510

Manual dos Recursos Penais - Edição 2017 · A doutrina nacional já teve obras fundamentais sobre os recursos penais. Mais recentemente, e durante mais de uma década, o pedestal

Embed Size (px)

Citation preview

  • 2017-05-01

    ManualdosRecursosPenais-Edio2017PRIMEIRASPGINAS

  • destaedio[2017]

  • 2017-05-01

    destaedio[2017]

    ManualdosRecursosPenais-Edio2017SOBREOAUTOR

    GUSTAVOHENRIQUEBADAR

    Livre-DocenteemDireitoProcessualPenalpelaFaculdadedeDireitodaUniversidadedeSoPaulo (2011), pela qual tambm Doutor (2002), Mestre (1999) e se graduou no ano de 1993.Professor-Associado do Departamento de Direito Processual da Faculdade de Direito daUniversidadedeSoPaulo,nadisciplinaDireitoProcessualPenal,noscursosdeGraduaoePs-Graduao. Foi Professor de Teoria Geral do Processo (1996-2003) e de Direito Processual Penal(2003-2009) da Faculdade de Direito da Universidade de Taubat. Membro do Instituto Ibero-Americano deDireito Processual (IIDP), Instituto Brasileiro deDireito Processual (IBDP), InstitutoBrasileirodeCinciasCriminais(IBCCrim),InstitutoBrasileirodeDireitoProcessualPenal(IBRASPP)eInstitutodosAdvogadosdeSoPaulo(Iasp).DiretordoInstitutoBrasileirodeDireitoProcessual.IntegrouoConselhoConsultivodoInstitutoBrasileirodeCinciasCriminais(IBCCrim 2013-2015).Membro do Conselho Cientfico do Centro de Estudos deDireito Penal e Processual Penal Latino-Americano,doInstitutodeCinciasCriminales,daGeorg-AugustdeGttingen,Alemanha.autordevrioslivros:Correlaoentreacusaoesentena(3.ed.,Ed.RT,2009),nusdaprovanoprocessopenal (Ed. RT, 2003),Direito ao processo penal no prazo razovel (em coautoria comAuryLopesJnior 2. ed., Lumen Juris, 2009), Processo Penal (4. ed., Ed. RT, 2016) e Lavagem de Dinheiro:Aspectospenaiseprocessuaispenais(emcoautoriacomPierpaoloCruzBottini3.ed.,Ed.RT,2016).OrganizadordaobraDireitoPenaleProcessoPenal,ColeoDoutrinasEssenciais(Ed.RT,2015),emsetevolumes.Temdezenasdeartigospublicadosemrevistasjurdicasnacionaiseestrangeiras.Ex-ConsultorJurdicodoMinistriodaJustia.Advogadocriminaleconsultorjurdico.

  • 2017-05-01

    ManualdosRecursosPenais-Edio2017NOTADOAUTOR2.EDIO

    NOTADOAUTORSEGUNDAEDIO

    comgrandealegriaqueoferecemosaoleitorasegundaediodonossoManualdosRecursosPenais.

    Umasegundaediosempremotivodeorgulho,porserumaindicaodequeaobrateveboaacolhida.Nestecaso,comsaborespecial,namedidaemqueaprimeiraedioseesgotouempoucomais de 6 meses. Alm da curiosidade do leitor, certamente a busca por informaes sobre osreflexos do novo Cdigo de Processo Civil no sistema recursal processual penal, em especial norecursoespecial,extraordinrioeembargosdedivergncia,colaboraramparaisso.

    Havia,portanto,doiscaminhosaseguir:umanovatiragemouumasegundaedio.Aopoporumasegunda tiragemeramais cmodae simples,porm insatisfatriapor incompleta.Aescolhapor uma segunda edio tinha a vantagem de permitir o acrscimo de novos posicionamentosdoutrinriose,principalmente,dosprimeiros julgadossobreonovoCdigodeProcessoCivil,queemalgunspontos,seaplicaporanalogiaaoprocessopenal,eemmuitooutros,temaplicaodireta,comonocasodorecursoespecial, recursoextraordinrio,embargosdedivergnciaareclamao.Optou-seporumanovaedio.

    Para tanto, foram analisados todos os julgados do Superior Tribunal de Justia e do SupremoTribunal Federal, envolvendo os dispositivos do Cdigo de Processo Civil, aplicveis ao processopenal.Almdisso,houveatualizaojurisprudencialnostemasespecficosdoprocessopenal.

    Anovaediotambmtrazalgunsacrscimos.

    NaParte II, no captulo dos embargos dedeclarao, acrescido o item14.2.1.5, que tratavadocabimentodorecursoemrazodeerrosmateriais,teveacrescida,tambm,aanlisedashiptesesdoschamadoserrosevidentes.Anovidademaissignificativa,poroutro lado, foioacrscimo,naParte III, que tratadasaesautnomasde impugnao,doCaptulo27, tratandoda reclamao.Comisso,ficasupridaincomodaerelevantelacunadaprimeiraedio.

    Todos estes novos temas e assuntos o leitor encontrar nessa segunda edio, atualizada eampliada.

    Almdisso,depoisdapublicaodaprimeiraedio,muitosartigosforamescritosemrazodasmudanasqueaLei12.683/2012,aoCdigodeProcessoCivilde2015,emtemaderecursoespecial,extraordinrio e embargos de divergncia, o que propiciou novas reflexes que puderam serincorporadasnessasegundaedio.

    NopoderamosdeixardeagradeceraNathliaCassolaZugaibequefezumaleituraatentadaobra,indicandoerrosdedigitaoeequvocosemindicaesdeartigosdelei.

    Por fim, mas no menos importante, agradecemos aos leitores, pela acolhida carinhosa daprimeiraedio.Semvocs,estasegundaedionoseriapossvel.Comosempre,suassugestesecrticasserosemprebem-vindas.Umabraoeboaleitura!

  • destaedio[2017]

    GustavoBadar

    SoPaulo,novembrode2016.

  • 2017-05-01

    ManualdosRecursosPenais-Edio2017INTRODUO

    INTRODUO

    Umajustificaoeumahomenagem

    Adoutrinanacionaljteveobrasfundamentaissobreosrecursospenais.

    Maisrecentemente,edurantemaisdeumadcada,opedestalestocupado,deformamerecida,pelamagnficaobradeAdaPellegriniGrinover,AntonioMagalhesGomesFilhoeAntonioScaranceFernandes,RecursosnoProcessoPenal,queem2011,atingiua7.edio.

    Essabasefundamental.Semessasobrase,emespecial,olivroRecursosnoProcessoPenal,demeusqueridosMestresdasArcadas,olivroqueoraseofereceaoleitornoteriasidoescrito.OlivrodeAda,MagalheseScarancesempreserumportoseguroparatodosquenecessitamanalisarosfundamentosdoutrinriosdateoriageraldosrecursos,osrecursosemespcieeasaesautnomasdeimpugnao.

    Porque,ento,umanovaobrasobreomesmotema?

    Jsepassaram5anosdesdealtimaediodoRecursosnoProcessoPenal.Edelparacmuitacoisamudou,nasleisenajurisprudncia.

    Mudanaslegislativasnoprprioprocessopenalfizeramcomque,emalgunspontos,houvessenecessidadedenovas reflexese teorias.AsmudanasnoNovoCdigodeProcessoCivil tambmtrouxeramreflexosdiretosnosistemarecursaldoProcessoPenalque,muitasvezes,poranalogia,sevale das regras processuais no penais. Todavia, a mais significativa mudana se deu com arevogaodosarts.26a28daLei8.038/1990,eaconsequentesubordinao,noprocessopenal,dorecurso especial, do recurso extraordinrio e do agravo contra a denegao de tais recursos, aonovelregimedoCdigodeProcessoCivilde2015.

    Tambmdeseregistrarquenovasquestessurgiram,comgrandeimpactonosistemarecursal.A principal delas foi o novo posicionamento do Supremo Tribunal Federal, logo acolhido peloSuperiorTribunaldeJustia,denoaceitarainterposiodehabeascorpussubstitutivoderecursoordinrioemhabeascorpus.Mais recentemente,eaindano temadorecursoemhabeascorpus, aesdrxulaexignciadequefossejuntadaprocuraoparaqueorecursofosseconhecido,continuaasinalizar para uma jurisprudncia defensiva, em que a grandeza do remdio heroico tem sidomenoscabadapelovolumedeserviodostribunais.Apalavradeordemreduziraenormecargadetrabalho,aindaquesejascustasdaproteomximaconferidaliberdade.

    Outromotivo importante a incorporaodo conceitododireito aoduplo graude jurisdio,asseguradono art. 8.2,h, da ConvenoAmericana deDireitosHumanos. A garantia equivale aodireito previsto no art. 14.3 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Polticos e o novo direitoassegurado no art. 2. do Protocolo VII da Conveno Europeia de Direitos Humanos, e que temprovocado profundas mudanas no ordenamento jurdico interno de vrios pases. Entre ns,contudo, o posicionamento da Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre o contedo dodireitoaorecursodoacusadonotevepraticamentenenhumimpacto.EmborasendoumManual,numapartepropositivae,porquenodizer,provocativa,oprincpiododuplograudejurisdio

  • destaedio[2017]

    analisado como direito ao recurso do acusado contra sentena condenatria, funcionando comomecanismo de controle da superao da presuno de inocncia quanto ao juzo ftico, com apotencialidadedeimporumaduplaconformeparaacondenaoealiberaolegtimadopoderpunitivoestatal.

    Explicadososmotivosdanovaobra,cabemagoraasmerecidashomenagens.

    Tenhonosrespeito,masimpagvelgratidoporAdaPellegriniGrinover,AntonioMagalhesGomes Filho e Antonio Scarance Fernandes. A esses Mestres devo meu aprendizado. Recebi esemprerecebereiinmeraslies.Arguiram-menomestrado,doutorado,concursodeadmissonadocncia e, mais recentemente, na livre-docncia. Recebi orientaes, exemplos, estmulos e onecessrio incentivo para o ingresso na carreira acadmica. Ada Pellegrine Grinover foi minhaorientadoranomestradoedoutorado.AindaalunodomestradoeintegrantedoPAE,fuiconvidadoporAntonioScaranceFernandesparaauxili-lonasaulasdegraduaonasturmasdaFaculdadedeDireitodoLargodeSoFrancisco.Depois,jProfessordasArcadas,AntonioMagalhesGomesFilhomehonroucomoconviteparacomeledividirasturmasnocursodeps-graduao.

    Jamais pretenderei super-los, at mesmo porque tenho conscincia de meus limites e talempreitadaestariaalmdaminhacapacidade.Sinto-me,porm,nodever,comodiscpulo,dedarcontinuidadeaumaanlisedogmaticamentesriaetecnicamenteprecisadosistemarecursalpenalbrasileiro,aliadoaosestudosdasprincipaisquestesprticas.EstelivroumaformadecontribuircomotrabalhodosmeusMestres.Poderei,ecertamenteofarei,seacharcorreto,discordaremumououtrotema,fazendoanecessriaefundamentadaargumentaocrtica.Mas,spodereifaz-lo,porqueestesmeusProfessoresemuitosoutrosgrandesdoutrinadoresmederamoembasamentotericoparatanto.sobreelesquemeapoio,paratentarevoluir.

    A JohnofSalisburyseatribuia frase: Nssomoscomoanessentadosnoombrodegigantes.Nsvemosmaisecoisasqueestomaisdistantesqueeles,noporquenossavisosuperiorouporque somosmaisaltosqueeles,masporqueelesnosengrandecem, jque suagrandeestaturasoma-senossa(TheMetalogicon,p.1159).Acitaofoiretomada,porningummenosqueIsaacNewton,emcartaendereadaparaRobertHooke,em15.02.1676:Sevimaislonge,foiporestardepsobreombrosdegigantes.

  • 2017-05-01

    destaedio[2017]

    ManualdosRecursosPenais-Edio2017PARTEI-TEORIAGERALDOSRECURSOS

    PARTEI-TEORIAGERALDOSRECURSOS

  • 2017-05-01

    ManualdosRecursosPenais-Edio2017PARTEI-TEORIAGERALDOSRECURSOS1.NOESGERAIS

    1.Noesgerais

    1.1.Conceitoderecurso

    A palavra recurso originria do latim recursus, particpio passado do verbo recurrere,1 que

    significarecorrer,retomarocurso,voltarpelomesmocaminho.

    De uma maneira geral, em todos os sistemas processuais, h recursos. Do ponto de vista

    axiolgico, uma forma de fazer prevalecer o valor justia sobre a segurana jurdica.

    Mecanismosdecorreodoerropossibilitamoaprimoramentodadeciso,paraquesejacorretaem

    seusaspectosfticosejurdicose,portanto,sejajusta.Poroutrolado,aseguranajurdicasomente

    ir se impor em momento posterior, esgotadas as possibilidades recursais, cristalizando-se no

    institutodacoisajulgada.

    Ossistemasrecursais trabalham,emregra,comdois tiposderecurso.Umamplo,parareviso

    dassentenasdemrito,emseusaspectosfticose jurdicos,comamplapossibilidadedereforma

    pelos tribunais. Tal recurso , geralmente, denominado apelao. Outro recurso, limitado a um

    controledelegitimidadedosjulgados,emgeralexercidopelorgodecpuladoPoderJudicirio,

    orecursodecassao,destinadoexclusivamenterevisodasquestesdedireito.Entrens,essa

    segundamodalidaderecursalestdivididaentreorecursoextraordinrioeorecursoespecial.Suas

    funes,porm,nodeasseguraroduplograudejurisdio.

    Terminam a, contudo, as coincidncias, havendo muitas variedades nos diversos sistemas

    recursaisencontradosnoestudocomparado.Oraorecursoparargohierarquicamentesuperior,

    oraparaoprprioprolatordoatorecorrido.Nemsempreassentenasterminativassoapelveis.

    No prprio sistema nacional, elas desafiam recurso em sentido estrito. H variaes sobre a

    recorribilidade das decises interlocutrias. Nuns sistemas, adota-se a irrecorribilidade das

    interlocutrias; noutros, todas as decises interlocutrias so recorrveis; sistemas intermedirios

    admitemorecursodealgumasdecisesnocursodoprocesso.Aadequaodosrecursossdecises

    impugnveisestescolhadolegislador,quenemsempresegueemelhortcnica.Quasesemprese

    admite ummeio de impugnao para aclarar os sentidos de decises dbias ou contraditrias e

    integrar as decises que se omitiram sobre algum ponto que dela devia constar, embora nem

    sempre tal meio seja tratado entre os recursos. H recursos para o controle da integridade do

    ordenamento jurdico, seja das leis, seja da Constituio, mas ora o recurso se limita a cassar a

    decisonopontoemqueseresolveaquaestioiuris,restituindoamatriaaojuizdeorigem,orao

    prprioTribunalsuperioraplicaodireitoao fato,comonosrecursosextraordinrioeespecialno

    Direitobrasileiro.Eoroldediferenaspoderiaseampliaremmaisdezenasdedistines.

    Essecenriodediferenasmostracomootemarecursalestdiretamenteligadoaodireitoposto

    de cadapas. E, consequentemente, a adoode terminologias e classificaes estrangeiras, ainda

    querelevanteparafinsdoutrinriosecomparatsticos,muitasvezeschegararesultadoserrneos

    paraassoluesdeproblemasdodireitonacional.

  • Comrazo,BarbosaMoreiraafirmouquenohnenhumcudepurasessncias,ondeselogre

    descobrirumconceitoderecursoanterioraoquerevelarosistemadalei.2Aconstruodoconceito

    derecursododireitobrasileiro,portanto,levaemcontaanossadisciplinalegal.

    Recursoomeiovoluntriodeimpugnaodasdecisesjudiciais,utilizadoantesdotrnsitoem

    julgado e no prprio processo em que foi proferida a deciso, visando reforma, invalidao,

    esclarecimentoouintegraodadecisojudicial.3

    Essa definio, que pode ser aceita para o direito processual penal brasileiro, advirta-se,

    distancia-se dodireito posto emumponto.Ao considerar os recursos comomeios voluntrios de

    impugnao das decises, incompatvel com os chamados recursos ex officio, inegavelmente,

    previstos na legislao processual penal. Quem considerar existente tais recursos, evidente que

    deverextirpardadefinioacaractersticadevoluntariedadedoatorecursal.

    Odireitoaorecursonascecomoprovimentodesfavorvel,4sejaporquecausouprejuzoparte,

    sejaporquenolhedeutodobenefcioquepoderiacomeleobter.Aqui,tambm,mostra-sedifcil

    compatibilizartalelementocomorecursoexofficio.

    Para as partes, a interposio do recurso um nus, isto , uma faculdade cujo exerccio

    condionecessriaparaevitarumprejuzoouprocurarobterumasituaomaisvantajosa.5

    A caracterizao do recurso como ato interposto no prprio processo em que foi proferida a

    decisoremetetormentosaquestodanaturezadorecurso.

    Neste ponto, as correntes podem ser agrupadas em duas categorias: (i) o recurso como

    prolongamentodaaooriginria;6(ii)orecursocomoumaaoautnomanomesmoprocesso.7

    Noprocessopenal,nenhumadas categoriaspode serplenamenteaceita, semadequaes. Isso

    porque,perfeitamentepossvelautilizaodorecursocontraatosjurisdicionaisantesmesmodo

    inciodoprocesso,nafasepr-processual.Assim,porexemplo,orecursocontraadecisoquerelaxa

    aprisoemflagranteoucontraadecisoquearbitraafiana(CPP,art.581,V).Nessescasos,hde

    sereconhecerumapretensorecursalautnoma,independenteeprviaformulaodapretenso

    processualquesomenteserformuladacomooferecimentodadennciaouqueixa.Alis,podeser

    quenemmesmovenhaaserformulada.Porexemplo,adecisoquerelaxaaprisoemflagrante,

    por consider-lo um caso de flagrante preparado e, portanto, crime impossvel, pode levar o

    Ministrio Pblico a pedir o arquivamento dos autos do inqurito policial, sem que haja

    oferecimentodedennciae,portanto,processo.

    Os recursos se distinguem das aes autnomas de impugnao que, segundo os critrios do

    direitoposto,servemimpugnaodedecisesjudiciais,masdocausaaumnovoprocesso,com

    procedimentoerelaojurdicaprocessualprprios.Asaesautnomasdeimpugnaopodemser

    utilizadasantesdotrnsitoemjulgadodadeciso,comonocasodehabeascorpusoudomandado

    desegurana,oumesmoapso trnsitoemjulgado,comoarevisocriminale,emdeterminados

    casos,ohabeascorpus.

    footnotesfootnotes

    1

    FranciscodaSilveiraBueno,GrandeDicionrioEtimolgico-ProsdicodaLnguaPortuguesa...,v.7,p.3409.

  • destaedio[2017]

    2

    JosCarlosBarbosaMoreira,Ojuzodeadmissibilidade...,n.2,p.10.AadvertnciaexpressamentecompartilhadaporArakendeAssis

    (ManualdosRecursos...,n.1p.50).Nomesmosentido,afirmaNeryJr.(Princpiosfundamentais:teoriageraldosrecursos...,n.3.1,p.

    198)queoconceitoderecursodeveserconstrudoapartirdoqueestabeleceodireitopositivo.

    3

    Noprocessopenal,paraGrinover,MagalhesGomesFilhoeScaranceFernandes(Recursos...,n.8,p.29),recursoomeiovoluntrio

    de impugnao de decises, utilizados antes da precluso e na mesma relao jurdica processual, apto a propiciar a reforma,

    invalidao,oesclarecimentoouaintegraodadeciso.ParaMendonaLima(Introduo...,p.124-125),recursoomeio,dentroda

    mesma relao processual, de que se pode servir a parte vencida em sua pretenso ou quem se julgue prejudicado, para obter a

    anulaoouareforma,parcialoutotal,deumadeciso.BarbosaMoreira(Comentrios ...,v.V,n.135,p.233)conceituarecurso,no

    direitoprocessualcivilbrasileiro,comooremdiovoluntrioidneoaensejar,dentrodomesmoprocesso,areforma,invalidao,o

    esclarecimentoouaintegraodedecisesjudiciaisqueseimpugna.

    4

    Leone,Lineamenti...,p.322.

    5

    Nessesentido:TourinhoFilho,ProcessoPenal...,v.4,cap.59,n.5,p.415.Noprocessocivil,cf.:BarbosaMoreira,Comentrios...,v.V,n.

    137,p.236.

    6

    Nessesentido,Grinover,MagalhesGomesFilhoeScaranceFernandes,Recursos...,n.10,p.30.Nadoutrinaitaliana:Manzini,Trattato

    ...,v.IV,n.471,p.637.Noprocessocivilbrasileiro:Bermudes,Comentrios...,v.7,n.14,p.22.

    7

    Nessesentido:Tornaghi,Curso...,v.2,p.308-309.

  • 2017-05-01

    ManualdosRecursosPenais-Edio2017PARTEI-TEORIAGERALDOSRECURSOS

    2.CLASSIFICAESDOSRECURSOS

    2.Classificaesdosrecursos

    Asclassificaespodemsereproduziraoinfinito,comasmaisdiversasfinalidades.Sempresernecessrioumcritrioclassificatrio,cujaescolhaemmaioroumenordosenoescapa,emalgumamedida,doarbtriodoclassificador.

    O objetivo no ser esgotar as classificaes, mas analisar as mais comuns, desde queoperacionalmenteteisparaumadeterminadafinalidadeprtica.

    Por fim, novamente de se advertir que as classificaes devem levar em conta os dados doordenamentojurdicodecadapaseocontedodoseudireitopositivo.1

    2.1.Recursosdedevoluoplenaeparcial

    Deacordocomoaextensodamatriaimpugnadanorecurso,ouombitodedevolutividadeaoTribunal,orecursopodesertotalouparcial.

    Aextensodorecursototalquandohimpugnaodetodoocontedorecorrveldadeciso.2

    Assim,p.ex.,nocasodeumasentenacondenatria, recorre-sedacondenaoe tambmdapenaaplicada. Para um recurso ser total, no necessrio que haja impugnao de toda a decisorecorrida, isto , seu contedo integral. preciso que impugne a totalidade recorrvel por meiodaquele recurso. Por exemplo: o Tribunal de Justia, na apelao, por unanimidade, mantm acondenaodoacusado,sendo-lheimposta,pormaioria,umapenaintermediria,tendohavidoumvotofavorvelpenamnima.Osembargosinfringentesvisandoaplicaodapena,emmnimaserumrecursototal,aindaquenoesteja,porbvio,impugnandotodooacrdo.Jorecursoparcialaquelequeatacaapenaspartedocontedoimpugnveldadeciso.Exemplo:oacusadoapelaapenasparaquesejareduzidaapena,noseinsurgindocontraacondenao.

    Sob a tica do Tribunal, possvel que haja uma devolutividade total, em razo da soma derecursosparciais,nocasodesucumbnciarecproca(p.ex.,nocasodecondenaopenamnima,oacusadoapelaparaserabsolvidoeoMinistrioPblicoparaquehajamajoraodapena).

    2.2.Recursosdefundamentaolivreevinculada

    Todorecursonecessitadefundamentao,devendoorecorrentefundamentarasuairresignaorecursal.

    Quantosespciesdefundamentaoprevistasemlei,orecursopodeserdefundamentaolivreoudefundamentaovinculada.3

    Osrecursosdefundamentaovinculadasoaquelesemque,almdasucumbncia,olegisladordisciplinamotivos especiais, umplus, como condio de admissibilidade do recurso. O recorrenteprecisainvocaroerrotpicoprevistoemleicomhiptesedeseucabimento.4Somenteestesmotivosespeciais quepodero ser invocadospara atacar adeciso recorrida. o caso, por exemplo, dos

    recursosespecialeextraordinrio(queexigemviolaodaleifederaloudaConstituio).Tambm

  • recursosespecialeextraordinrio(queexigemviolaodaleifederaloudaConstituio).TambmrecursodefundamentaovinculadaaapelaodassentenasdoTribunaldoJri,somentecabvelnashiptesesdasalneasaad,do inc. IIIdocaputdoart.593doCPP.Osembargosdedeclaraotambm so recursos de fundamentao vinculada, pois a parte somente poder invocar, comofundamento, ambiguidade, obscuridade, contradio ou omisso.Omesmo se diga em relao aosembargos de divergncia, cuju o cabimento est condicionado a existncia de uma interpretaodivergentedeoutrorgocolegiadodoSTFouSTJ.

    J os recursos de fundamentao livre so aqueles que admitemquaisquer fundamentos comorazodeimpugnao.Ocabimentodorecursonodependedotipodecrticaqueorecorrentefazdeciso. A apelao, com exceo daquela da sentena do Jri, e o recurso em sentido estrito sorecursosdefundamentaolivre,emboranocasodesteltimo,somentesejamcabveisnashiptesestaxativamenteprevistasemlei.

    Os embargos infringentes ou de nulidade tambm so recursos de fundamentao livre, poisembora exijam a no unanimidade do acrdo, proferido em desfavor do acusado, isso no terqualquerrelaocomosmotivosdeinsatisfaotipodecrticaaserfeitapeloembargante.

    2.3.Recursosordinrioseextraordinrios

    Emborasejacomum,nadoutrina,aclassificaodosrecursosemordinrioseextraordinrios,hdivergnciaquantoaoprpriocritrioclassificativo.

    Numaacepo corrente, ordinrio o quenormal ou comumente ocorre, ou mais frequente,enquantoqueextraordinriooexcepcional,maisrarooumenosfrequente.Masessarelaopodelevaremcontavriosaspectos:

    Outradistinobastantecomumnadoutrina,principalmenteestrangeira,aquetemcomofatorclassificatrio a existnciaounode coisa julgada.Os recursosordinrios seriamaquelesque soutilizados antes da formao da coisa julgada, impedindo-a. J os extraordinrios so recursosutilizadosparaimpugnardecisesjtransitadasemjulgado.5

    Para evitar discusses meramente acadmicas, o critrio deve ser buscado no direito positivo,principalmenteporqueneleseutilizamasexpressesrecursoextraordinrioerecursoordinrio(em habeas corpus e em mandado de segurana). Deve-se buscar, pois, entre os recursos assimnominados,umcritriodeclassificao.6

    Deacordocomadisciplinadoordenamentojurdicobrasileiroe,principalmente,daConstituio,previstorecursoordinrio,contradecisodenegatriadehabeascorpusemandadodesegurana,proferidapelosTribunaisSuperiores(CR,art.102, II).Tambmprevistorecursoordinrio,paraoSuperiorTribunaldeJustia,contradecisodenegatriadehabeascorpusoumandadodesegurana,proferidas pelos Tribunais de Justia ou Tribunais Regionais Federais (CR, art. 105, II e III,respectivamente).

    Noplanolegal,noseriaexageroconsiderarordinrioorecurso,nosentidoestrito,doart.581doCPP.

    JoextraordinrioporantonomsiacabvelaoSupremoTribunalFederal,paraatuteladaconstituio(CR,art.102,III),tambmsendocorretoconsiderar,notextoconstitucional,comrecursoextraordinrioorecursoespecial(CR,art.105,III),quetalqualEva,foifeitodacosteladaquele.

    Diantedetalquadrododireitopositivo,oquesepodeextrairdeelementoscomumemtodosos

    recursosordinriosemhabeascorpus,emmandadodeseguranaeorecurso,nosentidoestrito,que admitem a discusso tanto de questo de direito, quanto de questo de fato. Assim, por

  • destaedio[2017]

    que admitem a discusso tanto de questo de direito, quanto de questo de fato. Assim, porexemplo,orecursoordinrioemhabeascorpuseorecursoordinriocontradecisodenegatriadomandadodesegurana(CR,art.102,II,eart.105,II)sorecursosordinrioseadmitemadiscussotantodequaestiofactiquantodequaestioiuris.Mesmonohabeascorpus,emqueequivocadamenteseafirma que no se analisam provas, por exemplo, discute-se se est ou no provado oconstrangimento ilegalouaviolaoaodireito lquidoe certo.A limitaoprobatriaqueexistequeassimcomoomandadodeseguranasorecursosemprocessosdocumentais,queadmitemsomentecontrovrsiafticapassvelderesoluoporprovaspr-constitudas.

    Josrecursosextraordinrios,porseuturno,isto,oextraordinrioeoespecialsoaquelesquesomenteadmitemadiscussodequestesdedireito,denatureza constitucionalouenvolvendo leifederal.

    Consequnciadisso,ouoqueseriaooutroladodamoeda,queosrecursosordinriosseprestamparaprotegerodireito subjetivodaspartes litigantes contraosvciosdadeciso, enquantoqueosrecursosextraordinriostmcomoobjetivoimediatoatuteladodireitoobjetivo,nocasobrasileiro,aConstituio,aleifederaleostratados.7

    footnotesfootnotes

    1

    ArakendeAssis,ManualdosRecursos...,n.3,p.66.

    2

    BarbosaMoreira,Comentrios...,v.V,n.142,p.252.

    3

    BarbosaMoreira,Comentrios...,v.V,n.142,p.253.

    4

    BarbosaMoreira,Comentrios ..., v. V, n. 142, p. 253. TambmAraken deAssis (ManualdosRecursos ..., n. 3.2, p. 71) entende que a

    tipicidadedoerropassveldealegaopelorecorrente...integraocabimentodorecurso.

    5

    Nesse sentido, entre ns: Tornaghi, Curso ..., v. 2, p. 309. Na Itlia, cf.: Manzini, Trattato ..., v. IV, n. 468, p. 614; D Del Pozzo, Le

    impugnazionepenale...,n.39,p.109.NaAlemanha:Roxin,DerechoProcesalPenal ...,51,A,II,p.446;Maier,LaOrdenanza ...,v.II,p.

    255.EmPortugal:Pinto,DosRecursosPenais...,p.22.

    6

    Adistinorelevanteehespciessuficientes,noprocessopenal,paraquesereconheautilidadenamesma.Porisso,discorda-sedo

    posicionamentodeBarbosaMoreira,Comentrios...,v.V,n.142,p.255quandopropequetalclassificaosejaarquivadaparatodoo

    sempre,almdomais,pelosequvocosquecapazdegerar.

    7

    Esse , por exemplo, o fator classificatrio utilizado por Nelson Luiz Pinto (Manual dos Recursos Cveis ..., n. 1.7.4, p. 36) para tal

    classificao.

  • destaedio[2017]

  • 2017-05-01

    ManualdosRecursosPenais-Edio2017PARTEI-TEORIAGERALDOSRECURSOS3.FUNDAMENTODOSRECURSOS:ODUPLOGRAUDEJURISDIO

    3.Fundamentodosrecursos:oduplograudejurisdio

    Arazodeserdosrecursospodeseranalisadasobdiversosenfoques.Dopontodevistapessoal,huma justificativa psicolgica para a existncia dos recursos. J numa perspectivamais ampla, queextrapolaoindivduo,aparteeoprprioprocessoemsi,podeseverumarazodeserdenaturezapoltica,relacionadaaoexerccioimperativodopoder,paraquehajarecursodasdecisesestatais.Porfim,mas nomenos importante, h a tradicional abordagem que procura explorar o fundamentojurdicodosrecursos.

    3.1.Fundamentopsicolgicodosrecursos

    Antesdeanalisarofundamentojurdicodorecurso,necessrioobservar,emumadimensomaisampla,queorecursovisaasatisfaodeumanecessidadepsicolgica, inatanoserhumano,dequeningum se contenta com um julgamento desfavorvel.1 O ser humano no quer e no gosta deperder.Eseperde,comumafirmarqueperdeuabatalha,masnoaguerra.

    Essainsatisfaocomaperdae,porisso,adesconfianadiantedeumjuzoadversonoseverificasnocampojurdico.Seummdicodaoseupacienteumdiagnsticodesfavorvel,deumadoenadecertagravidade,aprimeirareaovoubuscarumasegundaopinio.

    Ningum se conforma com um juzo nico desfavorvel, o que fruto da conscincia daimperfeiohumana.2

    3.2.Fundamentopolticodosrecursos

    Osatosjurdicos,enquantoatosdeautoridadejudiciriaqueexerceparceladopoderestatal,soimperativos.

    A deciso judicial traz em si o sinal de todo ato de poder. Isto , uma deciso incontrastvel,decorrentedequemtemacapacidadededecidirimperativamenteeimporasuadeciso.

    Issonosignifica,contudo,queessaincontrastabilidadetenhaqueserumacaractersticadetodososatosjurdicos.Sendooprocessoumasucessodeatosintercalados,evidentequeoatofinaldeverserumatoimperativo.Noteriasentidoodesenrolardetodoumprocessoparabuscarumasoluojusta,seficasseaoalvedriodaspartescumpri-laouno.

    Esseatodepoderdevesersujeitoacontroles,sobpenadeopodersetransmudaremarbtrioouautoritarismo.Porisso,nasuaconstruoatomomentofinal,osatospodemedeveestarsujeitosacontroles.

    Orecursoexerce,exatamente,essepapeldecontroledosatosestatais,nocaso,dosatosdoPoderJudicirio,emespecialdassentenas,queomomentoculminantedoprocesso,pormeiodoqualserealiza a prestao jurisdicional ou, mais especificamente no processo penal, decide-se sobre aimputao formulada, com a consequente manuteno do estado de inocncia do acusado ou, ao

  • contrrio,asuasuperaoapsodevidoprocessolegal,liberando-selegitimamente,opoderpunitivoestatal.

    H,pois,umfundamentopolticoparaoprincpiododuplograudejurisdio:todadecisoestataldeveestarsujeitaareexame.Aausnciadecontroledariaaotitulardetaldecisoumpoderilimitadoeabsoluto,oquenopodeseraceitoemumEstadodeDireito.3Evidentequehaverumatofinal,emrelao ao qual no caiba mais recursos e, portanto, controle, mas isso decorre, inclusive, dapossibilidadeanteriordeterfuncionadoumoumaismecanismosdecontrole.

    Comoduplograudejurisdio,dizBermudes,aliberdadedojuizsetornaumaliberdadevigiada.4

    3.3.Ofundamentojurdicodosrecursos

    Finalmente, chega-seao fundamento jurdico dodireitoao recurso:oprincpiododuplograudejurisdio,queasseguraodireitoaoreexamedasdecisesporumrgojurisdicionaldiversodaquelequeproferiuadeciso,emgraudehierarquiasuperior.5

    Issonosignifica,porm,quetodoequalquerrecursotenhaqueserjulgadoporumrgodistinto.Hrecursos,comoosembargosdedeclarao,emquenohdevoluoparaumrgosuperior.Umsistemaprocessualpoderiasobreviversemosembargosdedeclarao,oumesmocomoocorre,desde2008, sem protesto por novo jri. Todavia, no seria vivel conceber uma sentena que no fosserecorrvel. E,mais do que isso, o recurso contra uma sentena demrito deve ser julgado por umrgojurisdicionalhierarquicamentesuperioraoqueaproferiu.

    O direito ao duplo grau de jurisdio assegura o direito a um nico reexame. Diante daorganizaojudiciriabrasileira,emqueoSuperiorTribunaldeJustiaeoSupremoTribunalFederalpodem funcionar, respectivamente, como terceiro e quarto graus de jurisdio, a possibilidade deinterposioderecursoespecialeextraordinrionopodeservistacomomanifestaododuplograudejurisdio.6

    Deoutrolado,oduplograudejurisdiosignificaque,salvonoscasosdecompetnciaoriginriadosTribunais,oprocessodeveserexaminadoumavezemprimeirograudejurisdioeumasegundavezemsederecursalpeloTribunal.OexamediretodamatriapeloTribunalconstituisupressodoprimeirograudejurisdio,oquetambmviolaoprincpiododuplograudejurisdio.

    AConstituiode1988assegurouexplicitamentevriasgarantiasprocessuais,comocontraditrioeampladefesa(art.5.,LV),devidoprocessolegal(art.5.,LIV),juiznatural(art.5.,LIII),publicidadeemotivaodasdecisesjudiciais(art.93,IX),entreoutros.Noh,porm,umaprevisoexplcitadoduplograudejurisdio.7

    HrecursosexpressamenteprevistosnaConstituio,comorecursoextraordinrio(art.102,III)erecurso especial (art. 105, III), que no tm por funo assegurar o duplo grau de jurisdio.8 Sorecursos com funo nomofilcica, isto , de controle da correta aplicao da Constituio e da leifederal.9Oescopoapreservaododireitoobjetivo,isto,aautoridadeeuniformidadedaaplicaodasnormas,enoodireitosubjetivodaparteprocessualquesesintaprejudicadaeinterponhataismeiosdeimpugnao.10

    Poroutrolado,comoaConstituio,aoestruturarosrgosdoPoderJudicirio,prevrgosdeprimeiroergosdesegundograudejurisdio,sendofunoprecpuadeessesltimosreveremasdecisesproferidasemprimeirograu,tem-seentendidoqueoprincpiododuplograudejurisdioumprincpioconstitucionalimplcito.11

  • Emverdade,adiscussoseoduplograudejurisdioumprincpioexplcitoouimplcitopoucorepresenta.12Ofundamentaldefinirsepossvelqueumadecisopenale,emespecialasentena,sejaelaabsolutriaoucondenatria,poderser irrecorrvel.13 Emcasode respostanegativa, isto,admitindo-sequetodaequalquersentenapenaldemritodeveestarsujeitaarecurso,necessrio,ainda,definirqualaabrangnciadetalmeioimpugnativoequalasuafinalidade.

    Oqueorecursopodegarantirapenasapossibilidadedereduziraschancesdeerro.14Issoporqueosegundojulgamentonoserumaanliseinicialquepartirdonada.Aocontrrio,terporbaseumadecisoanterior, que j ser frutodeumaanlisedasquestesde fato ededireito, cujo acertoouequvocoserverificadopeloTribunal.Trata-se,naspalavrasdeCarnelutti,deumjulgamentosobreo julgamento e, dessa maneira, um julgamento elevado segunda potncia.15 O recurso ocorrequandoodebateda causa j esmiuouas pretenses conflitantes e a sentenadeprimeiro grau jsituou a interveno judicial em um certo sentido, apresentando-se o debate escoimado desuperfluidades.16

    Almdisso,adecisoinicialser,porsuavez,submetidaaumnovoconfrontodialticopropiciadopelas razes e contrarrazes recursais, tudo isso a permitir uma depurao de seu contedo,facilitandoqueseuserros,seexistirem,possamestarmaisvisveisparaoTribunal.17

    Some-se a isso, que no sistema brasileiro, em que o primeiro grau de jurisdio, em regra, monocrtico,eosegundograu,colegiado,arevisoporumrgoplrimo,minimizaaprobabilidadedeerro.Numatodejuizsingular,seomagistradoseequivoca,haverumainjustiaconsumada.Jnocaso de uma deciso colegiada, o erro individual ser, apenas, um voto errado, que poder sersuperadoporumaposiocorretadosdemaisjulgadores.18Acolegialidadedasdecises,afirmaPontesdeMiranda,asseguradiversosexamesaomesmotempo,quesetransformaemsuperioridadesemprequedesejamosmaiorcerteza.19

    Tambmporesseaspecto,outrofatordereduodeerrosqueoduplograupossibilitaque,sendoos tribunais compostospormagistradosmais experientes, omaior tempode judicatura tendea seracompanhadodeummaiorcabedaldeconhecimentosjurdicos.20Nosetrata,porm,deumaregraindefectvel.Umjovemmagistradoestudiosoededicadopoderdecidirmelhordoqueumexperientemagistradoenfastiadocomaatividadejurisdicional.21

    Porfim,masnomenosrelevante,asimplespossibilidadederecursoecorreodoerrogeraummaiorcuidadono juizdeprimeirograu,aoproferira suadeciso,22pois sabequeoatopoderserrevisto.23Sesuadecisonofossepassveldequalquercensuraoucorreo,poderianoseesmerartantoemsuaqualidade.

    inegvel,porm,queadespeitodetodososfundamentospsicolgico,jurdicoepolticoquejustificamsuaexistncia,orecursonoassegura,necessariamente,umamelhordeciso,dequalidadesuperior, legalmente mais acertada e, substancialmente mais justa. Nada impede que,hipoteticamente,adecisocorretafosseaprimeira,eoprovimentodorecurso,substitua-aporoutra,erradaeilegal.24

    3.4.Contedododuplograudejurisdio

    Definir oduplo graude jurisdio significa,naspalavrasde Spangher, definir uma criatura dopensamento jurdico, um paradigma pertencente ao conjunto dos conceitos jurdicos dos quais acinciaseservecomoinstrumentodeanlise.25

    Do contedo semnticoda expresso duplo graude jurisdio e comalguma complementao

  • lgica,omnimoaseextrairdetaldireitoqueseriaummodelodesistemajudiciriosegundooqualo contedo das decises de mrito poderia ser objeto de duas estatuies sucessivas, por rgosdiversos,sendoqueadecisoposteriorprevalecesobreaanterior.26

    Noviolaroduplograudejurisdio,portanto,umsistemaquetrabalhecomairrecorribilidadedasdecisesinterlocutrias.Nestecaso,obviamente,senohrecursocontraumadecisoproferidano curso do processo que causou gravame parte, se ao final o julgamento de mrito lhe fordesfavorvel,deverapelare,norecursocontraasentena,tambmtrazercomomatriarecursalaimpugnaodadecisoanterior.

    Normalmente no suficiente assegurar que o recurso seja endereado a um rgohierarquicamente superior.27 Esse rgo hierarquicamente superior, em geral, deve ter umacomposiocolegiada,emrazodaprpriafinalidadedorecurso,queocontroledadecisodojuizaquo,reduzindoapossibilidadedeerrodoPoderJudicirio.28

    O direito ao duplo grau de jurisdio, exercitvel por meio do recurso, no absoluto outotalmenteincondicionado29podendoaleisubordinarseuexerccioaocumprimentodedeterminadascondies,entrensdenominadasrequisitosdeadmissibilidaderecursal,desdequeestesnosejamdetalnaturezaquecheguemaimpediroudificultarexcessivamenteoacessoaorecurso,30comoeraocasodeexigirqueoacusadoserecolhesseprisoparapoderapelardasentenacondenatria,norevogadoart.594doCPP.OTEDHtambmconsiderouqueviolaodireitoaoduplograuemmatriapenal a possibilidade de o Tribunal agravar a pena pelo rgo inferior, em recurso exclusivo doacusado.IssoporqueoapelantenopoderanalisaraspossibilidadesdexitodeseurecursoperanteoTribunal superior,porqueaapresentaodorecurso lhe infundiro temor lgicodeumpossvelagravamentodacondenao.31

    3.5.Odireitoderecorrernasdeclaraesinternacionaisdedireitoshumanos

    ADeclaraoUniversaldosDireitosHumanos, aprovadaeproclamadapela183.AssembleiadaOrganizaodasNaesUnidas,em10.12.1948,noassegurou,deformaexplcita,odireitoaoduplograu de jurisdio, embora tenha previsto, no art. XI.1, que Todo ser humano acusado de um atodelituosotemodireitodeserpresumidoinocenteatqueasuaculpabilidadetenhasidoprovadadeacordo com a lei, em julgamento pblico no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantiasnecessriassuadefesa.

    Nombitodasorganizaesregionais,aConvenoEuropeiadeDireitosHumanos,aprovadaemRoma, dia 14.11.1950, estabeleceu vrias garantias processuais, que serviram de modelo para ostratados posteriores. O art. 6. da CEDH, considerado a sntese dos cnones europeus do justoprocesso penal,32 no assegurou explicitamente a garantia do acusado de recorrer da sentenacondenatria. Posteriormente, o ProtocoloVII referida Conveno, de 22.11.1984, em seu art. 2.1,assegurou o direito a um duplo grau de jurisdio em matria penal, nos seguintes termos: 1.Qualquerpessoadeclarada culpadadeuma infraopenal porumTribunal temodireitode fazerexaminarporumajurisdiosuperior33adeclaraodeculpabilidadeouacondenao.34Oexercciodestedireito,bemcomoosfundamentospelosquaiselepodeserexercido,soreguladospelalei.35

    OPacto Internacional sobreDireitosCivis ePolticos, adotadopelaAssembleiaGeraldasNaesUnidas,a16.12.1966,emseuart.14.5,estabeleceque:Todapessoadeclaradaculpadaporumdelitoterodireitoderecorrerdasentenacondenatriaedapenaaumainstncia,emconformidadecomalei.36

    De forma semelhante, a Conveno Americana sobre Direitos Humanos, adotada no mbito da

  • OrganizaodosEstadosAmericanos,emSanJosdaCostaRica,em22.12.1969,igualmenteassegura,no art. 8.2.h, a toda pessoa acusada de um delito o direito de recorrer da sentena a um juiz ouTribunalsuperior.

    Inicialmente,agarantiaconvencionalnoasseguraodireitoaorecursodetodaequalquerdecisodeprimeiro grau,mas somentedas sentenas e, no caso, de sentena condenatria.37 Comonohexplicitao, a apelao pode se insurgir contra a condenao ou a pena imposta. Tambm sercabvelnoscasosemqueseimpusermedidasdesegurana.

    Seria perfeitamente compatvel com a CADH um sistema em que nenhuma das decisesinterlocutrias admitisse recurso,38mas que da deciso final, isto , da sentena, coubesse recurso.Evidenteque,emtalcontexto,deirrecorribilidadeabsolutadasdecisesinterlocutriasnohaveriapreclusoeasmatriasdeveriamsetratadas,aofinaldoprocedimentoemprimeirograu,nomesmorecursoemqueseimpugnasseasentena.

    Tambm seria possvel, nesse contexto, um sistemaque somente admitisse recursoproreo. Porexemplo, as sentenas condenatrias seriam apelveis, mas no caberia recurso das sentenasabsolutrias. Tal cenrio no seria incompatvel como o art. 8.2.h, da CADH, embora pudesse serquestionadosobaticadaparidadedearmas,porrepresentarummodelodesequilibradoexcessivaeinjustificadamente,emprejuzodaacusao.

    Efetivamente, as garantiasdos tratadosdedireitoshumanosno sodeclaraesdedireitosemfavor do Estado, no caso, representado pelo rgo acusador oficial,mas para o indivduo, isto , oacusado, quepor ocupar aposiomais fracanoprocesso,necessitade garantiasmnimas.39Comoexplica Chiavario, no processo penal, o direito ao justo processo essencialmente um direito doacusado, e a regrada paridadedearmasdaspartes, longede refletir uma exigncia de absolutasimetriadeposies,representaaexignciadeumbalanceamentoestabelecidocomogarantiaenoemprejuzodoacusado.40

    Sobre o contedo ou as caractersticas do recurso assegurado pela CADH, no caso de sentenacondenatria,necessrioquese tratedeummeioamplode impugnaodasentena,queadmitareviso de seu contedo tanto sobre questes de direito, quanto sobre questes de fato, isto ,admitindoumanovavaloraodaprovaporpartedoTribunal.41Ocondenadodeveterpossibilidadede impugnar, perante outro juiz, tanto os errores in procedendo quanto os errores in iudicando,obtendo uma possibilidade de obter um reexame de mrito, em que os erros possam serverificados.42

    Outro ponto fundamental que se pode extrair da jurisprudncia europeia, que o direito aorecursoincluiodireitoaumaaudinciaperanteoTribunalquejulgarorecurso,quandotalTribunalsepronunciarsobreocarterdoacusadoouosmotivosqueolevaramacometerocrime,ousobrematriadefatonovaouquepossarepercutirnaseveridadedesuapena,ouainda,quepossalevaraumacondenaodepoisdaabsolviodeprimeirainstncia.43

    Emconhecidadoutrina,JulioMaiervaialme,combasenagarantiacontraaduplapersecuoe,em especial, no art. 8.4 da CADH O acusado absolvido por sentena transitada em julgado nopodersersubmetidoanovoprocessopelosmesmosfatosentendequenosedeveadmitirrecursodoMinistrioPblicocontrasentenasabsolutrias.Entendequetalfrmulatemumalcancemaior,queimpedeamltiplapersecuo, tambmemsentidoprocessual, relacionadocomarenovaodoprocesso,aindaqueestejaemcurso.Econclui:Oprincipalefeitodaregraimpedirabsolutamenteapossibilidadederecursoderevisocontraoacusadoabsolvidooudocondenadoporcrimemaisleve;emconjugaocomodireitoaorecursodocondenado,determinatambm,aab-rogaodafaculdade

  • comumentrens:sistemabilateralderecursosdeoacusadorecorrerdasentena,aomenosemalgumainstncia.44

    3.6.Direitoaorecurso:contedosegundoaCorteInteramericanadeDireitosHumanos

    Alm das linhas gerais j expostas, cabe analisar mais detidamente, a jurisprudncia da CorteInteramericanadeDireitosHumanossobdoisaspectosdodireitoaorecurso:(i)odireitoaorecursodoacusadoquefoiabsolvidoemprimeirograu,masemrazoderecursodoMinistrioPblico,sevcondenado,pelaprimeiravez,nojulgamentodoTribunalemsegundograu;e(ii)odireitoaorecursodoacusadocondenadoemprocessosdecompetnciaoriginriadostribunais,emespecial,quandosetratadamaisaltacortedopas.

    OdireitoaorecursonocasodeapelaesquereformamabsolviesproferidasemprimeirograufoianalisadopelaCorteInteramericana,nocasoMohamedvs.Argentina,julgadoem23.11.2012.45

    Carlos Alberto Mohamed foi processado por crime de homicdio culposo, decorrente de umatropelamento,enquantodirigiaumnibus,nacidadedeBuenosAires.Aotrminodoprocesso,foiabsolvidoemprimeirograu.HouverecursodoMinistrioPblicoeoSr.Mohamedacaboucondenadoa pena de 3 anos de priso, cujo cumprimento ficaria suspenso, alm de 8 anos de suspenso dodireito de dirigir veculo. Contra tal acrdo condenatrio era possvel interpor um recursoextraordinrio,quenoadmitiarevisodamatriaftica.

    ACorteconsiderouqueoduplograudejurisdiosomentesetornaefetivoseforgarantidoatodoacusadoquesejacondenado,tendoemvistaqueasentenacondenatriamanifestaodoexercciodepoderpunitivodoEstado.Seriacontrriofinalidadedodireitoaoduplograudejurisdionogarantir o recurso para algum condenado emum julgamento que reformadeciso absolutria deinstncia inferior. Interpretar o direito ao recurso contrariamente a isso significa deixar talcondenadodesprovidododireitoaorecursocontraacondenao.46

    Assim,aCorteInteramericanaconcluiuqueoSr.MohamedtinhaodireitoderecorrerdadecisocondenatriadoTribunalquereformouadecisoqueoabsolveuemprimeira instncia,vezqueodireitoaoduplograuseaplicaapartirdaprimeiradecisoquecondenaoacusado.47

    Emsuma,doCasoMohamedvs.Argentina,extrai-seque,paraaCorteInteramericanaodireitoaoduplograu,asseguradoaoacusadocondenadopeloart.8.2.h,daCADH,seaplicaapartirdaprimeiradeciso condenatria, ainda que esta seja uma deciso que tenha reformado uma absolvioanterior.48

    Almdisso,aCortedestacouqueaduplaconformidadejudicial,expressamedianteoacessoaumrecurso que assegure a possibilidade de reviso integral da sentena condenatria d maiorcredibilidadeaoato jurisdicionaldoEstadoe,aomesmotempo,dmaiorseguranaeproteoaosdireitosdocondenado.49Combaseemoutrosjulgados,aCorteInteramericanafixouparmetrosparaocontedododireitoaorecurso:(i)orecursodevegarantiapossibilidadedeumexameintegraldadeciso recorrida;50 (ii) o recurso deve ser acessvel, isto , no devem ser exigidas maiorescomplexidadesque tornemessedireito ilusrio,devendo sermnimasas formalidadeexigidas,nopodendoconstituirumobstculoparaqueorecursoconcretizesuafinalidadedeexaminareresolverasquestestrazidaspelorecorrente;51(iii)devepossibilitaraanlisedasquestesfticas,probatriase jurdicas da sentena impugnada, posto que h uma interdependncia entre as determinaesfticas e a aplicao do direito, devendo o recurso possibilitar um amplo controle dos aspectosimpugnados da sentena condenatria;52 e (iv) o recurso deve respeitar as garantias processuaismnimasque,conformeoart.8.daCADH,sejamrelevantesenecessriosparadecidirasreclamaes

  • dorecorrente,oquenosignificaquedevaserrealizadoumnovojuzooral.53

    Comrelaoaoscasosde foroporprerrogativade funo,suacompatibilidadecomodireitoaorecurso assegurado pelo art. 8.2.h da CADH foi analisada pela Corte Interamericana de DireitosHumanos,noCasoBarretoLeivavs.Venezuela,julgadoem17.11.2009.54

    OSr.BarretoLeiva,queerafuncionriodoMinistriodaSecretariadaPresidnciadaRepblica,enogozavadeforoporprerrogativadefuno,foiacusadodesercmplicedecrimescometidospeloex-Presidenteeporex-parlamentares,quetinhamforoporprerrogativaperanteaCorteSupremadeJustia.Emrazodasregrasdeconexoprevistasnaleivenezuelana,oSr.BarretoLeivafoijulgado,tambm,peranteoTribunalSupremo,sendocondenadoapenade1anoe2mesesdepriso,almdepenasacessrias.Contratalcondenaoemnicainstncia,nohaviarecurso.

    ACorteconsiderouqueo foroporprerrogativade funo,peranteomaisaltoTribunaldopas,no , em si, incompatvel com o art. 8.2.h da CADH, mas nesse caso a legislao interna deveestabelecerapossibilidadedeoacusadoapelardojulgamentocondenatrio.55EaCorteexemplifica,dizendoqueparatantooprocedimentopoderiaserconduzido,emprimeirainstncia,pelopresidentepor uma turma do Tribunal superior, sendo assegurado um recurso de apelao para o Tribunalpleno,excluindo-sede tal julgamentoos juzesque j tivessemproferidodecisonomesmocaso. 56

    Comonadadissoocorreu,aCorteentendeuquehouveviolaoaodireitoaorecurso,previstonoart.8.2.hdaCADH.57

    O tema voltou a ser analisado no Caso Liakat Ali Alibux vs. Suriname, julgado pela CorteInteramericanaem30.01.2014.58Tratava-sedeacusadoque,portersidoMinistrodeEstado,gozavadeforoporprerrogativadefunoperanteaSupremaCortedeJustia.ACortereiterouoentendimentonosentidodequeoestabelecimentodeforoporprerrogativadefunoperanteaSupremaCortedeJustia,emprincpio,compatvelcomaCADH,maso fatodeo julgamentoemnica instnciaserrealizadoperanteacortesupremadeumEstado, isto,amaisaltacortedopas,noasseguraquenohavererrosoudefeitos.Porisso,mesmoemtaisprocessos,oEstadodevegarantirodireitoaoreexamecompletoeabrangentedadeciso,tendoemvistaanaturezadegarantiamnimadodevidoprocessolegaldodireitoaoduplograudejurisdio.59

    Ao interpretaro conceitode Tribunal superior, doart. 8.2.hdaCADH,aCorte considerouque,comooSr.Alibuxfora julgadoperanteamaisaltacortedopas,nohavia Tribunal superiorquepudesse julgar uma possvel apelao da deciso condenatria. Nesse caso, entendeu quesuperioridade do Tribunal exigida no dispositivo da CADH satisfeita quando o plenrio ou umacmara dentro do mesmo Tribunal, mas com composio diversa, julga o recurso, possuindocompetnciapararevogaroureformaradecisocondenatria.60Nocasoconcreto,contudo,comonoexistiutalrecurso,houveviolaoaoreferidodireitoconvencional.

    Emsuma,docasoBarretoLeivavs.VenezuelaeCasoLiakatAliAlibuxvs.Surinameseextraiqueojulgamentoportribunaissuperiores,emdecorrnciadeforoporprerrogativadefuno,noviolaoart.8.2.hdaCADH,desdequeemcasodecondenaosejaasseguradoaoacusadoodireitoderecorrerdetaldeciso,paraumaturmaouoplenriodomesmoTribunal,semaparticipaodosjulgadoresda primeira instncia, e que tal rgo tenha poderes para reformar ou revogar a decisocondenatria.

    3.7.Aeficciadaregradoart.8.2.hdaCADHedoart.14.5doPIDCP

    Sem entrar em longas discusses sobre relacionamento entre ordenamento jurdico interno einternacional,oudaceleumaentremonismoedualismo,oumesmoqual terprimazia, seaordem

  • internaoua internacional,o fundamentalquesepromovaa integraodosistemaconstitucional

    comostratadoseconvenesdedireitoshumanos.

    Como visto, o duplo grau de jurisdio expressamente previsto na Conveno Americana deDireitosHumanos(art.8.2.h)enoPactoInternacionaldeDireitosCivisePolticos(art.14.5).Aceitaapremissadequeasgarantiasdostratadosdedireitoshumanostmstatusconstitucional,aindaquepor fora de integrao da CR com a CADH e o PIDCP, possvel afirmar que, no processo penalbrasileiro,odireitoaorecursocontraasentenacondenatriaumagarantiaconstitucional.61

    No esse, contudo, o entendimentodo STF sobre o tema. Pordcadas, o STF seposicionounosentido de que os tratados internacionais, sejam eles de direitos humanos ou no, ingressavamnoordenamentointernoemregimedeparidadecomasleisordinrias.

    Retratandoesseprimeiroperodo,emrelaoespecificamenteaoduplograudejurisdio,oSTF,ememblemticojulgamento,decidiu:Paracorrespondereficciainstrumentalquelhecostumaseratribuda,oduplograudejurisdiohdeserconcebido,modaclssica,comseusdoiscaracteresespecficos:apossibilidadedeumreexameintegraldasentenadeprimeirograuequeessereexamesejaconfiadorgodiversodoqueaproferiuedehierarquiasuperiornaordemjudiciria.2.Comesse sentido prprio sem concesses que o desnaturem no possvel, sob as sucessivasConstituiesdaRepblica,erigiroduplograuemprincpioegarantiaconstitucional, tantassoasprevises,naprpriaLeiFundamental,dojulgamentodenicainstnciaordinria,jnareacvel,j,particularmente,nareapenal.3.Asituaonosealterou,comaincorporaoaoDireitobrasileirodaConvenoAmericanadeDireitosHumanos(PactodeSoJos),naqual,efetivamente,oart.8.,2,h,consagrou,comogarantia,aomenosnaesferaprocessualpenal,oduplograudejurisdio,emsuaacepomaisprpria:odireitodetodapessoaacusadadedelito,duranteoprocesso, derecorrerdasentenaparajuizouTribunalsuperior.62

    Oreferidoacrdotambmdeclarouque,nocasodeconfrontoentreaConstituioeaConvenoAmericanadeDireitosHumanos,devesedarprevalnciaConstituio.

    Posteriormente,oSTFpassouaentenderqueostratadosinternacionaisdedireitoshumanostmstatussupralegal,isto,superiorleiordinria,masinferiorConstituio.Ooverrulingocorreucomojulgamento,peloPlenrio,doRecursoExtraordinrio466.343/SP.63Desterelevantssimoprecedenteextrai-se,comoconsequncia,queasleisordinrias,anterioresouposterioresCADHeaoPIDCPquecom eles colidirem, no tero eficcia jurdica. Restaria, porm, a possibilidade de uma colidnciaentre tais tratados e a prpria Constituio, que na linha do decidido, provavelmente seriasolucionado com base no critrio da hierarquia: lex superior derogat legi inferiori, prevalecendo aConstituio.

    Nopossvelconcordarcomtaisentendimentossobreaforadostratadosdedireitoshumanosno ordenamento brasileiro, seja antigamente, quando eram equiparados s leis ordinrias, sejaatualmente, em que se lhes d hierarquia supralegal. Isso porque, no caso de colidncia entre aConstituioeostratadosdedireitoshumanos,aregradesoluodoconflitonormativodeveseguirocritrio de interpretao pro homine e o princpio da prevalncia ou primazia da norma maisfavorvelaoindivduo.Ocritriodeinterpretaoprohomineexigequeainterpretaodosdireitoshumanos seja sempre a mais favorvel ao indivduo; j o princpio da primazia da norma maisfavorvel significa que, no caso de conflito de normas (quer nacionais ou internacionais), deveprevalecer a seja mais benfica ao indivduo. Como explica Andr de Carvalho Ramos, por essecritrio,noimportaaorigem(podeserumanormainternacionalounacional),massimoresultado:obenefcioaoindivduo.64

  • Poroutro lado,nopontode interesseespecficodesseManual,qual seja,odireitoaorecursodoacusadocondenado,nohcolidnciaentreoart.8.2.hdaCADHouoart.14.5doPIDCPequalquerartigodaConstituio.Inexistedispositivoconstitucionalquepreveja:ocondenadonotemdireitoarecorrer da sentena. O que haver , de um lado, previses de processo penais de competnciaoriginriados tribunais (CR,art.102, I,bec;art.105, I,a;art.108, I,a;art.29,X;art.96, III); e,deoutro, previses constitucionais regulamentadas pela legislao ordinria de apenas algumashiptesesemqueseadmiterecursoordinrioparaoSTF(CR,art.102,II)eparaoSTJ(CR,art.105,II).Entre essas ltimas hipteses, no se inclui um recurso ordinrio dos acrdos condenatriosproferidosemprocessosdecompetnciaoriginriadosTJsouTRFs(queporlgica,deveriaserparaoSTJ) e dos proferidos pelo prprio STJ (que naturalmente seria julgado pelo STF). Tambm no hpreviso de um recurso interno do STF para julgamento de suas condenaes em aes decompetnciaoriginria.Noh,poisantinomiaentrenormas,quesomenteocorre,segundoBobbio,em trs casos: (1) entre uma norma que ordena fazer algo e uma norma que probe faz-lo(contrariedade); (2) entre uma norma que ordena fazer e uma que permite no fazer(contraditoriedade) (3) entre uma norma que probe fazer e uma que permite fazer(contraditoriedade).65

    Oart.8.2.hdaCADHordenaqueoEstadoassegure,atodocondenado,umrecursopleno.Osarts.102,IIe105,II,ambosdaCRnosonormasqueprobemtaisrecursos(situao1),nemnormaquepermite no fazer (situao 2), isto , no instituir o recurso. Logo, no havendo relao decontrariedadeoucontraditoriedade,inexisteantinomia.OmesmosedigaemrelaosnormasqueestabelecemforoporprerrogativadefunoCR,art.102,I,bec;art.105,I,a;art.108,I,a;art.29,X;art.96,IIIquenopermitem,nempermitemnoinstituirrecursocontraacondenao.

    Poroutrolado,asnormasdetratadosdedireitoshumanossoautoaplicveis,conformedecidiuaCorteInteramericanadeDireitosHumanos,emseuParecerConsultivo07/86.Issosignificaque,umavezemvigor,osdireitosconvencionaisnelaprotegidosdevemseraplicadosperantetodososrgosestatais, inclusive os do Poder Judicirio, sem que haja necessidade de edio de lei ou de atoadministrativo.

    Como explica Andr de Carvalho Ramos, paramelhor defesa dos direitos humanos adota-se aaplicabilidadeimediatadostextosnormativosssituaesfticasexistentes,demodoquesereconheceque,soboaspectoformal(jurdiconormativo), taisdireitossotendencialmentecompletos,ouseja,aptosasereminvocadosdesdelogopelojurisdicionado.66Alis,amesmaregradeaplicaoimediatadosdireitosfundamentaisestprevistanoart.5.,1.,daConstituio:Asnormasdefinidorasdosdireitosegarantiasfundamentaistmaplicaoimediata.67

    Ouseja, tantonoplano internacional,doDireito InternacionaldosDireitosHumanos,quantonoplanonormativo interno,oque se temo reconhecimentodocarterself-executingdas normas dedireitoshumanos.Ehumaregraqueprevquetodocondenadotemdireitoaumrecurso,quecomovisto,temqueseramplo,envolvendoquestesdefatoededireito.Poroutrolado,oart.8.2.hdaCADHeoart. 14.5doPIDCPso suficientementeespecficospara seremaplicadospelos tribunaisnocasoconcreto.Hprevisodotitulardetaldireito:todapessoaacusadadeumdelito(CADH)oupessoadeclaradaculpadadecrime(PIDCP).Isto,otitulardetaldireitotodooacusadoquefoicondenadoporuma sentena ou acrdo.Hprevisodo contedododireito: um recursopara reexaminar asentenacondenatria.Porfim,hadefiniodequemdeverprestartaldireito:umjuizouTribunalsuperior.

    Esserecursoexistenosistemaprocessualpenalbrasileiro:orecursoordinrioparaoSTJ(CR,art.105, II), ou recurso ordinrio para o STF (CR, art. 102, II) e, no casode condenaes originrias doprprio STF, os embargos infringentes (RISTF, art. 333, I).Nem se objete quenohpreviso legal

  • sobreoprazoouoprocedimentorecursal.Tambmnooh,naConstituio,emrelaoaosrecursosordinriosnocasodecrimespolticos,eissonoimpediuoSTFdeconhecerejulgartalrecurso.

    Ressalte-sequerecursoordinriocriminal,previstonoRegimentoInternodoSTF,nosarts.307a309,noorecursoordinrioparaoscrimespolticos,previstosnoart.102,II,b,daCR.Todavia,afalta de previso legal de um prazo e de um procedimento especfico em lei, no impede seujulgamento.Maisdoque isso,oSTFentendeuque est-se julgando recurso criminalordinrioquetemnaturezadeapelao,damesmaformacomosoelas julgadaspelosTribunaisdeJustia,pelosTribunais regionais Federais, pelos Tribunais deAlada etc..68 Assim,nohavendo regra expressa,masdiantedanecessidadedeimplementartaldireitoqueasseguraumrecurso,nocaso,umrecursoordinrio,deseaplicar,comasdevidasadaptaes,oprocedimentodaapelao,previstonoart.593ess.doCPP.

    JquantoaosembargosinfringentesnoSTF,orecursoestdisciplinadonoart.333doRegimentoInternodoTribunal.Deseressaltar,quecomaEmendaRegimental49/2014,quepromoveumudanasna competncia do Plenrio e das Turmas do STF, para o julgamento de processos penais decompetncia originria do Tribunal, compete ao Plenrio apenas os processos tendo por objeto oscrimescomunspraticadospeloPresidentedaRepblica,oVice-PresidentedaRepblica,oPresidentedoSenadoFederal,oPresidentedaCmaradosDeputados,osMinistrosdoSupremoTribunalFederaleo Procurador-Geral da Repblica, bem como apreciar pedidos de arquivamento por atipicidade deconduta(RISTF,art.5.,I).Nestescasos,serocabveisosembargosinfringentes,desdequehaja,nomnimo, quatro votos divergentes, pela absolvio (RISTF, art. 333, caput, I, c/c. pargrafo nico).Todavia,quandosetratardejulgamentodoPlenrio,comrecursoparaoprprioPlenrio(RISTF,art.6.,caput,IV),talrecursonosersuficiente,segundoajurisprudnciadaCorteInteramericana,paraatendergarantiadoart.8.2.hdaCADH.

    Por outro lado, passou a ser competncia das Turmas, julgar os processos por crimes comunspraticadosporDeputadoseSenadores(RISTF,art.9.,caput,I,j),bemcomo,noscrimescomunsederesponsabilidade,osMinistrosdeEstadoeosComandantesdaMarinha,doExrcitoedaAeronutica,ressalvadoodispostonoart.52,I,daConstituioFederal,osmembrosdosTribunaisSuperiores,osdoTribunaldeContasdaUnioeoschefesdemissodiplomticadecarterpermanente(RISTF,art.9.,caput, I,k).Nestescasos,osembargos infringentesserocabveisdesdequeadecisodaTurmanosejaunnime(RISTF,art.333,caput,I).Ojulgamentoserdecompetnciadoplenrio(RISTF,art.6.,caput,IV)e,senohouveraparticipao,porimpedimento,dosministrosdaTurmaquejulgaramoriginariamenteaaopenal,estarsatisfeitaaexignciadaCorte Interamericana, comrelaoaoart.8.2.h,daCADH.

    3.8.Orecursoeareconstruohistricadofato

    A anlise do fundamento e da finalidade do recurso, especialmente da apelao, que porexcelnciaomeioimpugnativodecontroledosjuzosdefatoededireitorealizadonasentena,nopodeprescindirdeumaconsideraosobreareconstruohistricadosfatosnoprocessopenal.

    A relao entre processo penal, prova e verdade um dos temasmais discutidos ao longo dostempos, seja pela natural evoluo das teorias epistemolgicas, seja pela inegvel ligao com oexercciodopoderestataleoseureflexonoprocessopenal.Discussessobrepossibilidadeounodeatingir o conhecimento verdadeiro, debates sobre a filosofia da conscincia vs. a filosofia dalinguagem,disputasentrefunodemonstrativaefunopersuasivadaprova,mtodosderaciocniolgico,tudoissoserefleteemtalrelao.

    Por outro lado, para ficarmos numa questo bem simples, a relao entre o Estado e indivduo

  • quantoaoexercciodopoderrefletediretamentenosistemadeprocessualpenalpraticado.Emborasetrate de uma generalizao, os Estados autoritrios buscam o fortalecimento do poder estatal noprocessopenal,pormeiodeumprocessopredominantemente inquisitrio, comaproeminnciadafigura do juiz. De outro lado, um Estado de Direito, preocupado com a preservao dos direitosindividuais,emaisespecificamente,comasgarantiasdoacusado,tendeaestruturaroprocessopenaldemodoaespelharaorganizaopolticatripartite,defreiosecontrapesos,noexercciodopoder.Omodeloacusatriodivideoexercciodafunopersecutriaentreostrssujeitosprocessuais,sendoaatividadeprobatriaexercidapreferencialmentepelaspartespara,posteriormente,omaterialobtidoservaloradopelojuiz.Osistemainquisitrioacreditanabuscasolipsstadeumaverdadematerialaseratingvelporumjuizdotadode ilimitadospoderes;oacusatriofunda-senummodelodialtico,quepoliticamentelegitimaoexercciodopoder,pelaparticipaododestinatriodoatodepoderemsua elaborao e, epistemologicamente, busca atravs do confronto entre tese a anttese realizar amelhorreconstruohistricadosfatospossvel,atingindoumelevadograudeprobabilidadedequeahiptesefticasejaverdadeira.

    Comtaislimitaes,possvelafirmarqueoprocessoacusatriotambmumprocessoquebuscaa verdade, emboraa verdade almejadanoprocessoacusatrionosejaamesmaaqueaspiraoprocesso inquisitivo. No processo inquisitrio a verdade ambiciosamente concebida como umaverdadeobjetivaouabsoluta.Javerdadenoprocessopenalacusatriodeveserentendidacomoverdade de carter aproximativo, inevitavelmente condicionada falibilidade dos meios dereconstruohistrica,equedeveserbuscadarespeitando-seasregrasegarantiasprocessuais.Almdisto,enquantoqueabuscadaverdadedoprocessoinquisitrioinduzapensaremqualquercoisaobjetiva e autnoma em relao escolha dos meios cognoscitivos, o acertamento dos fatos doprocesso acusatrio depende do mtodo empregado: variando o mtodo, varia o resultado doacertamento probatrio.69 Como observa Ferrua na busca da verdade prefervel o realismo domodeloacusatrio,queadmitealimitaodabuscadaverdade,quesersemprerelativa,doqueaperigosa utopia do modelo inquisitrio, em que tudo justificado para se atingir uma verdadeabsoluta.70

    Assim,oprocessodeveprocurarobterumaverdademenosambiciosa,quesejaatingvelcomooresultadodeumfrutodemtodo indutivo,equenosendoabsoluta, sejaprpriadoconhecimentoprobabilstico, e racionalmente controlvel.71 Ainda que no possamos saber, com absoluta certeza,quandoumenunciadofticoverdadeiro,podemossaberquando,combaseemumaprobabilidadelgicaprevalecente,umenunciadoracionalmenteprefervelaooutro.72

    Nessecontexto,noseconcebeummodelojustodeprocesso,emespecialdenaturezapunitivaousancionatria,quenotrabalhecomaverdadeaindaqueinatingvelcomofatordelegitimaodeseu resultado e critrio de justia. Justia e verdade so, portanto, noes complementares aoexercciodopoder.73

    Num manual sobre recurso, no se pretende uma aprofundada discusso sobre o perfilepistemolgico e jurdico da prova penal, mas a fixao dessas premissas fundamental para secompreenderadimensodadaaoduplograudejurisdioeaodireitoaorecursodoacusado.

    Isso porque, alm de uma exposio do estado atual da doutrina e da jurisprudncia sobre osrecursos utilizveis na praxis forense, almeja-se tambm por um objetivo maior: uma anlisepropositivae,porquenodizer,provocativa,docontedododuplograude jurisdionoprocessopenal, como um direito ao recurso do acusado condenado, com aptido de controlar e reforar aestadodeinocncia,quantoaojuzodefatosquepossalevarpena.

    O processo penal, enquanto instrumento cognitivo de verificao factual da imputao, permite

  • queracionalmentesesupereoestadodeinocnciadoacusado, legitimandooexercciodopoderdepunirestatal.Umaepistemologiagarantista,comoexplicaFerrajoli,temcomoumadassuascondiesdeefetividadeumcognitivismoprocessualnadeterminaodo fatocriminoso,sendoasseguradoumprincpiodeestritajurisdicionalidadequerequerduascondies:verificabilidadeou falsificabilidadedashipteses acusatrias, em razodo seu carter assertivo, e a suaprovaemprica,mediante umprocedimentoquepermitasejasuaverificao,sejasuarefutao.74

    Asuperaodapresunodeinocncia,portanto,spodesedarfinaldodevidoprocessolegal,emqueareconstruohistricadosfatosdecorradeatividadeprobatrialegalmenterealizada,apsumavaloraoracionaldetodasasprovasproduzidas,comumadecisoquesomentepodervalidamentecondenaro acusado se for comprovadaa sua culpa, emnvelde constataoqueatinjao standardprobatriodacertezaalmdequalquerdvidarazovel.Etudoissodesaguarnasentenajudicial,comoresultadofinaldeumjuzocognitivoprvio.

    Evidente que, se para a condenao for assegurado um duplo grau, a chance de erro, em tese,diminuiria.Menoraindaserorisco,nocasoemquesepensenorecursodeapelaocomoexclusivoda defesa. Isso porque, em tal hiptese, o sistema seria construdo tendencialmente sobre anecessidade de dois juzos sucessivos de culpabilidade, para a liberao do poder de punir estatal.Nesse sentido a proposta de JulioMaier, para quem, em tal dimenso, o duplo grau seria umaexigncia de que, para que se execute uma pena contra uma pessoa, necessita-se de uma duplaconformidadejudicial,casoocondenadofaatalrequerimento.75

    Poroutrolado,odireitoaorecurso,principalmentenoquesereferefunoclssicadosegundograu,deserumaoportunidadederevisodassentenasdemrito,geraumcomplicadornoquedizrespeitoaoprocessopenalcomuminstrumentocognitivo.Afunocognitivaexercidapormeiodorecursocolocaoproblemanodeumsegundo juzo seja como juzo sobreo juzo (revisiopriorisinstantiae), seja como um segundo primeiro grau de jurisdio (novorum iudicium) , mas de umaterceirareconstruohistricadosfatos.

    Diferentementedoprocessocivil,emquenormalmentenohumaprviaatividadeinvestigativa,apersecuopenalsedesenvolveemduasfases:investigaopreliminareinstruoprocessual.Essainstruo processual, por sua vez, pode ser subdividida em atividade cognitiva de primeiro e desegundograu,quandoseadmiteamplamentenovaatividadeprobatrianoTribunalrevisor.Emtese,serumachanceamaisdeumresultadomelhor, emborano sedesconheaosproblemasque talpossibilidadetambmtraz.

    Primeirohaverumaatividadecognitiva-investigativa, decorrente da necessidade de que no seinstaure um processo penal como mera criao mental exige que haja justa causa ou, reasonablecause.Comojescrevemosemoutromomento,afinalidadedajustacausaevitarquedennciasouqueixasinfundadasoumesmosemumaviabilidadeaparentepossamprosperar. Inegvelocarterinfamantedoprocessopenal.exatoque,sobopontodevistajurdico,agarantiaconstitucionaldapresuno de inocncia, enquanto regra de tratamento do acusado, assegura que nenhumadiferenciaopossaexistirentreaquelequeacusadodeumdelito,semquehajaumacondenaotransitadaem julgadocontrasie,qualquercidadoquenunca foiprocessado.Mas tambmcertoque,dopontodevistamoral, social emesmopsicolgico, o simples fatodeestar sendoprocessadocriminalmenteumpesadssimofardoasercarregadopeloacusado.Serruemprocessocriminal,portanto,dealgumaforma,jestarsendopunido.

    Diantedocarterinfamanteeapenadordosimplesestarsendoprocessado,seriaumaintolervelagressodignidadedocidadoadmitirquesepudesseprocessaralgum,imputando-lheaprticadeumdelito,semquehouvesseumamnimabaseprobatriaquantoexistnciadocrimeeaautoria

  • delitiva. Isto , semquehouvesse elementos, normalmente colhidosno inqurito policial, a indicarque a ao penal no temerria. Ilusrio seria o Estado de Direito em que qualquer acusaoinfundadapudesseprosperar.76

    Assim, necessria uma prvia investigao, que confira esse suporte probatrio mnimo, acaracterizara justacausaparaalgumserdenunciadoecolocadonobancodosrus.H,pois,umanecessidadedeumaprimeiraatividadecognitiva.Investiga-seeconhece,paraqueoacusadorpossaformarumjuzosobresedenunciaounooinvestigado.

    Se a reposta for positiva, depois de denunciado, realiza-se uma nova atividade cognitiva. Nainvestigao,houveumaatividadecognitivo-investigativo,comescopodeformulaodehipteseseobteno fonte de provas aptas a formar um juzo de probabilidade de autoria delitiva. Agora noprocesso,haverumaatividadecognitivo-probatria,emqueahiptesenarrativapostanaimputaodeverserverificadamedianteaproduoemcontraditriodemeiosdeprovasqueserovaloradosracionalmentepelojulgador,queterquejustificarassuasescolhas.Essaatividadedereconstruofticacombasenasprovaspodelevaratrsresultados:(i)certezapositivadaexistnciadocrimeedesuaautoria,almdequalquerdvidarazovel,comaconsequentecondenao;(ii)certezanegativadaautoriaoudaexistnciadeumcrime,comanecessriaabsolvio;e(iii)dvidarazovelsobreaautoriaouexistnciadocrime,reafirmando-seoestadodeinocncia,medianteabsolvio.

    Admitir, portanto, um duplo grau de jurisdio sobre tais sentenas partir para uma terceiraetapa,deatividadecognitiva-revisional,aindamaisdistantedosfatos,cominegveiscomplicaesdoponto de vista da obteno de elementos de prova que possam racionalmente confirmar a versoacusatriaouanarrativadefensiva.Bastariapensarnofatortempo,sejaemrelaoaoesquecimentoqueprovocanasfontespessoaisdeprovas,comotestemunhasevtima,sejadoprprioperecimentode fontes reais de prova, para verificar que h, de plano, um dano marginal do ponto de vistaepistemolgicoineliminvelnumterceirograu.

    Essa atividadede julgaro julgamento de primeiro grau mais complexano que se refere aosjuzosdefatosdaetapacognitiva-probatria,masnoimpossvelemummodeloracional.

    Ummodeloprocessualpenalcognitivo,fundadonumavaloraoracionaldasprovas,comescolhasjustificadasemmotivaoadequada, ser intersubjetivamentecontrolvel.A condenaodecorrerdaconsideraodequeahipteseacusatriacorretaeestracionalmenteconfirmadapelasprovas,segundoummodelo de constatao ou standardprobatrio exigente de certeza alm de qualquerdvidarazovel. Logo, ahiptese acusatriadever estar racionalmente justificada, por encontrarapoioemumapluralidadedemeiosdeprovadeconfirmaes.Notudo.Almdeencontrarsuporteemmaisdeumelementodeconfirmao,ahipteseacusatriaserconfrontada,dianteumaoumaisnarrativasdefensivas,aoutraspossveisexplicaesdofatoimputado,devendoresistiratodaselas.Bastarumacontraprovatornandorazovelumahiptesecontrriaoualternativaacusatria,paraque no se justifique racionalmente a escolha da hiptese condenatria.77 Esse mtodo poder edeverserseguidopelojuizdeprimeirograu,quejustificarracionalmentesuasescolhas,epoderserrefeitoecontrolado,pelosmagistradosdesegundograu,quepoderorealizarsuaprpriatrilhalgicaeverificaracoincidnciaounocomoresultadodojuzoaquo.

    Enfim,osproblemasqueoduplograupodecausar,emtermosdereconstruohistricadofato,socompensadospeloganhoepistmicoqueeleproporciona,sempresobaticadeuminstrumentoefetivo de cognio da imputao para, uma vez superada a presuno de inocncia, legitimar oexercciodopoderpunitivoestatal.

    3.9.Duplograuemmatriadefatoerenovaodainstruoemsegundograu

  • Quandose colocaoprincpiododuplograude jurisdioemrelaomatriade fato, sepodeimaginar, em linhas gerais, trs sistemas: (i) o julgamento em segundo grau como sendo um novojulgamento;(ii)ojulgamentodesegundograucomoumarevisodasentena,semqualqueratividadeprobatria nova; (iii) o julgamento de segundo grau, como uma reviso da sentena e, quandoconstatadaerrneavaloraodaprova,cassa-seadecisoesedeterminaumnovojuzoemprimeirograu.

    Na primeira situao, que adotadano sistemaprocessual penal alemo, tem-se o queBindingdenominouumasegunda primeirainstncia.78Assim,dentrodos limites traadospelorecorrente,isto,amatriaquefoidevolvidaaosegundograu,haverumnovoexameeumanovadeciso,tantonoaspectofticoquantonojurdico,eneste,tantoarespeitododireitomaterial,quantoprocessual.79

    H,pois,umverdadeironovumiudicium.Aprovaserproduzidanovamenteemsegundograu,sendoo acusado reinterrogado e, ao final, se profere uma nova deciso, como se o Tribunal fosse umjulgador de primeira instncia, com base na situao jurdica e processual atual, isto , produzidaperanteoprprioTribunal.80Naaudinciaemsegundograu,soadmitidosnovosmeiosdeprova(p.ex.: novas testemunhas) e tambm podem ser consideradas alegaes fticas introduzidasposteriormente ao primeiro grau.81 Em suma, com diz Roxin, atravs da aceitao da apelao, omomentocentraldoprocessotrasladadoparaasegundainstncia.82

    Ooutromodelo,emqueosegundograuumverdadeirojuzoderevisodadecisodeprimeirograu,oquesepraticanoprocessopenalbrasileiroenamaioriadospasesemque,porforadeumatradio inquisitria, h autos escritos e baixa importncia dada ao princpio da imediao.83 Orecursonoimplicaorefazimentodojuzodeprimeirograu,concebendo-seaapelaocomoumarevisiopriorisinstantiae.OTribunal,quenotomoucontatocomaproduodaprova,paraanalisarseasentenaestcorretaouequivocada,revaloraaprovaproduzidaemprimeirograu,combasenosregistrosescritosdaprovaproduzida.Bindercriticaseveramenteomodelodeapelaocomfaltadeimediao:ojuizrevisorperdetotalmenteocontatocomossujeitosprocessuaisecomaprova:eleanalisaosdocumentos,osregistrose,sobreabasedestaleitura,profereumnovoveredicto.84

    EssemodelopossibilitaqueosjulgadoresdoTribunaladquem,quenoparticiparamdainstruo,possam revalorar a prova e reformar a deciso anterior em matria de fato e coloca o delicadoproblemadanecessidadeounoderenovaodainstruo.Issoporque,oduplograudejurisdioconvive com outros princpios, como publicidade, imediao, contraditrio que so bastantemitigados,sehouvernovojuzodefatosemnovarealizaodaprova.

    Oterceiromodelodecorredesistemasemquenohumrecursoordinrioemrelaomatriade fato, sendo previsto apenas o recurso de cassao. Provido o recurso, m aplicao da leicaracterizadora de error in procedendo, ou mesmo no caso em que se prev maior amplitude dehipteses de cabimento, como o controle da logicidade e integridade da motivao, o julgamentoerrneocassadoeosautosretornamaoprimeirograu,paraquenovainstruoesentenasejamproferidas.

    3.9.1.Asoluoespanhola

    Na Espanha considera-se que o direito ao duplo grau de jurisdio decorre do direito a tutelajurisdicionalefetiva,includooprocessocomtodasasgarantiasoudevidoprocesso,asseguradopeloart.24daConstituioespanhola.85

    Agranderefernciasobreasgarantiasprocessuaisemsegundainstncia,nosistemaespanholfoiaSentena167/2002,de18.09.2002,doTribunalConstitucional,eajurisprudnciaquesedesenvolveapartirdela.

  • Atento,entendia-sequeodireitoaumprocessocomtodasasgarantiasnoeravioladoquandoaojulgaraapelaoerevalorartodasasprovasproduzidasemprimeirograu,oTribunalchegavaaumaconclusodiversadaadotadanasentena,reformando-a.Isto,erapossvelpelasimplesleituradosautos,condenaremsegundograuquemforaabsolvidoemprimeirainstncia.

    Todavia, com a Sentena 167/2002, o Tribunal Constitucional espanholmodificou tal doutrina econsiderouqueasgarantiasdavaloraodaprova,eemespecial,daimediao,seaplicamasegundainstncia. Isso no significa que a segunda instncia est impedida, no recurso de apelao, derevalorarasprovasproduzidasemprimeirograu,masparafaz-lodeverespeitartodasasgarantiasprocessuais, o que implica a necessidade de que o Tribunal de apelao oua pessoalmente astestemunhas em que se baseou o pronunciamento absolutrio de primeiro grau. A regra bsicaconstou do primeiro fundamento jurdico da referida sentena: no caso de apelao de sentenasabsolutrias,quandoaquelasefundanaapreciaodeprovas,senaapelaonoforamproduzidasnovas provas, no pode o Tribunal ad quem revisar a valorao praticada em primeira instncia,quandopelandoledasmesmasexigvelimediaoecontradio.

    Comofacilmentesepercebe,andoledasmesmassereferesprovasconstituendas,decorrentesdefontespessoais,envolvendoacredibilidadedosdepoimentosdastestemunhaseointerrogatriodoacusado.86

    Poroutrolado,osaspectosdavaloraoprobatriaquenodependamdeumcontatodiretocomomeiodeprova,poderiamserrealizadospeloTribunaladquem, semnecessidadederefazimentodainstruo, como o caso de valorao de provas documentais ou laudos periciais, oumesmo umadistintainfernciaprobatriaapartirdosindciosnocontrovertidos.87

    O tema foi melhor esclarecido na Sentena 272/2005, de 24.10.2005, na qual o TribunalConstitucionalesclareceu:Segundoessadoutrinaconsolidada,resultacontrrioaumprocessocomtodas as garantias que um rgo judicial, conhecendo, em via recursal, condene quem havia sidoabsolvidoeminstncia,comoconsequnciadeumanovafixaodosfatosprovadosqueencontresuaorigemnareconsideraodeprovascujaconcretaeadequadaapreciaoexijanecessariamentequesepratiquemnapresenadorgojudicialqueasvalora.Corolriodissoserqueadeterminaodeemquehiptesesseproduziuumavulneraododireitofundamentaldeumprocessocomtodasasgarantias(cristalizadonagarantiadaimediao)eminentementecircunstancial,poisodecisivosea condenao de quem havia sido absolvido na instncia decorra, em primeiro lugar, de umaalterao substancial dos fatos provados e, sendo assim, se tal apreciao probatria encontrafundamentoemumanovareconsideraodemeiosprobatrioscujacorretaeadequadaapreciaoexige imediao; isto , que seja o rgo judicial que as valora o rgo perante quem elas sepraticaram.88

    Inegvel a importncia da imediao.89 Todavia, a grande crtica que se pode fazer a talposicionamento,considerarqueaimediaoumfatorouprincpiodavaloraodaprova.Noo.Como afirma Iacoviello, a oralidade-imediao uma tcnica de formao das provas, no ummtodoparaoconvencimentodojuiz.90

    Noseignoraoudesprezaaimportnciadossinaisparalingusticosdosdepoimentos.Paraobemou para o mal, tenta-se interpretar circunstncias comportamentais como uma testemunha quegaguejaouruboresce,odepoentequefazumalongapausaantesderesponder,apessoaquemostra-se irrequieta etc. Todavia, nummodelo cognitivo de processo penal, que deve produzir resultadosracionalmente controlveis, inaceitvel que tais fatores possam determinar a absolvio oucondenaodealgum.CabelembraraadvertnciadePerfectoIbaez:ainformaoqueaspessoaspodem transmitirmediantea linguagemgestualoucorporal,quenormalmenteacompanhaas suas

  • palavras,estcarregadadeambiguidadesedemuitodifcil interpretaosemriscodeerro.Maisaindaemumscontatoeporquemcarecederecursos tcnicosparaessefim.91Qualquer juizquepretendaproferirsuasdecisessegundoregrasracionaisdevaloraodaprovanoencontrarlugarparautilizaoemseuconvencimentodeelementoscujautilizaonosejasuscetveldejustificaoracional.Foradeummodelodentimaconvico,emqueimpressessubjetivaspodemcontarmaisdoquearazo,denadaadiantar,parafinsdeformaodoconvencimentojudicial,ocontatocaraacaradojuizcomoacusado.Poroutrolado,essaformadeconceberaimediao,somadaaumcarterpersonalssimo e intransfervel da percepo, veda o controle externo da deciso fundada em taisaspectos,nadaoupoucotemasemotivar.92

    Agrandevirtudedaimediaoestempermitirspartes,quetmodireitoprovaeformulamasperguntas testemunha, ou ao juiz, em sua atuao supletiva, perceber em tais comportamentosdicassobrepossveleficciaemexplorarounoumdeterminadotema.Verifica,porexemplo,emdeterminadospontos,queotemajfoisuficientementeesclarecidodeformaseguraesemhesitao,nonecessitandodeaprofundamento.Poroutrolado,sejapelocontedodoquefoirespondido,sejapelos sinais paralingusticos emitidos pela testemunha, muitas vezes fica clara a insegurana evacilao, demonstrando que o ponto merece ser aprofundado na explorao ftica. Como dizPerfectoIbaez,oembaraodastestemunhas,perantequemainterroga,serumindicadordeque,provavelmente, nesse ponto dever aprofundar e intensificar o questionamento, insistindo nessadireo.93

    Pensando apenas sob a tica de uma correta reconstruo histrica dos fatos, melhor que ojulgamento do recurso seja precedido de uma reproduo da prova, com imediao, entre a fontepessoal e julgador do Tribunal, do que ocorra simplesmente mediante a revalorao baseada naleitura fria dos autos do processo. O teor da reproduo de um depoimento poderia ter deixado ojulgador em dvida sobre um ou outro ponto, que o contato direito com a testemunha poderfacilmenteafastar.H,porm,outrosvalores,epistmicosenoepistmicos,aseremponderados.Emrelaoaopassardotempo,inegvelqueapassagemdotempofavoreceadiminuiodamemria,eumsegundodepoimento,algunsanosdepois,provavelmentesermenosprecisoqueoprimeiro.Poroutro lado, h questes como economia processual, gesto de tempo e pessoal nas atividades doTribunaleoprpriodireitodoacusadoaserjulgadoemprazorazovel,queocuparoooutropratodabalanaemtalponderao.

    Por fim, do ponto de vista do direito ao recurso como instrumentalizao do duplo grau dejurisdio, interessantenotarqueaCorteConstitucionaldaEspanhaconsideraquetaldireitonoimplica uma dupla instncia no sentido de que o rgo de segundo grau conhea o processo, emigualdade de condies com o rgo de primeiro grau que proferiu a deciso recorrida. Emconsequncia, admite que a funo de duplo grau possa ser satisfeita no s por um recurso deapelao,mastambmpelorecursodecassao.94

    3.9.2.Asoluoitaliana

    Osistemaitaliano,diantedomesmoproblema,tentouumasoluodiversa:restringiraapelaodoMinistrioPblicoemcasodeabsolvioemprimeirograu.Paraentenderomecanismoque setentouimplementarprecisoaanalisarashipteses,maistericasdoqueprticas,derenovaodainstruoemsegundograu.

    No processo penal italiano, embora em linha de princpio seja precluso ao Tribunal ad quemrenovar a instruo, o art. 603 do CPP prev algumas hipteses em que isso poder ocorrer. Adoutrina,contudo,observaquetaissituaesdevemocorrersomenteemviaresidual.95Dequalquerforma,poderserrealizadanovaatividadeprobatriaemsegundograuquando:(i)aparterequerer,

  • naapelao,arenovaodaprovaproduzidaemprimeirograuouojuizconsiderarquenoestem

    condiesdedecidirnoestadodoprocesso;(ii)novasprovasforemdescobertasapsojulgamentoemprimeirograu;e(iii)oprpriojuiz,exofficio,reputaabsolutamentenecessriasuareproduo.

    Foi para tentar eliminar os problemas da transformao de uma absolvio obtida em plenocontraditrioeimediaoemprimeirograu,numacondenaodecorrentedeapelaodoMinistrioPblico,96noqualoTribunaladquemsomenteanalisaosautos,semcontatodiretocomaprova,queo modelo italiano buscou restringir as hipteses em que o Ministrio Pblico poderia apelar dasentenaabsolutria.

    NoregimeoriginriodoCPPitaliano,ashiptesesdeapelaodoacusadoedoMinistrioPblicoeram correlatas. Porm, com a Lei 46 de 2006, que ficou conhecida como Lei Pecorella, foiacrescentadoumcomma2.aoart.593,prevendoqueacusadoeMinistrioPblicopoderiamapelarnasmesmashipteses,contrasentenaabsolutria,noscasosemquefosserequeridaarenovaodainstruoparaproduodeprovanovaemsegundograu,porsetratardeprovadecisiva,isto,aprovacapazdeconduziroTribunalaumadecisodiversa.

    Naprtica, tratava-sedeumagrande limitaopossibilidadedeoMinistrioPblicoapelardasentenaabsolutria.Chamadaasemanifestarsobreotema,aCorteConstitucional,comasentena26,de2007,declarouailegitimidadeconstitucionaldonovocomma2.doart.593,naparteemqueexcluadoMinistrioPblicoapossiblidadedeapelarcontrasentenaabsolutria,salvonoscasodoart. 603 (i. e.: de produo de prova nova). Para tanto, considerou que a restrio do poder doMinistrio Pblico, em relao aos poderes de impugnao do acusado caracterizava uma radicalassimetria,porqueenquantoestepoderiarecorrerdeumasentenacondenatria,aquelenopodiaapelar de uma sentena de absolvio, que caracteriza sua sucumbncia no processo. Ou seja, apossibilidadedeoMinistrioPblicoapelardassentenasabsolutriasvoltouaserampla.

    O posicionamento da Corte Constitucional foi duramente criticado pela doutrina, por partir depremissas equivocadas, como uma pretensa coincidncia entre o princpio de paridade entre aspartes,eoprincpiodeparidadedearmas.SegundoBargieGaito,oprincpiodaparidadedepartesno comporta uma necessria identidade entre poderes processuais do Ministrio Pblico e doAcusado, no sendo, ademais, imanente ao sistemade impugnao da CPP italiano.97 Alm disso, oconceitodesucumbncianoprocessopenal,emrelaoaoMinistrioPblico,inaplicvel.

    ComobemobservaGarofoli,oquesebuscoufazercomaleidepoisdeclaradainconstitucionalfoiresolver um problema de fundo do sistema processual: o de evitar que o acusado, absolvido emprimeiro grau, mas condenado em razo de apelao do Ministrio Pblico, ficasse privado dapossibilidadedeumarevaloraocompletadessasegundadeciso,podendodenunciaroserrosqueelapoderiaconter,talqualpossibilitadoaquemcondenadoemprimeirograu.98Essacarnciadeumduplograuefetivoficaaindamaisevidenteegravequandoseconstataque,enquantoaabsolvioemprimeirograusedeucombaseemprovasformadasemcontraditrioperanteojuiz,acondenaoemgraudeapelaodecorre,emregra,deumameraleituradosautos.99

    3.10.Duplograudejurisdioeacompetnciaoriginriadostribunais

    OBrasiltemumsistemadecompetnciaoriginriadostribunaisparaoprocessopenalemcasodeautoridadesqueexeramfunesegrgias.Soinmerasascrticasatalsistema,amaisfrequente,deviolao da igualdade. Sumariando os argumentos, quando a lei prev foro por prerrogativa defuno, na verdade, usaria de eufemismo para esconder ou ocultar um verdadeiro privilgiopessoal.100Outroaspectoquetemsidocombatidoaexcessivaamplitudedequesetemdadoaoforopor prerrogativa de funo, muitas vezes estendido para funes que, efetivamente, no foram

  • previstasnaConstituio.101

    Seusdefensores,poroutrolado,encontramlegitimidadeparaoforoporprerrogativadefunonoprprioequilbriohierrquicoentreosPoderes,sendoumremdiopreventivocontrasubservinciasou abusos indevidos. Evita-se, por exemplo, que um juiz de primeiro grau julgue o Presidente daRepblicaouumMinistrodoSupremoTribunalFederal.102

    A competncia originria dos tribunais se justificaria por uma dupla perspectiva: de um lado,protegerosdetentoresdoscargosdepersecuesindevidas,muitasvezespormotivaespolticas,ede outro lado, proteger os julgadores de eventuais presses que, mais facilmente, poderiam serexercidassobrergosjurisdicionaisdeprimeirograu.Trata-se,pois,aumstempo,degarantiaparaoacusadoedegarantiaparaaJustia.103

    Almdisso,nocasodeparlamentaresepolticos,ainflunciadamdiaeoseurelacionamentocomoPoderJudiciriotmsidoapontadoscomofatoresimportantesparajustificaranecessidadedeforoporprerrogativadefuno:hojeemdia,acombinaodeatuaojudicialeimprensaseconverteuemuminstrumentofundamentalnalutaparaaeliminaodorival,semanecessidadedeesperaraconvicopolticadoeleitor.NomundocontemporneonohoutromeiomaiseficazdedesprestgioqueasubmissoaoJuizpenal.Oaparatojudicialpodepremdestaqueosmaisdbeiscimentosemque se baseia qualquer fama. O smbolo mais eficaz da perda da honorabilidade constitui,atualmente, o ingresso na priso, ou o simples incio do processo. No h maior mancha quecomparecer perante o juiz na qualidade de acusado. As cmaras fotogrficas, o importunar dosreprteres,aimagemtomadaportelevisesatentasaqualquersinaldeinseguranaoutemor(...).104

    Defato,oquestionamentomaisagudoquesepodefazerdizrespeitosuacompatibilidadecomoprincpiodaisonomia.

    O foro diferenciado para os ocupantes de determinados cargos pode ser reputado, a priori enecessariamente, inconstitucional. Por certo, no seriam os foros expressamente previstos naConstituio, na medida em que, no mximo, tratar-se-ia de uma exceo tambm de naturezaconstitucional.

    A Constituio, ao estabelecer o foro por prerrogativa de funo, tratou desigualmente osdesiguais,namedidaemquesedesigualam,parausaraclebreexpressodeRuy.105Umdetentordecargopblicodealtarelevnciaestarsujeitoamuitasperseguiesoumaledicnciasque,nogeral,noatingeocomumdoscidados.Poroutrolado,aimportnciadeseucargopoderfazertemerumjuizquenosesintasuficientementeindependenteparajulgaraltosdignitriosdaRepblica.

    Ofatordediscriminaoexercerrelevantefunopblicarazovel.AcondiodePresidenteda Repblica, de Senador ou Deputado Federal, de Ministro de Estado, entre outros, fator dediscriminaovlidoquandocomparadocomocidadoquenoexercequalquerfunopblicaouaexerceemnveishierrquicosiniciaisouinferiores.Noseestescolhendoocidadomaisalto,oudeolhosazuis,ouomaisricoouoqueprofesseumadeterminadacrenareligiosa.Poroutrolado,eeste o pontomais importante, h um claro vnculo de conexo lgica entre os elementos diferenciaisreunidos e a discriminao estabelecida em vista deles.106 O elemento diferencial, qual seja, exercerfunes emritas, justifica a discriminao estabelecida em vista dele, no caso, ser julgadooriginariamente por tribunais e no por juzes de primeiro grau. Em suma, as discriminaes emrazo de previses legais de foros por prerrogativa de funo no caracterizam discriminaesfortuitasouinjustificadas.107

    A competncia originria dos tribunais, contudo, esconde outro grave problema,mormente noscasos emque atribuda dos STF e o STJ. Tais tribunais, do ponto de vista penal, julgam recursos

  • extraordinrio,especialerecursosordinriosemhabeascorpus,almdosprprioshabeascorpus.Emrelao aos recursos extraordinrio e especial, as conhecidas limitaes de atuao como cortes decontrole de legitimidade, sem anlise de questes fticas e revalorao domaterial probatrio, fazcom que a atividade heurstica e de reconstruo histrica dos fatos lhes seja algo absolutamenteestranha.Mesmonocasodehabeascorpusoriginrioeoeventual recursocontrasuadenegao,omantra jurisprudencial repetido exausto, de que no mbito limitado do habeas corpus no possvelaanliseprobatria,igualmentealijaostribunaissuperioresdeumacotidianaatividadedevaloraoracionaldaprova.

    Poroutrolado,inegavelmenteoforoporprerrogativadefuno,nodesenhodosistemabrasileiro,impede ao condenado em ao de competncia originria o direito ao recurso contra a decisocondenatria.

    3.11.Propostaparaumaleituradoduplograudejurisdio:direitoaorecursodoacusado,para

    umcontroleepistmicodapresunodeinocncia

    Do que foi exposto, de se concluir que o duplo grau de jurisdio pode ser visto sob duasperspectivas,quelevaroaresultadosdistintos:(i)comoummecanismoquebuscadarprevalnciaaovalor justia, permitindo a correo do erro judicirio, tanto sobre as questes de direito, quantosobre as questes de fatos; e (ii) como garantia do acusado, fortalecendo a sua presuno deinocncia,emcasodecondenaoemprimeirograuousegundograu.108

    Evidentequeaadoodeumououtromodeloimplicarrepercussesimportantesnalegitimidaderecursal.Oduplograucomorevisoparaaprimoramentodajustiaadmiteorecursodeambasaspartes, acusador e acusado, bem como de terceiros intervenientes, como o assistente de acusao.Mais do que isso, como o erro, em tese, pode estar tanto na condenao quanto na absolvio, orecurso serpro et contra. Todas as partes podem recorrer de qualquer resultado. Por outro lado,quandoloduplograusobaticadagarantiadoacusado,109odireitorecursoaomenosemsuaamplitude mxima, com devoluo de questo de fato e de direito somente ser conferido aoacusadocondenado,comomecanismoqueimplementaapossibilidadedeumaduplaconformeparaacondenao.110Deoutro lado,oMinistrioPblicoeavtimano tero legitimidaderecursalparaimpugnarasentenaabsolutriaquantoquestesdefato.ComoexplicaJulioMaier,nessesistemaem que a legitimidade para impugnar a sentena, pertence tanto ao acusado quanto aos rgospblicos, o recurso no uma garantia processual em favor do acusado, mas antes um meio decontrolepelostribunaissuperioressobreacorreodadecisodosmagistradosinferiores.111

    No h dvida de que o sistema desenhado pelo Cdigo de Processo Penal de 1941, no que dizrespeitoimpugnaoobjetiva(hiptesesderecurso)eimpugnaosubjetiva(legitimadosarecorrer)pensadopara serummodelode aprimoramentoda justia. E, no seria exageradodizer, que oaprimoramento da justia buscado com vista a dar acusao uma chance a mais de obter acondenao. Primeiro, porque a legitimao bilateral: de um lado, acusao e vtima, de outro, oacusadoeseudefensor.Aomais,geralmenteorecursodoacusadoestavacondicionadoasuaprisooque era um contrassenso. Para demonstrar que houve erro e aprimorar a justia por meio dorecurso,paraqueoinocentenotivessequecumprirpenae,serprivadodaliberdade,eleprimeirodeveriaserpresoparaquesepudessefazerjustiaparaelenoser...preso!

    Atualmente, contudo, a escolha entre um ou outromodelo no mera opo tcnica, fruto deescolhadepolticalegislativa.112Oduplograudejurisdio,instrumentalizadopelodireitoaorecursodoacusadoumdireitofundamental,decorrentedeposiesaxiolgicasquenopodemserpautadaspelamaioriadominantedoPoderLegislativonumounoutromomento.

  • AleiturafeitapelaCorteInteramericanadeDireitosHumanos,emrelaoaoart.8.2.hdaCADHexigeenoapenassugerequeoacusadotenhaodireitoderecorrerdadecisocondenatria.Eesserecursocabvelquerquandoelecondenadoemprimeirograueapelaparaosegundograu,querquandoeleabsolvidoemprimeirograue condenadoemsegundograu,anteumrecursodaacusao.Neste caso, odireito aoduplo grau sobre ade