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Sistema Político Brasileiro: uma introdução ORGANIZADORES: LÚCIA AVELAR ANTÔNIO OCTÁVIO CINTRA A ZZ L Konrad W ienauer- firi í: ra Stiftung ggSSg

Lucia Avelar Sistema Politico Brasileiro Uma Introdução

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Page 1: Lucia Avelar Sistema Politico Brasileiro Uma Introdução

Sistema Político Brasileiro:

uma introdução

ORGANIZADORES:

LÚCIA AVELAR ANTÔNIO

OCTÁVIO CINTRA

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Konrad Wienauer- firií:ra

Stiftung ggSSg

Page 2: Lucia Avelar Sistema Politico Brasileiro Uma Introdução

Capítulo 2

Federação e relações intergovernamentais

F Á T I M A A N A S T A S I A

O Brasil é uma República

Federativa, bicameral,

presidencialista, com representação

proporcional e multipartidarismo. Os

entes federados, segundo a

Constituição de 1988, são os 26

estados, o Distrito Federal e os 5.564

municípios,1 o que confere ao país

características singulares, se

comparado às demais federações,

onde apenas os estados ou províncias

são dotados de autonomia político-

administrativa.2

Neste capítulo, os estados

brasileiros serão tomados como

principais objetos de análise, com

vistas a examinar seu papel e sua

importância no contexto da democra-

cia brasileira. Para tanto, o texto está

organizado da seguinte maneira: em

primeiro lugar, focalizaremos as

interações entre condições estruturais

- socioeconômicas e culturais - e

instituições políticas, com o objetivo

de examinar a adequação do arranjo

federativo ao quadro de clivagens que

partir da análise da distribuição de

poderes, atribuições e recursos entre

União, estados e municípios, por um

lado, e entre executivos e legislativos

estaduais, por outro.

Na terceira seção, a ênfase se

volta para o exame da distribuição de

atribuições substantivas entre os

entes federados, especialmente no

que se refere à gestão e à

implementação das políticas sociais.

Finalmente, serão examinadas as

interações entre instituições estaduais

e democracia, contemplando,

especialmente, os impactos do arranjo

institucional sobre a responsabilidade

política e a representatividade.

1. Democracia, condições e instituições

A sociedade brasileira é

atravessada por heterogeneidades

estruturais e por um padrão muito

acentuado de desigualdades

socioeconômicas. Tal contexto

1. Segundo o IBGE, havia 5.564 municípios no Brasil em 2005.

2. O Brasil apresenta um “modelo de Federação notavelmente descentralizado, com uma peculiaridade que o singulariza de forma marcante no contexto internacional, que é a menção explícita do município como ente federado no próprio texto constitucional (Art. 18)” (KUGELMAS, 2001:36).

225

Page 3: Lucia Avelar Sistema Politico Brasileiro Uma Introdução

Alemanha 356.733 82 Federação

Argentina 2.780.092 37,9 Federação

Austrália 7.682.300 19,5 Federação

Brasil 8.514.205 174,7 Federação

Canadá 9.970.610 31,3 Federação

China 9.572.900 1.294 Unitário

Estados Unidos 9.372.614 288,5 Federação

índia 3.287.782 1.041 Federação

México 1.972.547 101,8 Federação

Rússia 17.075.400 143,8 Federação

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TABELA 1. Extensão territorial, população e divisão político-administrativa.

Fontes: Fundo de População das Nações Unidas; Almanaque Abrii, 2003.

i

permitindo aos primeiros vocalizar

suas preferências perante os

segundos e, também, controlá-los e

fiscalizá-los no exercício de suas

funções públicas. Em sociedades de

grandes territórios e grandes nú-

meros, tais ações ficam facilitadas

pela descentralização político-

administrativa que caracteriza a

estrutura federativa. A j

exceção, como se pode verificar pela

leitura da tabela, é a China que, aliás,

3.

4.

226

“As recentes democracias situadas ao sul do Equador enfrentam um ‘dilema institucional’ que pode ser sintetizado na seguinte indagação: quais são os arranjos institucionais compatíveis com sociedades que combinam heterogeneidades estruturais com pobreza e desigualdade social? Tal questão se impõe em conexão com os desafios de aperfeiçoamento da ordem política em sociedades que, no percurso acidentado da reconstrução da democracia, passaram por processos simultâneos de diversificação socioeconômica e cultural - tornando-se, portanto, mais heterogêneas - e de manutenção e/ou aprofundamento de padrões de pobreza e de desigualdades sociais” (ANASTASIA, 2003:1).“em uma constelação global de 217 países, apenas 24 federações governam 40% da população mundial” (CAMARGO, 2001:78).

que pressionam por se fazerem

representar na ordem política.3

No que se refere ao principal traço

institucional sob exame neste

capítulo, o federalismo, importa

considerar mais de perto o tamanho e

a diversidade do país. Como se pode

perceber pela Tabela 1, os países com

maior extensão territorial e população

são, em geral, organizados como

federações,4 especialmente no intuito

de aproximar mais os cidadãos de

Page 4: Lucia Avelar Sistema Politico Brasileiro Uma Introdução

Outra variável importante a ser

mobilizada refere-se às clivagens -

número e tipo - presentes no interior

dos estados nacionais, acarretando,

algumas vezes, que países que

possuem pequenos territórios adotem

modalidades de federalismo,

territorial e não- territorial como, por

exemplo, a Suíça e a Bélgica.5

Arend Lijphart (1989:234-235)

refere-se aos diferentes tipos de

federalismo propondo que sejam

comparados os limites políticos entre

os membros da federação e os limites

sociais entre grupos como minorias

religiosas e étnicas” e indaga se é

possível dar autonomia a grupos

geograficamente interpenetrados por

meio de um federalismo que não é

definido exclusivamente em termos

espacio-geográficos”. O federalismo

não-territorial, também conhecido

como federalismo “corporativo” ou

federalismo “sociológico”, remete à

idéia de “comunidades culturais

autônomas não territoriais”.

Ressalta, aqui, a importância de se

considerar o problema relacionado às

tensões potenciais entre a identidade

nacional e as diferentes identidades

regionais, étnicas, raciais, religiosas e

lingüísticas, entre outras, presentes

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5. Camargo (2001:78) chama a atenção para as virtualidades e a maleabilidade do federalismo e, também, para “sua capacidade de acomodar populações e regiões heterogêneas em territórios extensos, ou extremas tensões étnicas e religiosas em espaços exíguos”.

6. O Brasil se enquadra melhor no modelo holding together federations já que o federalismo, implantado juntamente com o regime republicano de 1889, resulta do atendimento às aspirações de maior descentralização político-administrativa.

7. Metáfora atribuída ao general Golbery do Couto e Silva, por referência à “alternância de períodos de centralização e de descentralização na história do país, identificando-se habitualmente a centralização com o autoritarismo e a descentralização com avanços democráticos” (KUGELMAS, 2002:33).8. Fonte: PNAD-IBGE, 2004.

227

Page 5: Lucia Avelar Sistema Politico Brasileiro Uma Introdução

Brasil 0,739 17,0 81,25 12,8 30,5 100

Acre 0,754 17,8 66,4 23,1 46,2 0,15

Alagoas 0,538 22,8 68 31,8 49,9 0,64

Amapá 0,786 13,8 89 11,2 28,4 0,18

Amazonas 0,775 13,3 74,9 15,3 36,1 1,71

Bahia 0,655 25,6 67,1 21,6 46,7 4,38

Ceará 0,590 25,7 71,5 24,7 44,3 1,89

Distrito Federal 0,869 8,7 95,6 5,2 16,1 2,69

Espírito Santo 0,836 17,4 79,5 10,6 32,4 1,96

Goiás 0,786 18,8 87,9 10,8 28,8 1,97

Maranhão 0,547 26,3 59,5 26,6 53,2 0,84

Mato Grosso 0,767 15,6 79,4 11,1 32,7 1,22

Mato Grosso do Sul 0,848 18,5 84,1 10,1 34,9 1,08

Minas Gerais 0,823 19,7 82 10,9 30,8 9,64

Pará 0,703 18,7 66,5 16,3 41,2 1,72

Paraíba 0,557 28,9 71,1 27,6 50,5 0,84

Paraná 0,847 15,8 81,4 8,6 26,8 5,99

Pernambuco 0,615 22,9 76,5 23,2 40,3 2,64

Piauí 0,534 29,5 62,9 28,6 56,6 0,48

Rio de Janeiro 0,844 11,4 96 6,3 20,9 12,52

Rio Grande do Norte 0,668 25,4 73,34 23,7 44,8 0,84

Rio Grande do Sul 0,869 15,4 81,6 6,1 22,3 7,73

Rondônia 0,820 15,3 64,1 11,5 36,7 0,51

Roraima0,818 12,8

76,112

29,40,10

Santa Catarina 0,863 12,3 78,7 5,7 23,3 3,85

São Pauio 0,868 9,2 93,4 6,1 20,2 33,68

Continua

228

Page 6: Lucia Avelar Sistema Politico Brasileiro Uma Introdução

Sergipe 0,731 24,3 71,4 23,5 45,2 0,54

Tocantins 0,587 21,4 74,3 17,2 43,9 0,22

Fontes: PNUD; Censo 2000, IBGE.

(al São considerados analfabetos aqueles que não sabem ler ou escrever um bilhete simples, que apenas

assinam o próprio nome ou que aprenderam a ler e a escrever, mas esqueceram.

lbl São considerados analfabetos funcionais aqueles que conseguem ler e escrever de forma

rudimentar, mas são incapazes de entender textos mais longos.

de 20% no Sul e no Sudeste. É

patente o contraste entre o estado

com pior desempenho nesse quesito,

Alagoas, cuja taxa bruta de

analfabetismo, em 2004, era de

29,5% com estados como Santa

Catarina e Rio de Janeiro, com taxas

brutas de menos de 5% de

analfabetismo, na mesma data.

Em que pese a quase

universalização da escolarização das

pessoas de 7 a 14 anos (97,1%), no

Brasil, verificada em 2004, no mesmo

ano a taxa de escolarização de pes-

soas de 15 a 17 anos, no país, era de

apenas 81,9%. Novamente, as regiões

que apresentavam melhores taxas

eram o Sudeste (85,4%) e o Sul

(81,7%). No Centro-oeste, a taxa era

de 79,9%, caindo para 78,9% no

Nordeste e para 78,4% na Região

Norte.9

Como chama a atenção Camargo

(2001:83), o federalismo brasileiro

apresenta um caráter bastante

assimétrico:

vinte dos 26 estados detêm

apenas 22% da renda nacional O

estado mais rico detém 35%, os

três mais ricos detêm 60% da

Encontra tal diversidade de

condições socioeconômicas guarida no

conjunto de instituições políticas que

conformam os estados da federação

brasileira? Esta questão remete para a

análise da distribuição de poderes,

atribuições e recursos entre os entes

federados e entre os Poderes

Executivo e Legislativo no âmbito das

unidades sub-nacionais.

2. Aspectos procedimentais

Desde os papers federalistas se sabe que concentração de poderes nas mesmas mãos gera tirania. Por conseqüência, costuma- se associar democracia à dispersão de poderes entre os atores relevantes que par-ticipam do jogo político. Nesta direção aponta a prescrição madisoniana de organização de freios e contrapesos institucionais entre os poderes constituídos e a recomendação de descentralização político-administra- tiva que caracteriza os arranjos federativos.

E exatamente esse aspecto que será objeto de análise desta seção. Em primeiro lugar, será examinada a distribuição de competências, de

9. Fonte: PNAD-IBGE, 2004.

229

Page 7: Lucia Avelar Sistema Politico Brasileiro Uma Introdução

heaeraçao e reiaçoes mtergovernamentais

no âmbito dos estados, contrastando-

a com aquela verificada no âmbito da

União.

2.1 Distribuição de competênciasentre União, estados e municípios

Reza o artigo 18 da Constituição brasileira de 1988 que

A organização político-

adminis- trativa da República

Federativa do Brasil compreende

a União, os Estados, o Distrito

Federal e os Municípios, todos

autônomos, nos termos desta

Constituição.

O artigo 21 da Constituição estabelece as competências da União e o artigo 22 define as áreas nas quais legislar é competência privativa da União. A Constituição dispõe, ain-

reservadas aos Estados as competências que não lhes sejam vedadas pela Constituição Federal” - e sobre as suas atribuições exclusivas, concorrentes e compartilhadas.10

A leitura deste conjunto de dispositivos constitucionais permite concluir que a legislação reserva pouco espaço de autonomia aos Estados-membros, haja vista o reduzido número e escopo de suas competências exclusivas, o que fundamenta a afirmação de que “no sistema federativo brasileiro, quando se repartiram as competências, sobraram aos Estados aquelas que não são da União nem dos Municípios” (www.al.sp.gov.br). Assim, à conhecida preponderância legislativa do Executivo brasileiro se somam as restrições impostas às Assembléias Legislativas frente ao Congresso Nacional.

orçamento; juntas comerciais; custas dos serviços forenses; produção e consumo; florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição; proteção ao patrimônio histórico, cultural, turístico e paisagístico; responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; educação, cultura, ensino e desporto; criação, funcionamento e processo do juizado de pequenas causas; procedimento em matéria processual; previdência social, proteção e defesa da saúde; assistência jurídica e defensoria pública; proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência; proteção à infância e à juventude; organização, garantias, direitos e deveres das polícias civis. 3) Comuns (artigo 23 da Constituição Federal): “Artigo 23 - E competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: I - zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas e conservar o patrimônio público; II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência; III - proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos; IV - impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico ou cultural; V - proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência; VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas; VII - preservar as florestas, a fauna e a flora; VIII - fomentar a produção agropecuária e organizar o abastecimento alimentar; IX - promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico; X - combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos; XI - registrar, acompanhar, fiscalizar as concessões de direitos de pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais em seus territórios; XII - estabelecer e implantar política de educação para a segurança do trânsito.” (Fonte: www.al.sp.gov.br)

230

Page 8: Lucia Avelar Sistema Politico Brasileiro Uma Introdução

Pode r^ LegislativoBicameral (Câmara dos

Deputados com 513 membros e

Senado Federal com 81

membros)

26 Assembléias Legislativas e uma

Câmara Distrital unicamerais

Sistema partidário Multipartidário (Número de

partidos relevantes: 7)

Multipartidário

Tipo de circunscrição eleitoral Estados Uma única circunscrição estadual

Divisão político*

administrativa 27 unidades (26 estados e o

Distrito Federal)

5.564 municípios distribuídos pelos 26

estados da Federação

Democracia direta versus

representativaIniciativa Popular;11 Referendo;

Plebiscito.

12

Iniciativa Popular; Referendo;Plebiscito1.3

QUADRO 1. Características do arranjo federativo no Brasil. Brasil

da Federação

legislativos estaduais não são, como

seria de esperar, bicamerais e, sim,

unicamerais. Portanto, não há, nos

estados, uma câmara que organize e

processe a representação dos

interesses municipais, a exemplo do

que ocorre no Congresso Nacional,

dos se fazem representar no Senado

Federal.

Tal característica contrasta com a

apresentada pelo federalismo norte-

americano: lá, 49 dos 50 Estados-

membros são bicamerais, sendo o

estado de Nebraska o único

11. Artigo 61, § 2 - “A iniciativa popular pode ser exercida peia apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles”.12. “A lei disporá sobre a iniciativa popular no processo legislativo estadual” (Art. 27, § 4, da Constituição brasileira).

13. A criação, incorporação, a subdivisão ou o desmembramento de Estados só poderá se dar “mediante aprovação da população diretamente interessada, através de plebiscito, e do Congresso Nadonal, por lei complementar” (Art. 18, § 3). A criação, incorporação, a fusão ou o desmembramento de Municípios, far-se-ão por lei estadual “e dependerão de consulta prévia, mediante plebiscito, às populações dos Municípios envolvidos” (Art. 18, § 4).14. “But it would be a mistake to think that 49 state legislatures are exactly like Congress and that only Nebraska is different The 99 state legislative chambers in the United States employ a wide range of organizational structures, some similar but only rarely exactly like Congress, others very different. In some state legislatures, for example, party leadership dominates; in other chambers legislative committees exercise great power. Similarly, seniority determines who holds important positions in a few legislative chambers; in most it is of little importance. And, of course, state legislatures vary greatly in terms of member salaries, the time demands of service, and the sorts of staff resources and facilities that are available to members” (SQUIRE, 2003:1).

Page 9: Lucia Avelar Sistema Politico Brasileiro Uma Introdução

No que se refere à importante

questão da densidade democrática da

representação,15 que é afetada, entre

outros fatores, pelos procedimentos

através dos quais são constituídos os

órgãos decisórios - no caso, a Câmara

dos Deputados, o Senado Federal e as

Assembléias Legislativas - vale

enfatizar que o Brasil apresenta um

bicameralismo incongruente, já que o

Senado é formado através do método

majoritário e a Câmara dos Deputados

através do sistema de representação

proporcional. Tal distinção se justifica

em função do respeito ao princípio de

igualdade política, já que a regra

majoritária garante aos estados igual

representação no Senado - 3

representantes por unidade da

Federação - em que pesem as

enormes diferenças em termos de

número de habitantes e de eleitores

que podem ser observadas entre

essas unidades. Não obstante, os

membros de ambas as câmaras são

eleitos em pleitos realizados em

circunscrições políticas que

correspondem aos estados da

Federação.

O contraste entre Câmara dos

Deputados e Assembléias Legislativas

permite verificar o compartilhamento

entre elas do método de

representação - proporcional, em

rigorosa do princípio de igualdade

política entre os cidadãos de cada

estado, o que não ocorre nos pleitos

para deputados federais.

Embora o sistema proporcional

seja mais conducente ao incremento

da densidade democrática da

representação - já que permite, mais e

melhor, a expressão político-

institucional da variedade de

clivagens, identidades e interesses

que emergem nas sociedades

complexas, como o são as sociedades

contemporâneas - a sua operação em

distritos eleitorais que coincidem com

os estados produz um conjunto de

distorções e vieses da representação.

Por determinação constitucional, cada

estado pode contar com, no máximo,

70 e, no mínimo, 8 representantes na

Câmara dos Deputados. Esses limites

penalizam fortemente os cidadãos de

São Paulo, o estado mais populoso da

Federação, e beneficiam os cidadãos

dos estados menores e menos

populosos como Acre, Amapá, Sergipe

e Tocantins, como pode ser consta-

tado pela leitura da Tabela 3.

Segundo o artigo 27 da

Constituição brasileira,

O número de Deputados à

As- sembléia Legislativa

corresponderá ao triplo da

15. “A densidade democrática da representação é um atributo da democracia que envolve duas dimensões: a primeira refere-se ao método de constituição do órgão decisório e à sua composição (SARTORI, 1994); a segunda relaciona-se aos instrumentos e procedimentos através dos quais a representação é exercida. Quanto maior for a densidade democrática da representação, mais a ordem política se aproxima da realização dos princípios centrais da democracia, a saber: igualdade política e soberania popular” (ANASTASIA e MELO, 2002).

16. Haveria uma correspondência caso os deputados federais fossem eleitos em uma única circunscrição nacional, analogamente à eleição dos deputados estaduais em uma única circunscrição estadual.

2

Page 10: Lucia Avelar Sistema Politico Brasileiro Uma Introdução

Brasil 100 513 100 245.784- -

Acre 0,327 8 1,56 51.613 24 17.204

Alagoas 1,471 9 1,75 206.113 27 68.704

Amapá 0,286 8 1,56 45.084 24 15.028

Amazonas 1,413 8 1,56 222.671 24 74.224

Bahia 7,223 39 7,6 233.532 63 144.568

Ceará 4,253 22 4,29 243.741 46 116.572

Distrito Federal 1,313 8 1,56 206.949 24 68.983

Espírito Santo 1,853 10 1,95 233.658 30 77.886

Goiás 2,962 17 3,31 219.686 41 91.089

Maranhão 3,11 18 3,51 217.820 42 93.351

Mato Grosso 1,539 8 1,56 242.569 24 80.856

Mato Grosso do Sul 1,238 8 1,56 195.158 24 65.053

Minas Gerais 10,852 53 10,33 258.158 77 177.693

Pará 3,298 17 3,31 244.599 41 101.419

Paraíba 2,039 12 2,34 214.289 36 71.430

Paraná 5,649 30 5,85 237.411 54 131.895

Pernambuco 4,628 25 4,87 233.436 49 119.100

Piauí 1,644 10 1,95 207.336 30 69.112

Rio de Janeiro 8,642 46 8,97 236.872 70 155.659

Rio Grande do Norte 1,667 8 1,56 262.674 24 87.558

Rio Grande do Sul 6,149 31 6,04 250.089 55 140.959

Rondônia 0,784 8 1,56 123.597 24 41.199

Roraima 0,185 8 1,56 29.202 24 9.734

Santa Catarina 3,306 16 3,12 260.565 40 104.226

São Paulo 22,242 70 13,65 400.637 94 298.347

Sergipe 1,031 8 1,56 162.455 24 54.152

Tocantins 0,7 8 1,56 110.349 24 36.783

TABELA 3. Composição da Câmara dos Deputados e das Assembléias Legislativas - 2006.*

porx brasileiro cadeiras : -{CD| cadeira padeiras cadeira (AL)

Fonte: Elaboração própria, a partir de consulta ao site do TSE (dados relativos a maio

de 2006). * Agradeço a Luciana Santana (DCP-UFMG) pela atualização dos dados desta

tabela.

233

Page 11: Lucia Avelar Sistema Politico Brasileiro Uma Introdução

Esse dispositivo constitucional

explica o número mínimo de 24

deputados estaduais e o número

máximo de 94, para o estado de São

Paulo.

0 referido artigo reza ainda, em

seu parágrafo primeiro, que o

mandato dos deputados estaduais é

de quatro anos, e o parágrafo segundo

estabelece que o teto para o subsídio

dos Deputados Estaduais corresponde

a 75% do que percebem os Deputados

Federais.

O Brasil apresenta um alto grau de

fracionamento do sistema partidário.

Nas eleições de 2006, sete partidos -

PT, PSDB, PFL, PMDB, PP,17 PSB e PDT -

obtiveram mais de 5% dos votos

válidos, podendo, portanto, ser

classificados como “partidos

relevantes”. Além disso, observa-se

uma significativa variação da

distribuição percentual das bancadas

partidárias por estado da Federação.

O único partido que está efetivamente

nacionalizado é o PMDB, que elegeu

deputados em 26 das 27 unidades,

excluindo-se apenas Sergipe. Em

segundo lugar vem o PT, que não

elegeu representantes em apenas dois

estados: Rondônia e Tocantins. Já o

PSDB concentra 26,2% de sua

bancada no Estado de São Paulo e

10,8% em Minas Gerais, não tendo

eleito representantes em 7 estados.

Pode-se depreender, da leitura

desses dados, que o sistema

partidário brasileiro ainda está em

processo de nacionalização e,

ademais, pode-se indagar sobre os

impactos sobre as condições

socioeconômicas das suas populações,

constituem uma variável dependente

do perfil da coalizão política

predominante em cada contexto.

2.2 Poderes Executivo e Legislativo no âmbito dos estados da Federação

Já há alguns anos, a literatura vem apontando a concentração de poderes de agenda e de veto nas mãos do presidente da República, o que desequilibra os mecanismos de freios e contrapesos institucionais, em pre-juízo do Legislativo, afetando negativamente sua capacidade de cumprir suas funções, quais sejam, legislar e fiscalizar o Poder Executivo.

No Brasil, verifica-se o que Figueiredo e Limongi (1999) denominaram “preponderância legislativa do presidente”, ademais da existência de uma ampla gama de recursos de patronagem - via distribuição de cargos - e de clientelismo político - via distribuição de verbas.

O exame dos padrões de interação entre Executivo e Legislativo no âmbito dos estados da Federação não conduz a conclusões muito diferentes. Também os governadores, em geral, gozam de amplos poderes de agenda e de veto e os usam para extrair obediência de suas bancadas e para aprovar suas propostas.

Importante ressalva, no entanto, deve ser feita em relação aos poderes legislativos dos governadores: o mais importante deles - o de editar Medidas

17. PP: ex PDS/PPR/PPB.

Page 12: Lucia Avelar Sistema Politico Brasileiro Uma Introdução

\Iniciar legislação ordinária

SIM SIMDe iniciativa exclusiva em determinadas matérias

SIMProjeto de lei orçamentária. SIM

Assuntos tributários, orçamentários, financeiros e administrativos.

Requerer regime de tramitação extraordinária SIM

Art 64 da Constituição - presidente tem prerrogativa de solicitar urgência para os projetos de lei de sua iniciativa.

SIMSolicitação de urgência.

Propor reformas ou emendas à Constituição

SIM SIM

Convocar plebiscito ou referendo

NÃO NÁO

Poder Delegado de Decreto SIMSIM, exceto Piauí, Bahia, DF, ES, MA, RR, RS, SR *

Poder Constitucional de Decreto

SIMNÃO (apenas os governadores do AC, PI, SC e TO podem editar MPS). *

Poder de Veto SIM, parcial e total. SIM, parcial e total.

Nomeação e exoneração dos ministros ou secretários de Estado

SIM SIM

Indicação de membros do Congresso SIM

Designar deputados para exercerem a liderança do governo, composta de líder e três vice-líderes (art. 11 R.l. Câmara).

SIMDesignar deputados para exercerem a liderança do governo, composta de líder e vice-líderes.

Indicação dos controladores SIM1/3 do Tribunal de Contas da União (TCU); os ministros do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores.

SIM1/3 do Tribunal de Contas dos estados e o quinto constitucional dos Tribunais Estaduais.

Fontes: Constituição do Brasil de 1988; Constituições estaduais. {* Fonte: Pereira, 2001.)

235

Page 13: Lucia Avelar Sistema Politico Brasileiro Uma Introdução

Também o poder delegado de decreto não está disponível para a maioria dos governadores, como pode ser examinado no Quadro 2.

No mais, podem ser constatadas maiores semelhanças do que diferenças: a exemplo do presidente, os governadores têm total discricionariedade para nomear e demitir seu gabinete e gozam de exclusividade na proposição de matérias tributárias e orçamentárias, o que lhes permite distribuir cardos e verbas públicas.

Eles podem, também, vetar total ou par- :ialmente os projetos de lei encaminhados para sua sanção e pedir urgência na tramitação de matérias de sua autoria, o que lhes permite atropelar o processo legislativo e, através da mobilização dessa estratégia procedimental (ARNOLD, 1990), prejudi- :ar os debates e diminuir eventuais resistên- :ias dos parlamentares às suas proposições.

Importante ressaltar que os padrões en~ :ontrados de interação entre Executivo e Legislativo no âmbito estadual não autorizam, sem mais, a reiteração da hipótese do ' ultrapresidencialismo estadual” (ABRUCIO, 1998), segundo a qual os governadores exer- :eriam domínio incontrastável sobre as Assembléias Estaduais. Tais padrões não autorizam, idemais, a desconsideração das diferenças e das iiversidades por que passa esse conjunto de nstituições, as quais poderiam ser encontradas através de

lativa às formas de organização legislativa (SANTOS, 2001).

No que se refere a um importante recurso que afeta as interações entre os Poderes Executivo e Legislativo e os seus resultados - o recurso à informação -, o que se pode aventar, através do exame da empiria dispo-nível, é a presença de significativa “assimetria informacional” a favor dos governadores, já que a maioria das Assembléias Legislativas ainda se encontra em um estágio bastante ini-cial de desenvolvimento institucional, não propiciando a seus parlamentares a infra-estrutura e o expertise necessários para o adequado desenvolvimento das atividades de legislar e de fiscalizar o Executivo.

Muitas delas contam com um incipiente sistema de comissões, no qual, muitas vezes, uma única comissão é responsável por diferentes matérias. Claro está que os membros dessas comissões internamente tão heterogêneas têm pouquíssimas condições e incentivos para se especializarem em qualquer matéria.

Ademais, apenas bastante recentemente os legislativos estaduais começaram a dar a devida atenção à necessidade de profissionalização de seu corpo técnico. Em 2002, oito Assembléias Legislativas contavam com Escolas do Legislativo, sendo a mais antiga a do Estado de Minas Gerais, criada em 1992. Em 2006, 20 casas legislativas estaduais já haviam criado suas Escolas do Legislativo, observando-se, portanto, um expressivo crescimento nos últimos

18. Análise das diferenças e convergências entre algumas Assembléias Legislativas pode ser encontrada em Santos (2001).

Page 14: Lucia Avelar Sistema Politico Brasileiro Uma Introdução

e remuneração de pessoal” e manterão escolas de governo “para a formação e o aperfeiçoamento dos servidores públicos”.

Uma visita ao site da ENAP19 - Escola Nacional de Administração Pública - permite acessar a extensa lista de Escolas de Governo e órgãos similares, todos voltados para a for-mação dos administradores públicos lotados no Executivo, nos três níveis de governo.

Vale ainda assinalar que um importante instrumento de informação dos parlamentares sobre as preferências de seus representados - as comissões de legislação participativa20 - existem em apenas sete legislativos estaduais e estão em implantação em outras três assembléias legislativas.

3. Aspectos substantivos

O exame da distribuição de atribuições e funções governativas, especialmente no que se refere à gestão e à implementação das po-líticas sociais, entre Federação, estados e municípios, conduz a interessantes considerações.

O artigo 6o da Constituição brasileira reza que

São direitos sociais a

educação, a saúde, o trabalho, a

moradia, o lazer, a segurança, a

previdência social, a proteção à

II - cuidar da saúde e

assistência pública, da proteção e

garantia das pessoas portadoras

de deficiência;

V - proporcionar os meios de

acesso à cultura, à educação e à

ciência;

IX - promover programas

de construção de moradias e a

melhoria das condições

habitacionais e de saneamento

básico;

X - combater as causas

da pobreza e os fatores de

marginalização, promovendo a

integração social dos setores

desfavorecidos.

Em seu parágrafo Único, o referido artigo afirma que

Lei complementar fixará

normas para a cooperação entre

a União e os Estados, o Distrito

Federal e os Municípios, tendo em

vista o equilíbrio do

desenvolvimento e do bem-estar

em âmbito nacional.

E o artigo 24 dispõe sobre as competências legislativas concorrentes entre União, Estados e Municípios, a saber:

IX-educação, cultura, ensino

e desporto;

XII - previdência social,

proteção e defesa da saúde;

19. www.enap.gov.br/redeescolas.

20. Sobre mecanismos institucionalizados de participação dos cidadãos no processo legislativo, ver Anastasia (2001).

237

Page 15: Lucia Avelar Sistema Politico Brasileiro Uma Introdução

Senado FederalSIM Comissão de Legislação

ParticipativaSIM Sem Informação

Câmara dos

Deputados

SIM21 (Comissão de Legislação

Participativa)

SIM 2001

Acre NAO SIM 23/12/2003

Alagoas NÃO Sem informação -

Amapá NAO SIM 11/3/2003

Amazonas SIM Comissão Permanente de

Legislação Participativa.

SIM 1/1/2006

Bahia NAO SIM Sem Informação

Ceará NAO SIM 8/3/2006

Distrito Federal NAO Sem informação -

Espírito Santo NAO SIM 15/12/2004

Goiás Em fase de instalação SIM 22/6/2004

Maranhão SIM Sem informação -

Mato Grosso NAO SIM 2/7/1999

Mato Grosso do Sul SIM Comissão de Legislação

Participativa.

SIM 12/12/2003

Minas Gerais SIM Comissão de Participação

Popular

SIM 10/7/1992

Pará NAO Sem informação -

Continua

21. “Comissão Permanente da Câmara dos Deputados criada em 2001, com o objetivo de viabilizar a iniciativa popular na elaboração de leis, conforme disposto no § 2 do artigo 61 da Constituição Federal. Vale lembrar que essa Comissão é a responsável pelo recebimento de sugestões legislativas por parte entidades organizadas da sociedade civil, e não por iniciativas individuais dos cidadãos. As sugestões por ventura aprovadas pela Comissão, passam a tramitar na Câmara dos Deputados seguindo as normas regimentais aplicáveis aos projetos de lei de iniciativa das demais Comissões” (Fonte: Interlegis).

Page 16: Lucia Avelar Sistema Politico Brasileiro Uma Introdução

Paraíba

\

SIM. Comissão de Legislação

Cidadã.

SIM 3/7/2002

Paraná NAO SIM 1/9/2003

Pernambuco Em fase de instalação SIM 12/11/1999

Piauí NAO Sem informação -

Rio de Janeiro NAO SIM 30/8/2001

Rio Grande do Norte NAO Sem informação -

Rio Grande do Sul SIM Comissão de Legislação

Participativa Popular

SIM 3/10/2001

Rondônia NAO SIM Sem Informação

Roraima NAO SIM 24/6/2003

Santa Catarina SIM Comissão de Legislação

Participativa

SIM 19/12/2002

São Pauio Em fase de criação SEM 14/12/2001

Sergipe NAO SIM 24/9/2003

Tocantins NAO SIM 13/9/2005

Fontes: Associação Brasileira das Escolas do Legislativo, novembro de 2006. Comissão de Legislação

Participativa da Câmara dos Deputados, novembro de 2006 (www.camara.gov.br).

Os parágrafos Io, 2o, 3o e 4o do artigo

24 da Constituição Federal

estabelecem que:

no âmbito da legislarão

concorrente; a competência

da União limi- tar-se-á a

estabelecer normas gerais; a

competência da União para

legislar sobre normas gerais

não exclui a competência

suplementar dos Estados;

inexistindo lei federal sobre

normas gerais, os Estados

exercerão a competência

legislativa plena, para

atender as suas

cácia da lei estadual, no que lhe for contrário.

A leitura desses artigos permite

constatar que, embora a Constituição

brasileira não atribua aos estados

nenhuma competência exclusiva

relativa às políticas sociais, ela lhes

confere um importante papel na

provisão dos bens e serviços

pertinentes a esta área de política, o

que fica claro especialmente através

do exame dos parágrafos Io, 2o, 3o e 4o

do artigo 24.

Além disso, a Constituição

estabelece que a gestão das políticas

sociais deverá ter um caráter

239

Page 17: Lucia Avelar Sistema Politico Brasileiro Uma Introdução

nelas interessados. Obviamente, tal

dispositivo constitucional reforça a

participação dos estados e municípios,

onde estão florescendo os conselhos

setoriais de políticas públicas, que

são, em geral, paritários e

deliberativos.

Há uma vasta literatura que tem

esses órgãos colegiados como objetos

privilegiados de análise. Vale ressaltar

que tais órgãos são vinculados ao

Poder Executivo e contam com a

participação de representantes dos

setores governamentais responsáveis

pela implementação das políticas a

eles concernentes. Ainda que sejam

controversos os resultados obtidos

por esses Conselhos, e não obstante a

enorme polêmica teórica que têm

provocado entre os estudiosos do

tema, é fato que constituem im-

portante novidade institucional e

carregam interessante potencial

democratizante.

Não se pode, no entanto, constatar

avanços similares no âmbito dos

legislativos estaduais. Uma visita ao

site da União Nacional dos Legislativos

Estadual (UNALE) permite verificar

que um número expressivo de As-

sembléias Legislativas não conta com

comissões permanentes relacionadas

aos temas mais caros das políticas

sociais, a saber, saúde, previdência e

assistência social - que configuram,

em conjunto, a seguridade social -

educação e habitação.

A ausência de expertise e de

desenvolvimento institucional

coerente com as complexas tarefas

legislativas e de fiscalização no que

diz respeito às políticas sociais, no

âmbito dos legislativos estaduais,

pode ser mais um fator explicativo da

exemplo bem como federações que não são democracias, como o Brasil, na República Velha e durante o Ciclo autoritário-mili- tar de 1964 a 1984. Porém a combinação de federalismo com democracia - em presença dos instrumentos adequados para impedir o domínio da política pelas oligarquias locais - parece configurar um arranjo institucional direcionado à consecução dos atributos desejáveis da democracia, quais sejam, densidade democrática da representação, estabi-lidade política e responsabilidade política dos governantes perante os governados.

O federalismo assimétrico brasileiro encontra-se diante do desafio de enfrentar as enormes desigualdades de diferentes tipos que caracterizam o país e que, muitas vezes, são agravadas pela competição predatória entre os estados-membros. As perversas condições socioeconômicas, que se mostram mais em alguns estados e em algumas regiões do que em outras, constituem ameaça para o regime democrático e afetam negativamente o exercício da cidadania democrática. O que emerge como mais preocupante, do quadro esboçado, é que ali onde as condições são mais precárias é exatamente onde se verifica, também, menor desenvolvimento institucional. O que leva a indagar, com ceticismo, sobre a capacidade das instituições políticas, no âmbito subnacional, de processarem as clivagens, necessidades e interesses dos cidadãos dos diferentes estados.

Page 18: Lucia Avelar Sistema Politico Brasileiro Uma Introdução

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