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Modernização da Agricultura no Município de Rio Verde: O Urbano e O Rural, Perspectivas e Discursos Geopolíticos do Velho e do Novo Território. Artigo apresentado no XV Congresso Nacional de Geógrafos USP São Paulo 2008. Dr. Benjamin de Lacerda Júnior Associação dos Geógrafos Brasileiros AGB - Goiânia Universidade Federal de Goiás UFG [email protected] RESUMO O propósito desta pesquisa consiste em analisar a dinâmica da modernização da agricultura e as transformações ocorridas nas últimas décadas no espaço rural e urbano de Rio Verde GO. O processo de modernização da agricultura no Sudoeste Goiano provocou profundas mudanças na produção e na organização do território. Os antigos sistemas de objetos e ações foram amplamente reestruturados com a introdução da ciência, da tecnologia e da informação, resultando na constituição de novos arranjos espaciais, mudanças nas relações sociais de trabalho e nas atividades do campo e da cidade. Há milênios, o homem transforma o espaço para melhor adaptar-se, suprindo suas necessidades de sobrevivência. A ação do homem sobre o meio que o envolve transforma esse espaço em rural e urbano. Durante décadas este binômio foi abordado pelas ciências sociais numa visão dicotômica: o campo, analisado de modo a ser referendado como espaço, por excelência, do arcaico, do atrasado, do velho; a cidade, contrariamente, sendo o espaço do novo, de abertura ao moderno, às novas tecnologias que favoreciam promover de forma mais racional e científica as necessidades sociais. Atualmente essa ótica é fato superado, e no assunto abordado nesta pesquisa, numa perspectiva em que as funções desempenhadas pelo campo e pela cidade se complementam e se complexificam e, o rural e o urbano não podem ser trabalhadas isoladamente. Nesse sentido, a escolha de um referencial teórico-metodológico parte da reflexão sobre a relação campo cidade e suas (re)definições evidenciadas pelas formas como a agricultura e indústria passaram a exercer sobre o uso do território. Palavras-chave: modernização da agricultura, território, relação campo cidade. 1.0 INTRODUÇÃO A escolha da temática para desenvolvimento desta pesquisa deu-se com base em uma reflexão teórico-metodológica de como abordar a relação cidade-campo, sua nova configuração espacial, estabelecida pelo processo da modernização da agricultura em uma perspectiva geográfica no município de Rio Verde. O urbano e o rural eram vistos como lugares que tinham suas particularidade, formas que os conduziam a características próprias por causa das funções e atividades sócio econômicas exercidas e estabelecidas pelo processo de produção capitalista. Com o processo global da economia, o campo passou a exercer atividades não propriamente urbanas, mas atividades e elementos que criam uma dinâmica unilateral de funcionamento. A agricultura passa a depender bem menos das condições naturais para obtenção de

Modernização da Agricultura, urbano e rural

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Analisa a dinâmica da modernização da agricultura e as transformações ocorridas nas últimas décadas no espaço rural e urbano baixo a significação do espaço como processo e produto do modo de produção capitalista

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Modernização da Agricultura no Município de Rio Verde: O Urbano e O Rural, Perspectivas

e Discursos Geopolíticos do Velho e do Novo Território.

Artigo apresentado no XV Congresso Nacional de Geógrafos – USP – São Paulo – 2008.

Dr. Benjamin de Lacerda Júnior

Associação dos Geógrafos Brasileiros AGB - Goiânia

Universidade Federal de Goiás – UFG

[email protected]

RESUMO

O propósito desta pesquisa consiste em analisar a dinâmica da modernização da agricultura e as

transformações ocorridas nas últimas décadas no espaço rural e urbano de Rio Verde – GO. O

processo de modernização da agricultura no Sudoeste Goiano provocou profundas mudanças na

produção e na organização do território. Os antigos sistemas de objetos e ações foram amplamente

reestruturados com a introdução da ciência, da tecnologia e da informação, resultando na

constituição de novos arranjos espaciais, mudanças nas relações sociais de trabalho e nas atividades

do campo e da cidade. Há milênios, o homem transforma o espaço para melhor adaptar-se, suprindo

suas necessidades de sobrevivência. A ação do homem sobre o meio que o envolve transforma esse

espaço em rural e urbano. Durante décadas este binômio foi abordado pelas ciências sociais numa

visão dicotômica: o campo, analisado de modo a ser referendado como espaço, por excelência, do

arcaico, do atrasado, do velho; a cidade, contrariamente, sendo o espaço do novo, de abertura ao

moderno, às novas tecnologias que favoreciam promover de forma mais racional e científica as

necessidades sociais. Atualmente essa ótica é fato superado, e no assunto abordado nesta pesquisa,

numa perspectiva em que as funções desempenhadas pelo campo e pela cidade se complementam e

se complexificam e, o rural e o urbano não podem ser trabalhadas isoladamente. Nesse sentido, a

escolha de um referencial teórico-metodológico parte da reflexão sobre a relação campo cidade e

suas (re)definições evidenciadas pelas formas como a agricultura e indústria passaram a exercer

sobre o uso do território.

Palavras-chave: modernização da agricultura, território, relação campo cidade.

1.0 INTRODUÇÃO

A escolha da temática para desenvolvimento desta pesquisa deu-se com base em uma

reflexão teórico-metodológica de como abordar a relação cidade-campo, sua nova configuração

espacial, estabelecida pelo processo da modernização da agricultura em uma perspectiva geográfica

no município de Rio Verde.

O urbano e o rural eram vistos como lugares que tinham suas particularidade, formas que

os conduziam a características próprias por causa das funções e atividades sócio econômicas

exercidas e estabelecidas pelo processo de produção capitalista.

Com o processo global da economia, o campo passou a exercer atividades não

propriamente urbanas, mas atividades e elementos que criam uma dinâmica unilateral de

funcionamento. A agricultura passa a depender bem menos das condições naturais para obtenção de

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seus bens, constituindo-se como elemento determinante de sua dinâmica.

Ao analisar o campo e a cidade como categoria como elementos importantes nessa

dinâmica, compreendemos também que as relações sociais se intensificam da mesma forma à

medida que o processo ganha complexidade. Trabalhadores rurais e urbanos interagem no campo e

na cidade, configurando uma unidade dialética, manifestando ações de caráter comercial,

administrativo, políticos, culturais e excludente.

2.0 - Território e Modernização da Agricultura

O processo acelerado da modernização da agricultura provoca questionamentos sobre a

apropriação, construção e o uso do território nas décadas de 1970, 1980 e 1990.

Esse desenvolvimento levou a uma rápida reorganização do território. As velhas formas

construídas, no decorrer do desenvolvimento da agricultura pelas relações de poder para sua

manutenção e uso, tiveram de ser substituídas por novas formas, constituindo novos atores do

poder.

A medida que o processo de modernização da agricultura ganha intensidade altera o

território. Essa alteração ocorre no campo e na cidade e ganha uma específica dimensão no seu

conteúdo, porque altera o vivido, as formas materiais, sociais e econômicas do território. O rural e o

urbano adquirem um caráter único nessa transformação deixando funções particulares, assumindo

papel significativo para a racionalidade do desenvolvimento do capital global.

É na lógica da construção e destruição do território que se pretende investigar e analisar os

processos de valorização, produção e reprodução da modernização da agricultura, identificando,

desta forma, elementos que interagem com sua dinâmica.

Tomamos como base de uma concepção de análise da Geografia Política, no sentido de

que ela foi precursora no caminhar do discurso sobre espaço, território, contendo elementos

indispensáveis do pensamento clássico da construção e compreensão do território, assim como sua

forma de análise contemporânea.

Ao longo dos séculos desde a Antiguidade até aos dias atuais, Estado e território caminham

nos ideais políticos dominantes nas sociedades. Nessa longa caminhada, o Estado-Nação delimitou

um processo jurídico-político do território no intuito de legitimar a valorização dos recursos

naturais. O território tornava-se base e fundamento do Estado-Nação.

A Geografia política desencadeou um papel importante com as idéias de Ratzel nesse

momento em que Estado e território consolidavam uma ideologia de segurança nacional e

concepção de território. Sobre essa concepção e ideologia do Estado em relação ao território

(Raffestin1993, p.13) afirma que, segundo Ratzel partiu da idéia de que existia uma estreita

ligação entre o solo e o Estado. Para Ratzel, o elemento fundador, formador do Estado, foi o

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enraizamento no solo de comunidades que exploraram as potencialidades territoriais.

Santos afirma que, até hoje, vivemos com uma noção de território herdada da modernidade

incompleta e do seu legado de conceitos puros. Porém, ao analisarmos o território não só como uma

instância política, mas sob quais ou como outras instâncias estão pré estabelecendo o uso do

território ao longo dos tempos. O território não se vincula necessariamente à propriedade efetiva da

terra, legitimando a posse da terra por parte de instituições e grupos sociais. A apropriação pode

assumir uma dimensão afetiva vinculada às práticas culturais, simbólicas, que identificam grupos

sociais distintos em determinados lugares e tempos históricos.

É o uso do território, e não o território em si mesmo, que faz dele o objeto da análise social.

Trata-se de uma forma impura, um híbrido, uma noção que, por isso mesmo, carece de

constante revisão histórica. O que ele tem de permanente é ser nosso quadro de vida. Seu

entendimento é, pois, fundamental para afastar o risco de alienação, o risco da perda de

sentido da existência individual e coletiva, o risco de renúncia ao futuro. (SANTOS, 1994,

p.15).

A definição mais comum de território e que já foi comentada no início desse tópico, está

relacionada com a superfície geográfica sobre qual se exerce a soberania de uma nação. Essa

definição evidencia que o termo território está ligado a uma extensão de terra sobre a qual o Estado-

Nação exerce o poder.

Esse conceito tem predominado na Geografia Política clássica e prevaleceu na sociedade e

nas ciências políticas e econômicas por muito tempo, não traduzindo a realidade de como hoje o

território é entendido.

Sobre a definição de território, (Raffestin 1993, p.143) afirma que “o território se forma a

partir do espaço, é resultado de uma ação conduzida por um ator sintagmático (ator que realiza um

programa) em qualquer nível. Ao se apropriar de um espaço, concreta ou abstratamente, o ator

‘territorializa’ o espaço”.

Ao posicionar seu conceito de território, Raffestin coloca uma dinâmica do território que

inclui o poder exercido por um ator que movimenta ou produz o território, ou seja, territorializa.

Reforçando a idéia espaço-território-territorialidade, ele lembra Lefebvre, mostrando a

passagem desse mecanismo na utilização do espaço físico modificado e transformado pelas redes,

circuitos e fluxos. Nesse sentido, ele reforça que “o território, nessa perspectiva, é um espaço onde

se projetou um trabalho, seja energia e informação, e que, por consequência, revela relações

marcadas pelo poder”. (RAFFESTIN, 1993, p.143-144).

Nesse contexto em que o território projeta trabalho, energia e informação, manifesta-se o

poder do território. Os atores que obtiverem a posse e administrarem o território exercerão o poder

sobre este.

Partindo dessas ideias, podem-se identificar territórios toda vez que uma coletividade

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humana se apropria de um lugar e ali passa a estabelecer relações de posse e domínio. Essa

concepção leva em conta que um território é apropriação e estabelecimento de relações de poder no

seu interior. Mas também leva a crer que território é muito mais dado pelas relações do que pela

apropriação concreta de determinado lugar. Os territórios são relações de poder que se materializam

no espaço social. É a materialidade do território que também influencia a organização deste. É nesse

momento que (Santos 1996, p.52), quando define espaço como sistema de objetos e de ação,

aproxima-se dessa ideia, ao demonstrar que “o sistema de objetos e o sistema de ações interagem.

De um lado, os sistemas de objetos condicionam a forma como se dão as ações e, de outro lado, o

sistema de ações leva a criação de objetos novos o se realiza sobre objetos preexistentes”.

Sobre a concepção de território como relações de poder materializadas no espaço social,

pode-se pensar em territórios formados por comunidades com autogestão, nas quais são claras as

relações de poder e de apropriação de espaço concreto e contínuo e também em territórios formados

por corporações no processo da modernização da agricultura, que são delimitados por sua

influência, como é o caso da Cooperativa Comigo e a agroindústria Perdigão, instaladas no

município de Rio Verde no final da década de 1970 (Comigo) e 1990 (Perdigão). Incentivada pela

iniciativa estatal e uma série de condições favoráveis para territorializar o município, essa empresas

criaram sistemas de objetos e ações sobre objetos já preexistentes.

Elias (2003, p.331) concebe esse momento de transformações profundas causadas pela

modernização da agricultura no território, como “o Brasil agrícola com áreas urbanas: a cidade do

campo”. A autora chama a atenção para a tecnificação e cientificação de atividades produtivas no

campo, utilizando-se de algumas ideias de Milton Santos.

A adição de produtos químicos, a utilização da biotecnologia, o uso intensivo de máquinas

agrícolas, entre outros, além de mudar a composição técnica e orgânica da terra (Santos,

1994), também fizeram expandir no mundo rural o meio técnico-científico-informacional, o

que explica em parte a interiorização da urbanização, pois além do fenômeno da fábrica

moderna dispersa dá-se também o fenômeno da fazenda moderna dispersa. (ELIAS, 2003,

P. 331-332).

A autora ressalta que essa mudança resulta no crescimento urbano de cidades próximas às

atividades agrícolas modernas e cria uma nova relação entre a cidade e campo.

A agricultura científica faz um novo uso do território à medida que se intensificam as

relações sociais e econômicas de produção. As atividades agropecuárias realizam-se na utilização

intensiva de circulação do capital financeiro, agrário e industrial, revelando a expansão do meio

técnico-científico-informacional e a dinâmica do território.

3.0 - O Conceito de rural e espaço rural e de urbano e espaço urbano

Historicamente, o homem transforma o espaço para melhor adaptar-se, suprindo suas

necessidades de sobrevivência. A ação do homem sobre o meio que o envolve transforma esse

espaço em rural e urbano. Durante décadas, este binômio foi abordado numa visão dicotômica: o

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campo, analisado de modo a ser referendado como espaço, por excelência, do arcaico, do atraso, do

velho; a cidade, contrariamente, sendo o espaço do novo, de abertura ao moderno, às novas

tecnologias que favoreciam prover, de forma mais racional e científica, as necessidades sociais.

Atualmente, esta ótica é fato superado, e o assunto é abordado numa perspectiva em que as funções

desempenhadas pelo campo e pela cidade se complementam.

Mas, o que seriam, afinal, o rural e o urbano? Segundo Solari (1979), à primeira vista, a

definição parece dada, ou seja, quando falamos sobre rural, julgamos que estamos falando sobre

algo bem determinado. Entretanto, a definição de um conceito de rural suscitaria problemas

complexos. As definições Clássicas do conceito de rural partem de uma enumeração de vários

aspectos da realidade que seriam indicadores da situação do local estudado.

Para (1982, p.70-78) espaço rural e espaço urbano se resumiriam da seguinte forma:

no sentido habitual da expressão, espaço rural é o campo. Surgiu na superfície do mundo

por ocasião da “revolução neolítica”, trazendo consigo os primórdios da agricultura e as

primeiras formas de organização do espaço, [...] O espaço rural constitui, e, sobretudo,

constituía, em primeiro lugar, o domínio das atividades agrícolas e pastoris. O espaço

urbano é a superfície ocupada pelas cidades ou pelo menos a superfície necessária ao

funcionamento interno da aglomeração. Compreende as áreas construídas, a rede urbana de

ruas, as implantações de empresas industriais e de transporte, os jardins, os parques de

diversão e de lazer, colocados ao alcance imediato do citadino.

Sabemos que esse conceito de Dollfus insere-se no conceito clássico de rural e urbano,

atribuído pela ciência, pelo Estado, pela literatura e pelo cotidiano ao longo de um processo

histórico, e que, por isso, é carregado de conteúdos de realidades.

Dessa forma, cabe aprofundar mais a complexidade dos conceitos para que possamos ter

melhor compreensão de espaço ou espaços urbanos e rurais a que devemos nos submeter.

Sobre o conceito de espaço urbano, devemos considerar, primeiramente, a noção de cidade

como espaço urbano, nesse aspecto, já encontraremos dificuldades de sua definição, uma vez que os

espaços urbanizados diferem conforme zonas geográficas e os níveis de desenvolvimento e, muitas

vezes, confundem-se, em suas periferias, com as áreas rurais circundantes.

A noção de cidade implica a aglomeração de toda a população, ou seja, a concentração do

habitat e das atividades. Se nas cidades temos várias atividades, isso envolve as especializações das

tarefas que contribuem, sobretudo, para as trocas e a organização social. Tem-se, assim, uma

arrumação dos espaços e dos serviços urbanos, o que presume uma organização coletiva.

Nessa direção e compondo mais elementos para organização da cidade, Carlos (1992, p.60)

assinala que podemos vincular a existência da cidade a, pelo menos, seis elementos: “1) divisão do

trabalho; 2) divisão da sociedade em classes; 3) acumulação tecnológica; 4) produção de excedente

agrícola; 5) um sistema de comunicação e 6) uma certa concentração espacial de atividades não

agrícolas”.

Assim, o espaço urbano, como local permanente de moradia e de trabalho, passa a existir

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quando a produção gera um excedente. Isso ocorre, fundamentalmente, quando a sociedade

apresenta uma estrutura social diferenciada e hierarquizada, bem como melhores índices de

produtividade a partir do seu avanço tecnológico. Nesse espaço urbano, os moradores tornam-se,

principalmente, consumidores e não mais produtores agrícolas. Essa quantidade de produtos, para

além das necessidades de consumo imediato da população, por sua vez, impulsionaria a produção

agrícola realizada nas áreas rurais, criando a divisão do trabalho entre campo e cidade e

incrementando a divisão do trabalho no interior da cidade, mediante a maior diversidade e

especialização das suas atividades.

4.0 - RIO VERDE: das Antigas Formas e Velhas Funções ao Processo de Modernização do

Território

O crescimento das atividades econômicas e, em particular com o advento da modernização

da agropecuária e a incorporação do meio técnico científico-informacional no município de Rio

Verde, nas ultimas três décadas, ocorreu de forma acelerada. Porém, na sua formação inicial e nas

décadas posteriores, até meados dos anos de 1970, o território de Rio Verde vivenciava outras

formas e funções no campo e na cidade. As atividades rurais e urbanas do velho território

desempenhavam papéis distintos deixando claro o caráter de produção e organização.

Analisar o processo da formação econômica, social e política de Rio Verde, suas antigas

formas e velhas funções, bem como as modificações ocorridas na base técnica das atividades

agropecuárias, tem valor primordial, pois, por meio da análise das transformações, torna-se possível

compreender as alterações sofridas no espaço rural e urbano.

Uma reportagem da revista Exame de outubro de 2002, com o título “O Eldorado Goiano”

elaborada pelo repórter Bruno Blecher, chamou atenção pela leitura que a matéria faz das antigas

formas e funções existentes no território de Rio Verde, em relação à territorialidade que a

modernização da agricultura provocou por intermédio da Cooperativa Comigo e da agroindústria

Perdigão. Blecher e o depoimento de um dos atores hegemônicos da territorialidade implantada no

município destacam o seguinte sobre o processo:

Terra do pequi, da galinha com quiabo e da guariroba, o sudoeste goiano incorporou um

novo sabor no cardápio nos anos 70. Levada pelos agricultores do sul do Brasil, a soja não

chegou ao prato, mas mudou radicalmente o tempero da economia da região. Em

dobradinha com o milho, a cultura roubou espaço da pastagem, ocupou boa parte dos

cerrados e atraiu para a região agroindústrias, fábricas de ração, indústria de insumos e

embalagens, revendas de tratores, transportadoras, hotéis, restaurantes e supermercados.O

agricluster1 transformou a antes modorrenta região de Rio Verde numa das que mais

crescem no interior do país. Pouco tempo atrás, Rio verde era uma dessas cidades

fantasmas dos grotões brasileiros, cheia de botecos e cães vadios perambulando pelas ruas

esburacadas. Quem anda hoje pela cidade vê uma paisagem bem diferente, em que se

destacam os novos edifícios em construção. As meninas desfilam suas roupas de grife no

1 O termo agricluster representa uma concentração de empresas e instituições que geram capacidade de inovação e

conhecimento, favorecendo a construção de vantagens competitivas.

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calçadão central, enquanto os jovens agricultores e pecuaristas exibem suas caminhonetes

novas pelas avenidas (REVISTA EXAME, 2002, p.67).

Fica bem claro o resgate do velho território e o novo na reportagem em relação a Goiás e,

em particular, a cidade de Rio Verde, porém a riqueza geográfica que se estabelece só é vista pelo

olhar do geógrafo, pois pelas formas e funções estabelecidas, é possível discutir os fenômenos

espaciais em totalidade. A compreensão da dinâmica social, tendo em vista o entendimento dos

processos de mudança e permanência do uso do solo em determinadas frações do espaço urbano e

rural capitalista, pode ser efetuada com base nesses elementos, discutidos por Santos (1997),

quando trabalha estrutura, processo, função e forma.

Segundo a abordagem de Milton Santos (1997), a forma é o aspecto visível de uma

determinada coisa. Corresponde a um objeto ou a um arranjo ordenado de objetos. Uma casa, uma

favela, uma fábrica, um distrito industrial, uma plantação são exemplos de formas espaciais. A

pesar de serem governadas pelo presente, as formas contêm também um pouco do passado, pois

surgem dotadas de certos contornos e finalidades historicamente contextualizadas.

Cada forma possui uma significação social. Freqüentemente, a forma permanece após ser

criada e usada para desempenhar o papel para o qual foi produzida. Poderá ela, no entanto, assumir

outros papéis em momentos históricos diferentes. Sua destruição ou seu desaparecimento não é

imediato e, ás vezes, torna-se não só indesejável como dispendioso, ou até mesmo impossível.

A função, por sua vez, é a atividade elementar de que a forma espacial se reveste. Sugere,

portanto, uma tarefa ou atividade esperada de uma forma. A relação entre as duas é direta, posto que

uma não existe sem a outra. As funções estão materializadas nas formas, e estas últimas são criadas

com base em uma ou de várias funções.

A forma e a função não podem estar dissociadas de um outro elemento de significativa

importância na organização do espaço, a estrutura. Esta nada mais é do que a inter-relação das

diversas partes que compõem o todo social. Neste sentido, é imprescindível que se compreenda a

estrutura social de cada período histórico para que se entendam as transformações ou inércia das

formas. Corresponde a estrutura à natureza social e econômica da sociedade em determinado

momento histórico. A estrutura, em qualquer ponto do tempo, atribui valores e funções

determinadas às formas do espaço.

Como parte inerente aos elementos acima, o processo é a ação contínua que se desenvolve

rumo a um resultado qualquer. Por isso, envolve conceitos de tempo, continuidade e mudança. O

tempo é considerado como processo e indica o movimento do passado ao presente e deste em

direção ao futuro, tornando-se uma propriedade entre forma, função e estrutura.

Com o processo de modernização da agricultura em Rio Verde, a cidade assume novas

formas ou novas funções em antigas formas. As velhas formas não são preservadas e valorizadas

Page 8: Modernização da Agricultura, urbano e rural

como patrimônio da história de Rio Verde. A soja e agroindústria, modelaram uma nova paisagem,

apagando um passado rico de objetos e ações, que o campo e a cidade criaram em mais de cem anos

de sua existência.

Segundo Doles (1979), do Sul para o Sudeste, as fronteiras são abertas com a participação

do Estado na preparação da infra-estrutura adequada para o ambiente da reprodução do capital.

Surgem a ferrovia, as estradas de rodagem, fábricas, armazéns e cidades. As novas áreas vão sendo

abertas com a plantação rudimentar de culturas de subsistência (arroz, feijão, mandioca e milho),

realizadas nas “terras novas”. Essa produção era realizada logo após a derrubada da mata, e se

faziam dois ou três plantios no mesmo terreno. Logo em seguida, essa área era transformada em

pastagem ou descansavam em média de três anos, para novamente serem semeadas.

Diante desse contexto de desenvolvimento no Estado de Goiás e, em particular, a região

Sudoeste, percebe-se o desenvolvimento do capital no campo e a ampliação da divisão social do

trabalho na sociedade, ficando claros, a partir desse momento, as novas relações entre cidade e

campo, as funções distintas que cada um tomará. Rio Verde insere-se nessa perspectiva, quando

Marx (1971) apud Silva (1998, p. 2):

O fundamental de toda divisão do trabalho desenvolvida e processada através da troca de

mercadorias é a separação entre a cidade e o campo. Pode-se dizer que toda a história

econômica da sociedade se resume na dinâmica dessa antítese [...]. O modo de produção

capitalista completa a ruptura dos laços primitivos que no começo uniam a agricultura e a

manufatura. Mas, ao mesmo tempo, cria as condições materiais para uma síntese nova

superior, para a união da agricultura e da indústria, na base das estruturas que se

desenvolvem em mútua oposição. Com a preponderância cada vez maior da população

urbana que se amontoa nos grandes centros, a produção capitalista, de um lado, concentra a

força motriz histórica da sociedade e, do outro, perturba o intercambio material entre o

homem e terra, isto é, a volta à terra dos elementos do solo consumidos pelo ser humano

[...], violando assim a eterna condição natural de fertilidade permanente do solo [...]. Mas,

ao destruir as condições naturais que mantêm aquele intercambio, cria a necessidade de

restaurá-lo sistematicamente, como lei reguladora da produção e em forma adequada ao

desenvolvimento integral do homem.

A economia de Rio Verde, baseada na agricultura natural que, no começo, unia a

agricultura e manufatura, começa configurar completa ruptura dos laços primitivos na década de

1970 com as transformações técnicas na agricultura Silva (1999, p.3) ressalta:

[...] são portanto, dois processos: um de destruição da economia natural, pela retirada

progressiva dos vários componentes que asseguravam a ‘harmonia’ da produção assentada

na relação Homem-Natureza (e suas contradições); e o outro, de uma nova síntese, de

recomposição de uma outra ‘harmonia’ – também permeada por novas contradições –

baseada no conhecimento e no controle cada vez maior da Natureza e na possibilidade da

reprodução artificial das condições naturais da produção agrícola. A passagem se denomina

industrialização da agricultura.

O município de Rio Verde começa, a conhecer a destruição da economia natural no campo,

para conceber a denominada industrialização da agricultura.

Diante do referido processo de transformação da base técnica, chamado de

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“modernização” Graziano da Silva (1999) denomina de industrialização da agricultura, a

subordinação da natureza ao capital, que, aos poucos libera o processo de produção agropecuária

das condições naturais, passando, na medida do possível, a fabricá-las.

Este momento de transformação nas bases técnicas de produção que permite a

industrialização da agricultura, segundo Graziano da Silva (1980) permite a reunificação da cidade

e do campo convertendo o campo numa fábrica, entendendo a agricultura como um ‘setor

autônomo’ e convertendo-a num ramo da própria indústria.

Este processo também significa mudanças nas relações sociais de produção no campo e na

cidade.

Elias (2003, p.316) denomina o processo de modernização da agricultura de agricultura

científica no qual “o novo modelo de crescimento agropecuário baseia-se na incorporação da

ciência, da tecnologia e da informação para aumentar e melhorar a produção e a produtividade,

culminado em memoráveis transformações econômicas e, portanto, socioespaciais”.

Nos anos de 1970, o município Rio Verde vivenciaram o começo de uma nova fase de

desenvolvimento agrícola. A agricultura científica privilegia áreas, produtos e segmentos sociais,

ocorrendo graves impactos sociais, territoriais e ambientais.

Nesse sentido, a modernização do território de Rio Verde cria um novo contexto nas

últimas três décadas, quando nas palavras de Elias (2003, p.285), o processo iniciou-se com a união

entre ciência e a técnica e

fez proliferar no território brasileiro a instalação de novos objetos e de novas formas

produtivas e normativas. A partir desse momento, a integração do território é acentuada e a

difusão das modernizações promove a irradiação do meio técnico-científico-informacional

(Santos, 1994, 1996). Grandes sistemas técnicos modernos potencializam a produção, a

circulação de dinheiro, informação, mercadorias, idéias, ordens, insumos e pessoas,

possibilitando o alinhamento do país á crescente internacionalização da economia. Entre as

mudanças mais significativas encontramos o crescimento do mercado externo, com a

exportação de produtos agrícolas e industrializados, a modernização do campo e o aumento

da industrialização graças ao aumento da população como um todo e da classe média em

particular.

A partir desses arranjos territoriais, a produção de milho e soja em Rio Verde ganhou

importância, sobretudo, quando se tornou uma das instancias do circuito de produção de grandes

empresas agroalimentares (Perdigão) e cooperativas (COMIGO, Caramuru, Cargill).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho mostrou como o processo de modernização da agricultura, em Rio

Verde, provocou transformações profundas no processo produtivo associado à atividade

agropecuária, modificando os sistemas de ações e de objetos no campo e na cidade.

O campo e a cidade estão sendo amplamente reestruturados com a introdução da ciência,

Page 10: Modernização da Agricultura, urbano e rural

da tecnologia e da informação, resultando em um novo modelo técnico econômico e social de

desenvolvimento agrícola.

As áreas, as culturas e os produtores de Rio Verde que não foram de alguma forma

incorporados ao processo de modernização exercem papéis periféricos ou de exclusão na

organização da produção agrícola que se processa nas últimas décadas. O espaço rural não foi

homogeneizado, uma vez que foi desigualmente atingido pela difusão de inovações agrícolas.

Constitui-se, dessa forma, um espaço seletivo, como uma forte concentração territorial das formas

resultantes do processo de modernização da agricultura acompanhadas da organização do complexo

agroindustrial Comigo e Perdigão.

Pensamos que à medida que as relações sociais se manifestam no território, dão um

significado na sua estrutura e na sua forma. O poder é a forma que mais se expressa, por isso,

dependendo do grau de atuação seus elementos, os atores que executam territorializam e

desterritorializam com maior intensidade.

Os sistemas de objetos e ações são muitos. Tempo, espaço e técnica dão condições

suficientes para aqueles atores hegemônicos do poder, predispostos a uma lógica e a um movimento

capazes de criar ordem para si mesmos e a desordem para o resto. Juntos, esses atores, os sistemas

de objetos e de ações, (re)definem o campo e a cidade.

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