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línguas e educação: construir e partilhar a formação (PTDC/CED/68813/2006 / FCOMP-01-0124-FEDER-007106) 2007 > 2010 Colaboração e comunidade: Conceitos sustentadores de projectos para o desenvolvimento profissional Manuel Bernardo Q. Canha ([email protected]) Isabel Alarcão ([email protected]) Universidade de Aveiro, Portugal (CIDTFF) Financiamento: Fundação para a Ciência e Tecnologia (ref. SFRH/BD/38370/2007) 1. Introdução O pensamento e o discurso sobre a Educação têm vindo a conferir destaque crescente às virtudes das práticas de colaboração entre profissionais da área, entendendo-as como estratégia de desenvolvimento profissional dos intervenientes, de desenvolvimento das suas instituições profissionais e do sistema e de melhoria dos processos de ensino/aprendizagem (E/A). A esta ideia associa-se uma forte convicção no papel positivo que comunidades de investigadores, professores e formadores de professores poderão desempenhar na consolidação dessas dinâmicas colaborativas com vista ao desenvolvimento. O bom momento de popularidade de que beneficiam os termos colaboração e comunidade não é, contudo, sinónimo de convergência no que toca aos sentidos que lhe são atribuídos. Importa, pois, procurar precisar os conceitos e reduzir margens de ambiguidade na sua leitura e vivência. Quando se reúnem equipas de trabalho em torno de um ideal colaborativo com a ambição de se desenvolverem como comunidades, entendimentos divergentes sobre o que é e o que implica trabalhar colaborativamente e sobre o que é e como se desenvolve uma comunidade poderão gerar expectativas inconciliáveis e frustrar os intentos. É desta tentativa de clarificação terminológica e das intersecções e delimitações de significado entre os dois termos que nos ocupamos na secção seguinte neste texto. Procurando dar conta das conexões entre os conceitos teóricos tratados, o seu contexto de emergência e as realizações concretas que suscitaram, apresentamos, ainda, uma

línguas e educação: construir e partilhar a formação

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línguas e educação: construir e partilhar a formação

(PTDC/CED/68813/2006 / FCOMP-01-0124-FEDER-007106)

2007 > 2010

Colaboração e comunidade: Conceitos sustentadores de projectos para o desenvolvimento profissional

Manuel Bernardo Q. Canha ([email protected])

Isabel Alarcão ([email protected])

Universidade de Aveiro, Portugal (CIDTFF)

Financiamento: Fundação para a Ciência e Tecnologia (ref. SFRH/BD/38370/2007)

1. Introdução

O pensamento e o discurso sobre a Educação têm vindo a conferir destaque crescente às

virtudes das práticas de colaboração entre profissionais da área, entendendo-as como

estratégia de desenvolvimento profissional dos intervenientes, de desenvolvimento das

suas instituições profissionais e do sistema e de melhoria dos processos de

ensino/aprendizagem (E/A). A esta ideia associa-se uma forte convicção no papel

positivo que comunidades de investigadores, professores e formadores de professores

poderão desempenhar na consolidação dessas dinâmicas colaborativas com vista ao

desenvolvimento.

O bom momento de popularidade de que beneficiam os termos colaboração e

comunidade não é, contudo, sinónimo de convergência no que toca aos sentidos que lhe

são atribuídos. Importa, pois, procurar precisar os conceitos e reduzir margens de

ambiguidade na sua leitura e vivência. Quando se reúnem equipas de trabalho em torno

de um ideal colaborativo com a ambição de se desenvolverem como comunidades,

entendimentos divergentes sobre o que é e o que implica trabalhar colaborativamente e

sobre o que é e como se desenvolve uma comunidade poderão gerar expectativas

inconciliáveis e frustrar os intentos. É desta tentativa de clarificação terminológica e das

intersecções e delimitações de significado entre os dois termos que nos ocupamos na

secção seguinte neste texto.

Procurando dar conta das conexões entre os conceitos teóricos tratados, o seu contexto

de emergência e as realizações concretas que suscitaram, apresentamos, ainda, uma

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síntese breve de dois projectos realizados em Aveiro, Portugal – O projecto ICA/DL

(Investiga, Colabora e Actua em Didáctica de Línguas) e o projecto Línguas e

Educação: Construir e Partilhar a Formação.

2. Colaboração – Uma relação de complementaridade no seio de uma

comunidade de didactas composta por professores e académicos

A noção de colaboração que aqui apresentamos, tal como foi construída no trabalho de

doutoramento do primeiro autor deste texto, desenvolve-se a partir de uma reflexão

sobre a Didáctica enquanto área disciplinar em que se inscreve a actividade educativa.

Nessa reflexão, revela-se um campo que se actualiza e se desenvolve numa articulação

estreita entre três grandes dimensões internas que o constituem - investigativa,

formativa e política (Alarcão et al, 2006; Alarcão & Canha, 2008, Alarcão, Andrade,

Araújo e Sá, Melo-Pfeifer & Santos 2009). Refira-se sumariamente que esta perspectiva

é uma evolução do pensamento de Alarcão (1994), que começou por identificar um

tríptico didáctico que incluía a investigação científica, a Didáctica como objecto de

ensino nos curricula na formação inicial de professores e a didáctica profissional, ie, a

acção dos professores nos processos de ensino/aprendizagem (E/A). No entendimento

agora actualizado pela observação de um campo que se reconfigura no seu próprio

percurso de desenvolvimento, a construção de conhecimento científico mantém-se como

vertente nuclear em que a área se edifica, mas uma dimensão formativa abrangente

passa a integrar as actividades de E/A junto dos alunos bem como as que envolvem os

professores em processos de formação inicial e contínua e uma nova dimensão dá

expressão a uma voz e a um pensamento que, oriundos da Didáctica, intencionalmente

se projectam na concepção e gestão das políticas educativas.

Deste entendimento epistemológico releva para a presente análise a compreensão de que

a identidade da Didáctica se estabelece nos domínios em que esta se realiza, mas que a

vitalidade, consolidação e coerência global da área vivem sobretudo da interacção entre

esses mesmos domínios (Alarcão, 1994; Canha & Alarcão, 2009). É neste quadro

conceptual que a ideia da necessidade de aproximar os profissionais que trabalham o

campo – investigadores, professores, formadores de professores – tem vindo a ganhar

espaço de discussão, de investigação e de intervenção.

A evolução desta tendência não tem, contudo, sido isenta de alguma controvérsia. Por

um lado, perfila-se uma posição contida, que põe em evidência constrangimentos

históricos e contextuais que têm apartado os professores das escolas dos ensinos básico

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e secundário e os académicos, a quem se atribui a maior responsabilidade na realização

da investigação científica (e também na formação de professores) (Canha, 2001). Entre

esses obstáculos, salientam-se sobretudo os que a seguir enunciamos: i) alegadas

diferenças entre a natureza da profissão do professor, fundamentalmente orientada para

a prática, e a investigação, que constitui na essência uma actividade cognitiva e de

orientação teórica; ii) a percepção da existência de duas comunidades distintas

comprometidas com actividades diversas; iii) a fraca expressão da investigação na

progressão da carreira dos professores, por oposição aos claros incentivos dirigidos aos

académicos; iv) o peso das exigências profissionais colocadas aos professores,

limitando a possibilidade de se envolverem em investigação de modo sistemático e,

assim, de serem reconhecidos como elementos da comunidade científica.

Num entendimento mais optimista, reconhecem-se estes obstáculos como reais e

merecedores de atenção, mas valorizam-se, acima de tudo, razões que levam a acreditar

numa aproximação entre os profissionais que, em Didáctica, se envolvem com as

actividades de formação e de investigação. Desde logo, um argumento de coerência com

os desígnios epistemológicos que, como atrás ficou dito, enfatizam a importância das

conexões internas no campo, dilui a separação entre os actores que nele se movem e

entre as suas áreas de trabalho. Mas, para além disso, têm-se observado movimentos

concretos de aproximação. São eles que (com agrado registamos) vêm dar substância à

perspectiva de uma comunidade de didactas composta por professores e académicos,

investigadores e formadores, ideia que começámos a esboçar em 2001 (Canha, 2001) e

que, desde então, temos vindo a explorar consistentemente (inter alia, Canha &

Alarcão, 2005a, 2009). Apesar das dificuldades e das exigências profissionais, um

número crescente de professores tem vindo a implicar-se na investigação educacional,

designadamente, em contextos de pós-graduação (Canha, 2001; RAG, 2001). A par

destes exemplos, outros têm mostrado que professores e académicos são capazes de se

envolver em projectos comuns, perseguindo, através deles, interesses partilhados (cf.

Badley, 2003). Parece, pois, que as dificuldades, embora reais, podem ser ultrapassadas

e que, como tal, as iniciativas com esse fim devem ser facilitadas e encorajadas.

É no contexto desta visão optimista que a ideia de colaboração tem florescido,

percebendo-se como uma possibilidade rica e fecunda de desenvolvimento integrado da

área nas suas 3 vertentes, de desenvolvimento profissional dos que nela se envolvem, de

desenvolvimento das instituições e do sistema educativo na sua globalidade e,

naturalmente, de desenvolvimento dos processos de E/A junto dos alunos, meta que

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congrega os esforços individuais e colectivos em Didáctica. Por razões que se prendem

com os limites impostos à elaboração deste texto, focar-nos-emos apenas no conceito de

colaboração aliado às relações que se estabelecem entre professores e académicos

constituídos como uma equipa, ie, como a “unidade central” (Saraiva & Ponte, 2003)

de dinâmicas que, no nosso pensamento, envolvem outros parceiros, designadamente, as

instituições profissionais e a administração central (inter alia, Canha & Alarcão, 2009).

Como anunciámos na introdução, estamos perante um conceito que tem animado

múltiplos projectos mas que nem sempre se explicita, porventura por se julgar detentor

de um significado consensual. No entanto, o termo colaboração é potencialmente

equívoco e assume, frequentemente, sentidos bem distintos. Comecemos por recordar a

má reputação que ganhou durante a segunda guerra mundial, ao ser usado em França

como sinónimo de traição, de auxílio ao inimigo repressor. Actualmente, no senso

comum, adquire sobretudo o valor de ajuda que se presta ao outro, aplicando-se, por

exemplo, quando o homem e os filhos desempenham pequenas tarefas numa família

tradicional em que a mulher mantém a principal responsabilidade pela gestão da vida

doméstica, ou quando um responsável numa empresa ou em outra organização laboral

se refere aos seus subordinados como colaboradores. Na publicação de textos

científicos, a designação colaboradores usada na identificação de alguns dos autores, de

igual modo, denota intencionalmente uma hierarquia de responsabilidades entre estes e

o autor principal; clarifica-se que o papel de uns serviu a realização de outro.

As diferentes acepções que acabámos de referir contêm, ainda assim, um elemento em

comum – referem sempre situações que envolvem interacção entre pessoas, no sentido

da obtenção de um determinado produto resultante dessa interacção. Na tentativa de

precisar o que entendemos por colaboração, torna-se pois essencial caracterizar as

relações entre os intervenientes, especificamente, entre professores e académicos,

profissionais da Didáctica empenhados na investigação e na formação. Antes de mais,

são relações que se orientam para um fim, o desenvolvimento profissional dos

participantes directos, que se perspectiva como factor de desenvolvimento das

instituições, do sistema, dos alunos e da sociedade e também da Didáctica enquanto

campo disciplinar. O conceito reveste-se, assim, de um primeiro sentido instrumental,

percebendo-se como dispositivo de eficácia ao serviço de um propósito preciso (Vescio,

Ross & Adams, 2008).

O desenvolvimento que aqui se antecipa como produto da colaboração entre académicos

e professores apoia-se na construção de conhecimento sobre e para o E/A, elegendo a

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investigação empírica como estratégia capaz de conferir consistência e credibilidade a

esse conhecimento. Nesta medida, no contexto da problemática em discussão, colaborar

associa-se também a um processo de investigação partilhada; nela se reconhecem

potencialidades privilegiadas de articulação entre teorização e prática, fazendo

prevalecer uma noção de ‘transformação’ do conhecimento (McArdle & Ackland,

2007: 109) sobre uma visão aplicacionista que separa contextos de produção da teoria e

de realização das práticas.

Tripp (1989) distingue investigação colaborativa de outros tipos de investigação

participativa por si identificados, tomando como parâmetro o teor de responsabilidade

dos intervenientes, professores e académicos. É esta referência que agora tomamos

como orientação do nosso pensamento, já que permite equacionar os papéis dos

elementos em equipas colaborativas, distinguindo estas de outros formatos de trabalho

em conjunto. Assim, a investigação cooptada designa contextos de realização de grande

desequilíbrio entre os participantes, cabendo a uns (professores ou académicos) auxiliar

o processo de investigação, atendendo às solicitações que o investigador dirige. Num

nível mais próximo de responsabilização, a investigação cooperativa aponta cenários em

que o investigador principal, um académico, assume a liderança de um processo por si

pensado, mas em que inclui o professor, negociando com ele os procedimentos

investigativos. Finalmente, a investigação em colaboração acontece quando professores

e académicos partilham, com igual responsabilidade, todo o percurso investigativo, dele

recolhendo benefícios. Nessa media, é determinada por teores semelhantes de

motivação, exige comprometimento alargado a toda a equipa na concepção e

acompanhamento da agenda de trabalhos e proporciona ganhos profissionais a todos os

implicados. É ela que, segundo Tripp, promovendo o desenvolvimento equilibrado de

todos os participantes, melhor serve as finalidades de desenvolvimento do

conhecimento científico e da profissão ensino.

A investigação em colaboração nasce, pois, de relações não hierarquizadas que

assentam na valorização equitativa dos contributos individuais, ie, do ‘portmanteau’

pessoal (McArdle & Ackland, 2007: 110) que cada um disponibiliza para proveito

comum e que vai sendo convocado à medida das necessidades da investigação.

Configuram-se, assim, relações de complementaridade, desenvolvidas no desempenho

de papéis que se alteram ao longo do processo, capacitando cada elemento para assumir

diferentes responsabilidades nesse percurso. Como, em outro momento, ficou dito:

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“Distanciamo-nos de um conceito de colaboração sinónimo de acumulação de

contributos pessoais idênticos na medida e na essência, aproximando-nos de um

entendimento que identifica uma relação de natureza colaborativa como uma

combinação feliz dos diversos contributos que cada um pode trazer num dado

momento” (Canha, 2009: 1).

Trabalhando em conjunto, professores e académicos partilham interesses, propósitos, a

responsabilidade no desenho e acompanhamento dos percursos e a expectativa de

benefícios (Chioca & Martins, 2004; Lieberman, 2000). A investigação em colaboração

exige, pois, quatro componentes centrais:

- convergência conceptual, nomeadamente, no que toca ao conceito de

colaboração, já que ele influencia as vivências concretas (Dooner, Mandzuk & Clifton,

2008), e à validade didáctica dos tópicos de investigação seleccionados (Durand, Saury

& Veyrunes, 2005);

- acordo na definição de objectivos que permitam dar forma à grande finalidade

de desenvolvimento pela construção colaborativa de conhecimento;

- gestão processual partilhada, com plena co-responsabilização na tomada de

decisões e na condução da investigação;

- antecipação de ganhos individuais e comuns, concretizados no desenvolvimento

pessoal e profissional dos implicados e, numa perspectiva mais ampla, de todos os que

se movimentam no campo educativo.

Enquanto processo partilhado de construção de conhecimento, colaborar implica uma

constante interacção entre as esferas do individual e do colectivo. Nessa interacção, o

diálogo ocupa um lugar decisivo, como estratégia de negociação e como recurso de

aprendizagem que permite combinar saberes e experiências individuais na construção de

um bem comum. Como temos vindo a afirmar, colaboração abriga interesses de todos e

desenvolve-se na expectativa de frutos que a todos aproveitam; não é, por isso,

manifestação de altruísmo ou de abnegação e não se agradece. Mas exige vontade

própria para construir percursos de desenvolvimento partilhados (Vieira, 2002) e o

diálogo que a sustenta obriga a uma genuína abertura ao outro e à possibilidade de auto-

transformação (Chioca & Martins, 2004). Para além de instrumento e de processo ao

serviço do desenvolvimento, colaboração é assim também uma atitude. Do nosso ponto

de vista, é essa atitude que fará emergir a comunidade de didactas que preconizamos,

em que professores e académicos se reconhecerão como pares comprometidos com o

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mesmo campo de actividade e em que a confiança mútua será a plataforma de suporte a

acções comuns.

Associado ao pensamento sobre dinâmicas de colaboração, o conceito de comunidade

deu origem, durante esta década, a um crescimento exponencial de estudos que o tomam

como objecto de interesse (Amin & Roberts, 2008). Mas se o termo colaboração, como

dissemos, surge frequentemente desacompanhado de uma explicitação clara, esta

segunda noção tem sido desdobrada em múltiplas especificações. Neste sentido, o

conceito de comunidade de prática a que Lave & Wenger (1991) se referiram, pela

primeira vez, no início dos anos 90 e que Wenger (1998) desenvolveu no final dessa

década suscitou derivações conceptuais que identificam, entre outras, comunidades de

aprendizagem (Wood, 2007), profissionais (Visscher & Witziers, 2004), de

aprendizagem profissional (Bezzina & Testa, 2005), de desenvolvimento profissional

(Andrade et al, 2008), investigativas (Chioca & Martins, 2004; Amin & Roberts, 2008),

virtuais (Chalmers & Keown, 2006).

Neste texto, não nos ocuparemos da pertinência da particularização terminológica ou

das suas implicações em termos de sobreposição e de alguma dispersão conceptuais. A

evolução da reflexão que aqui temos vindo a construir e os limites do texto levam-nos a

orientar a atenção para o conceito comum de comunidade que une os diferentes termos.

É esse conceito que, aproximando-se da ideia de colaboração, sublinha a centralidade

das relações de cumplicidade entre participantes, da partilha de interesses, da co-

responsabilização na gestão dos processos e de uma atitude de empenhamento, em

processos conjuntos de desenvolvimento (cf. Aubusson et al, 2007).

Contudo, as duas noções que aqui exploramos diferenciam-se a partir de uma zona de

convergência, o domínio atitudinal, emocional e afectivo. Pode haver colaboração para

desenvolvimento de projectos concretos que se realizam e concluem em períodos

marcados de tempo, sem que contudo exista comunidade. A vivência em comunidade

distingue-se através de laços sólidos entre os que lhe dão corpo, laços que se alicerçam

num forte sentido de compromisso e de pertença (Wenger, 1998). São esses laços que,

construídos no tempo (Chalmers & Keown, 2006; McArdle & Ackland, 2007; Lave &

Wenger, 1991), permitem contar uma história e antecipar um futuro. As dinâmicas

colaborativas que se geram são dispositivos que perseguem finalidades ambiciosas, de

alcance no tempo e na realização e que, ultrapassando projectos isolados, consolidam o

sentimento de continuidade no seio das comunidades.

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Construídas em torno de histórias de vida e de laços interpessoais fortes, as

comunidades não nascem de projectos desenhados com esse fim. Nas palavras de

Wenger:

“They are not a new solution to existing problems; in fact, they are just as likely to

have been involved in the development of these problems. In particular, they are not a

design fad, a new kind of organizational unit or pedagogical device to be implemented.

(...), they cannot be legislated into existence or defined by decree. They can be

recognised, supported, and nurtured, but they are not reified, designable

units” (Wenger, 1998: 228-29).

Comunidades não são, pois, dispositivos de desenvolvimento planificáveis. Mas podem

ser apoiadas dinâmicas de colaboração, na perspectiva da sua continuidade, alargamento

e consolidação, criando, por essa via, condições de emergência de uma comunidade

alargada, constituída por professores e académicos, capaz de conduzir um movimento

sustentado de mudança em Didáctica e em Educação.

3. Dos conceitos ao contexto de emergência e às experiências de realização

Os conceitos de colaboração e de comunidade atrás caracterizados não são conceitos

abstractos, isolados da experiência. São noções que provêm de vivências concretas e

que se reflectem ou pretendem reflectir na realidade, na forma de tentativas planificadas

de as materializar. Por isso, aqui introduzimos uma secção breve, dando conta do seu

contexto de emergência, simultaneamente, palco da sua experimentação e ponto de

partida para uma nova realização.

Pensado com base na convicção do poder das relações de colaboração como factor de

desenvolvimento dos participantes e, em última análise, de melhoria dos processos de

E/A e de formação da responsabilidade desses intervenientes, o projecto ICA/DL (a

partir do qual se apuraram as noções de que aqui nos ocupamos) orientou-se no sentido

da criação de um contexto operacional capaz de promover essas relações e de produzir

esses frutos.

O projecto teve, portanto, um propósito claro de intervenção, que reuniu em torno de si

5 académicos, docentes da área da Didáctica de Línguas do Departamento de Didáctica

e Tecnologia Educativa da Universidade de Aveiro (DDTE/UA), e 4 professores do

Departamento Curricular de Línguas da Escola Secundária Dr. João Carlos Celestino

Gomes – Ílhavo. Como adiantámos em 2, as dinâmicas colaborativas, tal como as

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entendemos, envolvem não só equipas de trabalho compostas por académicos e por

professores mas também as instituições profissionais em que estes se enquadram e

estendem-se ao nível macro do sistema, ie, a administração central. Nesta medida, a

escola e o DDTE/UA constituíram-se igualmente como parceiros. Uma vez que a

formação contínua de professores foi percebida como espaço favorável ao

desenvolvimento das relações em perspectiva (cf. Canha & Alarcão, 2009), o Centro de

Formação das Escolas do Concelho de Ílhavo (organismo que coordena as actividades

de formação na região) foi também formalmente associado, completando o conjunto de

parceiros, institucionais e a título pessoal, que assinaram um Protocolo de Colaboração.

Operacionalmente, o projecto desenrolou-se em duas fases formalizadas como acções

de formação contínua oficialmente acreditadas, tendo a primeira delas (Janeiro a Julho

de 2004) incidido na concepção de um plano de investigação/formação colaborativa em

Didáctica de Línguas, que viria a ser levado a cabo entre Janeiro e Novembro de 2005.

A experiência foi já objecto de diferentes exercícios de avaliação e de reflexão

divulgados em encontros científicos (inter alia, Alarcão & Canha, 2008; Canha &

Alarcão, 2005b, 2009; Canha, Lopes & Ramos, 2007). Uma análise empírica integrada,

em curso no contexto do já referido trabalho de doutoramento, será divulgada

oportunamente. Nessa análise, procura-se perceber o alcance desta iniciativa assente no

ideal de colaboração, identificando eventuais sinais de consistência e continuidade que

permitam perspectivar a emergência de uma autêntica comunidade colaborativa.

O segundo projecto que aqui sumariamente apresentamos - Línguas e Educação:

Construir e Partilhar a Formação (Andrade et al, 2008) - foi construído por referência ao

anterior, aproveitando em grande medida a experiência de alguns elementos comuns às

duas equipas. É um projecto financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia,

iniciado em 2007 e com conclusão prevista para 2010. Fundamentalmente, pretendeu

fazer circular e reconstruir o conhecimento produzido pela investigação em Educação

em Línguas realizada no DDTE/UA, criando um contexto de colaboração em que

académicos e professores se preconizaram como pares num processo de

investigação/formação.

Tal como no ICA/DL, o dispositivo operacional concretizou-se em acções de formação

contínua acreditadas, num total de 3 que congregaram grupos de trabalho centrados em

outras tantas temáticas. Concluído este percurso que envolveu 30 elementos afectos à

academia e 51 professores de 30 escolas, a equipa responsável pelo desenvolvimento do

projecto inicia, nesta altura, uma fase de análise e interpretação de dados empíricos, na

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tentativa de compreender as dinâmicas de (re)construção do conhecimento geradas por

este projecto nascido a partir de um ideal colaborativo e procurando reconhecer sinais

que permitam antecipar o nascimento de uma comunidade.

4. Considerações de fecho

O texto que agora encerramos compreende essencialmente uma reflexão centrada nos

conceitos de colaboração e de comunidade, que serviram a conceptualização de dois

projectos de intervenção/investigação também aqui apresentados e que foram

desenvolvidos no âmbito do trabalho de doutoramento que deu origem a um destes

projectos. Trata-se de uma construção teórica de autor em torno de noções cada vez

mais presentes em estudos empíricos, designadamente, no domínio educacional e no

campo disciplinar da Didáctica. Mas é preciso que colaboração e comunidade se

diferenciem de bordões conformados a uma moda e que consubstanciem vivências

autênticas, consequentes, capazes de activar o poder transformador das dinâmicas de

colaboração em comunidades de didactas. Porque a clarificação destas noções é

determinante do modo como se actualizam em contextos reais e porque acreditamos que

desenvolvimentos empíricos relevantes se articulam com quadros teóricos sólidos,

pretendemos, no fundo, contribuir para a sustentação de projectos orientados para a

intervenção e/ou para a investigação neste domínio temático.

Sublinhamos, ainda, a pertinência de manter articulações estreitas entre as experiências

proporcionadas por projectos comprometidos com o mesmo campo de interesses. Ao

tornar pública a reflexão que construímos no âmbito de um dos projectos aqui

brevemente apresentados, colocamo-la ao serviço do outro projecto (cuja equipa

também integramos), numa altura em que o estudo empírico reclama referenciais

teóricos consistentes. Procuramos, assim, assumir intencionalmente uma atitude de

abertura que deve marcar dinâmicas de colaboração com vista ao desenvolvimento e,

simultaneamente, esperamos que possa criar-se uma oportunidade interessante de

testagem e de validação do nosso quadro conceptual. Desde logo, ele suscita questões

que poderão desencadear linhas úteis de investigação. Salientamos algumas que nos

parecem indispensáveis:

Como foi entendido o conceito de colaboração no seio das equipas? Até que ponto foi

partilhado pelos seus elementos? Foi discutido, negociado, ou tido como consensual à

partida? Em que sentido(s) foi evoluindo? De que modo as relações e as práticas o

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(re)definiram? Houve, de facto, colaboração? Que sinais existem da possibilidade de

emergência de comunidades?

Por outro lado, ao divulgar o nosso pensamento junto de um público mais vasto,

abrimos a possibilidade da sua reconstrução e rentabilização em outros contextos, por

outros actores.

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