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Federação Catarinense de Municípios – FECAM Rua Santos Saraiva, 1.546 – 88070 – 101 - Florianópolis/SC 48 3221 8800 – www.fecam.org.br – [email protected]
MANIFESTO EM DEFESA DOS MUNICÍPIOS CATARINENSES
SOBRE A CRISE FINANCEIRA
Considerações Iniciais
O Conselho Político da Federação Catarinense de Municípios - FECAM,
integrado pelos prefeitos municipais e membros do Conselho Executivo, do Conselho
Fiscal, do Conselho Deliberativo (Presidentes de Associações de Municípios)
deliberaram pela realização de estudos que demonstram a situação de dificuldade
financeira dos municípios catarinenses.
Esse estudo procura demonstrar que ao longo dos anos após a promulgação da
Constituição Federal de 1988, aos municípios brasileiros foram transferidos centenas de
programas e demandas no atendimento ao cidadão, os quais elevam de forma drástica e
insustentável as despesas dos entes municipais sem a devida contrapartida dos recursos
financeiros. Em 2015, esse cenário é agravado em virtude da desaceleração das atividades
econômicas e da diminuição das transferências constitucionais aos Municípios, base
arrecadatória da maioria dos municípios do estado. Essas características expressam
grandes preocupações aos municipalistas quanto a continuidade dos serviços prestados à
comunidade catarinense.
Mudança de Paradigma das Finanças Municipais
Com a formulação da nova Constituição Federal em 1988, houve a diminuição da
concentração do poder político, o que alçou o fortalecimento dos estados e Municípios à
condição de seu principal objetivo, que exigia, no que diz respeito às finanças públicas, o
aumento do grau de autonomia fiscal dos estados e Municípios, a desconcentração dos
recursos tributários disponíveis e a transferência de encargos da União àquelas unidades.
Não obstante à previsão de maior equilíbrio na partilha tributária, o que se
observou foi a concentração dos recursos tributários por parte da União na ordem de
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aproximadamente 60%, enquanto para os Municípios, os recursos disponíveis são de
apenas 17%.
De fato, a concentração é um dos principais motivos para o insuficiente nível de
recursos dos Municípios. Além disso, conforme gráfico 1, sua dependência em relação às
transferências constitucionais1 tornou-se outro obstáculo para o atendimento das
demandas sociais. Atualmente, 81,69% dos Municípios de Santa Catarina possuem mais
de 50% de sua receita orçamentária resultante das transferências constitucionais
supracitadas.
Gráfico 1: Dependência das Transferências Constitucionais em 2014
Fonte: STN e TC-SC – Elaboração: FECAM
Desse modo, fica evidente a pressão que as transferências constitucionais exercem
sobre as finanças municipais, em que qualquer variação no comportamento destas causa
sério impacto local.
1 Fundo de Participação dos Municípios (FPM); Imposto sobre Operações relativas à Circulação de
Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual, Intermunicipal e de Comunicação
(ICMS); Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) e Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB).
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
1.000 26.000 51.000 76.000 101.000 126.000 151.000 176.000 201.000 226.000 251.000
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População
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Dado pressuposto, cabe apresentar o desempenho dos repasses entre os anos de
2005 à 2015, conforme gráfico 2. Nesse período, consideráveis aumentos reais foram
apresentados em todas as transferências constitucionais analisadas, exceto entre 2013-
2015.
No período de 2013-2015 houve uma inversão drástica desse processo. Os
repasses, sem exceção, apresentaram queda real de 7,21%, considerando o Índice
Nacional de Preços do Consumidor Amplo (IPCA), acumulado para o mesmo período.
Gráfico 2: Evolução Real das Principais Transferências Constitucionais
*Para o período de 2005, os valores do FUNDEB são referentes ao FUNDEF do respectivo ano.
A evolução das transferências constitucionais (ICMS, FPM, IPVA e FUNDEB), refere-se ao acumulado
entre janeiro e outubro para os períodos analisados.
Fonte: Portal das Transferências Constitucionais – Elaboração: FECAM
As transferências do FPM e do ICMS, principais receitas de aproximadamente
80% dos municípios catarinenses, obtiveram perdas reais de 5,36% e 8,86%,
respectivamente, entre 2013-2015.
42,95%
15,31%
-5,36%
20,60%
26,14%
-8,86%
30,16% 28,53%
-5,63%
55,69%59,80%
-19,80%
-30%
-20%
-10%
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
2005-2008 2009-2012 2013-2015
FPM ICMS IPVA FUNDEB*
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Esse comportamento totalmente adverso dos repasses se deve em especial ao
cenário econômico de 2015, o qual é caracterizado pela forte queda na arrecadação dos
tributos. A tabela 1 apresenta a evolução real das transferências constitucionais entre os
anos de 2014 e 2015. Em 2014, houve crescimento real em todos os repasses, fato não
ocorrido ano de 2015.
Tabela 1 Evolução Real2 das Transferências Constitucionais dos Municípios
Catarinenses
Transferências 2014 2015
Variação Real ∆ ∆ Perdas (R$)
FPM 3,62% -2,06% 55.013.604,02
ICMS 4,79% -5,95% 216.594.031,48
IPVA 3,94% -2,57% 16.898.482,17
FUNDEB 5,46% -5,20% 113.299.684,41
Total das Perdas em 2015 401.805.802,08
A evolução das transferências constitucionais (ICMS, FPM, IPVA e FUNDEB) refere-se ao
acumulado entre janeiro e outubro para os períodos analisados
Fonte: Portal de Transferência Constitucional - Elaboração: FECAM
Em 2015, quedas notáveis ocorreram nas transferências constitucionais, ao qual
totalizaram perdas em termos reais de R$ 400 milhões aos municípios catarinenses.
As dificuldades enfrentadas pelos gestores públicos municipais para o
cumprimento das normas de responsabilidade fiscal são reflexo direto da política de
desoneração praticada pelo governo nos últimos anos, além da desaceleração da atividade
econômica e do aumento das responsabilidades.
2 Todas as variações reais especificadas no presente estudo consideram o IPCA.
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O Ente Municipal no Sistema Federativo e a Transferências de Encargos
Administrativos
No contexto federativo brasileiro, o Município é dotado de autonomia político-
administrativa, capaz e suficiente para gerir as ações de governo junto as suas
comunidades locais. Na prática, para exercer a plena capacidade na crescente demanda
de serviços e ações a que é submetido, faz-se necessária profunda revisão no modelo
federativo brasileiro, que concentra na União a maior parte das receitas arrecadadas e o
poder discricionário na definição das políticas públicas, impondo a sua execução aos entes
Municipais.
A Constituição da República dispõe sobre o núcleo das competências comuns dos
entes federativos em seu artigo 23, tendo em seu parágrafo único o comando para que
cada uma dessas competências sejam reguladas por meio de lei complementar:
Artigo 23, incisos I a XII: Zelar pela saúde, educação, meio ambiente, fauna,
flora, patrimônio natural, cultura, ciência, agropecuária, habitação,
saneamento básico, combate à pobreza, recursos hídricos, trânsito.
Artigo 23, Parágrafo único. Leis complementares fixarão normas para a
cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios,
tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito
nacional.
Ressalvadas as atribuições do governo central na regulação da economia, na
manutenção da segurança nacional e da soberania do estado brasileiro, na execução das
obras estruturantes ao País que garantam o seu pleno desenvolvimento e no
fortalecimento dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, todas as demais
atribuições estatais em favor da população brasileira estão gradativamente sendo
transferidas aos municípios, por força do descrito no artigo 241, da Constituição Federal
de 1988:
Art. 241. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplinarão
por meio de lei os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os
entes federados, autorizando a gestão associada de serviços públicos, bem
como a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens
essenciais à continuidade dos serviços transferidos.
Esse fenômeno da municipalização decorre da regulamentação do parágrafo único
do art. 23, concomitante ao art. 241, da Constituição Federal, que permitem a definição
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das políticas públicas e encargos pelo governo federal, com a consequente transferência
dos serviços públicos às administrações municipais por meio de programas e convênios,
os quais vêm se configurando num cenário de completa sobrecarga aos Municípios, no
que diz respeito à divisão de responsabilidades na prestação de serviços básicos à
população
O descompasso entre a elevação das responsabilidades e a diminuição das receitas
tornam-se fatores relevantes para deteriorar o quadro vigente. O gráfico 3 compara a
evolução real das despesas e receitas orçamentárias dos municípios catarinenses. No
gráfico, o fenômeno da municipalização é evidenciado claramente para os períodos de
2005-2008 e 2013-2014. Nessas duas fases, o crescimento das despesas municipais foram
superiores ao da arrecadação. A gravidade da situação se configura no último período
(2013-2014), onde o aumento das despesas foi de 6,17 pontos percentuais (p.p.) acima do
apresentado pelas receitas.
Gráfico 3: Evolução Real das Receitas e Despesas Orçamentárias
Fonte: STN e TCE-SC – Elaboração: FECAM
A municipalização dos serviços e programas Federais e Estaduais obrigou os
Munícipios a contratação de novos profissionais, o que resultou no aumento expressivo
39,51%
27,95%
7,54%
35,91%
28,64%
1,37%
0%
5%
10%
15%
20%
25%
30%
35%
40%
45%
2005-2008 2009-2012 2013-2014Despesas Receitas
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das despesas com pessoal. O gráfico 4, apresenta a evolução dos principais custos dos
municípios. De forma geral, as despesas com pessoal, combustível e energia elétrica
obtiveram crescimentos vultosos em todos os períodos analisados. Entre 2005 e 2012, o
crescimento dos gastos com pessoal foi de 161%, para a energia elétrica e combustível,
considerando o IPCA, os acréscimos foram de 15,45% e 13,09%, respectivamente.
Gráfico 4: Evolução dos Principais Custos dos Municípios
*A análise do período de 2013-2015 foi realizada com informações de uma amostra de 168
municípios catarinenses com base no primeiro semestre de cada ano. Para os demais anos a base
de informações corresponde a todos os Munícipios Catarinenses.
Fonte: STN e TC-SC – Elaboração: FECAM
O acréscimo nos custos de pessoal é contínuo para os Municípios em virtude do
aumento das demandas sociais e das novas responsabilidades assumidas anualmente. Fato
novo dentro desse cenário ocorreu expressamente em 2015. O aumento exacerbado no
nível de inflação corroeu as receitas municipais e aumentou custeio dos serviços públicos,
em especial energia elétrica e combustível. No acumulado dos últimos 12 meses, o IPCA
combustível foi de 17,64% e o IPCA energia elétrica, 52,30%.
O elevado aumento em relação aos níveis de preços comparado à diminuição da
arrecadação, em 2015, colaborou em grande medida para acentuar a crise financeira dos
Municípios. O resultado dessa situação é apresentado no gráfico 5, que mostra o
46,70%
55,08%
28,30%
10,08%13,09%
26,50%
2,78%
15,45%
51,02%
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
2005-2008 2009-2012 2013-2015*
Despesas com Pessoal IPCA - Combustível IPCA - Energia Elétrica
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comprometimento da receita corrente líquida com relação as despesas com pessoal em
2014 e 2015.
Gráfico 5: Despesas com Pessoal* - LRF
*A análise dos anos de 2014 e 2015 foi realizada com informações de 168 municípios catarinenses
com base no primeiro semestre de cada ano.
Fonte: TC-SC – Elaboração: FECAM
Diversos fatores econômicos influenciaram decisivamente o acréscimo de 2,74
p.p. nos gastos de pessoal entre 2014 e 2015, passando de 45,09% para 47,83%. De forma
geral, esse acréscimo é resultante do aumento das despesas com pessoal na ordem de
13,74%, valor maior que o apresentado pelo incremento das receitas correntes líquidas
no mesmo período (7,23%).
O gráfico 6 analisa as despesas com pessoal por Município para o ano de 2015 e
o limite prudencial estabelecido no artigo 22, parágrafo único, da lei de complementar nº
101 de 2000. Atualmente, de acordo com as informações de 168 municípios, 25% estão
no limite prudencial e 7,14% estão acima do limite de despesa com pessoal estabelecido
na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
45,09%
47,83%
44%
44%
45%
45%
46%
46%
47%
47%
48%
48%
49%
2014 2015
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Gráfico 6: Despesas com Pessoal e Limite Prudencial em 2015*
*A análise do período de 2013-2015 foi realizada com informações de 168 municípios catarinenses
com base no primeiro semestre de cada ano.
Fonte: TC-SC – Elaboração: FECAM
No cenário vigente, a atualização dos salários com base no IPCA e a diminuição
real das transferências constitucionais corrobora para inflamar o custeio de pessoal dos
Municípios, tornando assim, insustentável a manutenção dos limites estabelecidos na
LRF.
Durante os últimos anos, os municípios assumiram novas obrigações relativas à
prestação de serviços de saúde, educação, assistência social, habitação, entre outros,
competências até então inexistentes ou prestadas pela União ou Estados e que passaram
a onerar os cofres municipais.
Em 2014, os Municípios de Santa Catarina tiveram ônus de mais de R$ 66 milhões
no custeio desses programas. De acordo com o gráfico 7, na área da educação, os
Municípios assumiram em torno de 51% do custeio para a manutenção do Programa
Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
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Municípios Catarineses
Limite Prudencial Gastos Pessoal
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No Programa de Estratégia da Saúde da Família (ESF), as responsabilidades para
o custeio são de 60% para os Municípios e 40% para os demais entes da Federação. No
caso do Programa Assistência Farmacêutica Básica, para sua manutenção, apenas 35%
dos recursos oriundos de transferências e 65% são relativos a recursos próprios dos
Municípios.
Gráfico 7: Custeio de Programas Federais - 2014
*Programa Agentes Comunitários da Saúde
Pesquisa amostral realizada nos municípios catarinenses.
Fonte: Portal de Transparência - Elaboração: FECAM
40%
60%
35%
65%
55%
45%
65%
35%
71%
29%
49%
51%
0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80%
Transferências
Municípios
Transferências
Municípios
Transferências
Municípios
Transferências
Municípios
Transferências
Municípios
Transferências
Municípios
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Além dos repasses serem significativamente inferiores aos custos de manutenção
dos programas, a maioria dos programas está com os recursos defasados, ou seja, não
foram corrigidos pela inflação do período.
Na área da educação, o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), tem
defasagem de 31,31% no valor repassado por aluno, o que proporciona perdas na ordem
de R$ 6 milhões aos Municípios catarinenses em 2015.
Na saúde, a defasagem do repasse aos programas Equipe Saúde da Família (ESF)
e Equipe Saúde Bucal (ESB) resulta em perdas R$ 88,81 milhões aos cofres das
prefeituras catarinenses. A maior perda está no ESF, com defasagem de 62,96%. Estima-
se que em 2015 os Municípios catarinenses deixaram de receber mais de R$ 80 milhões
em relação a esse programa.
Conclusão
Fica demonstrado nesse levantamento que os municípios são coagidos a celebrar
convênios ou programas para o atendimento das demandas da comunidade, que exigem
contrapartida de recursos muito superiores aos auxílios financeiros prestados pela União
e Estado. A prática de municipalização de políticas públicas acarreta a ampliação da
estrutura física e de recursos humanos para o atendimento da população, implicando em
aumento das despesas públicas dos Municípios.
Em suma, diferentes motivos e fatores interferiram diretamente na gestão
municipal e ocasionaram a Crise Financeira dos Municípios. Tal fato corrobora para a
insustentabilidade da manutenção e ampliação dos serviços públicos municipais.
Os dados apresentados são apenas parte das inconsistências do modelo federativo
brasileiro, que privilegia a concentração do poder e da arrecadação na União e Estados,
especialmente para a formação e regulação das políticas públicas, programas,
conferências que aumentam as demandas e a descentralização dos serviços a serem
executados pelos Municípios.
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Agravam-se essas distorções com a insuficiência das transferências financeiras
para manter esses serviços pelos Municípios.
“Os Municípios Brasileiros Pedem Socorro”.
Florianópolis, SC, novembro de 2015