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JUSPODIVMINSTITUTO DE EDUCAO SUPERIOR UNYAHNACURSO DE PS GRADUAO EM DIREITO PBLICO

MAURCIO CARNEIRO PAIM

FUNDAMENTOS JURDICOS PARA AES INTERSETORIAIS EM MEIO AMBIENTE

Salvador 2006

MAURCIO CARNEIRO PAIM

FUNDAMENTOS JURDICOS PARA AES INTERSETORIAIS EM MEIO AMBIENTE

Monografia apresentada ao Juspodivm como requisito parcial para a obteno de grau de Especialista em Direito Pblico.

Salvador 2006

TERMO DE APROVAO

MAURCIO CARNEIRO PAIM

FUNDAMENTOS JURDICOS PARA AES INTERSETORIAIS EM MEIO AMBIENTE

Monografia aprovada como requisito para obteno do grau Especialista em Direito Pblico, Juspodivm, pela seguinte banca examinadora:

Nome:__________________________________________________________ Titulao e instituio:________ _______________________________________

Nome:__________________________________________________________ Titulao e instituio: ______________________________________________

Nome:__________________________________________________________ Titulao e instituio:______________________________________________

Salvador, ____/_____/ 2006

Dedico esse trabalho aos meus pais pelo carinho, incentivo, apoio incondicional e exemplo de carter, aos meus avs pela dedicao e pelos ensinamentos, Renatinha pelo amor e compreenso e ao Luquinha pela alegria contagiante.

AGRADECIMENTOS

Agradeo Deus, pela sade e fora, Cele pelo apoio e compreenso, ao Tio Roberto pelos momentos de descontrao, ao Juquinha pela leal amizade, aos excolegas do Centro de Recursos Ambientais pelos ensinamentos, em especial, ao Dr. Fausto Azevedo, pela confiana e oportunidade de vivenciar as questes ambientais, Dra. Maria Lucia Cardoso, pelo incentivo, aos amigos Ronaldo Martins, Ney Maron, Marcelo Mariano, Ktia Rejane, lvaro Brito, Annamaria Venncio, Cristiane Tosta, Geni Urpia e toda a equipe da fiscalizao pela troca de experincias e pelo aprendizado, ao Curso Podivm, especialmente, ao Prof. Robrio Nunes pelo conhecimento transmitido, Maria Creuza da Silva pelas orientaes referentes utilizao das normas da Associao Brasileira de Normas Tcnicas (ABNT), Professora Margareth Carneiro pela colaborao na reviso da lngua portuguesa e a todos aqueles que de alguma forma contriburam para a consecuo desse trabalho cientfico e para o meu crescimento profissional.

um conhecimento prudente para uma vida decente Boaventura de Sousa Santos

RESUMOA presente monografia tem como objetivo analisar a legislao federal no que se refere defesa e proteo do meio ambiente, discutindo alternativas de planejamento e gesto das aes numa perspectiva intersetorial. Inicialmente, contextualiza o aparecimento da questo ambiental no mbito internacional e no Brasil, em particular; e, em seguida, apresenta uma reviso conceitual sobre intersetorialidade e aes intersetoriais, discutindo possibilidades de incorporao dessas noes pelo Direito Ambiental e pelas polticas pblicas. Desse modo, so identificados dispositivos sobre a questo ambiental, particularmente na Carta Magna, destacando referncias constitucionais explcitas e implcitas. A partir dos fundamentos jurdicos capazes de sustentar a proposio de aes intersetoriais em meio ambiente (AIMA), discute-se a Administrao Federal, o princpio constitucional da eficincia na Administrao Pblica, a Poltica Nacional do Meio Ambiente e o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA). Busca-se tambm identificar nos diversos setores governamentais responsabilidades e aes referentes ao meio ambiente visando demonstrar possibilidades de ao intersetorial. O estudo conclui a existncia de fundamentos legais para a AIMA e aponta possveis metodologias de planejamento e gesto capazes de serem acionadas na formulao e implementao de polticas pblicas pautadas pelo princpio da intersetorialidade. Ressalta que o amadurecimento da democracia e o fortalecimento da cidadania tendem a favorecer o desenvolvimento da AIMA. Palavras-chave: Direito Ambiental; meio ambiente; legislao ambiental; intersetorialidade; aes intersetoriais; polticas pblicas; planejamento; gesto.

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AIMA ANP art. CF CONAMA CTNBio DNPM IBAMA Renovveis ICMS MP OGMs ONGs OPS ONU PNMA SEMA SISNAMA STF STJ SUS TCU

Ao Intersetorial em Meio Ambiente Agncia Nacional do Petrleo artigo Constituio Federal da Repblica Conselho Nacional de Meio Ambiente Comisso Tcnica Nacional de Biosegurana Departamento Nacional de Produo Mineral Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais

Imposto sobre Circulao de Mercadorias e Servios Ministrio Pblico Organismos Geneticamente Modificados Organizaes no governamentais Organizao Panamericana da Sade Organizao das Naes Unidas Poltica Nacional do Meio Ambiente Secretaria Especial do Meio Ambiente Sistema Nacional de Meio Ambiente Supremo Tribunal Federal Superior Tribunal de Justia Sistema nico de Sade Tribunal de Contas da Unio

SUMRIO

1 INTRODUO 2 MEIO AMBIENTE, POLTICAS PBLICAS E INTERSETORIALIDADE 2.1 POLTICAS AMBIENTAIS NO BRASIL 2.2 INTERSETORIARIALIDADE E POLTICAS PBLICAS 3 O DIREITO AMBIENTAL E SEUS PRINCPIOS

11 13 15 18 23

4 INTERDISCIPLINARIDADE INTERSETORIALIDADE E DIREITO AMBIENTAL 27 5 O MEIO AMBIENTE FACE CONSTITUIO FEDERAL DE 1988 5.1 PRINCPIO DA ORDEM ECONMICA 5.2 A FUNO SCIO-AMBIENTAL DA PROPRIEDADE 5.3 REFERNCIAS CONSTITUCIONAIS EXPLCITAS E IMPLCITAS 6 O PRINCPIO DA EFICINCIA NA ADMINISTRAO PBLICA 7 O MEIO AMBIENTE NA ADMINISTRAO FEDERAL 7.1 O MINISTRIO DO MEIO AMBIENTE 7.2 A POLTICA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE 7.3 O SISTEMA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE (SISNAMA) 8 ATUAES SETORIAIS RELATIVAS AO MEIO AMBIENTE 8.1 O PAPEL DOS SUS NA PROTEO AMBIENTAL 8.2 AGROTXICOS: COMPETNCIAS ADMINISTRATIVAS 8.3 OS ORGANISMOS GENETICAMENTE MODIFICADOS (OGMs) 8.4 AGRICULTURA E MEIO AMBIENTE 8.5 OS RGOS DE TRNSITO E A PROTEO AMBIENTAL 8.6 AS OBRIGAES AMBIENTAIS DAS AUTORIDADES MARTIMAS 8.7 O PAPEL DAS INSTITUIES FINANCEIRAS 8.8 O DNPM E OS SEUS DEVERES AMBIENTAIS 8.9 A POLTICA ENERGTICA, A ANP E A PROTEO AMBIENTAL 8.10 A EDUCAO AMBIENTAL 8.11 RECURSOS HDRICOS 8.12 GERENCIAMENTO COSTEIRO 8.13 A POLTICA URBANA E O MEIO AMBIENTE 30 35 37 38 41 46 49 50 53 56 56 61 62 66 68 68 69 70 71 72 72 74 75

9 CONCLUSO REFERNCIAS

77 79

1 INTRODUO

Apesar do crescimento da conscincia ecolgica em segmentos da sociedade brasileira e de se dispor de uma legislao considerada avanada em termos internacionais, tm sido identificadas muitas dificuldades nas formas de organizao e de gesto dos rgos responsveis pela defesa e proteo do meio ambiente. Estudos sobre Direito Ambiental tm chamado a ateno para aes setoriais pouco articuladas que prejudicam o alcance da efetividade. Dadas as relaes entre ambiente e outras reas de ao estatal (habitao, planejamento urbano, educao, saneamento, sade, segurana, economia, justia, etc.), faz-se necessrio conceber formas de interveno que reconheam a complexidade da questo ambiental e tenham como preocupao a racionalizao dos recursos, a eficincia e a eficcia. Da a pertinncia de se buscar, no arcabouo legal disponvel no Brasil, os fundamentos jurdicos capazes de sustentar formas de ao intersetorial que possam ensejar novos modelos de planejamento, gesto e atuao dos Poderes Pblicos em relao ao ambiente. Nessa perspectiva, a presente monografia pretende analisar a legislao federal no que se refere defesa e proteo do meio ambiente, discutindo alternativas de planejamento, organizao e gesto das aes numa perspectiva intersetorial. Tem como objetivos especficos identificar dispositivos legais e normativos capazes de fundamentar e respaldar a ao intersetorial na defesa e proteo do meio ambiente e examinar possibilidades de prticas de planejamento e gesto ambiental inspiradas pelo princpio da intersetorialidade. A monografia encontra-se estruturada em 9 captulos, alm da introduo. No captulo 2, procura-se contextualizar o aparecimento da questo ambiental na dcada de sessenta do sculo XX, as iniciativas de movimentos sociais e de governos voltadas para o seu enfrentamento, bem como suas repercusses no Brasil. Procede-se, tambm, a uma reviso conceitual sobre intersetorialidade e aes intersetoriais discutindo a incorporao dessas noes pelas polticas pblicas em sade e ambiente.

O Captulo 3 apresenta de forma sucinta o escopo do Direito Ambiental e seus princpios para, em seguida, discutir as relaes entre interdisciplinaridade, intersetorialidade e Direito Ambiental (Captulo 4). No captulo 5, registra-se a ausncia da proteo ambiental nas ordens constitucionais anteriores Constituio Federal de 1988, o tratamento do tema em constituies de diversos pases e analisa-se a questo ambiental na atual Carta Magna, destacando-se as referncias constitucionais explcitas e implcitas em relao questo ambiental. O Captulo 6 examina o princpio constitucional da eficincia na Administrao Pblica, enquanto no capitulo 7 procede-se anlise do tratamento do tema ambiental na Administrao Federal, ressaltando-se o papel do Ministrio do Meio Ambiente, dos seus rgos e do IBAMA, sublinhando-se ainda a Poltica Nacional do Meio Ambiente (PNMA) e o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA). No captulo 8 so identificadas responsabilidades e aes relativas ao meio ambiente em distintos setores governamentais no sentido de apontar possibilidades de ao intersetorial. Analisam-se o papel do Sistema nico de Sade (SUS) na proteo ambiental, as competncias administrativas referentes aos agrotxicos e aos organismos geneticamente modificados (OGMs), alguns aspectos da poltica agrcola, funes ambientais dos rgos de trnsito, das autoridades martimas, das instituies financeiras e do Departamento Nacional de Produo Mineral (DNPM), a Poltica Energtica Nacional, a atividade de fiscalizao da Agncia Nacional do Petrleo Gs Natural e Biocombustves (ANP), a responsabilidade pela promoo da educao ambiental e alguns dispositivos legais da legislao pertinente aos recursos hdricos, ao gerenciamento costeiro e poltica urbana. No ltimo captulo ressaltam-se as evidncias produzidas pelo estudo no sentido de demonstrar a existncia de fundamentos legais para a ao intersetorial em meio ambiente (AIMA) apontando metodologias de planejamento e gesto capazes de contribuir para atuao solidria e convergente de diversos setores e agentes comprometidos com a questo ambiental.

2 MEIO AMBIENTE, POLTICAS PBLICAS E INTERSETORIALIDADE A partir da dcada de sessenta do sculo passado o ambiente passou a ser objeto de preocupao de alguns segmentos da sociedade. Denncias relacionadas devastao de florestas, poluio nas cidades, pesca predatria de baleias e identificao de animais em extino, entre outras, passaram a sensibilizar parte da opinio pblica. Para alguns autores, os sinais de alerta soaram no Primeiro Mundo:Nos Estados Unidos da Amrica, pas hegemnico dentro do sistema capitalista e principal potncia industrial at aquele momento, as evidncias dos aspectos destrutivos da industrializao para a prpria vida humana comearam a se acumular e dramatizar [...]. Mas foram grupos de cidados e organizaes no-governamentais que chamaram a ateno para os primeiros problemas ambientais que se verificavam (STOTZ; VALLA et al., 1992, p.2-3).

Ao final daquela dcada, especialmente no ano emblemtico de 1968 quando o movimento estudantil se expandiu em Paris e em outras cidades europias, nos Estados Unidos, Mxico e Brasil, despontaram lutas sociais com caractersticas distintas das experincias histricas anteriores. Nesse mesmo ano, surgiu a idia de uma Conferncia das Naes Unidas sobre o Meio Ambiente, originada do governo sueco, respondendo s inquietaes dos cientistas daquele pas com a chuva cida, a contaminao do Bltico e a acumulao de metais pesados e praguicidas nos peixes e nas aves (STOTZ; VALLA et al., 1992, p.3). Segundo esses autores, entre o lanamento dessa idia e a realizao da Conferncia de Estocolmo em 1972, muita mobilizao ocorreu. No se tratava da clssica luta de classes entre trabalhadores e burguesia, mas da problematizao de novos temas para a ao coletiva. Surgiram, desse modo, os chamados novos movimentos sociais (GOHN, 2004):O ano de 1968 excepcionalmente importante porque, na Europa e nos Estados Unidos, eclodiram movimentos radicais que colocavam em questo a ordem capitalista. E apesar de superados os chamados maios vermelhos , o impacto desses movimentos foi duradouro. As primeiras reaes no demoraram a se fazer sentir entre os crculos responsveis pela ordem mundial. No mesmo ano, um grupo de cientistas, educadores, economistas, industriais e funcionrios pblicos de nvel internacional reuniram-se em Roma para discutir os dilemas da humanidade: pobreza em meio da abundncia, deteriorao do meio ambiente, perda de confiana nas instituies, inflao, etc. Dos encontros dessa associao internacional o chamado Clube de Roma resultou o Relatrio Meadows (1970), o qual propunha, at o ano 2100, um certo estado de no-crescimento para a sociedade humana (STOTZ; VALLA et al., 1992, p.3).

O referido relatrio, denominado Limites do crescimento (The Limits to Growth), elaborado por cientistas do Massachusetts Institute of Technology, por solicitao do

Clube de Roma, defendia a tese de que o crescimento exponencial da economia e da populao constituiria a origem da crise ambiental. A catstrofe para eles seria inevitvel ao final do sculo XX, devido ao esgotamento dos recursos naturais, poluio e carncia de alimentos (PELICIONI, 2005). Assim, segundo a autora, os supracitados cientistas,Sugeriam agir rapidamente para a obteno do equilbrio global, por meio do reconhecimento de que havia limites para o crescimento econmico e que era preciso adotar medidas internacionais coordenadas, inclusive quanto melhoria da situao do Terceiro Mundo (PELICIONI, 2005, p.62).

Desse modo, a questo ambiental propiciou a emergncia e o desenvolvimento de movimentos ecolgicos, reconhecidos pela literatura da sociologia e da cincia poltica como um dos representantes mais destacados dos novos movimentos sociais, inclusive no sculo que se inicia (GOHN, 2003). Se no mbito da sociedade civil era possvel identificar o ambiente como objeto de ao coletiva, o mesmo no pode ser afirmado em relao aos Estados nacionais. Assim, a questo ambiental esteve praticamente ausente nas discusses das polticas pblicas at a dcada de setenta do sculo XX quando ocorreu a Conferncia de Estocolmo sobre Meio Ambiente. Este evento histrico tem sido reconhecido como um marco da construo da agenda internacional no que tange apresentao de diretrizes polticas para o enfrentamento da questo ambiental. No que concerne aos movimentos ecolgicos, observa-se nesse perodo um gradativo abandono da concepo inicial conservacionista pura para uma busca de maior integrao entre o homem e a natureza (socioambientalismo). Todavia, o balano dessas mobilizaes at 1992 (Eco-Rio) no tem sido considerado muito favorvel:Superada a fase inicial, marcada pelo temor com uma catstrofe global, e abandonando qualquer idia de reduo do crescimento econmico tal como proposta pelo Clube de Roma, as empresas multinacionais e os governos dos pases do Primeiro Mundo converteram-se em destacados defensores do desenvolvimento sustentvel . [...]. Porm, apesar das promessas da reciclagem e da converso industrial, da automao e da microeletrnica, dos novos materiais, os vinte anos subseqentes Conferncia de Estocolmo foram marcados por um aumento constante da poluio do ar e do mar, por crescente escassez de gua e perda de solo frtil, pela destruio da biota com reduo de espcies (STOTZ; VALLA et al., 1992, p.33).

Contudo, tem-se chamado a ateno para a necessidade de repensar a questo ambiental no Brasil. Nessa perspectiva, sugere-se desnaturalizar o conceito de meio-ambiente no sentido de evitar o equvoco de dissociar seus elementos fsicos e

sociais na medida em que o ambiente o resultado da interao da lgica da natureza e da lgica da sociedade (BECKER, 1992, p.128). Do mesmo modo, caberia desideologizar a questo ambiental, distinguindo a conscincia ecolgica legtima daquela ideologia ecolgica que se tornou um novo parmetro da

Geopoltica Mundial no movimento de rpida estruturao da organizao econmica e poltica internacional (BECKER, 1992, p.129).

2.1 POLTICAS AMBIENTAIS NO BRASIL

Mesmo vivendo um perodo autoritrio, e tendo, inclusive, co-liderado com a China, na Conferncia de Estocolmo, a aliana dos pases perifricos dispostos a no sacrificar o desenvolvimento econmico em favor do meio ambiente (VIOLA, 2006), o Brasil foi influenciado pelas iniciativas supracitadas. Em 1973, foi criada a Secretaria Especial do Meio Ambiente - SEMA. Em 1981, foi editada a Lei n 6.938 que dispe sobre a Poltica Nacional do Meio Ambiente (PNMA), rompendo o paradigma jurdico da fragmentao (Cdigo Florestal 4771/65, Cdigo de Caa Lei n 5.197/67, Cdigo de Minerao Lei n

Decreto-Lei n

227/67, Lei da Responsabilidade por Danos Nucleares

Lei n 6.453/77, dentre

outros) e passando a proteger o meio ambiente de maneira integral (BENJAMIN, 2003). Desse modo, a questo do ambiente passa a interessar, progressivamente, setores da sociedade brasileira nas dcadas de 70 e 80 e rgos governamentais, culminando com a elaborao de propostas na transio democrtica que foram incorporadas pela Constituio de 1988 e pela legislao subseqente. As polticas pblicas referentes ao ambiente implantadas na conjuntura psconstituinte, todavia, esbarraram na falta de prioridade diante da crise econmica e do corte dos gastos pblicos e foram limitadas quanto sustentabilidade ambiental. Tambm no conseguiram superar o tradicional vis setorial. A rea ambiental temse caracterizado pela fragmentao e incompetncia gerencial, alm de continuar isolada dos centros de deciso econmica, onde se definem as polticas de desenvolvimento (VIOLA, 2006, p.13).

Conseqentemente, as polticas pblicas tm adotado um modelo de planejamento e de gesto que analisa a realidade por setores como educao, sade, habitao, saneamento, entre outros, dificultando a integrao das aes e comprometendo a eficincia e a eficcia. Segundo Arlindo Philippi Jr., Gilda Collet Bruna e Vicente Fernando Silveira (2005, p.801) h quem considere que[...] a PNMA, instituda pela Lei Federal n 6.938, de 31 de agosto de 1981, uma transformao inconclusa das polticas pblicas oriundas de uma viso setorizada da questo ambiental a partir da dcada de 1950. Esta transformao estaria espera de uma coalizo poltica de interesses.

Refletindo sobre o tema, Paulo de Tarso Abro e Daniela Mac-Dowell (2005, p.373) asseveram:Descobrir se o desenho da Administrao Ambiental no pas o mais eficiente depender, entre vrios fatores, no s daqueles ligados s questes de competncia, cooperao federativa e inconstitucionalidades. Reserva-nos a busca de um entendimento mais dinmico das estruturas criadas pelo Estado, para compreender se, dentro da prpria estrutura administrativa estatal como um todo, no h um feixe de explosivos aguardando uma fasca.

Observa-se que os sistemas de controle ambiental so perifricos em relao aos sistemas de poder e tm aparatos pouco eficientes (VIOLA, 2006). Predomina ainda um tipo de poltica e gesto ambiental centralizada, regulamentadora e fiscalizadora baseado no princpio de comando e controle, que estabelece padres e metas de poluio a serem cumpridas (PHILIPPI JR.; BRUNA; SILVEIRA, 2005, p.799). Modelo que, segundo esses autores, tem mostrado grande eficincia no controle de poluio pontual (predominantemente efluentes industriais), mas apresenta

dificuldades para o controle da poluio difusa (PHILIPPI JR.; BRUNA; SILVEIRA, 2005, p.799). A poluio, por exemplo, pelo uso indiscriminado de agrotxicos, por esgotos domsticos oriundos de ligaes clandestinas, por veculos automotores e por resduos slidos urbanos (lixo domstico) exige outros tipos de intervenes do Poder Pblico pautadas em aes educativas e incentivos econmicos. Comentando os rumos que a Poltica Nacional do Meio Ambiente vem tomando, Edis Milar (2005, p. 432) salienta:Diga-se, a bem da verdade, que irreal o planejamento ambiental isolado do planejamento econmico e social. O meio ambiente um bem essencialmente difuso e engloba todos os recursos naturais: as guas doces, salobras e salinas, superficiais ou subterrneas; a atmosfera, o solo,

o subsolo e as riquezas que encerram, assim como a fauna e a flora e suas relaes entre si e com o ser humano. Compreende ainda outros bens, como os culturais. Por isso mesmo o planejamento da utilizao de tais recursos deve considerar todos os aspectos envolvidos: os econmicos, os sociais e os ambientais. No possvel planejar o uso de qualquer desses recursos apenas sob o prisma econmico-social ou somente sob o aspecto da proteo Ambiental. Ora o planejamento integrado das polticas pblicas ainda no existe no Brasil, merc da excessiva setorizao e verticalizao dos diferentes Ministrios. A isso acresce a inexistncia de efetivas definies polticas por parte dos partidos polticos e dos governos, em geral.

Na prtica, nota-se que a gesto ambiental, de uma maneira geral, ainda se caracteriza basicamente pela atuao quase que exclusiva e isolada dos rgos ambientais na defesa e proteo do meio ambiente, dificultando bastante a sua efetividade. No se tem observado, em geral, nem mesmo muito empenho da polcia judiciria no combate aos delitos ambientais. Projetos impactantes so, muitas vezes, discutidos, aprovados e, at implementados por outros setores da Administrao Pblica, sem a observncia das normas ambientais e, em algumas ocasies, sem mesmo a oitiva do rgo ambiental competente. A questo ambiental torna-se um aspecto secundrio e o licenciamento uma mera formalidade a ser cumprida. Tem-se verificado tambm que os rgos ambientais so alvo constante de crticas e presses de setores do prprio governo, acusados injustamente de atravancarem o desenvolvimento do pas, devido demora e ao suposto excesso de zelo na anlise dos processos de licenciamento ambiental. Recentemente o Presidente da Repblica, reeleito, declarou que as leis, as questes ambientais, a burocracia, a oposio, o Congresso, o Ministrio Pblico e o TCU - Tribunal de Contas da Unio (NETO, 2006, p.14) so obstculos para o crescimento do pas. Por outro lado, observa-se que a falta de articulao e integrao entre rgos responsveis por reas intimamente ligadas ao meio ambiente como, por exemplo, a sade, tem gerado aes dplices, desperdcio de recursos pblicos, implicando, tambm, a falta de atendimento de outras demandas. As situaes acima enumeradas so, indubitavelmente, evidncias de que o modelo de gesto governamental, pautado na diviso de tarefas por setores, est realmente em plena crise, causa srios prejuzos ao funcionamento da Administrao Pblica e, conseqentemente, aos prprios fins a que se destina o Estado.

2.2 INTERSETORIALIDADE E POLTICAS PBLICAS

Considerando-se que o propsito do presente estudo encontra ressonncia no campo das polticas pblicas, cabe registrar alguns aspectos que caracterizam as polticas ambientais:1. Os problemas a serem resolvidos, no raro transcendem as fronteiras dos Estados-nao, implicando um papel mais dominante das instituies e tratados internacionais e limites maiores, obviamente, das capacidades de regulamentao dos Estados-nao. 2. A constituio e a definio de problemas altamente dependente da cincia, a qual se reveste de considervel insegurana. A identificao de um problema ecolgico, suas causas e conseqncias freqentemente devem ser definidas por anlises cientficas. Essas muitas vezes so marcadas pela incerteza, como o caso, por exemplo, das previses do tempo ou dos riscos de avaliao das manipulaes genticas. Estamos tratando, portanto, de uma esfera poltica que vem se tornando cada vez mais baseada na cincia, na qual o acesso informao, ao conhecimento e competncia desempenha papel fundamental. 3. Os problemas ambientais esto estreitamente relacionados aos problemas da distribuio da riqueza, isto , as polticas ambientais no se limitam proteo da natureza, mas incluem a explorao, remoo e utilizao sustentvel dos recursos naturais. Exemplo disso a destruio do clima global pelas metrpoles capitalistas. Um outro exemplo so as lutas sobre os direitos de uso e explorao dos recursos genticos. 4. Alm disso, a interdependncia entre os nveis polticos dos locais aos internacionais e a questo de representao e mediao dos interesses relativos desempenham papel crucial nesse campo. (HIRSCH, 2001, p.108).

Ainda que as reflexes desse cientista poltico apontem para o restrito raio de ao dos Estados no que diz respeito questo ambiental nos respectivos territrios, razovel reconhecer que algo pode ser feito no seu espao de governabilidade. Assim, durante a reviso da literatura foi possvel identificar a intersetorialidade ou ao intersetorial como umas das possibilidades de interveno e como alternativa falta de integrao verificada na atuao dos Poderes Pblicos. A Revista de Administrao Pblica da Fundao Getlio Vargas, por exemplo, dedicou dois nmeros especiais voltados para esse tema (INOJOSA, 1998; JUNQUEIRA, 2000), divulgando diversos estudos que discutiram tais conceitos e formularam propostas alternativas para a gesto pblica. Contudo, cabe reconhecer a nfase dispensada questo da sade e escassa reflexo sobre o ambiente. Na medida em que se avana na leitura de artigos e documentos tcnico-cientficos, pode-se constatar que a intersetorialidade, antes de ser considerada pelo Direito Ambiental e pelas polticas pblicas sobre ambiente, representa uma noo muito

discutida na rea da sade. Como ilustrao podem-se mencionar algumas recomendaes expressas no Plano Decenal de Sade das Amricas (OPS/OMS, 1973) e no famoso Relatrio Lalonde, elaborado para reorientar a organizao do sistema de sade canadense (LALONDE, 1978). Assim, o ambiente, juntamente com o estilo de vida, a biologia e a organizao dos servios de sade, passa a ser considerado na interveno das polticas pblicas. Outro documento de grande importncia internacional foi a Carta de Ottawa, em 1986, cujas recomendaes apontavam para a ao intersetorial e para a construo de polticas pblicas saudveis (BRASIL, 2001), com destaque para o ambiente:As inextricveis ligaes entre a populao e seu meio-ambiente constituem a base uma abordagem socioecolgica da sade. O princpio geral orientador para o mundo, as naes, as regies e at mesmo as comunidades a necessidade de encorajar a ajuda recproca cada um a cuidar de si prprio, do outro, da comunidade e do meio-ambiente natural. A conservao dos recursos naturais do mundo deveria ser enfatizada como uma responsabilidade global (BRASIL, 2001, p.21)

Essa nfase no ambiente expressou-se de forma significativa na Declarao de Sundsvall quando representantes de 81 pases conclamaram todos os povos a se engajarem na promoo de ambientes mais favorveis sade:Um ambiente favorvel de suprema importncia para a sade. Ambientes e sade so interdependentes e inseparveis. Atingir estas duas metas deve ser o objetivo central ao se estabelecer prioridades para o desenvolvimento e devem ter precedncia no gerenciamento dirio das polticas governamentais. [...]. As iniciativas devem vir de todos os setores que possam contribuir para a criao de um ambiente mais favorvel e fomentador de sade, e devem ser levadas a cabo pelas pessoas nas suas comunidades, nacionalmente pelos governos e ONGs, e, globalmente atravs das organizaes internacionais. As aes devem envolver, predominantemente, setores como a educao, transporte, habitao, desenvolvimento urbano, produo industrial e agricultura (BRASIL, 2001, p.34-35).

Esse frum internacional, alm de privilegiar a questo ambiental e suas relaes com outros setores, destacou o papel das comunidades junto aos governos e ONGs e o gerenciamento das polticas governamentais. As propostas de ao apresentadas convergem com os propsitos desta monografia:Aes do setor pblico para criar ambientes favorveis sade devem levar em conta a interdependncia entre todos os seres vivos, e devem gerenciar os recursos naturais, levando em considerao as necessidades das futuras geraes. [...]. As pessoas so parte integral do ecossistema da terra [...]. Todas as informaes disponveis indicam que no ser possvel sustentar a qualidade de vida para os seres humanos e demais espcies vivas sem uma mudana drstica nas atitudes e comportamentos, em todos os nveis, com relao ao gerenciamento e preservao do ambiente. Aes combinadas para se atingir um ambiente favorvel sustentvel sade so o atual desafio do nosso tempo.[...]. Desenvolvimento implica na melhoria

da qualidade de vida e sade, ao mesmo tempo que na preservao da sustentabilidade do meio ambiente (BRASIL, 2001, p.36-38).

Nessa perspectiva, termos como coordenao intersetorial, articulao intersetorial, intersetorialidade e ao intersetorial tm sido utilizados para fundamentar novas formas de interveno sobre a realidade. Antes, porm, de se proceder a uma definio dessas denominaes cumpre explicitar o que se tem entendido como setor:O conceito de setor inclui certo nvel de abstrao e arbitrariedade, j que na realidade s existe como tal aos efeitos da abordagem analtica da sociedade. O termo setor tem sido utilizado comumente para identificar distintas esferas da economia, a administrao, o conhecimento e, em geral, esferas da sociedade. Faz-se aluso em ocasies a setores amplos (produtivo, social), menos amplos (sade, educao), estruturais (industrial, agrcola), superestruturais (jurdico, religioso), cientficos (cincias polticas, cincias naturais), ou de acordo com a forma de propriedade (pblico, privado) (SUREZ, 1992, p.232).

Com base nesse autor, pode-se conceber ao intersetorial como a interveno coordenada de instituies representativas de mais de um setor social, em aes destinadas total ou parcialmente a abordar um problema (SUREZ, 1992, p.233). J a intersetorialidade pode ser definida como o processo no qual os objetivos, as estratgias, as atividades e os recursos de cada setor se consideram segundo suas repercusses e efeitos nos objetivos, estratgias, atividades e recursos dos demais setores (OPS, 1992 apud BUSS, 2000, p.36). Portanto, a ao intersetorial e a proposta de intersetorialidade no so um fim em si mesmas, mas possibilidades de distintos setores alcanarem objetivos comuns. A depender dos seus propsitos, podem ser contemplados os nveis poltico, estratgico e ttico-operativo. Nos nveis poltico e estratgico, encontram-se as grandes orientaes, diretrizes e estratgias globais para a ao articulada entre diferentes setores e nveis de governo. No nvel ttico-operativo, a intersetorialidade se expressa em programas, projetos e atividades intersetoriais dirigidas abordagem de um dado problema (SUREZ, 1992). Como as aes intersetoriais no surgem espontaneamente, mas so produtos de um fenmeno social e historicamente determinado, faz-se necessria a interveno de sujeitos com capacidade de decidir, alm de um contexto de correlao de foras polticas permevel a tal inovao. Nesse particular, a existncia de crises de realizao, a baixa efetividade de polticas e de organismos governamentais, a necessidade de racionalizao de recursos e a existncia de propostas inovadoras,

bem fundamentadas e com slida argumentao podem funcionar como facilitadores da adoo de aes intersetoriais no que tange ao meio ambiente. A presente monografia, nessa perspectiva, poderia contribuir na proposio de um modelo para o desenvolvimento da ao intersetorial na formulao e

implementao de polticas pblicas ambientais. Assim, os espaos de pactuao, rgos de coordenao, conselhos, grupos de trabalho, despachos, reunies e em geral todos os mecanismos e vias para a coordenao e comunicao so imprescindveis na execuo adequada de projetos e tm importncia para os momentos de anlise e tomada de decises e para a planificao (SUREZ, 1993, p.64). Em Conferncia Internacional realizada em Halifax, Nova Scotia, Canad, no ano de 1997 e promovida pela Organizao Mundial de Sade, o conceito de ao intersetorial em sade que refletiu o consenso entre os participantes foi o seguinte:uma relao reconhecida entre parte ou partes do setor sade com parte ou partes de um outro setor a qual tem sido formada para adotar ao no sentido de alcanar resultados em sade (ou resultados intermedirios de sade) de um modo mais efetivo, eficiente ou sustentvel do que poderia ser alcanado pela ao do setor sade isoladamente (WHO, 1997).

Assim, o presente estudo poderia fundamentar-se no conceito acima e entender a ao intersetorial em meio ambiente (AIMA) como uma relao estabelecida entre parte do setor de meio ambiente com partes de outros setores visando alcanar resultados mais efetivos, eficientes e sustentveis. Nessa perspectiva, os mtodos e tcnicas do planejamento estratgico e situacional elaborados pelo economista chileno Carlos Matus poderiam ser acionados como uma alternativa para a viabilizao da AIMA. Ao articular planejamento e gesto, o autor destaca o momento explicativo quando se identificam e se explicam os problemas, o momento normativo no qual se explicita o que deve ser feito, incluindo diretrizes, objetivos e operaes, o momento estratgico em que se realiza um balano entre o que deve e o que pode ser feito e, finalmente, o momento ttico-operacional que privilegia o fazer, com nfase na gerncia por objetivos e na prestao de contas sociedade (MATUS, 1987). Esta abordagem tem sido utilizada para a promoo e vigilncia da sade, que tm como pressuposto bsico a ao intersetorial (TEIXEIRA, 2002).

3 O DIREITO AMBIENTAL E SEUS PRINCPIOS Analisando a evoluo da proteo jurdica do ambiente no Brasil, o ilustre jurista Antnio Herman Benjamin (2003, p. 15), didaticamente, aponta para a existncia de trs fases, ressaltando, todavia, no se tratarem de fases histricas, cristalinas, apartadas, delimitadas e mutuamente excludentes . A primeira, denominada ambiental fase da explorao desregrada ou do laissez-faire

compreende o perodo de 1500 a 1960 e se caracteriza pela existncia

de poucas normas relativas ao meio ambiente que, na realidade, na sua essncia visavam proteo de interesses econmicos ou sanitrios e secundariamente

protegiam aquele bem jurdico. A segunda, chamada fase fragmentria , demonstra a preocupao do legislador com largas categorias de recursos ambientais, surgindo vrias leis esparsas, a exemplo do Cdigo Florestal (1965), dos Cdigos de Caa, de Pesca , de Minerao (todos de 1967), a Lei de Responsabilidade por Danos Nucleares (1977), a Lei do Zoneamento Industrial nas reas Crticas de Poluio (1980) e a Lei de Agrotxicos (1989). Finalmente na terceira, denominada fase holstica passa o meio ambiente a ser protegido integramente. A Lei da Poltica

Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81) o marco legislativo inicial dessa nova fase destacando-se ainda a Lei dos Crimes Ambientais (Lei n 9.605/98) (BENJAMIN, 2003). Para Marcelo Abelha Rodrigues (2005), o surgimento do Direito Ambiental no pas coincide com a edio da Lei da Poltica Nacional do Meio Ambiente (Lei n 6.938/81), ou seja, com o incio da fase holstica (BENJAMIN, 2003). S a partir

da foram relacionados instrumentos, caractersticas e princpios prprios, que so elementos indispensveis para a existncia de uma cincia autnoma. Sem ingressar no mrito das discusses doutrinrias acerca de sua autonomia, passa-se anlise de alguns conceitos de Direito Ambiental. Para Edis Milar (2005, p.155), Direito Ambiental o complexo de princpios e normas coercitivas

reguladoras das atividades humanas que direta ou indiretamente, possam afetar a sanidade do ambiente em sua dimenso global, visando sustentabilidade para as presentes e futuras geraes . De acordo com Paulo de Bessa Antunes (2004, p.11), o Direito Ambiental pode ser definido da seguinte forma:[...] um direito que se desdobra em trs vertentes fundamentais, que so constitudas pelo direito ao meio ambiente, direito sobre o meio ambiente e direito do meio ambiente. Tais vertentes existem, na medida em que o Direito Ambiental um direito humano fundamental que cumpre a funo de integrar os direitos saudvel qualidade de vida, ao desenvolvimento econmico e proteo dos recursos naturais. Mais do que um Direito autnomo, o Direito Ambiental, uma concepo de aplicao da ordem jurdica que penetra, transversalmente, em todos os ramos do direito. O Direito Ambiental, portanto, tem uma dimenso humana, uma dimenso ecolgica e uma dimenso econmica que se devem harmonizar sob o conceito de desenvolvimento sustentado.

Sinteticamente, pode-se compreender o Direito Ambiental como o conjunto de normas jurdicas (regras e princpios) que visam defesa e proteo ambiental. No que se refere aos princpios internacionais que regem o Direito Ambiental, no se observa uma enumerao uniforme na doutrina. Nesse sentido, procura-se, a seguir, analisar, ainda que perfunctoriamente, aqueles relacionados por mais de um autor. O mais importante deles o princpio do direito humano fundamental (ANTUNES, 2004) ou princpio do ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental da pessoa humana (MILAR, 2005). Tal princpio ser estudado mais

detalhadamente quando da anlise do art. 225 da CF.

O principio da natureza pblica da proteo ambiental, por sua vez, de acordo com Edis Milar (2005, p.159) decorre da previso legal que considera o meio ambiente como um valor a ser necessariamente assegurado e protegido para o uso de todos . Tratando-se o bem ambiental de um interesse de toda a coletividade, evidentemente, a sua proteo deve ser pblica. Outro princpio importante o denominado democrtico (ANTUNES, 2004) que engloba outros dois princpios apontados pela doutrina (PHILIPPI JR; RODRIGUES, 2005): o da participao e o da informao. Fruto de movimentos sociais, evidentemente, o Direito Ambiental no poderia deixar de trazer para si essa caracterstica democrtica, assegurando o direito participao da coletividade nas decises polticas relativas s questes ambientais e informao ambiental. Destacam-se tambm os princpios da preveno e precauo. Em que pese parte da doutrina consider-los um s princpio (MILAR, 2005), parece que esto com a razo aqueles que fazem a distino (RODRIGUES, 2005). O princpio da preveno exige a adoo de medidas tendentes a evitar a ocorrncia de danos previsveis. J o da precauo determina que no se produzam intervenes no meio ambiente antes de se ter certeza cientfica de que estas no sero adversas ao mesmo. Ressalte-se que o principio da precauo foi expressamente relacionado na Conferncia das Naes Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Rio 92, conforme a seguir:Princpio n 15 - Com o fim de proteger o meio ambiente, o princpio da precauo dever ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaa de danos graves ou irreversveis, a ausncia de certeza absoluta no ser utilizada como razo para o adiamento de medidas economicamente visveis para prevenir a degradao ambiental (ANTUNES, 2004, p.36).

H tambm o principio do poluidor-pagador que de acordo com Edis Milar (2005, p.163-164),Assenta-se este princpio na vocao redistributiva do Direito Ambiental e se inspira na teoria econmica de que os custos sociais externos que acompanham o processo produtivo (v.g., o custo resultante dos danos ambientais) precisam ser internalizados, vale dizer, que os agentes econmicos devem lev-los em conta ao elaborar os custos da produo e, conseqentemente, assumi-los. Busca-se, no caso, imputar ao poluidor o custo social da poluio por ele gerada, engendrando-se um mecanismo de responsabilidade por dano ecolgico abrangente dos efeitos da poluio no somente sobre bens e pessoas, mas sobre toda a natureza.

As obrigaes dos empreendedores de arcar com os custos do licenciamento ambiental, de estudos ambientais onerosos como o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e a de reparar os danos ambientais previstas no ordenamento jurdico brasileiro se inspiram no aludido princpio. O principio do usurio pagador tambm enumerado pela doutrina. Segundo o supracitado jurista,Funda-se este princpio no fato de que os bens ambientais particularmente os recursos naturais - , constituem patrimnio da coletividade, mesmo que, em alguns casos possa incidir sobre eles em justo ttulo de propriedade privada. Sabemos outrossim, que recursos essenciais, de natureza global como a gua, ar e o solo no podem ser apropriados a bel talante (MILAR, 2005, P.170).

de bom alvitre lembrar que a cobrana de uso da gua baseia-se no referido principio. Por fim, merece tambm ateno especial o princpio da cooperao, que prega a colaborao e auxlio de todos os povos na defesa e proteo ambiental.

4 INTERDISCIPLINARIDADE, INTERSETORIALIDADE E DIREITO AMBIENTAL Como foi descrito no captulo 2, o desenvolvimento das polticas pblicas no Brasil desde os primrdios tem sido realizado de forma setorial. A organizao polticaadministrativa, refletindo essa tendncia, tem se caracterizado pela criao de rgos e entidades especficos para cada rea de atuao do Estado. A crescente especializao dos mesmos e a falta de comunicao e articulao entre eles prejudicam a soluo adequada dos problemas que afligem a sociedade, dentre eles os ambientais. de se notar que essa realidade no constitui fenmeno exclusivo da gesto governamental. No campo das cincias, observa-se o surgimento contnuo de novas disciplinas e reas de conhecimento, bem como de profissionais cada vez mais especializados, dificultando o enfrentamento das questes de maneira mais global. As disciplinas, em geral, construram seus saberes de forma isolada e fragmentada. Essa construo do conhecimento mostra-se limitada, pois os problemas requerem olhares inter-poli-transdisciplinares (MORIN, 2000). Assim, um dos tericos da planificao na Amrica Latina afirmava que, enquanto a cincia tem disciplinas e o governo tem setores, a realidade tem problemas (MATUS, 1987). Ou como afirma um pesquisador brasileiro:A crtica fragmentao produzida pela racionalidade cientificista predominante na maneira de pensar e organizar o mundo existe h muito tempo. No entanto, as evidncias de esgotamento desse paradigma tm sido cada vez maiores. Essa crtica atualmente produz mais eco e tem maior capacidade de estimular alternativas porque o mundo foi-se transformando mais complexo, produzindo situaes novas que o conhecimento especializado no tem capacidade para explicar, nem a ao setorial tem capacidade de resolver (AKERMAN, 1998).

Nesse contexto, verifica-se que o momento propcio para a discusso de novos modelos de gesto que, reconhecendo a interdisciplinaridade, ponham em prtica a

intersetorialidade, entendida como um conjunto de aes interligadas e articuladas realizadas por setores diversos para o enfrentamento de problemas complexos, visando satisfao das necessidades mltiplas da sociedade, destacando-se, dentre elas, a de garantir s presentes e futuras geraes um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Pode, assim, a prtica da intersetorialidade representar uma melhoria qualitativa e quantitativa nas polticas pblicas e tambm, redundar, como conseqncia, em uma utilizao mais racional dos escassos recursos do Errio. Se, em regra, as diversas reas de conhecimento foram concebidas da maneira supracitada, em matria ambiental a interdisciplinaridade se evidencia de forma to cristalina que no resta qualquer espao para vozes dissonantes. O Direito Ambiental, compreendido como o conjunto de normas jurdicas que visam defesa e proteo do meio ambiente, ao ser concebido trouxe para si essa caracterstica como marca essencial. Convm lembrar que a compreenso de sua interdisciplinaridade se revelou fundamental at mesmo para a edio de leis ambientais antes da promulgao da Constituio Federal de 1988. No prevendo expressamente as cartas anteriores a proteo ambiental, o legislador infraconstitucional buscava suporte na proteo da sade ou nas regras relativas produo e ao consumo (BENJAMIN, 2003). Percebe-se, nesse sentido, um absoluto reconhecimento pelo legislador ptrio da interdisciplinaridade do tema. Alis, essa caracterstica do Direito Ambiental apontada de forma unssona pela doutrina. Segundo Paulo de Bessa Antunes (2004, p.58), no se pode pensar a proteo jurdica do meio ambiente sem se considerar dados relevantssimos que so trazidos para o interior do universo do Direito por outros ramos do conhecimento humano . De fato, no pode o intrprete compreender o Direito Ambiental sem se socorrer de conceitos da Geologia, da Engenharia, da Arquitetura, da Qumica, da Fsica, da Medicina, da Biologia, da Sociologia, etc. No tocante especificamente s relaes do Direito Ambiental com os demais ramos do direito, o ilustre jurista citado majestoso em suas palavras:

bastante difcil estabelecer, dentro dos moldes tradicionais, um sistema que possa contemplar as relaes do Direito Ambiental com outras reas do Direito. [...] o direito ambiental no se coloca em paralelo a outros direitos ; ao contrrio, o Direito ambiental penetra os outros ramos do direito e faz com que esses assimilem as preocupaes de proteo ambiental (ANTUNES, 2004, p.47).

A ntima relao existente entre a sade e o meio ambiente, por exemplo, faz os temas serem disciplinados tanto na legislao ambiental quanto na sanitria, havendo uma simbiose entre os dois temas (ROCHA, 1999, p.57). Nota-se que, em razo da intrnseca caracterstica supracitada, aqueles que laboram na rea ambiental geralmente no tm grandes dificuldades em enxergar a realidade de maneira mais global e, conseqentemente, de buscar para os problemas solues adequadas que contemplem os aspectos sociais, econmicos, culturais e ecolgicos. O surgimento do socioambientalismo e a sua incorporao ao ordenamento jurdico brasileiro (Constituio Federal de 1988 e Lei n 9985/2000, que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservao SNUC) contriburam tambm para que no

exerccio das atividades administrativa, os rgos ambientais incorporassem mais facilmente o referido olhar inter-poli-transdisciplinar (MORIN, 2000). Basta lembrar que o licenciamento ambiental de grandes empreendimentos, realizado por equipes multidisciplinares, busca justamente a compatibilizao de todas as questes acima mencionadas. Sem, todavia, a articulao como os demais setores do governo, o apoio e a colaborao dos mesmos, o engajamento da sociedade, em geral, na defesa do meio ambiente a poltica ambiental brasileira, consoante demonstrado no captulo anterior, est fadada ao insucesso. Se de um lado no h dvida na doutrina e na jurisprudncia e entre os rgos ambientais quanto compreenso interdisciplinar e transversal do tema ambiental pela legislao brasileira, poucos estudos, entretanto, tm se dedicado a demonstrar a existncia de normas jurdicas capazes de fundamentar aes intersetoriais voltadas para a defesa e proteo do meio ambiente.

5 O MEIO AMBIENTE FACE CONSTITUIO FEDERAL DE 1988

Fortemente

influenciada

pelos

movimentos

ecolgicos,

pelos

princpios

internacionais de proteo ambiental consagrados pela Declarao do Meio Ambiente, adotada pela Conferncia das Naes Unidas realizada, em 1972, em Estocolmo e tambm por princpios e diretrizes estabelecidos pela Lei n 6.968/81, que dispe sobre a Poltica Nacional do Meio Ambiente, a Constituio Federal de 1988 representa um marco jurdico fundamental para a proteo ambiental no Brasil. O meio ambiente, que as ordens constitucionais anteriores nem sequer tratavam expressamente, com o advento da Carta Magna de 1988, passa a ter destaque especial no apenas pela criao de um captulo especialmente dedicado matria, mas tambm em virtude da questo permear todo o seu texto, correlacionada com os temas fundamentais da ordem constitucional (SILVA, 1998, p.26). Devido a essa abordagem ampla e moderna do tema, o referido constitucionalista chega a classific-la de eminentemente ambientalista (SILVA, 1998, p.26),

enquanto outro jurista chega a denomin-la de verde (MILAR, 2005, p.184). Registre-se que essa previso expressa no exclusividade de nosso pas. Salienta o ilustre jurista Jorge Miranda (2000, p.533):Problemtica centralssima de que se tem vindo a tomar conscincia mais aguda nas ltimas dcadas, no admira que a problemtica do meio ambiente tenha feito tambm a sua entrada nas Constituies e que tenha passado a interessar crescentemente a doutrina juspublicstica.

Dentre as diversas Constituies que tratam do tema, cite-se a portuguesa (arts. 9, 65, 66, 93, 228, dentre outros); a italiana (art. 9); a sua (arts. 22 quater, 24 -bis, 24 sexies e 24 septies); a indiana (art 48-A e 51, alnea g); a espanhola (art 45); a equatoriana (art. 50); a chinesa (arts. 9 e 26); a holandesa (art. 21); a de GuinBissau (art. 15); a iraniana (art 50); a filipina (seo 16, art II); a de S. Tom e Prncipe (art.10, alnea d e 48); a nambiana (art. 11); a moambicana (art. 36 e 37); a blgara (art. 15 e 55); a romena (art.14, n 2, alnea e); a cabo-verdina (art.70); a angolana (art 24); a russa (art. 58); a alem (art. 20-A); a sul-africana (art. 24) (MIRANDA, 2000). Adverte, todavia, o referido constitucionalista:Hoje, a relevncia do ambiente tornou-se quase obrigatria ou recorrente em quase todos os novos textos constitucionais, entendida luz das suas

coordenadas prprias. Mas essa universalizao no significa, s por si, que a efectividade das normas sejam programticas ou preceptivas se mostre muito forte ou idntica por toda a parte e muito poucos os Estados que podero arrogar-se (como bem se desejaria) a qualidade de Estados ambientais (MIRANDA, 2000).

No que se refere Constituio brasileira, antes de analisar os dispositivos que tratam do tema sub examine faz-se necessrio trazer baila importante contribuio dada pelo constitucionalista brasileiro citado para a compreenso do conceito constitucional de meio ambiente:O conceito de meio ambiente h de ser, pois, globalizante, abrangente de toda a natureza original e artificial, bem como os artificiais correlatos, compreendendo, portanto, o solo, a gua, o ar, a flora, as belezas naturais, o patrimnio histrico, artstico, turstico, paisagstico e arqueolgico. O meio ambiente , assim, a interao do conjunto de elementos naturais artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas (SILVA, 1998, p.2).

O Captulo VI, do Titulo VIII - Da Ordem social, foi reservado pelo constituinte de 1988 para tratar especialmente do tema ambiental, que merece ser integralmente transcrito:Art. 225. Todos tm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Pblico e coletividade o dever de defend-lo e preserv- lo para as presentes e futuras geraes. 1 - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Pblico: I - preservar e restaurar os processos ecolgicos essenciais e prover o manejo ecolgico das espcies e ecossistemas; II - preservar a diversidade e a integridade do patrimnio gentico do Pas e fiscalizar as entidades dedicadas pesquisa e manipulao de material gentico; III - definir, em todas as unidades da Federao, espaos territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alterao e a supresso permitidas somente atravs de lei, vedada qualquer utilizao que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteo; IV - exigir, na forma da lei, para instalao de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradao do meio ambiente, estudo prvio de impacto ambiental, a que se dar publicidade; V - controlar a produo, a comercializao e o emprego de tcnicas, mtodos e substncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente; VI - promover a educao ambiental em todos os nveis de ensino e a conscientizao pblica para a preservao do meio ambiente; VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as prticas que coloquem em risco sua funo ecolgica, provoquem a extino de espcies ou submetam os animais a crueldade. 2 - Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com soluo tcnica exigida pelo rgo pblico competente, na forma da lei.

3 - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitaro os infratores, pessoas fsicas ou jurdicas, a sanes penais e administrativas, independentemente da obrigao de reparar os danos causados. 4 - A Floresta Amaznica brasileira, a Mata Atlntica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira so patrimnio nacional, e sua utilizao far-se-, na forma da lei, dentro de condies que assegurem a preservao do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais. 5 - So indisponveis as terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados, por aes discriminatrias, necessrias proteo dos ecossistemas naturais. 6 - As usinas que operem com reator nuclear devero ter sua localizao definida em lei federal, sem o que no podero ser instaladas.

O art. 225 da CF ao assegurar a todos o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado , considerando-o bem de uso comum do povo e essencial sadia qualidade de vida reconhece expressamente o seu carter de direito fundamental da pessoa humana, que, segundo a doutrina, um dos princpios mais importantes do direito ambiental. Paulo de Bessa Antunes (2004) lembra o reconhecimento internacional do sobredito princpio pelos Princpios 1 e 2 da Declarao de Estocolmo, segundo os quais, respectivamente, O homem tem o direito fundamental liberdade, igualdade e ao desfrute de condies de vida adequadas, em um meio ambiente de qualidade tal que lhe permita levar uma vida digna, gozar de bem-estar, e portador solene de obrigao de melhorar o meio ambiente, para as presentes e futuras geraes [...] e os recursos naturais da Terra, includos o ar, a gua, o solo, a flora e a fauna e, especialmente, parcelas representativas dos ecossistemas naturais, devem ser preservados em benefcios das geraes atuais e futuras [...] (ANTUNES, 2004, p.32) Acrescenta o ilustre jurista que o referido princpio foi reafirmado pela Declarao do Rio, proferida na Conferncia das Naes Unidas sobre Meio ambiente, realizada em 1992, no Rio de Janeiro, conhecida como Rio-92, cujo Princpio 1 declara que os seres humanos constituem o centro das preocupaes relacionadas com o desenvolvimento sustentvel. Tm direito a uma vida saudvel e produtiva em harmonia com o meio ambiente . Merece ainda aplausos o referido dispositivo constitucional por enfatizar, em seguida, que o dever de defender e preservar o meio ambiente para as presentes e

futuras geraes se impe no apenas ao Poder Pblico, mas tambm coletividade. Em razo de seu carter difuso, pertencente categoria de direitos que se enquadra como de terceira gerao (BOBBIO, 1992) e de sua vital importncia para a prpria sobrevivncia do planeta no poderia, de fato, a Constituio disciplinar a matria de forma diversa, isentando a coletividade da sua tambm salutar obrigao de preservar e proteger o meio ambiente. No que concerne especificamente ao Poder Pblico, que mais interessa aos objetivos desse trabalho, alm do dever genrico de proteger e preservar o meio ambiente explcito no caput do art. 225, a Constituio anuncia expressamente, nos incisos I a VII, do 1, um rol de atividades que devem por ele ser realizadas com fim de assegurar a efetividade do aludido direito humano fundamental. Poder Pblico, segundo o citado constitucionalista, expresso genrica que se refere a todas as entidades territoriais, pois uma das caractersticas do Estado Federal, como o nosso, consiste precisamente em distribuir o Poder Pblico por todas as entidades autnomas que o compem, para que cada qual o exera nos limites das competncias que lhe foram outorgadas pela Constituio (SILVA, 1998, p.49) Em matria ambiental, a competncia legislativa, em regra, concorrente entre Unio, Estados e Distrito Federal, de acordo com o art. 24, VI, VII e VIII da CF:Art. 24. Compete Unio, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: [...] VI - florestas, caa, pesca, fauna, conservao da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteo do meio ambiente e controle da poluio; VII - proteo ao patrimnio histrico, cultural, artstico, turstico e paisagstico; VIII - responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artstico, esttico, histrico, turstico e paisagstico;

Convm frisar que o Municpio, conforme entendimento doutrinrio e jurisprudencial amplamente majoritrios, pode tambm legislar sobre meio ambiente, com fundamento no art. 30, incisos I e II, ou seja, legislar sobre assuntos de interesse local e suplementar a legislao federal e estadual no que couber . J a competncia administrativa comum, sendo, portanto, dever de todos os entes da Federao, ou seja, da Unio, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios

a obrigao de preservar e proteger o meio ambiente. o que se depreende da leitura do art. 23, incisos III, IV, VI e VII da CF (os dois primeiros relativos ao meio ambiente cultural e os dois ltimos ao natural).Art. 23. competncia comum da Unio, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios: [...] III - proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histrico, artstico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notveis e os stios arqueolgicos; IV - impedir a evaso, a destruio e a descaracterizao de obras de arte e de outros bens de valor histrico, artstico ou cultural; VI - proteger o meio ambiente e combater a poluio em qualquer de suas formas; VII - preservar as florestas, a fauna e a flora;

bem verdade que cada ente federativo, por sua vez, organiza e cria seus prprios rgos e entidades outorgando-lhes atribuies especficas para atuarem nas questes ambientais, a exemplo do IBAMA, na Administrao Federal. Essa repartio de competncias internas no parece, destarte, afastar a indeclinvel obrigao genrica que qualquer outro rgo ou entidade que compe a Administrao Pblica tem de cuidar do meio ambiente, ainda que no haja previso expressa na legislao ordinria nesse sentido. Essa , sem dvida, a melhor exegese do caput do art. 225 e da anlise sistmica do texto constitucional que, por reconhecer a interdisciplinaridade e tranversalidade do tema ambiental, fazendo-o penetrar em outras reas, obriga os setores da Administrao no vinculados diretamente questo ambiental a inserirem essa preocupao no planejamento, desenvolvimento e execuo de suas atividades. Outro princpio internacional do Direito Ambiental que interessa aos propsitos desse estudo foi implicitamente incorporado ao texto constitucional. o princpio da preveno que pressupe uma ao pr-ativa do Estado e da sociedade, em geral, para evitar a ocorrncia do dano ambiental. A exigncia da realizao de estudo de impacto ambiental para instalao de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradao do meio ambiente e a obrigao do Poder Pblico de controlar a produo, a comercializao e o emprego de tcnicas, mtodos e substncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente so demonstraes da assimilao do referido princpio pela Constituio.

5.1 PRINCPIO DA ORDEM ECONMICA

No Ttulo VII, que trata da Ordem Econmica e Financeira, h referncia expressa ao meio ambiente, sendo a sua defesa erigida ao status de princpio geral da atividade econmica, conforme art. 170, VI.Art. 170. A ordem econmica, fundada na valorao do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existncia digna, conforme os ditames da justia social, observados os seguintes princpios: [...] VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e servios e de seus processos de elaborao e prestao (Redao da EC n 42/03).

Segundo o Ministro Eros Roberto Grau (2000, p.265),A Constituio, destarte, d vigorosa resposta s correntes que propem a explorao predatria dos recursos naturais, abroqueladas sobre o argumento, obscurantista, segundo o qual as preocupaes com a defesa do meio ambiente envolvem proposta de retorno barbrie .

Ainda de acordo com o ilustre ministro, o princpio da defesa do meio ambiente tratase de um dos princpios constitucionais impositivos (GRAU, 2000) que, conforme o constitucionalista portugus J. J. Gomes Canotilho (2003, p.1166), seriam aqueles que subsumem-se todos os princpios, que impem aos rgos do estado,

sobretudo ao legislador, a realizao de fins e a execuo de tarefas . Conforme Jurisprudncia do Supremo Tribunal Federal:[...] a atividade econmica no pode ser exercida em desarmonia com os princpios destinados a tornar efetiva a proteo ao meio ambiente. A incolumidade do meio ambiente no pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivaes de ndole meramente econmica, ainda mais se se tiver presente que a atividade econmica, considerada a disciplina constitucional que a rege, est subordinada, dentre outros princpios gerais, quele que privilegia a defesa do meio ambiente (CF, art. 170, VI), que traduz conceito amplo e abrangente das noes de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espao urbano) e de meio ambiente laboral. Doutrina. Os instrumentos jurdicos de carter legal e de natureza constitucional objetivam viabilizar a tutela efetiva do meio ambiente, para que no se alterem as propriedades e os atributos que lhe so inerentes, o que provocaria inaceitvel comprometimento da sade, segurana, cultura, trabalho e bem-estar da populao, alm de causar graves danos ecolgicos ao patrimnio ambiental, considerado este em seu aspecto fsico ou natural. (BRASIL, 2006).

Em face do dispositivo constitucional supracitado, no se pode mais conceber um desenvolvimento econmico desatrelado de valores ambientais. Cabe, portanto, ao Estado, com fundamento tambm no art. 225 da CF, o dever de no apenas

proteger o meio ambiente nos casos excepcionais em que intervenha diretamente na economia, mas, sobretudo, o de exigir o total cumprimento das normas ambientais pelos particulares, quando no exerccio de sua precpua funo regulatria. Ademais, deve-se lembrar tambm que a incorporao ao ordenamento jurdico de novos instrumentos econmicos seria um passo importante na direo de tornar efetivo o referido mandamento constitucional. De acordo com Arlindo Philippi Jr., Gilda Collet Bruna e Vicente Fernando Silveira (2005, p.806):A Agenda 21 preconiza que os instrumentos econmicos devem incorporar os custos ambientais s decises de produtores e consumidores, diminuindo o vis distorcido da disponibilidade absoluta dos recursos naturais. Os preos devem refletir o valor total (custos sociais e ambientais) e sua escassez relativa, contribuindo para a mitigao da degradao ambiental

Registre-se a criao em alguns estados do chamado ICMS ecolgico. O Paran foi o pioneiro, seguido pelos estados de So Paulo (1993), Minas Gerais (1995), Rondnia (1996), Rio Grande do Sul (1998), Mato Grosso do Sul (2001) e Mato Grosso (2001). Projetos relativos ao tema esto em fase de implementao ou regulamentao em Pernambuco, Tocantins e Amap, e em debate ou tramitao nas casas legislativas dos Estados da Bahia, Gois, Par, Santa Catarina, Cear e Rio de Janeiro (LOUREIRO, 2006). Nesse sentido, a reforma tributria que est em plena discusso no pas uma oportunidade mpar para o ingresso definitivo de instrumentos econmicos na legislao tributria federal, a exemplo do que est sendo feito na esfera estadual, cumprindo o legislador a obrigao a ele principalmente imposta para tornar efetivo o sobredito princpio constitucional impositivo (CANOTILHO, 2003).

5.2 A FUNO SCIO-AMBIENTAL DA PROPRIEDADE

Em que pese a Constituio de 1967 j ter tratado de forma expressa da funo social da propriedade, a Constituio de 1988, refletindo mais uma vez o esprito preservacionista que a caracterizou, deu um passo adiante nessa matria incorporando a preocupao ambiental no seu conceito.

Na oportunidade, vale ressaltar os seguintes ensinamentos:A Propriedade Privada, absoluta e ilimitada, torna-se incompatvel com a nova configurao dos direitos, que passam a tutelar Interesses Pblicos, dentre os quais a preservao ambiental. Assim, o Direito de Propriedade adquire nova configurao, e passa a estar vinculado ao cumprimento de uma Funo Social e Ambiental. limitado no interesse da coletividade e a fim de adequar-se s novas demandas de ordem ambiental (CAVEDON apud MASCARENHAS, 2005).

A concluso da existncia de uma verdadeira

funo scio-ambiental da

propriedade se extrai da anlise sistemtica de diversos dispositivos constitucionais, dentre os quais se destacam o art. 5, XXIII, segundo o qual a propriedade atender sua funo social , o art. 170 e seus incisos II, III e VI, que diz que a propriedade privada, a funo social da propriedade e a defesa do meio ambiente so princpios da ordem econmica, o art. 182, 2, que trata da funo social da propriedade urbana, o art 184, referente desapropriao por interesse social de imvel rural, o art. 186, que descreve os requisitos para a conformao da funo social, bem como e o prprio art. 225, j analisado anteriormente. O art. 186 que trata especificamente da propriedade rural merece ser aqui transcrito na ntegra por exigir de forma explcita para o efetivo cumprimento da funo social a utilizao adequada dos naturais e a preservao do meio ambiente.Art.186. A funo social cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critrios e graus de exigncia estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I aproveitamento racional e adequado;

II utilizao adequada dos recursos naturais disponveis e preservao do meio ambiente; III observncia das disposies que regulam as relaes de trabalho;

IV explorao que favorea o bem-estar dos proprietrios e dos trabalhadores.

Convm lembrar que Novo Cdigo Civil, institudo pela Lei n 10.406/02, procurando se amoldar a esses novos contornos estabelecidos pela Constituio Federal de 1988 ao direito de propriedade, contemplando o fim scio-ambiental a que ela se destina, diz expressamente em seu art. 1228, 1 :O direito de propriedade deve ser exercido em consonncia com as finalidades econmicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilbrio ecolgico e o patrimnio histrico e artstico, bem como evitada a poluio do ar e das guas.

A funo scio-ambiental da propriedade, sendo, portanto, matria constitucional e tambm disciplinada pela legislao ordinria, no pode jamais deixar de ser

observada pelo Estado. A busca de sua efetivao pelo Poder Pblico se revela imprescindvel para o desenvolvimento sustentvel. A Resoluo CONAMA 289/01, nesse sentido, veio em boa hora estabelecer diretrizes especficas para o licenciamento ambiental de projetos de assentamentos de reforma agrria, visando impedir que, a pretexto de tornar produtiva propriedade que no cumpria, nesse particular, a sua funo social, fosse realizada uma poltica de assentamento rural para fins de reforma agrria desarticulada do meio ambiente, infringindo, conseqentemente, a referida norma constitucional.

5.3 REFERNCIAS CONSTITUCIONAIS EXPLCITAS E IMPLCITAS

A doutrina ptria costuma apontar a existncia de normas constitucionais explcitas e implcitas, tratando da matria ambiental. No que tange s normas explcitas, alm dos dispositivos constitucionais j mencionados destacam-se os seguintes artigos: art. 5, inciso LXXIII (confere legitimao a qualquer cidado para propor ao popular que vise anular ato lesivo ao meio ambiente e ao patrimnio histrico e cultural); art. 20, inciso II (considera bens da Unio as terras devolutas indispensveis preservao ambiental); art. 91, 1, inciso III (outorga ao Conselho de Defesa Nacional a competncia para propor os critrios e condies de utilizao das reas indispensveis segurana do territrio nacional e opinar sobre seu efetivo uso, especialmente nas reas de fronteira e nas relacionadas com a preservao e a explorao dos recursos naturais de qualquer tipo ; art. 129, inciso III (declara ser uma das funes institucionais do Ministrio Pblico promover o inqurito civil e a ao civil pblica, para a proteo do patrimnio pblico e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos ; art. 174, 3 (determina que o Estado favorecer a organizao da atividade garimpeira em cooperativas, levando em conta a proteo do meio ambiente e a promoo econmico-social dos garimpeiros); art. 200, inciso VIII (atribui, textualmente, ao Sistema nico de Sade SUS a obrigao de colaborar

na proteo do meio ambiente); art. 216, inciso V (declara constituir patrimnio cultural brasileiro os conjuntos urbanos e de valor histrico, paisagstico, artstico, arqueolgico, paleontolgico, ecolgico e cientfico ; art. 220, 3, II (diz que lei

federal deve estabelecer os meios legais que garantam pessoa e famlia de se defenderem [...] da propaganda de produtos, prticas e servios que possam ser nocivos sade e ao meio ambiente ); e art. 231, 1 (define as terras tradicionalmente ocupadas pelos ndios como aquelas por eles habitadas em carter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as

imprescindveis preservao dos recursos ambientais necessrios a seu bem estar e s necessrias sua reproduo fsica e cultural, segundo seus usos, costumes e tradies ) (SILVA, 1998). Para os fins especficos do presente estudo, merecem ateno especial os artigos 91, 1, inciso III e 200, inciso VIII, por atriburem expressamente a rgos no originalmente vocacionados proteo ambiental a obrigao de tambm cumprirem esse desiderato. Quanto s normas implcitas, no se faz necessrio para os restritos limites desse trabalho tentar identificar todas elas, nem mesmo transcrever as j reveladas pela doutrina. Basta registrar que, para enumerar algumas delas, a doutrina se baseou nas j apontadas transversalidade e interdisciplinaridade do Direito Ambiental. o que se verifica, por exemplo, quando certos autores indicam o art. 21, XX que trata da competncia da Unio para instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitao, saneamento bsico e transportes urbanos como uma dessas inmeras normas implcitas (ANTUNES, 2004; SILVA, 1998). O ltimo autor citado fundamenta a referida concluso, asseverando que diretrizes para o desenvolvimento urbano, incluindo habitao, saneamento bsico e transportes urbanos matria urbanstica que inclui o Direito Ambiental, lembrando ainda que deve ser preocupao da Unio regular, segundo ele, assunto de enorme potencial contaminador transportes urbanos onde carece interferir para impor

conduta no poluidora (SILVA, 1998, p.28).

6 O PRINCPIO DA EFICINCIA NA ADMINISTRAO PBLICA

Antes de dar-se incio anlise da Administrao Pblica Federal e da repartio interna das competncias ambientais nesse mbito, faz-se necessrio abordar as conseqncias jurdicas da novel redao do art. 37, caput da CF, determinada pela Emenda Constitucional n 19/98, que, de forma expressa, diz ser a eficincia um dos princpios da Administrao Pblica. Segundo um ilustre Procurador da Repblica, para a doutrina mais autorizada, as normas jurdicas que compem o ordenamento positivo podem assumir duas configuraes bsicas: regras (ou disposies) e princpios (SARMENTO, 2003, p.42) destacando:Os princpios representam as traves-mestras do sistema jurdico, irradiando seus efeitos sobre diferentes normas e servindo de balizamento para a interpretao e integrao de todo o setor do ordenamento em que radicam. Revestem-se de um grau de generalidade e de abstrao superior ao das regras, sendo, por conseqncia, menor a determinabilidade do seu raio de aplicao. Ademais, os princpios possuem um colorido mais acentuado do que as regras, desvelando mais nitidamente os valores jurdicos e polticos que condensam. (SARMENTO, 2003, p.42).

Elevado ao status de princpio constitucional, a eficincia, nesse sentido, adquire fora e dimenso ainda maiores, na medida em que os efeitos e caractersticas apontados pelo eminente autor potencializam-se e passam a atingir todo o ordenamento jurdico ptrio, servindo, inclusive, como parmetro para avaliar a constitucionalidade ou no de determinada poltica pblica. Mesmo entendendo que a eficincia da Administrao Pblica j era exigvel antes da Emenda Constitucional n 19/98, no resta dvida de que, ainda que no primeiro instante parea um simples adorno agregado ao art. 37 ou o extravasamento de uma aspirao dos que burilam no texto (MELLO, 2004, p.112), a sua previso expressa como princpio da administrao alcana relevncia fundamental. Pietro (2000, p. 83), salienta:O princpio da eficincia apresenta, na realidade, dois aspectos: pode ser considerado em relao ao modo de atuao do agente pblico, do qual se espera o melhor desempenho possvel de suas atribuies, para lograr os melhores resultados; e em relao ao modo de organizar, estruturar, disciplinar a Administrao Pblica, tambm com o mesmo objetivo de alcanar os melhores resultados na prestao do servio pblico.

No mesmo sentido, aduz outro autor:

[...] o princpio da eficincia no alcana apenas os servios pblicos prestados diretamente coletividade. Ao contrrio, deve ser observado tambm em relao aos servios administrativos internos das pessoas federativas e das pessoas a elas vinculadas [...] significa que a Administrao deve recorrer a moderna tecnologia e aos mtodos hoje adotados para obter a qualidade total da execuo das atividades a seu cargo (CARVALHO FILHO, 2006, p.23).

Outra interpretao doutrinria do referido princpio constitucional que merece destaque pela sua completude a seguinte:Assim, princpio da eficincia o que impe administrao pblica direta e indireta e a seus agentes a persecuo do bem comum, por meio do exerccio de suas competncias de forma imparcial, neutra, transparente, participativa, eficaz, sem burocracia e sempre em busca da qualidade, primando pela adoo dos critrios legais e morais necessrios para a melhor utilizao possvel dos recursos pblicos, de maneira a evitarem-se desperdcios e garantir-se maior rentabilidade social (MORAES, 1999, p.298).

Outro jurista assevera:Do exposto at aqui, identifica-se no princpio constitucional da eficincia trs idias: prestabilidade, presteza e economicidade. Prestabilidade, pois o atendimento prestado pela Administrao Pblica deve ser til ao cidado. Presteza porque os agentes pblicos devem atender o cidado com rapidez. Economicidade porquanto a satisfao do cidado deve ser alcanada do modo menos oneroso possvel ao Errio pblico. Tais caractersticas dizem respeito quer aos procedimentos (presteza, economicidade), quer aos resultados (prestabilidade), centrados na relao Administrao Pblica/cidado (COSTODIO apud VETTORATO, 2003).

Assim, prossegue o autor:Ocorre que h tambm outra espcie de situao a ser considerada quanto Administrao e que no engloba diretamente os cidados. Trata-se das relaes funcionais internas mantidas entre os agentes administrativos, sob o regime hierrquico. Nesses casos, fundamental que os agentes que exeram posies de chefia estabeleam programas de qualidade de gesto, definio de metas e resultados, enfim, critrios objetivos para cobrar de seus subordinados eficincia nas relaes funcionais internas depender a eficincia no relacionamento Administrao Pblica/cidado (COSTODIO apud VETTORATO, 2003).

E conclui:Observando esses dois aspectos (interno e externo) da eficincia na Administrao Pblica, ento, poder-se-ia enunciar o contedo jurdico do princpio da eficincia nos seguintes termos: a Administrao Pblica deve atender o cidado na exata medida da necessidade deste com agilidade, mediante adequada organizao interna e timo aproveitamento dos recursos disponveis. (COSTODIO apud VETTORATO, 2003).

Para o renomado constitucionalista Jos Afonso da Silva (2006), a Administrao pblica atinge eficincia quando utiliza melhor dos recursos e meios (humanos, materiais e institucionais), visando uma melhor satisfao das necessidades coletivas.

Para Gustavo Vettorato (2003), o princpio da eficincia administrativa deve ser interpretado de forma a abalizar a melhor utilizao dos inputs administrativos (recursos, meios e esforos), bem como os seus outputs (resultados) . Para cumprir esse desiderato constitucional ou, em outras palavras, para tornar efetivo o princpio constitucional sob exame preciso que a Administrao Pblica se modernize, incorpore novas tcnicas de gesto, otimizando a utilizao dos recursos pblicos com o fim de atingir melhores resultados na satisfao do bem comum. O princpio constitucional da eficincia da Administrao Pblica, nessa perspectiva, representa importante base jurdica para a construo de novos modelos de gesto pblica, participativos, democrticos, descentralizados, intersetoriais, bem como para o abandono progressivo do atual modelo burocrtico, centralizador, assistencialista predominante no pas. Oportuno registrar tambm que, em que pese o conceito de eficincia ter sido extrado da economia (SILVA, 2006), seu significado no Direito Constitucional adquire conotao bem mais ampla e abrangente. Segundo aquela cincia, a eficincia seria alcanada com a racionalizao dos meios e recursos para a obteno de melhores resultados, sendo a eficcia objeto de estudo parte. Para o Direito Constitucional, no entanto, a eficcia deve integrar o prprio conceito de eficincia, previsto no art. 37, caput. de se notar que, mesmo no tendo a doutrina se preocupado em enfrentar diretamente o tema, parcela dos autores, ao analisar o principio de eficincia, referese eficcia como parte integrante do conceito constitucional do referido princpio. Alexandre de Moraes (1999), por exemplo, conforme restou demonstrado, indica que a eficincia atingida quando a Administrao Pblica, dentre outros fatores, eficaz em suas aes. Realmente, salvo melhor juzo, essa a melhor interpretao do termo eficincia luz da hermenutica constitucional. Segundo uma das regras de hermenutica constitucional, o significado das palavras contidas no texto constitucional deve ser, em regra, o da linguagem comum, somente se admitindo o sentido tcnico quando o contexto constitucional, nesse sentido, apontar (TAVARES, 2006).

de se notar que eficincia para o senso comum significa tambm eficcia. No Dicionrio Aurlio eficincia tambm ao, fora, virtude de produzir um efeito; eficcia (FERREIRA, 1979, p.434). Inexistindo qualquer fundamento constitucional plausvel que justifique se recorrer ao sentido tcnico da palavra no pode o interprete, ao analisar o caput do art. 37, afastar o significado supracitado. Ademais, deve-se lembrar o princpio da mxima efetividade , segundo o qual a uma norma constitucional deve ser atribudo o sentido que maior eficcia lhe d (CANOTILHO. 2003, p.1224). A interpretao no sentido de que a eficcia parte integrante do conceito constitucional de eficincia administrativa a que parece oferecer maior garantia a sociedade. Desse modo, para fins da completa observncia do referido princpio constitucional a Administrao Pblica deve no s racionalizar meios e recursos para melhor satisfazer as necessidades pblicas, mas tambm tornar, de maneira geral, suas aes efetivamente capazes de solucionar os problemas. No caso especfico do meio ambiente, deve-se ressaltar que a eficincia s plenamente atingida quando a ao administrativa revela-se, em regra, capaz de evitar a ocorrncia do dano ambiental. que no Direito Ambiental o referido princpio administrativo tem que ser estudado luz do princpio da preveno. Portanto, no cumpre o mandamento constitucional a Administrao Pblica que se omite no seu dever de fiscalizar, quedando-se inerte espera da materializao do dano para a tomada de providncias. preciso esclarecer que no se trata de uma simples vontade dos rgos ambientais. Ainda que, hipoteticamente falando, fossem eles dotados de excelente estrutura tcnica, operacional, logstica e tecnolgica, dispusessem de um nmero suficiente de tcnicos para atendimento s diversas demandas e a eles fossem destinadas grossas fatias de recursos pblicos, nunca, trabalhando isoladamente e sem o apoio dos demais setores do governo e da prpria sociedade, conseguiriam ser eficientes no sentido acima exposto. foroso reconhecer, portanto, a necessidade de uma maior articulao, comunicao e integrao entre os diversos setores do governo para que possa de

fato a Administrao Pblica ser, de modo geral, efetivamente eficiente na tutela ambiental, respeitando o aludido mandamento constitucional.

7 O MEIO AMBIENTE NA ADMINISTRAO FEDERAL

Em regra, cada rea de atuao do Estado no mbito federal representada por um ministrio distinto. Sem embargo, compulsando a Lei n 10.683/03, que dispe sobre a organizao da Presidncia da Repblica e dos Ministrios, verifica-se que a repartio de competncias entre os ministrios no realizada de maneira absoluta e estanque. H uma certa flexibilizao justamente por reconhecer o legislador a influncia que cada uma das diversas reas exerce sobre as demais. Dentre as competncias dos diversos ministrios freqentemente se observam temas relacionados ao meio ambiente, mesmo havendo um ministrio especialmente dedicado matria. que a sua ntida transversalidade e evidente

interdisciplinaridade, j apontadas, dificultam ou mesmo impossibilitam a diviso estanque de atribuies entre os diversos setores. Importante, nesse contexto, recordar as lies de um insigne professor de Direito Ambiental:Um superministrio do meio ambiente no foi criado no Brasil e isso no desejvel para a eficaz administrao ambiental [...] nas questes ambientais no se podem criar oportunidades para uma administrao monoltica fechada em si mesma com unidade de canais de comunicao e de deciso, dando-se portanto oportunidade a erros de inoperncia ou de aes mal concebidas ou mal executadas [...] A redundncia geralmente definida como superposio intil ou o que os reformadores da Administrao americana chamam de duplicao. Contudo, a redundncia meio de proporcionar mecanismos de funcionamento seguro para manter o sistema operando, na suposio de que erros ocorrero e de que a contnua operao de uma mquina ou de uma organizao requer outros canais por onde passem as comunicaes e vrios fatores que possam agir sobre assuntos, quer estejam juntos ou separados (MACHADO, 2006, p.166).

Ao Ministrio da Agricultura, Pecuria e Abastecimento, por exemplo, confere a aludida lei competncia para defesa sanitria animal e vegetal; para proteo, conservao e manejo do solo, voltados ao processo produtivo agrcola e pecurio; bem como para pesquisa tecnolgica em agricultura e pecuria, meteorologia e climatologia.

Assuntos de competncia do Ministrio das Cidades, tais como desenvolvimento urbano, habitao, saneamento ambiental, transporte urbano e trnsito so temas relacionados ao meio ambiente urbano, campo tambm de preocupao do Direito Ambiental. Quanto poltica nacional de biossegurana e poltica nuclear, que ficam a cargo do Ministrio da Cincia e Tecnologia, nada precisa ser dito a respeito das suas ntimas relaes com o setor ambiental. A poltica nacional de cultura e a proteo do patrimnio histrico e cultural so conferidas ao Ministrio da Cultura. Ao Ministrio da Defesa outorgado expressamente o importante papel de, por meio das Foras Armadas, prestar apoio ao combate a delitos ambientais. A promoo do desenvolvimento sustentvel do segmento rural constitudo pelos agricultores familiares, por sua vez, elencada como uma das atividades de competncia do Ministrio do Desenvolvimento Agrrio. Ao Ministrio da Educao atribuda a competncia para assuntos relacionados poltica nacional de educao que, obviamente, deve contemplar temas relativos educao ambiental. De acordo ainda com a sobredita lei, competncia do Ministrio da Justia a defesa dos bens e dos prprios da Unio e das entidades integrantes da Administrao Pblica Federal indireta. Recorde-se que, conforme o art. 20 da CF, so bens da Unio: as terras devolutas indispensveis preservao ambiental (inciso II); os lagos, rios e quaisquer correntes de gua em terrenos de seu domnio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros pases, ou se estendam a territrio estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais (inciso III); as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limtrofes com outros pases; as praias martimas; as ilhas ocenicas e as costeiras, excludas, destas, as que contenham a sede de Municpios, exceto aquelas reas afetadas ao servio pblico e a unidade ambiental federal, e s referidas no art. 26, II (inciso IV); os recursos naturais da plataforma continental e da zona econmica exclusiva (inciso V); o mar territorial (inciso VI); os terrenos de marinha e seus acrescidos (inciso VII); os potenciais de energia hidrulica (inciso VIII); os recursos minerais, inclusive os do subsolo (inciso IX); as cavidades naturais subterrneas e

os stios arqueolgicos e pr-histricos (inciso X); as terras tradicionalmente ocupadas pelos ndios (inciso XI). Ao Ministrio de Minas e Energia, por sua vez, compete temas como geologia, recursos minerais e energticos; aproveitamento da energia hidrulica; minerao e metalurgia; petrleo, combustvel e energia eltrica, inclusive nuclear. As polticas pblicas referentes a essas questes, certamente, exigem uma forte preocupao ambiental dos rgos responsveis pela sua execuo. A formulao do planejamento estratgico nacional, a avaliao dos impactos socioeconmicos das polticas e programas do Governo Federal, a elaborao de estudos especiais para a reformulao de polticas, bem como a poltica e diretrizes para modernizao do Estado so matrias de competncia do Ministrio do Planejamento, Oramento e Gesto que tambm devem necessariamente contemplar o tema ambiental. O Ministrio das Relaes Exteriores responsvel pela poltica internacional, pela participao nas negociaes comerciais, econmicas, tcnicas e culturais com governos e entidades estrangeiras, bem como por programas de cooperao internacional. Conforme j demonstrado, o meio ambiente de interesse planetrio, ultrapassa as fronteiras e exige esforos de todos os povos para a sua defesa e proteo. Nesse sentido, nos trs assuntos de sua competncia apontados, o Ministrio das Relaes Exteriores deve exercer importante participao na proteo ambiental. Dentre os assuntos que competem ao Ministrio da Sade est a sade ambiental, rea cujo campo de atuao, como se ver mais detidamente adiante, pouco se distancia do setor ambiental, havendo, muitas vezes, quase uma confuso entre eles. Finalmente, ao Ministrio do Meio Ambiente, com fulcro no art. 27, XV da referida lei, competem os seguintes assuntos: a) poltica nacional do meio ambiente e dos recursos hdricos; b) poltica de preservao, conservao e utilizao sustentvel de ecossistemas, e biodiversidade e florestas; c) proposio de estratgias, mecanismos e instrumentos econmicos e sociais para a melhoria da qualidade ambiental e do uso sustentvel dos recursos naturais; d) polticas para integrao do

meio ambiente e produo; e) polticas e programas ambientais para a Amaznia Legal; f) zoneamento ecolgico-econmico. Na realidade, quando se faz uma anlise mais aprofundada do art. 27 da referida lei federal, difcil mesmo no enxergar matria ambiental no mbito de competncia de cada um dos ministrios. Certamente, alm dos j enumerados, possvel vislumbrar muitos outros temas pulverizados dentre as atribuies dos diversos setores. Lenir Santos (2006, p.20), comentando o assunto, assevera:Na atuao administrativa dos 23 ministrios, muitas atividades sero comuns, intersetoriais, pressupondo a ao coordenada e integrada de diversos rgos. A prpria lei 10.683/03 confere atribuies comuns a mais de um Ministrio. o caso do Ministrio do Meio Ambiente que dever atuar, em alguns casos, em conjunto com o Ministrio da Agricultura, Pecuria e Abastecimento; com o Ministrio do Desenvolvimento, Indstria e Comrcio Exterior e com o Ministrio Da Integrao Nacional, nas de zoneamento ecolgico-econmico, poltica de preservao, conservao e utilizao sustentvel de ecossistemas e biodiversidade.

Dessa forma, est provado que a disciplina legal da distribuio de competncias entre os ministrios no s permite, como pressupe, em algumas situaes, a realizao de aes interligadas, articuladas ou, em outras palavras, intersetoriais entre os mesmos, especialmente no tocante defesa e proteo do meio ambiente, mesmo quando no seja explcita nesse sentido.

7.1 O MINISTERIO DO MEIO AMBIENTE

De acordo com o art. 29, XV da Lei n 10683/03, so integrantes do Ministrio do Meio Ambiente, o Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA, o Conselho Nacional da Amaznia Legal, o Conselho Nacional de Recursos Hdricos, o Conselho de Gesto do Patrimnio Gentico, o Conselho Deliberativo do Fundo Nacional do Meio Ambiente, o Servio Florestal Brasileiro, a Comisso de Gesto de Florestas Pblicas e at 5 (cinco) Secretarias. Alm dos rgos mencionados, destacam-se os denominados especficos singulares previstos no Decreto 2.972/99, quais sejam: a Secretaria de Qualidade Ambiental nos Assentamentos Humanos, Secretaria de Biodiversidade e Florestas, Secretaria

de Recursos Hdricos, Secretaria de Polticas para o Desenvolvimento Sustentvel e Secretaria de Coordenao da Amaznia. Merece ateno especial o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovveis IBAMA, Autarquia Federal de Regime Especial, vinculada

tambm quele Ministrio, dotada de autonomia administrativa e financeira, com a finalidade de assessor-lo na formao e coordenao, bem como executar e fazer executar a poltica nacional do meio ambiente e da preservao, conservao e uso racional, fiscalizao, controle e fomento dos recursos naturais (art. 2 da Lei n 7.735/89).

7.2 A POLTICA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE

A Poltica Nacional do Meio Ambiente, instituda pela Lei n 6.938/81, representa um passo pioneiro no s para a proteo ambiental, mas tambm para a histria da prpria Administrao Pblica bra