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- UNIDADE DE ENSINO SUPERIOR DOM BOSCO MIGRAÇÃO E TRABALHO ESCRAVO NO MARANHÃO 1 Francivaldo Oliveira Marques 2 Kátia Núbia 3 1. DESCRIÇÃO DO CASO. O Caso em analise revela a situação de crianças e adultos encontrados em situação análoga às de escravos na região do município de Codó-Ma. Segundo informações da ONG Repórter Brasil, sete pessoas foram resgatadas dessa situação em fazenda pertencente à empresa Líder Agropecuária Ltda., empresa da família Figueiredo, a qual tem como sócio o deputado estadual Camilo Figueiredo. Na propriedade do deputado desenvolvia-se a criação de gado de corte e a atividade de limpeza de pastos com a retirada de ervas daninha e arbustos. O referido deputado afirmou que a administração da Fazenda pertence ao seu pai, Benedito Figueiredo, ex-prefeito de Codó. Afirma ainda que desconhecia a existência de trabalhadores vivendo nessas condições em sua propriedade. Segundo a Repórter Brasil, na fazenda existiam famílias inteiras vivendo em barracos de palha, bebendo a mesma água que gado. Os trabalhadores resgatados não tinham carteira assinada nem equipamentos de proteção para a execução do trabalho de roço. 1 Case apresentado à disciplina de Sociologia, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco. out. 2012. 2 Discente do 5º Período de Direito na UNDB. 3 Professora, Mestre em Sociologia, orientadora.

MIGRAÇÃO E TRABALHO ESCRAVO NO MARANHÃO

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- UNIDADE DE ENSINO SUPERIOR DOM BOSCOMIGRAÇÃO E TRABALHO ESCRAVO NO MARANHÃO1

Francivaldo Oliveira Marques2

Kátia Núbia3

1. DESCRIÇÃO DO CASO.

O Caso em analise revela a situação de crianças e adultos encontrados em situação

análoga às de escravos na região do município de Codó-Ma. Segundo informações da ONG

Repórter Brasil, sete pessoas foram resgatadas dessa situação em fazenda pertencente à

empresa Líder Agropecuária Ltda., empresa da família Figueiredo, a qual tem como sócio o

deputado estadual Camilo Figueiredo. Na propriedade do deputado desenvolvia-se a criação

de gado de corte e a atividade de limpeza de pastos com a retirada de ervas daninha e

arbustos.

O referido deputado afirmou que a administração da Fazenda pertence ao seu pai,

Benedito Figueiredo, ex-prefeito de Codó. Afirma ainda que desconhecia a existência de

trabalhadores vivendo nessas condições em sua propriedade. Segundo a Repórter Brasil, na

fazenda existiam famílias inteiras vivendo em barracos de palha, bebendo a mesma água que

gado. Os trabalhadores resgatados não tinham carteira assinada nem equipamentos de

proteção para a execução do trabalho de roço.

2. IDENTIFICAÇÃO E ANÁLISE DO(S) PROBLEMA(S).

Desde 1888 a escravidão foi abolida no Brasil, no entanto podem ser verificadas

inúmeras semelhanças do trabalho desenvolvido por fazendas em todo país com o regime de

escravidão do século XIX. Segundo a Organização Internacional do Trabalho, “toda forma de

trabalho escravo é degradante, mas o reciproco nem sempre é verdadeiro. O que diferencia

um conceito do outro, é a liberdade”4. O que leva inúmeros empresários a submeter o ser

humano a situações análogas à escravidão é a buscar por diminuir o custo de produção, com

objetivo de tornar seus produtos mais competitivos no mercado interno e externo. O problema

se agrava devido à pobreza e falta de opções que circundam o trabalhador rural.

Na cidade de Codó pode ser observado que pequenos proprietários que perderam ou

venderam suas terras são obrigados, por necessidades de recursos financeiros, a buscar

1 Case apresentado à disciplina de Sociologia, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco. out. 2012.2 Discente do 5º Período de Direito na UNDB.3 Professora, Mestre em Sociologia, orientadora.4 Conceito de trabalho escravo pela OTI. Disponível em:<http://www.oit.org.br/sites/all/forced_ labour/brasil/projetos/documento.php>.Acesso em 4 de out. 2012.

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- UNIDADE DE ENSINO SUPERIOR DOM BOSCOtrabalhos em fazendas onde são tratados como escravos5. Quanto a esta situação Moura

(2009) afirma:

“[...] defendemos a tese de que esses trabalhadores são escravos antes mesmos de serem encontrados em situações precárias de trabalho: são escravos da precisão, isto é, dessa condição de carência de recursos mínimos para da manutenção da economia familiar.”

Ressaltasse que a perda das terras veio simultaneamente com o incentivo do Governo

Federal via SUDENE para expansão da agropecuária na região. Desta forma trabalhadores

que viviam no campo, em municípios próximo a Codó, acabaram sendo deslocados para as

chamadas pontas de rua, onde vivem em péssimas condições financeiras6. Em meio a esta

situação, nota-se que as falsas vantagens oferecidas pelos empregadores, induzem os

trabalhadores a aceitar o emprego nas fazendas.

A conduta praticada pelos fazendeiros, expondo os trabalhadores a situações

degradantes e sem a justa remuneração, é tipificada como crime. O CPC em seu art. 149 prevê

penas que variam entre dois a oito anos de reclusão, podendo ser agravada quando cometida

contra criança ou adolescente, ou por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou

origem, além de multa. O próprio CPC traz o termo de condição análoga à de escravo, uma

vez que são situações onde os empregadores muitas vezes apropriam-se de forma coativa da

documentação dos empregados e os ameaçam. Impossibilitando-os de deixarem a

propriedade, por esses e por outros fatores, desta forma são submetidos as mais duras

condições de trabalho. Tratando sobre este crime Aníbal Bruno afirma que a conduta

delituosa fere a liberdade, “destruindo o pressuposto da própria dignidade do homem, que se

opõe a que ele se veja sujeito ao poder incontestável de outro homem, e, enfim, anulando a

sua personalidade e reduzindo-o praticamente a condição de coisa” (DELMANTO, 2001)7.

Há de se lamentar que mesmo diante de lei penal vigente, criminalizando tal conduta,

não se tenha no Brasil uma eficácia quanto às punições dos acusados. A situação se perfaz por

se discutir no país se o juízo competente para julgar referidos casos, seria a Justiça comum

dos estados ou a Justiça Federal. Observasse ainda que a inércia para punir não esta apenas no

judiciário. O Projeto de Emenda Constitucional 438/2001, que prevê o confisco de terras onde

for encontrado trabalho escravo, tem sido barrado pela bancada ruralista no Congresso

Nacional. Faz-se mister salientar o discurso do ex-presidente da Câmara dos Deputados

5 Moura, Flavia de Almeida. Escravos da precisão: economia familiar e estratégias de sobrevivência de trabalhadores rurais em Codó (MA). São Luís: Edufma: 2009.6 Op. cit.7 DELMANTO, Celso. Código Penal Comentado. São Paulo: Renovar, 2001.

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- UNIDADE DE ENSINO SUPERIOR DOM BOSCOSeverino Cavalcanti, proferido em 2 de março de 2004, o qual demonstrava total apoio aos

grandes latifundiários que subjugavam seus trabalhadores às condições de escravos.

Para as Ciências Sociais essas situações degradantes, as quais são submetidas os

trabalhadores, são tidas como trabalho escravo contemporâneo, o que revela mais uma faceta

do capitalismo. Em tais condições a um cerceamento da liberdade do trabalhador, não se trata

só dá liberdade de ir e vir, mas da liberdade de se desligar do trabalho. A presença de

capangas armados, relevam as semelhança à situações vividas pelos escravos no Brasil

colônia. A base da escravidão contemporânea é cometida através de dividas as quais são

adquiridas pelos trabalhadores, quando seus patrões empregam meios fraudulentos nas

prestações de contas8. Destarte, SAKAMOTO (2008) defende a ideia de que a escravidão

contemporânea tem seus fundamentos na busca pelos lucros:

[...] Se analisarmos o trabalho escravo no Brasil, veremos que o relatório de fiscalização do Ministério do trabalho e Emprego mostra que os empregadores envolvidos nesse tipo de exploração, na grande maioria das vezes, trabalham com tecnologia de ponta e fornece com modities (produtos) para o mercado nacional e internacional,[...]. Desse modo, essa escravidão existe sob influência direta da economia de mercado e dela depende. Isso revela que a utilização do mercado escravo contemporâneo não é resquício(fragmento) de antigas práticas econômicas que sobreviveram provisoriamente ao capital, mas um instrumento para o capital facilitar a acumulação, a aquisição de riquezas, durante um processo de modernização.(SAKAMOTO,2008)9.

Segundo Karl Marx o trabalho humanizaria o homem, suas ideias socialistas eram

contrarias ao sistema capitalista que tinha como fundamento a busca incessante por lucros,

colocando os trabalhadores sempre em situação de exploração. Para Marx o trabalho deveria

servir ao homem. Mesmo em meio a grandes revoluções no âmbito do direito do trabalho,

percebe-se que as ideias defendidas por este grande sociólogo só rementem a uma verdade

que perdura de sua época até os nossos dias: “Sem sombra de dúvida, a vontade do capitalista

consiste em encher os bolsos, o mais que possa. E o que temos a fazer não é divagar acerca da

sua vontade, mas investigar o seu poder, os limites desse poder e o caráter desses limites”.

(MARX, 2006)10.

3. SOLUÇÕES POSSÍVEIS

8 SAKAMOTO, Leonardo. Brasil - O trabalho escravo reinventado pelo capitalismo contemporâneo. Dia a dia educação. Entrevista especial com o cientista político Leonardo Sakamoto. 15/08/2008. Disponível em: < http://www.sociologia.seed.pr.gov. br/modules/noticias/article.php?storyid=129>. Acesso em: 05 de out. 2012.9 Op. cit.10 MARX, Karl; ENGELS, F. Manifesto do Partido Comunista. 10. ed. São Paulo: Global, 2006.

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- UNIDADE DE ENSINO SUPERIOR DOM BOSCONa busca por soluções para a escravidão contemporânea, pode se pensar na

aprovação do Projeto de Emenda à Constituição, a PEC 438/2001, seria um passo

fundamental, pois o seu conteúdo versa sobre a expropriação de terras, as quais não estejam

cumprindo sua função social e sim servindo de campos de escravidão trabalhista. Aponta-se

ainda que a união de alguns órgãos e criação de políticas públicas que possam reprimir ou

erradicar este tipo de prática bem como realizar fiscalizações para que possa ser aplicado o

art. 149, CPB, seria a forma de afastamento deste delito, cabendo, à Justiça Federal,

competência já decidida pelo STF, o mérito de julgar as condições análogas à de trabalho

escravo.

Portanto, é válido ressaltar que o foco de tal projeto de lei seria uma forma viável de

atingir os “escravagistas contemporâneos”, no intuito de reprimir ou inibir certas atitudes

buscando alcançar extinção do trabalho escravo, impondo-lhes ainda a pena prevista para o

crime de escravidão, uma vez que os mesmos estariam na iminência de perder além da

liberdade a propriedade a qual se destinava tal prática.

Outra forma de eliminar de vez este problema social, seria uma iniciativa do Estado,

com relação à implantação de políticas públicas, que permeassem as áreas da educação, afim

de que os trabalhadores pudessem alcançar um determinado nível de instrução, capacitando-

os para obterem empregos dignos, afim de não necessitarem recorrer à subempregos.

Desta forma, qualificando a mão de obra e especializando os trabalhadores, evitariam

que os mesmos, embora em algum momento, se encontrassem na situação de desemprego,

não ficariam tentados em retornar às condições de escravidão, uma vez que teriam a

oportunidade de pleitearem novas vagas, sendo detentores de mão de obra qualificada, pois, o

que se observa é que muitos destes trabalhadores que são retirados de locais onde trabalhavam

em regime de escravidão, retornam aos mesmos ou à semelhantes, pelo fato de não

vislumbrarem novas oportunidades e viverem em condições de extrema pobreza. Assim

segundo aponta as estatísticas do Departamento de Inspeção do Trabalho, cerca de 40% dos

trabalhadores libertados nos últimos anos já foram resgatados mais de uma vez em outras

operações. (BICUDO, 2008).

REFERÊNCIAS

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- UNIDADE DE ENSINO SUPERIOR DOM BOSCOBICUDO, Hélio. Reflexões Sobre Trabalho Escravo no Brasil. Trabalho Escravo Contemporâneo no Brasil: contribuições críticas para sua análise e denúncia. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2008.

BRASIL. Código Penal. Colaboração de Antonio L. de Toledo Pinto, Márcia V. dos Santos Wíndt e Lívia Céspedes. 39. ed. São Paulo: Saraiva 2001.

BRASIL. STF. RE 398041. Relator: Min. Joaguim Barbosa. 30 de novembro de 2006. Disponivel em: < http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&doc ID=570361>. Acesso em: 4 de out. de 2012.

CERQUEIRA, Gelba.; et al. (Org.). Trabalho Escravo Contemporâneo no Brasil: contribuições críticas para sua análise e denúncia. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2008.

DELMANTO, Celso. Código Penal Comentado. São Paulo: Renovar, 2001.

ESTERCI, Neide. Escravos da desigualdade: estudo sobre o uso repressivo da força de trabalho hoje. Rio de Janeiro: CEDI, 1994.

MARX, Karl; ENGELS, F. Manifesto do Partido Comunista. 10. ed. São Paulo: Global, 2006.

MOURA, Flávia A. Escravos da Precisão: economia familiar e estratégias de sobrevivência de trabalhadores rurais em Codó (Ma). 2006. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais)-Universidade Federal do Maranhão, São Luís, 2006.

SAKAMOTO, Leonardo. Brasil - O trabalho escravo reinventado pelo capitalismo contemporâneo. Dia a dia educação. Entrevista especial com o cientista político Leonardo Sakamoto. 15/08/2008. Disponível em: < http://www.sociologia.seed.pr.gov. br/modules/noticias/article.php?storyid=129>. Acesso em: 05 de out. 2012.