Maxwell-Linhas Gerais Da Antropologia Teológica de Pannenberg

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    Linhas Gerais da Antropologia Teolgica de Pannenberg

    Aps este percurso histrico sobre o tema da imago dei no cristianismo,

    estamos mais aptos a iniciar nosso estudo sobre o pensamento de Pannenberg

    nesta questo. Veremos os pressupostos que consistem nos princpios que regem a

    sua viso da realidade humana, os quais determinam tanto a sua interpretao da

    mxima do relato sacerdotal que classifica o homem como criado segundo a

    imagem e semelhana de Deus, como tambm o seu posicionamento diante da

    reflexo teolgica que j foi feita sobre este tema na histria do pensamentocristo. Entretanto antes de descrevermos os pressupostos antropolgicos e

    teolgicos de nosso autor, faz-se necessrio que ressaltemos como deve ser feita

    em sua viso uma relevante abordagem da antropologia teolgica. Quais inter-

    relaes ela deve conter para que seja capaz de cumprir verdadeiramente sua

    tarefa, ou seja, qual metodologia deve ser adotada pela reflexo crist ao abordar a

    realidade humana.

    Para Pannenberg, para ser relevante, a reflexo da antropologia teolgica

    precisa levar em considerao trs inter-relaes que so capitais para a correta

    compreenso da realidade humana. So elas a relao entre a antropologia

    teolgica, a doutrina da criao e a cristologia, especialmente porque somente

    essas inter-relaes possibilitam entender a criao do homem segundo a imagem

    divina, que est relacionada sua posio dentro da criao, com as suas

    caractersticas ontolgicas e com o seu destino comunho com Deus, que foi

    realizado em Jesus Cristo1. Pois s assim uma reflexo antropolgica capaz de

    encontrar as repostas necessrias que a f crist deve dar sociedade e s cincias

    humanas, tal reflexo apresenta Pannenberg em sua obra Antropologia em

    Perspectiva Teolgica2. Ao partir de uma base mais ampla, pde construir uma

    abordagem antropolgica mais abrangente. Nela sua abordagem toca a realizao

    do destino do homem como objeto da providncia divina, luz dos fundamentos

    1PANNENBERG, W., TS2, p. 208.2

    PANNENBERG, W., Antropologia en Perspectiva Teolgica. Implicaciones religiosas de Lateoria antropolgica. Salamanca: Sigueme, 1993.

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    biolgicos da vida humana, de sua situao no mundo, de sua dimenso social e

    etc.

    Podemos dizer que essa postura de Pannenberg reflexo da Teologia

    Patrstica, que vista por ele como um modelo que precisa ser seguido pela

    reflexo da antropologia teolgica atual. Isso porque a Teologia Patrstica, desde o

    incio da histria crist, ao refletir sobre o homem, entendeu que a sua natureza

    consistia em trs dimenses: psquico, corprea e espiritual. Assim ela exps a

    complexidade da realidade humana atravs de uma abordagem profunda levando

    em considerao as inter-relaes necessrias3. Por causa dessa caracterstica,

    Pannenberg afirma que a abordagem patrstica tornou-se um marco nas

    interpretaes bblicas do homem como imagem de Deus. Essa concluso aparece

    tanto na obra acima mencionada, como no captulo VIII do segundo volume de

    sua Teologia Sistemtica, que uma sntese de seu pensamento antropolgico.

    Buscaremos em nossa pesquisa seguir esse princpio do pensamento de

    Pannenberg, para isso primeiramente elencaremos seus pressupostos

    antropolgicos e teolgicos, procurando compreender os desdobramentos

    ontolgicos determinados pelo fato de que a criao do homem se deu somente

    segundo a imagem de Deus. Na primeira parte deste captulo, veremos quais so

    as caractersticas ontolgicas que essa condio de imagem divina deu ao homem.

    Na segunda etapa nos ateremos aos pressupostos teolgicos determinados pela sua

    criao segundo a imagem e semelhana divina4. A partir da faremos a relao

    entre as caractersticas ontolgicas do homem e seu significado teolgico, visando

    entender luz da f qual a relao das caractersticas ontolgicas com o seu

    destino de desfrutar da comunho com Deus, de modo que possamos entender

    porque, na viso de nosso autor, a realizao plena deste destino est

    estreitamente relacionada com a cristologia. Visto que na sua compreenso odestino que foi determinado pelo prprio Deus na criao do homem, cumpriu-se

    prolepticamente na vinda e vida de seu filho Jesus Cristo.

    3PANNENBERG, W., TS2, p. 209.4

    Vale fazer aqui uma observao, pois seguindo o posicionamento de Pannenberg usaremos aterminologia da criao do homem segundo a imagem de Deus, no a imagem de Deus comonormalmente se fala.

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    3.1.

    Pressupostos Antropolgicos

    Para facilitar o nosso aprofundamento na compreenso de Pannenberg sobre

    a realidade humana, devemos levantar a seguinte indagao: na sua compreenso,

    em que consiste o homem? Buscando responder a essa pergunta, veremos agora

    quais so os pressupostos antropolgicos, ou seja, em que consiste a realidade

    humana na antropologia de Pannenberg. Vale relembrar que estamos seguindo

    tambm aqui, a abordagem antropolgica feita em sua Teologia Sistemtica5.

    Constataremos que ele concebe o homem como possuidor de uma dignidade

    peculiar, que fica expressa nas suas caractersticas ontolgicas e na sua

    participao no domnio, ou seja, senhorio do prprio Deus sobre a terra.

    Pannenberg tambm classifica o homem como possuidor de uma complexidade

    nica, porque sua realidade no somente psquico-corprea, mas contm

    tambm uma dimenso espiritual. Sendo assim veremos que as mesmas

    caractersticas ontolgicas que expressam sua posio de destaque so os meios

    usados pela ao divina. Pois atravs delas a providncia divina age sobre o

    homem, fazendo dele um ser transcendental, anelante e inacabado, que est

    sempre em devir, dessa forma podemos dizer que ela produz uma abertura que

    conduz o homem para alm das coisas finitas rumo ao seu criador, tornando-o por

    isso um andarilho que caminha a partir de sua realidade vital, da concreticidade de

    sua existncia, de sua histria individual rumo ao infinito que o atrai.

    3.1.1.

    A Dignidade do Homem

    Pannenberg comea ressaltando a dignidade peculiar do gnero humano.

    Fato que resulta diretamente na diferena e superioridade do homem diante das

    demais criaturas de Deus, essa postura assumida por ele baseada primeiramente

    5

    Dignidad y Misria Del Hombre in: Teologia Sistemtica. Tomo II, Madrid: UniversidadePontificia Comillas de Madrid, 1996.

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    no relato sacerdotal, que afirma que a criao do homem se deu segundo a

    imagem e semelhana divina. Assim Pannenberg v que esta criao segundo a

    imagem de Deus, faz com que o homem desfrute de uma posio de destaque, o

    que implica dois desdobramentos. O primeiro a superioridade humana, que

    notria por meio de uma simples comparao entre o homem e todo o restante da

    criao. O segundo que essa superioridade a base da funo para a qual ele foi

    chamado por Deus a exercer.

    J no incio de sua argumentao Pannenberg mostra que a dignidade

    peculiar do homem foi percebida desde a poca pr-crist em vrias sociedades6.

    Mencionando um exemplo disso na antiguidade, Pannenberg cita Ccero (in De

    Oficiis I, 30, 106), que a justificou na razo, ou seja, na capacidade racional do

    homem que lhe d condio de se comportar de forma distinta dos animais 7.

    Como j vimos, alm dele outros pensadores dentro da histria antiga e recente

    tambm defenderam uma posio de destaque do homem baseada somente na

    razo. No entanto no podemos reduzir a superioridade do homem sua razo,

    pois fazendo uma anlise comparativa com as demais criaturas, vemos que a razo

    do homem no est desvinculada das outras caractersticas ontolgicas e corporais

    que possui. Sendo assim podemos afirmar que ela consiste na fora orgnica que

    mediante a influncia social, e sobretudo, a providncia divina, funciona como um

    motor, impulsionando todas as capacidades humanas a entrarem em ao.

    Ao falar de uma anlise comparativa entre o homem e o restante da criao,

    e assim descrever a grande superioridade do homem, Pannenberg cita o grande

    erudito Johann Gottfried von Herder8, que a seu ver desempenhou uma importante

    influncia no pensamento antropolgico, de modo que pode ser considerado o pai

    da antropologia moderna. Herder parte da constatao que o homem tem uma

    6Pannenberg ressalta tambm em sua abordagem que o principio da dignidade do homem estpresente nas diversas declaraes modernas de direitos humanos, cf. Wolfhart Pannenberg, TS2, p.205.7PANNENBERG, W., TS2, p. 204.8Cf. http://pt.wikipedia.org/wiki/Johann_Gottfried_von_Herder, 06/01/2009. Johann Gottfried vonHerder foi um filsofo e escritor alemo que nasceu no ano de 1744 em Mohrungen, Prussiaoriental, morreu em Weimar no ano de 1803. Estudou em Konigsberg teologia, fiosofia, emedicina, onde teve a oportunidade de assistir as aulas de Kant, sendo nomeado pastor, ensinouem Riga e depois tornou-se pregador. Aps diversas obras sobre a arte e a linguagem,especialmente: Ensaio sobre a origem da linguagem, de 1772, Herder publicou suas prinicpaisobras: Outra Filosofia da Histria para a educao da humanidade de 1774 e Idias sobre a

    filosofia da histria da hmanidade 1784 a 1791. Segundo ele todo o universo poderia serentendido a partir de uma perspectiva histrico-evolutiva, pois considerava a histria humanaregida por um princpio imanente inteligente.

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    caracterstica ontolgica que o diferencia do restante da criao, caracterstica que

    consiste na sua abertura ao mundo. Baseado ento nas concluses de Herder,

    Pannenberg ressalta a dignidade do homem em contraste com a vinculao que ata

    os animais ao ambiente em que vivem9. Dessa forma, o conceito de abertura ao

    mundo exerce uma funo importantssima nas concluses teolgicas de nosso

    autor, porque a transcendentalidade marca o diferencial do homem, ou seja, sua

    dignidade e o fundamento de sua postura no mundo.

    Pannenberg em parte fundamenta seu posicionamento em Herder, que

    afirma que os animais esto presos por uma necessidade genrica a um ambiente

    exterior predeterminado. Nessa questo no podemos deixar de dizer que

    Pannenberg recorre tambm s concluses das cincias zoolgicas, que afirmam

    ainda que os animais no percebem o mundo ambiente na sua plena riqueza,

    porque a sua percepo do mundo est limitada somente ao que significativo

    para os seus instintos10. Essa questo to relevante para Pannenberg que,

    segundo ele, ela determina tanto a estrutura biolgica do homem como a dos

    animais.

    Nos animais, o que tem uma influncia determinante so os instintos, pois

    so eles que mediam e determinam a sua percepo do mundo. Assim, diante dos

    sinais perceptveis pelos seus instintos, eles tm sempre uma reao prevista, ou

    seja, programada biologicamente11. Vale ressaltar que a influncia de seus

    instintos to forte, que eles s vivem o que j de antemo conhecem do mundo

    numa forma de percepo e comportamento herdados12. Aprofundando ainda mais

    essa diferena entre os homens e os animais, Pannenberg menciona o

    behaviorismo13, uma corrente cientfica que interpretou o homem a partir de sua

    9PANNENBERG, W., APT,p. 42.10 PANNENBERG, W. El Hombre como Problema. Hacia uma antropologia teolgica.Barcelona: Herder, 1976.13. Ao citarmos novamente esta obra, usaremos o mesmo critrio queestamos usando com as citaes da Teologia Sistemtica e da Antropologia em PerspectivaTeolgica. Citaremos o nome do autor, a pgina e a abreviao EHcP, para indicar o seu ttulo.11Para exemplificar esta questo, Pannenberg cita a realidade do carrapato que tem apenas trssentidos: da luz, do odor e da temperatura. Sentidos estes que so suficientes para suasobrevivncia, assim ele afirma que as demais espcies de animais no podem conhecer o mundoem sua totalidade, totalidade que somente acessvel ao homem. Cf. Wolfhart Pannenberg, EHcP,p. 13.12Ibidem, p. 14.13Cf. http://www.infoescola.com/psicologia/behaviorismo, 09/01/2009, Behaviorismo, deriva do

    termo ingls behaviour ou do americano behavior, que significa conduta, comportamento. Teoriaque teve incio em 1913, a partir de um manifesto criado por John B. Watson, em que ele defendeque a psicologia no deveria estudar processos internos da mente, mas sim do comportamento,

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    corporalidade. E por conta dessa metodologia imps sobre ele a mesma limitao

    vivida pelos animais e plantas. Pannenberg critica o behaviorismo, dizendo que

    para fazer suas afirmaes, ele precisou ignorar a noo de conscincia e a

    capacidade cognitiva do homem.

    Pois s ignorando a noo de conscincia, o behaviorismo pde adotar uma

    postura to negativa, ou seja, tirar o homem de um lugar de destaque na natureza,

    igualando-o aos demais seres, e afirmando que ele est subordinado aos estmulos

    da mesma forma que os outros seres vivos, estando assim enquadrado no mesmo

    horizonte de possibilidade de reao14. Ao analisar o princpio cientfico que

    consiste em interpretar o homem a partir da sua corporalidade e, sobretudo, a

    partir de sua conduta observvel, Pannenberg afirma que os limites do

    condutismo, em contrapartida servem como argumentos a favor da posio nica e

    destacada do homem na natureza15.

    Isto porque o que mais fcil aceitar a partir das descobertas cientficas o

    contrrio das afirmaes baseadas numa interpretao do homem a partir de sua

    corporalidade. Porque o homem no est na sua experincia do mundo sujeito a

    um ambiente determinado e nem reage somente dentro de uma limitao de

    conduta vinculada ao ambiente que o rodeia16. Ele defende que s o homem tem a

    faculdade de experimentar objetos no verdadeiro sentido da palavra, pois faz parte

    do esprito humano abrir-se, e colocar-se curiosamente diante de algo, deixando-

    se penetrar pelo desejo de entender suas peculiaridades17.

    Ento, para Pannenberg, o mundo ambiente aplicado ao homem no se

    constitui na verdade em fronteiras biolgicas, mas de instituies culturais de sua

    prpria criao18. Dessa forma ao rejeitar as limitaes biolgicas impostas pelo

    behaviorismo, Pannenberg enfatiza que em toda a sua vida o homem segue aberto

    visto que este visvel e, portanto, passvel de observao por uma cincia positivista. Watson conhecido como o pai do Behaviorismo Metodolgico ou Clssico (estmulo-resposta), que cr serpossvel prever e controlar toda a conduta humana, com base no estudo do meio em que oindivduo vive e nas teorias do russo Ivan Pavlov sobre o condicionamento. Skinner, eruditorenomado, props uma postura metodolgica que foi denominada behaviorismo radical, enfatiza aresponsabilidade do meio ambiente pela conduta humana.14PANNENBERG, W., APT., p. 36.15Ibidem, p. 43.16PANNENBERG, W., EHcP., p. 14.17Ibidem, Loc. Cit.18Nessa questo, para facilitar a compreenso do leitor, Pannenberg fala que uma floresta vista

    de forma diferente por um lenhador, por um caador e por um excursionista domingueiro. Almdisso, se um lenhador algum tempo depois se tornar um engenheiro, ele pode ir a floresta e ter amesma sensao de algum que vem somente passear. Cf. Wolfhar Pannenberg, EHcP, p. 14.

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    s possibilidades da existncia humana. E que somente animais e plantas se

    limitam a conhecer o que est determinado pela pertena a sua espcie, pois no

    homem os impulsos no so dirigidos por nascimento, sendo o nico ser capaz de

    desfrutar de independncia em relao aos condicionamentos impostos por

    ambientes e instintos.

    Podemos mencionar aqui a realidade da liberdade, que somente o homem

    entre toda a criao desfruta, assim ela tambm pode ser vista relacionada ao seu

    diferencial dos animais. Pois liberdade e abertura ao mundo esto vinculadas

    fortemente, de modo que no estando predeterminado pelos instintos como os

    animais, o homem exerce a sua condio de decidir como vai buscar saciar sua

    indigncia de Deus19

    . Da o seu lugar de destaque na criao por causa de suaabertura ao mundo e tambm por causa da liberdade desfrutada, fato comprovado

    na prpria estrutura do seu corpo, visto que ela lhe d uma imensurvel vantagem

    em relao aos animais. Por ter os rgos humanos uma grande variedade de

    funes, como o caso da mo, podemos compreender como a estrutura corprea

    do homem lhe permite sempre ter a capacidade de fazer novas e distintas

    experincias com uma larga gama de variantes, como possibilidade para sua

    reao

    20

    . Ento mediante a interveno de excitantes externos que haver navida do homem a polarizao21.

    19PANNENBERG, W., EHcP., p. 14.20Ibdem, p. 15.21Herder com suas consideraes, nos ajuda a compreender melhor a diferena entre a percepoque os homens e que os animais tm do mundo, quando pronunciou a seguinte sentena: aosanimais Deus deu o instinto e na alma do homem gravou a sua imagem, a religio e o sentidohumanitrio. O que nos permite constatar, que de acordo com o seu pensamento, os contornos da

    imagem divina esto prefixados na essncia humana. Porque Deus no entregou o ser humano auma existncia desorientada, na qual ele teria que libertar-se sem outro apoio que o de si mesmo.Assim a realidade de uma criao segundo a imagem e semelhana divina colocou no homem aabertura ao mundo, a racionalidade que gera alm da auto-referncia a predisposio para o auto-aperfeioamento. Vejamos as caractersticas da imago Dei elencadas por ele, que so mencionadaspor Pannenberg em sua obra: Antropologia em Perspectiva Teolgica: os instintos guiam ocomportamento do animal como a imagem divina guia o homem, o instinto e imagem imprimem adireo; ser imagem e semelhana de Deus a noo teleolgica do ser homem enquanto tal. Noentanto no podemos deixar de asseverar a compreenso histrica que ele tem do homem, pois aseu ver no somos homens propriamente dito, mas somos construdos no dia-a-dia; ser imagem esemelhana de Deus e ser homem mesmo vo juntos, de modo que religio e humanidade seacham para ele vinculadas estreitamente; no homem se encontra em princpio to s apredisposio a razo, o humanitarismo e a religio, precisamente porque cada homem se faz

    homem pela fora da educao. Alm das caractersticas acima, Herder lista trs fatoresdeterminantes no processo de humanizao: aTradio e Instruo, que consistem na influnciaque recebemos de outros; aRazo e a Experincia,que so as foras orgnicas que contribuem em

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    Os fatores que influenciam drasticamente as formas vitais de existir so para

    Pannenberg construes humanas, desta forma o modo como o homem vivenciar

    sua abertura influenciado pela educao recebida, pelos valores culturais e pelos

    costumes transmitidos. Pois ele capaz de distanciar-se e libertar-se vivendo a

    auteridade, conjecturando como pode lidar com tais construes. Por causa da sua

    liberdade intrnseca, nenhuma circunstncia externa que lhe sobrevenha, opresso,

    calamidade ou maus tratos pode suprimir a dignidade com a qual foi dotado na

    criao. S ele mesmo pode sacrificar essa imagem, desrespeitando a sua

    condio ao levar uma vida contrria ao seu destino divino. Sua dignidade perde-

    se quando peca, ou seja, ao comportar-se indignamente, pois assim deprava sua

    imagem divina e desvia-se do destino determinado pelo seu Criador. Como ainda

    veremos mais a frente, para nosso autor esta atitude de fechamento em relao ao

    seu destino que se configura em pecado a raiz da verdadeira misria do homem,

    visto que ela o aliena de seu destino, como tambm da razo e do propsito de sua

    criao.

    Sua abertura transcendental, marca de sua criao imagem e semelhana

    divina, faz o homem desfrutar de uma posio de destaque na criao, a tal ponto

    que convocado para representar Deus, participando do senhorio divino sobreela22. Essa funo dada por Deus encarada pelo relato sacerdotal como sinal de

    sua proximidade com Ele. Pannenberg tambm lana mo desse argumento para

    expressar a posio de destaque do homem diante da criao23. Mesmo num olhar

    superficial, pode-se perceber a magnitude de sua superioridade em relao s

    demais criaturas. Expe ainda outra evidncia que corrobora essa interpretao da

    diferenciao do homem frente aos demais animais a partir de sua posio de

    destaque, mediante o seu privilgio de dar nome as outras criaturas, funo que

    evidencia as faculdades da linguagem e da inteligncia.

    Dessa forma sua posio de domnio demonstra a sua proximidade com

    Deus que se acha tambm ligada a sua razo. Devido a sua racionalidade e suas

    sua formao, de modo que o homem no est passivo neste processo; aProvidncia Divina,noseu pensamento frisa que os dois fatores acima mencionados, cooperam porque a providnciadivina, atuando atravs deles, plasma o homem na direo da meta de seu destino: a imagem esemelhana de Deus. Assim a influncia dos outros, os impulsos da razo e a experincia doindivduo se coordenam e se convertem em meios para que ele alcance a Deus. Cf. Wolfhart

    Pannenberg, APT., p. 55-57.22PANNENBERG, W., TS2., p. 233.23PANNENBERG, W., EHcP., p. 27.

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    caractersticas corporais, o homem tem condio de reagir positivamente s

    diversas situaes e adaptar-se a elas com inteligncia, capacidade esta que o

    caracteriza como a coroa da criao, o ser mais evoludo e o dono de uma

    condio insupervel24. No entanto, para o relato sacerdotal, o que diferencia o

    homem das outras criaturas a sua posio frente s demais criaturas que se

    expressa na funo de participar do senhorio divino e no mandato de dominar a

    terra.

    Concluso

    Diante do que vimos acima, podemos esclarecer dois pontos de seu

    pensamento: o primeiro o motivo que faz com que Pannenberg conceba a

    superioridade do homem intimamente ligada misso que recebeu de Deus.

    Devido ao fato de que a sua capacidade racional lhe d condio de estar aberto a

    uma gama de possibilidades. Essa realidade que confirma a sua superioridade e

    viabiliza o seu crescente domnio sobre o mundo, vista pelo relato sacerdotal

    como um claro sinal de sua proximidade com Deus.

    Fazendo uma comparao entre as afirmaes de Ccero e a do relato

    sacerdotal, perceberemos que na sua compreenso, Ccero no conseguiu associar

    essa condio nica do homem com algo alm de uma dimenso tica. Por esse

    motivo s falou da obrigao do homem de comportar-se de modo distinto, e

    assim no foi capaz de atingir, como o relato sacerdotal o fez, a riqueza de sentido

    que tem essa dignidade do homem, reduzindo-a somente racionalidade humana.

    O relato sacerdotal afirma que essa posio confere ao homem o status de

    inviolabilidade de sua vida, mesmo no aprofundando seu sentido em relao ao

    seu destino de desfrutar da comunho com o seu Criador25.

    O segundo ponto que se esclarece diante do que acabamos de mencionar e

    aprofundaremos mais a frente que a superioridade do homem consiste num sinal

    de sua proximidade em relao a Deus, estando totalmente vinculada ao seu

    24PANNENBERG, W., TS2., p. 203.25Ibidem, p. 206.

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    destino de viver em comunho com Ele, fator que lhe concede uma vida

    completamente diferente dos animais. Estes no conseguem romper com os

    limites impostos pelos seus instintos que so instrumentalizados pelo meio em que

    vivem. Um bom exemplo dessa diferena est no fato que os animais no tm

    noo de tempo presente, passado e futuro, porque lhes falta a auto-referncia,

    ou seja, a capacidade de se auto-diferenciar diante do outro. Podemos dizer que o

    homem recebeu essa capacidade de auto-referncia, que lhe d uma dignidade

    intransfervel para dominar a terra e se abrir ao que lhe externo, podendo assim

    se pr em comunho com Deus. Desta forma, no raciocnio de Pannenberg, a

    anlise da funo recebida de Deus e da diferena entre ele e todo o restante da

    criao tem uma grande importncia teolgica.

    Ao enfatizar que o destino do homem comunho com Deus foi traado na

    sua criao segundo a imagem divina determinando assim as suas caractersticas

    ontolgicas, Pannenberg frisa que tal destino, pelo fato de conferir ao homem sua

    dignidade, no pode ser encarado como algo externo, e assim nada lhe pode retirar

    a dignidade que corresponde ao homem concreto; as situaes externas podem at

    influenci-lo, mas no priv-lo de sua dignidade. E por fim o que foi dito acima

    nos leva a concluir que as tendncias humanas no esto determinadas a priori esim abertas amplitude do mundo, e essa abertura consiste na dignidade com que

    ele foi criado, e na sua condio de participar do domnio e desfrutar da comunho

    com Deus.

    3.1.2.

    Homem: Unidade Corpo e Alma

    Ao falarmos da unidade que h entre o corpo e a alma humana no

    pensamento de Pannenberg a primeira observao que devemos fazer que para

    ele, o homem no pode de forma alguma ser reduzido a somente uma das duas

    dimenses, o corpo ou a alma. Alm disso, no se pode entender o corpo e a alma

    como duas realidades desvinculadas, como muitas vezes aconteceu na histria e

    no pensamento cristo. Ou at mesmo conceber o corpo como a priso que s

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    termina com a morte, como postulava o platonismo que por muitas vezes

    influenciou a filosofia e a f crist26. Diante dessa influncia platnica, que

    defende uma autonomia da alma frente o corpo, Pannenberg ressalta que essa

    postura vai muito alm do que permitem os modernos conhecimentos cientficos,

    porque hoje as concluses cientficas no nos permitem aceitar e nem sustentar o

    corpo como a priso da alma, nem a autonomia de uma das dimenses ou as duas

    dimenses humanas desvinculadas uma da outra.

    A influncia do platonismo trouxe para o cristianismo o dualismo

    antropolgico, influncia que se deu desde as primeiras reflexes. Ela pode ser

    percebida em Tertuliano que falava do corpo e da alma como duas substncias

    distintas, ainda que vinculadas entre si. No entanto, Pannenberg observa ainda

    que, mesmo tendo o platonismo exercido uma forte influncia no cristianismo, a

    f crist no se rendeu totalmente a ele, pois a concepo moderna da inter-

    relao corpo e alma j se fazia presente na antropologia crist primitiva, desde a

    primeira Patrstica. Assim diante do platonismo que havia se tornado a filosofia

    dominante, a f crist teve condio de afirmar que a alma e a conscincia esto

    profundamente enraizadas na corporeidade do homem.

    A reflexo crist tambm foi capaz de enfatizar uma viso positiva do corpo,

    afirmando que ele, assim como a alma, foi criado bom por Deus, ao sustentar a

    viso de que a unio dos dois consistia no cumprimento da vontade criadora

    divina, e possibilitar ainda a ousada afirmao crist de que o corpo humano no

    um corpo morto, sendo animado em todas as suas manifestaes de vida27.

    Pannenberg em sua anlise da compreenso crist dessa questo frisa que a

    profundidade da viso bblica da unio da alma e do corpo no homem no foi

    alcanada plenamente na antropologia patrstica. Este fato se deveu para ele por

    causa da limitao imposta pelo modelo da unio das duas substncias, e tambmfoi devido grande influncia da doutrina agostiniana, que partia de um substrato

    antropolgico platnico, que fez com que se trabalhasse somente com a idia de

    iluminao, advogando assim uma dependncia da razo com relao luz da

    verdade divina. Desta forma, considerou-se mais uma vez a razo, como uma

    26Ibidem, p. 210.27Ibidem, p. 211.

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    magnitude autnoma apontada para Deus, contendo por conta disso um fim

    sobrenatural28.

    Fazendo tambm um retorno histrico anterior ao perodo do cristianismo

    primitivo, Pannenberg observa que essa concepo dos processos vitais como

    funes das partes essenciais constitutivas do homem e de sua alma, s penetrou

    no pensamento judeu atravs do helenismo29, que identificou o pneuma com a

    sabedoria, ou seja, com o nos humano, conexo esta que tambm conduziu a

    uma interpretao helenizante. Porque ela concebeu a razo do homem como esse

    pneumadivino que lhe foi soprado na criao, identificando o esprito humano

    com a razo que resultou numa aceitao de que h uma parte superior da alma, a

    alma espiritual do homem.

    No entanto, cabe frisar que a teologia crist se distanciou da idia corrente

    da divindade da alma espiritual. Segundo Pannenberg, podemos afirmar isso

    porque diante da divinizao da alma, essa teologia asseverou que todas as

    manifestaes da vida humana inclusive a razo se remetem permanente atuao

    do Esprito divino. Sendo assim, postulou que a atuao do Esprito vivificante no

    homem no pode se identificar somente com a razo, visto que todas as funes

    vitais necessitam ser atualizadas pelo Esprito criador de Deus. Para chegar a tal

    concluso, a primitiva reflexo crist baseou-se no fato de que os escritos

    rabnicos e os paulinos no do base para afirmar que a alma algo divino no

    homem. Essa compreenso paulina explicitada em I Co 2,10 onde o apstolo

    Paulo contrape o Esprito de Deus ao esprito do homem, entendo que a vida

    animada no vive por si mesma, mas pelo Esprito de Deus que a vivifica com seu

    hlito30. Pois o Esprito no sentido bblico no significa o entendimento, e sim a

    fora criadora de vida, explicando o fato que as criaturas sempre esto

    dependentes do esprito-vento ou do hlito divino. Pois s com Ele elas podemcontinuar vivas, o que no significa que o Esprito divino seja uma parte

    constitutiva da criatura31.

    28Ibidem, p. 220.29Ibidem, p. 216.30Ibidem, p. 214.31Pannenberg faz aqui uma observao muito importante, que a Igreja espanhola da antiguidade

    rechaou a afirmao atribuda a Prisciliano, segundo a qual a alma humana seria parte de Deus ouuma substancia divina, pensamento que consonante a doutrina platnica que defende a divindadeda alma. Cf. Wolfhart Pannenberg, TS2.,p. 215.

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    Na Alta Escolstica da Idade Mdia, aprofundou-se essa questo a partir da

    concepo de Toms de Aquino que promoveu um grande avano na antropologia

    crist ao entender a alma como forma substancial do corpo. A sua posio foi

    ratificada pela Igreja em 1312 no Conclio de Viena, que considerou que a alma

    no somente uma das partes constitutivas do homem, sendo sim o que constitui

    o homem enquanto homem na sua realidade corporal32.

    Concluso

    Ao falar do corpo e da alma como uma unidade, o autor por ns estudado

    defende a realidade de mtuas e estreitas inter-relaes entre essas duasdimenses do ser humano. Esta posio endossada a partir da viso que a alma

    no uma parte divina no homem e sim algo que faz parte do ser do homem.

    Assim ao seguir a linha do conceito de Paulo sobre o Esprito, Pannenberg pde

    enxergar o Esprito de Deus em Gen 2,7 como uma participao do Esprito de

    Deus no homem, concebendo que a funo da razo como todas as demais

    manifestaes da vida se remetem permanente atuao do Esprito divino33. Na

    sua viso a ao divina age sobre o ser humano inteiro com o intuito de conduzi-lo a partir das coisas finitas para o infinito.

    3.1.3.

    Abertura ao Mundo

    Agora aprofundaremos em que consiste a abertura do homem ao mundo,

    base da sua condio de destaque e marca da sua superioridade. Esta abertura do

    homem no pensamento de Pannenberg permite afirmar que dentre toda a criao,

    pode-se exigir do homem coisas que no se pode das outras criaturas, vejamos

    quais exigncias Pannenberg elenca: Que ele tenha em conta o mundo em sua

    totalidade mesmo diante de seu carter inacabado; que ele desenvolva uma relao

    com a origem do universo; que ele alcance o destino para o qual foi criado, de

    modo que nele se resuma e consuma o sentido de toda existncia finita.

    32O corpo a adequada expresso da alma. Cf. Wolfhart Pannenberg, TS2.,p.213.33Ibidem, p. 219.

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    O prprio Pannenberg explica estas questes, dizendo que a primeira se

    cumpre no reconhecimento de Deus como o criador do mundo. A segunda e a

    terceira esto intimamente ligadas por causa da sua posio frente criao que

    serve de fundamento para sua realizao definitiva, que se d a partir de uma

    relao adequada entre a criatura e o criador. Pannenberg fala ainda que Herder

    exps a diferena entre o homem e o animal da mesma forma como vem fazendo

    a antropologia atual. Por isso a dinmica da moderna antropologia leva at a

    teologia crist e o seu pensamento fundamental sobre Deus. Assim ele resumiu

    seus resultados:

    1. A abertura ao mundo real no homem conota uma relao com Deus, pois o

    homem tem a Deus como meta por estar sempre projetado para alm domundo.

    2. A abertura da vida humana no se esgota em seu significado reduzida

    apenas cultura.

    A ligao ambiental e vital que caracteriza o animal corresponde, como

    vimos acima, no substrato que permite ao homem uma relao que vai alm do

    mundo natural, alm da cultura, gerando uma dependncia indigente de Deus e

    dando-nos condio de afirmar analogamente com os demais seres que a

    dependncia que o mundo ambiente gera para o animal, Deus gera para o homem.

    Pois assim como os animais so dependentes do ambiente em que vivem,

    ambiente que desperta suas necessidades e as satisfazem, o homem em

    contrapartida dependente de Deus, pois no conhece limites para o seu desejar e

    necessitar34.

    Vinculando a dignidade intrnseca do homem e sua condio em relao s

    demais criaturas, j que foi criado segundo a imagem de Deus, como j vimos

    anteriormente, ressalta-se que tudo isso visa ao destino para qual ele foi criado,

    que tem sua realizao definitiva, no encontro do homem com Deus35. Destino

    este que, como aprofundaremos mais a frente, foi levado a termo de forma

    suprema e insupervel na vida concreta de Jesus de Nazar, que em sua

    34PANNENBERG, W., EHcP.,p. 22.35PANNENBERG, W., TS2.,p. 203.

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    encarnao, manifestou o destino do homem como indivduo e como espcie,

    afirma Pannenberg.

    Nosso autor vai aprofundar ainda mais o sentido religioso da abertura ao

    mundo, ao basear-se no relato javista da criao, chega a dizer que a abertura algo intrnseco do ser humano. Expressa essa verdade ao qualificar a realidade

    total do homem como alma vivente nephesh haya, afirmando que a alma no

    somente o princpio vital do corpo, mas consiste no corpo animado, o ser

    enquanto tal. Ento, ao enxergar o homem por esse prisma, o define como o ser do

    desejo, um ser que est eternamente na busca de suprir uma carncia interna, que

    fundamento de sua abertura ao mundo. Nessa questo Pannenberg cita Arnold

    Gehlen, que deu uma grande contribuio para o seu entendimento ao dizer que ohomem tem uma obrigao indeterminada,que o faz ultrapassar qualquer nvel

    de vida verificada. Sendo essa obrigao indeterminada identificada como o

    impulso da atitude religiosa, afirmando que ela exprime a tendncia infinita do

    homem, sua carncia que no encontra satisfao dentro dos limites acessveis36.

    A sua abertura absoluta a um objeto desconhecido fora de si, que foi

    entendida pela antropologia moderna como abertura ao mundo

    (transcendentalidade), pode ser vista tambm como a religiosidade colocada na

    essncia do homem em sua criao, porque essa abertura que est direcionada

    para um campo que a atrai, e que alarga continuamente o desejo do homem.

    Desejo este que denominamos Deus, pois Ele o objeto de inquietude e da

    infinita indigncia humana. Ento diante da argumentao que vimos acima

    podemos entender porque que a criao do homem segundo a imagem de seu

    criador est intimamente ligada ao seu destino em desenvolver uma relao

    intensa e comunho plena com Ele.

    Ao receber um destino diferenciado das outras criaturas, o homem tambm

    recebeu uma posio de destaque em relao a elas. Posio que fez dele um ser

    diferenciado tanto ontologicamente como em sua estrutura corporal, sendo criado

    como um ser relacional, podendo, alm de desenvolver relao com o infinito,

    desenvolver relao com o finito. Porque ao receber capacidade para desenvolver

    36PANNENBERG, W., EHcP.,p. 22.

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    relaes em diversos nveis, e interagir com a realidade que o cerca, o homem foi

    capacitado para relacionar-se consigo mesmo enquanto pessoa e espcie, e com as

    demais criaturas e com Deus, sendo capaz de cumprir a misso que lhe foi dada,

    que representar no mundo o senhorio do prprio Deus.

    Queremos, ainda nessa questo, citar a contribuio de Agostinho e outros

    pensadores da Igreja mencionados por Pannenberg. Eles descreveram o caminho

    percorrido pela razo humana para conhecer a realidade que a circunda

    (epistemologia). Essas contribuies nos auxiliam a compreender como se d a

    abertura do homem ao mundo, ajudando-nos a entender que a razo humana por

    estar aberta ao conhecer, faz conjecturas (o conhecer especulativo). E esse

    fantasiar da razo humana na verdade est fundamentado numa forma superior dereceptividade, que vai alm do receber as informaes que os sentidos captam37.

    Assim tais pensadores entenderam que o fundamento da razo humana est no

    infinito que a atrai, em algo alm dos dados finitos da conscincia, e ento a

    atitude especulativa (a vida da fantasia) que unifica a receptividade e a liberdade,

    sendo indispensvel atividade da razo. Isso tambm nos ajuda a compreender a

    afirmao que a razo dependente da atuao do Esprito divino para poder ser a

    base da liberdade e subjetividade do homem, ou seja, o fundamento que viabilizaa diferenciao do eu e do mundo.

    Para Pannenberg, s no campo da intersubjetividade e da relativizao do eu

    e do mundo que se pode distinguir o corpo da alma, pois somente frente a alma

    como o mundo interior da conscincia, se acha o corpo38. Esse impulso

    promovido pelo Esprito divino promove a diferena entre o sujeito e o objeto,

    transcendendo-os e dando por conta disso conscincia humana a condio de

    apreender as mais variadas informaes e realidades, viabilizando ento aintersubjetividade. Mais uma vez vale mencionar o contraste da condio do

    homem em relao situao dos animais e plantas. Eles no contm em si esta

    abertura, estando reduzidos a reagir da forma prevista pelos seus instintos, estando

    vinculados totalmente ao ambiente que os rodeia. O homem devido a sua abertura,

    pode ser encarado como um ser religioso, que de posse de sua liberdade relativiza

    37PANNENBERG, W., TS2.,p. 221.38Ibidem, p. 223.

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    todo o finito, e vai alm dele na direo do infinito, realizando assim o seu

    destino.

    De acordo com nosso autor tambm no se pode falar da realizao deste

    destino fora de Jesus Cristo, como aprofundaremos mais a frente, nele toda

    intensa relao do homem com Deus possibilitada e inaugurada pela relao de

    filiao. Pois nenhuma outra forma de relao do homem com Deus capaz de

    super-la, visto que foi a encarnao de Jesus que tornou possvel a todo homem

    participar da filiao de Deus. Conforme diz o Evangelho: ...deu-lhes a

    prerrogativa de se tornarem filhos de Deus (Jo 1,12), ou seja, elevando o homem

    como espcie acima do mundo natural e introduzindo-o na dinmica do amor

    divino. Dinmica que, como veremos a frente, conduz o homem a desenvolver o

    amor em dois sentidos, o vertical (Deus) e horizontal (espcie e a natureza). Por

    isso a dignidade intrnseca do homem est vinculada ao seu destino de estar em

    comunho com Deus. Porque a comunho com Ele o introduz na dinmica do

    amor comunidade de amor, e tirando-o da situao de inimizade em relao a

    Deus e da situao de violncia do homem como espcie.

    Concluso

    Do que vimos acima podemos afirmar que, de acordo com o pensamento de

    nosso autor, essa abertura ao mundo que faz parte da essncia do homem o

    substrato de sua vida religiosa, consistindo no seu princpio espiritual e religioso e

    fazendo ento com que ele, atravs das coisas finitas, chegue at Deus. Podemos

    afirmar ento que o homem abertura por essncia, ficando diante de qualquer

    experincia ou situao ulteriormente aberto para a imagem do mundo e maisalm dela39. Assim a Bblia fundamenta esta caracterstica ontolgica do homem

    no fato de sua criao ter-se dado segundo a imagem divina, vinculando-a ao seu

    destino de ter comunho com Deus, ou seja, com o seu Criador. Podemos ento

    concluir que, quando se ignora a dimenso religiosa do homem, no se consegue

    enxerg-lo em sua totalidade40.

    39PANNENBERG, W., EHcP.,p. 19.40Ibidem, p. 203.

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    3.2.

    Pressupostos Teolgicos

    Na primeira parte vimos em que consiste a realidade humana (pressupostos

    antropolgicos), e de alguma forma tocamos um pouco de seu significado

    teolgico. Mas devido importncia de aprofundarmos no significado teolgico

    das caractersticas ontolgicas do homem e alguns postulados bblicos sobre a

    realidade humana, dedicaremos esta etapa especificamente viso teolgica do

    autor. Inicialmente veremos a sua reinterpretao de Gnesis luz das afirmaes

    neotestamentrias, que consideram Jesus Cristo como a verdadeira imagem de

    Deus. Deixando irreversivelmente de lado a concepo tradicional, que advoga

    um incio da histria humana em que o homem vivia num estado de perfeio e de

    justia original ou graa original.

    Constataremos que Pannenberg chega concluso que o homem nunca foi

    realmente a imagem divina, mas criado segundo ela, baseando-se na contribuio

    de Irineu. Irineu, como j vimos, formulou as seguintes categorias: imagem-cpia

    e imagem-modelo. Ao partir desta compreenso ele pde afirmar que na verdade a

    verdadeira imagem de Deus Jesus Cristo, sendo o homem somente imagem-

    cpia deste, ou seja, sendo criado para alcanar este destino que significa

    converter-se na imagem-modelo que Jesus Cristo. Por isso no poderamos

    deixar de aprofundar nesta etapa a compreenso de Pannenberg sobre o fato que a

    criao do homem segundo a imagem de Deus est profundamente relacionada

    com o seu destino de viver em comunho com Ele, destino que foi interrompido

    por causa do pecado que e tem gerado o fechamento do homem em relao a

    Deus. Assim em sua abordagem, o pecado encarado essencialmente como algoque gera a alienao do homem em relao ao destino para o qual foi criado,

    fazendo com que o homem viva na misria, por estar distante da inteno original

    de Deus quando o criou.

    Caminhando para o final deste captulo, veremos que o nosso autor

    considera o homem sempre moldado pela sua histria, o que significa que o

    homem est sempre em devir, ou seja, um ser inacabado. Alm disso, na

    histria individual que a providncia divina age atraindo-o para Deus, pois ele no capaz de por si s elevar-se e colocar-se de acordo com o seu destino. Deste

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    modo a antropologia teolgica entende a realizao do destino humano, como

    objeto da atuao divina, atuao redentora que est totalmente vinculada sua

    consumao futura, escatolgica. Por isso Pannenberg defende que as afirmaes

    antropolgicas fundamentais da antropologia crist sobre a criao do homem

    imagem divina e sobre o pecado, tomadas em conjunto, constituem o pressuposto

    da mensagem de que Deus redime o homem por Jesus Cristo, a qual consiste

    como veremos na realizao do destino do homem, destino que realiza-se

    prolepticamente em Cristo, dentro da histria concreta da humanidade, possuindo

    ento uma relevncia universal.

    3.2.1.Releitura do Gnesis, Revendo a Concepo do Estado Original

    Para Pannenberg, a doutrina da Imago Dei no pode de forma alguma

    ignorar que Cristo a verdadeira imagem de Deus, imagem em que todos os

    homens devero transforma-se41. Desta forma Jesus de Nazar deve ser visto

    como a realizao do destino do homem, como paradigma de relao com Deus

    que todos os homens devem seguir. Vale ressaltar que este posicionamento de

    nosso telogo est fortemente calcado na sua compreenso de que a criao do

    homem aconteceu segundo a imagem de Deus, visando primeiramente

    comunho com o Criador como defendeu Irineu, o primeiro pensador cristo a

    entender que em Gnesis captulo um; verso vinte e seis; e tambm no captulo

    cinco; verso um e captulo nove; verso seis, no se qualificava o homem como

    feito a imagem de Deus, mas segundo a imagem dEle.

    Por causa desta compreenso, Irineu fez uma distino categorial,

    advogando a realidade de uma imagem de Deus modelo que Cristo e

    classificando a imagem divina presente no homem, como uma imagem baseada

    no diretamente na de Deus, mas, na de Cristo. Concluindo ento que o homem

    uma imagem-cpia dele, a teologia de Irineu alm de fazer uma distino

    categorial entre imagem-modelo e imagem-cpia, fala de uma semelhana em

    41PANNENBERG, W., TS2., p. 241.

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    graus distintos42. Desta forma pde enxergar em Ado a possibilidade de um certo

    grau de semelhana com Deus e tambm a plenificao dessa semelhana somente

    em Cristo, ou seja, maior e total representao do reproduzido43.

    Pannenberg aplica o conceito de imagem na representao de Deus pelohomem entendendo que isso significa que ele foi feito segundo a imagem de

    Deus, mas nem sempre em igual medida ele a representa. Foi partindo deste

    princpio argumenta que a antropologia crist pde conceber no comeo da

    humanidade uma semelhana do homem imperfeita que est destinada perfeio.

    Ainda mais levando em considerao o efeito do pecado, que desfigurou a sua

    imagem, o que corrobora a posio de que a plena representao da imagem de

    Deus s se realizou concretamente na encarnao de Jesus Cristo. O pensamentode Pannenberg ao seguir este raciocnio, deixa muito claro o conceito de devir,

    entendendo que a imagem de Deus no homem est em processo44. Ela plasmada

    na histria da humanidade, num processo vinculado manifestao de sua

    plenitude no Filho. Acontecimento que transformar os homens da humanidade

    inteira na imagem de Cristo, a verdadeira imagem de Deus.

    No preciso ir mais longe para perceber que as afirmaes que vimos

    acima chocam-se fortemente com os posicionamentos da dogmtica clssica tanto

    protestante como catlica que, apesar de suas diferenas, so influenciadas

    fortemente por Agostinho, mostrando que a complexidade deste tema tem gerado

    uma compreenso muito diversificada tanto da imago Dei como do estado de

    42De acordo com Pannenberg em relao imagem-modelo a afirmao bblica um tanto vaga,por causa do termo faamos (primeira pessoa do plural), pois este termo no nos permitedistinguir com total clareza se trata do Criador em pessoa ou unicamente de uma qualidade mais

    geral da divindade, cf. Worfhart Pannenberg, TS2.,p. 249.43Segundo Pannenberg, essa posio de Irineu muito problemtica, primeiramente porque fazdistino entre imagem e semelhana, de modo que, depois da transgresso, Ado pde manter aimagem de Deus mesmo perdendo a semelhana, esta posio no se sustenta devido ao seucontedo e nem exegeticamente. Enquanto o seu contedo porque uma imagem que no mantenhaa semelhana com o imaginado no pode ser imagem, ele cita Toms de Aquino, que distingue emsua exposio sobre este assunto, uma dupla forma de semelhana. Uma semelhana mais geralque no s concerne a relao de imagem e outra acrescentada a idia de imagem, pois a imagempode ser mais ou menos semelhante com o representado. Exegeticamente porque o aparecimentono texto das expresses, imagem e semelhana um paralelismo (leitura da exegese protestantedesde Lutero). Cf. Worfhart Pannenberg, TS2.,p. 249.44Este carter inconcluso da imagem do homem tem sido tambm ressaltado pelos pensadores doRenascimento, Pannenberg cita Pico de Mirandola, pensador dessa poca que enxergava que a

    plena realizao da imagem de Deus s possvel em Jesus Cristo. Ele menciona tambm JohannGottfried Herder que, quase trs sculos depois, assumiu essa concluso, limitando aautodeterminao do homem remetendo-a a atuao da divina providncia.

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    justia original. O contraste, como j foi visto, d-se pelo fato que a dogmtica

    clssica protestante, concebe o estado original do homem como um estado de

    perfeio que foi completamente abalado pelo pecado.

    Desde Lutero, toda a linha majoritria da teologia reformada rechaouqualquer distino entre os termos imagem e semelhana, que em contraste com a

    posio catlica os entendia como sinnimos. Ento identificaram a criao do

    homem imagem de Deus, com a doutrina do estado de graa original de

    Agostinho. Nisso seguiam uma tradio que se distanciava cada vez mais da

    interpretao que Irineu fazia da afirmao do cdigo sacerdotal em Gnesis 1,26;

    como tambm da afirmao neotestamentria da Carta de Paulo aos Colossenses

    3,10, que fala da renovao do crente no conhecimento de Deus, segundo aimagem de Cristo45. Observemos que os reformadores concebiam a imagem de

    Deus no homem, incluindo um estado de justia original (perfeio), que gerava

    comunho com o Criador. Ento segundo o pensamento de Lutero tal estado foi

    totalmente perdido por causa do pecado. Calvino, como vimos teve uma postura

    um pouco menos radical, ao falar no de uma perda, mas de uma tremenda

    deformao causada pelo pecado. Tais posicionamentos tornam necessria para

    todos os reformadores uma restaurao atravs de Cristo, que obra a renovao doser humano e o restabelecimento da comunho, ou seja, daquele estado ou relao

    original antes da queda.

    Na diferena de postura entre Pannenberg e os posicionamentos dos

    reformadores podemos perceber a influncia da concepo evolutiva do ser

    humano, uma influncia do pensamento antropolgico herderiano. Em sua obra:

    Antropologia en Perspectiva Teologica, cita Herder como o ponto de partida da

    antropologia moderna, afirmando que ele j no ano de 1772 com seu escritopremiado intitulado: Der Ursprung der Sprache, distanciou-se da concepo

    teolgica tradicional de sua poca. importante ressaltarmos que Pannenberg em

    sua obra acima tem um tpico somente para falar da diferena entre o pensamento

    de Herder e a dogmtica tradicional.

    45Worfhart Pannenberg, TS2.,p. 243.

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    Com a sua concepo da imago Dei em devir, descarta a viabilidade de se

    sustentar a historicidade de um estado original de perfeio antes do pecado.

    Porque na sua viso a concepo tradicional era problemtica devido ao fato da

    impossibilidade de se coadunar com a concepo evolucionista. No entanto no

    foi Herder, diz Pannenberg, o primeiro a compreender a natureza do ponto de

    vista evolutivo. Antes dele j Marclio Ficino, que foi o fundador do platonismo

    florentino, descartou o estado inicial de perfeio ao interpretar a encarnao

    como o cumprimento perfeito do destino religioso do homem. Esse pensamento

    teve continuidade pelo seu discpulo Pico de La Mirandola, que afirmava que na

    conduta tica de Jesus Cristo a imago Dei alcanou a sua realizao perfeita. De

    modo que ela viabiliza a humanizao do ser humano medida que acontece sua

    assimilao a Deus46.

    Concluso

    De acordo com nosso telogo, a soluo desta questo s possvel atravs

    de um retorno linha de pensamento de Irineu, para entender a superao da

    debilidade originria de Ado. De fato a dogmtica clssica protestante ficou

    abaixo do nvel da compreenso teolgica alcanada por Irineu. Ao contrrio, por

    exemplo, de Schleiermacher, que percebendo tal inconvenincia, fez um retorno

    compreenso de Irineu, afirmando que a manifestao de Cristo deve ser encarada

    como a verdadeira criao consumada da natureza humana47. Cita tambm outros

    telogos e inclusive um conservador, chamado Franz Volkmeier Reinhard que j

    no sculo XVIII, entendeu como insuficiente uma abordagem teolgica quepostula um estado de perfeio original.

    Pannenberg mostra assim que a concepo de um estado de justia original

    vem se tornando cada vez mais inaceitvel na histria. Ainda mais depois que

    houve na Teologia Protestanteo descobrimento do carter lendrio da narrativa

    javista da criao e da queda de Ado, sendo que tais afirmaes foram se

    46Worfhart Pannenberg, APT.,p. 62.47Worfhart Pannenberg, TS2.,p. 244.

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    dissolvendo desde o sculo XVIII, no contexto da Teologia Bblica, fato que

    tornou ainda mais aceitvel a descrio da Imago Dei no como perfeio

    original, mas, como um destino a se realizar48. Dessa forma, Pannenberg afirma

    que luz de uma verificao bblico-teolgica dificlimo sustentar as idias

    dogmticas tradicionais sobre uma perfeio original de Ado antes da queda.

    3.2.2.

    O Ser Imagem de Deus Como Destino do Homem

    Ao vermos que a afirmao de um estado de perfeio original para

    Pannenberg insustentvel, faz-se necessrio que entendamos porque a perfeio

    deve ser vista como destino. Buscando ento aprofundar o contedo deste destino,

    logo de incio devemos reafirmar que o destino do homem est estreitamente

    vinculado sua criao. Esta criao se funda numa dotao original para uma

    comunho com Deus. Partindo deste fundamento teolgico, Pannenberg afirma

    que tanto as caractersticas ontolgicas como a personalidade e as caractersticas

    corporais do homem concreto se fundamentam nesse destino49. Destino que a seu

    ver no est explcito nos escritos veterotestamentrios, pelo fato deles no

    aprofundarem nada alm da condio de domnio dos homens diante das demais

    criaturas.

    Ento ele observa que preciso que se conceba a imago Dei como destino

    vinculado encarnao de Cristo, e Ele sendo visto como a verdadeira imagem de

    Deus. Assim dada a Jesus uma funo maior do que somente retirar da

    humanidade o castigo do pecado, porque ao se enxergar Jesus Cristo como averdadeira imagem de Deus, condiciona-se todo o gnero humano a ter que

    renovar a sua relao com Deus a partir dEle. Pannenberg acrescenta que a imago

    Dei deve ser pensada em parte como dom original e em parte como destino. Pois a

    dissoluo da doutrina do estado original fez com que se encare o homem como

    48Worfhart Pannenberg, APT.,p. 66.49Worfhart Pannenberg, TS2.,p. 232.

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    embudo de um dinamismo que no ainda a sua semelhana atual com Deus,

    mas sua possibilidade.

    Esta compreenso tem a vantagem de conduzir ao aprofundamento do

    significado e da intuio da afirmao do relato sacerdotal, e tambm do sentido

    das afirmaes neotestametrias, que classificam Jesus Cristo como a verdadeira

    imagem de Deus, em consonncia com as palavras do apstolo Paulo (I Co 15,44-

    49). Porque a abordagem bblica panormica, clarifica a mensagem de Jesus

    Cristo no Novo Testamento e vincula a manifestao do Filho de Deus na carne

    para vencer o pecado e a morte. Possibilitando a compreenso da manifestao de

    Cristo como a realizao em si mesmo do destino do homem, que desfrutar da

    comunho com Deus, a partir da condio de filiao trazida por Jesus.

    Pannenberg cita que tambm Toms de Aquino relaciona a imagem de Deus

    no homem com seu destino, pois em sua compreenso o motivo para o qual ele foi

    criado a comunho com Deus, ao afirmar que a imagem de Deus no estado

    original de Ado deve ser entendida como realizao inicial desta imagem que

    seria plenamente realizada em Cristo50. Assim mediante o que vimos sobre a

    argumentao de Pannenberg e de suas citaes at aqui, podemos inferir que o

    destino do homem a ser imagem de Deus foi assumido por Jesus em sua

    encarnao. Isso porque nela tal destino levado a termo, atravs do ser criado

    como distinto de Deus que entra em comunho com Ele51.

    Para Pannenberg, de fato o cdigo sacerdotal deixou em aberto no que

    consiste a semelhana que vincula a imagem-modelo imagem-cpia, fazendo-se

    necessrio vincular o destino do homem com sua criao imagem de Deus, para

    tornar possvel o aprofundamento do sentido desta criao. Assim se evita a sua

    reduo do destino humano na incumbncia de dominar a terra, o que para ele

    uma leitura superficial de Gnesis. Ento afirmando antes de tudo que acomunho com Deus a razo da criao a sua imagem, rompe as barreiras

    impostas pelo cdigo sacerdotal, que condicionou a comunho de Deus com o

    homem aliana feita com Abrao destinada somente para sua descendncia52.

    Ento nosso autor defende que um discurso sobre o homem imagem de

    Deus deve basear-se na semelhana da essncia eterna de Deus. Para isso ele

    50

    Ibidem, p. 252.51Ibidem, p. 266.52Ibidem, p. 252.

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    baseia sua argumentao na literatura sapiencial de Israel, visto que ela

    aprofundou o sentido da imagem de Deus no homem, determinando-a como

    participao em sua glria e em sua incorruptibilidade. Porque ser imagem de

    Deus para a literatura sapiencial significa a participao na sabedoria e na justia

    divina e tambm a comunho com sua essncia imperecvel.

    Assim, se por um lado a interpretao judia relacionava as afirmaes acima

    ao estado de magnificncia da Ado antes do pecado e da morte no mundo, por

    outro lado, o apstolo Paulo encara as afirmaes acima como a manifestao da

    imagem de Deus que aconteceu somente em Cristo, porque a partir de sua

    ressurreio Jesus Cristo inaugurou a realidade da vida nova imperecvel.

    Concluso

    Diante do que vimos podemos afirmar que no pensamento de nosso telogo

    o homem no primeiro momento de sua histria no era ainda a imagem original de

    Deus, pois tal imagem estava antes do pecado vinculada manifestao do Filho,

    que aconteceria dentro da histria concreta humana. Por isso a imagem do

    segundo Ado a imagem do Criador da qual todos os crentes sero revestidos,renovados pela fora do Esprito53. Em Paulo a comunho com Deus apresentada

    pela literatura sapiencial no sentido mais profundo do homem como imagem e

    semelhana de Deus se reinterpreta escatologicamente como destino definitivo do

    homem, manifestado j em Jesus Cristo.

    Essas afirmaes neotestamentrias segundo Pannenberg tm orientado

    desde o incio a compreenso crist da semelhana, como tambm a reformada e

    ps-reformada do homem como imagem de Deus. Mas elas esto fundamentadas

    na esperana escatolgica da ressurreio de Jesus Cristo, de modo que

    desvinculando-as do contexto escatolgico-cristolgico, s se pode falar da

    condio de uma justia original de Ado ou de uma graa original suplementria

    que no condiz com a profundidade das afirmaes vtero e neo-testamentrias.

    3.2.3.

    53Ibidem, p. 253.

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    A Misria Decorrente do Pecado

    De acordo com Pannenberg, ao falarmos sobre a dignidade do homem no

    podemos ignorar a sua realidade existencial de misria, que consiste antes de tudona alienao do homem em relao ao seu destino. Para nosso autor, o discurso

    sobre a misria descreve profundamente a situao de perdio em que se

    encontra o homem, realidade resultante do distanciamento (alienao) de sua

    relao com Deus. Em sua doutrina do pecado, a teologia trata a desobedincia de

    Ado como a origem desta situao de distanciamento do homem. Assim

    pressupe sempre a idia do destino do homem comunho com Deus,

    desenvolvida pela teologia crist em conexo com a afirmao bblica sobre acriao do homem como Imago Dei54.

    No entanto, Pannenberg critica a clssica doutrina do pecado, afirmando que

    ela enfatizou mais a postura incorreta do homem do que a sua conseqncia55.

    Ento devido ao fato de se enfatizar mais o erro do que o seu efeito negativo sobre

    o destino do homem, nosso autor aponta que a explicitao do contedo bblico da

    mensagem crist ficou prejudicada. Para fazer esta crtica se apia na afirmao

    de Agostinho, que diz que muitos so miserveis pelo simples fato de orientarseus esforos para algo que no verdadeiramente digno de amor, ignorando

    assim o seu verdadeiro destino, vivendo por conta disso uma vida vazia e carente

    de sentido56.

    Na realidade quando o homem est alienado de Deus experimenta a pior

    misria que a separao dEle, encontrando-se por causa dessa alienao

    excludo da prpria identidade. Ao colocar a misria do homem estreitamente

    relacionada condio de alienao do destino para o qual foi criado, nosso autor

    enfatiza que o destino de ter comunho com Deus, mostra que a misria fere

    diretamente imagem de Deus com a qual foi criado e o seu lugar dentro de toda a

    criao. Por isso, ao lado do conceito de misria, Pannenberg coloca o conceito de

    alienao, porque medida que o homem se distancia de seu criador, se v cada

    54

    Ibidem, p. 208.55Ibidem, p. 207.56Ibidem, p. 206.

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    vez mais privado das benesses de sua posio de destaque, estando privado de sua

    prpria identidade57.

    Nosso telogo faz uma vinculao entre os termos Misria eAlienao,

    que o comentrio feito pelo tradutor do texto de sua Teologia Sistemtica nos

    ajuda a entender. Conforme diz o tradutor58, o termo alemo que designa misria

    eland, que denota etimologicamente a idia de alienao, como um estrangeiro

    em terra estranha, alheia. Em portugus podemos chegar etimologicamente

    mesma concluso, pois conforme o Novo Dicionrio Aurlio59, a palavra

    alienao a juno dos termos alie = alheio e nao = terra, derivado do termo

    Alienationeproveniente do vernculo latino. Teologicamente o termo pecado

    recebeu a conceituao de misria, resumindo-se no isolamento e na autonomia do

    homem em relao a Deus, em conexo com as conseqncias que dela derivam.

    Devemos por isso, ao falar do pecado, associ-lo abertura do homem, pois

    ao fechar-se em si mesmo, ele reprime esta caracterstica de sua essncia, de

    forma que em sua tendncia pessoal a auto-referncia, corre o risco de fechar-se

    dentro de suas vontades e pensamentos ficando cego para o seu verdadeiro

    destino60. Vale lembrar aqui que Pannenberg em sua teologia caracteriza o

    conceito de pessoa no ato dar-se a si mesmo para o outro, enfatizando a idia de

    dependncia mtua e a condio do homem de insaciabilidade. Porque essa sede

    que o faz sair de si, indo atravs do mundo buscar a Deus, coexiste com uma

    infinita necessidade de lanar-se nessa busca contnua e seguir acoplado numa

    engrenagem de uma realidade externa mensurvel e participvel.

    Esta questo traz tona uma tenso que existe no interior do homem, que

    por vezes faz com que sua marcha para Deus seja interrompida devido forte

    autonomia do eu, fazendo-se necessrio que cada indivduo em sua histria

    concreta encontre o equilbrio entre a auto-referncia e a atitude de sair de si, na

    busca de saciar a sua sede de Deus. preciso que assinalemos aqui dois perigos

    que o homem corre na sua abertura: o primeiro que nem sempre o indivduo, ao

    sair de si com o intuito de saciar sua sede intrnseca de Deus, consegue

    57Ibidem, p. 207.58Juan A. Martinez Camino.59

    FERREIRA, A. B.H., Novo Dicionrio Aurlio. Edio revista e ampliada, Rio de Janeiro: NovaFronteira, 2. Edio, 32. Impresso, 1986, p. 86.60Worfhart Pannenberg, EHcP.,p. 86.

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    conscientizar-se e tematizar o fato de que a sua busca deva ser por Deus. Muitas

    vezes neste af de saciar sua sede ele coloca outros objetivos no lugar de Deus, e

    acaba distraindo-se com eles. O segundo perigo que uma auto-referncia

    demasiada resulta na auto-reduo. Essa atitude que corresponde essncia do

    pecado, pois gera a desordem dos apetites, pois o homem no pode auto saciar-se

    em si mesmo, no pode vivenciar eternamente o conflito que se d entre o eu

    egocntrico e o eu lanado para fora dos prprios horizontes, porque isto resulta

    no fechamento a tudo e inclusive para Deus. Isto porque somente a providncia

    divina pode viabilizar ao homem a harmonia do eu com o outro61. Alm disso,

    esta auto-reduo a si mesmo que o homem perpetua e que consiste na essncia do

    pecado, o conduz alienao de seu destino e a uma realidade aqum de sua

    ontolgica condio.

    Ento vale ressaltar que a teologia crist, ao partir principalmente da

    sublime concepo de Agostinho, considerou sempre que o verdadeiro ncleo do

    pecado estava na auto-referncia do eu que se reduz a si mesmo, consistindo em

    possuir as coisas62. O que pecaminoso, entretanto, no a auto-referncia em si

    mesma, mas essa postura que conduz o homem ao fechamento do eu contra outros

    homens, contra Deus e assim contra o seu prprio destino. A confisso deAugsburgo resume a duas as caractersticas do pecado e nos ajuda a aprofundar

    essa questo: 1) a falta de f pela qual se nega a Deus a f devida e a agradecida

    confiana; 2) e o apetite desordenado pelo qual o homem se faz escravo das coisas

    que deseja, pois o amor do homem a si mesmo o impede de relacionar-se com os

    demais homens. Pannenberg tambm cita a concluso de Kierkegaard, que afirma

    que o pecado no corrompe somente a genuna relao do homem com Deus, mas

    tal corrupo atinge ainda a sua relao com o mundo, com os demais homens e

    tambm consigo mesmo63, pois quando o homem no vive com a confiana em

    Deus, aparece-lhe o medo integral da prpria sorte, diz ele64.

    Por fim, relevante mais uma vez fazermos uma comparao entre a

    condio existencial dos homens e dos animais. No caso dos animais, quando eles

    61Ibidem, p. 92.62

    Ibidem, p. 93.63Ibidem, p. 94.64Ibidem, p. 95.

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    se fecham em si mesmos no significa que eles estejam pecando, devido ao fato

    de que o egocentrismo no faz os animais se distanciarem ou ficarem abaixo de

    seu prprio destino. Mas por sua vez o fechamento do homem em si mesmo se

    configura pecado, porque s nele se d o caso de que a referncia de tudo a si

    mesmo est em contradio com a sua prpria definio da vida que deveria levar

    e da realidade que deveria ser65.

    Concluso

    Diante dessas ltimas palavras podemos afirmar que para o nosso autor as

    afirmaes antropolgicas fundamentais da teologia crist sobre a criao do

    homem imagem de Deus e sobre o pecado, tomadas em conjunto, constituem o

    pressuposto da mensagem bblica que fala da remisso do homem operada por

    Deus em Jesus Cristo. Isso porque o pecado constitui a raiz da misria do homem,

    da sua alienao de Deus e de si mesmo, de modo que s se pode falar de

    redeno na perspectiva de um acontecimento que proporciona liberdade ao

    redimido66. Para isso o Novo Testamento descreve como alienao a situao dos

    pagos enquanto esto excludos da vida de Deus, porque no conhecem o Deus

    verdadeiro e tm endurecido os seus coraes. A anlise de Agostinho que foi

    citada por Pannenberg, ajudou-nos a explicitar esta questo ao afirmar que o

    homem ainda mais miservel por no ter conscincia alguma de sua misria,

    mais ainda que por experimentar a enfermidade, a desgraa e a angstia de morte,

    j que a abundncia dos bens deste mundo no garantem o bem-estar e a

    felicidade, visto que eles no preenchem a vida com um sentido.

    Tambm a patrstica crist, diz Pannenberg, referia-se ao conceito de

    alienao na relao do homem com Deus, como um ser alienado de sua

    identidade67. Dessa forma fica clara a razo da nfase que Pannenberg d ao

    destino do homem ao abordar o conceito de pecado. Porque nada pode retirar a

    65

    Ibidem, p. 96.66Worfhart Pannenberg, TS2.,p. 208.67Ibidem, p. 207.

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    dignidade que corresponde ao homem concreto e retir-lo da comunho com

    Deus. Nenhuma circunstncia externa que lhe sobrevenha, opresso, calamidade

    ou maus tratos, s ele mesmo pode sacrificar essa imagem, essa dignidade ao

    alienar-se de seu destino, o que acontece justamente atravs do pecado. Ao pecar,

    o homem encontra-se desrespeitando sua condio e levando uma vida contrria

    ao seu destino divino. Por isso, ao se comportar indignamente deprava sua

    imagem divina, o que para Pannenberg faz com que a sua dignidade e o seu

    destino se convertam em juzo contra a sua prpria conduta. Com as afirmaes

    que vimos acima, podemos concluir que Pannenberg endossa a sua posio de que

    o pecado a raiz da verdadeira misria do homem, como disse Agostinho. Ele o

    causador de sua alienao em relao ao destino para o qual homem foi criado,

    que est proposto j desde a sua criao nas suas caractersticas ontolgicas.

    3.2.4.

    O Homem Como Histria

    Outro pressuposto teolgico da antropologia de nosso autor a sua

    concepo histrica da experincia humana, e do processo de humanizao. Pois

    em seu ponto de vista a imagem de Deus no homem se constri no processo de

    sua histria individual, o que para ele est conectado concepo de destino do

    homem. Tal conexo resulta da idia de que o destino do homem tenha a ver com

    seu futuro definitivo, com o fim e objetivo de sua criao, visto que a condio de

    imagem de Deus como j vimos refere-se em parte, dotao original do homem

    enquanto criatura e, em parte, s possibilidades s quais ele est aberto.

    Ao sentenciarmos que a imagem divina no homem em parte dom e em

    parte possibilidade, podemos dizer que ele nunca pode ser encarado como um ser

    acabado, ou seja, totalmente formado. Isso porque, devido a sua condio

    ontolgica, est aberto a uma gama de possibilidades podendo a todo momento,

    lanar mo de sua capacidade de fazer diversas experincias com o contexto que o

    cerca. Pode reagir positivamente s diversas situaes que lhe apaream na vida,

    fazendo sua trajetria existencial atravs das coisas finitas com o auxlio da

    providncia divina, exercendo desta forma a sua liberdade para aproximar-se ou

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    distanciar-se cada vez mais do seu criador. Ao tocar nesta questo Pannenberg

    fala sobre a histria das religies, que so um instrumento na anlise das tradies

    religiosas. Procura ver se elas cumprem ou no o papel de humanizao do ser

    humano, o que significa, em outras palavras se o aproximam de Deus e do outro.

    No entanto o fato de que na histria do pensamento cristo entendeu-se que

    a imagem de Deus j estava plenamente realizada no estado original de Ado

    obscureceu a compreenso da imagem divina como destino final do homem que

    aconteceria no processo de sua histria individual68. Porque ao se vincular a idia

    do destino do homem com sua criao imagem de Deus, afirmou-se que o

    destino do homem no se refere unicamente ao seu domnio sobre o resto da

    criao, sendo antes de tudo o destino de desfrutar da comunho com Deus.Citando Karl Barth em sua Kirchliche Dogmatik III/2, Pannenberg fala que se o

    destino do homem vem dado em sua criao imagem de Deus, tambm a

    descrio de tal destino h de ter em conta as implicaes da relao icnica do

    homem com Deus. Assim o homem se acha destinado, por sua origem como

    criatura de Deus, comunho com Ele e vida com Ele. Ento, para Pannenberg,

    o sentido da semelhana com Deus a comunho com Ele porque a comunho

    com Deus antecede as mtuas relaes dos homens entre si e constitui o seufundamento ontolgico69.

    Concluso

    A disposio do homem para seu destino comunho com Deus no

    depende em sua realizao s dele, pois na sua trajetria para seu destino o

    homem no todavia sujeito acabado. Ele por definio um ser histrico que na

    concreticidade da vida e atravs dos acontecimentos externos plasma a sua

    histria pessoal70. Herder, considerado por Pannenberg como o ponto de partida

    68Ibidem, p. 236.69Pois s na relao com Deus, e a partir do futuro escatolgico de seu destino, que se acha uma

    base firme e consistente de uma autodeterminao moral do homem, sua autonomia. Cf. WolfhartPannenberg, TS2, p. 259.70Worfhart Pannenberg, EHcP.,p. 194.

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    da antropologia moderna, disse em aparente analogia com Gehlen que

    propriamente no somos ainda humanos, de forma que chegamos a s-lo dia a dia.

    Essa afirmao uma concepo prxima da idia iluminista do auto-

    aperfeioamento, que pode ser vista tambm em Rousseau, Leibniz e sua escola71.

    Mas, como vimos, pode ser tambm endossada teologicamente a partir da ao do

    Esprito divino que age formando no homem a imagem de Deus, revelada em

    Cristo, ou seja, revestindo-o da imagem de Jesus.

    3.2.5.

    Cristo, a Realizao Prolptica do Futuro do Homem

    O pressuposto teolgico de Pannenberg de Cristo, como a realizao

    prolptica do futuro do homem de fundamental importncia para a compreenso

    de seu pensamento antropolgico. Neste momento somente introduziremos esse

    tema, o aprofundaremos na segunda parte do prximo captulo em que falaremos

    mais sobre Jesus Cristo como o homem genuno. Ao tratar da questo do homem

    como imagem de Deus, Pannenberg parte do pressuposto de que na pessoa de

    Jesus Cristo encontra-se o verdadeiro humano encarnado e tornado possibilidade

    para todos os homens72. Para ele, Jesus o autntico homem que traz em si o

    modelo de relao com Deus, que todo o gnero humano deve seguir, porque a

    partir das afirmaes bblicas, conclumos que o destino do homem a comunho

    com Deus. E pode-se afirmar que na encarnao do Filho eterno na figura de

    homem, a relao da criatura com o criador acha no homem sua suprema

    realizao73. Realizao de plena comunho com Deus, que tira o homem da

    alienao de seu destino e que o ajuda a vencer as conseqncias, o pecado e a

    morte.

    Ento a participao na imagem de Deus manifestada em Jesus Cristo, se

    atribui s aos crentes, pois eles so chamados a participar dela pelo Esprito,

    71

    Worfhart Pannenberg, APT.,p. 54.72Fundamentao Cristolgica de uma Antropologia Crist1973/6, p. 733.73Worfhart Pannenberg, TS2.,p. 203.

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    conforme a primeira carta de Paulo aos corntios; captulo quinze; verso quarenta

    e cinco, visto que em Jesus inaugurado o Reino de Deus, reino em que todos os

    homens so convidados a entrar pelo prprio Deus, ao participarem da

    comunidade do amor. Por causa do tamanho de sua magnitude, Pannenberg

    afirma que a encarnao de Jesus tem uma relevncia antropolgica universal74.

    No entanto nosso autor ainda ressalta que essa questo no se acha totalmente

    desenvolvida nas afirmaes neotestamentrias. E quando se tenta tematiz-la,s

    surge inevitavelmente a tenso devido afirmao do relato sacerdotal, que diz

    que Ado foi criado a imagem e semelhana de Deus.

    E as afirmaes neotestamentrias que classificam Jesus Cristo como a

    verdadeira imagem e a expresso exata de Deus, afirmam ainda que essa imagem comunicada por Ele a todos os homens pelo Esprito, levando a termo o

    processo que foi iniciado na criao relatado em Gnesis 1,2675. Por conta disso,

    no pensamento de Pannenberg a teologia crist precisa ler a afirmao do relato

    sacerdotal tendo em considerao as palavras paulinas e ps-paulinas do Novo

    Testamento, vendo que elas qualificam Jesus Cristo como a verdadeira imagem de

    Deus (II Co 4.4; Col 1.15; Hb 1.3), e falam da reproduo dessa imagem pelo

    crente (Rm 8.29; 1 Co 15.49; 2 Co 3.18)

    76

    .

    Concluso

    Ento o abandono da doutrina do estado original revelou tambm na era

    moderna a fecundidade da concepo crist do homem como histria. Seu ponto

    inicial como abertura para uma determinao ainda incompleta, mostra que o

    homem realmente deve ser entendido como histria77. Uma histria que aponta

    para a salvao manifestada em Cristo, que determina que a imago Dei em sua

    74A constitutiva abertura da vida consciente do homem infinitude do Esprito e sua atuao nose ope ao fato de que os homens se achem em sua vida submetidos a diversas limitaes,inclusive que possam sucumbir diante desta ou daquela forma de persistente limitao, chegandoao encerramento em si mesmo Cf. Wolfhart Pannenberg, TS2,p. 249.75

    Ibidem, p. 225.76Ibidem, p. 224.77CONCILIUM, p. 736.

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  • 7/25/2019 Maxwell-Linhas Gerais Da Antropologia Teolgica de Pannenberg

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    situao inicial deva ser vista como abertura para aquela determinao futura que

    foi plenamente revelada em Cristo. Porque mesmo que os textos acima no

    tematizem explicitamente a relevncia da histria de Jesus Cristo para

    compreenso do homem enquanto tal ainda, assim eles lanam as bases para o

    discurso sobre o homem escatolgico, o segundo homem manifestado em Jesus

    Cristo.

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