Livro Trabalho Com Informacao Marcos Dantas

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  • MARCOS DANTAS

    CENTRO DE FILOSOFIA E CINCIAS HUMANASEscola dE comunicao ufrjPrograma de Ps Graduao em Comunicao e CulturaRio de Janeiro RJ2012

  • Autor: Marcos DantasReviso: Marcos DantasProjeto Grfico: I Graficci Comunicao e Design

    Programa de Ps-Graduao da Escola de Comunicao da UFRJAv. Pasteur, 250 - Fundos - Praia Vermelha - Rio de JaneiroCEP 22290-902 - Tel: 55-21-38735075

    D192 Dantas, MarcosTrabalho com informao: valor, acumulao, apropriao nas

    redes do capital / Marcos Dantas. Rio de Janeiro: Centro de Filosofia e Cincias Humanas da UFRJ (CFCH-UFRJ), 2012

    248 p. ISBN 978-85-99052-10-5 Inclui bibliografia. 1. Sociedade da Informao. 2. Economia poltica. 3. Teoria da

    Informao. I. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Centro de Filosofia e Cincias Humanas. Escola de Comunicao.

    CDD 303.4833

    O presente livro est licenciado por meio de autorizao Creative Commons, atribuio no comercial, sem derivados.

  • Para Vera,

    Carinho, apoio, compreenso, estmulo, con-fiana, suporte, retaguarda, filhos, amor, noites, tar-des, dias, cobranas, esperas, companhia, pacincia e muita fora - todo esse tempo compartilhando dos meus sonhos. Marcos

  • ndice

    Introduo 8

    [Palavras iniciais] - Objetivo do livro - Mtodo do estudo - Plano da obra - Como cheguei at aqui Os Grundrisse - Dvidas e gratides Post-scriptum

    I. Dialtica da informao 20

    [Palavras iniciais] O que informao? - Bogdnov, um precursor - Crtica homeostase - As leis da termodinmica - Ordem e desordem Tempo e entropia - Conceito de neguentropia - O demnio de Maxwell O modelo de Shannon - Informao e neguentropia O demnio corrigido - Informao guia a ao - Nveis de organizao - O lugar do receptor Mensagem e cdigo - Cdigo e redundncia - Ordem pelo rudo - Sistemas complexos - Dimenso temporal - Valor da incerteza - Valor do tempo - Valor da informao - Do sinal ao smbolo Universo dos sentidos - Cdigos sintticos - Cdigos semnticos - Quantidade e qualidade Sistemas histricos - Conceito dialtico

    II. Valor trabalho: uma releitura em Marx 60

    [Palavras iniciais] - O trabalho humano - A circulao como entropia Semntica do valor de uso Sinttica do valor de troca Trabalho vivo, trabalho morto Capital industrial - Trabalho complexo - Outro conceito - O trabalho do Homem - Tempo disponvel - Alienao do trabalha-dor Trabalho excedente O tempo o limite - O limite de Marx, por Marx - A cincia sai da produo - O trabalho cientfico

    III. Sociedade informacional 95

    [Palavras iniciais] - As percepes de N. Wiener - As snteses de Richta e Bell - Diferena em Richta e Bell - Apropriao do tempo livre - Mudanas no trabalho - Trabalho com informao - Barreiras ultrapassadas - Processo geral de produo - Mantendo as aparncias

  • IV. Valor da informao na Teoria Econmica Ortodoxa 113

    [Palavras iniciais] - Valor esperado - O difcil preo justo - Valor subsidirio - Um mercado difcil - Introduz-se a escassez - Qual racionalidade? - Rumo excluso

    V. Trabalho com informao 126

    [Palavras iniciais] - Trabalho sgnico - Trabalho material - Conceito de produto - Trabalho redundante - Rudos semnticos - Com menos redundncia - Momentos de um processo - Trabalho aleatrio Trabalho entrpico - Mediaes semnticas - Valor informacional - Elos de interao - Determinaes do trabalho - O capital-informao - Concepo-execuo - Competncias semnticas - Trabalho contem-plativo - Subsuno do trabalho - Trabalho organizativo

    VI. Apropriao da informao 154

    [Palavras iniciais] - Inerente desigualdade - A lgica pirata - Estratgias competi-tivas - Rendas informacionais Apropriao do trabalho Subsuno real: o come-o - Quem inventou o chip? - Feudalizao da informtica - Economia da licena Novo paradigma jurdico - O exemplo de Prometeu - Apropriao da vida - Lendo a Natureza - Recursos informacionais Excluso social Emprego s pro intelecto

    VII. O ciclo da comunicao produtiva 185

    [Palavras iniciais] Valor que no mercadoria Questo de tempo Tempo de contratar Enchendo o tempo Problemas novos Monoplios naturais - Indstria da informao - Socializao da telefonia - A era do rdio - Esfera pbli-ca - gora informacional Gargalo burocrtico Uma indstria projetada Nova base tcnica Corporaes-redes Transportar contedos Estratgia da aranha Capital vs. monoplios Desregulamentao americana Reformas europias - Convergncia tecnolgica - O capital a rede Rede fragmentada - A lei geral Mercado-rede Internet: o novo medium - Comunicao produtiva Soluo de

    apropriao Os have e os have not Subinformados e suprfluos

    Concluso 233[Palavras iniciais] - Pensar a informao - Repensar a Economia - Repensar o tra-

    balho - Repen-sar a prxis

    Bibliografia 241

  • Escrevo este livro principalmente para norte-americanos, em cujo ambiente os problemas da in-formao sero avaliados de acordo com um critrio padro norte-americano: como mercadoria, uma coi-sa vale pelo que puder render no mercado livre. Esta a doutrina oficial de uma ortodoxia que se torna cada vez mais perigoso questionar, para quem resi-da nos Estados Unidos. Talvez valha a pena acentuar que ela no representa uma base universal de valo-res humanos; que no corresponde nem doutrina da Igreja, que busca a salvao da alma humana, nem do Marxismo, que estima uma sociedade pelo que ela realizou de certos ideais especficos de bem-estar humano. O destino da informao, no mundo tipica-mente norte-americano, tornar-se algo que possa ser comprado ou vendido.

    Assim como a entropia tende a aumentar es-pontaneamente num sistema fechado, de igual manei-ra a informao tende a decrescer; assim como a en-tropia uma medida de desordem, de igual maneira a informao uma medida de ordem. Informao e entropia no se conservam e so inadequadas, uma e outra, para se constiturem em mercadorias.

    Norbert Wiener

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    Introduo

    As palavras reproduzidas na epgrafe deste livro foram escritas h 50 anos por Norbert Wiener, o pai da Ciberntica1. E anunciam precisamente o que aconteceu, no s no mundo tipicamente norte-americano mas em todo o mundo capitalista: informao passou a ser tratada como mercadoria, conforme uma ortodoxia que, ainda mais depois da derrocada da Unio Sovitica, erigiu-se numa ordem (dizem que nova) a qual cada vez mais perigoso questionar*.*

    At o perodo que antecede imediatamente a Segunda Guerra, a informa-o ainda no fazia parte das preocupaes centrais de economistas e pensado-res sociais. Informao era um significante referido s relaes humanas, pre-sente no dia a dia da vida de qualquer um, to quotidiano, to corriqueiro, que sequer merecia maiores consideraes tericas. Foi, aparentemente, o desenvol-vimento de tecnologias especficas ligadas ao tratamento e transmisso de infor-maes que lhe deu status epistemolgico. No por acaso, a Teoria Matemtica da Comunicao nasce nos laboratrios da AT&T, o grande monoplio telefnico norte-americano. Surge quando eram intensas, nos Estados Unidos e fora deles, pesquisas sobre computadores e servomecanismos. Funde-se Ciberntica e, logo, permitir Fsica exorcizar em definitivo o demnio que Maxwell legou aos seus psteros, possibilitando ento Biologia explicar o paradoxo termo-dinmico da vida. Informao, de frmulas matemticas teis otimizao dos sistemas da AT&T, alou-se dimenso de um elemento constituinte e intrnseco explicao do mundo.

    Em seu belo livro didtico-filosfico sobre a Ciberntica, Wiener descre-veu pioneiramente o papel central que a informao comearia a desempenhar

    * O texto final deste livro foi escrito na ltima dcada do sculo XX e, na sua maior parte, no vero de 1993-1994. Ento, o enunciado deste pargrafo e dos que imediatamente se lhe seguem pareciam poltica e, mesmo, academica-mente adequados. Para maiores explicaes, ver o Post Scriptum, ao final desta Introduo (N2011).

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    na vida social da segunda metade do sculo XX. Antecipa os processos de produ-o automatizados, avalia a funo dos artistas e intelectuais na sociedade que se anun ciava, discute o futuro dos sistemas de patentes e a apropriao do co-nhecimento. No duvida que informao, at ento um recurso razoavelmente li-vre da Humanidade, comearia a ser alvo de desejos de apropriao. Entretanto, conhecendo bem a sua natureza volvel e instvel, adverte para as imensas difi-culdades que a sociedade enfrentaria no intento de alcanar esse vo desiderato.

    Vencida a metade final do sculo XX, no nos deve surpreender a consu-mao da previso de Wiener. O que realmente surpreende a quase total au-sncia de real questionamento e de denncia mesmo, sobre a mercantilizao da informao, embora seja este o fato que, certamente, est na raiz de toda a ins-tabilidade, mudanas e desigualdade da vida social (ps)moderna. A mercantili-zao da informao poderia servir de ponto de partida para novos e vigorosos estudos crticos sobre o desenvolvimento capitalista. No foi o que aconteceu. A advertncia de Wiener caiu no esquecimento.

    O estudo que ora apresento foi motivado pela crena na necessidade e possibilidade de se iniciar e avanar um amplo programa de pesquisa, discusso e prtica social que ponha em questo justamente todo o arcabouo poltico e jurdico que testemunhamos ser montado nos dias que correm, visando reduzir a informao a recurso aproprivel pelo capital, dela fazendo instrumento de poder e, concomitantemente, de excluso social.

    No somente isto. Espero tambm poder contribuir para aquele movimen-to, ao qual se refere Leandro Konder2, de renovao da Filosofia da Praxis, tor-nando-a capaz de pensar e de agir sobre os processos sociais deste fim de sculo e comeo do prximo. Estou particularmente convencido de que o Materialismo Histrico, conforme as palavras de Jrgen Habermas, sob diversos aspectos ca-rece de reviso, mas [seu] potencial de estmulo no chegou ainda a esgotar-se3. Um desses aspectos que, sugiro, carece de reviso trata dos processos de trabalho e da produo material. Mesmo depois de Andr Gorz nos convidar, com boas razes, a dar adeus ao proletariado4, a questo da produo fabril ainda segue sendo tratada, terica e praticamente, numa forma muito prxima ou, pelo menos, diretamente remetida a uma certa traduo, talvez j superada, do pensamento de Marx. Da tambm deriva que o epicentro de todo o problema do capital - a valorizao - permanece pouco ou nada desenvolvido nos estudos que buscam entender a sociedade contempornea, na sua especificidade, luz da teoria histrica marxiana.

    A pergunta que proponho : qual a natureza real do processo produtivo nesta sociedade, que vem merecendo tantos nomes quantas so as mscaras atrs das quais a querem esconder? Se ousarmos atacar este problema, talvez comecemos a destrinchar o processo contemporneo de valorizao do capital,

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    esclarecendo-nos a partir da sobre o que pode ser principal ou secundrio nas lutas em que nos empenhamos contra a misria, as injustias, a razo cnica, a violncia e tantas outras. Para tanto, precisaremos reler, necessariamente rever, s vezes tambm relembrar a crtica de Marx Economia Poltica, mas cuidan-do de faz-lo luz do desenvolvimento contemporneo deste fenmeno novo ao qual denomino capital-informao.Objetivo do livro

    Para expor e discutir a lgica de acumulao do capital-informao, estou, neste livro, sugerindo uma teoria do valor-informao, a partir da teoria marxia-na do valor-trabalho. Ou seja, assumindo e reafirmando ser o trabalho a fonte de valorizao do capital, tentarei examinar como pode gerar valor o trabalho que tenha por objeto produzir material sgnico, material este que orienta a produo material final nas sociedades capitalistas avanadas.

    Como pretendo mostrar, hoje em dia, o trabalho de captar, processar, re-gistrar e comunicar informao, tornou-se fonte direta de produo de riquezas e de acumulao. Assim entendido, a informao obtida pelo trabalho entra em contradio com as relaes capitalistas dominantes de produo, da derivando as questes econmicas e sociais que sero tratadas ao longo do livro.

    Mtodo do estudo

    Em sua Crtica comunicao, Lucien Sfez5 dividiu os estudos e conceitos sobre informao (que ele prefere tratar como comunica o) em dois grandes programas. No primeiro - que ele denomina metfora da bola de bilhar - situa-se a Teoria Matemtica da Comunicao e o que dela derivou, particularmente as pesquisas sobre inteligncia artificial e os delrios cognitivos de Simon, Minsk e outros, muito em voga nos anos 50 e 60. Sfez mostra que essa linha est apoiada numa estrutura de pensamento tpica das cincias fsicas e matemticas, cujos fundamentos epistemolgicos encontram-se na lgica formal aristotlica e no mtodo cartesiano. Com efeito, a figura shannoniana - hoje to disseminada e at mesmo um tanto popular - que mostra a comunicao realizando-se atravs de um canal que liga unidirecionalmente emissor e receptor, nada mais que expresso da relao dualista e determinada entre sujeito (emissor) e objeto (receptor), excluindo-se o terceiro (o rudo).

    No outro programa - por Sfez denominado metfora do organismo - encontram-se as teorias psquicas da Escola de Palo Alto (Bateson e outros); o conceito de ordem pelo rudo do ciberneticista Heinz von Foerster, e o con-ceito derivado de organizao pelo rudo, do bilogo Henri Atlan. Aqui, os agentes da comunicao interrelacionam-se atravs de mltiplos e incomen-

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    surveis canais, formando uma totalidade da qual o rudo parte inerente, e elemento necessrio criao de ordem e de crescimento. O sujeito, ento, no se distingue irredutivelmente do objeto. Para Sfez, este programa remeteria fi-losofia monista de Spinoza, mesmo que, certamente, nenhum daqueles autores disso estivessem informados. Se assim , ento, na genealogia dessa linha de pensamento caberia situar tambm a Dialtica de Hegel e Marx, cuja natureza monista foi reafirmada por Lukcs6, Prado Jnior7 e Sochor8. Porm - e Sfez no deixa de observ-lo - os marxistas, passada a relutncia inicial de Stlin, acei-taram acriticamente a ciberntica dualista de Shannon e Wiener, jamais tendo, de fato, desenvolvido uma teoria dialtica da informao (veremos, no Captulo 1, que Alexandr Bogdnov muito avanou nesse terreno, at ser fulminado... pelos raios de Lnin).

    Adoto em meu estudo, como sempre adotei na vida, o mtodo materialista dialtico. E to somente porque fui guiado pelo mtodo dialtico, o meu encontro e dbito com o pensamento monista de Atlan seria inevitvel. Quando conclu, em 1994, a dissertao de mestrado que deu origem a este livro, ainda no lera e desconhecia completamente o livro de Sfez (cuja primeira edio francesa do mesmo ano). Foi, portanto, a posteriori que confirmei encontrar-me em to dis-tinta companhia*.*Cheguei a Atlan atravs de leituras em Dupuy9 e em Laborit10. Nestes todos divisei um claro caminho para alcanar uma compreenso bsica da informao como um processo (biolgico e social) que articula e relaciona os elementos do Universo em sua totalidade. Ento, armado com a Dialtica, pude buscar as demais relaes que existiriam entre os diversos aspectos atravs dos quais identificamos, discutimos ou conhecemos o fenmeno informacional**.**

    A Dialtica no entra em conflito com os paradigmas do desequilbrio, da cincia contempornea. Ao contrrio, ela se demonstra aberta ao novo, [ao] indito11, logo s incertezas. Podemos dizer: este o mtodo, por excelncia, para estudarmos o aleatrio e o complexo, exatamente porque nos fornece os instrumentos necessrios para incorporar eventos inesperados s relaes pr-existentes, estabelecendo dinamicamente novas relaes entre eles. Se, ao longo deste sculo pareceu o contrrio, se a Dialtica petrificou-se num materialismo mecanicista, tal o devemos, em boa medida, conforme est se tornando consen-sual na literatura especializada, influncia do darwinismo e do positivismo no

    * Muito possivelmente, se tivesse tido acesso poca em que desenvolvi o mestrado (1990-1994), s teorias da Escola de Palo Alto e s de outros autores relacionados ao paradigma da complexidade, alm de Henri Atlan, meu caminho na construo das idias expostas neste livro teria sido em larga medida aplainado. So muitas as estreitas semelhanas das teses aqui apresentadas com as de Gregory Bateson, Paul Watzlawick e seus colegas, mas nula a influncia. Lucien Sfez e as teorias construtivistas que expe em seu livro, inclusive a leitura direta, por mim, dos autores que cita, s puderam ser teis nas pesquisas de doutoramento e em meus estudos posteriores (N2011).** No aspecto metodolgico, embora no volte a cit-lo, este livro assume uma dvida toda especial com o pensador brasileiro Caio Prado Jnior, e com a sua Dialtica do Conhecimento. Como talvez o percebam os mais iniciados, foi particularmente a dialtica de Caio Prado que me guiou na busca de uma compreenso dialtica da informao (Captulo 1) e, da, no mais que se segue.

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    ltimo Engels e no seu principal herdeiro, Karl Kautski, dos quais derivou toda a codificao posterior, leninista, stalinista, trotskista, maosta etc., etc.12 ... Plano da obra

    Alm desta Introduo, o livro contm seis captulos e a Concluso:

    I - Dialtica da Informao. As discusses sobre a natureza e conceito da informao derivam de dois diferentes programas, como registramos acima. Optando por estudar a informao no sistema, e com base no princpio da organi-zao pelo rudo, exponho como se pode compreender o fenmeno informacional a partir de teorias cientficas j consolidadas na Fsica e na Biologia, da extraindo conceitos que sero operacionais para responder s questes levantadas, quanto ao processo de trabalho.

    II - Valor-trabalho: uma releitura em Marx. O meu objetivo neste captu-lo foi o de reexaminar o conceito marxiano de valor-trabalho luz da discusso sobre informao realizada no Captulo 1. Alm disso, busquei em Marx outros elementos que podem nos ajudar a entender a sociedade contempornea como, por exemplo, os seus conceitos de tempo-livre e de trabalho cientfico.

    III - A sociedade da informao. Neste captulo dialoguei com alguns au-tores que discutem os problemas da sociedade contempornea, especialmente D. Bell e R. Richta, alm de Offe, Schaff, Gorz e outros. Avancei, a partir da, as minhas primeiras consideraes sobre a natureza do trabalho nesta sociedade.

    IV - Valor da informao na Teoria Econmica Ortodoxa. Ao contrrio dos marxistas, alguns tericos neo-clssicos tm enfrentado a questo do valor da informao, logicamente luz das suas prprias premissas e mtodos. Dialoguei com K. Arrow, B. Bates e H. Demsetz, cujas proposies nos adiantam as dificul-dades que o capital enfrenta para apropriar-se da informao social.

    V - Trabalho com informao. Com base nas discusses precedentes e em alguma observao emprica, avancei uma proposta para estudar o valor da informao a partir do processo de trabalho realizado na sua gerao e disse-minao. Para tanto, descrevi alguns processos de trabalho como processos de tratamento e comunicao de informaes, sugerindo que anlises semelhantes podem ser alargadas a virtualmente todos os campos de trabalho vivo, nas socie-dades contemporneas.

    VI - Apropriao da informao - Das discusses anteriores, mostro que o conceito clssico de valor de troca no pode ser aplicado ao valor da informao, o que vem levando o capital a desenvolver novos instrumentos de apropriao, baseados no uso da fora poltica e jurdica. Da as polmicas sobre propriedade intelectual nas quais se envolvem grandes companhias capitalistas, polmicas

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    que exprimem as disputas, entre elas, pela diviso das rendas extradas do tra-balho informacional.

    VII O ciclo da comunicao produtiva Relembrando a dimenso que Marx atribua ao tempo no processo de valorizao, e constatando que o valor da informao se realiza na comunicao, mostro como o capital desenvolveu todo um novo ciclo de produo e trabalho nas comunicaes, da, tambm, fazendo do controle e domnio das redes de processamento e transporte da informao um outro vetor de importncia crucial para a acumulao e apropriao de riquezas. Concluso - A questo central da sociedade contempornea o controle da informao social pelo capital. Por isto, as lutas por justia social e pela de-mocracia deveriam ser organizadas tendo por eixo a liberdade de acesso in-formao socialmente gerada e usada. Para avanar teoricamente tal programa, sugeri algumas linhas amplas de pesquisas e estudos que poderiam aprofundar, ou questionar, os primeiros resultados alcanados neste meu estudo.

    Como cheguei at aqui

    Com pouqussimas mas indispensveis modificaes formais, e alguma, mas complementar, atualizao de contedo, este livro resulta de dissertao de mestrado por mim defendida em 1994, no programa de ps-graduao em Cincia da Informao, da Escola de Comunicao da UFRJ.

    Antes disso, porm, ele corolrio de muitos anos de estudo e observa-es: tem uma genealogia - uma histria pessoal - e deve alguns tributos que, nas prximas linhas, registro com alegria e afeto.

    Certamente, antes de mais nada, minha formao infantil e juvenil de tes-temunha ocular, nos anos 50/60, das lutas de meus pais por um Pas independente e desenvolvido, ao mesmo tempo em que me proporcionavam um ambiente fami-liar estimulante s leituras, ao estudo, s viagens intelectuais, que me impregnou para sempre. Foi parte importante dessa formao e influncia ini cial, o encontro com o marxismo-leninismo, com os seus ideais de justia e liberdade, embora tam-bm (e no poderia ento ser diferente) com as suas crenas dogmticas da poca.

    Saltando no tempo mas devido a este passado, pude, como jornalista entre os anos 70 e 80, perceber intuitivamente a dimenso poltica e econmica de um problema novo que ento chegava sociedade brasileira: a informtica. poca, um amplo e bem articulado grupo de cientistas, engenheiros e outros profissio-nais, trabalhando em centros de pesquisa universitrios e empresas privadas ou estatais, e aproveitando um conjunto de circunstncias muito favorveis, estava tentando, e logrando, dotar o nosso pas com uma avanada indstria de infor-mtica e telecomunicaes. A verdadeira histria desta realizao muito pouco

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    e muito mal conhecida. Ao contrrio: muito distorcida. Por duas razes bsicas. Primeira: evoluiu no contexto de polticas econmicas e industriais autoritrias, elitistas, concentradoras de renda, socialmente excludentes, logo nunca foi se-quer captada, nem muito menos compreendida, em todas as suas dimenses, pelos movimentos populares e polticos que, no mesmo perodo, se remobiliza-vam e se reorganizavam para pr um fim ditadura militar. Segunda: quando a indstria comeou a ganhar fora real e a demonstrar, na prtica, a viabilidade de o Brasil encetar, apoiado fundamentalmente em seus prprios recursos humanos e materiais, a sua revoluo informacional, passou a sofrer vigorosa e poderosa rejeio interna. A poltica de informtica passou a ferir os interesses de grupos empresariais atavicamente dependentes de fontes tecnolgicas estrangeiras, e os de uma grande imprensa completamente subordinada s lgicas alienantes da indstria cultural. Esta reao de amplos setores das classes dominantes e mdias poltica de informtica serviu, por fim, aos interesses imperiais dos Estados Unidos que, contra ela, mobilizaram todos os seus poderes de presso diplomtica, econmica e ideolgica. No encontrando, no Brasil, oposio al-tura (que somente o movimento popular e seus partidos poderiam mobilizar), os Estados Unidos e seus aliados internos acabaram levando a poltica de inform-tica a perder os seus rumos e clareza de objetivos, da facilitando a sua definitiva derrogao nos albores do (des)governo Collor.

    Foi um longo perodo, iniciado mais ou menos em 1976/77, e prolongado at os primeiros anos da dcada 90, durante o qual, como profissional e como cidado, optei por participar ativamente nesse esforo para dotar o nosso pas de uma indstria prpria da informao, juntando-me a cientistas, engenheiros e empresrios que davam o melhor de si para chegar ao mesmo objetivo. Este livro, sem dvida, fruto direto desta vivncia. Dificilmente teria sido possvel sequer pens-lo, no tivesse eu aproveitado essa excepcional oportunidade histrica, eu diria de viver, enquanto algum formado e inspirado no pensamento mar-xista, as experincias polticas e profissionais que ento vivi, nas lutas em defesa do desenvolvimento tecnolgico brasileiro.

    Das centenas de cientistas, engenheiros, quadros tcnicos e empresrios com os quais muito aprendi nessa poca, no podendo cit-los todos, quero agra-decer especialmente a trs: Arthur Pereira Nunes, Ivan da Costa Marques e Luis Sergio Coelho Sampaio.

    Graas a Arthur, pude realizar alguns estudos, dos quais o mais importante permitiu-me visitar cerca de uma dezena de fabricantes brasileiros de computa-dores ou perifricos, conhecendo-lhes a histria industrial e tecnolgica, obser-vando os seus mtodos de trabalho, auscultando os seus engenheiros e tcnicos. Esta investigao originou o livro O Crime de Prometeu: como o Brasil conquistou a tecnologia de informtica13, produzido e distribudo, em 1989, pela Associao

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    Brasileira da Indstria Na cional de Computadores (Abicomp), que inspirou-me diretamente, a partir das observaes que pude fazer ento, no desenvolvimento das idias expostas nas pginas que se seguem*.

    Com Ivan, alm de ter trabalhado em uma empresa projetista e fabricante de computadores, a Cobra, logo vivenciado por dentro as atividades de uma in-dstria de alta-tecnologia; entendi como a nova diviso internacional do trabalho tende a excluir sociedades como a brasileira de todo o processo de criao da ri-queza efetiva dos tempos atuais: o conhecimento cientfico e tecnolgico. Porque no gera essa riqueza, o Brasil expande a sua pobreza.

    Com Sampaio**,*tive a grande oportunidade de ligar-me a um grupo de pes-soas que, na Embratel, por volta de 1984, investigava, pioneiramente entre ns, os impactos da informatizao em uma sociedade como a brasileira. Pude ento exa-minar, pela primeira vez de forma teoricamente mais sistematizada, as dimenses das transformaes pelas quais passa a sociedade contempornea, bem como travar contato (em alguns casos, tardio) com autores que seriam fundamentais para o avan-o das minhas idias posteriores: Umberto Eco, Andr Gorz, Radovan Rich ta, Daniel Bell, Anthony Smith, Jean-Pierre Dupuy, os pensadores da Escola de Frankfurt e ain-da outros. Adicionalmente, foi esta experincia que me motivou a retornar aos campi universitrios, dos quais os equvocos da vida haviam-me afastado.

    Os Gundrisse

    Quis o acaso que, neste momento em que eu me abria a conhecimentos novos, publicasse a Editora Abril, numa coleo sobre os Economistas, todo O Capital. Na sua excelente Introduo, Jacob Gorender14 chama ateno para as idias expostas por Marx nos Grundrisse, sugerindo uma outra via para a supe-rao do capital, atravs de seu prprio desenvolvimento cientfico-tcnico que, nem de longe, se assemelhava s minhas (e nossas) velhas crenas revolucion-rias leninistas. Atiou-me, ento, uma provocao. Um desses apologistas da so-ciedade ps-industrial, John Naisbitt, numa bobagem intitulada Megatendncias,

    *Quando este livro estava inteiramente pronto para subir nuvem, em 15 de abril de 2012, Arthur Pereira Nu-nes faleceu em decorrncia de uma longa e cada vez mais grave enfermidade. Um dos principais articuladores da Poltica Nacional de Informtica nos anos 1970-1990, secretrio de Informtica do MCT no incio do governo Lula quando foi tambm presidente do Comit Gestor da Internet-Brasil (CGI-Br), Arthur era, sobretudo, uma pessoa extremamente solidria com os amigos, a cujo estmulo e apoio muito devo nesses 30 e poucos anos em que tive o privilgio de com ele conviver.** Extraordinrio intelectual, infelizmente falecido em 2003 aos 70 anos, liderou, como diretor e, depois, vice-presi-dente da Embratel, um ousado programa de formao de recursos humanos para a sociedade da informao que incluiu o desenvolvimento da Projeto Ciranda, a primeira comunidade informatizada (hoje diriam rede social) brasileira. Em plena a ditadura, nos governos Geisel e Figueiredo, a Embratel distribuiu a todos os seus funcionrios, microcomputadores pessoais de 8 bits (os mais avanados ento) e passou a estimular a interao social entre eles, visando investigar como se comportaria uma comunidade interligada por computadores. Projetos semelhantes eram realizados no Japo, no Canad, na Sucia, na Frana, noutros pases. Uma das primeiras medidas adotada pe-los novos diretores da Embratel que assumem na assim dita redemocratizao de 1985, foi encerrar esse projeto. O Brasil comeava a andar para trs... (N2011).

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    decretou: Numa sociedade de informao, o valor acrescido pelo conhecimento, um tipo de trabalho diferente do que o que Marx tinha em mente15. Descontado o fato de que Smith, Ricardo, Say, Sismondi e todos os demais pais fundadores da cincia econmica tinham tambm em mente o valor-trabalho, pareceu-me estar ali o cerne do problema, e que Gorender me dera uma boa indicao de por onde comear a examin-lo: com efeito, desde ento, tornou-se claro para mim, atravs do estudo deste monumento do pensamento humano que so os Grundrisse, que seria possvel examinar as questes levantadas pela sociedade da informao, desde um ponto de vista crtico, histrico e... dialtico.

    Dvidas e gratides

    A consumao de todo este esforo no teria sido possvel sem o estmulo, o concurso e as exigncias de dois professores: Vnia Arajo e Jos Ricardo Tauile*,*os meus orientadores. Ambos so grandemente responsveis pelo que as minhas idias tenham de corretas e socialmente teis. E como no estavam obri-gados a corrigir os meus defeitos e limitaes pessoais, no conseguiram remover equvocos ou falhas que, se persistem, so de minha inteira responsabilidade.

    A trs outros professores da Ps-graduao devo tambm parcelas de contribuio para este trabalho: Nlida Gmez, Regina Marteleto, Lena Vnia Pinheiro. Devo tambm gratido, pela ateno e tempo que me dispensaram, a Vanda Scartezini, ento na SID Microeletrnica; Eber Assis Schmitz, Eloisa Faanha, Alexandre Sales e Alexandre de la Vega, todos estes do NCE-UFRJ.

    Assumi, por fim, uma profunda e dificilmente resgatvel dvida com meus dois filhos - Thomaz e Lucas - de quem, em muitos e muitos fins de se-manas e noites ps-jantar, subtra o pai (imerso que fiquei nos meus estudos), numa etapa to importante de suas vidas, quando enfrentam as vertiginosas novidades da juventude.

    O que se ler a seguir uma investigao conceitual introdutria. Por isto, o livro deixa necessariamente de fora a discusso de uma ampla e importante gama de problemas que precisariam ser examinados em um estudo mais abrangente so-bre a economia e a sociedade da informao. Aqui, quis tratar apenas, e teorica-mente, do problema do trabalho e do valor. Neste recorte, espero que o estudo pos-sa levantar novas questes, mais do que respond-las. Se, independentemente dos acertos e erros de suas teses, as pginas seguintes puderem sugerir outras e mais frutferas investigaes tericas e empricas capazes de instrumentalizar o movi-mento so cial, j terei cumprido com o principal papel de um intelectual inserido numa sociedade to desigual como o esta em que vivemos: pens-la criticamente.* Infelizmente, mas infelizmente mesmo, falecido a 10 de dezembro de 2006. Muitas saudades (N2011)

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    Post Scriptum (agosto de 2011)

    Como dito acima, este livro resulta da dissertao de Mestrado concluda em 1994. Mais de 80 por cento do que se ler a seguir, foi pensado e elaborado nos primeiros anos da dcada 1990 e redigido no vero de 1993-1994. Cerca de 15% ou um pouco mais, foi pensado na metade restante daquela mesma dcada e escrito no vero de 1999-2000.

    Ento, se justificava dizer que a sociedade brasileira em geral e a esquer-da, em particular, ainda no despertara para os problemas da sociedade da in-formao, embora estes j viessem sendo cada vez mais intensamente discuti-dos nos pases centrais, desde os anos 1980. Este acmulo, nos pases centrais, inclusive levar os chefes de Governo do G7 a aprovarem a resoluo de edificar uma global society of information, em 1995, em Bruxelas. Mas no Brasil, salvo um restrito crculo de pesquisadores e tcnicos ligados informtica e telecomuni-caes, no se falava disso.

    A dissertao fora produzida visando despertar o debate. Infelizmente, sua publicao poca no interessou a diversas editoras s quais o texto foi oferecido. Digamos, o assunto, no Brasil, no estava em moda... Alis, naqueles tristes anos de Collor e FHC, discutir Marx muito menos. Por outro lado, essas mudanas na sociedade ainda no haviam despertado novas grandes narrati-vas nos centros mundiais do pensamento que pudessem servir de referncia para os estudos nesta nossa provinciana periferia pouco afeita a pensar com originalidade. Ento, mal tinham sado do forno os Lyotard, os Levy, os Castells, muito menos a internet j se transformara no extraordinrio sucesso de merca-do em que se transformaria a partir do lanamento do Internet Explorer, em 1996. Entende-se que uma dezena de editoras, inclusive algumas especializadas em publicaes para o pblico que se diz de esquerda, no tenha visto qualquer interesse neste meu trabalho... Agora, com a internet e com o apoio do Programa de Ps Graduao da Escola de Comunicao da UFRJ, podemos dispensar tais fil-tros. Em muitos aspectos, os assuntos aqui tratados, inditos poca, e cujo pionei-rismo reivindico, comeam a parecer corriqueiros nos dias que correm. Entretanto, at hoje, a questo central tratada neste livro, permanece original: o trabalho infor-macional. Expresses como trabalho imaterial ou capitalismo cognitivo no existiam ainda, ou eram ignoradas por aqui, na primeira metade dos anos 1990. Se no fao referncias a elas, por desconhec-las mesmo quela poca. Hoje, tm motivado uma crescente produo intelectual, crtica favorvel ou negativa, que, seja como for, acaba por legitim-las. Por isto, pensando no debate de hoje (2012), a categoria trabalho informacional, que aqui apresento, surge como uma negao avant la lettre quelas invencionices ps-modernas. O trabalho informa-cional material, pois transformao, pelo corpo humano e sua mente, atravs de prteses adequadas (ferramentas e tecnologias), de materiais portadores de

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    signos que contm valor pelo signo que portam. Trabalho imaterial somente se for aquele feito por Deus no ato da criao...

    Do texto original, de 1994, foi feita uma primeira edio para publicao em 1996, escoimadas de algumas idiossincrasias acadmicas; e uma segunda, no final de 1999. Este livro est de acordo com esta segunda verso. Os captulos 1 a 5 quase no foram modificados em relao ao texto original da dissertao, inclusive conservam o qu, tantos anos depois, j me parecem ser algumas inge-nuidades tericas, ao menos estilsticas, de um pesquisador em incio de carreira. O captulo 5, alis, mas no s ele, antecipava um dos debates centrais do capita-lismo deste sculo XXI: a propriedade intelectual. O captulo 6, escrito posterior-mente, traz desdobramentos que eu comeava a pensar no final dos anos 1990, j no doutorado, e desenvolveria melhor na dcada seguinte. Pela sua tese central sobre o trabalho no capitalismo avanado, pelo debate sobre a propriedade inte-lectual, apesar das suas referncias tericas ou factuais ao sculo passado, este estudo, assim espero, pode ainda ser muito til.

    (Uma ltima observao: a maioria das notas de rodap precedida de as-teriscos (*) foram introduzidas nas revises posteriores ao texto do Mestrado. As notas que trazem, entre parnteses, a notao N2011 foram redigidas para esta edio).

    Referncias Bibliogrficas1. WIENER, Norbert. Ciberntica e sociedade - o uso humano de seres humanos, p.

    112 passim, So Paulo, SP: Editora Cultrix, trad., 1978.

    2. KONDER, Leandro. O futuro da filosofia da Prxis, Rio de Janeiro, RJ: Paz & Terra, 1992.

    3. HABERMAS, Jrgen. Para a reconstruo do materialismo dialtico, p. 11, So Paulo, SP: Editora Brasiliense, trad., 2 ed., 1990.

    4. GORZ, Andr. Adeus ao proletariado - para alm do socialismo. Rio de Janeiro, RJ: Forense Universitria, trad., 1982.

    5. SFEZ, Lucien. Crtica da comunicao, So Paulo, SP: Edies Loyola, trad., 1994.

    6. LUKACS, Georg. Histria e conscincia de classe, Rio de Janeiro, RJ: Elfos Editora Ltda, trad., 1989.

    7. PRADO Jr., Caio. Dialtica do Conhecimento, Rio de Janeiro, RJ: Editora Brasiliense, 5 ed., 2 tomos, 1969.

    8. SOCHOR, Lubomir. Lukcs e Korsch: a discusso filosfica dos anos 20 in HOBSBAWM, Eric J. (org.), Histria do Marxismo, Vol. 9, Paz & Terra, Rio de Janeiro, RJ, trad., 1987.

    9 DUPUY, Jean-Pierre. Ordres et dsordres - Enqute sur un nouveau paradigme. Paris, FR: ditions du Seuil, 1990.

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    10. LABORIT, Henri. Deus no joga dados. So Paulo, SP: Trajetria Cultural, trad., 1988.

    11. KONDER, Leandro. A Derrota da Dialtica, p. 9, Rio de Janeiro, RJ: Editora Campus, 1988.

    12. HOBSBAWM, Eric J. (org.), Histria do Marxismo, vrios volumes, Paz & Terra, Rio de Janeiro, RJ, 1987 e seguintes.

    13. DANTAS, Marcos. O crime de Prometeu: como o Brasil obteve a tecnologia de informtica. Rio de Janeiro, RJ: Abicomp, 1989.

    14. GORENDER, Jacob. Apresentao in MARX, Karl. O Capital. So Paulo, SP: Abril Cultural, trad., 4 vols., 1983.

    15. NAISBITT, John. Megatendncias, p. 17, So Paulo, SP: Crculo do Livro/Livros Abril, trad., 1983.

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    Captulo I

    Dialtica da Informao

    A cincia natural algum dia incorporar a cincia do ho-

    mem, exatamente como a cincia do homem incorporar a

    cincia natural; haver uma nica cincia.

    Karl Marx

    O significante informao vem do latim informatio, -onis, ao de for-mar, plano, da o verbo informare, dar forma, esboar. Desde suas origens, o significante denota um processo ou movimento de dar forma a algo ainda em es-boo ou em planejamento.

    De em-formao deriva, segundo Fernand Terrou, informao como desig-nativo das grandes tcnicas de difuso e a liberdade ou as atividades sociais fun-damentais de que essas tcnicas so ou podem ser os instrumentos principais1. Trata-se de um conceito que congela o sentido original, dinmico, da palavra, num conjunto de atividades subordinadas a uma tcnica. Porm, um significado geralmente aceito pelo senso comum que costuma associar a informao aos resultados das atividades de imprensa, rdio ou televiso, isto , ao contedo das notcias, e aos exerccios de liberdade poltica que tais atividades pressupem.

    O partir dos anos 40 ou 50 do sculo XX, o significante informao veio tambm sendo adotado para representar uma gama de diferentes fenmenos, identificados e estudados tanto no mundo natural (sobretudo na esfera biol-gica), quanto nas muitas atividades sociais do ser humano. Pode-se dizer que a estrutura cristalina mineral ou contm informao; que o cdigo gentico informao; que um animal irracional age em funo de informao; que um

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    estado psicolgico qualquer, num indivduo, resulta de alguma informao; que um computador processa informao; at mercadorias, ou commodities, so ou podem ser informao. A palavra extrapolou o seu significado ordinrio origi-nal, incorporando outras acepes nem sempre imediatamente relacionadas comunicao humana. Mais do que isso, informao tornou-se um problema cientfico, no sentido de que o seu conceito e os fenmenos que exprime passa-ram a ser formalmente pesquisados e debatidos, conforme mtodos prprios dos diferentes campos cientficos que dela fizeram objeto de estudo.

    O que informao?

    Nisto que foi trazida para o debate cientfico, a compreenso e a concei-tuao do fenmeno informacional tornaram-se vtimas das diferenas, culturas, objetivos, e at idiossincrasias prprias de cada rea do conhecimento. No ser difcil catalogar-se muitas definies diferentes e at contraditrias para infor-mao, sugeridas pelos mais diversos autores, havendo quem j tenha relacio-nado mais de 400 delas2. Tem-se a ntida impresso que cada pesquisador ou estudioso, ao defrontar-se com uma situao que lhe parece relacionada infor-mao, precisando caracteriz-la, conforma-se em lhe sugerir uma definio ad hoc, utilitria, quando no intuitiva. Ento, informao, numa compilao em diferentes autores, poder ser as relaes que se tornam perceptveis, quando ocorrem mudanas no estado fsico de algum objeto; ou conhecimento que comunicado; ou smbolos produzidos por um comunicador, para efetuar o seu intento de comunicar; ou um processo que ocorre na mente humana quando se completa uma produtiva unio entre um problema e um dado til sua soluo; ou dados produzidos como resultado do processamento de dados; ou3...

    Informao seria tudo isto, ou algo disto, enquanto percepo imediata de um fenmeno que no entanto, hoje em dia, j pode ser bem compreendido atravs de um corpo terico rigoroso e formalizado. Em princpio, no haveria mais porque ainda tatear-se na busca de definies pouco precisas, apenas para atender-se, um tanto quanto arbitra riamente, s demandas de um estudo qual-quer. Muito menos, quando este estudo versar exatamente sobre processos so-ciais e econmicos diretamente relacionados produo ou uso de informao.

    Em se tratando, por outro lado, de um conhecimento cientfico recente e, sob muitos aspectos, ainda em construo, poder ser admissvel desdobrar a conceituao disponvel para aplic-la a contextos ou situaes de estudo ainda no abarcados, ou pouco penetrados, por esse corpo terico. Assim, no se es-tar sendo, nem arbitrrio, nem utilitrio. Estar-se-, por um lado, respeitando aquilo que, nas cincias em geral, h que se respeitar enquanto leis universais da natureza ou da histria, mas, por outro lado, adequando-as a recortes bem espe-cificados, esclarecidos e justificados.

  • TRABALHO COM INFORMAO Valor, acumulao, apropriao nas redes do capital22

    Se vamos estudar a sociedade da informao, precisamos, para comear, entender o que vem a ser informao. Veremos tratar-se de um fenmeno que en-contra-se intrinsecamente ligado a qualquer situao onde haja uma organizao, logo a qualquer estudo sobre uma sociedade. Como observou Rapoport, se a ener-gia tinha sido o conceito unificador subjacente a todos os fenmenos fsicos que su-punham trabalho e calor, a informao tornou-se o conceito unificador subjacente ao fun cionamento dos sistemas organizados, isto , sistemas cujo comportamento era controlado de modo a atingir alguns objetivos pr-estabelecidos4.Bogdnov, um precursor

    O primeiro esforo abrangente para pensar os sistemas organizados foi re-alizado pelo bilogo marxista russo Alexandr Bogdnov, nas duas primeiras d-cadas do sculo XX. Infelizmente, conhecemos muito pouco e indiretamente a sua obra*.*A detalhada resenha crtica elaborada por Scherrer5, preocupa-se mais em discutir os aspectos polticos de seu pensamento, ainda que os relacionando cla-ramente s suas idias cientficas e filosficas, do que em aprofundar o exame das suas proposies sobre conhecimento e cincia. No que aqui nos interessa, Bogdnov desenvolveu uma monista teoria geral da natureza, entendendo que toda a atividade humana no campo da tcnica, da prxis social, da pesquisa cien-tfica e da arte pode ser considerada como material da experincia organizativa e estudada do ponto de vista organizativo6. Da, funda as bases de uma nova cin -cia que denomina tectologia (do grego tectaiologai, eu construo)**,**que deveria conceber todas as cincias como instrumento para a organizao de um nico processo social de trabalho, ao qual se deve dar a forma incondicionalmente har-moniosa e unitria, para tanto elaborando mtodos e pontos de vistas gerais que liguem entre si todas as cincias particula res7.

    Toda a atividade do ser humano, argumenta Bogdnov, consiste em organizar algum aspecto da vida social, nas suas relaes com a Natureza e com os homens

    * O Autor deve ao professor Michel Thiollent, essas informaes sobre as idias de Bogdnov. Thiollent lembrou-lhe que Ludwig von Bertalanffy, ao elaborar a sua Teoria Geral dos Sistemas, poderia ter sido mais ou menos influen-ciado pelas idias de Bogdnov, ao qual porm no faz qualquer referncia. Esta suspeita mereceu a realizao, nos anos anos 80, de seminrios acadmicos nos Estados Unidos, com conseqente publicao de livros sobre o assunto. A partir desta indicao, apuramos, nos ensaios crticos contidos na Histria do Marxismo de Hobsbawm, que Bogdnov foi um dirigente bolshevique to influente quanto Lnin, pelo menos ao longo dos primeiros trs lustros deste sculo [sculo XX], e que, ao contrrio da grande maioria dos lderes revolucionrios marxistas (russos ou no), possuia slida formao em cincias exatas. Embora sempre ligado ao Partido Bolshevique, inclusive aos governos revolucionrios, at morrer em 1928, sustentou permanente polmica com Lnin que, contra ele, escre-veu Materialismo e empiriocriticismo, uma das principais fontes do que veio a ser a diamat. Bogdnov produziu uma vasta obra terica e poltica, inteiramente desaparecida das estantes desde os fins dos anos 20. Dois trabalhos se destacam: Empiriomonismo, publicado, em trs volumes, entre 1904 e 1906; e Cincia geral da organizao: tecto-logia, tambm em trs partes, que veio luz entre 1916 e 1922. Este ltimo foi traduzido para o alemo e editado em Berlim, em 1926. Portanto, a dvida procede: poderia o bilogo austraco Ludwig von Bertalanffy, ao elaborar a sua Teoria Geral dos Sistemas, na efervescente Viena dos anos 30, ignorar completamente a Cincia Geral da Orga-nizao, do bilogo russo Alexandr Bogdnov?** Pelo nome que deu cincia que pretendia criar e pela descrio que temos das suas idias, pode-se sugerir (a ser melhor investigado) que Bogdnov seria, tambm, um precursor do construtivismo (N2011).

  • TRABALHO COM INFORMAO Valor, acumulao, apropriao nas redes do capital 23

    entre si. O conhecimento, pois, um processo de organizao das experincias oriun-das dessas relaes, originando conceitos que no so propriedades do mundo ou das coisas em si [...] mas simples formas de organizao ou de ordenamento das experincias, os nicos instrumentos que permitem ao homem formar um mundo objetivo em geral8. Esses conceitos adquirem validade pelo consenso social, logo no so externos ao momento histrico, nem so necessariamente universais : o verdadeiro, para Bogdnov, o que socialmente vlido numa determinada poca9.

    Como os processos sociais so dinmicos, o objetivo de toda atividade or-ganizadora deve ser a obteno de algum estado passageiro de equilbrio:

    O sentido de todas as organizaes a criao de estados

    de equilbrio entre as mais diversas foras opostas entre si.

    Mas, uma vez conquistado, todo equilbrio deve ser nova-

    mente perturbado pelo surgimento de novas foras, livres.

    E, portanto, a luta pelo equilbrio no se torna apenas o

    princpio supremo da atividade humana organizativa, mas

    tambm a lei de desenvolvimento do mundo e da histria;

    nesse sentido, tambm a Dialtica , para Bogdnov, uma

    luta para eliminar desequilbrios que nascem do contraste

    entre foras orientadas de modo diverso10.Teremos oportunidade para discutir, mais adiante, essa relao entre

    equilbrio e desequilbrio numa interpretao dialtica. Agora, interessa desta-car que as idias de Bogdnov se constituram, confirma-o Willett, numa notvel antecipao das teorias cibernticas e da Teoria dos Sistemas. E paradoxal que tal cincia organizativa universal tenha-se desenvolvido na sociedade burguesa, ao passo que no s a tectologia de Bogdnov foi abandonada na URSS, mas a prpria Ciberntica foi por muito tempo boicotada11.Crtica homeostase

    As idias pioneiras de Bogdnov desapareceram com ele na Unio Sovitica de Stlin e reapareceram, sem nenhum crdito, na Teoria Geral dos Sistemas, de Ludwig von Bertallanfy. Este define um sistema como um complexo de elemen-tos em interao, interao essa de natureza ordenada; ou como qualquer todo constitudo por componentes em interao12. Tambm para Rapoport, um siste-ma uma totalidade de relaes entre [as suas] unidades13.

    Seria natural que, sendo o ser vivo o mais evidente conjunto organizado, os conceitos sistmicos aparecessem inicialmente entre os bilogos, psiclogos

  • TRABALHO COM INFORMAO Valor, acumulao, apropriao nas redes do capital24

    e cientistas sociais. Os pesquisadores que primeiro o desenvolveram, tenderam a considerar o todo sistmico como independente de suas partes. O comportamen-to destas se explicaria por uma necessidade de ajustamento ao conjunto, sendo inerente ao conjunto a busca daquele ajustamento. Noutras palavras, qualquer sistema estaria sempre tendendo a alguma posio de equilbrio entre suas par-tes, sendo o movimento destas entendido como uma reao a algum tipo de in-terveno desequilibradora, em busca de um novo ponto de equilbrio (confor-me, vimos, era tambm o pensamento de Bogdnov).

    Bertalanffy ilustra esta afirmao, expondo como as teorias psquicas de-senvolvidas na primeira metade do sculo, independentemente de suas diferen-as, entendiam os desajustes num indivduo como uma resposta a algum estmu-lo desequilibrador no sistema biolgico ou psicolgico desse indivduo. reao e subseqente recuperao do equilbrio deu-se o nome de homeostase14. Este mesmo conceito preside a noo dos modelos administrativos - weberianos - que se acreditava poderem existir razoavelmente infensos a perturbaes imprevis-tas, isto : de tal forma se descreveriam os papis de cada um dos elementos de uma organizao (empresas, instituies etc.), os seus objetivos, bem como os meios de evitar aes oriundas de fontes no desejadas, que se presumiria ser possvel mant-la funcionando em permanente equilbrio, ou a este estado retor-nar quando perturbado15.

    A idia de homeostase tambm pode ser percebida por trs do pensamento econmico neo-clssico - e, da, em quase todo o pensamento econmico do sculo XX. Os paretianos e seus sucessores, em que pese diferenas outras, entendem o sistema econmico como voltado busca do equilbrio, pois se assim no fosse, diz Claudio Napoleoni, no seria um sistema no sentido prprio da palavra, mas a representao de um conjunto desordenado de atividades, privado de qualquer eficcia para os fins de interpretao da realidade econmica efetiva. Entretanto, a situao de equilbrio geral existe e, portanto, nosso modelo tem sentido16.

    Esta posio, que Rapoport denomina organicista17, corresponde aos pri-meiros tempos dos estudos sistmicos. Pretende que um sistema, uma vez iden-tificado ou individualizado, possa ser protegido do meio sua volta que no deve afet-lo, nem ser por ele afetado. Mas um sistema assim, reconhece Bertalanffy, deveria ser totalmente fechado a qualquer comunicao com o ambiente sua volta, algo difcil de se conceber nas esferas biolgica e histrica. Os sistemas vivos so abertos, so constitudos internamente por elementos em permanente dinamismo e esto em necessrio intercmbio com o ambiente exterior.

    A realidade demonstrou que, para todos os efeitos prticos, um sistema biolgico ou histrico completamente fechado no existe. Sendo assim, em prin-cpio, todo sistema inerentemente desequilibrado. O seu eventual equilbrio ho-meosttico demonstra-se, nas palavras de Bertalanffy, como um estado passa-

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    geiro; o desequilbrio, um estado constante. Logo, o conceito de homeostase cobre apenas parcialmente o comportamento animal e de forma nenhuma uma poro essencial do comportamento humano. Ele no aplicvel s leis din-micas (baseadas no em mecanismos fixos, mas dentro de um sistema que fun-ciona como um todo), a processos cuja meta no a reduo, mas a criao de tenses, aos processos de crescimento, desenvolvimento, criao e similares18.As leis da termodinmica

    Essa viso sistmica de mundo nos ensina a alterar certas percepes de nosso senso comum. Podemos, por exemplo, aceitar positivamente o desequil-brio como fator de movimento, crescimento, progresso; e desconfiar do equilbrio como estado que repousa na imobilidade. O equilbrio trata do resultado final da evoluo espontnea de um sistema que consideremos, ou faamos, fechado. O desequilbrio, ao contrrio, ativo, ou seja, no espontneo: caracteriza um siste-ma em evoluo e crescimento.

    A relao entre os conceitos de equilbrio e desequilbrio provm das Leis da Termodinmica, duas leis naturais que determinam inexoravelmente os li-mites da evoluo, crescimento e sobrevivncia de qualquer sistema dinmico. Elas foram descobertas e estudadas, ao longo do sculo passado, por Sadi Carnot, Rudolf Clausius e James C. Maxwell, entre outros. A Primeira Lei estabelece que a energia contida num sistema fechado no cresce, nem decresce; constante, embora possa estar desigualmente distribuda. Essa distribuio desigual per-cebida pelo calor liberado nas diferentes partes do sistema.

    A Segunda Lei reza que a energia contida num sistema fechado sofre per-manente e espontnea transformao, sempre numa mesma direo: das reas onde est mais concentrada para aquelas onde est menos concentrada, das re-as mais quentes para as mais frias. Essas transformaes so denominadas tra-balho. Elas ocorrero sem cessar, no interior de um sistema que faamos fechado, at que a energia dentro dele esteja totalmente equalizada, isto , no mais coe-xistam reas relativamente quentes e reas relativamente frias. Neste ambiente de temperatura uniforme no mais ocorrem mudanas significativas: o sistema est em equilbrio; ele est morto. Ou, dizemos tambm, ele atingiu a sua entro-pia mxima. Esta palavra entropia foi cunhada por Rudolf Clausius para medir e exprimir a evoluo de um sistema numa direo de crescente desorganizao at seu descanso final.

    Ordem e desordem

    Para entendermos melhor as implicaes conceituais dessas duas leis da Fsica, faamos uma analogia com um copo dgua no qual pingamos um pouco

  • TRABALHO COM INFORMAO Valor, acumulao, apropriao nas redes do capital26

    de tinta nanquim. Num primeiro momento, a tinta se mostrar bem caracteriza-da, bem definida, na superfcie da gua: identificamos claramente os seus limites, pela cor, pela consistncia. Aos poucos, sem que precisemos intervir, esponta-neamente, a tinta se espalha pela gua, at os limites do copo. A partir de um certo momento, toda a gua estar acinzentada. J no distinguimos o que era nanquim e o que era gua pura. A mancha desmanchou-se, a gua turvou-se. Se enfiarmos uma pequena colher no copo, tanto faz se junto superfcie ou mais no fundo, obteremos pores idnticas de lquido, na cor e na consistncia. Se examinarmos ao microscpio, descobriremos que, em qualquer poro do lqui-do, existem quantidades relativamente iguais de componentes de nanquim e de gua. Esses componentes esto equilibradamente espalhados por todo o copo. E, por isto mesmo, no sabemos mais o que nanquim e o que gua. Esta uma situao mais desordenada do que a ante rior, quando claramente identificva-mos os limites da mancha de nanquim dentro da gua que, tambm, percebamos mais limpa. O copo com gua um sistema no qual no mais intervimos, a partir do momento em que nele pingamos um pouco de nanquim. A partir deste mo-mento, o consideramos um sistema fechado que evoluiu espontaneamente de um estado mais ordenado para outro desordenado, de um estado no qual podamos com facilidade identificar os seus componentes para outro em que no o pode-mos mais. Porm, igualmente, o contedo do copo evoluiu de uma situao mais desequilibrada para outra mais equilibrada, at atingir a sua mxima entropia, quando se estabilizam os processos em seu interior. Ordem e desequilbrio podem ser assumidos como conceitos correspondentes, em oposio a desordem, equil-brio e entropia. Um sistema desequilibrado um sistema ordenado. Um sistema equilibrado um sistema desordenado, que atingiu a mxima entropia.

    Na vida quotidiana, no ser difcil apontar muitos momentos em que o equilbrio exprime, tambm, uma situao de maior desordem. Na loteria espor-tiva, por exemplo. Um jogo envolvendo duas equipes consideradas relativamente equilibradas, leva o apostador a uma situao de dvida, da preferir o palpite tri-plo que, na verdade, nenhum palpite, isto , nenhuma deciso. Um jogo envolven-do uma equipe considerada indubitavelmente superior a outra, leva o apostador a cravar aquela, isto , a no ter dvidas, a sentir-se mais seguro, a tomar uma deci-so. Intuitivamente, sabemos que certeza, segurana, nos exprime uma situao mais ordenada, mais organizada, mais claramente perceptvel. Dvida, exprime de-sordem, ausncia de formas bem definidas, confuso. O apostador sentiu-se mais confuso diante de um jogo equilibrado, que de outro desequilibrado.

    Tempo e entropia

    Em termos mais rigorosos, todo sistema formado por um conjun-to de microestados: as suas partculas, as suas molculas, os seus elementos

  • TRABALHO COM INFORMAO Valor, acumulao, apropriao nas redes do capital 27

    constitutivos. Quando podemos quantificar, pelas diversas partes do sistema, as posies ou velocidades de suas diferentes partculas, podemos qualificar o sistema, podemos reconhecer o seu macroestado. Por exemplo: um copo de gua est quente porque nele predominam quantitativamente molculas mo-vendo-se em alta velocidade. Ou percebemos a mancha de nanquim porque, num determinado ponto da superfcie da gua, est concentrada uma grande quantidade de componentes do nanquim.

    Como a tendncia natural das partculas ser sempre a de se espalharem equitativamente pelo interior do sistema, qualquer distribuio desigual consti-tuir-se- num evento extraordinrio, menos provvel, incidental. gua quente ten-de para a temperatura ambiente, no sendo possvel o movimento contrrio, exce-to se o recipiente contendo a gua for, por ao intencional a ele externa, recoloca-do junto a uma fonte renovada de calor. Um pingo de nanquim deve dissolver-se no copo de gua, sendo inimaginvel que, sem algum tipo de interveno outra, do lquido turvo a tinta venha novamente a concentrar-se num ponto do copo. A de-sordem entrpica, portanto, , no Universo, um estado mais natural, mais provvel, do que a ordem no entrpica. conseqncia mesma da Segunda Lei*.*

    Havendo possibilidade de medirmos - atravs de observaes e de equa-es matemticas apropriadas a tal fim - a distribuio dos elementos no interior de um sistema, poderemos descrever a evoluo entrpica de seu macroestado. Poderemos saber se ele encontra-se mais ordenado, logo podendo gerar grande quantidade de trabalho; ou mais desordenado, logo no podendo realizar muito trabalho. Esta ser, tambm, uma medida do envelhecimento do sistema: mais ordenado, estar mais jovem; mais desordenado, estar prximo morte. Ser, destarte, uma medida do tempo: o tempo no Universo caminha em direo entr-pica, isto , ele indica o grau de avano dos processos espontneos, num sistema, rumo ao seu estado final de equilbrio. O tempo nos diz, em suma, das transforma-es na qualidade de um sistema, na medida em que suas quantidades relativas vo se modificando numa mesma direo final.

    * Aqui, cabe um esclarecimento. Sempre lembrando que este estudo foi elaborado ao longo dos primeiros anos da dcada 1990 e seu texto concludo no vero 1993-1994, neste captulo, suas principais referncias metodolgi-cas foram Caio Prado Jnior e o primeiro Lukcs, os quais me iluminaram duras leituras em Lon Brillouin, Henri Atlan, Jean-Pierre Dupuy e outros. Por estes dois ltimos, fui apresentado categoria da complexidade e elaborei as idias sobre desequilbrio aqui apresentadas. S posteriormente, j no doutorado concludo em 2001, viria a ser apresentado ao pensamento de Prigogine e Stenghers e ao da Escola de Palo Alto. Embora, como sabemos, os trabalhos de Bateson e seus colegas datem da dcada 1950, nos primrdios da Ciberntica, s comearam a ser melhor divulgados entre ns na ltima dcada do sculo passado, junto com toda a ruptura paradigmtica que ento ocorria depois da dbcle do campo socialista. Essas obras, assim como tambm as de Humberto Maturana, Humberto Varela e Edgar Morin estavam comeando a ganhar o mundo na dcada de 1980 e, tudo indica, no tinham ainda chegado ao Brasil, ao menos no s instituies e professores pelos quais passei no Mestrado (IBICT, IE-UFRJ, COPPE-UFRJ). Foi muito por esforo prprio, da um tanto vacilantemente, que, sem clara conscincia do terreno onde pisava, eu me aproximava delas. Por isto, o meu texto parecer ora manter-se fiel termodinmica do equilbrio, ora avanar para a do no-equilbrio, conceito este que pode ser obviamente associado ao que eu ento entendia por desequilbrio(N2011).

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    Conceito de neguentropia

    Para compreendermos a relao entre equilbrio e desequilbrio, exami-namo-la, em primeiro lugar, luz do conceito de entropia. Agora, a examinare-mos pelo outro plo: pela negao (dialtica) da entropia.

    Vimos que todo sistema tende espontaneamente ao equilbrio, ou desor-dem. Esta uma lei universal da Natureza. Deixamos entendido, porm, que os chamados sistemas abertos ou dinmicos so inerentemente desequilibrados. So como, se em nosso exemplo anterior da mancha de nanquim num copo dgua, a mancha se mantivesse durante um bom tempo na sua forma original, distinta da gua. Sabemos que isto no ocorre, que espontaneamente a mancha se dissol-ver na gua. Mas sabemos tambm que, sendo impossvel um movimento em sentido contrrio, se havia no incio mancha de nanquim no copo, algum, de fora do sistema, pingou-a l. Porque sofreu esta interveno no espontnea e como conseqncia dela, o estado inicial do sistema era ordenado ou desequilibrado. Porque, a partir da, foi abandonado aos seus processos espontneos, o seu esta-do final ser desordenado, equilibrado.

    Um sistema em seu estado equilibrado mximo final, um sistema que no mais fornece trabalho. Porm, um sistema em seu estado desequilibrado inicial, um sistema capaz de fornecer trabalho. Se a impossibilidade de realizar trabalho mede a entropia mxima de um sistema, a possibilidade de faz-lo mede a sua neguentropia, termo cunhado nos anos 50, por Lon Brillouin19. Portanto, aos significados de ordem e desequilbrio, conforme os discutimos mais acima, devemos associar, tambm, o de neguentropia. Um sistema, espontaneamente, evoluir de um grau mximo dado de neguentropia para um grau mximo de entropia; da ordem mxima num instante considerado para a desordem mxima; do desequilbrio mximo para o equilbrio... eterno.

    O demnio de Maxwell

    Brillouin introduziu o conceito de neguentropia ao resolver, definitiva-mente, uma antiga polmica cientfica: o paradoxo do demnio de Maxwell. James C. Maxwell, na sua Teoria do Calor, de 1871, sugeriu que, dado dois va-silhames em equilbrio trmico, havendo um microscpico orifcio entre eles controlado por uma igualmente microscpica vlvula, poderia um homnculo molecular operar a vlvula de sorte a provocar a passagem, para um dos vasi-lhames, apenas das partculas rpidas, cuidando para que no outro vasilhame ficassem, ou viessem a se concentrar, apenas as partculas lentas. Ao cabo de um certo tempo, esta molcula super-inteligente teria introduzido ordem nos dois vasilhames - em cada um, estariam reunidas partculas de um mesmo estado - contrariando por completo a Segunda Lei da Termodinmica, j que o teria feito,

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    ao que tudo indicaria, sem qualquer concurso de alguma fonte externa de ener-gia. Se o demnio de Maxwell fosse possvel, estavam lanadas as bases para o to sonhado moto-perptuo...

    Brillouin, secundando estudos anteriormente realizados por L. Szilard, exorcizou o demnio ao demonstrar que, para identificar as partculas e sepa-r-las, a molcula deveria, necessariamente, situar-se em algum nvel diferente de radiao, relativamente a essas partculas. Somente essa diferena forneceria ao demnio um sinal sobre a passagem da partcula e de qual tipo de partcula se tratava. Em funo desse sinal, a molcula, ento, agiria. Logo, o sistema tr-mico da molcula j no podia ser considerado o mesmo do das demais part-culas. Essa diferena a faria agir. Mas, enquanto reduzia a entropia circundante, a molcula no s prosseguiria aumentando a sua prpria, como agora, devido ao esforo extra, o deveria estar fazendo num ritmo ainda mais acelerado que o natural. Cedo ou tarde, precisaria recarregar-se. Se estava mesmo encerrada nos vasilhames e nem destes podia socorrer-se, mantendo-se eles, tambm, com-pletamente fechados em relao ao mundo exterior, como pretendia Maxwell, chegaria um momento em que a molcula no mais conteria energia livre prpria para continuar a sua atividade e, atingida a sua entropia mxima, isto , uma vez morta, seria questo de tempo o mesmo acontecer ao conjunto dos dois vasi-lhames interconectados que, portanto, retornariam ao estado desorganizado e equilibrado inicial.

    Em suma, o demnio no passava de um subsistema que no estava em equilbrio trmico relativamente ao sistema maior de vasilhames e, por isto, natu-ralmente, nele podia realizar trabalho. Porm, neste caso, o trabalho realizado nos vasilhames gerou um movimento em sentido inverso ao da entropia espontnea; e, no demnio, acelerou a prpria entropia deste, isto , acrescentou sua entro-pia espontnea, outro processo tambm no-espontneo. No conjunto, o trabalho realizado resultou num aumento de desequilbrio na relao entre os dois subsis-temas. Nesse diferencial energtico capaz de gerar trabalho no-espontneo que introduz ou incrementa desequilbrio num sistema, vamos localizar a informao.

    Informao depende de uma fonte de energia, por isto, ao fim e ao cabo, no estar imune aos efeitos da Segunda Lei: se o sistema que fornece energia alcana o seu equilbrio, a informao cessa. Porm, o efeito imediato da informao ela mesma exatamente oposto ao da entropia: embora por um tempo limitado, possi-bilitou ao sistema de vasilhames - nele includo o demnio enquanto teve foras - passar de um estado menos ordenado para outro mais ordenado. Daqui podemos derivar a nossa primeira e mais basilar compreenso da informao:

    Trata-se de um fenmeno material natural que, dadas certas condies energticas, provoca trabalho fsico no-espontneo no interior de um sistema, fazendo-o ou mantendo-o ordenado.

  • TRABALHO COM INFORMAO Valor, acumulao, apropriao nas redes do capital30

    O modelo de Shannon

    A grande importncia das formulaes de Bril louin, conforme con-sensual na literatura20, 21, reside neste relacionamento definitivo entre informa-o e entropia, j antes sugerido pelas teorias de Shannon. Estas teorias foram apresentadas em 1949, num livro em co-autoria com Claude Weaver22, que viria a ter enorme impacto no mundo cientfico. Pela primeira vez demonstrava-se a possibilidade de mensurar, logo calcular, a informao, sendo isto um avano terico que se mostraria muito til para a soluo de importantes problemas da Fsica e cincias afins.

    Para construir as suas equaes, Shannon desenhou um modelo com dois plos conectados por uma via de comunicao (canal). Nesse modelo (aqui igno-rando os seus muitos detalhes), um dos plos definido co mo fonte (ou emissor) da informao; o outro, como receptor. Logo, a comunicao deveria proporcio-nar a transmisso unidire cional de uma mensagem, da fonte para o receptor, ca-bendo fonte selecionar os elementos, ou eventos, que comporo a mensagem.

    Ao selecionar os elementos da mensagem, a fonte comunicou a ocorrn-cia de um evento, entre outros eventos que poderiam ocorrer, dado um conjunto previamente definido de eventos. Quais eventos poderiam ocorrer, no conjunto dado, e porque ocorreram estes, e no aqueles, uma deciso, digamos assim, da fonte. Por isto, na definio de Shannon, informao um processo de reduo de incertezas, na fonte. Uma vez consumado o processo, ela, a fonte, o comunica, e espera que o receptor receba exatamente a mensagem comunicada. Se o receptor no receber exatamente a mensagem comunicada, que, na transmisso entrou rudo, isto , algum outro evento, alguma outra mensagem, que deturpou ou adul-terou a inteno da fonte.

    Para melhor entender, imaginemos a situao de um casal a espera de fi-lho. Sabemos todos que, da barriga da mulher, somente pode sair uma criana de sexo masculino, ou feminino. A incerteza na fonte est entre duas possibilidades, ambas, porm, j pr-definidas em seu conjunto. Quando, porque nasceu a crian-a, ou porque fez-se uma tomografia, fica-se sabendo o seu sexo, obteve-se uma informao que no se encontra na qualificao deste sexo, qualquer que seja, j que desde sempre sabia-se quais seriam as duas nicas alternativas admitidas. Obteve-se informao porque, e s porque, eliminou-se uma dvida. Mas fosse menina, ou fosse menino, nisto no haveria novidade - haveria, e grande!, se nas-cesse um hermafrodita...

    Assim, na teoria de Shannon, sempre que se puder considerar um conjunto de eventos possveis, despojados de maiores qualidades (caso as tenham), ser vivel, uma vez revelado um dos eventos, calcular-se a quantidade de informao contida nes sa revelao. No caso do sexo da criana, a quantidade de informao

  • TRABALHO COM INFORMAO Valor, acumulao, apropriao nas redes do capital 31

    precisamente 1 bit, pois o bit corresponde quantidade de disjunes binrias efetuadas em um processo de remoo de incertezas: na gravidez h somente uma disjuno a efetuar, pois so apenas dois os eventos possveis. O bit a uni-dade de medida da informao, assim como o metro a unidade de medida de distncia; o litro, a unidade de volume etc.

    Perceba-se porm que, desde algumas semanas aps ter o espermatozide fecundado o vulo, assim iniciando o processo de duplicao celular, para o tero ele mesmo j est dado que o feto XX ou XY. A incerteza na fonte remetida para o receptor. Para o tero, enquanto fonte, como se a incerteza j tivesse sido removida, cabendo-lhe agora comunic-la ao pai e me, receptores. Se j processou a informao, para o tero a informao completa, total: ele sabe tudo o que se passa em seu interior, relativamente ao feto. Quem no sabe, quem permanece na ignorncia, o pai, a me, o mdico, pelo menos at que exa-mes apropriados ou o prprio parto revelem o sexo da criana. O processamento desta incerteza pelo receptor, isto , a eliminao daquela ignorncia, produz nele, imediatamente, um amplo conjunto de novas reaes e respostas: escolha do nome, decises quanto ao enxoval... Faz emergir novas e diversas informaes calcadas, num primeiro momento, na resoluo dessa ignorncia do receptor relativamente fonte e, no, no conhecimento da fonte sobre a informao que liberaria para o receptor. Este dficit de informao por parte do recep-tor, a teoria de Shannon no mede, no pode medir, nem se prope a medir. Ela somente pode mensurar a incerteza processada a ser comunicada pela fonte ao receptor, conhecendo a fonte todas as alternativas possveis; mas no a incerteza do receptor quanto informao na fonte, desconhecendo o recep-tor a alternativa afinal selecionada. Entretanto, esta ignorncia, como veremos mais adiante, que fornece significado informao, pois , a partir de sua resolu-o que o receptor extrair motivos, orientaes, implicaes para alguma ao nova. De fato, para os pais do nosso exemplo, conhecer o sexo da criana, em si, a mais simples das informaes. To logo eliminada esta dvida, deflagra-se todo um conjunto de emoes, expectativas, decises, alegrias e at frustraes oriundas do evento original de o beb ser menina, ou menino. Este universo de significados vir tualmente impossvel de ser quantificado e mensurado, sendo, por premissa metodolgica, excludo da teoria de Shannon.

    Na verdade, sendo cientista dos Bell Labs, o grande laboratrio da AT&T, Shannon, com suas equaes, pretendia resolver problemas de Engenharia, re-lacionados ao transporte do sinal eltrico por cabos telefnicos. A ele no inte-ressava o contedo das mensagens transportadas por esses sinais, mas apenas a quantidade de sinais emitidos por duas pessoas, em cada ponta da linha telef-nica, sabendo-se ainda que, quase sempre, quando um fala, o outro escuta alter-nativamente, dando-nos assim a aparncia de que h um emissor e um recep-

  • TRABALHO COM INFORMAO Valor, acumulao, apropriao nas redes do capital32

    tor. O modelo de Shannon se inspirava na telefonia e obedecia s necessidades produtivas da AT&T. Entretanto, no demoraria a ser adotado em vrios outros campos cientficos. At hoje, o desenho da comunicao se realizando de uma fonte para um receptor, atravs de um canal, pode ser encontrado, por exemplo, em qualquer livro bsico de escolas de Comunicao Social.

    Informao e neguentropia

    Como tantos outros cientistas, Brillouin partiria das equaes de Shannon para avanar os seus trabalhos sobre a informao. Com elas, apresenta e resolve vrios problemas, at chegar ao do demnio de Maxwell. Aqui, ele percebeu que o demnio processa incerteza, mas, ao faz-lo, organiza um sistema (no caso o dos dois vasilhames) de modo a permitir-lhe que recupere, ou mantenha, a sua capacidade para fornecer trabalho.

    Tambm em Shannon, a informao, como reduo de incerteza, exprime aumento de ordem, logo negao de entropia. Por isto, a principal das suas equa-es idntica, apenas com o sinal trocado, de Boltzmann, que mede a entropia de um sistema fsico. Esta formulao, porm, no diferencia informao e ne-guentropia. Seria Brillouin23 quem, lembrando que o negativo da entropia uma dada capacidade para fornecer trabalho, concluiria que informao (remoo de incertezas) pode se transformar em neguentropia (capacidade de trabalho), e neguentropia pode gerar informao. No haver neguentropia sem informao, nem informao sem neguentropia. So dois fenmenos distintos, embora inti-mamente relacionados.

    O demniocorrigido

    Com Brillouin, os processos informacionais ganharam existncia real no mundo fsico material, podendo ser situados na base da neguentropia de um sis-tema. Estava aberto o caminho para a explicao da vida, at ento um fenmeno que parecia em desacordo com a Segunda Lei porque, ao menos durante algum tempo, qualquer organismo vivo orienta-se em direo ordem crescente e mos-tra-se capaz de resistir sua desorganizao espontnea. Pode faz-lo porque captura no ambiente sua volta, energia suficiente para compensar, ao menos em parte, a sua perda natural de neguentropia. As razes ltimas desse movi-mento so os processos fsico-qumicos naturais realizados nos mais elementa-res compostos moleculares dos seres vivos, as suas enzimas, comparadas por Monod ao demnio de Maxwell corrigido por Szillard e Brillouin24: no mais uma molcula divertindo-se, sem nenhum motivo aparente, em distribuir as de-mais entre dois vasilhames; mas, sim, uma molcula capaz de ingerir as outras de modo a sustentar o seu prprio estado desequilibrado relativamente ao meio.

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    A se originam, por sucessivas articulaes dentro do organismo, as relaes entre os seres vivos e seu ambiente, relaes essas que lhes permi-tem manter-se ordenados por um tempo. Um exemplo o ciclo alimentar de qualquer animal, transformando materiais ingeridos pelo aparelho digestivo em combustvel para os processos biolgico-moleculares. Na medida em que a energia absorvida se degrada - ou, dito de outra forma, o organismo come-a a perceber sinais de crescente desorganizao, caracterizada na sensao de fome - movimenta-se neguentropicamente para reabastecer-se. Esta ao introduz informao no ambiente, ou sistema maior no qual o organismo se insere, pois tambm movimenta o ambiente na direo de algum novo ordena-mento, de alguma reorganizao geral de outros de seus elementos. Um pre-dador que sai caa, por exemplo, obriga os membros de uma manada que antes se espalhavam natural e calmamente na savana (como que partculas em crescente entropia), a se reunirem e fugirem numa nica direo, com as fme-as tentando proteger as crias, os machos tentando proteger o grupo, os mais fracos, os doentes, os velhos, sendo deixados para trs. Uma ordem se instala que envolve tanto predador quanto caa, emitindo-se mutuamente informao em funo das exigncias neguentrpicas de cada um, isto , em funo dos objetivos de cada um que se resumem a continuarem vivos.

    Concluda a caada, o predador ter consumido uma espcie de cota ex-tra de neguentropia, alm daquela que j perdera espontaneamente, antes de o seu organismo acusar os primeiros sinais de fome. A manada, alm do indi-vduo que sacrificou salvando os demais, tambm consumiu neguentropia ex-tra. Dever rep-la voltando a pastar, enquanto o predador digere a sua presa. O sistema-ambiente tende, mais uma vez, ao descanso. Mas percebemos, atravs dos elementos bsicos que aqui estamos considerando (o predador e a sua caa), que o ambiente apenas manteve, se muito, o seu nvel anterior de neguentropia. O trabalho realizado durante a caada implicou em transformao adicional no espontnea de energia que mal compensou a energia recuperada por cada parte do sistema ao alimentar-se.

    A informao que originou trabalho no-espontneo no sistema - a fome original do predador - transformou-se em neguentropia: o sistema recuperou, mais ou menos, um seu potencial anterior de realizar trabalho espontneo. Porm, todo o processo pagou seu preo Segunda Lei: ele exigiu, ao longo da mtua interao entre predador e presa durante a caada, energia adicional do sistema. Bril louin demonstrou, matematicamente, que a informao pode trans-formar-se em neguentropia mas apenas custa de absorver, ela mesma, neguen-tropia do ambiente, na forma de mais trabalho realizado neste. No balano final, a entropia do sistema ter permanecido igual ou, at, aumentado. D na mesma dizer: a neguentropia permaneceu igual, ou baixou um pouco. No fosse assim,

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    houvesse ganho de ordem maior que o grau de desordem relativa ao se iniciar o processo, renovar-se-iam as esperanas no moto-perptuo...

    Informao guia a ao

    O que move o predador caa , por um lado, obviamente a necessidade de alimentar-se mas, por outro, a pressuposio instintiva de que dever encon-trar algum alimento em seu nicho ecolgico. A necessidade e a possibilidade so suficientes para dar uma orientao, um sentido, um rumo, sua ao, ou seja, para faz-lo intervir - de forma ordenada e ordenando - no sistema-ambiente. Elas informam a ao: constituem a informao.

    Se, ao iniciar a caa, o predador pode contar com razovel segurana quanto aos seus resultados, na ao mesma ele no sabe exatamente qual ser a sua vtima, quanto tempo correr atrs dela, nem mesmo se ter pleno xito. Casos de vtimas que escapam aos seus caadores parecem comuns e at ame-nizam, fazendo simpticos ou engraados, os documentrios de televiso sobre vida selvagem. O predador possui, ao iniciar a sua atividade de caa, uma gama de alternativas e possibilidades oferecidas pelo sistema no qual est inserido, mas desconhece a priori quais efetivamente se concretizaro.

    Essas alternativas que definem os limites possveis ao oferecidos pelo conjunto sistmico englobante (no caso, o nicho ecolgico), dimensionam a in-certeza inicial do predador sobre o seu ambiente. O sistema que se pe em ao dever selecionar, remover, eliminar esse conjunto de incerteza at chegar ao resultado desejado: no nosso exemplo, um outro animal efetivamente caado. Este processo se realizar atravs da interao dos mltiplos elementos do am-biente, entre si, como, por exemplo, os recursos sensoriais (viso, olfato, audio etc.) e motores (pernas, asas etc.) com os quais possam contar caador e caa; a percepo de formas no ambiente que ajudem ou atrapalhem um ou outro (r-vores, buracos etc.); e outros fatores. A partir da incerteza inicial, a ao tende a concentrar-se num nico objetivo: o predador, em algum momento, escolhe em definitivo a sua presa, eliminando outras alternativas. A caa, por seu turno, utili-za todas as suas possibilidades de fuga, at ver-se sem nenhuma alternativa (ou, safando-se). Em cada caso concreto, caador e caa acabaro empregando mais ou menos tempo para consumar o processo. O tempo de trabalho no espont-neo que precisaram gastar correspondeu ao tempo consumido na remoo de mtuas incertezas.

    Ao iniciar-se o processo, o sistema-ambiente mostrou-se altamente desor-denado, confuso, pouco definido para ambos os subsistemas que nele estavam en-trando em ao. Progressivamente, esses subsistemas em ao puseram em forma o ambiente, nas formas que lhes forneceram sentidos, orientaes. Mas a recupera-

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    o da neguentropia do predador e do conjunto do sistema (apesar da quase certa destruio total de um de seus elementos individuais), implicou na realizao de trabalho no espontneo determinado pelas alternativas e possibilidades efetiva-mente adotadas, durante a ao. Quanto mais incerta, quanto mais dispersiva foi a caada, mais trabalho nela se realizou. Quanto mais trabalho, menos rendimento neguentrpico. Logo, ganhos para a entropia do sistema em seu conjunto.

    Portanto, a quantidade de trabalho no espontneo a ser realizado por um sistema que busca manter sua neguentropia, acabar determinada pela dimen-so da informao que efetivamente processou, a partir da incerteza inicial. De onde podemos ampliar a nossa compreenso da informao, a partir da apresen-tada mais acima:

    Informao um processo interativo que orienta a direo e o tempo do trabalho no espontneo que um dado sistema precisar realizar para sustentar a sua neguentropia.

    Ou, nas palavras de Jacques Guillaumaud, poder-se-ia dizer que a infor-mao neguentropia potencial e que ela s se transforma em neguentropia pela ao que ela guia25.

    Por isto, aceitemos que a informao dimensiona a incerteza removida, conforme props Shannon26, mas entendendo que ela exprime as alternativas co-locadas ante um sistema para escolher, selecionar, aceitar ou rejeitar, diferentes possibilidades de ao surgidas no processo. O montante de alternativas proces-sadas ser um indicador do trabalho no espontneo realizado. Quando possvel, essa medida deve ser dada em valores precisos, como o bit de Shannon. Quando no, os valores sero relativos, como maior, complexo etc. Deixaremos para algumas pginas adiante, a discusso deste espinhoso problema da mensurao da informao.

    Nveis de organizao

    Pudemos perceber atravs da discusso conduzida at aqui, que o assim chamado ambiente de um sistema um outro sistema maior que o envolve e com o qual mantm-se em constante interao, energtica e informacional. Os limites de um sistema so um outro sistema englobante. Suas relaes so sim-biticas e necessrias. Sem interagirem, nenhum dos dois sobrevive num tempo dado, ou, dito de outro modo, neles prevalecer a entropia espontnea.

    Como cada sistema pode conter algum outro e estar contido num ter-ceiro, os sistemas so nveis de organizao relacionados entre si, no conceito de Laborit27: do tomo s clulas, aos rgos, aos indivduos, aos grupos, s organizaes sociais, ao meio-ambiente... Cada nvel de organizao pode ser

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    examinado, estudado, identificado como um sistema especfico, individualiza-do, mas no podemos esquecer que quando esse nvel de organizao recolo-cado no sistema que o engloba, no vai funcionar exatamente do mesmo modo como funcionava quando estava isolado28. O conceito de sistema, conforme j o havamos sugerido antes, nos conduz assim ao re-conhecimento da totalida-de concreta do Universo.

    A interao informacional entre os vrios nveis de um sistema constitui a comunicao. Toda comunicao envolve pelo menos (mas nunca exclusivamente) dois plos, que so, eles tambm, outros subsistemas interativos. Esses plos so conectados por meios fsicos (canais) atravs dos quais seja possvel transmitir informao. O meio pode ser natural, como o ar que vibra ante a emisso de sons. Pode ser artificial, como os construdos pelo homem: imprensa, telefonia etc.

    Em qualquer relao sistmica, emissor e receptor so dois plos em permanente interao. O sinal enviado pelo emissor d sentido, orientao, ao receptor. Mas a reao deste, por mais elementar que seja, um sinal de retorno para o emissor. Logo, neste preciso instante, o antes emissor tornou-se receptor; o antes receptor emissor. Podemos afirmar que emisso imediatamente re-cepo; recepo imediatamente emisso*.*

    Para fazermo-nos mais claros, imaginemos um navegador solitrio, como os h muitos pelos oceanos afora, enfrentando violentssima tempestade em al-to-mar que ameaa soobrar o seu barco. Ele emite desesperados sinais de S.O.S. sem obter qualquer resposta, o que apenas o deixa num estado de incerteza mxima, de desordem quase completa, na fronteira da sua prpria destruio. O seu sinal, para ele, informao nenhuma, pois no lhe em nada til, no lhe orienta nenhuma ao contrria sua provavelmente prxima dissoluo no ambiente catico sua volta. Sbito, outro navegador capta o S.O.S, a ele reage solidariamente e emite um sinal de retorno. Depois desta primeira resposta, am-bos os navegadores passam a trocar novos e distintos sinais que permitiro, a um, localizar e ajudar o outro. Tornam-se um sistema interagindo num processo de crescente ordenamento, de crescente desequilbrio relativamente desordem desagregadora do ambiente. H uma ordem em-formao. Enquanto apenas o nufrago se sabia nufrago, o seu futuro seria desmanchar-se no oceano: ele no passava de um elemento a mais na tempestade. Quando um outro navegador o percebeu, ele tornou-se fonte de informao e, simultaneamente, receptor de in-formao. Um sistema neguentrpico foi constitudo, com seus plos interativos de comunicao (emisso-recepo/recepo-emisso) orientando uma conse-qente ao de salvamento. Da que Bakhtin, muitos anos antes da disseminao do formalismo shannoniano, j entendia, rejeitando o modo de compreenso * Num contexto que discutiremos melhor no prximo captulo, Karl Marx afirmou que a produo imediatamente consumo; o consumo imediatamente produo (Marx, 1974: 115). A nossa frase aqui, alm de obviamente para-frasear Marx, d novo e mais abrangente significado ao seu enunciado original.

  • TRABALHO COM INFORMAO Valor, acumulao, apropriao nas redes do capital 37

    passiva dos fillogos, que exclui a priori qualquer resposta, que qualquer tipo genuno de compreenso deve ser ativo, deve conter j o germe de um resposta. S a compreenso ativa nos permite apreender o tema, pois a evoluo no pode ser apreendida seno com a ajuda de um outro processo evolutivo. Compreender a enunciao de outrem significa orientar-se em relao a ela, encontrar o seu lugar adequado no contexto correspondente30.

    Haver, porm, quem argumente que, em muitos casos, a relao fonte-receptor tende a ser rgida, como parece s-lo a de um farol assinalando um ro-chedo na noite marinha: uma vez introduzido no alcance da viso de um piloto nutico, ser para este apenas uma fonte, no recebendo qualquer sinal de re-torno, intencional ou no, que afete o seu prprio comportamento, a partir das reaes do piloto. Tambm, o nosso aparelho de som, enquanto emite os acordes de uma Missa de Mozart, parece uma fonte absolutamente impassvel perante as nossas emoes. Examinando bem, essas fontes produzem um resultado anteci-padamente previsto ou esperado em algum outro nvel de organizao sistmica: o farol, como a mancha de nanquim no copo com gua, no foi parar espontane-amente sobre o rochedo. O piloto recebe uma mensagem (ou ns escutamos a msica que sai do aparelho de som) porque, em primeiro lugar, h necessidade, ou desejo, ou vontade, ou inteno, ou condio de receb-la; e, em segundo lu-gar, algum outro sistema (social) a est en viando e prevendo certas reaes a ela: o piloto dever manter-se distncia do rochedo; ns deveremos usufruir da melhor msica no recinto de nossa casa. Farol, aparelhos de som, mquinas em geral so aparatos tcnicos, desenvolvidos e produzidos pela sociedade humana, para realizar certos objetivos sociais. Apenas formalmente so fontes emissoras. As fontes emissoras reais esto noutro plano sistmico.

    O lugar do receptor

    O estudo desses aparatos tcnicos possibilitou todo o desenvolvimento inicial da Teoria da Informao e da Ciberntica, at sugerindo um certo redu-cionismo ciberntico do ser humano. Dele tambm resultou as formulaes de Shannon que tratam quase exclusivamente da informao na fonte, reduzindo o receptor a agente passivo no processo. A no percepo inicial da interao mtua, di