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- UNIDADE DE ENSINO SUPERIOR DOM BOSCOMIGRAÇÃO E TRABALHO ESCRAVO NO MARANHÃO1
Francivaldo Oliveira Marques2
Kátia Núbia3
1. DESCRIÇÃO DO CASO.
O Caso em analise revela a situação de crianças e adultos encontrados em situação
análoga às de escravos na região do município de Codó-Ma. Segundo informações da ONG
Repórter Brasil, sete pessoas foram resgatadas dessa situação em fazenda pertencente à
empresa Líder Agropecuária Ltda., empresa da família Figueiredo, a qual tem como sócio o
deputado estadual Camilo Figueiredo. Na propriedade do deputado desenvolvia-se a criação
de gado de corte e a atividade de limpeza de pastos com a retirada de ervas daninha e
arbustos.
O referido deputado afirmou que a administração da Fazenda pertence ao seu pai,
Benedito Figueiredo, ex-prefeito de Codó. Afirma ainda que desconhecia a existência de
trabalhadores vivendo nessas condições em sua propriedade. Segundo a Repórter Brasil, na
fazenda existiam famílias inteiras vivendo em barracos de palha, bebendo a mesma água que
gado. Os trabalhadores resgatados não tinham carteira assinada nem equipamentos de
proteção para a execução do trabalho de roço.
2. IDENTIFICAÇÃO E ANÁLISE DO(S) PROBLEMA(S).
Desde 1888 a escravidão foi abolida no Brasil, no entanto podem ser verificadas
inúmeras semelhanças do trabalho desenvolvido por fazendas em todo país com o regime de
escravidão do século XIX. Segundo a Organização Internacional do Trabalho, “toda forma de
trabalho escravo é degradante, mas o reciproco nem sempre é verdadeiro. O que diferencia
um conceito do outro, é a liberdade”4. O que leva inúmeros empresários a submeter o ser
humano a situações análogas à escravidão é a buscar por diminuir o custo de produção, com
objetivo de tornar seus produtos mais competitivos no mercado interno e externo. O problema
se agrava devido à pobreza e falta de opções que circundam o trabalhador rural.
Na cidade de Codó pode ser observado que pequenos proprietários que perderam ou
venderam suas terras são obrigados, por necessidades de recursos financeiros, a buscar
1 Case apresentado à disciplina de Sociologia, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco. out. 2012.2 Discente do 5º Período de Direito na UNDB.3 Professora, Mestre em Sociologia, orientadora.4 Conceito de trabalho escravo pela OTI. Disponível em:<http://www.oit.org.br/sites/all/forced_ labour/brasil/projetos/documento.php>.Acesso em 4 de out. 2012.
- UNIDADE DE ENSINO SUPERIOR DOM BOSCOtrabalhos em fazendas onde são tratados como escravos5. Quanto a esta situação Moura
(2009) afirma:
“[...] defendemos a tese de que esses trabalhadores são escravos antes mesmos de serem encontrados em situações precárias de trabalho: são escravos da precisão, isto é, dessa condição de carência de recursos mínimos para da manutenção da economia familiar.”
Ressaltasse que a perda das terras veio simultaneamente com o incentivo do Governo
Federal via SUDENE para expansão da agropecuária na região. Desta forma trabalhadores
que viviam no campo, em municípios próximo a Codó, acabaram sendo deslocados para as
chamadas pontas de rua, onde vivem em péssimas condições financeiras6. Em meio a esta
situação, nota-se que as falsas vantagens oferecidas pelos empregadores, induzem os
trabalhadores a aceitar o emprego nas fazendas.
A conduta praticada pelos fazendeiros, expondo os trabalhadores a situações
degradantes e sem a justa remuneração, é tipificada como crime. O CPC em seu art. 149 prevê
penas que variam entre dois a oito anos de reclusão, podendo ser agravada quando cometida
contra criança ou adolescente, ou por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou
origem, além de multa. O próprio CPC traz o termo de condição análoga à de escravo, uma
vez que são situações onde os empregadores muitas vezes apropriam-se de forma coativa da
documentação dos empregados e os ameaçam. Impossibilitando-os de deixarem a
propriedade, por esses e por outros fatores, desta forma são submetidos as mais duras
condições de trabalho. Tratando sobre este crime Aníbal Bruno afirma que a conduta
delituosa fere a liberdade, “destruindo o pressuposto da própria dignidade do homem, que se
opõe a que ele se veja sujeito ao poder incontestável de outro homem, e, enfim, anulando a
sua personalidade e reduzindo-o praticamente a condição de coisa” (DELMANTO, 2001)7.
Há de se lamentar que mesmo diante de lei penal vigente, criminalizando tal conduta,
não se tenha no Brasil uma eficácia quanto às punições dos acusados. A situação se perfaz por
se discutir no país se o juízo competente para julgar referidos casos, seria a Justiça comum
dos estados ou a Justiça Federal. Observasse ainda que a inércia para punir não esta apenas no
judiciário. O Projeto de Emenda Constitucional 438/2001, que prevê o confisco de terras onde
for encontrado trabalho escravo, tem sido barrado pela bancada ruralista no Congresso
Nacional. Faz-se mister salientar o discurso do ex-presidente da Câmara dos Deputados
5 Moura, Flavia de Almeida. Escravos da precisão: economia familiar e estratégias de sobrevivência de trabalhadores rurais em Codó (MA). São Luís: Edufma: 2009.6 Op. cit.7 DELMANTO, Celso. Código Penal Comentado. São Paulo: Renovar, 2001.
- UNIDADE DE ENSINO SUPERIOR DOM BOSCOSeverino Cavalcanti, proferido em 2 de março de 2004, o qual demonstrava total apoio aos
grandes latifundiários que subjugavam seus trabalhadores às condições de escravos.
Para as Ciências Sociais essas situações degradantes, as quais são submetidas os
trabalhadores, são tidas como trabalho escravo contemporâneo, o que revela mais uma faceta
do capitalismo. Em tais condições a um cerceamento da liberdade do trabalhador, não se trata
só dá liberdade de ir e vir, mas da liberdade de se desligar do trabalho. A presença de
capangas armados, relevam as semelhança à situações vividas pelos escravos no Brasil
colônia. A base da escravidão contemporânea é cometida através de dividas as quais são
adquiridas pelos trabalhadores, quando seus patrões empregam meios fraudulentos nas
prestações de contas8. Destarte, SAKAMOTO (2008) defende a ideia de que a escravidão
contemporânea tem seus fundamentos na busca pelos lucros:
[...] Se analisarmos o trabalho escravo no Brasil, veremos que o relatório de fiscalização do Ministério do trabalho e Emprego mostra que os empregadores envolvidos nesse tipo de exploração, na grande maioria das vezes, trabalham com tecnologia de ponta e fornece com modities (produtos) para o mercado nacional e internacional,[...]. Desse modo, essa escravidão existe sob influência direta da economia de mercado e dela depende. Isso revela que a utilização do mercado escravo contemporâneo não é resquício(fragmento) de antigas práticas econômicas que sobreviveram provisoriamente ao capital, mas um instrumento para o capital facilitar a acumulação, a aquisição de riquezas, durante um processo de modernização.(SAKAMOTO,2008)9.
Segundo Karl Marx o trabalho humanizaria o homem, suas ideias socialistas eram
contrarias ao sistema capitalista que tinha como fundamento a busca incessante por lucros,
colocando os trabalhadores sempre em situação de exploração. Para Marx o trabalho deveria
servir ao homem. Mesmo em meio a grandes revoluções no âmbito do direito do trabalho,
percebe-se que as ideias defendidas por este grande sociólogo só rementem a uma verdade
que perdura de sua época até os nossos dias: “Sem sombra de dúvida, a vontade do capitalista
consiste em encher os bolsos, o mais que possa. E o que temos a fazer não é divagar acerca da
sua vontade, mas investigar o seu poder, os limites desse poder e o caráter desses limites”.
(MARX, 2006)10.
3. SOLUÇÕES POSSÍVEIS
8 SAKAMOTO, Leonardo. Brasil - O trabalho escravo reinventado pelo capitalismo contemporâneo. Dia a dia educação. Entrevista especial com o cientista político Leonardo Sakamoto. 15/08/2008. Disponível em: < http://www.sociologia.seed.pr.gov. br/modules/noticias/article.php?storyid=129>. Acesso em: 05 de out. 2012.9 Op. cit.10 MARX, Karl; ENGELS, F. Manifesto do Partido Comunista. 10. ed. São Paulo: Global, 2006.
- UNIDADE DE ENSINO SUPERIOR DOM BOSCONa busca por soluções para a escravidão contemporânea, pode se pensar na
aprovação do Projeto de Emenda à Constituição, a PEC 438/2001, seria um passo
fundamental, pois o seu conteúdo versa sobre a expropriação de terras, as quais não estejam
cumprindo sua função social e sim servindo de campos de escravidão trabalhista. Aponta-se
ainda que a união de alguns órgãos e criação de políticas públicas que possam reprimir ou
erradicar este tipo de prática bem como realizar fiscalizações para que possa ser aplicado o
art. 149, CPB, seria a forma de afastamento deste delito, cabendo, à Justiça Federal,
competência já decidida pelo STF, o mérito de julgar as condições análogas à de trabalho
escravo.
Portanto, é válido ressaltar que o foco de tal projeto de lei seria uma forma viável de
atingir os “escravagistas contemporâneos”, no intuito de reprimir ou inibir certas atitudes
buscando alcançar extinção do trabalho escravo, impondo-lhes ainda a pena prevista para o
crime de escravidão, uma vez que os mesmos estariam na iminência de perder além da
liberdade a propriedade a qual se destinava tal prática.
Outra forma de eliminar de vez este problema social, seria uma iniciativa do Estado,
com relação à implantação de políticas públicas, que permeassem as áreas da educação, afim
de que os trabalhadores pudessem alcançar um determinado nível de instrução, capacitando-
os para obterem empregos dignos, afim de não necessitarem recorrer à subempregos.
Desta forma, qualificando a mão de obra e especializando os trabalhadores, evitariam
que os mesmos, embora em algum momento, se encontrassem na situação de desemprego,
não ficariam tentados em retornar às condições de escravidão, uma vez que teriam a
oportunidade de pleitearem novas vagas, sendo detentores de mão de obra qualificada, pois, o
que se observa é que muitos destes trabalhadores que são retirados de locais onde trabalhavam
em regime de escravidão, retornam aos mesmos ou à semelhantes, pelo fato de não
vislumbrarem novas oportunidades e viverem em condições de extrema pobreza. Assim
segundo aponta as estatísticas do Departamento de Inspeção do Trabalho, cerca de 40% dos
trabalhadores libertados nos últimos anos já foram resgatados mais de uma vez em outras
operações. (BICUDO, 2008).
REFERÊNCIAS
- UNIDADE DE ENSINO SUPERIOR DOM BOSCOBICUDO, Hélio. Reflexões Sobre Trabalho Escravo no Brasil. Trabalho Escravo Contemporâneo no Brasil: contribuições críticas para sua análise e denúncia. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2008.
BRASIL. Código Penal. Colaboração de Antonio L. de Toledo Pinto, Márcia V. dos Santos Wíndt e Lívia Céspedes. 39. ed. São Paulo: Saraiva 2001.
BRASIL. STF. RE 398041. Relator: Min. Joaguim Barbosa. 30 de novembro de 2006. Disponivel em: < http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&doc ID=570361>. Acesso em: 4 de out. de 2012.
CERQUEIRA, Gelba.; et al. (Org.). Trabalho Escravo Contemporâneo no Brasil: contribuições críticas para sua análise e denúncia. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2008.
DELMANTO, Celso. Código Penal Comentado. São Paulo: Renovar, 2001.
ESTERCI, Neide. Escravos da desigualdade: estudo sobre o uso repressivo da força de trabalho hoje. Rio de Janeiro: CEDI, 1994.
MARX, Karl; ENGELS, F. Manifesto do Partido Comunista. 10. ed. São Paulo: Global, 2006.
MOURA, Flávia A. Escravos da Precisão: economia familiar e estratégias de sobrevivência de trabalhadores rurais em Codó (Ma). 2006. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais)-Universidade Federal do Maranhão, São Luís, 2006.
SAKAMOTO, Leonardo. Brasil - O trabalho escravo reinventado pelo capitalismo contemporâneo. Dia a dia educação. Entrevista especial com o cientista político Leonardo Sakamoto. 15/08/2008. Disponível em: < http://www.sociologia.seed.pr.gov. br/modules/noticias/article.php?storyid=129>. Acesso em: 05 de out. 2012.