12
1 Walmir Ayala 9 a edição Ilustrações Simone Matias

Moça Lua e outras lendas

Embed Size (px)

DESCRIPTION

 

Citation preview

Page 1: Moça Lua e outras lendas

1

Walmir Ayala

9a edição

IlustraçõesSimone Matias

Page 2: Moça Lua e outras lendas

2

© da organização, 2012 by André do Carmo Seffrin© das ilustrações, 2012 by Simone Bragança Rodrigues Matias

Direitos de edição da obra em língua portuguesa no Brasil adquiridos pela Editora Nova Fronteira Participações S.A. Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser apropriada e estocada em sistema de banco de dados ou processo similar, em qualquer forma ou meio, seja eletrônico, de fotocópia, gravação etc., sem a permissão do detentor do copirraite.

Editora Nova Fronteira Participações S.A. Rua Nova Jerusalém, 345 – Bonsucesso – 21042-235Rio de Janeiro – RJ – BrasilTel.: (21) 3882-8200 – Fax: (21) 3882-8212/8313

Texto revisto pelo novo Acordo Ortográfico

Editora responsávelDaniele Cajueiro

ProduçãoAdriana TorresAna Carla Sousa

Produtor editorialMauro Siqueira

Fixação do textoAndré Seffrin

RevisãoMariana Freire LopesRodrigo Ferreira

DiagramaçãoCelina Faria

CIP-Brasil. Catalogação na Fonte.Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.

Ayala, Walmir, 1933-1991Moça Lua e outras lendas / Walmir Ayala; ilustrações

Simone Matias. – 9.ed. – Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2012.il.

ISBN 978.85.209.2985-8

1. Conto infantojuvenil brasileiro. I. Matias, Simone, 1975- . II. Título.

CDD: 028.5CDU: 087.5

A976m9.ed.

Page 3: Moça Lua e outras lendas

3

Sumário

Moça Lua 5

A grande chuva 9

A história da boiguaçu 13

A vitória-régia e o beija-flor 17

História do milho 21

Escada de flechas 25

O cavalo encantado 29

A festa no céu 33

A história do urutau 37

A lenda do primeiro gaúcho 41

O graxaim e o gambá 45

A cobra da cidade morta 53

O boi das guampas de ouro 57

As três provas 61

Passeio de N. Senhora 71

O joão-de-barro 75

O cervo dourado 79

O índio curioso 83

A onça e o tamanduá 87

Nota biográfica 91

Page 4: Moça Lua e outras lendas

4

Page 5: Moça Lua e outras lendas

Moça lua

Só havia a noite e o dia. E a noite era tão escura que deixava os homens as-

sustados e aconchegados em suas casas, ao pé do fogo. Na tribo só uma índia

não tinha medo da noite. Ela saía na escuridão e voltava com os cabelos cober-

tos de vaga-lume, e andava na beira do rio e todos ficavam tranquilos porque

ela contava que não havia perigo. A índia era muito branca e não tinha medo

da noite escura.

Havia outra índia de olhar escuro como a noite que não via aquilo com bom

coração. A inveja crescia dentro dela como a urtiga que arde. Um dia tentou

caminhar noite adentro, mas não foi vista e cortou os pés nos gravetos e seixos

da margem do rio. Quando tentou cantar, houve uma revoada de morcegos

escuros, e seu canto era como o riso de hiena. Então a índia invejosa foi falar

com a cascavel:

— Cascavel, preciso do teu serviço.

— Pra o bem, ou pra o mal?

— Pra o mal.

A cascavel bailou feliz. Sua vida e seu veneno estavam a serviço dos maus

trabalhos:

— Que queres que eu faça?

— Que mordas o calcanhar da índia branca.

Page 6: Moça Lua e outras lendas

6

— A que não tem medo da noite?

— Esta mesma.

— Pra matar?

— Que fique escura, verde, velha e muda.

A cascavel mais uma vez saltou de alegria e prometeu:

— Hoje mesmo.

De noite a índia branca foi fazer seu passeio... A cascavel se arrastou e ficou debaixo

de uma pedra esperando. Quando a índia branca passou cantando, a cascavel deu o bote.

Mas a índia branca tinha os pés calçados com duas conchas de madrepérolas e a cobra

quebrou os dentes e perdeu o veneno:

— Índia infeliz, o que fizeste comigo!

— O que pretendias tu fazer comigo?

— Eu ia te fazer escura, verde, velha e muda.

— Fui salva pelo sapato de conchas que o boto me deu.

— E eu fiquei sem dentes e sem veneno.

— Por que querias me transformar? — indagou a índia branca.

— Porque tu és muito linda, e a índia escura não suporta que vivas aqui...

— Ela mandou?

— Ela sofre.

Então a índia branca começou a chorar. E as lágrimas eram gotas de luz, tão leves que

foram flutuando e permaneceram no céu. Todos os índios se espantaram com aquilo... a

noite já era menos escura. Assim a índia branca chorou muito e disse:

— Não posso viver entre os que me odeiam. E passou por cima das águas do rio, até o

outro lado. A cascavel meteu-se num buraco e nunca mais saiu.

A índia branca chegou do outro lado e procurou a coruja:

— Mãe coruja, ajuda-me a chegar ao céu.

— Filha linda, pede e eu farei.

Então a índia branca foi colher cipó e flor-de-manacá. Trançou tudo e fez uma escada

linda como os amores. Pediu à coruja:

Page 7: Moça Lua e outras lendas

7

— Voa bem alto e suspende a escada para que eu possa subir.

A coruja obedeceu e chegou até a porta do céu com a maravilhosa escada. A índia

branca foi subindo. Chegou no céu, acomodou-se numa nuvem e ficou. Estava tão feliz

que a coruja desceu com a escada sem fazer ruído, pois a índia branca, fatigada, dormia.

E nunca mais voltou. Os índios viram então aquela forma reclinada, branca e brilhante,

vagando entre nuvens, rodeada de lágrimas de luz. Disseram:

— A lua, a lua.

A índia escura e invejosa olhou e ficou cega de ódio. Dizem que foi morar na cova da

cascavel, nunca mais foi vista. Moça Lua, no entanto, continua até hoje a povoar a noite.

E os homens sonham, um dia, poder construir uma escada igual à dela, para ir ao seu

encontro.

Page 8: Moça Lua e outras lendas

8

Page 9: Moça Lua e outras lendas

A grande chuva

A culpa foi do quero-quero. Quero-quero é um passarinho que tem lá no

Sul, engraçado, de perna fina e alta, cinzento, e cuida de casa feito cachorro. Pois

o quero-quero gritou tanto noite adentro, fez tanto barulho na casa do gaúcho,

que assustou o dia. O dia resmungou:

— Não entro mais no mundo...

E se meteu com o sol e o céu azul lá longe atrás da luz, numa colônia de

férias com o Negrinho do Pastoreio e Nossa Senhora, sua madrinha. Então a

noite ficou suspensa, furiosa e profunda:

— Este quero-quero me paga.

Passou-se o tempo. E a noite era tão escura que os olhos de todos os animais

foram crescendo e eram como faróis no escuro, e ninguém dormia nem falava

nem cantava. Todos esperavam o dia que não vinha.

O quero-quero teve que fugir, pois todos os animais da floresta queriam

castigá-lo. Andou noite e noite, escuro e escuro, no sem-fim da treva; até que

um dia entrou numa toca, pensando:

— O fogo mora numa caverna, vou encontrá-lo e inventar um sol, e o dia

será meu escravo.

Page 10: Moça Lua e outras lendas

10

Acontece que o quero-quero entrou foi na cova da boiguaçu, cobra grande comedora

de fogo, que dormia há mais de mil anos. Entrou e gritou: Quero-quero! Quero-quero!

A boiguaçu acordou rugindo:

— Quero luz, quero luz...

O quero-quero fugiu espavorido, dando-se conta do que fizera. E a grande serpente,

grossa como um jacarandá, deslizou pela floresta comendo os grandes olhos de todos os

animais. Foi um pânico enorme na floresta.

Em cima de uma desgraça, outra. Tudo por culpa do quero-quero que continuou fu-

gindo, sem destino e sem sossego. Até que um dia, cansado e triste, viu na beira de um

lago o casco verdoso de uma velha tartaruga. As tartarugas eram sábias, viviam pacientes

vendo e ouvindo tudo, sem falar, apenas aprendendo. O quero-quero contou sua desdita

e a tartaruga aconselhou:

— Vamos falar com a chuva, tenho uma ideia.

O quero-quero subiu no casco da tartaruga e nadaram lago adentro. Bem no centro do

lago havia uma escada de cristal, e lá no fundo um jardim de algas, no meio do jardim um

esguicho de água. A tartaruga falou:

— Aquela é a chuva.

O quero-quero chegou para a chuva e contou sua desdita, toda a desgraça que, sem

querer, trouxera ao mundo. A chuva ouviu tudo, depois falou com voz fininha:

— E o que queres agora?

— Falar com o dia, para que ele volte.

— Posso te levar lá, mas o mundo sofrerá muito ainda com minhas águas, e tu não

poderás voltar.

— Concordo em não voltar. Precisamos acabar com a noite e com a boiguaçu.

— Então vamos...

Disse assim a chuva e começou a engrossar aquele esguicho. Logo era uma cachoeira,

um jorro forte que se elevava e inundava tudo. E o quero-quero ia carregado por aquela

força, para o alto, sempre mais para o alto. A inundação no mundo foi terrível, morreu a

metade do reino animal.

Page 11: Moça Lua e outras lendas

11

Mas o quero-quero queria falar com o dia. E chegou do outro lado da lua, e viu o dia

repousando sobre nuvens de todas as cores. E pediu ao dia:

— Dia, volte ao mundo.

— Como ousas vir aqui, pássaro importuno?

— O mundo está perdido se tu não voltares, ó dia!

— Quem não vai voltar serás tu, quero-quero. Qualquer ser vivente que atravessar para

o outro lado da lua nunca mais regressa.

— Eu sabia, a chuva me contou.

— Mesmo assim vieste?

— Eu preciso salvar o mundo que se perdeu por minha causa.

O dia olhou com simpatia para o pequeno quero-quero e disse:

— Isso merece atenção. Teu sacrifício não pode ficar perdido. Voltarei.

No mesmo momento fez um sinal, e as estrelinhas arrumaram duzentas malas do dia,

com luz de diversas qualidades, e mais o crepúsculo e a aurora, e toda a corte do dia pôs-

-se em movimento... A chuva já havia voltado. O dia fez caminhar sua luminosa caravana

em direção à terra. Quando os primeiros raios de luz aclamaram o mundo, a chuva secou,

os animais agradeceram a Deus, e a boiguaçu voltou para sua furna, farta e fatigada, para

mais mil anos de sono.

Tudo resolvido... O quero-quero ficou do outro lado da lua, e contam que foi muito

feliz. De nuvem em nuvem, cantou seu quero-quero! até que o Negrinho do Pastoreio o

levou para o seu campo celeste onde tudo pode ser como é, e a felicidade e o próprio ar

que se respira para sempre.

Page 12: Moça Lua e outras lendas

12