Entretanto, adverte para o fato de que a coordenao auditivo-vocal s se desenvolve com a prtica do canto. Lembra tambm que a sensibilidade e a capacidade da criana de captar sons e mais tarde reproduzi-los varia muito. Segundo o mesmo autor, tal capacidade parece no depender exclusivamente do rgo fsico nem da aptido artstica inata, mas, em 20

grande parte, do passado da criana, no que se refere s suas impresses musicais vividas no lar e na escola. No momento da puberdade depara-se com o fenmeno da muda vocal. Ou seja, a voz abandona o timbre infantil e as caractersticas pueris para amadurecer e adquirir o timbre adulto. A muda vocal comumente aceita como conseqncia de uma perturbao fisiolgica, muito mais acentuada nos meninos do que nas meninas, nas quais a transio se produz muito mais rpida e silenciosamente. De acordo com Canuyt10, a muda vocal verifica-se entre 14 e 16 anos e apresenta-se como um sinal exterior do crescimento da laringe. No perodo da muda, as cordas vocais alargam-se, e "ao trmino dessa etapa, aps um desenvolvimento normal, as cordas vocais masculinas revelam aumento de um centmetro no comprimento, ao passo que as femininas s se acrescem de trs a quatro milmetros" (Bloch4, p. 166). Por essa razo, a voz do rapaz "desce uma oitava, encorpa-se. aumenta de fora e adquire o timbre masculino, mais rico; enquanto que nas meninas abaixa somente algumas notas, uns trs tons, e, embora as mudanas no sejam to radicais, o timbre da sua voz ganha maturidade" (Bloch4, p. 169). Na concepo de Canuyt10, quando a muda vocal acompanhada de alteraes da voz, esse fato no deve ser considerado patolgico; so perturbaes fisiolgicas passageiras, cuja durao varia de acordo com cada indivduo. Contudo, esse mesmo especialista afirma que, nesse perodo, o canto e os excessos vocais (por exemplo: meninos quando tentam imitar vozes adultas mais graves, sem os devidos cuidados) podem ser responsveis por danos permanentes da voz. Pois, uma vez que a laringe est em crescimento, e as cavidades bucolarngeas e a capacidade pulmonar tambm se expandem, tais mudanas acarretam uma utilizao e uma acomodao diferente do aparelho fonador. Surge, ento, a necessidade de uma nova tcnica vocal, bem como de novos conceitos auditivos de altura, timbre e intensidade. Nesse momento o adolescente necessita orientao segura, que o ajude a compreender o que est acontecendo com a sua voz e a encontrar a forma correta de usar a voz falada e a cantada. Contrariando as observaes de Canuyt10, Reineck (apud Nitsche34) atesta que, nas vozes sadias, a muda vocal se produz de forma pouco perceptvel, ao passo que "toma os indivduos grites desprevenidos como se fosse um terremoto" (p. 33). De acordo com Nitsche34 , durante a muda a tessitura de todos os registros vocais se desloca em direo voz de peito*, de forma mais ou menos pronunciada. Com respeito s vozes femininas, a voz do soprano permanece no mbito da voz infantil e a de contralto desce um pouco mais. Ambas, porm, sofrem mudanas de timbre e de volume, mas continuam empregando as mesmas cavidades de ressonncia, de preferncia as de cabea, conservando a qualidade da voz mista (voz mdia). Observa, ainda, o autor que a voz de peito pura quase nunca se encontra na mulher,embora as vozes de contralto a empreguem s vezes, para conseguir determinados efeitos. No que se refere s vozes masculinas, a voz de baixo desce uma oitava no grave, seu volume sonoro e tessitura obrigam-na a recorrer s ressonncias da cavidade torcica. O tenor coloca-se mais no agudo, embora a voz falada mantenha-se num registro grave considerando a tessitura. Disso resulta que as vozes mal desenvolvidas ou deformadas, que antes da muda vocal j haviam perdido a voz mista e utilizavam a voz de peito, depois da muda permanecem quase definitivamente com o timbre de peito, e s com muito trabalho* Voz de peito; ver pgina 25

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conseguem atingir a voz mdia. Atesta Nitsche34 que isso vale tanto para as vozes masculinas quanto para as femininas. Segundo o mesmo autor, a voz bem desenvolvida e exercitada domina a mescla dos sistemas de tenso e vibrao j antes da muda vocal. Mackenzie (apud Hoffer23), em seu tratado sobre a muda de voz nos meninos, explica que o abaixamento da voz ocorre atravs dos estgios de soprano e contralto. Complementando esse depoimento, Cooper (apud Hoffer23) esclarece que,em sua primeira grande mudana, a voz do menino adolescente se move para o grave, descendo um intervalo de quarta a partir de sua tessitura pr-adolescente de soprano. Entretanto, para o mesmo autor, a maior mudana opera-se no timbre; a voz torna-se mais espessa e, ento, apresenta uma temporria iluso para o ouvinte de que esteja soando uma oitava abaixo. Mackenzie v o fenmeno da muda vocal nos meninos como um "processo de ajustamento". Inicialmente, como j foi dito acima, observa-se o abaixamento da voz em direo ao grave e, a seguir, ocorrem as mudanas em direo ao agudo, isto , o menino perde algumas das notas mais graves que at ento conquistara e compensado pelo alcance de notas de uma tessitura aguda. No momento em que esse processo de movimento para cima estaciona, para Mackenzie, a voz se ajusta e sua tessitura torna-se estvel. Em razo disso, salienta o mesmo autor, nenhuma voz adolescente pode ser classificada em definitivo enquanto no adquirir as caractersticas vocais adultas. Nitsche34 opina que, em princpio, no se pode fazer objeo a que se cante durante o perodo da muda, pelo menos nas suas primeiras etapas. O problema de cantar ou no cantar, entretanto, apresenta uma faceta que deve ser considerada: observase que o menino cuja voz est em mudana, em geral, no canta s, mas em grupo, e, na maioria dos casos, seu registro no coincide com o de seus companheiros que ainda no se encontram nessa etapa de desenvolvimento vocal. Nesse caso, entoa sons que sua voz s alcana mediante esforo para conseguir integrar-se no grupo. Da decorre que, sendo a voz nesse perodo particularmente sensvel, o menino passa a fazer um esforo desnecessrio e, conseqentemente, corre o risco de prejudicar a voz. A grande questo que parece resultar da decorre da pergunta que faz Swanson (apud Hoffer23): "em que registro deve o menino cantar?". Em seus estudos desenvolvidos com meninos entre 12 e 14 anos, ficou evidenciado que na Junior High School bastante comum encontrar alunos com registro de baixo entoando comodamente as notas localizadas entre o sol, ou l, (graves) e sol2 em clave de f. Com relao aos meninos com caractersticas de voz de tenor, foi constatado que as notas mais confortveis se localizavam nas vizinhanas de r3. Em virtude disso, Swanson recomenda que o principal cuidado do professor com relao aos meninos no perodo da muda o de faz-los cantar dentro de uma tessitura que lhes seja fcil e cmoda. Mackenzie assume posio similar quando prope o mtodo "do policiamento da tessitura cmoda", que tem utilizado com sucesso para preservar a voz dos meninos e mant-los cantando durante a adolescncia. No caso particular das meninas, Nitsche34 de opinio que no h necessidade de afast-las da prtica vocal durante a mudana de voz, porque delas se exige menos esforo. Recomenda, no entanto, repouso e suspenso do trabalho vocal, nessa fase, com os meninos, porque a voz pode transformar as alteraes passageiras em algo persistente e definitivo. Na opinio de Schoch44, a atividade de canto durante a muda no prejudicial, desde que os alunos sejam prudentes no uso da voz, evitando exigir dela amplitude 22

e intensidade. Diz ele que cantar em tom suave, apoiando sempre o som emitido numa respirao correta, evita os efeitos perniciosos. Ream42 concorda com Schoch44 quanto a no suspender o trabalho vocal durante o perodo da muda. Justifica sua posio dizendo que a mudana fisiolgica leva um, dois ou trs anos para se completar; se a criana no cantar durante todo esse tempo, poder perder o gosto e o interesse. As alternativas que apresenta para o trabalho vocal nesse perodo podem ser assim resumidas: a) o menino passa a cantar exclusivamente a parte do contralto, sem forar as notas graves do canto, e deixa as notas agudas; b) o menino acompanha o canto uma oitava abaixo. Segundo Ream42, a voz masculina, durante o perodo da muda, alcana os graves cada vez com maior facilidade e tende a abaixar mais ou menos uma oitava antes de amadurecer totalmente. Na sua opinio, quando o menino atinge o sol2. pode-se dizer que est em plena muda vocal. Nesse momento alcana uma nova categoria vocal que o referido autor chama "contratenor", cuja extenso, como categoria geral, vai de sol2 a sol3.

Cooper (apud Hoffer23), atravs de suas pesquisas, realizadas com vrios grupos de alunos de diferentes reas geogrficas e provenientes de Junior High School constatou, porm, que a tessitura da voz do menino que est em muda abrange normalmente o espao entre o l2 e o l3.

Verificou, tambm, que, aps completado o perodo da muda, a tessitura da voz dos meninos com caractersticas de bartono fica comumente entre o r2 e o r3.

Podem ocorrer, no entanto, casos em que a voz ultrapasse esses limites, atingindo at o mi3 ou f3 (no agudo) e at o si b ou l, (no grave).

Os pedagogos concordam em geral quanto necessidade de registrar os sinais preconizadores da muda, para evitar o cultivo da voz do menino sem alteraes at o colapso vocal. De acordo com Ream42, durante os meses que se seguem aos primeiros sintomas da muda, deve-se treinar a voz para abaixar seu registro regularmente, at que a extenso e a tessitura se definam e permitam, ento, classificar as vozes em tenor, bartono e baixo. A posio desse autor parece concordar com a de Cooper e Swanson, para os quais, ainda que a muda vocal seja um processo gradual, oportuno ante23

cipar o surgimento da voz adulta de tenor e de baixo mediante o deslocamento da voz do menino ao grave. Os estudos de Anderson (apud Bloch4) mostram, no entanto, que a transio da voz infantil para a voz adulta no se faz sempre sem incidentes. Segundo essa fonte, o jovem precisa aprender a utilizar um mecanismo vocal novo. Esse processo, por sua vez, necessita o desenvolvimento de novas impresses auditivas e cinestsicas, alm do manejo do novo esquema do mecanismo motor. H, portanto, necessidade de um perodo de aprendizado. Por outro lado, o adolescente defronta-se com um problema psicolgico: a voz no lhe soa bem, e no consegue comand-la. Sua primeira reao manter a voz primitiva, que at ento foi sua voz normal. Entretanto, ao fim de certo tempo, a tarefa de manter a voz infantil torna-se cada vez mais difcil. Se a orientao que receber no for adequada, podem ocorrer problemas psicolgicos subjacentes. Como sublinhou to bem Greene (apud Bloch4), "apesar das modificaes da anatomia e fisiologia da laringe, a perturbao essencialmente psicgena em sua origem" (p. 169). Nesse estudo, porm, no se tratar dos aspectos psicolgicos que a muda vocal acarreta e que muitas vezes so responsveis por problemas patolgicos, como as disfonias orgnicas e funcionais, por se considerar que esse assunto merece um tratamento especial e um estudo em profundidade, ultrapassando o mbito desta pesquisa. Os trabalhos de Garde18 revelam que a muda normal, em grande parte dos pases europeus, ocorre por volta dos 10 ou 14 anos nos meninos, e em um ano mais tarde nas meninas. Esses trabalhos confirmam que durante esse processo ocorrem modificaes anatmicas na laringe (desenvolvimento das cartilagens e das cordas vocais) e atestam que se verifica, tambm, uma relao ntima entre a muda e o funcionamento das glndulas sexuais. Para Garde18, a ausncia da muda pode ser um caso de infantilismo pubertrio e a muda tardia pode ocorrer devido a disfuno endcrina. No caso de a puberdade ser retardada pelo atraso do funcionamento das glndulas sexuais, a voz permanece delgada at o momento em que um tratamento hormonal bem orientado restabelea o equilbrio das secrees glandulares. Considera esse foniatra que a maturidade completa do sistema nervoso, as atitudes e relaes sociais so indispensveis ao estabelecimento da muda vocal normal. Para Bloch, os prenncios da muda vocal ocorrem por volta dos 12 anos nas meninas e dos 14 anos nos meninos, embora no se possam estabelecer limites rgidos. No entanto, Franklin (apud Bloch4) relata que investigaes sobre o problema comprovam que, aos 13 anos, 50% dos meninos j iniciaram a muda; aos 14 anos, 70%, e aos 15 anos, 80%. Garcia17, contudo, de opinio que a muda vocal acontece, em geral, nas meninas, entre 14 e 16 anos, e nos meninos, entre 17 e 19 anos; mas preciso levar em conta a constituio dos indivduos e a influncia dos climas. No que se refere idade em que se deve iniciar o trabalho vocal, o professor Canuyt10 pensa que a criana pode aprender muito cedo a respirar e cantar. A prtica do canto ajudar a desenvolver a musicalidade e a educar o ouvido. Entretanto, lembra que o trabalho vocal deve ser moderado e bem dirigido para que, atravs dele, a criana aprenda a valer-se de seu instrumento com cuidado e sem esforo. Aps a muda, o jovem ingressa no reino dos adultos. Todas as perturbaes da funo vocal a que a criana estava exposta parecem aumentar no caso dos adultos. Verifica-se que, com a mudana da voz, o adulto entra para um registro mais grave e mais delicado. Por outro lado, no encontra mais a unidade de timbre que possua sua24

voz infantil e precisa busc-la na sua voz de adulto, o que, no entender dos professores de canto e foniatras, muitas vezes exige trabalho paciente e laborioso. Do exposto, pode-se concluir que, enquanto no se registrarem sinais indicadores da muda vocal,o tratamento das vozes deve ser idntico para ambos os sexos. No que diz respeito ao trabalho vocal durante o perodo da muda, destacam-se duas linhas de pensamento: de um lado, Canuyt10 e Nitsche34 preconizam a suspenso da atividade vocal, para evitar que as alteraes que ocorrem nesse perodo se tornem permanentes; de outro lado, Schoch, Swanson, Cooper, Mackenzie e Ream no concordam com tal suspenso, argumentando este que a interrupo do trabalho vocal durante um perodo mais ou menos longo pode ocasionar a perda do interesse, enquanto aqueles dizem no ser prejudicial o uso da voz quando feito com moderao e prudncia. Por outro lado, Hoffer23 sugere que no perodo da muda vocal os meninos sejam separados das meninas pelo espao de um semestre ou um ano. Nesse caso, o professor experimentaria trabalhar as partes musicais em pequenos grupos; por exemplo: colocaria num grupo os alunos cujas vozes j atravessaram o perodo da "muda"; noutro grupo, os alunos cujas vozes esto sofrendo a mudana; e, por ltimo, agruparia os meninos e meninas que ainda no manifestaram sinais de modificaes em suas vozes infantis. Qualquer que seja o posicionamento adotado a esse respeito, dois problemas surgem, considerando-se a realidade escolar brasileira e o trabalho vocal coletivo em grupos mistos: impossibilidade da suspenso da atividade vocal para o aluno ou grupo de alunos que apresentam alteraes na voz, que, deixados de lado, se podem constituir em elementos perturbadores; dificuldades no atendimento especfico aos alunos no perodo da muda, por representarem, em geral, uma minoria dentro do grupo. 3. REGISTRO E CAVIDADES DE RESSONNCIA Por registro deve-se entender "cada uma das 3 partes, do extremo grave ao extremo agudo, que compem a escala musical" (Dufourcq13, p. 255) e que podem ser emitidas por vozes ou por instrumentos musicais. O registro grave compreende os sons mais graves (do d, ao d2); ao registro agudo pertencem os sons mais agudos (do d4 ao ds); e o registro mdio abarca os sons intermedirios (do d2 ao d4). Contudo, no caso particular da voz o termo registro, conforme definio de Garcia17, indica "uma srie de sons consecutivos e homogneos, produzidos do grave ao agudo, por um mesmo princpio mecnico. Conseqentemente, todos os sons pertencentes a um mesmo registro so da mesma natureza, qualquer que seja a modificao de cor ou de fora a que estejam sujeitos" (p 87). O conceito de registro vocal, conforme Nitsche34, a concorrncia de uma determinada tenso das cordas vocais e de uma determinada cavidade de ressonncia. Esse autor admite que a voz humana pode possuir mais de um registro e identifica trs tipos bsicos de registro: a) O registro "voz de peito" - quando se produzem a tenso transversal e a vibrao completa das cordas vocais, com ressonncia maior na caixa torcica. Este o registro vocal mais grave, tanto para a voz feminina quanto para a voz masculina. Neste registro, o som puro, forte, de vibrao completa, porm espesso, denso e seco. b) O registro mdio ou "voz mista" - quando se produz a mescla do som resultante da vibrao completa com a elasticidade e clareza do som produzido pela vi25

brao dos bordos das cordas vocais. Esta voz "mdia ou mista" possui urna importncia singular para a sade vocal, justamente por essa qualidade de fundir as duas modalidades de tenso das cordas vocais. E, com base nas suas observaes, Nitsche34 afirma que o defeito mais freqente e mais grave do mecanismo da fonao reside exatamente na perda da voz mdia, ou seja, da capacidade de mescla, de fuso. A voz mdia, segundo o mesmo autor, serve-se de todas as cavidades de ressonncia. Estas, como partes que so de um organismo vivo, naturalmente no tm forma fixa e inaltervel da caixa de ressonncia de um instrumento. Por isso, verifica-se que a respirao ampia, completa, dilata a cavidade bucai e nasal como tambm o trax. Assim a respirao d no s o apoio estimulante, mas prove igualmente a disposio adequada das cavidades de ressonncia, responsveis pela sonoridade verdadeira. e) O registro "voz de cabea" corresponde preferentemente ao uso da tenso longitudinal (vibrao dos bordos das cordas vocais) e da ressonncia das cavidades da cabea (crneo, boca, fossas nasais). Neste registro o som toma-se mais claro e delgado. Segundo Garcia17, esses trs registros coincidem numa parte de suas respectivas extenses, ao passo que outras se sucedem. Assim sendo, os sons compreendidos numa determinada extenso podem pertencer, ao mesmo tempo, a dois registros distintos. O registro de peito na mulher, conforme o mesmo autor, segue um caminho paralelo ao registro mdio, podendo descer no contralto at

A extenso do registro de peito no contralto, segundo Garcia, a seguinte:

A voz mdia do contralto, por seu turno, abrange as seguintes notas:

* Os sons representados por notas pretas indicam, segundo Garcia17 , os limites excepcionais de cada registro, constituindo-se em sons de difcil emisso que, em geral, para serem produzidos sem esforo, requerem treinamento especfico e rgo vocal dotado. Os sons representados por notas brancas indicam, de acordo com a mesma fonte, os limites normais de cada registro. Verificase, entretanto, que o referido autor nem sempre indica, nos exemplos apresentados, os limites excepcionais de determinados registros, bem como nao justifica a ausencia das notas pretas. A fide-lidade fonte consultada impede que se faa qualquer alterao nos exemplos aqu transcritos.

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Quanto ao registro de cabea na mesma voz, a extenso a seguinte:

A extenso dos trs registros na voz de meio-soprano, segundo Garcia17, assim se exemplifica:

Na voz de soprano observa-se a seguinte extenso para os trs registros:

Nas vozes masculinas os registros apresentam-se com as seguintes extenses, de acordo com Garcia17:

BAIXO

BARTONO

TENOR

As vozes masculinas de bartono e baixo no possuem o registro de cabea, ficando este reservado apenas ao tenor.27

Colocando o problema tendo em vista os grupos corais, Kaelin25 apresenta como mbito atualmente presente nas partituras para corais os seguintes:

No que diz respeito voz infantil, Garcia17 argumenta que, at a puberdade, idntica em ambos os sexos, localizando-se os registros de:

Nitsche34 atesta que a voz sadia da criana realiza automaticamente o equilbrio entre os distintos registros. O predomnio da voz mdia e de cabea mantm ativas as cavidades de ressonncia da cabea, dando voz um timbre claro e sonoro. Por outro lado, a respirao correta (diafragmtica), combinada com a posio natural do corpo, contribui para a participao ativa da cavidade torcica. possvel evitar algumas causas de perturbaes vocais se houver a preocupao de fortalecer as vozes infanto-juvenis mediante uma formao adequada, que capacite os educandos a responder s exigncias vocais e a se defender dos perigos que dela possam advir. preciso ensin-los a dominar e usar a respirao como fonte de energia, e a conseguir que as cordas vocais, mediante seu uso freqente e correto, se habituem a empregar as vibraes mistas como se apresentam na voz mdia. Para entender o que seja cavidade de ressonncia, convm lembrar que ressonncia a propriedade pela qual as vibraes areas dos sons so ampliadas. A cincia da voz provou, mediante eletroanlise, que o som fundamental, formado na laringe, originalmente inservvel, j que no tem timbre, nem cor. Somente quando o mesmo atinge as cavidades chamadas de ressonncia adquire toda sua riqueza. Portanto, as cavidades de ressonncia torcica, larngea, farngea, nasal e bucal - so destinadas a dar ao som timbre, cor, riqueza e amplitude. O som vocal perfeito nasce quando as cavidades de ressonncia da cabea vibram com os sons graves dando-lhes clareza, e quando os sons agudos repercutem na cavidade torcica ganhando fora e volume; desse modo, as vogais claras saem mais redondas, pela participao das cavidades de ressonncia torcica, e as escuras adquirem maior clareza, pela predominncia da ressonncia das cavidades da cabea.28

4. TESSITURA E EXTENSO VOCAL "Todo invidduo tem sua disposio um certo nmero de notas que emite mais ou menos facilmente e que constituem a extenso de sua voz" (Garde18, p. 115). No que se refere tessitura, tem-se encontrado, entre outras definies, a seguinte: " o conjunto de sons que convm melhor a uma voz" (Garde18 p. 155). Entretanto, Garde18 chama a ateno para o fato de que na voz inculta a tessitura nitidamente mais curta do que a extenso; mas, medida que a tcnica vocal progride, ambas tendem a confundir-se. Atribui a isso o fato de a palavra tessitura ser freqentemente empregada como sinnimo de extenso. Nesse particular, Willems48 aconselha que se empreguem exerccios que estendam a tessitura da voz infantil, que poder, s vezes, dobrar sua extenso e permitir criana atingir com facilidade e beleza as notas extremas do canto. Para Segarra (s/d), tessitura o mbito da escala onde a entoao dos sons resulta mais cmoda e fcil. Em geral, esse mbito abarca uma dzia de notas, conforme explica, sendo que seis delas so as melhores e que determinam o tipo de tessitura. Se as mesmas se encontram entre: - sol3 e f4 - a voz ser classificada como soprano"; mi3 e r4 - a voz ser de contralto. De acordo com os parmetros estabelecidos pelo Mtodo Ward, destinado ao tratamento da voz infantil, a tessitura da voz de crianas de 6, 7 e 8 anos encontra-se localizada-- ...... ------aps um ano de trabalho vocal especfico antes de qq. trei namento vocal

Gainza16 esclarece que em certos pases europeus, como a Frana e a Alemanha, as crianas desde muito pequenas cantam com vozes cristalinas e agudas, imitando suas mes. Portanto, j esto com o ouvido e, conseqentemente, com a voz habituados a um contexto tonai e musical agudo. Segundo Paulsen e Magrini (apud Jannibelli24), a extenso vocal varia de acordo com a idade, conforme exemplos abaixo:

dos 3 anos aos 4 anos

dos 4 anos aos 6 anos

dos 7 anos aos 10 anos

dos 11 anos aos 14 anos

* As cifras correspondem conveno internacional sobre a numerao das oitavas, estabelecida tomando-se como referncia o l do diapaso ou 13 com,435 vibraes por segundo.

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Chevais12, entretanto, de opinio que a extenso vocal se dirige para o agudo, do nascimento puberdade, sendo, portanto, progressiva. Para ilustrar sua afirmao, o autor apresenta o quadro a seguir:

Para Nitsche34, porm, o registro normal da criana situa-se:

Contudo, ele prprio assegura que, nos dias atuais, em virtude dos rudos ensurdecedores do meio ambiente, se pode comprovar que as crianas das grandes cidades revelam o abaixamento de uma terceira menor em seu registro, tanto para a voz falada como para a cantada. Esse mesmo fenmeno, de certo modo, foi igualmente constatado por Gainza16 com as crianas argentinas, as quais, na sua opinio, chegam ao jardim de infncia cantando em tessitura grave. Atribui esse fato sobretudo influncia do ambiente e da educao recebida no lar, pois, como j havia constatado, a criana tende a imitar a maneira de cantar de seus pais, ou de cantores de rdio, TV, etc. Assim sendo, se nesses indivduos predomina o timbre escuro e a tessitura grave, a voz infantil se moldar dentro dessas caractersticas. De acordo com Chevais12, os primeiros exerccios com a criana pequena no deveriam ultrapassar os limites da quinta.

Acredita que, tomando essa quinta como ponto de partida para progresso vocal, as vozes se adaptam naturalmente e podem evoluir com facilidade. Suas experincias permitiram-lhe verificar que, pelo exerccio, a extenso das vozes cresce em direo ao agudo. Aos 7 anos a criana, com sua voz natural, pode atingir o d4 , se o professor conseguir que, a partir do sol3, a criana conserve o que se costuma chamar "voz de cabea", a extenso da voz pode chegar a mi4, f4 ou mesmo a sol4. Chevais12 verificou, ainda, que a extenso da voz cresce, em direo ao agudo, do nascimento puberdade, observando-se um abaixamento da tonalidade somente aps a muda vocal. As experincias e observaes efetuadas junto s crianas, levaram Gainza16 a constatar que, entre os 5 e 7 anos, a tessitura normal se situa ao redor de uma sexta:

(d3 a l3); e, ao final do primeiro ou do segundo ano, mediante uma educao vocal bem orientada, esse limite amplia-se em direo ao agudo at atingir uma oitava, e des30

ce at o si e l graves, abaixo do d3, d central, o que demonstra relativa concordncia com Chevais12.

Por seu turno, a pedagoga Gorini21 tambm concorda em que a extenso normal "terica" da voz infantil abrange o seguinte mbito:

Contudo, adverte que, sem haver um trabalho vocal especfico continuado, a tessitura da criana se conservar bem mais limitada. Nitsche34, no entanto, argumenta que no trabalho vocal o importante exercitar a "voz mdia", que mescla os sistemas de tenso e de vibrao da voz, buscando igualar os registros. Por esse motivo, o professor em questo no aceita que o trabalho vocal seja iniciado no registro grave (d3 f3), como indica Chevais12, porque a criana empregar a, inevitavelmente, a "voz de peito" e ter dificuldade depois para efetuar a mudana para o registro mdio e agudo. de opinio, pois, que se evitem, desde o incio, a pouca flexibilidade e a dureza da "voz de peito". Sugere, em contrapartida, que se inicie o trabalho vocal do sol3 quando, ento, se entra no terreno da voz mdia, que , em geral, mais clara e flexvel. Da decorre que as canes cuja tessitura e carter obrigam a usar o registro de peito, sobretudo as canes varonis e as excessivamente sentimentais, no devem estar includas no repertrio infantil. Recomenda, ainda, o referido professor que o repertrio de canes esteja numa tessitura em que o espao entre d3 e f3 aparea somente de passagem. Para Nitsche34, quando uma voz manifesta real dificuldade em sair do registro grave, pode-se ajud-la transportando as canes para alm da tessitura da voz mdia, evitando-se, assim, o uso do registro de peito. Se isso no der resultado, aconselha que se recorra a exerccios-jogos que trabalham com a voz mdia e de cabea (jogo da abelha no nariz, p. 28). Outra indicao que parece pertinente a de que se deve sempre cantar com voz suave. Diz o professor Nitsche que sem a observao desse princpio os exerccios se tornaro inteis. Entretanto, chama a ateno para o fato de que cantar suave no significa cantar sem sonoridade. Garde18 relata que exames cronoxamtricos realizados com cantores infantis da radiodifuso francesa revelaram que o grau de excitabilidade das cordas vocais de crianas de ambos os sexos, com 9 anos de idade, alcana uma escala de valores to extensa quanto a dos adultos. Esse fato levou o referido foniatra a afirmar que as vozes infantis se dividem, como as dos adultos, em vozes muito graves, graves, mdias, agudas e muito agudas, contrariamente opinio corrente que as considera mais ou menos iguais ou semelhantes. Por esse motivo, Garde18 diz que seria imprudente impor a um conjunto vocal de crianas estudos nos mesmos limites tonais. Tal prtica, segundo ele, levaria fadiga certas vozes infantis. Aconselha, ento, dividir as crianas, pelo menos. em dois grupos: vozes graves e vozes agudas, para o trabalho vocal. Cada grupo se exercitaria sobre uma extenso tonai apropriada. 31

As experincias de Chevais12, no entanto, no confirmam a opinio de Garde. Segundo esse pedagogo, as vozes infantis foram consideradas durante muito tempo, por analogia de timbre e extenso, como vozes femininas, classificando-se em vozes de soprano e contralto. de opinio, porm, que mais adequado e correto considerar as vozes infantis como vozes iguais, podendo, quanto ao timbre, ser classificadas em vozes de timbre claro, com uma extenso que poder ir de r3 a l4, e vozes de timbre arredondado, que podem estender-se de d3 a sol4 .* A diferena que estabelece, portanto, entre esses dois tipos de voz, no que se refere extenso, de um ou dois tons. O estabelecimento desses limites levou Chevais s seguintes concluses: a) a criana que canta sempre no registro grave fatiga sua voz e pode mesmo arruin-la; b) convm que a criana cante de preferncia no registro agudo, registro de cabea. Gainza16, porm, de opinio que no se podem fixar-limites precisos com relao voz infantil, por considerar a extenso vocal um privilgio de natureza individual. No entanto, recomenda que no se ultrapasse o mbito de 13 (treze) notas, quando se tratar de crianas na idade de 9 a 13 anos. Bustarret9, a exemplo de Nitsche e Gainza, chama a ateno para o fato de que o aumento da poluio sonora no meio ambiente responsvel pela atrofia da percepo auditiva que se verifica atualmente. Segundo observaes do autor, as crianas gritam cada vez mais para se entenderem. Constata, tambm, que as crianas apresentam tessituras cada vez mais graves, e que os casos de rouquido se repetem com freqncia. Na sua opinio, o trabalho vocal deve ser iniciado no jardim de infncia e ter como objetivo principal elevar gradativamente a tessitura da voz infantil, at que esta atinja o seu nvel natural. Nesse particular, aconselha muito cuidado nesse trabalho, para que no seja perturbado o desenvolvimento normal da capacidade vocal da criana, nem se estanque o processo. Como se pode observar, h concordncias e discrepncias entre opinies de pedagogos e professores de canto consultados. Entre os pontos de concordncia, poder-se-ia destacar que: a tessitura se amplia principalmente em direo ao agudo, mediante uma educao vocal bem orientada, com exerccios especficos e continuados; o abaixamento que se verifica no registro vocal, tanto da voz falada como da voz cantada, deve-se, em grande parte, poluio sonora do meio ambiente; a educao recebida no lar e na escola pode exercer influncia na determinao da tessitura infantil, uma vez que a criana tende a imitar a maneira de cantar dos modelos que elege. No que se refere s divergncias, convm ressaltar que: os limites da tessitura e extenso das vozes infantis variam entre os dife rentes autores. H os que estabelecem esses limites de acordo com a idade, como Paulsen, Magrini e Chevais. Outros, como Segarra, Nitsche, Gainza e Gorini, no chegam a determinar limites especficos por idade, mas estabelecem um mbito de 8 a 13 notas como extenso normal (terica) da voz infantil, embora as notas extremas desse mbi to variem entre estes autores;

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- o ponto de partida para a progresso vocal seria, segundo Chevais e Gain-za, a quinta d3 sol3 ou a sexta d3 l3, enquanto Nitsche recomenda que se parta do sol3 em direo ao agudo, primeiro. Partindo-se da conceituao de que a tessitura o mbito da escala dentro da extenso vocal onde a entoao dos sons resulta mais fcil e cmoda, considerando a faixa etria do aluno de escola de primeiro grau (de 7 a 15 anos) e apoiados na experincia docente dos autores deste trabalho, bem como em Nitsche, que ressalta a importncia do exerccio da "voz mdia" no trabalho vocal, por ser a que possibilita a mescla dos sistemas de tenso e vibrao da voz, permitindo igualar os registros, estabeleceram-se padres de tessitura para fins de anlise de partituras do repertrio vocal e convencionou-se chamar "tessitura padro" quela que exercitaria, inicialmente, a voz mdia, evitando a dureza da voz de peito e os inconvenientes de uma prtica prematura da tessitura aguda. 5. CLASSIFICAO DAS VOZES A reviso da bibliografia aponta critrios diversos para a classificao das vozes. Garde18, por exemplo, diz que "classificar uma voz essencialmente determinar a extenso sonora sobre a qual se pode trabalhar a voz sem correr o risco de fati-gar a laringe" (p. 114). Aconselha, no entanto, que se levem em conta os seguintes aspectos na classificao das vozes, alm da extenso: a) potncia da voz, que, sendo independente da tessitura, pode determinar uma classificao especifica; b) o timbre, que permite distinguir na voz cantada as seguintes qualidades: cor, volume, espessura e brilho. Com relao cor, distingue as vozes em claras e escuras; ao volume, em dbeis ou fortes; espessura, em delgadas ou densas; ao brilho, em bem timbradas, e destimbradas ou opacas. Para o referido foniatra, o exame para classificar uma voz tem valor prognstico e to necessrio quanto a determinao do grupo sangneo, pois, como este, a voz uma constante biolgica. Barreto2 parece completar a definio de Garde quando afirma: "A classificao das vozes baseia-se numa seleo por caractersticas especiais, que variam de indivduo para indivduo, e que se relacionam com as diferenas de sexo, conformao fsica, evoluo biolgica, definidas nas fases da infncia, adolescncia e idade adulta.Essas caractersticas refletem-se no timbre, na extenso e na intensidade dos sons vocais" (p. 76). Mansion31 entende que classificar uma voz consiste em rotul-la, localiz-la em uma categoria determinada. Tal classificao, no entanto, no deve ser feita pela extenso da voz, mas, sim, por sua tessitura e timbre. Canuyt10 concorda com Mansion31 quanto necessidade de se partir da tessitura para classificar uma voz. Enfatiza, porm, a descoberta do timbre, porque acredita ser um erro classificar uma voz somente pela tessitura, uma vez que se verifica com freqncia que duas vozes podem ter a mesma tessitura e diferir quanto classificao em virtude do timbre. Da decorre que no se pode classificar uma voz mediante um simples teste vocal. Somente a continuao do trabalho da voz permite confirmar ou no a classificao inicial. 33

A voz, conforme Mansion31, pode sofrer muitas modificaes no decorrer do trabalho vocal. Por isso considera que "o essencial no dar um nome voz, seno gui-la ao longo de um estudo que a leve a seu desenvolvimento mximo, sem fadiga" (p. 72). A esse respeito, o professor Canuyt10 recomenda que a primeira classificao seja uma "classificao reservada", a partir da qual o professor realiza o estudo da voz e investiga suas possibilidades. O exerccio com prudncia, afirma ele, leva descoberta da tessitura natural e do verdadeiro timbre vocal. E, somente nesse momento, justificase a classificao da voz. Hoffer23 tambm opina que as vozes infanto-juvenis no devem ser classificadas uma nica vez e com base em uma nica audio ou teste. Pois, como se sabe, o fator psicolgico influi no desempenho vocal do estudante, sobretudo numa situao de testagem, alm de que as vozes adolescentes, especialmente a dos meninos, no so estveis. Outro fato que Hoffer verificou o de que alunos testados no incio do ano revelam ao final do mesmo acentuadas diferenas no timbre e na extenso de sua voz, em conseqncia do trabalho vocal e dos hbitos para cantar corretamente que foram desenvolvidos durante o ano letivo. Os especialistas da voz concordam, pois, em que a classificao da voz no deve ser prematura, nem se fazer apressadamente. As vozes adultas masculinas e femininas costumam ser classificadas em seis tipos principais, respectivamente: baixo, bartono, tenor, contralto, mezzo e soprano. Os estudos de Garde18 mostram, porm, que essas categorias vocais so criaes artificiais, ligadas ao desenvolvimento histrico das escolas de canto, do teatro cantado e da evoluo do gosto esttico, no encontrando correspondncia exata na natureza, onde os tipos vocais apresentam variaes individuais considerveis. Isso explica o fato de diversos professores de canto, entre eles Faure, Garcia, Martini.{apud Garde18), atriburem tessitura de cada tipo vocal, no grave e no agudo, limites sensivelmente diferentes. "Na realidade preciso classificar os indivduos e no as vozes" (Prudhome40, p. 115). No que se refere s vozes infantis, embora se encontrem autores, como Garde18, que classificam as vozes infantis semelhana das vozes adultas, a maioria dos pedagogos atesta que essas vozes no possuem os timbres definidos da voz adulta, e apresentam-se, em geral, um pouco menos escuras, sem que existam praticamente entre elas diferenas de sexo. Esse fato, de acordo com Gonzales19, constitui uma das grandes dificuldades para a classificao das vozes infantis e a conseqente organizao do coro escolar, sobretudo em escolas mistas. Para realizar essa classificao, preciso reconhecer os timbres vocais a fim de distribuir adequadamente os alunos em grupos. Hoffer23 refora esse depoimento aconselhando o professor a fazer julgamentos de tessitura e de timbre sempre que necessitar selecionar alunos para executar um canto a vozes. Alm disso, esse autor tambm alerta o professor para que, ao efetuar as classificaes, leve em conta as necessidades do grupo, a fim de que seja mantido um razovel equilbrio das partes, isto , seja evitado um excessivo nmero de sopranos em detrimento dos contraltos, e assim por diante. Os pedagogos da msica, na sua grande maioria, concordam em que as vozes infantis, antes da muda, se classificam, segundo o timbre, em vozes claras e vozes escuras ou arredondadas. Para Chevais12, o equilbrio sonoro de um conjunto vocal depende da distribuio dos timbres que servem de base para a classificao das vozes que devero integr-lo. 34

6. A EDUCAO VOCAL Como j foi dito anteriormente, o convvio dirio permite registrar, com relativa freqncia, a presena em gente jovem, inclusive crianas, de vozes roucas, envelhecidas, destimbradas e pouco maleveis. Para Canuyt10, esse fato pode ser considerado um sinal de que as pessoas, embora dotadas pela natureza de um instrumento vocal perfeito, no sabem utiliz-lo correta e adequadamente. Por isso, defende o cultivo da voz nas escolas desde a infncia, a fim de que a criana aprenda a servir-se da voz falada e cantada, ao mesmo tempo que aprende a ler e escrever. O pedagogo musical alemo Nitsche34 acredita que sempre prefervel prevenir a adiar a idade adulta, como em geral se faz a correo de deformaes e desgastes devidos funo vocal inadequada. Em decorrncia, considera um dever dos educadores (pais, jardineiras, docentes em geral e professores de msica), manter so e eficiente o rgo que a criana utilizar no s para "cantar bem", mas tambm para se comunicar com os outros. No que se refere educao vocal, o mesmo autor escreve que, quanto menor for a criana, tanto mais a aprendizagem h de ser realizada de forma inconsciente, imperceptvel, mediante canes "bem cantadas e escolhidas para esse fim, bem como atravs de exerccios vocais de natureza ldica, tendo ambos como meta a ordem entro da espontaneidade" (p. 24). Gorini21 parece seguir orientao semelhante de Nitsche, quando declara ser um erro comear o trabalho de emisso da voz cantada explicando s crianas detalhes tcnicos de respirao e articulao. Segundo essa pedagoga, basta que o professor cuide para que a criana mantenha o corpo ereto, sem contraes; utilize a respirao natural (diafragmtica); e conserve a boca suficientemente aberta, de modo a no cerrar os dentes e projetar a voz sem esforo. Por outro lado, estima que, se o professor escolher canes bonitas, breves e simples, em andamento no muito rpido (andante), tornar mais fcil o controle da respirao e da afinao na emisso das frases, pois, tendo a criana possibilidades respiratrias limitadas, as canes devem ser fceis e com frases curtas (de 4 a 8 tempos) que lhe permitam dosar e coordenar a prpria respirao. Para Gonzales19, "cantar uma prtica que supe a posse de condies auditivas timas, controle e perfeito funcionamento do aparelho fonador" (p. 55); deve ser um prazer, um gozo e uma liberao de sentimentos atravs do canto. Acredita, tambm, que a imensa maioria das crianas nasce com uma disposio natural para o canto e a msica, e que essa disposio pode aumentar, decrescer ou desaparecer, conforme as oportunidades que se lhes oferecem. A experincia em coro infantil levou Gorini a afirmar que o cnone * apesar de oferecer inmeras vantagens para divertir as crianas e inici-las no canto a vozes, no a forma mais indicada para as primeiras sries, em que se deve atentar para a qualidade da respirao, emisso e articulao. Argumenta, ainda, que o aluno, preocupado em executar sua parte sem cometer erros, se expressa, em geral, um pouco ruidosamente, descuidando-se de aspectos tais como emisso suave, articulao clara, justeza de afinao e interpretao pertinente. Canuyt10, embora considere que a integridade absoluta do ouvido indispen* Cnone - um processo de composio a duas ou mais vozes em que uma nica melodia repetida por todas as vozes, as quais iniciam sucessivamente em momentos distintos. considerado o desenvolvimento bsico da fuga em que uma voz parece estar sempre fugindo da outra.

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svel ao cantor, afirma que a tcnica da voz cantada se baseia foneticamente no funcionamento do instrumento vocal, ou seja, nos movimentos dos pulmes, do diafragma, da laringe e dos ressoadores, e necessita treino regular e metdico. Na sua opinio, o trabalho dirigido progressiva e prudentemente dar voz no s firmeza e homogeneidade, mas tambm contribuir para seu desenvolvimento e fortalecimento, tornando-a mais ampla e resistente. J Gainza16 de opinio que o ensino da melodia envolve tanto o aspecto auditivo quanto o aspecto vocal, o qual compreende a emisso ou a reproduo, atravs do canto, de sons que o ouvido percebe ou que so retidos na mente (audio interior). Para a referida pedagoga, quando a educao musical iniciada bem cedo, normalmente ambas as faculdades (vocal e auditiva) desenvolvem-se paralelamente e sem problemas. Do contrrio, poder observar-se um desequilbrio no crescimento de ambas, e, nesse caso, freqente encontrar crianas e at adultos incapazes de cantarem afinadamente, apesar de distinguirem com preciso os sons. No que concerne durao do trabalho dirio, os autores esto concordes em que deve variar segundo a resistncia e a receptividade dos alunos. A prtica do canto escolar, de acordo com Canuyt10, h de ser limitada, moderada e bem dirigida, e sobretudo visar ao desenvolvimento da musicalidade. Suas experincias como professor de canto levaram-no a indicar uma seqncia para o trabalho vocal individual, a qual se poderia resumir como segue: 1) exercitar, inicialmente, as notas mdias da voz, as notas fceis, cmodas, aquelas que o indivduo possui naturalmente, ensinando o aluno a atacar o som, obter firmeza na emisso dos sons, encontrar seu timbre vocal e conseguir a homogeneidade da voz; concomitantemente, exercitar a respirao de modo a aumentar a presso respiratria, responsvel pela intensidade do som; 2) exercitar a voz no registro agudo e depois no grave, respeitando os limites da tessitura natural do aluno; 3) desenvolver as qualidades da voz: intensidade, timbre, extenso, volume, amplitude, trabalhando a musculatura do aparelho vocal de modo a torn-lo slido, resistente, extenso, amplo, gil, suave e fcil; 4) trabalhar a articulao, a pronncia e a dico, as duas primeiras responsveis pela projeo e alcance da voz, e a ltima pelos seus matizes; 5) obter a emisso dos sons sem contraes, sem esforo e com clareza, usando adequadamente as cavidades de ressonncia. O trabalho vocal individual, sem dvida, permite conhecer melhor o aluno, reduzindo a extenso do campo de observao. Como se pode deduzir da seqncia proposta por Canuyt10, esse trabalho visa, sobretudo, a desenvolver aptides bem definidas e orientar para a profisso de cantor. O ensino vocal coletivo ou em grupo, no entanto, o nico possvel na escola. Seu objetivo mais de ordem educativa e busca, principalmente, cultivar a sensibilidade, usando como instrumentos o sentido auditivo e a voz. Essa modalidade de ensino esbarra, porm, com alguns problemas muitas vezes de difcil soluo como o da desigualdade de aptides que pode gerar, no aluno menos dotado musicalmente, desinteresse, ou determinar atitudes pouco receptivas em virtude de suas deficincias. Alguns pedagogos buscam a soluo para esse problema na diviso dos alunos de acordo com as dificuldades vocais ou auditivas que apresentam. Acresce, ainda, que no trabalho coletivo o controle vocal apurado impossvel, uma vez que no pode ser exercido individualmente. Hoffer23, analisando o ensino de canto na escola secundria com crianas a 36

partir de 10 anos, constatou problemas semelhantes aos que se vm enumerando, pois os grupos de alunos so em geral constitudos por estudantes com habilidades e interesses diversos. Ademais, o perodo limitado de que dispe o professor para o trabalho vocal no lhe permite dedicar uma ateno mais individualizada a cada aluno. Por isso, o referido pesquisador de opinio que o ensino do canto nas escolas deve ser muito simples, direto e natural. Ou seja, os alunos devem aprender diretamente, atravs das canes, as tcnicas de respirao, emisso, dico, etc, e tomar conscincia de que a prtica continuada do canto desenvolve hbitos e atitudes que resultam na melhoria do seu desempenho vocal. Em razo disso, Hoffer desaconselha a prtica da tcnica do canto por meio de exerccios isolados. Por outro lado, observa-se que as atividades coletivas favorecem a liberao de certas crianas tmidas que, em grupo, se do conta de que podem cantar sem auxlio. Alm disso, o trabalho coletivo mostra-se variado e agradvel, contribuindo para promover o equilbrio vocal e o controle dos matizes, e oferece, tambm, muitas ocasies de comparao, o que facilita a retificao de erros pelos prprios componentes do grupo. A respeito da seleo de alunos para formar um conjunto vocal, Chevais12 argumenta que essa seleo s se justifica quando se trata de execuo pblica. Considera inadmissvel deixar de lado os alunos que apresentam dificuldade. "O professor deve ensinar msica a todos" (p. 64). Chevais defende a idia de que o convvio til e acredita que haja coeso na desigualdade. Compreendendo, no entanto, a dificuldade que as diferenas de aptides trazem para a organizao e prtica do ensino vocal coletivo, sugere que, para minimiz-las, o professor divida seus alunos pelo menos em duas categorias: os melhores e os menos bons. Entretanto, chama a ateno para a necessidade de remanejo cada vez que se verificar progresso por parte de um aluno do segundo grupo. Segundo o mesmo autor, o ensino coletivo exige organizao e controle permanente, para permitir ao professor constatar os progressos e certificar-se da validade da progresso dos estudos que planejou. Esse controle,a seu ver, pode ser feito a partir das prprias respostas do aluno, tanto no que se refere audio quanto emisso. As respostas, nesse caso, devero ser individuais e coletivas, podendo ser cantadas, mimadas, escritas e verbais (reconhecimento de alturas sonoras, movimentos sonoros, emisso de seqncias sonoras, etc). Considerando-se, porm, que para cantar indispensvel, antes de tudo, saber respirar, emitir e articular, sem o que no ser possvel chegar ao estgio posterior que envolve dico e interpretao, sero abordados, a seguir, quatro subitens que tratam mais especificamente dos aspectos acima mencionados, essenciais arte do canto. 6.1 - A Respirao A respirao natural, no conceito de alguns autores (Kahle26, Nitsche34), a que se pode observar nos animais e nas crianas recm-nascidas: os pulmes enchem-se de ar e provocam a presso e o abaixamento do diafragma, o que se evidencia pela dilatao do ventre. Essa a chamada respirao diafragmtica ou abdominointercostal. Nitsche34 julga que se deveria prescindir dessas nomenclaturas e terminologias cientficas que rotulam e dividem a respirao em diferentes tipos: diafragmtica, jntercostal, etc. Para ele, o importante observar que a inspirao seja tranqila, se faa sem esforo, abrangendo todas as cavidades da caixa torcica, dilatando37

as de acordo com sua capacidade natural. Evidentemente, a tenso maior incidir no diafragma, por ser a parte mais elstica. A foniatra Kahle26 constatou, em seu trabalho de tcnica vocal, que nas primeiras lies, ao pedir aos alunos que inspirassem profundamente, 80% deles realizavam essa operao de maneira inadequada, elevando os ombros, mantendo os msculos abdominais contrados, provocando um afluxo de sangue no rosto e no pescoo. Tambm Nitsche constatou algo similar com escolares de 3a srie. O autor pde comprovar, em diversas ocasies, que de cada 40 alunos, 16 respiravam bastante bem, ainda que no de forma perfeita, enquanto os 24 restantes o faziam com os ombros levantados, contraindo o abdomem no momento da inspirao, demonstrando assim deficincia na atividade do diafragma. Acredita Kahle que tais deficincias respiratrias decorrem sobretudo da agitao e do sedentarismo da vida atual, principalmente nas grandes cidades. O fato de crianas e adultos (na escola, no escritrio ou no lar) passarem grande parte do dia sentados e muitas vezes confinados a salas abafadas e pouco arejadas faz com que os pulmes deixem de inspirar profundamente, tornando o movimento diafragmtico quase nulo. Com o debilitamento, ento, da musculatura abdominal (sobretudo com a perda da elasticidade do diafragma), a tendncia normal deslocar a fora de sustentao da coluna de ar (que deveria ocorrer nesse msculo) para a regio da laringe, enrijecendo as cordas vocais. Kahle lembra, ainda, que a necessidade de suprir a falta de apoio da coluna de ar se soma de intensificar o volume e elevar a altura do som. O indivduo (adulto ou criana), nesse caso, tenta emitir com tenso exagerada das cordas vocais, provocando, pouco a pouco, o debilitamento da musculatura da laringe e o cansao prematuro das cordas vocais. A voz adquire, em consequncia; um timbre plano, torna-se opaca, rouca, desprovida de colorido e de brilho. Da se conclui que a respirao deficiente e defeituosa encontra-se quase sempre na raiz dos males do funcionamento vocal; por isso seria recomendvel a prtica da respirao natural como medida preventiva, para conservar a voz sadia. Por conseguinte, cabe ao professor criar as condies imprescindveis ao bom exerccio respiratrio, valendo-se porm de um tcnica sutil e imperceptvel, ou seja, evitando entrar em explicaes cientficas e abstratas, conforme recomendam Gorini21 e Nitsche34, recorrendo de preferncia a exerccios evocativos, em forma de jogo, que apelem imaginao do aluno. Ademais, por ocasio da seleo do repertrio, conforme adverte Gainza, preciso atentar para a extenso das frases, que deve concordar com a capacidade respiratria da criana. 6.2 -Emisso Vocal Segundo Mansion31, a "emisso vocal o ato de produzir um som", ou seja, "por em ao a respirao, o mecanismo dos rgos da boca e da articulao" (p. 49). Canuyt10 acrescenta que a boa emisso fisiolgica natural, fcil, cmoda e sem esforo, o que, em linguagem tcnica, se chama "cantar com voz livre" p. 145). Podem-se distinguir vrias maneiras de emitir os sons. Mansion destaca trs modos de emisso bem caractersticos: a emisso branca, que se obtm com a boca aberta, em sentido vertical ou transversal, sem elevar o vu do paladar, e em que a voz se apresenta branca, isto , sem colorido e no tem alcance; a emisso redonda ou co38

berta, que produzida com a boca arredondada, elevando o vu do paladar;e a emisso sombria ou opaca, que, semelhante emisso redonda ou coberta, conseguida contraindo-se o fundo da garganta. Canuyt10, entretanto, no separa esses dois ltimos tipos de emisso. Rotula-os de emisso sombria, isto , emisso para dentro, produzida pelo aumento do som devido ressonncia na faringe. O cantor que a emprega ouve bem sua voz porque ressoa nos seus prprios ouvidos, em razo das vibraes contidas nas cavidades de ressonncia da faringe. Para o cantor a voz se mostra redonda, mas para quem ouve no tem alcance. Na opinio do professor Canuyt, a emisso sombria prejudicial s cordas vocais porque exige esforo, sobretudo nos sons mais agudos, e, conseqentemente, leva fadiga vocal. Suas experincias como professor de canto permitiram-lhe concluir que a emisso correta da voz cantada exige tcnica. Por tcnica vocal entende a adaptao do ato respiratrio emisso vocal e s cavidades de ressonncia. Por meio dela o aluno aprende a servir-se de seu instrumento vocal: passa a dosar a quantidade de ar a ser enviado contra as cordas vocais; aprende a destacar o som no momento exato em que se inicia a expirao e a controlar sua intensidade; descobre que a qualidade e a cor do som dependem da forma da boca e da elevao do vu do paladar; verifica que o apoio da voz, a solidez dos sons e sua amplitude e timbre dependem do bom uso das cavidades de ressonncia, e passa a empregar a articulao e a dico para exteriorizar a voz, os matizes e a expresso dos sentimentos e das emoes que experimenta. , pois, atravs do exerccio da emisso vocal e da prtica da tcnica vocal que o indivduo consegue a homogeneidade e faz da prpria voz um instrumento sensvel e dcil, podendo servir expresso vocal. 6.3 - Articulao e Dico Ambas so elementos importantes da cultura vocal. Os professores, porm, preocupam-se mais com a homogeneidade da voz e com a emisso correta dos sons do que com a pronncia das palavras. A esse respeito, Lucien Fugre (apud Chevais12) atesta que "a voz no a finalidade do canto, mas um meio a servio do pensamento", e que a "insuficincia da articulao prejudica o sucesso de uma pea musical" (p. 159). Raoul Duhamel (apud Chevais12), resumindo a teoria do canto, diz que "a fora, a extenso, o timbre, ou mesmo as trs qualidades juntas no so suficientes para fazer um cantor. O canto associa melodia e poesia e nenhuma dessas formas de arte deve ser sacrificada" (p. 159). Mansion31, no seu livro El Estudio del Canto, estabelece uma distino entre articulao e dico. Entende que a articulao a parte mecnica da palavra, enquanto a dico a maneira mais ou menos esttica de articular ou pronunciar as palavras. Na sua opinio, pode-se articular muito bem e possuir uma dico defeituosa. "A dico est a meio caminho entre a articulao, que a serve, e a interpretao, a quem serve" (p. 69). Considera, ainda, a articulao como o esqueleto, a estrutura, ou melhor, o instrumento de dico, e atribui a esta a funo de realar as palavras importantes da frase, articulando-as de modo especial. A dico, pois, equilibra as slabas das palavras, acentuando as que tm importncia e evitando, assim, sobrecarregar as demais. Nesse particular, os estudos de Canuyt10 tambm atestam que a articulao indispensvel para a situao e o alcance da voz, principalmente se se conside39

rar que a msica moderna exige articulao vigorosa, pronncia exata das palavras e dico expressiva. Referindo-se particularmente dico, Canuyt10 diz que sua funo dar ao canto variedade e expresso. "A dico d voz os matizes, o movimento e o sentimento, oferece ao canto as cores, as nuances e os reflexos. A dico a vida e a beleza do canto" (p. 159). 6.4 - Interpretao A interpretao a meta e a culminncia do trabalho vocal. Para atingila, no entanto, necessrio ter alcanado o controle satisfatrio da respirao e articulao, bem como a empostao adequada da voz, isto , o domnio da tcnica vocal, que deve transformar-se numa segunda natureza, a fim de 'que o intrprete possa gozar completa liberdade para exteriorizar seus sentimentos e emoes, atravs do instrumento vocal. Para Kaelin25, a arte do cantor a arte de um intrprete e no de um criador. Com sua alma de artista, no entanto, o intrprete penetra a mensagem do criador por meio da recepo e assimilao da obra musical e a comunica ao ouvinte, expressando sonoramente a obra assimilada. Assim, o contato criador-intrpreteouvinte estabelece-se atravs da obra musical. Para esse msico, a interpretao de um solista, a de um corista (membro de um conjunto vocal), embora no essencialmente distintas, diferem quanto s responsabilidades. O solista deve encontrar sua prpria expresso, enquanto o corista expressa o que lhe sugerido pelo maestro. Os cantores de um conjunto no tm, portanto, expresso pessoal independente; procuram penetrar a interpretao que o dirigente imprime obra. Assim, um coro bem dirigido como um espelho no qual o ouvinte pode captar a expresso do regente. No caso particular do coro escolar, verifica-se, com freqncia, que o canto evoca um tipo de atividade totalmente passiva, na qual a criana reproduz um modelo dado pelo professor, que nem sempre contm uma recriao pessoal a partir da' obra musical escrita. Observa-se, tambm, que o repertrio imposto pelo professor ao conjunto escolhido sem apoio em critrios tcnicos, tais como: tessitura, estrutura da melodia, ritmo, prosdia, texto literrio, etc. Alm disso, as melodias, aprendidas em geral de ouvido (ou por desconhecimento da linguagem musical por parte do professor, ou pela ausncia da partitura, ou partitura mal escrita), so mal assimiladas e cantadas sem gosto; vale dizer sem nenhuma interpretao Por outro lado, a atividade vocal na escola caracteriza-se por ser eminentemente diretiva, uma vez que no se prev a participao da criana na busca conjunta de uma interpretao. Acresce, ainda, que o canto escolar considerado por muitos professores como um simples passatempo, por desconhecimento dos vrios papis que pode assumir na educao musical e geral das crianas. O canto constitui-se, assim, na grande maioria das vezes, numa atividade que exige imitao pura e memorizao de algo que no tem condies de atingir a emoo e os sentimentos do executante. Segundo Abbadie e Gillie1, o canto em grupo ocasio para a criana buscar "como expressar" e, a partir da, "como se expressar" (p. 88). Deveria, pois, incentivar a interpretao. De acordo com as referidas pedagogas, no domnio da interpretao que a criana pode criar, no s individualmente, mas em grupo, uma vez que a criao coletiva reconhecida e incentivada pelos mais modernos mtodos de educao musical. 40

Para que uma cano seja bem interpretada, Gonzales19 recomenda o seguinte: obtenha-se do aluno um tom de voz que se caracterize pela musicalidade; observe-se o tempo adequado ao carter da cano, o qual dado no s pela msica, mas tambm pela letra; atente-se para a partitura cujo respeito um dos imperativos de toda execuo, j que podem ser alterados os sons, os valores ou o texto; realize-se o fraseado correto, que, por sua vez, exige boa tcnica respiratria e, quando no graficamente indicado, se encontra implcito na acentuao da frase gramatical; e, por ltimo, exija-se a pronncia correta das palavras, o que depende da boa articulao, pois a letra de uma cano to importante quanto a msica. 7. PERCEPO DA CANO Em sua forma bsica, a cano melodia, isto , uma sucesso de intervalos que guardam relaes entre si, dentro de uma estrutura rtmica. Segundo Bentley3, para perceber uma melodia, o indivduo deve ser capaz de recordar os sons ouvidos, distinguindo uma organizao de elementos tonais e rtmicos de outra qualquer. "A msica um fenmeno subjetivo que depende da atividade da mente do ouvinte". (Lowery, apud Bentley3, p. 21). Discriminar auditivamente os sons e reproduzi-los vocalmente so as metas mais concretas da educao musical. Entretanto, a reproduo de sons que o ouvido percebe e que so conservados na mente, quand