Manuel Botelho de Oliveira - À Ilha de Maré

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Manuel Botelho de Oliveira - À Ilha de Maré

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Ilha de Mar, Manuel Botelho de Oliveira1 Ilha de Mar, de Manuel Botelho de OliveiraFonte:OLIVEIRA, Manuel Botelho de. Ilha de Mar. in Poesia Barroca, org. por Pricles Eugnio da Silva Ramos. So Paulo: Melhoramentos, 1967. Texto proveniente de:A Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro A Escola do Futuro da Universidade de So PauloPermitido o uso apenas para fins educacionais.Texto-base digitalizado por:Ncleo de Pesquisas em Informtica, Literatura e Lingstica Universidade Federal de Santa CatarinaEste material pode ser redistribudo livremente, desde que no seja alterado, e que as informaes acima sejam mantidas. Para maiores informaes, escreva para .Estamos em busca de patrocinadores e voluntrios para nos ajudar a manter este projeto. Se voc quer ajudar de alguma forma, mande um e-mail para e saiba como isso possvel. Ilha de MarManuel Botelho de Oliveira ILHA DE MAR TERMO DESTA CIDADE DA BAHIASILVAJaz oblqua forma e prolongadaa terra de Mar toda cercadade Netuno, que tendo o amor constante,lhe d muitos abraos por amante,e botando-lhe os braos dentro delaa pretende gozar, por ser mui bela.Nesta assistncia tanto a senhoreia,e tanto a galanteia,que, do mar, de Mar tem o apelido,como quem preza o amor de seu querido:e por gosto das prendas amorosasfica mar de rosas,e vivendo nas nsias sucessivas,so do amor mars vivas;e se nas mortas menos a conhece,mar de saudades lhe parece.Vista por fora pouco apetecida,porque aos olhos por feia parecida;porm dentro habitada muito bela, muito desejada, como a concha tosca e deslustrosa,que dentro cria a prola fermosa.Erguem-se nela outeiroscom soberbas de montes altaneiros,que os vales por humildes desprezando,as presunes do Mundo esto mostrando,e querendo ser prncipes subidos,ficam os vales a seus ps rendidos.Por um e outro ladovrios lenhos se vem no mar salgado;uns vo buscando da Cidade a via,outros dela se vo com alegria;e na desigual ordemconsiste a fermosura na desordem.Os pobres pescadores em saveiros,em canoas ligeiros,fazem com tanto abalodo trabalho martimo regalo;uns as redes estendem,e vrios peixes por pequenos prendem;que at nos peixes com verdade puraser pequeno no Mundo desventura:outros no anzol fiados tmaos mseros peixes enganados,que sempre da vil isca cobiososperdem a prpria vida por gulosos.Aqui se cria o peixe regaladocom tal sustncia, e gosto preparado,que sem tempero algum para apetitefaz gostoso convite,e se pode dizer em graa raraque a mesma natureza os temperara.No falta aqui marisco saboroso,para tirar fastio ao melindroso;os polvos radiantes,os lagostins flamantes,camares excelentes,que so dos lagostins pobres parentes;retrgrados cranguejos,que formam ps das bocas com festejos,ostras, que alimentadasesto nas pedras, onde so geradas;enfim tanto marisco, em que no falo,que vrio perrexil para o regalo.As plantas sempre nela reverdecem,e nas folhas parecem,desterrando do Inverno os desfavores,esmeraldas de Abril em seus verdores,e delas por adorno apetecidofaz a divina Flora seu vestido.As fruitas se produzem copiosas,e so to deleitosas,que como junto ao mar o stio posto,lhes d salgado o mar o sal do gosto.As canas fertilmente se produzem,e a to breve discurso se reduzem,que, porque crescem muito,em doze meses lhe sazona o fruito,e no quer, quando o fruto se deseja,que sendo velha a cana, frtil seja.As laranjas da terrapoucas azedas so, antes se encerratal doce nestes pomos,que o tem clarificado nos seus gomos;mas as de Portugal entre alamedasso primas dos limes, todas azedas.Nas que chamam da Chinagrande sabor se afina,mais que as da Europa doces, e melhores,e tm sempre a ventagem de maiores,e nesta maioria,como maiores so, tm mais valia.Os limes no se prezam,antes por serem muitos se desprezam.Ah se Holanda os gozara!Por nenhuma provncia se trocara.As cidras amarelascaindo esto de belas,e como so inchadas, presumidas, bem que estejam pelo cho cadas.As uvas moscatis so to gostosas,to raras, to mimosas;que se Lisboa as vira, imaginaraque algum dos seus pomares as furtara;delas a produo por copiosaparece milagrosa,porque dando em um ano duas vezes,geram dous partos, sempre, em doze meses.Os meles celebradosaqui to docemente so gerados,que cada qual tanto sabor alenta,que so feitos de acar, e pimenta,e como sabem bem com mil agrados,bem se pode dizer que so letrados;no falo em Valaria, nem Chamusca:porque todos ofuscao gosto destes, que esta terra abonacomo prprias delcias de Pomona.As melancias com igual bondadeso de tal qualidade,que quando docemente nos recreia, cada melancia uma colmeia,e s que tem Portugal lhe do de rostopor insulsas abboras no gosto.Aqui no faltam figos,e os solicitam pssaros amigos,apetitosos de sua doce usura,porque cria apetites a doura;e quando acaso os matamporque os figos maltratam,parecem mariposas, que embebidasna chama alegre, vo perdendo as vidas.As roms rubicundas quando abertas vista agrados so, lngua ofertas,so tesouro das fruitas entre afagos,pois so rubis suaves os seus bagos.As fruitas quase todas nomeadasso ao Brasil de Europa trasladadas,por que tenha o Brasil por mais faanhasalm das prprias fruitas, as estranhas.E tratando das prprias, os coqueiros,galhardos e frondososcriam cocos gostosos;e andou to liberal a naturezaque lhes deu por grandeza,no s para bebida, mas sustento,o nctar doce, o cndido alimento.De vrias cores so os cajus belos,uns so vermelhos, outros amarelos,e como vrios so nas vrias cores,tambm se mostram vrios nos sabores;e criam a castanha,que melhor que a de Frana, Itlia, Espanha.As pitangas fecundasso na cor rubicundase no gosto picante comparadasso de Amrica ginjas disfaradas.As pitombas douradas, se as desejas,so no gosto melhor do que as cerejas,e para terem o primor inteiro,a ventagem lhes levam pelo cheiro.Os araazes grandes, ou pequenos,que na terra se criam mais ou menoscomo as pras de Europa engrandecidas,com elas variamente parecidas,de vrias castas marmeladas belas.As bananas no Mundo conhecidaspor fruto e mantimento apetecidas,que o cu para regalo e passatempoliberal as concede em todo o tempo,competem com mas, ou baonesascom peros verdeais ou camoesas.Tambm servem de po aos moradores,se da farinha faltam os favores; conduto tambm que d sustento,como se fosse prprio mantimento;de sorte que por graa, ou por tributo, fruto, como po, serve em conduto.A pimenta elegante tanta, to diversa, e to picante,para todo o tempero acomodada,que muito aventajadapor fresca e por sadia que na Asia se gera, Europa cria.O mamo por freqentese cria vulgarmente,e no o preza o Mundo,porque muito vulgar em ser fecundo.O marcuj tambm gostoso e frioentre as fruitas merece nome e brio;tem nas pevides mais gostoso agrado,do que acar rosado; belo, cordial, e como mole,qual suave manjar todo se engole.Vereis os ananases,que para rei das fruitas so capazes;vestem-se de escarlatacom majestade grata,que para ter do Imprio a gravidadelogram da croa verde a majestade;mas quando tm a croa levantadade picantes espinhos adornada,nos mostram que entre Reis, entre Rainhasno h croa no Mundo sem espinhas.Este pomo celebra toda a gente, muito mais que o pssego excelente,pois lhe leva aventagem graciosopor maior, por mais doce, e mais cheiroso.Alm das fruitas, que esta terra cria,tambm no faltam outras na Bahia;a mangava mimosasalpicada de tintas por fermosa,tem o cheiro famoso,como se fora almscar oloroso;produze-se no matosem querer da cultura o duro trato,que como em si toda a bondade apura,no quer dever aos homens a cultura.Oh que galharda fruita, e soberanasem ter indstria humana,e se Jove as tirara dos pomares,por ambrsia as pusera entre os manjares!Com a mangava bela a semelhanado macuj se alcana;que tambm se produz no mato incultopor soberano indulto:e sem fazer ao mel injusto agravo,na boca se desfaz qual doce favo.Outras fruitas dissera, porm, bastadas que tenho descrito a vria casta;e vamos aos legumes, que plantadosso do Brasil sustentos duplicados:os mangars que brancos, ou vermelhos,so da abundncia espelhos;os cndidos inhames, se no minto,podem tirar a fome ao mais faminto.As batatas, que assadas, ou cozidasso muito apetecidas;delas se faz a rica batatadadas Blgicas naes solicitada.Os cars, que de roxo esto vestidos,so lios dos legumes parecidos,dentro so alvos, cuja cor honestase quis cobrir de roxo por modesta.A mandioca, que Tom sagradodeu ao gentio amado,tem nas razes a farinha oculta:que sempre o que feliz, se dificulta.E parece que a terra de amorosase abraa com seu fruto deleitosa;dela se faz com tanta atividadea farinha, que em fcil brevidadeno mesmo dia sem trabalho muitose arranca, se desfaz, se coze o fruito;dela se faz tambm com mais cuidadoo beiju regalado,que feito tenro por curioso amigogrande ventagem leva ao po de trigo.Os aipins se aparentamcoa mandioca, e tal favor alentam,que tem qualquer, cozido, ou seja assado,das castanhas da Europa o mesmo agrado.O milho, que se planta sem fadigas,todo o ano nos d fceis espigas,e to fecundo em um e em outro filho,que so mos liberais as mos de milho.O arroz semeadofertilmente se v multiplicado;cale-se de Valena, por estranhao que tributa a Espanha,cale-se do Orienteo que come o gentio, e a lsia gente;que o do Brasil quando se v cozidocomo tem mais substncia, mais crescido.Tenho explicado as fruitas e legumes,que do a Portugal muitos cimes;tenho recopiladoo que o Brasil contm para invejado,e para preferir a toda a terra,em si perfeitos quatro AA encerra.Tem o primeiro A, nos arvoredossempre verdes aos olhos, sempre ledos;tem o segundo A, nos ares purosna temprie agradveis e seguros;tem o terceiro A, nas guas frias,que refrescam o peito, e so sadias;o quatro A, no acar deleitoso,que do Mundo o regalo mais mimoso.So pois os quatro AA por singularesArvoredos, Acar, guas, Ares.Nesta ilha est mui ledo, e mui vistosoum Engenho famoso,que quando quis o fado antigamenteera Rei dos engenhos preminente,e quando Holanda prfida e nocivao queimou, renasceu qual Fnix viva.Aqui se fabricaram trs capelasditosamente belas,uma se esmera em fortaleza tanta,que de abbada forte se levanta;da Senhora das Neves se apelida,renovando a piedade esclarecida,quando em devoto sonho se viu postoo nevado candor no ms de agosto.Outra capela vemos fabricada,A Xavier ilustre dedicada,que o Maldonado Proco entendidoeste edifcio fez agradecidoa Xavier, que foi em sacro alentoglria da Igreja, do Japo portento.Outra capela aqui se reconhece,cujo nome a engrandece,pois se dedica Conceio sagradada Virgem pura sempre imaculada,que foi por singular e mais fermosasem manchas lua, sem espinhos rosa.Esta Ilha de Mar, ou de alegria,que termo da Bahia,tem quase tudo quanto o Brasil todo,que de todo o Brasil breve apodo;e se algum-tempo Citeria a achara,por esta sua Chipre desprezara,porm tem com Maria verdadeiraoutra Vnus melhor por padroeira.FIM