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Livro Tecnicas de Redacao Lucilia Garcez

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Contedo Introduo 2 Captulo 1 3 Os mitos que cercam o ato de escrever 3 Captulo 2 8 Como escrevemos 8 Captulo 3 12 A qualidade da leitura 12 Captulo 4 21 Da leitura para a escrita 21 Captulo 5 26 Decises preliminares sobre o texto a produzir 26 Captulo 6 36 A ordem das idias 36 Captulo 7 46 O entrelaamento das idias 46 Captulo 8 51 A reescrita de textos 51 Introduo Produzir textos uma atividade extremamente necessria tanto na vida escolar como na vida profissional e no dia-a-dia. Entretanto, no meu cotidiano docente, tenho encontrado alunos, jovens e adultos j formados, ansiosos, assustados, desencorajados, e, principalmente, desorientados quanto s habilidades e atitudes necessrias ao convvio mais natural e simples com a escrita. Percebi que muitas dessas posies negativas em relao ao ato de escrever haviam sido lentamente construdas ao longo da histria escolar de cada um e que provinham de um desconhecimento da natureza, das especificidades e das exigncias da escrita. Estimulada por alunos e colegas, decidi organizar as reflexes desenvolvidas ao longo de muitos anos de trabalho. No quis produzir um tratado acadmico acerca de redao, nem um livro didtico, no sentido usual desse manual escolar, nem tambm um livro de exerccios impessoais de treinamento (pois h muitos, e bons, no mercado). Parti, ento, das observaes anotadas durante cursos e conversas com alunos (professores e futuros professores) da universidade, das minhas pesquisas em lingstica, de meu interesse por depoimentos de escritores, e de minhas prprias experincias como pessoa que escreve. Sempre acreditei que para ensinar a escrever era necessrio viver intensamente o desafio da minha prpria escrita. Adoto a vertente terica que v a lngua, no apenas como uma herana social, mas como uma forma de ao, um modo de vida social, uma construo coletiva. A interao verbal e as relaes coletivas e sociais constitutivas do jogo da linguagem, como elementos fundamentais que se conjugam na construo da lngua, exercem sobre mim um fascnio que d sentido existncia. Assim, no posso focalizar a produo de textos restrita a um conjunto limitado de regras que podem ser repassadas, memorizadas e aplicadas sem a participao e interferncia do sujeito. Esse o agente de uma ao intencional e estratgica sobre o interlocutor ou sobre omundo, que constri realidades e interpretaes, numa determinada situao cultural. Procurei, neste livro, desmitificar, desconstruir idias equivocadas, provocar uma mudana de atitude em relao ao ato de escrever e, conseqentemente, ao de ler. No proponho tarefas que se esgotam em si mesmas, mas procuro abrir novos horizontes para uma prtica contnua e sempre enriquecedora do universo lingstico, da auto-estima e da atividade intelectual do leitor. Escrevi este livro para quem est pessoalmente interessado em renovar suas prprias prticas de escrita, mas penso que professores que trabalham com o ensino de redao em qualquer nvel so interlocutores bem-vindos s reflexes que proponho. A autora Captulo 1 Os mitos que cercam o ato de escrever 1. Verdades e mentiras Durante sua vida escolar, voc deve ter cristalizado alguns mitos a respeito da produo de textos. As atividades escolares e os livros didticos, pais, colegas, bem como alguns professores, contriburam para que crenas, nem sempre as mais adequadas, fossem se configurando e se enraizassem. Poucas pessoas conseguem escapar de um conjunto equivocado de influncias e construir uma relao realmente saudvel com o ato de escrever. Dessa forma, muitos jovens crescem pensando que nunca sero bons redatores, que tm texto pssimo e que no h formas de melhorar o desempenho na produo de textos. o seu caso? Se no for, voc uma exceo, pois at mesmo profissionais maduros demonstram insegurana em relao prpria expresso escrita. Embora seja uma das tarefas mais complexas que as pessoas chegam a executar na vida, principalmente porque exige envolvimento pessoal e revelao de caractersticas do sujeito, todos podem escrever bem. Quais so as falsas crenas, os mitos mais freqentes em relao escrita? H muitos, mas aqui vamos refletir acerca dos mais devastadores, que so os que levam algum a acreditar que escrever seria um dom que poucas pessoas tm; um ato espontneo que no exige empenho; uma questo que se resolve com algumas "dicas"; um ato isolado, desligado da leitura; algo desnecessrio no mundo moderno; um ato autnomo, desvinculado das prticas sociais. a) Escrever uma habilidade que pode ser desenvolvida e no um dom que poucas pessoas tm"Eu no tenho o dom da escrita." "No fui escolhido." "No recebi esse talento quando nasci." Essas so algumas das afirmaes mais freqentes entre alunos de cursos de produo de textos, bloqueados diante da pgina em branco. claro que no estamos tratando, aqui, da escrita literria. A escrita uma construo social, coletiva, tanto na histria humana como na histria de cada indivduo. O aprendiz precisa das outras pessoas para comear e para continuar escrevendo. O que vai determinar o nosso grau de familiaridade com a escrita o modo como aprendemos a escrever, a importncia que o texto escrito tem para ns e para nosso grupo social, a intensidade do convvio estabelecido com o texto escrito e a freqncia com que escrevemos. Conseqentemente, so esses fatores que vo definir tambm nossa maturidade e nosso desempenho na produo de textos. A noo de dom, embora polmica e questionvel, poderia ser aplicada a alguns poucos gnios da literatura. Mesmo assim, a revelao desses gnios s acontece depois do processo de aprendizagem e do convvio intenso com a lngua escrita. Ningum nasce escritor e o processo que transforma algum em um artista da palavra ainda um enigma. Entretanto, vamos usar alguns depoimentos e exemplos de escritores porque neles a luta com as palavras muito evidente, e muitos passam por etapas semelhantes aos redatores leigos. Caso a escrita fosse um dom inato, qual seria o papel da escola? E o que aconteceria com aqueles que, tendo recebido o dom, nunca foram alfabetizados? Jos J. Veiga, renomado autor brasileiro, admitiu que at mesmo o talento, a vocao ou o dom dependem de muita persistncia: - Como comeou a escrever? - Foi um processo demorado, que amadureceu devagar. Quando resolvi experimentar escrever, no consegui da primeira vez. Escrevi uma histria, no gostei, e desanimei. Eu estava descobrindo que ler muito mais fcil do que escrever. Mas quando a gente joga a toalha, entrega os pontos num assunto que sente que capaz de fazer, fica infeliz, e acaba voltando luta. Voltei a tentar, apanhei, ca, levantei - at que um dia escrevi uma histria que quando li de cabea fria, achei que no eslava ruim; com uns consertos aqui e ali, ela ficaria apresentvel. Consertei, e gostei do resultado. Animado, escrevi outras e outras histrias, nessa batalha permanente. Mas uma batalha curiosa: as derrotas que a gente sofre nela no so derrotas, so lies para o futuro. Para gostar de ler. Vol. S. So Paulo: Editora tica, 4:' ed., 1988, p. 7. preciso, antes de tudo, compreender que todas as pessoas podem chegar a produzir bons textos, e que isso no uma questo de ser "ungido" pelos deuses que escolhem os mais talentosos. necessrio tambm identificar bloqueios porventura construdos ao longo da vida escolar e tentar elimin-los. b) Escrever um ato que exige empenho e trabalho e no um fenmeno espontneo Muitas pessoas acreditam que aqueles que redigem com desenvoltura executam essa tarefa como quem respira, sem a menor dificuldade, sem o menor esforo. No assim. Escrever uma das atividades mais complexas que o ser humano pode realizar. Faz rigorosas exigncias memria e ao raciocnio. A agilidade mental imprescindvel para que todos os aspectos envolvidos na escrita sejam articulados, coordenados, harmonizados de forma que o texto seja bem sucedido. Conhecimentos de natureza diversa so acessados para que o texto tome forma. necessrio que o redator utilize simultaneamente seus conhecimentos relativos ao assunto que quer tratar, ao gnero adequado, situao em que o texto produzido, aos possveis leitores, lngua e suas possibilidades estilsticas. Portanto, escrever no fcil e, principalmente, escrever incompatvel com a preguia. A tarefa pode ir ficando paulatinamente mais fcil para profissionais, que escrevem muito, todos os dias, mas mesmo esses testemunham que um trabalho exigente, cansativo, e que , muitas vezes, insatisfatrio, frustrante. Sempre queremos um texto ainda melhor do que o que chegamos a produzir e poucas vezes conseguimos manter na linguagem escrita todas as sutilezas da percepo original acerca de um fato ou um pensamento. O que admiramos na literatura justamente essa especificidade, essa possibilidade de expandir pela palavra escrita emoes, pensamentos, sensaes, significados, que ns, leigos, no conseguimos traduzir com propriedade. Continuemos com o depoimento de Jos J. Veiga, agora em uma outra entrevista: - O senhor muito conhecido por reescrever incessantemente seus textos. Por que o senhor reescreve? por conta de uma grande insatisfao. Voc imagina as coisas, at visualiza, mas, quando quer pr aquilo no papel, tem que usar a linguagem. A voc descobre que a linguagem tosca. No acompanha o que voc quer fazer. Ento voc fica trabalhando, trabalhando, para chegar o mais prximo possvel.Por isso a linguagem do senhor to seca, to substantiva?E. Eu me vigio muito para no fazer aquilo que em linguagem popular se diz "encher lingia ". Eu desbasto o texto. Tiro o bagao para deixar apenas o que tem peso, a essncia.Folha d e S. Paulo. So Paulo, 17 jun. 1999.Folha Ilustrada, p. 8.Para refletir sobre estas questes, considere o poema, j clssico, de Carlos Drummond de Andrade, em que essa relao de necessidade, amor e conflito em relao s palavras apresentada de maneira extraordinria:O LUTADORLular com palavras a luta mais v. Entanto lutamos mal rompe a manh. So muitas, eu pouco. Algumas, to fortes como o javali. No me julgo louco. Se o fosse, teria poder de encant-las. Mas lcido e frio, apareo e tento apanhar algumas para meu sustento num dia de vida. Deixam-se enlaar, tontas carcia e sbito fogem e no h ameaa e nem h sevcia que as traga de novo ao centro da praa. Insisto, solene. Busco persuadi-las. Ser-lhes-ei escravo de rara humildade. Guardarei sigilo de nosso comrcio. Na voz, nenhum travo de zanga ou desgosto. Sem me ouvir deslizam, perpassam levssimas e viram-me o rosto.Lutar com palavras Parece sem fruto. No tm carne e sangue... Entretanto, luto Palavra, palavra (digo exasperado), se me desafias, aceito o combate. Quisera possuir-te neste descampado, sem roteiro de unha ou marca de dente nessa pele clara. Preferes o amor de uma posse impura e que venha o gozoda maior tontura Luto corpo a corpo, luto todo o tempo, sem maior proveito que o da caa ao vento. No encontro vestes, no seguro formas, fluido inimigo que me dobra os msculos e ri-se das normas da boa peleja. Iludo-me s vezes, pressinto que a entrega se consumar.J vejo palavras em coro submisso, esta me ofertando seu velho calor, outra sua glria feita de mistrio, outra seu desdm, outra seu cime, e um sapiente amor me ensina a fruir de cada palavra a essncia captada, o sutil queixtime. Mas ail o instante de entreabrir os olhos: entre beijo e boca, tudo se evapora. O ciclo do dia ora se consuma e o intil duelo jamais se resolve. O teu rosto belo, palavra, esplende na curva da noite que toda me envolve. Tamanha paixo e nenhum peclio. Cerradas as portas, a luta prossegue nas ruas do sono.Carlos Drummond de Andradec) Escrever exige estudo srio e no uma competncia que se forma com algumas "dicas"A idia de que algumas indicaes e truques rpidos de ltima hora podem solucionar problemas de produo de textos, tanto para candidatos a concursos como para profissionais que precisam mostrar competncia escrita em curtssimo prazo, tem enganado os apressados e enriquecido muitos donos de escola e de cursinhos.Muitos professores oferecem uma espcie de formulrio mental do que seria um bom texto para que o estudante preencha as lacunas, acreditando que prescrever esse procedimento, muitas vezes suficiente para conseguir desempenho mnimo num concurso, o objetivo da escola.Frmulas pr-fabricadas de textos e "dicas" isoladas apenas contribuem para a montagem de um texto defeituoso, truncado, artificial, em que a voz do autor se anula para dar lugar a clichs, chaves, frases feitas e pensamentos alheios.A autoria vem das escolhas pessoais dentro das possibilidades da lngua e do gnero. Escrever bem o resultado de um percurso constitudo de muita prtica, muita reflexo e muita leitura. E uma ao em que o sujeito se envolve de forma total, com sua bagagem de conhecimentos e experincias sobre o mundo e sobre a linguagem. No existem esquemas prvios ou roteiros infalveis que possam substituir tal envolvimento. a voz do indivduo que orienta o texto, portanto este imprevisvel. Uma redao por ms, alguns exerccios espordicos de produo de pequenos trechos no formam um bom redator. necessrio escrever sempre, escrever todos os dias, escrever sobre assuntos diversos, escrever com diversos objetivos, escrever em diversas situaes.Associadas a muita prtica, as "dicas" fornecidas a partir de dificuldades reais vivenciadas na produo de textos podem ser teis, esclarecedoras, iluminadoras. Quando esto isoladas de uma prtica intensa, no ajudam em nada.d) Escrever uma prtica que se articula com a prtica da leituraE improvvel que um mau leitor chegue a escrever com desenvoltura. E pela leitura que assimilamos as estruturas prprias da lngua escrita. Para nos comunicarmos oralmente apoiamo-nos no contexto, temos a colaborao do ouvinte. J a comunicao escrita tem suas especificidades, suas exigncias. Essas exigncias advm do fato de estarmos nos comunicando a distncia, sem apoio do contexto ou da expresso facial. Tratamos de forma diferente a sintaxe, o vocabulrio e a prpria organizao do discurso. pela convivncia com textos escritos de diversos gneros que vamos incorporando s nossas habilidades um efetivo conhecimento da escrita.Alm de ser imprescindvel como instrumento de consolidao dos conhecimentos a respeito da lngua e dos tipos de texto, a leitura um propulsor do desenvolvimento das habilidades cognitivas. Envolve tantos procedimentos intelectuais e exige tantas operaes mentais que o bom leitor adquire maior agilidade de raciocnio.H ainda que se considerar que a leitura uma das formas mais eficientes de acesso informao. Seu exerccio intenso e constante promove a anlise e a reflexo sobre os fenmenos e acontecimentos, tornando a pessoa mais critica e mais resistente dominao ideolgica. O que a leitura o nosso assunto do captulo 3.e) Escrever necessrio no mundo modernoObserva-se que o cidado comum, dependendo do mundo profissional a que pertence, escreve muito pouco. Hoje, tudo est muito automatizado e as relaes humanas por intermdio da escrita podem ser reduzidas ao mnimo: o telefone resolve a maior parte dos problemas do cotidiano. Alguns conseguem mesmo reduzir sua atividade escrita assinatura de cheques e documentos.Por outro lado, paradoxalmente, o complexo mundo contemporneo est cada vez mais exigente em relao escrita. Precisamos de documentos escritos para existir, ser, atuar e possuir: certides, certificados, diplomas, atestados, declaraes, contratos, escrituras, cdulas, comprovantes, registros, recibos, relatrios, projetos, propostas, comunicados inundam a nossa vida cotidiana. Tudo o que somos, temos, realizamos ou desejamos realizar deve estar legitimado pela palavra escrita. Vale o escrito. E nossa habilidade de escrever exigida, investigada, medida, avaliada, sempre que nos submetemos a qualquer processo seletivo, sempre que nos propomos a integrar os rgos que conformam o sistema da cidadania urbana. Mesmo na informtica, tudo mediado pela escrita. Navegar ou conversar na Internet exige um convvio especial com a escrita. O que antes se resolvia simplesmente com uma ligao telefnica passou a ser substitudo por um texto escrito transmitido via fax ou e-mail.Alm disso, enquanto o trabalho primrio vai sendo atribudo s mquinas, exigem-se dos homens as habilidades que lhes so exclusivas, como a produo de textos. Os profissionais que dominam essas habilidades mais complexas e sofisticadas tm mais chances no mercado de trabalho, a cada dia mais seletivo.f) Escrever um ato vinculado a prticas sociaisTodo ato de escrita pertence a uma prtica social. No se escreve por escrever. A escrita tem um sentido e uma funo. Como vimos no item anterior, toda a nossa civilizao ocidental regulada pela escrita. Para ns, vale o escrito. Pela escrita estamos atuando no mundo, estamos nos relacionando com os outros e nos constituindo como autores, como sujeitos de uma voz. Veja o exemplo desta carta enviada ao jornal Correio Braziliense por uma leitora:Primeiro de tudo, gostaria de parabenizar o Jornal que muito bom. Parabns! Segundo, gostaria de expor a minha opinio sobre um fator que est acabando com o Brasil nestes ltimos anos: a fome. Estava no meu curso de ingls, na quinta-feira (dia 5), quando comeamos a debater a pobreza e a fome nos pases, inchando o Brasil. O professor citou que sua namorada trabalha nas Naes Unidas, aqui em Braslia, e no pde deixar de nos informar sobre a populao que est morrendo de fome no Brasil. Ento veio a "bomba " sobre ns: 28 milhes de pessoas morrem de fome neste exato momento no Brasil, mais do que a populao da Argentina. Isso me deixou muito irritada, razo por que fao um apelo: por favor, vamos tomar uma providncia sria, Brasil! O governo no o nico culpado. A sociedade tambm . E, se somos culpados, podemos agir, para, pelo menos, tentar controlar e acabar com essa catstrofe!M.L.D Correio Brazliense. Braslia, 10 ago. 1999. Seo Cartas dos Leitores, p. 16Essa carta um exemplo de como a participao pela escrita confere ao indivduo um novo canal de relacionamento com o mundo. Pelo texto escrito modificamos o nosso contexto e nos modificamos simultaneamente.Assim, a redao escolar, isolada, desvinculada do que o indivduo realmente pensa, acredita, defende e quer compartilhar ou expor ao outro como forma de interao, no pode ser considerada escrita, mas apenas uma forma de demonstrao de habilidades gramaticais.A produo de textos uma forma de reorganizao do pensamento e do universo interior da pessoa. A escrita no apenas uma oportunidade para que a pessoa mostre, comunique o que sabe, mas tambm para que descubra o que o que pensa, o que quer, em que acredita.Saber escrever tambm compartilhar prticas sociais de diversas naturezas que a sociedade vem construindo ao longo de sua histria. Essas prticas de comunicao em sociedade se configuram em gneros de texto especficos a situaes determinadas. Para cada situao, objetivo, desejo, necessidade temos nossa disposio um acervo de textos apropriados. Assim, o produtor de texto no apenas tem conhecimentos sobre as configuraes dos diversos gneros, mas tambm sabe quando cada um deles adequado, em que momento e de que modo deve utiliz-lo. Um relatrio prprio para prestar contas de uma pesquisa cientfica, de uma investigao, de uma tarefa profissional, mas no serve para contar uma viagem de frias para os amigos, por exemplo.2. Reconsiderando crenasVimos que escrever no um dom que apenas algumas pessoas tm. Todos podem vir a ser bons redatores. Entretanto, escrever no um ato espontneo. Exige muito empenho, um trabalho duro. Nem sempre as "dicas" oferecidas pelos professores e colegas so suficientes para a elaborao de um texto fluente, claro, adequado. Os truques podem ajudar os redatores que j esto em meio ao processo de desenvolvimento da prpria produo escrita, porque podem esclarecer alguns pontos duvidosos ou obscuros da escrita e da organizao do texto, mas no funcionam isolados de muito exerccio.Compreendemos tambm que a leitura imprescindvel para que o redator chegue a apresentar um bom desempenho, pois ela oferece oportunidades de contato intenso com as infinitas possibilidades da lngua, com os diversos gneros e tipos de texto e com as informaes e idias que circulam no nosso universo.A escrita muito necessria no mundo moderno, uma vez que as prticas sociais que estruturam as nossas organizaes contemporneas so mediadas por textos escritos. Dependemos da escrita para existir efetivamente e atuar no mundo.PARA QUEM GOSTA DE "DICAS" 3. Novas atitudes em relao escrita IMPRESCINDVEL:ESCREVER TODOS OS DIAS: ANOTAES DE AULA, DIRIO, RESUMOS DE LEITURAS, TEXTOS COM SUAS OPINIES ACERCA DE ACONTECIMENTOS, CARTAS, BILHETES, PROJETOS...ACREDITAR QUE VOC PODE ESCREVER BEM EST MELHORANDO E QUE VAI CHEGAR L IMPULSIONA O APERFEIOAMENTO.SER AUTOMOTIVADO, DEIXAR A PREGUIA DE LADO E SE ESFORAR.QUERER SABER MUITO MAIS, IR MAIS PROFUNDAMENTE S QUESTES. NO SE PODE FICAR SATISFEITO COM "DICAS" ISOLADAS E FRAGMENTADAS.CONSIDERAR A ESCRITA COMO UMA HABILIDADE IMPORTANTE PARA O NOSSO SUCESSO PROFISSIONAL.RECONHECER QUE PELA ESCRITA PARTICIPAMOS MAIS DO MUNDO.LER MUITO, LER DIVERSOS TIPOS DE TEXTO, LER MELHOR A CADA DIA.4. Prtica de escrita a) Para desmontar de vez suas crenas inadequadas a respeito de sua relao com a escrita, empreenda uma viagem na memria. Lembre-se de quando aprendeu a escrever, sua escola, seus professores. Reveja todo o seu percurso escolar e profissional, focalizando principalmente as situaes de escrita que ficaram gravadas em sua memria. Tente formular uma narrativa que explique ou justifique como foi construda a sua experincia de escrita at hoje. Escreva um texto em primeira pessoa, coloquial, informal, em tom de depoimento (talvez no formato de carta), para um interlocutor imaginrio que pode ser um amigo, um professor, um analista. Releia, colocando-se no lugar do leitor, para avaliar se as informaes esto compreensveis. Transforme essa narrativa em um texto em terceira pessoa, no qual voc conta toda a histria como se fosse a de uma outra pessoa.Mantenha um caderno de anotaes datadas de impresses e reflexes sobre sua relao com o texto escrito; suas observaes acerca do que escreve diariamente; suas experincias, expectativas, sucessos e fracassos escolares e profissionais; seus avanos e retrocessos; como vai transformando seus conceitos acerca da escrita. Esse dirio pode oferecer muitas pistas para sua trajetria de crescimento, alm de desbloquear a mente e desenferrujar a mo.Captulo 2 Como escrevemos 1. Outras vises acerca do ato de escrever Os pesquisadores j sabem muita coisa sobre a escrita, sobre o que acontece com a mente das pessoas durante o ato de escrever, sobre como as pessoas chegam a ser realmente timas redatoras, mas ainda muito pouco diante do que precisamos descobrir. Estudos de vrias reas do conhecimento nos levam a refletir sobre essas questes: lingistas, psiclogos, educadores, neurologistas, socilogos, antroplogos vem a escrita sob seus diversos aspectos, oferecendo-nos um quadro multifacetado de conhecimentos acerca do fenmeno. Um dos caminhos mais interessantes para compreender o ato de escrever considerar os depoimentos de pessoas que escrevem todos os dias, vivem de escrever, escrevem com desenvoltura. Observe o depoimento da escritora Lygia Fagundes Telles: - Como voc definiria o ato de escrever? - Uma luta. Uma luta que pode ser v, como disse o poeta, mas que lhe toma a manh. E a tarde. At a noite. Luta que requer pacincia. Humildade. Humor. Me lembro que estava num hotel em Buenos Aires, vendo na tev um drama de boxe. Desliguei o som, ficou s a imagem do lutador j cansado (tantas lutas) e reagindo. Resistindo. Acertava s vezes, mas tanto soco em vo, o adversrio to gil, fugidio, desviando a cara. E ele ali, investindo. Insistindo - mas o que mantinha o lutador em p? Duas vezes beijou a lona. Poeira, suor, sangue. Voltava a reagir, algum sugeriu que lhe atirassem a toalha, melhor desistir, chega! Mas ele ia buscar foras sabe Deus onde e se levantava de novo, o fervor acendendo a fresta do olho quase encoberto pela plpebra inchada. Fiquei vendo a imagem silenciosa do lutador solitrio - mas quem podia ajud-lo? Era a coragem que o sustentava? A vaidade? Simples ambio de riqueza, aplauso? (...) E de repente me emocionei: na imagem do lutador de boxe vi a imagem do escritor no corpo-a-corpo com a palavra. Para gostar de ler. Vol. 9. So Paulo: Editora tica, 3. ed, 1988. p. 7. Outro possvel caminho para entender a escrita observarmos nossos prprios processos enquanto trabalhamos em um texto. Cada pessoa deve descobrir como procede durante a escrita, para explorar melhor e com mais conscincia esses procedimentos, seja para aperfeio-los ou para transform-los. 2. A escrita como processo Um caminho mais cientfico a anlise das contribuies que a lingstica nos trouxe sobre o ato de escrever. Sob essa perspectiva, compreende-se que a escrita uma atividade que envolve vrias tarefas, s vezes seqenciais, s vezes simultneas. H tambm idas e vindas: comea-se uma tarefa e preciso voltar a uma etapa anterior ou avanar para um aspecto que seria posterior. Todas essas aes esto profundamente articuladas ao contexto em que se originou e em que acontece a produo do texto. O texto somente se constri e tem sentido dentro de uma prtica social. Assim, o que mobiliza o indivduo a comear a escrever um texto a motivao, a razo para escrev-lo: emitir e defender uma opinio, reivindicar um direito, expressar uma emoo ou sentimento, relatar uma experincia, apresentar uma proposta de trabalho, estabelecer um pacto, regular normas, comunicar um fato, narrar uma aventura ou apenas provar que sabe escrever bem para ser aprovado numa seleo. PRTICA SOCIAL DE ESCRITA CONTEXTO DA PRODUO DE TEXTO ASSUNTO MOTIVAO NECESSIDADE IDIA DE LEITOR MEMRIA ASSUNTO LNGUA GNEROS TEXTO EM PROCESSO DE PRODUO OU J PRODUZIDO PROCESSAMENTO GERAO ESCRITA VERSES REESCRITA RELEITURAS ORGANIZAO REVISES MONITORAO AVALIAO CONSTANTE DO PROCESSO Estabelecida a necessidade de escrever, o processo de escrita j est desencadeado. O produtor j tem imediatamente em mente algumas informaes sobre a tarefa: quais os objetivos do texto;qual o assunto em linhas gerais;qual o gnero mais adequado aos objetivos;quem provavelmente vai ler;que nvel de linguagem deve ser utilizado;que grau de subjetividade ou de impessoalidade deve ser atingido;quais as condies prticas de produo: tempo, apresentao, formato.E sobre essa base de orientao que o produtor do texto vai coordenar o seu prprio trabalho, monitorando-o para que no fuja da rota e desande em outras direes.A memria do redator j est acessada em vrias vertentes e um fator importantssimo na construo do texto. Nela esto armazenados os conhecimentos sobre a lngua - matria-prima do texto os conhecimentos sobre organizao dos diversos tipos de texto, e ainda os conhecimentos sobre os assuntos e informaes que sero tratados no texto. Memria vazia produz texto fraco, sem substncia informativa ou lingstica. Utilizamos a memria durante todo o processo de produo do texto e, quando ela no tem estoque suficiente para o que desejamos, temos que procurar a informao, o conhecimento para enriquec-la. Gabriel Garcia Mrquez, quando escreveu o romance histrico O general em seu labirinto, sobre Simon Bolvar, no se satisfez com sua prpria memria e contou com diversos colaboradores. Nos agradecimentos, ele esclarece:O historiador colombiano Gustavo Vargas, professor da Universidade Nacional Autnoma do Mxico, se manteve ao alcance do meu telefone para me esclarecer dvidas maiores e menores, sobretudo as relacionadas com as idias polticas da poca. O historiador bolivariano Vinicio Romero Martnez me ajudou de Caracas com achados que me pareciam impossveis sobre os costumes particulares de Bolvar - em especial seu linguajar grosso - e sobre o carter e o destino de seu squito, alm de uma reviso implacvel de dados histricos na verso final. A ele devo a advertncia providencial de que Bolvar no podia "chupar mangas com deleite infantil", pela simples razo de que faltavam vrios anos para a manga chegar s Amricas. Jorge Eduardo Ritter, embaixador do Panam na Colmbia e mais tarde chanceler de seu pas, fez vrios vos urgentes s para me trazer alguns dos seus livros inencontrveis. Dom Francisco de Abrisqueta, de Bogot, foi um guia obstinado na intrincada e vasta bibliografia bolivariana. O ex-presidente Belisario Betancur me esclareceu dvidas esparsas durante todo um ano de consultas telefnicas, e estabeleceu para mim que os versos citados de memria por Bolvar eram do poeta equatoriano Jos Joaqun Olmedo. Com Francisco Pividal mantive em Havana as vagarosas conversas preliminares que me permitiram formar uma idia clara sobre o livro que pretendia escrever. Roberto Cadavid (Argos), o lingista mais popular e prestativo da Colmbia, me fez o favor de pesquisar o sentido e a idade de alguns localismos. A pedido meu, o gegrafo Gladstone Oliva e o astrnomo Jorge Prez Doval, da Academia de Cincias de Cuba, fizeram o inventrio das noites de lua cheia nos primeiros trinta anos do sculo passado.Gabriel Garcia Mrquez. O general em seu labirinto.Rio de Janeiro: Record, 1989, pp, 268-9.Observe quantas pessoas o escritor consultou sobre detalhes importantes para a sua narrativa. nessa fase de pesquisa que entram a leitura, a anlise, a reflexo, a observao, o raciocnio: para preencher os vazios da memria. Voc ver nos captulos 3 e 4 alguns procedimentos para ativar e enriquecer a memria.Tomadas essas primeiras decises e providncias, podemos considerar que o texto j est sendo produzido, j est em processamento. Nesta etapa as pessoas tm procedimentos diferentes. Observe algumas dessas preferncias (na hiptese de produo de um texto informativo) e veja em qual delas voc se enquadra:fazer anotaes soltas, independentes;fazer uma lista de palavras-chave;anotar tudo o que vem mente, desordenadamente, para depois cortar e ordenar;elaborar um resumo das idias para depois acrescentar detalhes, exemplos, idias secundrias;construir um primeiro pargrafo para desbloquear e depois ir desenvolvendo as idias ali expostas;escrever a idia principal e as secundrias em frases isoladas para depois interlig-las;elaborar inicialmente uma espcie de sumrio ou esquema geral do texto;organizar mentalmente os grandes blocos do texto, escrev-lo e reestrutur-lo vrias vezes.Caso voc utilize mais de um procedimento para iniciar seu texto, ou tenha um processo pessoal diferente dos que foram enumerados acima, no se preocupe. O importante comear a ter mais conscincia de suas prprias estratgias, conhec-las, domin-las.A primeira verso de um texto ainda muito insatisfatria. Procuramos ento rel-lo com olhos no mais de autor, mas de leitor. Tentamos descobrir o que nosso leitor compreenderia do texto, quais so os pontos obscuros, confusos, ambguos que merecem reestruturao. Quando h tempo e pacincia estendemos essa tarefa ao infinito.Para que o autor fique satisfeito com o seu prprio texto, esse trabalho de ajuste imprescindvel. Nesse momento, podemos:enfatizar as idias principais;reordenar as informaes;substituir idias inadequadas;eliminar idias desnecessrias;alcanar maior exatido para as idias;acrescentar exemplos, conceitos, citaes, argumentos;eliminar incoerncias;estabelecer hierarquia entre as idias;criar vnculos entre uma idia e outra.Para isso, geralmente, preciso:acrescentar palavras ou frases;eliminar palavras ou frases;substituir palavras ou frases;transformar perodos, unindo-os por meio de conectivos ou separando-os por meio de pontuao;acrescentar transies entre os pargrafos;mudar elementos de lugar, reagrupando-os de forma diferente;corrigir problemas gramaticais.Depois de algumas tentativas, feitos alguns rascunhos, consideramos que o texto est pronto. Mas preciso, ainda, uma ltima leitura para rastrear problemas em relao norma culta na superfcie do texto (ortografia, pontuao, acentuao, concordncia, regncia). Eles podem ter passado despercebidos, quando o redator focalizava a estruturao das idias.Se o redator foi muito reprimido no processo escolar, pode ter se tornado excessivamente autocrtico, muito exigente consigo mesmo desde o incio do texto. Nesse caso, ele pra a todo instante para resolver questes gramaticais e corre o risco de perder o fio da meada, a direo do raciocnio, e de prejudicar a fluncia, a continuidade do texto.Escritores famosos submetem os originais leitura prvia de amigos, intelectuais, especialistas e vo ao extremo de reescrever seus livros mais de dez vezes antes de liber-los para publicao. Outros, mais obsessivos ainda, quando preparam uma nova edio de textos j publicados, voltam a reestrutur-los. Nunca consideram o texto pronto. Observe o que Gabriel Garcia Mrquez relata ao agradecer uma colaborao:Antnio Bolvar Goyanes (...) teve a bondade de rever comigo os originais, numa caada milimtrica de contra-sensos, repeties, inconseqncias, erros e erratas, e num escrutnio encarniado da linguagem e da ortografia, at esgotar sete verses. Assim aconteceu surpreendermos com a mo na massa um militar que ganhava batalhas antes de nascer, uma viva que foi para a Europa com seu amado esposo, e um almoo ntimo de Bolvar e Sucre em Bogot, quando um deles se encontrava em Caracas e outro em Quito.Gabriel Garcia Mrquez. O general em seu labirinto.Rio de Janeiro: Record, 1989, p. 270.Nosso conhecido escritor Fernando Sabino tambm trabalha assim:Para mim, o ato de escrever muito difcil e penoso, tenho sempre de corrigir e reescrever vrias vezes. Basta dizer, como exemplo, que escrevi 1100 pginas datilografadas para fazer um romance no qual aproveitei pouco mais de 300.Para gostar de ler. Vol. 3. Crnicas. So Paulo: Editora tica, 7? ed., 1987, p. 7.E Paulo Mendes Campos, admirvel poeta e cronista da mesma gerao de Fernando Sabino, afirmou:- Quando escrevo sob encomenda, no h muito tempo para corrigir. Quando escrevo para mim mesmo, costumo ficar corrigindo dias e dias - uma curtio. Escrever estar vivo.Idem, pp. 7-8.No devemos pensar numa ordem seqencial rgida como: PLANEJAMENTO ESCRITA REVISO. Pois, quando planejamos, j estamos em plena escrita e, quando escrevemos, revisamos simultaneamente parcelas do texto. Quando revisamos, voltamos ao planejamento para reajust-lo ou para reajustar o texto ao objetivo inicial. O processo recursivo, no sentido de que vamos e voltamos, fazendo ajustes e reajustes em cada aspecto.Compreender todo esse mecanismo no importante somente para especialistas. Quando o produtor do texto tem mais conscincia de seus procedimentos mentais, tem mais controle sobre eles e pode dirigi-los deforma mais produtiva.3. Conhecendo melhor o processo de escritaVimos como a escrita representa trabalho e exige esforo, disciplina, ateno, pacincia. O texto no simplesmente resultado de uma inspirao divina, no vem pronto do alm para que o redator apenas o transfira para o papel.Ningum escreve a sua primeira verso e se d por satisfeito. preciso reler, identificar problemas e reestruturar muitas vezes at que o texto chegue a corresponder aos objetivos iniciais e possa cumprir sua funo de forma adequada. Naturalmente, medida que o redator vai melhorando seu desempenho, esse processo vai ficando mais rpido, muitas decises e procedimentos vo se automatizando. Em situaes de concurso, em que o tempo limitado, o candidato deve abreviar e acelerar as aes, mas no pode elimin-las ou desprez-las.4. Novos procedimentos na escrita NECESSRIO:TENTAR CONHECER E ANALISAR O SEU PRPRIO PROCESSO DE PRODUO DE TEXTO.AFASTAR O DESNIMO SE A PRIMEIRA VERSO DO TEXTO NO FOR SATISFATRIA.CULTIVAR A PACINCIA.COMPREENDER QUE VRIAS RELEITURAS GARANTEM O APERFEIOAMENTO DO TEXTO.RECONHECER QUE REESCREVER O PROCESSO NATURAL DE CONSTRUO DE UM BOM TEXTO.MOSTRAR PARA OUTRA PESSOA E ACEITAR SUGESTES, POIS UMA PRTICA MUITO PRODUTIVA.5. Prtica de escrita a) Escolha um tema para produzir um texto. Pode ser um exerccio escolar, uma tarefa profissional ou uma atividade livre como uma carta ou um requerimento. Ou imagine que est respondendo em uma entrevista questo: Qual a sua histria pessoal com o ato de escrever? Use um gravador de udio enquanto estiver planejando e escrevendo. Tente pensar em voz alta. Grave tudo o que acontece em sua atividade mental consciente. Quando terminar o texto oua o que gravou. Analise seu prprio processo. Reconhea quais so os passos que utilizou. Reflita acerca de seus procedimentos: Planeja antes de escrever ou durante a escrita? Tem bloqueio ao comear? Rel cada frase antes de continuar ou vai escrevendo para depois reler tudo? Que decises toma? Falta assunto? Tem dificuldade de encontrar palavras adequadas? Tem dificuldade em organizar os perodos? Sabe onde pontuar? Pensa no leitor? Como avalia o texto? Trabalha na reviso? O que pensa que precisa acelerar ou desacelerar? Esse exerccio vai ajud-lo a construir um controle maior sobre seus processos cognitivos. preciso conhecer os procedimentos mentais e as habilidades necessrias para a escrita para conseguir aperfeio-las. b) Periodicamente, faa novo diagnstico. Registre com as datas as transformaes no seu caderno de anotaes pessoais. No h um modelo nico mais correto, aplicvel a todas as pessoas. Cada indivduo deve conhecer suas prprias trajetrias e tentar aprimor-las continuamente. Captulo 3 A qualidade da leitura 1. O que leitura Como vimos, a escrita no pode ser considerada desvinculada da leitura. Nossa forma de ler e nossas experincias com textos de outros redatores influenciam de vrias maneiras nossos procedimentos de escrita. Pela leitura vamos construindo uma intimidade muito grande com a lngua escrita, vamos internalizando as suas estruturas e as suas infinitas possibilidades estilsticas. Nosso convvio com a leitura de textos diversos consolida tambm a compreenso do funcionamento de cada gnero em cada situao. Alm disso, a leitura a forma primordial de enriquecimento da memria, do senso crtico e do conhecimento sobre os diversos assuntos acerca dos quais se pode escrever. A leitura um processo complexo e abrangente de decodificao de signos e de compreenso e inteleco do mundo que faz rigorosas exigncias ao crebro, memria e emoo. Lida com a capacidade simblica e com a habilidade de interao mediada pela palavra. E um trabalho que envolve signos, frases, sentenas, argumentos, provas formais e informais, objetivos, intenes, aes e motivaes. Envolve especificamente elementos da linguagem, mas tambm os da experincia de vida dos indivduos. Os procedimentos de leitura podem variar de indivduo para indivduo e de objetivo para objetivo. Quando lemos apenas para nos divertir, o procedimento de leitura bem espontneo. No precisamos fazer muito esforo para manter a ateno ou para gravar na memria algum item. Mas, em todas as formas de leitura, muito do nosso conhecimento prvio exigido para que haja uma compreenso mais exata do texto. Trata-se de nosso conhecimento prvio sobre: a lnguaos gneros e os tipos de textoo assuntoEles so muito importantes para a compreenso de um texto. preciso compreender simultaneamente o vocabulrio e a organizao das frases; identificar o tipo de texto e o gnero; ativar as informaes antigas e novas sobre o assunto; perceber os implcitos, as ironias, as relaes estabelecidas com o nosso mundo real. Esse o jogo que torna a leitura produtiva. Como exemplo, vamos analisar uma crnica de Lus Fernando Verssimo. O PRESIDENTE TEM RAZO Mais uma vez os adversrios pinam, maliciosamente, uma frase do presidente para criticar. No caso, a sua observao de que chato ser rico. Pois eu entendi a inteno do presidente. Ele estava falando para pobres e preocupado em prepar-los para o fato de que no vo ficar menos pobres e podem at ficar mais, no seu governo, e que isso no to ruim assim. E eu concordo com o presidente. Ser pobre muito mais divertido do que ser rico. Pobre vive amontoado em favelas, quase em estado natural, numa alegre promiscuidade que rico s pode invejar. Muitas vezes o pobre constri sua prpria casa, com papelo e caixotes. Quando que um rico ter a mesma oportunidade de mexer assim com o barro da vida, exercer sua criatividade e morar num lugar que pode chamar de realmente seu, da sua autoria, pelo menos at ser despejado? Que filho de rico ver um dia sua casa ser arrasada por um trator? Um maravilhoso trator de verdade, no de brinquedo, ali, no seu quintal! Todas as emoes que um filho de rico s tem em video game o filho de pobre tem ao vivo, olhando pela janela, s precisando cuidar para no levar bala. Mais de um rico obrigado a esperar dez minutos para ser atendido por um especialista, aqui ou no exterior, folheando uma National Geographic de 1950, deve ter suspirado e pensado que, se fosse pobre, aqui/o no estaria acontecendo com ele. Ele estaria numa fila de hospital pblico desde a madrugada, conversando animadamente com todos sua volta, lutando para manter seu lugar, xingando o funcionrio que vem avisar que as senhas acabaram e que preciso voltar amanh, e ainda podendo assistir a uma visita teatral do Ministro da Sade ao hospital, o que sempre divertido em vez de se chateando daquela maneira. E pior. Com toda as suas privaes, rico ainda sabe que vai viver muito mais do que pobre, ainda mais neste modelo, e que seu tdio no ter fim. Efe Ag tem razo, um inferno. Correio Braziliense. Braslia, 2 dez. 1998. Para compreender adequadamente esse texto, levamos em considerao, alm de outros, os seguintes conhecimentos prvios: quem Verssimo (um escritor de humor, cronista crtico que se ope ao governo em questo);como so, em geral, os outros textos de Lus Fernando Verssimo (sempre de humor e ironia);qual a sua posio no jornalismo de sua poca ( um dos mais conceituados e respeitados cronistas de costumes e de poltica; seus textos so publicados em espaos nobres dos principais jornais e revistas brasileiros);quem o presidente a que ele se refere (o presidente da Repblica no ano de publicao, 1998);a que fala do presidente ele se refere (a comparao que estabeleceu entre a vida do pobre e do rico);qual a situao social do Brasil em nossa poca e como realmente a vida nas classes menos favorecidas. Entrelaando essas informaes e a forma como o texto foi escrito, vamos reconsiderar o ttulo e as idias que se repetem pelo texto: o presidente tem razo; eu entendi o presidente; eu concordo com o presidente. Quando comparamos as descries da forma de vida dos pobres e dos ricos e a afirmao de que ser pobre muito mais divertido do que ser rico, penetramos no mundo da ironia, que no Dicionrio Aurlio Eletrnico definida como: [Do grego: eirneia, interrogao; pelo latim, ironia.] S.f. " Modo de exprimir-se que consiste em dizer o contrrio daquilo que se est pensando ou sentindo, ou por pudor em relao a si prprio ou com inteno depreciativa e sarcstica em relao a outrem;Contraste fortuito que parece um escrnio;Sarcasmo, zombaria.Nessa experincia, podemos constatar que a leitura no um procedimento simples. Ao contrrio, uma atividade extremamente complexa, pois no podemos considerar apenas o que est escrito. No texto analisado, por exemplo, para compreender as intenes e posies do autor, lemos muito mais o que no est escrito, pois suas idias so contrrias ao que est escrito. Como a leitura faz inmeras solicitaes simultneas ao crebro, necessrio desenvolver, consolidar e automatizar habilidades muito sofisticadas para pertencer ao mundo dos que lem com naturalidade e rapidez. Trata-se de um longo e acidentado percurso para a compreenso efetiva e responsiva, que envolve: decodificao de signos;interpretao de itens lexicais e gramaticais;agrupamento de palavras em blocos conceituais;identificao de palavras-chave;seleo e hierarquizao de idias;associao com informaes anteriores;antecipao de informaes;elaborao de hipteses;construo de inferncias;compreenso de pressupostos;controle de velocidade;focalizao da ateno;avaliao do processo realizado;reorientao dos prprios procedimentos mentais.Vamos analisar algumas dessas habilidades.2. Recursos para uma leitura mais produtivaUm leitor ativo considera os recursos tcnicos e cognitivos que podem ser desenvolvidos para uma leitura produtiva. A leitura no se esgota no momento em que se l. Expande-se por todo o processo de compreenso que antecede o texto, explora-lhe as possibilidades e prolonga-lhe o funcionamento alm do contato com o texto propriamente dito, produzindo efeitos na vida e no convvio com as outras pessoas.H procedimentos especficos de seleo e hierarquizao da informao como:observar ttulos e subttulos;analisar ilustraes;reconhecer elementos paratextuais importantes (pargrafos, negritos, sublinhados, deslocamentos, enumeraes, quadros, legendas etc.);reconhecer e sublinhar palavras-chave;identificar e sublinhar ou marcar na margem fragmentos significativos;relacionar e integrar, sempre que possvel, esses fragmentos a outros;decidir se deve consultar o glossrio ou o dicionrio ou adiar temporariamente a dvida para esclarecimento no contexto;tomar notas sintticas de acordo com os objetivos.H tambm procedimentos de eletrificao e simplificao das idias do texto como:construir parfrases mentais ou orais de fragmentos complexos;substituir itens lexicais complexos por sinnimos familiares;reconhecer relaes lexicais/ morfolgicas/ sintticas.Utilizamos ainda procedimentos de deteco de coerncia textual, tais como: Iidentificar o gnero ou a macro-estrutura do texto;ativar e usar conhecimentos prvios sobre o tema;usar conhecimentos prvios extratextuais, pragmticos e da estrutura do gnero.Um leitor maduro usa tambm, freqentemente, procedimentos de controle e monitoramento da cognio:planejar objetivos pessoais significativos para a leitura;controlar a ateno voluntria sobre o objetivo;controlar a conscincia constante sobre a atividade mental;controlar o trajeto, o ritmo e a velocidade de leitura de acordo com os objetivos estabelecidos;detectar erros no processo de decodificao e interpretao;segmentar as unidades de significado;associar as unidades menores de significado a unidades maiores;auto-avaliar continuamente o desempenho da atividade;aceitar e tolerar temporariamente uma compreenso desfocada at que a prpria leitura desfaa a sensao de desconforto.Alguns desses procedimentos so utilizados pelo leitor na primeira leitura, outros na releitura. H ainda aqueles que so concomitantes a outros, constituindo uma atividade cognitiva complexa que no obedece a uma seqncia rgida de passos. guiada tanto pela construo do prprio texto como pelos interesses, objetivos e intenes do leitor.Como so interiorizados e automatizados pelo uso consciente e freqente, e so apenas meios e no fins em si mesmos, nem sempre esses procedimentos esto muito claros ou conscientes para quem os utiliza na leitura cotidiana. Vamos aprofundar nosso conhecimento acerca de alguns desses procedimentos.3. Os tipos de leitura e seus objetivosO objetivo da leitura, como j foi explicado anteriormente, determina de que forma lemos um texto. Lemos:por prazer, em busca de diverso, de emoo esttica ou de evaso;para obter informaes gerais, esclarecimentos, em busca de atualizao;para obter informaes precisas e exatas, analis-las e escrever um texto relativo ao tema;para estudar, desenvolver o intelecto, em busca de qualificao profissional;para seguir instrues;para comunicar um texto a um auditrio;para revisar um texto etc.Se lemos um jornal, por exemplo, apenas para saber se h alguma novidade interessante, empreendemos uma leitura do geral para o particular (descendente): olhamos as manchetes, fixamos alguns pargrafos iniciais, passamos os olhos pela pgina, procurando um ponto de atrao, e quando o encontramos fazemos um outro tipo de leitura: do particular para o geral (ascendente).No primeiro tipo somos superficiais, velozes, elaboramos rpidas hipteses que no testamos, fazemos algumas adivinhaes. No segundo tipo de leitura somos mais detalhistas, queremos saber tudo, procuramos garantir a compreenso precisa, exata.Um leitor maduro distingue qual o momento de fazer uma leitura superficial e rpida {descendente) daquele em que necessria uma leitura detalhada, desacelerada {ascendente), mesmo quando est trabalhando ou estudando. Pois, mesmo quando estuda, h momentos em que voc pode dispensar certos textos, ou partes de textos, que j so conhecidos.4. Procedimentos estratgicos de leituraUm texto para estudo, em geral, exige do leitor uma grande concentrao, uma ateno voluntria e controlada. Esse tipo de leitura detalhada, minuciosa, que um estudante precisa desenvolver o que vamos focalizar aqui. H muitos recursos e procedimentos para uma leitura mais produtiva. Alguns voc j usa naturalmente, outros pode incorporar ao seu acervo de habilidades.a) Estabelecer um objetivo claroSempre que temos um objetivo claro para a leitura vamos mais atentos para o texto. J sabemos o que queremos e ficamos mais atentos s partes mais importantes em relao ao nosso objetivo.Estabelecer previamente um objetivo nos ajuda a escolher e a controlar o tipo de leitura necessrio: ascendente ou descendente; detalhada, lenta, minuciosa, ou rpida e superficial. importante construir previamente algumas perguntas que ajudam a controlar o objetivo e a ateno, como, por exemplo:Qual a opinio do autor?Quais so as informaes novas que o texto veicula?O que este autor pensa desse assunto? Em que discorda dos que j conheo? O que acrescenta discusso?Qual o conceito, a definio desse fenmeno?Como ocorreu esse fato? Onde? Quando? Quais so suas causas? Quais so suas conseqncias? Quem estava envolvido? Quais so os dados quantitativos citados?O que mais importante nesse texto? O que eu devo anotar para utilizar depois no meu trabalho'?Quando comeamos uma leitura sem nenhuma pergunta prvia, temos mais dificuldade em identificar aspectos importantes, distinguir partes do texto, hierarquizar as informaes. b) Identificar e sublinhar com lpis as palavras-chaveAs palavras que sustentam a maior carga de significado em um texto so chamadas de palavras-chave. Elas podem apresentar uma pequena variao de leitura para leitura, de leitor para leitor, pois cada um imprime sua viso ao que l. O Dicionrio Aurlio Eletrnico registra: Verbete: palavra-chave S.f. Palavra que encerra o significado global de um contexto, ou que o explica e identifica: A palavra-chave deste romance angstia.Palavra que serve para identificar num catlogo de livros ou de artigos, numa listagem ou na memria de um computador, os elementos que tm entre si um certo parentesco ou que pertencem a um certo grupo.Sem elas o texto perde totalmente o sentido. Por meio delas podemos reconstituir o sentido de um texto, elaborar um esquema ou sntese. Normalmente so os substantivos, verbos e certos adjetivos. No so palavras gramaticais: artigos, conectivos, pronomes, preposies ou advrbios. Nos dois pargrafos seguintes, vamos identificar as palavras-chave: Nenhuma criana trabalha porque quer. Mas porque obrigada. Prova disso que s as pobres entram precocemente no mercado de trabalho. No Brasil, trs milhes de menores entre 10 e 14 anos saem de casa todos os dias para garantir o prprio sustento e, muitas vezes, o da famlia. Alguns nunca entraram mana escola. Outros tiveram que abandonar os livros antes do tempo. Jogados nas ruas ou em atividades insalubres, a maioria tem o destino traado. De uma ou outra forma, est condenada. No ter direito ao futuro. Entre a multido de trabalhadores mirins, encontram-se cerca de cinqenta mil em situao desumana e degradante. So os catadores de lixo. Eles disputam com ces, porcos, ratos e urubus o que os outros jogam fora. A partir dos trs ou quatro anos, os menores acomptmham os pais aos aterros sanitrios para catar a sobrevivncia. O resultado de um dia de labor sob sol ou chuva parco. Rende de um a seis reais. Correio Braziliense. Braslia, 19jun. 1999. Editorial. A partir das palavras destacadas (voc poderia sugerir outras) podemos compreender e reconstituir o assunto principal do texto. O reconhecimento das relaes lexicais, morfolgicas e sintticas estabelecidas na configurao da superfcie do texto um pressuposto necessrio para que leitor possa tomar decises. importante aprender a selecionar e hierarquizar as idias para identificar as palavras principais. H muitos detalhes que so usados em um texto para esclarecer ou enriquecer a informao j dada. No fazem falta a no ser estilisticamente . Veja, por exemplo, a frase: Eles disputam com ces, porcos, ratos e urubus o que os outros jogam fora. O teor de informao nova agregado ao que j tinha sido dito muito pequeno. E apenas uma ilustrao explicativa contundente. Observe a continuao desse texto e exercite sua capacidade de selecionar palavras importantes, destacando-as: Na tentativa de pr fim a esse quadro dramtico, o Fundo das Naes Unidas para a Infncia (Unicef), em conjunto com o Ministrio do Meio Ambiente e a Secretaria do Desenvolvimento Urbano, lanou a campanha Criana no Lixo Nunca Mais. A meta erradicar o trabalho dos catadores mirins at 2002. Para chegar l, 31 instituies governamentais e no governamentais fornecero orientaes a prefeituras de 5.507 municpios sobre elaborao de projetos e formas de buscar recursos para implement-los. A mela ambiciosa. Ningum imagina que seja fcil atingi-la. O desenvolvimento de um programa com semelhante dimenso deve, necessariamente, envolver a Unio, os estados, os municpios, alm de parcerias com a iniciativa privada e a populao em geral. Acima de tudo, exige vontade poltica. O governo est convocado a estabelecer polticas eficazes para atrair s escolas as crianas agora lanadas no mais abjeto dos infortnios-a disputa de alimentos com os abutres. H caminhos abertos nesse sentido. Um deles a garantia de renda mnima para as famlias em estado de pobreza absoluta, incapazes de alimentar os filhos e, ao mesmo tempo, mant-los no colgio. Nenhum esforo de tirar o menor do labor dirio dar resultado se no for assegurado o sustento do ncleo em que ele vive. Outro caminho a reciclagem educacional dos pais para que possam comparecer ao mercado de trabalho em condies de disputar empregos dignos. No h tempo a perder. So 50 mil brasileiros que pedem socorro. Clamam por sade e educao. A sociedade espera que a iniciativa do Unicef prospere. Espera, sobretudo, que o governo faa a sua parte. O amanh se constri a partir de hoje. E a perspectiva de que nossos filhos e netos herdem um pas melhor. A existncia de uma multido de meninos buscando a sobrevivncia no lixo constitui mau pressgio. Sugere que poder no haver nenhum futuro. E indispensvel e urgente modificar, para melhor, o cenrio. Correio Braziliense. Braslia, 19jun. 1999. Editorial. Observe como as palavras destacadas por voc carregam o significado mais importante da mensagem e permitem que as idias principais sejam recuperadas. preciso observar e compreender para hierarquizar e selecionar. Tudo depende de treino, experincia. Ou seja, uma boa leitura depende de muita leitura anterior. c) Tomar notas Uma ajuda tcnica imprescindvel, principalmente para quem l com o objetivo de estudar, tomar notas. A partir das palavras-chave, o leitor pode ir destacando e anotando pequenas frases que resumem o pensamento principal dos perodos, dos pargrafos e do texto. Pode tambm marcar com lpis nas margens para identificar por meio de ttulos pessoais as partes mais importantes, os objetivos, as enumeraes, as concluses, as definies, os conceitos, os pequenos resumos que o prprio autor elabora no decorrer do texto e tudo o mais que estiver de acordo com o objetivo principal da leitura (algumas edies j trazem esse destaque na margem para facilitar a leitura). Essas notas podem gerar um esquema, um resumo ou uma parfrase.Trabalho infantil no Brasil Nenhuma criana trabalha porque quer. Mas porque obrigada. Prova disso que s as pobres entram precocemente no mercado de trabalho. No Brasil, trs milhes de menores entre 10 e 14 anos saem de casa todos os dias para garantir o prprio sustento e, muitas vezes, o da famlia. Alguns nunca entraram numa escola. Outros tiveram que abandonar os livros antes do tempo, Jogados nas ruas ou em atividades insalubres, a maioria tem o destino traado. De unia ou outra forma, est condenada. No ter direito ao futuro. Entre a multido de trabalhadores mirins, encontram-se cerca de cinqenta mil em situao desumana e degradante. Catadores de lixo/ 50.000. So os catadores de lixo. Eles disputam com ces, porcos, ratos e urubus o que os outros jogam fora. A partir dos trs ou quatro anos, os menores acompanham os pais aos aterros sanitrios para catar a sobrevivncia. O resultado de um dia de labor sob sol ou chuva parco. Rende de um a seis reais. Unicef MMA-SDU Campanha Criana no Lixo Nunca Mais Meta/2002 Projetos e formas de buscar recursos Na tentativa de pr fim a esse quadro dramtico, o Fundo das Naes Unidas para a Infncia (Unicef), em conjunto com o Ministrio do Meio Ambiente e a Secretaria do Desenvolvimento Urbano, lanou a Campanha Criana no Lixo Nunca Mais. A meta erradicar o trabalho dos catadores mirins at 2002. Para chegar l, 31 instituies governamentais e no governamentais fornecero orientaes a prefeituras de 5.507 municpios sobre elaborao de projetos e formas de buscar recursos para implement-los. A meta ambiciosa. Ningum imagina que seja fcil atingi-la. O desenvolvimento de um programa com semelhante dimenso deve, necessariamente, envolver a Unio, os estados, os municpios, alm de parcerias com a iniciativa privada e a populao em geral. Acima de tudo, exige vontade poltica Caminhos Solues Renda mnima e educao para o trabalho Importante para o futuro do pas O governo est convocado a estabelecer polticas eficazes para atrair s escolas as crianas agora lanadas no mais abjeto dos infortnios - a disputa de alimentos com os abutres. H caminhos abertos nesse sentido. Um deles a garantia de renda mnima para as famlias em estado de pobreza absoluta, incapazes de alimentar os filhos e, ao mesmo tempo, mant-los no colgio. Nenhum esforo de tirar o menor do labor dirio dar resultado se no for assegurado o sustento do ncleo em que ele vive. Outro caminho a reciclagem educacional dos pais para que possam comparecer ao mercado de trabalho em condies de disputar empregos dignos. No h tempo a perder. So 50 mil brasileiros que pedem socorro. Clamam por sade e educao. A sociedade espera que a iniciativa do Unicef prospere. Espera, sobretudo, que o governo faa a sua parte. O amanh se constri a partir de hoje. E a perspectiva de que nossos filhos e netos herdem um pas melhor. A existncia de uma multido de meninos buscando a sobrevivncia no lixo constitui mau pressgio. Sugere que poder no haver nenhum futuro. E indispensvel e urgente modificar, para melhor, o cenrio. Correio Braziliense. Braslia, I9jun. 1999. Editorial. d) Estudar o vocabulrio Durante a leitura de ura texto, temos que decidir a cada palavra nova que surge se melhor consultar o dicionrio, o glossrio, ou se podemos adiar essa consulta, aceitando nossa interpretao temporria da palavra a partir do contexto. Observe o seguinte perodo do texto: O governo est convocado a estabelecer polticas eficazes para atrair s escolas as crianas agora lanadas no mais abjeto dos infortnios - a disputa de alimentos com os abutres. A palavra abjeto pode gerar dvidas no leitor, mas podemos perceber que ela no essencial ao texto. Quando retirada, o perodo preserva significado. Talvez no seja to necessrio nesse caso consultar o dicionrio, j que o contexto esclarece que se trata de uma idia negativa que intensifica (junto com o advrbio mais) a negatividade que est em infortnios. Poderamos tentar substitu-la por outras mais conhecidas: indigno, horrvel, desprezvel, e a frase continuaria apresentando idia lgica. Esses procedimentos de inferncia e compreenso lexical so realizados com muita velocidade pelo leitor. Quando a continuidade da leitura se torna prejudicada, o melhor mesmo parar e ir ao dicionrio. e) Destacar divises no texto para agrup-las posteriormente importante compreender essas divises para estabelecer mentalmente um esquema do texto. Muitas vezes o autor no insere grficos, esquemas, nem explicita por meio de enumeraes as divises que faz das idias. Preste bem ateno quando o texto apresenta estruturas assim: Em primeiro lugar... em seguida... em terceiro lugar... ' Inicialmente... a seguir... finalmente...Primeiramente... em prosseguimento... por ltimo...Por um lado... por outro lado...Num primeiro momento... num segundo momento...A primeira questo ... A segunda... A terceira...Por meio da identificao dessas estruturas possvel reconstruir o raciocnio do autor e torna-se mais fcil elaborar esquemas e resumos.No texto que estamos analisando h um exemplo interessante:O governo est convocado a estabelecer polticas eficazes para atrair s escolas as crianas agora lanadas no mais abjeto dos infortnios a disputa de alimentos com os abutres. H caminhos abertos nesse sentido. Um deles a garantia de renda mnima para as famlias em estado de pobreza absoluta, incapazes de alimentar os filhos e, ao mesmo tempo, mant-los no colgio. Nenhum esforo de tirar o menor do labor dirio dar resultado se no for assegurado o sustento do ncleo em que ele vive. Outro caminho a reciclagem educacional dos pais para que possam comparecer ao mercado de trabalho em condies de disputar empregos dignos.A identificao dessas estruturas textuais na leitura facilita a compreenso das idias e cria uma matriz mental para organizao e hierarquizao das informaes.f) SimplificaoUm dos recursos mais produtivos durante a leitura de textos complexos fazer constantemente parfrases mentais mais simples daquilo que est no texto, ou seja, fazer tradues em palavras prprias, dizer mentalmente com suas prprias palavras o que entendeu do texto. Uma brincadeira que o jornalista Elio Gaspari gosta de fazer com a simplificao de linguagem exageradamente complexa. Observe o exemplo:CURSO MADAME NATASHA DE PIANO E PORTUGUSMadame Natasha tem horror a msica, Ela socorre os desconectados do vernculo. Decidiu conceder uma de suas bolsas de estudo professora M.B.G.S., presidente da Comisso Estadual para elaborao do Projeto de Informtica na Educao. No relatrio que essa comisso produziu, Natasha encontrou o seguinte adereo:O ambiente informatizado oportuniza a possibilidade de ruptura de estruturas estticas. Toda experincia de aprendizagem pode ser simulada, mas a simulao, que uma expresso simblica, no ambiente digital passa a ser tambm real, passvel de experincia sensorial.Madame acreditaniza que quiseram dizerinizar o seguinte: O computador um instrumento pedaggico verstil.Elio Gaspari. Jornal de. Braslia. Braslia, 22 fev. 1998.O procedimento de traduo mental simplificadora muito til para conferir se entendemos mesmo o texto ou no.g) Identificao da coerncia textualDiante de cada novo texto temos de identificar as estruturas bsicas para compreender seu funcionamento. Assim, identificamos imediatamente o que um poema, o que uma fbula, o que um texto dissertativo.Como a escrita para ser lida e compreendida a distncia, sem interferncia do autor no momento da leitura, sua elaborao exige uma estrutura exata, precisa, clara, que assegure ao leitor uma decodificao correta e adequada. Para tanto o autor usa estruturas sintticas complexas, estabelecendo minuciosamente as relaes entre as idias, j que no pode contar com o apoio do contexto, das expresses faciais, do conhecimento comum. Isso acontece principalmente nos textos de natureza informativa: dissertaes, argumentaes, reportagens e ensaios, os quais privilegiamos neste livro. Quanto menos compromisso o texto tem com a informao exata, mais espao deixa para os acrscimos e interpretaes do leitor, como o caso da publicidade, da poesia e dos textos literrios em geral, nos quais a polissemia (convvio de uma multiplicidade de significaes sobre uma mesma base) predomina.Ura texto bem escrito apresenta sempre uma certa dose de repetio, de redundncia, para auxiliar o leitor a chegar s concluses desejadas pelo autor. Quando o interesse for assegurar uma compreenso predeterminada, precisa, exata, naturalmente ser produzido um texto mais denso, mais estruturado. Ter por base um planejamento lgico, em que as seqncias tenham uma articulao necessria entre si mesmas. Esses textos no so fceis e no so compreendidos primeira leitura, superficial e rpida. preciso um rgido controle da ateno, um objetivo claro para a leitura, um empenho constante para fazer os relacionamentos adequados tanto entre as idias interiores ao prprio texto, como entre o texto e os conhecimentos prvios do leitor e suas experincias vividas.Isso significa que a leitura para apreenso de informaes deve ser uma leitura pausada, desacelerada, que vai do particular para o geral e volta do geral para o particular constantemente. Uma decifrao que procura percorrer o mesmo raciocnio do autor do texto, refazendo o trajeto do seu pensamento original, para apreender, discutir, concordar ou se opor a essas idias.Durante a leitura preciso conferir as interpretaes, fazendo perguntas ao texto. Para isso fazemos perguntas elementares:Quem escreve? Autor.Que tipo de texto ? Gnero.A quem se destina? Pblico.Onde veiculado? Suporte editorial.Qual o objetivo? Intenes.Com que autoridade? Papel social do autor.O que eu j sei sobre o tema? Conhecimentos prvios do leitor.Quais so os outros textos que esto sendo citados? Intertextualidade.Quais so as idias principais? Informaes.Quais so as partes do texto que apresentam objetivos, conceitos, definies, concluses? Quais so as relaes entre essas partes? Estrutura textual.Com que argumentos as idias so defendidas? Provas.Onde e de que maneira a subjetividade est evidente? Posicionamento explicitado.Quais so as outras vozes que perpassam o texto? Distribuio da responsabilidade pelas idias.Quais so os testemunhos utilizados? Depoimentos.Quais so os exemplos citados? Fatos, dados.Como so tratadas as idias contrrias? Rebatimento ou antecipao de aposies.Alm dessas, h muitas outras perguntas que o leitor vai propondo medida que l e de acordo com os seus objetivos. Esse dilogo, essa interao entre leitor e texto exige a ativao de conhecimentos que extrapolam a simples decodificao dos elementos constitutivos do texto. Essas informaes pragmticas vm iluminar e esclarecer os significados e estabelecer a coerncia textual do que lido.Caso essas perguntas no sejam respondidas de maneira adequada, podemos incorrer em equivoco, interpretando mal os objetivos e conseqentemente as informaes e os significados.h) Percepo da intertextualidade Um texto traz em si marcas de outros textos, explcitas ou implcitas. A esse fenmeno chamamos intertextualidade. Essa ligao entre textos pode ir de uma simples citao explcita a uma leve aluso, ou at mesmo a uma pardia completa, em que a estrutura do texto inicial utilizada como base para o novo texto. Essa associao prevista pelo autor e deve ser feita pelo leitor de forma espontnea, na proporo em que partilhe conhecimentos com o autor. Em textos mais complexos, a intensidade do esforo para compreender a intertextualidade pode variar e sempre depende de conhecimentos prvios comuns ao autor e ao leitor. Vamos analisar um exemplo bem simples de intertextualidade: CONTRAFBULA DA CIGARRA E DA FORMIGA Adaptao Feita por Pedro Bandeira do texto do escritor portugus Antnio A. Batista A formiga passava a vida naquela formigao, aumentando o rendimento da sua capita e dizendo que estava contribuindo para o crescimento do Produto Nacional Bruto. Na trabalheira do investimento, sempre consultando as cotaes da Bolsa, vendendo na alta e comprando na baixa, sempre atenta, aos rateios e s subscries. Fechava contratos em Londres j com um p no Boeing para Frankfurt ou Genebra, para verificar os dividendos de suas contas numeradas. Mas vivia tambm roendo-se por dentro ao ver a cigarra, com quem estudara no ginsio, metida em shows e boates, sempre acompanhada de clientes libidinosos do Mercado Comum. E vivia a formiga a dizer por dentro: -Ah, ahl No inverno, voc h de aparecer por aqui a mendigar o que no poupou no vero! E vai cair dura com a resposta que tenho preparada para voc! Ruminando sua terrvel vingana, voltava a formiga a tesourar e entesourar investimentos e lucros, incutindo nos filhos hbitos de poupana, consultando advogados e tomando vasodilatadores. Um dia, quando voltava de um almoo no La Tambouille com os japoneses da informtica, encontrou a cigarra no shopping Iguatemi, cantarolando como de costume. L vem ela dar a sua facada, pensou a formiga. "Ah, ah, chegou a minha vez!" Mas a cigarra aproximou-se s querendo saber como estava ela e como estavam todos no formigueiro. A formiga, remordida, preparando o terreno para sua vingana, comentou: - A senhora andou cantando na tev todo este vero, no foi, dona Cigarra? - E claro! - disse a cigarra. - Tenho um programa semanal. - Agora no inverno que vai ser mau - continuou a formiga com toda maldade na voz. - A senhora no depositou nada no banco, no ? So faz mal. Os meus discos no saem das paradas. E acabei de fechar um contrato com o Olympia de Paris por duzentos mil dlares... O qu?! -- exclamou a formiga. - A senhora vai ganhar duzentos mil dlares no inverno? - No. Isso s em Paris. Depois, tem a excurso a Nova York, depois Londres, depois Amsterdam... A a formiga pensou no seu trabalho, nas suas azias, na sua vida terrivelmente cansativa e nas suas ameaas de enfarte, enquanto aquela intil da cigarra ganhava tanto cantando e se divertindo! E perguntou: - Quando a senhora embarca para Paris? - Na semana que vem... - E pode me fazer um favor? Quando chegar a Paris, procure l um tal La Fontaine. E diga-lhe que eu quero que ele v para o raio que o parta! Trata-se de uma fbula, ou seja, uma historieta de fico, de cunho popular e de carter alegrico, destinada a ilustrar um preceito, uma sabedoria. O prprio ttulo anuncia a inteno. O autor parte do pressuposto de que seus leitores conhecem a fbula da Cigarra e da Formiga do autor francs La Fontaine e que reconhecero imediatamente a sua pardia. Utilizando uma situao similar fbula original, atualiza suas circunstncias e modifica seu final (intertextualidade implcita na estrutura). Segundo sua posio crtica, hoje em dia, no mundo dominado pelos meios de comunicao e pelo hedonismo, os artistas podem chegar a ser milionrios com mais rapidez e facilidade do que quem trabalha incansavelmente pensando exclusivamente no dinheiro, e a mensagem original, contrria ao prazer, no estaria mais funcionando. E tambm um juzo a favor da arte em oposio especulao financeira. A histria em si engraada, mas a aluso fbula original (na ltima fala da formiga) cria a intertextualidade explcita, j que remete lio de moral tradicional e multiplica o humor do texto. i) Monitoramento e concentrao Durante a leitura podemos exercer um relativo controle consciente sobre as nossas atividades mentais, disciplinando-as e submetendo-as aos nossos interesses. Esse controle essencial para que a leitura seja produtiva. Ele no espontneo e depende de treino e concentrao. Por isso necessrio prestar bem ateno no que fazemos enquanto lemos para termos mais domnio sobre as nossas prprias habilidades de leitura. Fidelidade ao planejamento: antes de comear a ler um texto sempre estabelecemos, consciente ou inconscientemente, uma espcie de roteiro: como vamos ler? para que vamos ler? Esse roteiro deve ser controlado e reavaliado durante a leitura. Algumas vezes pode merecer reorientao. Estou mesmo perseguindo meu objetivo? J me distra? Mudei o meu trajeto de leitura? Criei outro objetivo no percurso? Deteco de erros no processo de leitura: algumas vezes lemos muito rapidamente enquanto pensamos em outra coisa e, quando percebemos a distrao, temos que voltar e reler aquele trecho. Esse um exemplo de como controlamos naturalmente os nossos erros de leitura. Outras vezes, interpretamos mal uma passagem e no decorrer da leitura percebemos que as idias esto contraditrias. Voltamos, ento, para conferir a decodificao das palavras e a interpretao. Essa capacidade de avaliar constantemente a prpria leitura precisa ser desenvolvida. Ajuste de velocidade: o leitor deve controlar a velocidade de leitura de acordo com as dificuldades que o texto oferece e com os objetivos da leitura. s vezes, podemos ler mais rapidamente: quando o assunto conhecido, quando o trecho fcil ou quando a leitura tem por objetivo a simples distrao. Outras vezes, temos que ler desaceleradamente: quando estudamos assuntos desconhecidos, quando o texto denso e complexo ou quando contm muitos implcitos. Para garantir esse controle necessrio ter uma conscincia contnua dos procedimentos que esto sendo utilizados, alm de uma disposio para avaliar a qualidade da prpria leitura. Tolerncia e pacincia: muitas vezes, desistimos da leitura de um texto no primeiro pargrafo. Esse procedimento precipitado. preciso mergulhar profundamente no texto para dar-lhe uma chance de ser bem sucedido. Na maioria das vezes, a leitura se torna, pouco a pouco, mais fcil e as dificuldades preliminares vo se resolvendo. Esse desconforto no incio de um texto muito comum, pois natural que o comeo da compreenso seja ainda uma idia desfocada. A primeira leitura, com freqncia, no satisfatria e preciso empreender uma segunda, j com alguma informao sobre o texto e com mais ateno e concentrao. 5. Conhecendo melhor o processo de leitura Como vimos, a escrita depende de nosso conhecimento do assunto, da lngua e dos modelos de texto; para isso, a leitura fundamental. um processo complexo que exige do leitor uma srie de habilidades cognitivas muito sofisticadas. Uma nica leitura nem sempre suficiente; geralmente necessrio voltar ao texto algumas vezes, conforme nossos objetivos. E so os objetivos que vo direcionar o tipo de leitura que vai ser realizado. Em qualquer situao de leitura utilizamos procedimentos que nos auxiliam a compreender e interpretar o texto. importante desenvolver adequadamente essas estratgias de apoio tcnico, de simplificao e de monitorao das atividades mentais de forma que possamos otimizar nosso esforo, ou seja, conseguir o melhor resultado da maneira mais prtica e simples. Habilidades que agilizem os procedimentos contribuem para que no haja desperdcio de energia e de tempo, e tambm para que a leitura se transforme, a cada dia, em um exerccio mais prazeroso. Pela leitura interiorizamos as estruturas da lngua, os gneros, os tipos de texto, os recursos estilsticos com mais eficcia que pelas aulas e exerccios gramaticais. Assim, naturalmente, a leitura ajuda a escrever melhor. 6. Prtica de leitura a) Escolha um artigo assinado do jornal de sua preferncia. Leia uma vez. Releia e responda mentalmente s perguntas: Quem escreve? Que tipo de texto ? A quem se destina? Onde veiculado? Qual o objetivo? Com que autoridade? O que eu j sei sobre o tema? Quais so os outros textos que esto sendo citados? Quais so as idias principais? Quais so as partes do texto que apresentam: objetivos, conceitos, definies, concluses? Quais so as relaes entre essas partes? Com que argumentos as idias so defendidas? Onde e de que maneira a subjetividade est evidente? Quais so as outras vozes que perpassam o texto? Quais so os testemunhos utilizados? Quais so os exemplos citados? Como so tratadas as idias contrrias? Escolha um texto dissertativo que oferea alguma dificuldade de leitura para voc. Leia, dizendo em voz alta seus pensamentos para controlar a leitura. Grave em fita de udio tudo o que pensa enquanto l. Analise os procedimentos de leitura sugeridos neste captulo que voc j utiliza.Escolha um texto de estudo e aplique as estratgias de leitura apresentadas neste captulo.Captulo 4 Da leitura para a escrita 1. O trabalho com a memria Precisamos usar muitas informaes contidas em textos que j lemos. Mas nem sempre isso possvel. Nossa memria muito seletiva. Ela no guarda tudo o que gostaramos a partir de uma primeira leitura. Algum esclarecimento acerca da memria, essa faculdade de reter as idias, impresses e conhecimentos adquiridos anteriormente, pode ajudar a compreender e controlar seu funcionamento. Temos dois tipos de memria: a de longo prazo e a de curto prazo. Na memria de longo prazo guardamos nossos conhecimentos consolidados, pois duradoura. Na de curto prazo, que seletiva e rotativa, guardamos informaes novas, por um perodo breve, enquanto elas nos so teis e esto sendo realmente utilizadas. Como exemplo, podemos pensar na seguinte situao: se estamos tentando comunicao por vezes repetidas com um nmero de telefone, chegamos a memoriz-lo. Mas, se nos dias subseqentes no precisarmos mais desse nmero, a memria vai descart-lo por falta de uso. J um nmero usado todos os dias, importante na nossa vida diria, permanece na nossa memria de longo prazo. No o esquecemos to facilmente. As informaes novas ficam algum tempo na memria de curto prazo, como se estivessem temporariamente disposio, em um perodo de teste. Se, nesse perodo, forem muito usadas, estabelecem laos com outras informaes preexistentes, encontram pontos de apoio que as sustentam por mais tempo e se tornam mais duradouras. Se no forem teis por longo perodo, sero descartadas. Isso acontece com nomes de lugares, de pessoas, de livros, de filmes. E acontece tambm com conceitos e definies. Se no so utilizados, caem no esquecimento. Um professor, por exemplo, que d aulas sobre uma mesma matria para vrias turmas, durante muito tempo, acaba por dominar naturalmente o assunto. Um outro, que apenas esporadicamente fala sobre um tema, tem que estud-lo para reavivar a memria quando precisa expor novamente o assunto. Quando decoramos mecanicamente regras e conceitos, como se faz freqentemente nos cursos preparatrios para concursos, tudo aquilo que nos deu tanto trabalho para memorizar fora esquecido imediatamente aps a prova. O mesmo acontece quando estudamos a gramtica pela gramtica, sem aplicao direta na produo de textos. Se memorizamos alguns itens sem transferi-los gradualmente para a prtica, esquecemos tudo com. facilidade. Ento, para que uma informao fique consolidada na memria de longo prazo preciso que seja: til na vida prtica ou para nossas reflexes abstratas;utilizada com certa freqncia;reelaborada era nossa mente por meio de novas associaes e novas divises;associada e relacionada a outros conhecimentos prvios existentes em nossa memria.Memorizamos aquilo que significativo para nossos interesses intelectuais ou para nossa vida pessoal.E importante considerar tambm outros aspectos da aprendizagem. J sabemos que as informaes que vm apenas por via auditiva so menos duradouras, apreendemos uma pequena parcela do que ouvimos. Quando podemos ler uma vez a informao, apreendemos um pouco mais. Quando vemos, temos um pouco mais ainda de possibilidade de gravar na memria.Mas se podemos ouvir, ler, ver e experimentar, utilizar, atuar, ou seja, desenvolver uma ao (concreta ou mental) sobre certa informao de forma pessoal, conseguimos maior ndice de memorizao e de aprendizagem.Assim, aprender exige trabalho sobre o conhecimento. No se trata de uma simples transferncia, em que o professor ou o texto doam ao aluno a informao nova. E preciso que a pessoa trabalhe bastante para que o conhecimento passe realmente a ser propriedade sua.Hoje em dia, a cincia j constatou que o crebro e a memria precisam de exerccios, e que a inteligncia precisa ser constantemente estimulada para no se atrofiar. Quanto mais aprendemos, mais temos possibilidade de aprender, pois os conhecimentos que adquirimos formam uma base em que novos conhecimentos vm se instalar de forma mais duradoura.Como a primeira leitura sempre muito breve e superficial, precisamos utilizar estratgias de desacelerao para apreendermos melhor um texto, conforme vimos no captulo anterior.A leitura pode levar produo de textos de natureza diferente do texto original e com finalidades tambm diferentes. Muitas vezes, lemos e tentamos memorizar o que lemos, ou ento sintetizar as informaes para rev-las ou repass-las a outros. Assim, podemos produzir esquemas, quadros, resumos e parfrases.2. Resumos, esquemas e parfrasesA partir do esquema podemos facilmente reconstituir as ligaes do texto original elaborando um novo texto, mais curto que o original - um resumo - em que as informaes essenciais so rearticuladas em uma nova organizao. Se nosso objetivo repetir as mesmas informaes integralmente, elaboramos a parfrase, que tambm uma forma de retomada das informaes.Organizar um esquema uma maneira preparatria para o resumo e a parfrase. A leitura com esse fim muito detalhada. O leitor deve criar o seu prprio mtodo, mas podemos estabelecer um roteiro bsico como sugesto:1. Empreender uma primeira leitura descendente, rpida, do geral para o particular, prestando ateno nos ttulos e subttulos, na organizao geral do texto. uma leitura de reconhecimento prvio do material a ser estudado. 2. Fazer uma segunda leitura, identificando palavras-chave e anotando idia por idia, pargrafo por pargrafo. 3. Reagrupar as informaes de acordo com unidades menores, mantendo as relaes entre essas unidades. 4. Organizar um esquema das idias, subdividindo-o de acordo com as relaes sintticas. 5. Voltar ao texto e conferir a correspondncia com as idias principais. 6. Redigir o resumo seguindo o roteiro estabelecido pelo esquema.Normalmente, embora existam variaes infinitas, os pargrafos dissertativos/argumentativos tm uma estrutura organizada logicamente:Primeiros perodos = idia principalPerodos seguintes = desenvolvimentoltimo perodo = conclusoQuando a idia principal surge no incio do pargrafo, ela pode ser: uma afirmao, uma negao, um conceito, uma pergunta, como veremos no captulo 6. Muitas vezes, o autor prefere colocar a idia principal no fim do pargrafo, como concluso. Pode at mesmo no explicit-la claramente, mas deix-la implcita, para que o leitor chegue mentalmente concluso a partir das evidncias colocadas no texto.Em um resumo recorre-se a poucos efeitos retricos, pois a linguagem deve ser objetiva e clara. O desenvolvimento, no resumo, visa fundamentar a idia inicial, dispensando exemplos e ilustraes, e pode trazer explicaes, oposies, comparaes, diviso de idias.O leitor que tenta reconstruir o percurso do autor no pode acrescentar idias novas ao resumo do que l, pois trata-se de uma sntese, uma compactao, e no uma crtica, uma resenha ou um comentrio que permitem ampliao e discusso.O processo de debate pressupe a inteleco, a compreenso das idias expostas pelo outro. Por isso bom, quando ainda na fase do esquema, prender-se s expresses utilizadas pelo prprio autor do texto.O resumo um trabalho sobre a linguagem muito complexo, pois necessrio trabalhar com preciso sobre: significados, estruturas sintticas, vocabulrio, gnero e tipo de texto.Outro aspecto que deve ser levado em considerao o uso das frases de transio. Elas conduzem o raciocnio do leitor de acordo com o planejamento do autor e podem exercer vrias funes. Colocaremos aqui alguns exemplos, mas voc pode encontrar infinitas variaes nos textos que l.Indicam objetivo:O que desejamos neste trabalhoO objetivo desta investigaoPretendemos demonstrarProcuramos comprovarEstamos tentando provarIndicam diviso de idias:Em primeiro lugar...; em segundo...; por ltimo...Primeiramente...; depois...; em seguida...; finalmente...O primeiro aspecto ...; um outro aspecto ...Por um lado...; por outro lado...Indicam insero de exemplo:Para exemplificar, podemos observarPara comprovar o que foi ditoExemplo disso Como exemplo, pode-se observarAssim, o que ocorre no caso em queIndicam concluso parcial ou final:Em vista disso podemos concluirDiante do que foi ditoEm sumaEm resumoConcluindoPortantoAssimIndicam insero de citaes:Segundo o especialista XDe acordo com o que afirma XX j afirmou queConforme X, em sua obra YEssas frases exigem muita ateno do leitor. So elas que o levam a decidir quais so as informaes essenciais e as que podem ser dispensadas no resumo.Vamos analisar um texto e compreender o processo de resumo.INDSTRIA CULTURAL E CULTURA DE MASSAA partir da segunda revoluo industrial no sculo XIX e prosseguindo no que se denomina agora sociedade ps-industrial ou ps-moderna (iniciada nos anos 70 do sculo XX), as artes foram submetidas a uma nova servido: as regras do mercado capitalista e a ideologia da indstria cultural, baseada na idia e na prtica do consumo de "produtos culturais "fabricados em srie. As obras de arte so mercadorias, como tudo que existe no capitalismo. Perdida a aura, a arte no se democratizou, massificou-separa consumo rpido no mercado da moda e nos meios de comunicao de massa, transformando-se em propaganda e publicidade, sinal de status social, prestgio poltico e controle cultural.Sob os efeitos da massificao da indstria e consumo culturais, as artes correm o risco de perder trs de suas principais caractersticas: l. de expressivas, tornarem-se reprodutivas e repetitivas; 2. de trabalho da criao, tornarem-se eventos para consumo; 3. de experimentao do novo, tornarem-se consagrao do consagrado pela moda e pelo consumo.A artepossui intrinsecamente valor de exposio ou exponibilidade, isto , existe para ser contemplada e fruda. essencialmente espetculo, palavra que vem do latim e significa: dado visibilidade. No entanto, sob controle econmico e ideolgico das empresas de comunicao artstica, a arte se transforma em seu oposto: um evento para tornar invisvel a realidade e o prprio trabalho criador das obras. E algo para ser consumido e no para ser conhecido, frudo e superado por novas obras.As obras de arte e de pensamento poderiam democratizar-secom os novos meios de comunicao, pois todos poderiam, em princpio, ter acesso a elas, conhec-las, incorpor-las em suas vidas, critic-las, e os artistas e pensadores poderiam super-las em outras, novas. A democratizao da cultura, tem como precondio a idia, de que os bens culturais (no sentido restrito de obras de arte e de pensamento e no no sentido antropolgico amplo) so direito de todos e no privilgio de alguns. Democracia cultural significa direito de acesso e de fruio das obras culturais, direito informao e formao culturais, direito produo cultural. A indstria cultural acarreta resultado oposto, ao massifi-car a Cultura. Por qu? Em primeiro lugar, porque separa os bens culturais pelo seu suposto valor de mercado: h obras "caras " e "raras ", destinadas aos privilegiados que podem pagar por elas, formando uma elite cultural; e h obras "baratas " e "comuns ". destinadas massa. Assim, em vez de garantir o mesmo direito de todos totalidade da produo cultural, a indstria cultural introduz a diviso social entre elite "cultural" e massa "inculta ". O que a massa? E um agregado sem forma e sem rosto, sem identidade e sem pleno direito Cultura. Em segundo lugar, porque cria a iluso de que todos tm acesso aos mesmos bens culturais, cada um escolhendo livremente o que deseja, como o consumidor num supermercado. No entanto, basta darmos ateno aos horrios dos programas de rdio e televiso ou ao que vendido nas bancas de jornais e revistas para vermos que, atravs dos preos, as empresas de divulgao cultural j selecionaram de antemo o que cada grupo social pode e deve ouvir, ver ou ler. Em terceiro lugar, porque inventa uma figura chamada "espectador mdio", "ouvinte mdio" e "leitor mdio", aos quais so atribudas certas capacidades mentais "mdias", certos conhecimentos "mdios " e certos gostos "mdios ", oferecendo-lhes produtos culturais "mdios". O que significa isso? A indstria cultural vende Cultura. Para vend-la, deve seduzir e agradar o consumidor. Para seduzi-lo e agrad-lo, no pode choc-lo, provoc-lo, faz-lo pensar, faz-lo ter informaes novas que o perturbem, mas deve devolver-lhe com nova aparncia o que ele j sabe, j viu, j fez. A "mdia " o senso comum cristalizado que a indstria cultural devolve com cara de coisa nova. Em quarto lugar, porque define a Cultura como lazer e entretenimento, diverso e distrao, de modo que tudo o que nas obras de arte e de pensamento significa trabalho da sensibilidade, da imaginao, da inteligncia, da reflexo e da crtica no tem interesse, no "vende". Massificar , assim, banalizar a expresso artstica e intelectual. Em lugar de difundir e divulgar a Cultura, despertando interesse por ela, a indstria cultural realiza a vulgarizao das artes e dos conhecimentos.Manteria Chani. Convite Filosofia. So Paulo: Ed. tica, 8f ed., 1997, pp. 329-30.Uma primeira leitura, superficial e rpida, do texto j nos diz que a idia principal a distino entre o que realmente arte e o que a indstria cultural produz para a massa no capitalismo. Sabemos que Marilena Chaui uma filsofa e que se trata de um texto dissertativo, terico, sobre conceitos bastante abstratos.Na segunda leitura, j com essas idias, ao ativar nossos conhecimentos anteriores sobre o assunto, podemos aprofundar mais a compreenso das causas e conseqncias dessa distino, identificando as palavras-chave e as idias secundrias distribudas pelos pargrafos.J possvel retirar do texto a sua estrutura bsica e reorganiz-la em blocos. O texto comea com uma informao que ser explicitada nos pargrafos seguintes, ou seja, no primeiro pargrafo j se anuncia a idia principal: de que a arte foi transformada numa mercadoria e que por isso foi desvirtuada pela indstria cultural. Os pargrafos seguintes desenvolvem e aprofundam essa idia.Indstria cultural e cultura de massaArtes submetidas(2? revoluo industrial sc. XIX)mercado capitalistaideologia da indstria culturalObra de arte tem valor de exposio / deve ser contemplada e fruda. se transforma em seu oposto = mercadoria quandoFabricao em srie Propaganda e publicidadeSinal de statusPrestgio polticoControle culturalno se democratizou massificou-se Arte corre risco Valor de: pode se transformar em: expressidadecriaoexperimentaorepetio; consumo; consagrao do consagrado pelo consumo torna invisvel a realidade e o prprio trabalho criador Democracia cultural (poderia acontecer pelos meios de comunicao) Todos tm direito ao acesso e fruio; informao e formao; produo cultural. Indstria cultural resultado oposto = introduz a diviso social ao massificar a Cultura, porque 1. separa "caras" e "raras", os privilegiados, elite culta;"baratas" e "comuns", massa inculta.cria a iluso de acesso - atravs dos preos seleciona grupo social.inventa uma mdia "espectador, ouvinte, ou leitor mdio", capaci