MV Jorge Barrientos Direito Técnica e Imagem

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    DIREITO,TCNICA, IMAGEM

    OS LIMITES E OSFUNDAMENTOS DO HUMANO

    JORGE BARRIENTOS-PARRA EMARCUS VINICIUS A. B. DE MATOS(ORGS.)

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    CONSELHO EDITORIAL ACADMICO

    Responsvel pela publicao desta obra

    Paulo Csar Corra Borges

    Elisabete Maniglia

    Kelly Cristina Canela

    Jos Duarte Neto

    Antonio Alberto Machado

    Juliana Frei Cunha

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    JORGE BARRIENTOS-PARRAMARCUS VINICIUS A. B. DE MATOS(ORGS.)

    DIREITO, TCNICA,

    IMAGEMOS LIMITES E OSFUNDAMENTOS DO

    HUMANO

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    2013 Editora Unesp

    Cultura Acadmica

    Praa da S, 10801001-900 So Paulo SPTel.: (0xx11) 3242-7171Fax: (0xx11) [email protected]

    CIP BRASIL. Catalogao na Fonte

    Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ__________________________________________________________________________

    D635

    Direito, tcnica, imagem [recurso eletrnico]: os limites e os fundamentos do hu-

    mano/organizao Jorge Barrientos-Parra, Marcus Vinicius A. B. De Matos. So

    Paulo: Cultura Acadmica, 2013.

    recurso digital

    Formato: ePDF

    Requisitos do sistema: Adobe Acrobat Reader

    Modo de acesso: World Wide Web

    Inclui bibliografia

    ISBN 978-85-7983-472-1 (recurso eletrnico)

    1. Direitos fundamentais. 2. Direitos humanos. 3. Livros eletrnicos. I.

    Barrientos-Parra, Jorge. II. Matos, Marcus Vinicius A. B. De.

    14-08259 CDU: 342.7__________________________________________________________________________

    Este livro publicado pelo Programa de Publicaes Digitais da Pr-Reitoria de Ps-

    -Graduao da Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho (Unesp)

    Editora afiliada:

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    SUMRIO

    Sobre os autores 7

    Prefcio (Paulo Csar Corra Borges) 11

    Introduo (Jorge Barrientos-Parra) 13

    PARTE I Direito, Poltica, Controle: tcnica e tecnologiacomo fundamento do poder 19

    1 Tcnica, dessimbolizao e o papel do Direito (Willem H.Vanderburg) 212 Risco e sofrimento evitvel: estmulos e justificativas para a

    ampliao do controle na sociedade tcnica (Marcus ViniciusA. B. De Matos e Priscila Vieira e Souza) 53

    3 Levar a poltica a srio na sociedade tcnica: contra a ilusopoltica e o apolitismo aberto (Patrick Troude-Chastenet) 75

    4 Tecnologia, Democracia e Emancipao: um dilogo brasileirocom o pensamento de Jacques Ellul (Talita Tatiana Dias Ram-pin, Lillian Ponchio e Silva, Roberto Brocaneli Corona) 95

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    PARTE II Direito, Biotica, Imagem: as tcnicas e os dom-nios sobre o corpo e a mente 121

    5 A imagem e a palavra (Marcus Vinicius A. B. De Matos) 1236 Reflexes bioticas a partir da tcnica e do mito da liberdade

    em Jacques Ellul (Lillian Ponchio e Silva, Talita Tatiana DiasRampin, Joo Bosco Penna) 153

    7 Macrobiotica e tutela dos direitos humanos na civilizaotcnica (Roberto Galvo Faleiros Jnior e Paulo Csar CorraBorges) 163

    8 A Palavra Humilhada e a Construo Tcnica da Ideologiapela Indstria Cultural: uma viso crtica sobre a televiso(Taylisi de Souza Corra Leite) 179

    9 Desmistificando para ressignificar: a interao entre trabalho,lazer e tcnicas do homem no pensamento de Jacques Ellul(Jlia Lenzi Silva e Jorge Barrientos-Parra) 195

    10 Uma leitura sobre justia e tcnica na teoria do Direito de on-

    tem e hoje (Vincius Reis Barbosa) 21311 A Tcnica como desafio do sculo XXI (Jorge Barrien-

    tos-Parra) 23512 O uso das novas tecnologias na veiculao da publicidade: a alie-

    nao como instrumento da tcnica (Daiene Kelly Garcia) 249

    Referncias 267

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    SOBREOSAUTORES(por ordem de apario dos artigos)

    Paulo Csar Corra Borges professor doutor da graduao

    e da ps-graduao em Direito; coordenador da Ps-graduao em

    Direito na Faculdade de Cincias Humanas e Sociais da Universida-

    de Estadual Paulista (Unesp) campusde Franca, SP; coordenador doNcleo de Estudos da Tutela Penal e Educao em Direitos Humanos

    NETPDH; promotor de justia em Franca.

    Willem H. Vanderburg diretor do Centre for Technologyand Social Developmente professor titular no Department of CivilEngineering da Universityof Toronto; editor-in-chiefdo peridi-

    co Bulletin of Science, Technology and Society (indexado e publicadopela Sage Press); e foi fundador e presidente da International Asso-ciation for Science, Technology and Society.

    Marcus Vinicius A. B. De Matos doutorando em Direitopelo Birkbeck College (University of London),e associate tutornaSchool of Law da mesma instituio, onde leciona Legal Methods

    and Legal Systems; mestre em Direito pela UFRJ; pesquisador doGrupo de Pesquisas sobre Jacques Ellul Diretrio do CNPq; ebolsista Capes de Doutorado Pleno no Exterior.

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    8 JORGE BARRIENTOS-PARRA MARCUS VINICIUS A. B. DE MATOS (ORGS.)

    Priscila Vieira e Souza pesquisadora associada naSchool of Arts, Birkbeck College (University of London); bol-

    sista Capes de Estgio de Doutorado Sanduche no Exterior;doutoranda e mestre pelo Programa de Ps-graduao em Co-municao e Cultura PPGCOM, na Escola de Comunicao ECO, da UFRJ.

    Patrick Troude-Chastenet professor de Cincia Poltica daUniversit Montesquieu Bordeaux IV; presidente da Association

    Internationale Jacques Ellul; diretor dos Cahiers Jacques Ellul emembro do Conselho de Administrao da The International Jac-ques Ellul Society.

    Talita Tatiana Dias Rampin mestre em Direito pelaUnesp, advogada e assistente de pesquisa no Instituto de Pesqui-sas Econmicas Aplicadas - Ipea, em Braslia.

    Lillian Ponchio e Silva advogada, mestre em Biotica eBiodireito pela Unesp, coordenadora do curso de Direito da Facul-dade Barretos, e coordenadora da Comisso OAB vai Escola da7 Subseo da OAB em Barretos.

    Roberto Brocaneli Corona mestre e doutor em Direitopela PUC-SP e professor do Programa de Mestrado em Direitoda Faculdade de Cincias Humanas e Sociais da Unesp, campusdeFranca, onde leciona Tutela dos Direitos da Personalidade, almde procurador de universidade.

    Joo Bosco Penna mdico, doutor em Medicina Legal pelaUniversidade de So Paulo (USP), ps-doutor pela UniversidadeFederal de So Paulo (Unifesp) e pela Universidade de Coimbra. livre-docente pela Unesp e membro do corpo docente do Mestradoem Direito da Unesp.

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    Roberto Galvo Faleiros Jnior mestre em Direito pelaFaculdade de Cincias Humanas e Sociais da Unesp, campus de

    Franca. Integrante do Ncleo de Estudos da Tutela Penal e Edu-cao em Direitos Humanos e do Observatrio de Biotica e Direi-to, ambos da Faculdade de Cincias Humanas e Sociais da Unesp,campusde Franca.

    Taylisi de Souza Corra Leite graduada e mestre em Direitopela Unesp-Franca. Especialista em Direito Penal pela EPD. Pro-

    fessora universitria e pesquisadora.

    Jlia Lenzi Silva bacharel e mestranda em Direito pelaUnesp, campus de Franca. Bolsista Fapesp. Integrante do Ncleode Estudos de Direito Alternativo-Neda e do Ncleo de Estudos daTutela Penal e Educao em Direitos Humanos NETEPDH.

    Jorge Barrientos-Parra doutor em Direito pela Universi-t Catholique de Louvain, mestre pela Universidade de So Paulo(USP); lder do Grupo de Pesquisas sobre Jacques Ellul Diretriodo CNPq; leciona Direito da Sociedade Tecnocrtica no Progra-ma de Mestrado em Direito da Unesp, campusde Franca, e DireitoConstitucional no curso de Administrao Pblica da Unesp, cam-pusde Araraquara.

    Vincius Reis Barbosa mestrando do Programa de Ps--graduao em Direito da Unesp, campus de Franca. Membro doNcleo de Estudos de Direito Alternativo da Unesp, em Franca(Neda). Bolsista da Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal deNvel Superior (Capes).

    Daiene Kelly Garcia advogada, mestranda em Direito pelo

    Programa de Ps-Graduao da Unesp, campusde Franca e mem-bro do Grupo de Pesquisa CNPq Estudos sobre Jacques Ellul.

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    PREFCIO

    Coube-me a elevada honra de prefaciar a obra coordenadapelo prof. dr. Jorge Barrientos-Parra, um dos mais profundos pes-quisadores da doutrina do pensador Jacques Ellul, para alm doPrograma de Ps-graduao em Direito da Unesp, porquanto temrealizado seguidos seminrios anuais, que j ultrapassaram sua s-tima edio, com a participao de renomados pesquisadores deoutras instituies de ensino superior, do Brasil e do exterior, osquais se tornaram referncia na temtica do uso da tcnica e datecnologia como fundamento de poder e de domnio do corpo e damente, no mundo contemporneo.

    A partir da nucleao levada a efeito por Barrientos-Parra, pormeio do Grupo de Estudos sobre Jacques Ellul no Brasil, almdos eventos cientficos realizados no Brasil e no exterior, a produ-o cientfica tem se tornado prodigiosa, como se pode concluir commais este livro que organizou com contribuies de pesquisadoresda mais alta capacidade intelectual e profundidade de abordagens.

    Esta coletnea imprescindvel para qualquer estudioso do pensa-

    mento de Jacques Ellul e insere a pesquisa da Unesp e da rede de pes-quisadores associados ao Grupo de Estudos, coordenado por Barrien-tos-Parra, no plano da pesquisa de referncia nacional e internacional.

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    A obra intitulada Direito, Tcnica, Imagem: os limites e os fun-damentos do Humano foi subdividida em duas partes, tratando a

    primeira das relaes de poder entre Direito, Poltica e controle, en-fatizando a tcnica e a tecnologia como fundamentos do poder, emque so abordadas questes de suma importncia para a sociedadecontempornea, inclusive enfrentando aspectos internacionais sen-sveis ao Direito, a par de um dilogo brasileiro com o pensamen-to elluliano, diante de aspectos nevrlgicos para a democracia e aemancipao, contrapostos s justificativas para ampliao do con-

    trole na sociedade tcnica.Na segunda parte, os estudos transpassam as questes polticase desembocam na anlise das tcnicas de dominao dos corpos edas mentes, buscando aprofundar a perspectiva elluliana em rela-o ao Direito e Biotica, alm da prpria imagem, revelando suatransversalidade temtica, para enfatizar os desafios da Tcnica nosculo XXI.

    Postas tais premissas, a comunidade acadmica recebe umaobra indissocivel do pensamento elluliano da mais alta qualidadedoutrinria e investigativa, como fruto da organizao e dedicaodo prof. dr. Jorge Barrientos-Parra, cuja vinculao ao Programa dePs-graduao em Direito da Unesp motivo de orgulho, pois, porsi s, j indica a excelncia da pesquisa produzida e sua insero nocenrio internacional, com originalidade e ineditismo, ao lado de ou-tros grandes nomes que contriburam com os artigos da coletnea.

    Paulo Csar Corra Borges1

    1 Paulo Csar Corra Borges professor doutor da graduao e da ps-graduaoem Direito, coordenador da Ps-graduao em Direito na Faculdade de CinciasHumanas e Sociais da Unesp Universidade Estadual Paulista campusde Franca(SP), coordenador do Ncleo de Estudos da Tutela Penal e Educao em DireitosHumanos NETPDH e promotor de justia em Franca.

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    INTRODUO

    Jacques Ellul (1912-1994) desenvolveu uma profcua atividadecomo professor de Histria das Instituies no Instituto de CinciaPoltica de Bordeaux e de Direito Romano na Faculdade de Direito

    da Universidade de Bordeaux. Escreveu mais de cinquenta livros evrias centenas de artigos refletindo sobre a condio e o destino dohomem na sociedade tcnica, termo por ele utilizado para referir-se sociedade contempornea. Foi publicado em muitos pases, desdea Inglaterra at o Japo, passando pela Sucia, Dinamarca, Rssia,Estados Unidos, Coreia do Sul e Brasil, entre outros. Neste tempoem que a tcnica e as exigncias de inovao passam a ocupar o pri-

    meiro lugar no dia a dia das pessoas, independentemente da sua si-tuao social, estudar Ellul transformou-se em tarefa necessria paradecifrar o complexo mundo contemporneo.

    Segundo Ellul, se Marx tivesse vivido em nossa poca e se per-guntasse sobre o fator determinante em nossos dias, sem dvida te-ria respondido que a tcnica o que conduz o mundo. J nos anos1930, Ellul pensa a tcnica como un procdgnrale no simples-

    mente um meio da indstria simbolizado pela mecanizao. Paraele, o progresso tcnico engendra um fenmeno de proletarizaogeneralizada, que abrange toda a humanidade e todos os aspectosda vida humana, superando a dimenso puramente econmica ana-

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    lisada por Marx. Nestes dias em que o mundo toma conhecimentoda existncia de programas secretos de monitoramento de telefones

    e de e-mails de cidados dos Estados Unidos, do Brasil, e de dezenasde pases, por agncias governamentais, percebemos que essa prole-tarizao inclui a liberdade e a privacidade de ns todos.

    Ellul nunca foi um tecnfobo, antitcnico, um inimigo das tc-nicas ou um oppos la technique,como foi muitas vezes qualifi-cado. Para ele, isso era to absurdo como dizer que ele era contrrioa uma avalanche de neve ou a um cncer. A sua posio era radical,porm sbia: ele reconhecia evidentemente que a tcnica nos aportaprodutos muito teis, agradveis e confortveis. Em uma passagemdo seu Le bluff technologique (1998, p.21-22), esclarece:

    En dfinitive, ce que jcrivais (et mon avertissement aujourdhui cor-respond exactement celui de 1954) avait pour but de faire prendreconscience du potentiel avenir, contenu dans la Technique, de ce quirisquait de survenir tant donn la logique de croissance, afin prcis-

    ment que, du fait de cette prise de conscience, les hommes de lOccidentsoient capables de reagir, et de procder une matrise de cette techni-que, qui leur chappait sans quils sen rendent compte.

    Por que ler, ento, Jacques Ellul nos dias de hoje? Em primeirolugar, pela relevncia dos assuntos que tratou, a saber: tcnica, eco-nomia, poltica, informao e propaganda, ecologia, revoluo, His-

    tria das Instituies, tica e teologia tpicos importantes para osoperadores do Direito, para os administradores e para os estudiososdas Cincias Humanas e das Cincias Sociais Aplicadas.

    Alm do seu singular aporte no estudo da tcnica, Ellul destacou--se em seu pioneirismo em relao a temas como aquecimento global,perda da biodiversidade, poluio atmosfrica, esgotamento de recur-sos energticos, escassez dgua, desmatamento das florestas tropicais,

    lixo nuclear, organismos geneticamente modificados, decrescente fer-tilidade masculina, catstrofes ambientais, clonagem e o terrorismomuulmano. Em relao a este ltimo, transcrevo uma passagem doLe bluff technologique (ibidem, p.428) que fala por si s:

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    [...] lislam est du tiers monde. Il gagne une vitesse extraordinairetoute lAfrique noire, il mord de plus em plus largement en Asie. Or,cest une idologie la fois unificatrice, mobilisatrice, et combattante. partir de ce moment, nous allons tre engages dans une vritable guerremene par le tiers monde contre les pays dvelopps. Une guerre quisexprimera de plus en plus par le terrorisme, et aussi par linvasionpacifique [] il a deux armes fantastiques: le dvouement illimit deses kamikazes, et la mauvaise conscience de lopinion publique occiden-tale envers ce tiers-monde [] il y aura un terrorisme tiers-mondistequi ne peut que saccentuer et qui est imparable dans la mesure o ces

    combatants font davance sacrificio de leur vie.

    Outra razo para ler Ellul neste comeo do sculo XXI a suavalorizao da palavra em uma poca na qual a imagem passou aocupar o lugar da ideia. A experincia de um tempo a ser preenchi-do pelo seu prprio esforo por meio do dilogo, da reflexo e daleitura transformou-se numa experincia traumtica para o homem

    comum da era da informao, seduzido pelas imagens da televiso,da internet, e dosgadgetsdo momento. Nesse contexto, Ellul ousacolocar em dvida as imagens, questionando o seu orgulho, seu sta-tuscomo evidncia e o seu esprito invasivo, valorizando a palavrae a linguagem coerente e clara. Como corolrio, posicionou-se con-tra o hermetismo dos discursos poltico, cientfico e/ou publicitrio,porque a linguagem clara a primeira condio do pensamento e da

    liberdade.Em terceiro, ler Ellul implica romper os tradicionais enfoquesdisciplinares isolados e estanques. Em uma poca de grande exal-tao da especializao, Ellul soube ir adiante do seu tempo, inte-ressando-se pelas necessidades materiais e imateriais do homem eultrapassando as fronteiras da sua disciplina de origem: o Direito.No seu percurso intelectual, constri uma obra singular, inspiradoem Karl Marx, Sren Kierkegaard e Karl Barth.

    Por ltimo, Ellul foi um homem engajado, um homem politi-kos, que nunca deixou de posicionar-se em relao s questes dodia a dia na cidade e no mundo fiel ao seu lema Pensar globalmen-

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    te e agir localmente. Em consequncia, escreveu em vrios jornaisde maneira sistemtica ao longo de muitos anos, para dessa forma

    se fazer chegar ao cidado comum. No quis ser um pensador re-fletindo in abstrato; militou por longos anos pela incluso social dejovens em conflito com a lei, presidindo uma ONG de prevenoda delinquncia juvenil. Tambm presidiu o Comit de Defesa daCosta da Aquitnia, ameaada por projetos impostos pelo Estadofrancs, sem consulta populao. Para Ellul on ne peut pas crerune socit juste avec des moyens injustes. On ne peut pas crer unesocit libre avec des moyens desclaves.

    Iniciamos em 2007 os estudos sistemticos da obra de Ellul noBrasil com um Grupo de Estudos na Faculdade de Cincias e Letras daUnesp, campusde Araraquara. Essa iniciativa foi respaldada de ime-diato pelos professores Jorge Lus Mialhe do Instituto de Biocinciasda Unesp, campusde Rio Claro, e Rui Dcio Martins da Faculdadede Cincias Humanas e Sociais da Unesp, campusde Franca. A partirde 2008, os estudos se consolidaram com a organizao do SeminrioBrasileiro sobre o Pensamento de Jacques Ellul evento que desde en-to realizado anualmente, tendo suas edies percorrido renomadasinstituies de ensino superior, como a Universidade Metodista de Pi-racicaba Unimep; a Faculdade de Direito de So Bernardo do Cam-po; a Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquista Filho Unesp(campusde Franca); a Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ;e a Fundao de Ensino Superior de Passos Fesp, ligada Universi-dade Estadual de Minas Gerais UFMG.

    Vale destacar que esse esforo de empreendimento acadmicoconjunto, do qual este livro fruto, no seria possvel sem o impres-cindvel apoio constante do Programa de Mestrado em Direito daUnesp, campusde Franca, e da Association Internationale JacquesEllul. No mesmo sentido, faz-se necessrio agradecer e mencionaras instituies acadmicas, de ps-graduao e de fomento pesqui-

    sa que nos prestigiaram com apoio institucional, doaes e finan-ciamento, ao longo desta trajetria, dentre elas: a Coordenao deAperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior Capes; o Centrefor Technology and Social Development, da University of Toronto;

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    o Departamento de Administrao Pblica da Faculdade de Cin-cias e Letras da Unesp, campus de Araraquara; a Fundao para o

    Desenvolvimento da Unesp Fundunesp; o Instituto de Pesquisas daReligio Iser; o Programa de Ps-graduao em Direito da UFRJ PPGD/UFRJ; a Universit Montesquieu-Bordeaux IV; bem comoo Centro de Estudos e Pesquisas Luis Fabiano Corra e a Faculdadede Cincias e Letras de Araraquara (FCL/CAr) estas ltimas, ins-tituies ligadas Unesp.

    Direito, Tcnica, Imagem: os limites e os fundamentos do humanoest dividido em dois eixos: o primeiro mostra como a Tcnica emnossa poca passou a ser fundamento do poder; o outro diz respeitoa como a Tecnologia se impe sobre o prprio homem, modelandoseu corpo e sua mente. Os artigos reunidos nesta publicao foramdesenvolvidos a partir de reflexes produzidas em diferentes ediesdo Seminrio Brasileiro sobre o Pensamento de Jacques Ellul. Des-sa forma, compem esta obra textos cuja origem, formato, mtodose objetos fazem parte de uma diversificada matriz intelectual e dediferentes campos e disciplinas do conhecimento. Assim, enri-quecem este livro reflexes que selecionamos dentre uma vasta gamade artigos, palestras,papers, resumos e resumos expandidos, que fo-ram apresentados e debatidos nos Seminrios razo pela qual osformatos dos artigos no so limitados ou uniformes. Vale lembrar,tambm, que os textos aqui reunidos expressam exclusivamente aopinio de seus autores e no das instituies acima mencionadas,ou dos organizadores desta coletnea.

    Finalmente, destacamos ainda o carter internacional desta pu-blicao. Esto reunidas aqui reflexes inspiradas na obra de Ellulproduzidas no Brasil, no Canad, na Frana e no Reino Unido. Amaior parte dos textos so oriundos da pesquisa e das reflexes dealunos, pesquisadores e professores do Programa de Mestrado emDireito da Unesp, campusde Franca. Do Canad, recebemos o artigo

    do prof. Willem H. Vanderburg, diretor do Centre for Technologyand Social Development da University of Toronto,intituladoTc-nica, dessimbolizao e o papel do Direito. O prof. Vanderburgfoi orientando de Ellul durante seu ps-doutorado, e sua produo

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    intelectual tem destaque internacional nas reas da sociologia datecnologia e da educao em engenharia. Da Frana, o prof. Pa-

    trick Troude-Chastenet da Universidade Montesquieu-BordeauxIV enviou-nos o artigo intitulado Levar a poltica a srio na socie-dade tcnica: contra a iluso poltica e o apolitismo aberto. O prof.Chastenet, que tambm foi discpulo de Ellul, tem uma rica reflexodesde o ponto de vista da Cincia Poltica, na qual expe com dida-tismo aspectos da obra do seu mentor intelectual. Do Reino Unido,Marcus Vinicius A. B. De Matos apresenta-nos parte da sua pesqui-sa de Doutorado no Birkbeck College, na rea da Teoria do Direito,em artigo intitulado A imagem e a palavra.

    Gostaramos de deixar registrado aqui, ainda, o valioso trabalhorealizado por Caio Moretto Ribeiro na traduo, reviso e ediodos textos. Bem como registrar nossa gratido a nossos familiares eamigos que nos apoiaram no esforo contnuo de reflexo, leituras ededicao a pesquisa, para que esta obra fosse possvel.

    Jorge Barrientos-Parra1e Marcus V. A. B. De Matos2

    1 Jorge Barrientos-Parra doutor em Direito pela Universit Catholique de Louvain,mestre pela Universidade de So Paulo (USP); lder do Grupo de Pesquisas sobreJacques Ellul Diretrio do CNPq; leciona Direito da Sociedade Tecnocrtica noPrograma de Mestrado em Direito da Unesp, campusde Franca, e Direito Constitu-

    cional no curso de Administrao Pblica da Unesp, campusde Araraquara. 2 Marcus Vinicius A. B. De Matos doutorando em Direito pelo Birkbeck College(University of London), e associate tutor na School of Lawda mesma instituio, ondeleciona Legal Methods and Legal Systems; mestre em Direito pela UFRJ; pesquisadordo Grupo de Pesquisas sobre Jacques Ellul Diretrio do CNPq; e bolsista Capes deDoutorado Pleno no Exterior.

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    PARTEIDIREITO, POLTICA, CONTROLE:TCNICAETECNOLOGIACOMO

    FUNDAMENTODOPODER

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    TCNICA, DESSIMBOLIZAOEOPAPELDODIREITO1

    Willem H. Vanderburg2

    A obra francesa The Technological Society, de Jacques Ellul(1964), pode ser traduzida por Tcnica, a aposta do sculo XX.Em Our War on Ourselves(2011), eu desenvolvi a tese elluliana deque a tcnica uma fora poderosa que dessimboliza a vida humana.Se ns conseguiremos ou no permanecer como uma espcie sim-blica pode se tornar a aposta do sculo XXI. Baseado nesse livro,contrastarei as abordagens do saber e do fazer baseadas na cultura[cultural-based approaches to knowing and doing] s suas contrapar-tidas cientficas e tcnicas baseadas em disciplinas [discipline-basedapproches]. Abordagens ancoradas na cultura sempre permitiram humanidade entender e viver em um mundo em que tudo relativoe evolui relativamente a tudo, enquanto abordagens cientficas e tc-nicas o fazem apenas uma categoria do fenmeno por vez. A dessim-bolizao da resultante transformou a universidade pblica em uma

    1 Traduo de Caio Moretto Ribeiro. 2 Willem H. Vanderburg diretor do Centre for Technology and Social Developmente professor titular no Department of Civil Engineering da University of Toronto; editor-in-chiefdo peridico Bulletin of Science, Technology and Society (indexado epublicado pela Sage Press), e foi fundador e presidente da International Associationfor Science, Technology and Society.

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    serva fiel da ordem tcnica. Na concluso, fiz algumas observaessobre suas implicaes para a educao jurdica.

    Cincia como Conhecimento Enviesado

    A civilizao ocidental gradualmente desenvolveu uma aborda-gem nica para conhecermos ns mesmos e nosso mundo. Ela aca-ba com qualquer tentativa de lidar com a complexidade, com seusinmeros aspectos e relacionamentos. A tarefa do saber foi grande-mente simplificada, fragmentando-a em diversas disciplinas. Fen-menos fsicos ficavam a cargo dos fsicos; fenmenos qumicos, dosqumicos; fenmenos biolgicos, dos bilogos; fenmenos sociais,dos socilogos; fenmenos polticos, dos cientistas polticos; e assimpor diante. A cincia ocidental sustenta que tudo pode ser conhecidoexaminando-se uma categoria do fenmeno por vez. Quando as difi-culdades surgiram, a abordagem baseada em disciplinas foi refinadapara criar disciplinas hbridas tais como a Fsico-Qumica, a Bioqu-mica, a Psicologia Social e a Sociobiologia.

    Imagine por um momento se ns tentssemos entender nos-sas vidas cotidianas dessa forma. Quantas atividades da nossarotina poderiam ser mais bem conhecidas consultando-se umanica disciplina? Quantas outras parecem ser constitudas peloentrelaamento de diversas categorias do fenmeno, requerendo,

    assim, a consulta de um nmero de disciplinas e sua integraopara suas descobertas? Na ausncia de uma cincia das cinciascapaz de integrar cientificamente essas descobertas, como deve-mos proceder?

    A dificuldade que nos confronta quando tentamos entendermelhor nossas vidas cotidianas por meio da cincia no acaba aqui.Muitas dessas atividades, direta ou indiretamente, envolvem tcni-

    cas de um tipo ou de outro e seus produtos. Esses fenmenos tecno-lgicos em nossas vidas so excludos da abordagem uma categoriado fenmeno por vez das cincias sociais. Um reflexo dessa exclu-so ocorre nas profisses cujas disciplinas examinam categorias do

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    fenmeno diferentes daquelas com as quais lidam as cincias sociais.Tudo isso torna-se evidente quando consultamos o ndice de um li-

    vro de alguma disciplina para principiantes nas categorias do fen-meno diferente daquela que constitui seu foco.O exerccio anterior imediatamente revela as limitaes da abor-

    dagem do conhecer baseada em disciplinas. Ela funciona extrema-mente bem para situaes nas quais a influncia de uma categoriado fenmeno ofusca a influncia de todas as outras, de forma quepossam ser negligenciadas. Ela no funciona muito bem para aque-las situaes nas quais diversas categorias do fenmeno fazem im-portantes contribuies, de forma que no podem ser entendidasseparadamente, uma categoria por vez. A razo pela qual a Fsica setornou uma disciplina-modelo e que muitas outras disciplinas falha-ram em replicar seu sucesso tambm se tornam evidentes. A Fsicaestuda situaes nas quais os fenmenos fsicos ofuscam todos osoutros, como o caso do big bang e do mundo subatmico. Elacompartilha essa caracterstica com algumas outras disciplinas, in-cluindo a Qumica e a Biologia Molecular.

    As Cincias Sociais no tiveram tanta sorte. Seus pensadoresfundadores tomaram os entrelaamentos das vrias categorias dosfenmenos na vida humana e na sociedade como um indicador deque qualquer categoria que eles focassem deveria ser estudada emrelao a um backgroundde todas as outras. Tal claramente o casodos trabalhos de Adam Smith, Karl Marx, Max Weber e muitosoutros. A mesma situao tambm se apresenta, implcita, nos tra-balhos histricos como os de Arnold Toynbee, que examina as ma-neiras por meio das quais vrias categorias do fenmenos ajudam aconstituir uma sociedade ou civilizao e como elas crescem, decli-nam e, eventualmente, colapsam.

    O sucesso da Fsica est diretamente ligado s suas limitaes.Quando ns comeamos a estudar Fsica no ensino mdio, nos

    dizem que, inicialmente, alguns aspectos tais como atrito, resis-tncia do ar e inrcia teriam de ser ignorados, reduzindo situaescomplexas a outras mais simples s quais as leis do movimento, deNewton, poderiam ser aplicadas de forma elementar. Era enten-

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    dido que, conforme avanssemos, gradualmente aprenderamosa incluir esses outros aspectos, resultando que essas situaes se

    aproximariam ainda mais do mundo real. Isso verdadeiro em umaspecto e totalmente falso em outro, pois o domnio intelectual daFsica exclui tudo o que no for um fenmeno fsico. Fsicos sabemmuito bem disso e no sonhariam tentar resolver as equaes dife-renciadas apropriadas para ajud-los a andar de bicicleta ou jogarsquash. Faz-lo impossvel, porque os fenmenos fsicos esto en-trelaados com muitos outros, que determinam as condies limitespara se resolver a equao. tambm por isso que aFsica do ensinomdio no se baseia em nossa experincia prvia dos fenmenos f-sicos implcita na nossa habilidade de dar sentido e na de executarhabilmente uma srie de atividades que dependem de fenmenosfsicos, assim como na de outros engatinhar, andar, escalar rvo-res, manipular brinquedos e atividades que exigem maior habilida-de. H boas razes para que nossos professores de fsica do ensinomdio no tenham se apoiado nessas experincias e, em vez disso,tenham comeado em um campo matemtico povoado exclusiva-mente por fenmenos fsicos muito simples.

    O mesmo tipo de problema surge quando o conhecimento ba-seado em disciplinas aplicado na criao de toda sorte de disposi-tivos. Por exemplo, projetar e construir uma bomba nuclear requer,predominantemente, que exploremos fenmenos fsicos. No entan-to, no momento em que eles so explorados, os resultados logo semisturam com todas as outras categorias imaginveis dos fenme-nos. Ainda que as consequncias da maioria dos dispositivos sejammuito menos poderosas, elas transformam tudo que tocam.

    Parece que as cincias baseadas em disciplinas so enviesadas afavor de situaes nas quais uma categoria do fenmeno ofusca todasas demais e, consequentemente, so enviesadas contra aquelas situa-es que no podem ser entendidas dessa maneira. A simbolizao

    da experincia por meio de uma cultura no tem esse vis, uma vezque procura entender tudo em relao a tudo.

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    Tcnica como fazer enviesado

    Durante as dcadas finais do sculo XIX, a abordagem do co-nhecer baseada em disciplinas tornou-se o modelo para organizar ofazer, especialmente na tcnica e na indstria. At ento, o saber eo fazer tcnicos eram incorporados experincia, pois eram trans-mitidos aos aprendizes por algum com muita experincia. Essa de-pendncia da simbolizao da experincia encontrou dificuldades,em primeiro lugar, nas indstrias qumicas e eltricas. O pouco que

    se pode observar nos processos qumicos no corresponde muitobem ao que est de fato ocorrendo e absolutamente nada pode serobservado em relao aos circuitos eltricos quando eles funcionamnormalmente. A abordagem do conhecer baseada em disciplinas eraidealmente adequada a essas indstrias, pois elas organizavam seusartefatos e processos para tirar vantagem de uma nica categoria dosfenmenos. Uma usina qumica organizada em termos de cubas

    de reatores, nos quais diferentes produtos qumicos so introduzi-dos. O produto que criado dessa reao canalizado at a prximacuba de reatores, onde ocorre a prxima reao qumica. Isso con-tinua at que o produto final aparea. Similarmente, circuitos el-tricos excluem tudo, com exceo dos fenmenos eltricos, que somodelados intelectualmente em campos matemticos e verificadoscom experincias em laboratrios. A Alemanha, primeira nao adesenvolver essa abordagem do fazer baseada em disciplinas para aindstria, rapidamente tornou-se a principal indstria de energia e,por dcadas, dominou as patentes nessa rea.

    Colocando de forma mais simples, os artefatos, processos esistemas tcnicos so desenvolvidos de domnios separados, masque interagem, nos quais uma categoria do fenmeno repetida deforma indefinida para contribuir como uma subfuno da entidademaior. Um dispositivo eletrnico baseado em um circuito no qualvrios componentes usam um tipo particular de fenmeno eltricopara produzir uma subfuno. Esses so conectados pelo circuitopara criar o efeito global desejado. Um motor de combusto interna

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    baseado em uma sequncia de quatro processos diferentes (entra-da do ar, injeo do combustvel e combusto, expanso dos gases

    de combusto e exausto dessa mistura) no espao entre o bloco domotor e a cabea do pisto. Qualquer presso na cabea do pisto traduzida em foras mecnicas. Essas so transmitidas atravs deuma articulao que gira o eixo de manivelas. Dessa maneira, dom-nios distintos e separados produzem as subfunes necessrias parase explorar uma mesma categoria do fenmeno ou uma sequnciade fenmenos distintos. Quase sem excees, todo artefato, proces-so e sistema tcnico so projetados para operar desse modo. GibertSimondon (1989) argumentou que uma abordagem mais avanadafaria uso de uma multiplicidade de categorias do fenmeno ao mes-mo tempo, mas suas ideias no foram desenvolvidas.

    Como resultado, os saberes e fazeres baseados em disciplinasso adequados tcnica e indstria. Eles tambm so bem apro-priados a qualquer coisa reorganizada imagem de uma mquinainformtica ou de uma mquina clssica. Por exemplo, nenhumamecanizao poderia ter ocorrido at que o trabalho tivesse sidoreorganizado de tal forma que a mquina pudesse desempenhar asmesmas funes, pelo que chamado de diviso tcnica do trabalho.Uma vez que isso foi realizado, qualquer etapa da produo podeser atribuda tanto a uma mquina quanto a um ser humano, com adiferena de que este teria de trabalhar como se fosse uma mquina.

    Vieses opostos

    Nossa discusso anterior sugere que essencial refletir sobre asdiferenas entre seres vivos e mquinas. Devido forma como asltimas so organizadas, elas prosperam pela repetio, enquantoorganismos vivos so destrudos por esse processo. Uma mquina

    construda a partir de domnios distintos, nos quais a repetio deuma instncia particular de uma categoria do fenmeno contribuipara uma subfuno de outro domnio, e isso continua at que o re-sultado final seja alcanado. Consequentemente, cada domnio no

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    pode fazer nada mais do que repetir indefinidamente a produo desua subfuno.

    Se ns tentssemos organizar nossas atividades cotidianas dessaforma, encontraramos barreiras insuperveis. Por exemplo, as ta-refas relacionadas a pedir uma refeio em um restaurante podemser interferidas de diversas formas. Ns podemos ver de relance umamigo, com quem estvamos tentando falar o dia inteiro, passar nafrente do restaurante. Enquanto nos desculpamos ao garom, nsnos levantamos e acenamos para chamar a ateno do amigo. Ou ogarom pode ter percebido algum tentando sair sem pagar, o queo faz sair correndo. Outros tipos de interrupo podem resultar declientes perguntando algo ao garom, algum tendo um ataque car-daco, um cheiro de queimado vindo da cozinha, pessoas cantandoParabns em outra mesa ou um disparar do alarme. As possibi-lidades so quase infinitas, resultando que impossvel tratar essasatividades relacionadas a solicitar uma refeio em um restaurantecomo um tipo de domnio caracterizado por um roteiro. As inter-venes podem levar essa atividade a se desdobrar de formas muitodistintas. Cada situao envolve algo de um modo de vida. Quandouma grande quantidade de diferentes categorias dos fenmenos seentrelaa, cada uma se adapta e se ajusta s outras, resultando que,quando a diversidade significante, muito improvvel que essasituao venha a se repetir da mesma maneira. No h nenhumapossibilidade de lidar com tais situaes baseando-se na repetio.Tudo precisa ser projetado para se adaptar e evoluir em ambientesnos quais nada se repete.

    Em outras palavras, em um mundo projetado e construdo imagem da mquina, no h nada alm de medidores deperformanceem termos de relaes insumo-produto [inputs-outputs], tais comoeficincia, produtividade e rentabilidade. por meio desses insu-mos e produtos que os diferentes domnios so conectados uns aos

    outros. Aumentos na performance da mquina, portanto, depen-dem da performance de seus domnios constituintes e da integraodestes. Tudo realizado explorando uma instncia da categoria dofenmeno por vez.

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    Contudo, em situaes nas quais diferentes categorias dos fe-nmenos se misturam, resultando que cada uma contribua para o

    que est acontecendo, no h possibilidade de que nada se repita deforma exata. H simplesmente adaptaes recprocas demais de ca-tegorias diversas do fenmeno, o que significa que a probabilidadede qualquer coisa ocorrer exatamente da mesma forma to peque-na a ponto de se tornar desprezvel. H ordem e desordem, previsoe caos, e tudo isso est enraizado no carter indivisvel da vida nomundo, onde tudo se desenvolve em relao a tudo. Nada nun-ca inteiramente separvel de todo o restante sem algum prejuzo ouperda do entendimento. So o prprio projeto, construo e opera-o das mquinas que esto fundamentalmente em desacordo comqualquer coisa que dependa da sinergia positiva ou negativa de umagrande quantidade de fenmenos, todos fazendo suas contribuiesnicas, de forma que a repetio esteja fora de questo. Em algumnvel, ns todos sabemos disso, mas nossa civilizao organizoutudo de tal forma que isso se tornou invisvel. possvel melhorara performance de qualquer ser vivo, repetindo-se um ou mais as-pectos, mas isso vem com um grande custo sua integridade e suahabilidade de se adaptar e de evoluir em um mundo dinmico.

    Tudo isso est profundamente enraizado na maneira comoos seres vivos vm a existir. Ns no somos montados de partesseparadas no ventre de nossas mes. Se esse fosse o caso, no se-ramos capazes de nos desenvolver e nos adaptar a tudo o que estao nosso redor. Em vez disso, embries se desenvolvem por umaprogressiva diferenciao celular. O todo biolgico representadopelo DNA em toda e cada clula-tronco, resultando que, dentrodo embrio, cada uma dessas clulas possa se especializar e se tor-nar uma expresso nica daquele todo, o que o permite ver, ouvir,limpar o sangue e realizar todas as outras funes necessrias paraa sustentao desse todo. No h partes no sentido da mquina.

    Cada clula tanto todo como parte. tanto interna quanto ex-ternamente conectada a todas as outras e, por meio delas, ao todo,o que permite formas de participao que so impossveis em umamquina. Alm disso, todas as clulas de nosso corpo so cons-

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    tantemente reparadas e substitudas, com exceo das clulas denosso crebro, que so apenas reparadas. Todas as outras tm um

    tempo de vida que varia de alguns dias a cerca de sete anos, re-sultando que, salvo nossos crebros, nosso corpo se transformadiversas vezes durante nossas vidas e, ainda assim, continua nossoprprio corpo. Como expresso do todo, cada clula sustenta e ,por sua vez, sustentada por ele.

    Quase o mesmo ocorre no nvel sociocultural. Aps o nas-cimento, comunidades humanas agem como um ventre social noqual ns nos tornamos pessoas de nosso tempo, local e cultura. Asorganizaes limitadas dos crebros-mentes com as quais as pes-soas nascem progressivamente se diferenciam como resultado dasimbolizao de suas experincias, por meio das mudanas neuraise sinpticas dessas organizaes. Esse desenvolvimento de nossoscrebros-mentes por diferenciao progressiva significa que nsinternalizamos a estrutura cultural [cultural design] de nossa comu-nidade para entender e viver no mundo. As organizaes de nossoscrebros-mentes mapeiam simbolicamente essa estrutura culturalatravs das experincias de tentar participar dela. Mais uma vez,est fora de questo tornar-se parte de um mecanismo social.Envelhecer faz que nos tornemos manifestaes nicas de um todocultural, em um desenvolvimento anlogo quele entre ns e nossoscorpos. A organizao de nossos crebros-mentes so o equivalenteao DNA em um nvel sociocultural. Todos os aspectos de ns ser-mos uma pessoa de nosso tempo, local e cultura se desenvolvem emrelao a todos os outros, resultando que, invariavelmente, susten-tam e so sustentados pela comunidade.

    Ao mesmo tempo que ns nos adaptamos aos meios sociais efsicos que nos cercam, esses meios so, em larga escala, o resultadodas pessoas que tambm vivem suas vidas. Isso inclui suas intera-es com nossos meios fsicos, assim como a modificao desses.

    Enquanto outros sustentam nossas vidas, ns sustentamos a vidadeles e, na medida em que ns falhamos em faz-lo, todos sofremos.

    Muito disso tambm verdade para as espcies no simblicas.Como manifestaes nicas da biosfera, suas vidas so sustentadas

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    pelo todo representado como DNA. Os nichos em um ecossiste-ma local so o resultado de todas as espcies fazendo o mesmo. Na

    biosfera, com sua enorme diversidade de situaes criadas pela mis-tura de fenmenos diversos, nada se repete jamais da mesma forma.H um desenvolvimento e uma adaptao que so recprocos de to-das as espcies em relao a todas as outras e essa reciprocidadeque sustenta toda a vida. Ela responsvel pela incrvel resilin-cia dos organismos e seres vivos. Toda e qualquer forma de vida constantemente sustentada por todas as outras, ajustando-se a elas,enquanto elas fazem o mesmo em relao quela. Nenhum sistemaprojetado poderia chegar sequer perto de ter esse tipo de resilincia;tal sistema estaria no ramo da repetio, que o oposto exato daadaptao e evoluo.

    Ns estamos agora comeando a descobrir que nossa civilizaotomou isso como muito certo durante os ltimos dois sculos. A si-tuao , de alguma forma, anloga a pessoas perderem suas mem-rias de curto prazo, o que interfere na simbolizao de cada expe-rincia por transformaes neurais e sinpticas nas organizaes deseus crebros-mentes. Cada experincia no pode evoluir simbolica-mente, pois as organizaes de seus crebros-mentes no conseguemse adaptar. Consequentemente, essas pessoas no conseguem maisparticipar de um conversa, porque no tm mais a capacidade de serecordar do que fora dito anteriormente. Elas no conseguem enten-der nem as histrias que leem nem os filmes aos quais assistem. Suasvidas esto desconexas no espao, assim como no tempo. Quandoessas pessoas so levadas a um edifcio, elas no sabem mais comochegar at l, de forma que, a menos que elas conhecessem o prdiomuito antes do aparecimento da doena, estaro totalmente perdidas.Na mesma linha, elas no tm ideia de quando comeram pela ltimavez ou de qualquer coisa parecida. Com o aparecimento da perda damemria de curto prazo, a limitada habilidade da vida dessas pessoas

    trabalhando em segundo plano torna-se dolorosamente bvia.O mesmo argumento pode ser utilizado em relao nossa in-

    terferncia nos processos da biosfera. Ns vivenciamos os resultadosde uma perda da capacidade da biosfera de sustentar toda a vida.

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    No entanto, geralmente tratamos a crise ambiental como um fen-meno em si mesmo em vez de trat-lo como sintoma de um mau

    funcionamento de nossa abordagem do saber e do fazer baseada emdisciplinas. Isso particularmente evidente na forma como nossasuniversidades lidam com isso e na influncia que isso tem em nossosgovernos e corporaes.

    Algumas consequncias

    Uma vez que nossa civilizao valoriza as abordagens do conhe-cer e do fazer baseadas em disciplinas sobre todas as outras alter-nativas, seus sucessos e falhas podem ser prontamente explicados.Muito da vida humana social e coletiva feito de situaes s quaisdiferentes categorias dos fenmenos fazem contribuies no des-prezveis. Quando qualquer abordagem baseada em disciplinas aplicada a esse tipo de situao, ela ir resumir aqueles fenmenos acategorias pertencentes quela na qual ela se especializou, com o ob-jetivo de coloc-los em um campo povoado exclusivamente por essasingular categoria do fenmeno. Ela ganha, assim, as vantagens dasabordagens comparativas custa de controlar como esses fenme-nos contribuem adaptao e evoluo das situaes das quais elesparticipam. Como resultado, a aplicao de qualquer conhecimentobaseado em disciplinas multiplicar, necessariamente, as tenses emqualquer meio (natural ou cultural), assim revelando seu vis antivi-da. Abordagens baseadas em disciplinas no produziro esses pro-blemas onde quer que a vida humana, individual ou coletiva, tenhasido reorganizada imagem de mquinas clssicas ou informticas.Em outras palavras, abordagens baseadas em disciplinas podem me-lhorar o que um fenmeno particular faz em comparao a todos osoutros fenmenos do mesmo tipo sem ser capaz de avaliar como isso

    afeta o contexto ao qual esse fenmeno particular contribui. Sempretender faz-lo, nossa civilizao acabou ficando com as aborda-gens que proporcionam desempenho, rasgando o tecido de relaesintegrantes de toda vida.

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    Desde o princpio, nossa civilizao no teve conscincia do visantivida de suas abordagens baseadas em disciplinas e esse, em gran-

    de medida, continua sendo o caso. A cincia no foi concebida parater nenhuma limitao no domnio do saber, nem a tcnica no dom-nio do fazer. Estruturas calcadas na cultura a fim de entender e viverneste mundo foram substitudas por incontveis decises sustenta-das por fazeres e saberes baseados em disciplinas. Costumes e tradi-es quase desapareceram. As consequncias tm sido devastadoras.Por exemplo, quando economistas estudam o fenmeno econmico

    na vida humana e na sociedade, eles necessariamente se comportamcomo se esse fenmeno dominasse toda a vida, o que implica que, naessncia, a vida seria apenas de natureza econmica. Todos os outrosfenmenos poderiam ser desprezados ou entendidos em termos de fe-nmenos econmicos. Eles sero inevitavelmente enviesados contratoda situao na qual os fenmenos econmicos contribuam muitopouco ou na qual outros fenmenos sejam muito mais importantes.O auge desse vis fora alcanado pela Escola de Economia de Chica-go [Chicago School of Economics]. Foi decretado fundamentalmenteque mercado, taxas de desemprego e homo economicus so naturaise que esto, portanto, para alm de nossa responsabilidade.

    Na mesma linha, dizem-nos incessantemente que a tcnica neutra e que sua influncia na vida humana, na sociedade e nabiosfera o resultado de seu uso, em oposio sua estrutura e aoseu entrelaamento com outros fenmenos. Da breve exploraoanterior, parece que tal posio insustentvel. Cincia, tcnicae o crescimento econmico alcanado com elas dificilmente soneutros e certo que no so objetivos. Nossos modos de vida in-troduziram um vis em favor de tudo que for tcnico. Ns fomosbrilhantemente bem-sucedidos em melhorar a performance detudo o que fora reorganizado imagem da mquina e falhamos deforma igualmente espetacular em garantir que tudo evolusse e se

    adaptasse em relao a todo o restante. Tudo isso torna-se muitodestruidor de toda vida.

    A abordagem tcnica baseada em disciplinas praticamentesubstituiu a abordagem simblica cultural em quase todas as es-

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    feras da vida humana. Ela prossegue tratando tudo aquilo que nsgostaramos de melhorar como um domnio constitudo de um n-

    mero limitado de variveis e desprezando todas as outras. Contudo,agir assim cientificamente aceitvel apenas quando todo o restantepermanece inalterado (caso em que no evolui e, portanto, consi-derado como morto), quando todo o restante se repete (caso em que considerado como uma mquina, por sua natureza inanimada,ou como um sistema tcnico) ou quando todo o restante pode serdesprezado (caso em que desconsiderado ao ponto de que poderiamuito bem no existir). Na maioria dos casos, seu uso generaliza-do no cientfico, resultando que essas suposies revelam o visantivida de nossos modos de vida modernos e da orientao niilistade nossa civilizao. Max Weber examinou o princpio embrion-rio desse processo, que chamou de racionalidade. Dcadas depois,Jacques Ellul examinou-o como um fenmeno e sistema da tcnica(Gerth; Wright, 1963).3Esses desenvolvimentos so caracterizadospela busca por eficincia que tem como alicerce a reorganizao detudo em termos mecnicos ou informticos, usando a abordagembaseada em disciplinas. A abordagem tcnica constri uma ordemtcnica separada da ordem cultural, que evolui com base na expe-rincia e na cultura.

    Essa organizao tcnica do absurdo [non-sense] destrutivaem quatro aspectos importantes. Primeiro, o conhecimento basea-do em disciplinas separado da vida humana e do mundo por meiode uma tripla abstrao. Como exemplo, considere o que ocorre emnossos hospitais. Uma vez que muitos fenmenos diferentes estoenvolvidos em suas operaes, no h disciplina que correspondaaos hospitais. Para trazer saberes e fazeres baseados em disciplinasa fim de conduzir suas operaes, hospitais precisam ser abstradosdo mundo, que substitudo por inputsde pessoas doentes ou ma-chucadas e outputsde pacientes que receberam alta e retornaram a

    ele. Antes que qualquer um possa participar do processo de curaque transforma esses inputs em outputs, preciso ainda abstrair, de-

    3 Ver tambm: Brubaker (1984) e Ellul (1980).

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    les, os aspectos compatveis com suas disciplinas e especialidades.Doutores, enfermeiras, fisioterapeutas, nutricionistas, psiquiatras,

    assistentes sociais, especialistas em sistemas de informao, admi-nistradores, contadores, engenheiros de manuteno, especialistasem relaes pblicas e consultores de segurana, todos conhecemdiferentes aspectos de acordo com suas disciplinas. Uma vez queessas disciplinas ignoram como o funcionamento de um hospitalinterage com todo o restante, especialistas no conseguem tomardecises baseados no que melhor para a vida humana, para a so-ciedade e para a biosfera quanto ao que fazer em resposta a um pro-blema. Eles no conseguem utilizar os valores da cultura, da qualeles abstraram tudo o que puderam notadamente, a parte doprocesso de cura relacionada sua disciplina isoladamente e quais-quer intervenes que retornem ao processo , e isso no pode sermedido apenas em termos de ndices deoutput-input abstratos emrelao aos valores humanos. Como resultado, a diviso do traba-lho nos hospitais norteada pelas disciplinas continua como se esseshospitais fossem organizados em termos de domnios separados edistintos, nos quais uma categoria do fenmeno, correspondendo auma nica disciplina ou especialidade, contribuiria para uma sub-funo primeiro para o processo de cura e, depois, por meio deste,para o funcionamento dos hospitais. Tudo o que esses especialistasbaseados em disciplinas fazem , ento, descolado da vida humanae da sociedade por meio de uma tripla abstrao, e seus esforoscoletivos constroem uma ordem tcnica que evolui sem fazer ne-nhuma referncia ao sentido [sense].

    A segunda importante consequncia das abordagens baseadasem disciplinas resulta do fato de que especialistas suspensos emsuas triplas abstraes no podem ver intelectualmente (se fo-rem deixados para lidar com algo sozinhos) as consequncias desuas decises, porque elas fogem de seu campo de especializao.

    Eles no conseguem simbolizar suas experincias profissionaisem relao a nada diferente delas, resultando na incapacidade deenxergar para alm de suas disciplinas (justificadamente chamasde silos) para poder ajustar sua tomada de deciso de forma que

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    atinjam suas metas e, ao mesmo tempo, previnam ou minimizemsignificativamente os efeitos colaterais indesejados. O equivalen-

    te em nosso cotidiano seria treinar pessoas para dirigir seus carrosfazendo que se concentrem em sua performance conforme o que indicado pelos medidores dos painis e, apenas ocasionalmente,que deem uma olhada pela janela quando ouvirem um barulhomuito alto. Consequentemente, as consequncias prejudiciais dastomadas de deciso baseadas em disciplinas e os diversos efeitosindesejados devem ser tratados como fim-de-ciclo [end-of-pipe].

    Bens e servios adicionais precisam ser criados para compensar oumitigar esses efeitos, e isso se torna to caro que ns temos quase dedesistir de uma regulao efetiva. Isso tambm transforma criaode riqueza em extrao de riqueza.

    A terceira consequncia torna as coisas ainda piores, pois tudoo que aquela abordagem do fazer e do saber baseada em disciplinaspode fazer melhorar a performance das coisas. Quando soluesgenunas requerem preveno por melhor adaptao e evoluo, essaabordagem do saber e do fazer estruturalmente incapaz de provi-denci-las. Por exemplo, o impasse em muitas cidades no ser re-solvido otimizando incansavelmente a capacidade de nosso sistemade transporte. Alm das abordagens pelo lado do abastecimento,que melhoram a capacidade de transporte, abordagens pelo ladoda demanda so essenciais para que se reduza nossa necessidadepor mobilidade. Isso transcende as disciplinas usuais. Nesse meio--tempo, a maioria das solues baseadas em disciplinas leva maiordeteriorao da compatibilidade entre as pessoas, suas necessidadesde mobilidade, as formas urbanas e a biosfera.

    Finalmente, especialistas isolados e seus esforos coletivos emmeio atual diviso intelectual e profissional do trabalho compor-tam-se como se a vida humana e o mundo fossem organizados ima-gem das mquinas convencionais e informticas, o que significa que

    so montados a partir de domnios distintos e separados, nos quaisuma categoria do fenmeno contribui para uma subfuno. Se ns,em algum momento, precisamos de evidncias de que a vida huma-na e o mundo no so organizados dessa forma, isso certamente

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    fornecido pela proliferao das crises humanas, sociais e ambientaisde nosso tempo contanto que ns entendamos que elas so o resul-

    tado de um vis comum do saber e do fazer baseados em disciplinas.

    Simbolizao e dessimbolizao

    Nossa civilizao est minando o que at agora, na histria huma-na, nos tem feito o que somos: uma espcie simblica. De forma sim-plificada, simbolizar as experincias humanas por meio de uma cultura organizar dialeticamente as formas pelas quais tudo est relacionadocom tudo no mundo; a dessimbolizao o enfraquecimento dessashabilidades. Assim, percursos humanos guiados pelas culturas com n-vel baixo de dessimbolizao tm como resultado a compatibilidade detudo o que criam com todo o restante, assim como observamos na evolu-o da biosfera. Em contraste, percursos humanos guiados por culturasmuito dessimbolizadas resultam que tudo seja muito menos compatvelcom todo o resto, sintomas de que so tcnicas inapropriadas e modosde vida insustentveis. Quando reconhecermos que nossa cultura estaltamente dessimbolizada, ser difcil continuarmos a nos comportarcomo se os fenmenos, tais como o aquecimento global, a alta do pe-trleo, a poluio e o esgotamento de recursos, fossem preocupantes epossivelmente ameaadores da vida, mas solucionveis. Em conjunto,eles so sintomas de uma via de desenvolvimento que tem sido permi-

    tida com um vis antivida. Como resultado, continua existindo umaproliferao de -ismos que manifestam os altos nveis de dessimbo-lizao de nossas culturas. Ns somos simplesmente incapazes de ligaros pontos e tratar essas questes como sintomas inseparveis de nossovis antivida. Isso produz o blefe tcnico final: o que nossos modos devida contemporneos tm a nos oferecer vale a pena a ponto de abrirmo daquilo que nos faz seres culturais.

    Em retrospectiva, evidente que a dessimbolizao e seus efei-tos sobre a vida humana tiveram precursores que resultaram emalertas, sendo emitidos por um nmero de estudiosos. Alguns de-les acabaram se tornando profticos. Adam Smith (1902) alertou

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    que a diviso tcnica do trabalho produziria uma nova riqueza dasnaes, mas que tambm tornaria os seres humanos to estpidos

    quanto eles podem possivelmente se tornar. Karl Marx mostrou queo sistema capitalista escravizava o rico e o pobre igualmente (Ellul,1998; 2003). Max Weber alertou-nos que a humanidade estava sefechando em uma gaiola de ferro (Gerth; Mills, 1963). John Ken-neth Galbraith (1985) lamentou o fato de que ns estvamos servin-do ao sistema que criamos para nos servir. Jacques Ellul (2004c) eWanderburg (2005) nos alertaram contra a autonomia daquilo queEllul chamou de sistema tcnico; por isso ele entendia que a influn-cia do sistema sobre as pessoas e comunidades comeou a superar ainfluncia das pessoas e comunidades sobre esse sistema.

    Esses alertas podem ser prontamente compreendidos, uma vezque ns reconhecemos que somos uma espcie simblica que transfor-ma nossa relao com nossos meios (tanto fsico quanto social). Essasrelaes tornam-se recprocas porque toda e qualquer experincia des-ses meios modificam a organizao de nossos crebros-mentes, confor-me so simbolicamente colocados em nossas vidas. Assim, na medidaem que afetamos nossos meio, eles simultaneamente nos afetam. Nssomos interna e externamente conectados a esses meios como conse-quncia de sermos uma espcie simblica. Contudo, ainda que nsexperimentemos diretamente a forma como afetamos nossos meios,no experimentamos diretamente como estes, por sua vez, nos influen-ciam. Prestar ateno crtica a essa interao mudar fundamental-mente nossa percepo da interao anterior.

    As preocupaes dos autores acima so compartilhadas pelopresente estudo. A escravido humana (o equivalente do pecado nastradies judaicas e crists e da alienao nas cincias sociais) umaforma de vida inaceitvel. Nossa liberdade ameaada quando a in-fluncia que exercemos sobre nossos meios ofuscada pela influn-cia que esses meios exercem sobre ns. No pode haver pretenso de

    objetividade nessa matria. As tenses entre liberdade e alienaoso o corao da nossa anlise de nosso ser enquanto espcie simb-lica e de nossas atividades dessimbolizantes.

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    A dessimbolizao do Direito

    Instituies legais esto sob os domnios das abordagens basea-das em disciplinas e sob presso de sociedades dominadas por estas.Nessas sociedades, cujas ordens culturais so dominadas por ordenstcnicas, instituies legais esto ameaadas por duas dificuldadesconsiderveis. Como elas podem regular uma ordem tcnica quetem sido construda a partir de abordagens baseadas em disciplinas?Como podem lidar com a perda da sustentao simblica da qual

    elas tm tradicionalmente dependido?Ns examinaremos essas dificuldades a seguir. Antes da indus-trializao, instituies legais orientavam-se por meio de ordensculturais que eram essencialmente autorreguladoras. Com a emer-gncia de novas ordens econmicas seguidas por uma ordem tcnicauniversal, os efeitos desorientadores de ambas as ordens, cultural enatural, multiplicaram-se. O Direito no consegue resgatar a socie-

    dade da psicoptica especializao tcnica mais do que consegue res-gatar a vida de uma ordem psicoptica (Vanderburg, 2011).Por exemplo, as descries de engenharia e gerenciamento pu-

    blicadas em outro lugar (ibidem) mostram como uma ampla varieda-de de luxaes tem sido produzida, dentre as quais a crise ambiental a que vem recebendo mais ateno. Por dcadas, o direito tentouacompanh-las, passando mais e mais regulaes ambientais compouco sucesso. Logo tornou-se evidente que essa abordagem end--of-pipeera ineficaz e muito cara. Tcnicas de custo-benefcio foramaplicadas, com as desastrosas consequncias que foram discutidasanteriormente. A invocao de conceitos tais como desregulao eautorregulao no tiveram efeito algum sobre o funcionamento dosistema, incluindo a produo de problemas ambientais. O livre co-mrcio teve um efeito arrepiante sobre o governo devido ao seu medode ser processado por corporaes, alegando que regulaes ambien-tais fossem, na verdade, barreiras comerciais.

    At agora, a resposta ao aquecimento global tem tomado a for-ma de tcnica compensatria. Pela criao de sofisticados modelos

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    de transformao climtica, a eficincia da biosfera em tratar ga-ses de efeito estufa avaliada e limites so estabelecidos. Visando a

    distribuir eficientemente essas limitaes aos gases de efeito estufa,regimes regulatrios de limitao e troca [cap and trade] tm sidoimplementados. H pouca ou nenhuma considerao sobre se tudoisso faz algum sentido. E se esses modelos no tiverem percebidointeraes importantes? E se a distribuio eficiente de limitaes emisso de gases do efeito estufa for fundamentalmente injusta? Oque ns estamos fazendo gerenciar eficientemente a atmosfera,assim como qualquer outro recurso e, nesse ponto, j deveramossaber as consequncias.

    Na mesma linha, o direito tem sido impotente em proteger so-ciedades de suas economias, que se tornam antieconomias. Tcni-cas financeiras que fazem dinheiro a partir do dinheiro da maneiramais eficiente dominam o setor financeiro. Os Enrons e os GoldmanSachs desse mundo no so apenas o resultado de corrupo e com-portamento desonesto (ainda que isso desempenhe um papel nodesprezvel), mas a consequncia direta da tcnica financeira domi-nante (ibidem). Tampouco o Direito tem conseguido nos protegerde perder nosso apoio social quando nossas comunidades tm sidoconstantemente minadas e substitudas pelas sociedades de massa. verdade que a crescente impotncia do Direito tem sido parcial-mente compensada pela propaganda de integrao como um meiotcnico de criar conformismo social.

    As mais notveis excees dos padres acima foram as cria-es de medidas preventivas e princpios de no arrependimento[no regret]4*. Elas faziam sentido e foram apoiadas por uma gran-de quantidade de evidncias. quase sempre mais barato prevenirefeitos srios e irreversveis ao meio ambiente do que cri-los emprimeiro lugar, esperando at que uma relao causa-efeito tenha seestabelecido e depois trat-los de maneira ineficiente e end-of-pipe.

    Acontece que, em um nmero significativo desses casos, o uso das

    4 * Como h autores que diferenciam no-regret principle de precautionary principle,optou--se por no utiliz-los como sinnimos e manter a referncia ao original. (N. T.)

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    abordagens preventivas ir assegurar que estejamos melhor, mesmose os srios efeitos nocivos ao ambiente no se concretizarem da for-

    ma como foram previstos. No entanto, princpios legais orientadosna preveno tm sido incapazes de impor uma orientao preventi-va s abordagens baseadas em disciplinas.

    Em suma, no existem remdios legais para uma ordem tcni-ca que tenha sido construda com pouca ou nenhuma referncia aosentido [sense]. Sua estrutura e evoluo fazem que isso seja impos-svel. O monetarismo, que tenta afastar tudo isso declarando queos fenmenos e as tendncias econmicas so naturais, logo tertambm se esgotado. Os lderes polticos e religiosos que acreditamque h solues morais e polticas no compreendem as limitaesde seu ofcio, assim como nossos legisladores e juristas. Se amanhns acordarmos como santos, mas continuarmos a fazer uso cont-nuo das abordagens baseadas em disciplinas, muito pouco mudar.

    O segundo problema enfrentado pelas instituies legais con-temporneas decorre do apoio inadequado que elas derivam de cul-turas altamente dessimbolizadas. O significado dessa perda de apoiopode ser ilustrado por duas questes: a diferena entre leis aplicveise no aplicveis nas sociedades democrticas, e o fato de todas as cul-turas terem inventado instituies legais como resposta s necessi-dades impostas por ordens culturais.

    A maioria das leis so espontaneamente obedecidas nas socieda-des democrticas, ainda que a esmagadora maioria de seus membrosnunca tenha lido sobre as leis ou realizado cursos para conhec-las eentend-las. Tal obedincia espontnea seria incompreensvel semuma correspondncia ntima entre os valores metaconscientes im-plcitos nas organizaes dos crebros-mentes dos membro de umacomunidade e os valores explcitos incorporados a esses por meiodas leis. Quando essa correspondncia fraca, uma lei corre o ris-co de ser massivamente desobedecida, e juzes no tero alternativa

    seno declar-la inaplicvel pela razo bvia e prtica de que, emsociedades democrticas, impossvel punir ou encarcerar parcelassignificativas da populao. Em sociedades totalitrias, a obedinciapode ser coerciva pelo uso da fora bruta destinada a causar intimi-

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    dao nas pessoas. Como resultado, a arte de legislar baseada emuma viso clara dos valores metaconscientes de uma cultura e seu

    alongamento em uma direo desejada. A margem para faz-lo ex-tremamente limitada se se quiser evitar a criao de leis inaplicveis.Quando uma cultura torna-se muito dessimbolizada, essa forma delegislar torna-se quase impossvel. A ordem tcnica que agora domi-na a maioria das ordens culturais uma ordem do absurdo que nopode ser dirigida pelo sentido legal [legal sense]. Alm disso, muitasquestes legais parecem ser bastante diferentes quando vistas emtermos de uma ordem cultural em oposio a uma ordem tcnica.Por exemplo, direitos humanos precisam ser interpretados em ter-mos de seus significados em relao ordem tcnica e no ordemcultural. a primeira que est constantemente minando o que restade liberdade e democracia. No obstante, nossos polticos conti-nuam se comportando como se ns ainda vivssemos em sociedadesgenunas com ordens culturais intactas.

    Ns argumentamos que algumas categorias do crime no so-mam nenhum benefcio queles que os cometem e que isso pode serinterpretado como uma transgresso sagrada da tcnica e do Estado--nao. A dessimbolizao de ordens culturais tem enfraquecido to-dos os vnculos sociais. No so mais nossas comunidades que sovandalizadas, desfiguradas com grafites, comprometidas pela inva-so de seus sistemas de informao ou subtradas em rendimentosessenciais pela sonegao generalizada de impostos quando as pes-soas acham que podem se safar. o sistema que no impe maiso respeito e a confiana de uma parcela crescente da sociedade. Aaplicao de uma grande quantidade de leis tributrias restrita asituaes nas quais as pessoas no podem escapar esquivando-se de-las. H uma crescente economia informal [underground]. Tudo issoreflete o fato de que, para muitas pessoas, no se trata mais de nossaeconomia e nosso governo, porque elas olham o sistema como sendo

    manifestadamente injusto. As pessoas tm conscincia de que esseno mais nosso sistema, responsvel perante processos democrti-cos, porque em suas vidas cotidianas eles o experimentam como umafora externa voltada contra elas. Muitas pessoas no se preocupam

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    mais em votar, pois acreditam que isso no mudar nada de essen-cial. Governos usam cada vez mais o direito como uma ferramenta

    organizacional, o que agrava a situao. Em vez de reconhecer issocomo uma crise de legitimidade e tratar a raiz dos problemas, elesacham as pautas de lei e ordem [law and order] quase irresistveis.Tudo isso particularmente crtico em relao ao policiamento, queest saindo cada vez mais do controle pblico. Muitos cidados ino-centes so arrebatados pelos erros pela brutalidade da polcia sem ternenhum recurso de reparao significativo.

    A universalidade das instituies legais est enraizada no papelque elas desempenham, estabilizando ordens culturais no tempo, noespao e no social.5A humanidade inventou ordens culturais em ummundo dinmico [living world], onde tudo estava relacionado a tudo,de modo que nada nunca se repete da mesma forma. As consequn-cias das aes humanas eram uma funo de suas caractersticas edas circunstncias s quais eles foram lanados. Assim, as intenespor trs dessas atividades teriam um efeito diferente em outro tem-po e lugar ou em circunstncias sociais distintas. Como as pessoaspoderiam contar com qualquer coisa em suas vidas individuais ecomo poderia a ordem cultural de sua vida coletiva perseverar emem face de tantas mudanas? Como poderia qualquer estabilidadee previsibilidade ser criada? A resposta que isso impossvel seminstituies legais de algum tipo. Elas criaram as condies sob asquais algum pode contar com os poderes da natureza, quase inde-pendentemente do tempo, do local e das circunstncias sociais. Elastornaram possvel contar com os outros, independentemente do quepossa acontecer. Como resultado da civilizao ocidental, ns che-gamos a associar instituies legais aos direitos humanos, justiae liberdade. Contudo, essas inovaes legais foram construdassobre desenvolvimentos anteriores muito importantes, o que pode

    5 Com a permisso de Jacques Ellul, relatei anteriormente as respostas que ele deu emum curso de doutorado sobre a universalidade das instituies legais. Essa questoapareceu primeiramente em The Growth of Minds and Cultures, para a qual ele es-crevera o prefcio. Eu tambm me referi aos seus argumentos em Technology and theLaw:Who Rules?, p. 32232.

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    ser ilustrado por alguns exemplos das sociedades mais antigas [ealiersocieties].

    Para uma cultura sustentar a vida humana, ela cria uma formade vida que implica relaes com o ecossistema estveis e previs-veis. Houve um tempo quando se acreditava que esses ecossistemaseram constitudos exclusivamente por serem vivos. Tudo tinha umesprito, resultando que nenhuma regularidade na natureza poderiaser jamais garantida. Povos indgenas sabiam que o sol se ergueriatoda manh, a no ser que os deuses decidissem o contrrio. An-tigos agricultores sabiam quo dependentes eles eram do sol e queno tinham, portanto, outra escolha a no ser intervir nessa situaoimprevisvel. Um contrato jurdico vinculante tinha de ser firmadoentre o deus sol por meio de um ritual mgico e religioso que ligasseas duas partes.

    Da mesma forma, uma tribo cujo modo de vida dependesse dacaptura, treinamento e escambo de elefantes no tinha realmentesido bem-sucedida no desenvolvimento de tcnicas de caa e treina-mento. Eles tinham de obter e sustentar a permisso dos poderes danatureza para se apropriarem dos elefantes se quisessem continuarvivos e isso tinha de ser garantido por um arranjo legal adequadoe promulgado com a ajuda da religio. Por essas razes, a criaoe o uso das primeiras tcnicas [early technologies] eram comumenteinterligados com arranjos legais, mgicos e religiosos.

    Um conhecimento da natureza sinnimo de previsibilidadesomente se a natureza for tida como o equivalente de um gigantemecanismo incapaz de fazer qualquer coisa que no siga as leis nelainscritas. Todavia, tal viso da natureza mal completou quinhentosanos. Antes dessa poca, os poderes e espritos da natureza tinhamde ser considerados, o que exclua qualquer possibilidade de cincia.S se podia contar com qualquer estabilidade se um contrato legalentre os poderes constitudos [powers that be] fosse estabelecida.

    Uma vez que os fenmenos eram geralmente vistos como es-pacialmente localizados, era comum acreditar que poderes naturaise espritos tinham jurisdio limitada a um territrio. Assim, paraestabelecer um modo de vida particular, uma comunidade tinha de

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    marcar seu territrio e realizar contratos com os deuses e espritoslocais. Os rituais por meio dos quais isso era assegurado tinham um

    carter legal e religioso. As instituies legais e religiosas modela-vam e estabilizavam as relaes com os poderes naturais, garantin-do, dessa forma, que suas experincias com o ambiente local fossemestveis e previsveis, contanto que o contrato fosse sustentado pelosrituais apropriados. Sem isso, nenhuma ordem cultural poderia seestabelecer na ordem natural. Os deuses consentiram em cooperarcom a ordem humana.

    Esses argumentos tambm significam que, fora do territrio deuma comunidade, seriam encontrados poderes com os quais as pes-soas no tinham nenhum relacionamento, resultando que qualquercoisa poderia acontecer. Qualquer empreendimento para alm doterritrio requeria os servios de um mago que estivesse em conta-to com esses poderes e que pudesse solicitar a cooperao destes emnome da comunidade. Tal mago ou maga, ento, vivia fora das ordensda comunidade, o que fazia dele ou dela uma tambm uma ameaa.

    A interpretao do sculo XIX sobre a propriedade privada dis-torceu grandemente nosso entendimento dos desafios que tinham deser superados pelos povos mais antigos [earlier people]. A instituioda propriedade privada no foi, antes de tudo, uma forma de prote-ger as pessoas do roubo, mas sim uma forma de proteg-las dos po-deres da natureza, reivindicando aquilo que as pessoas tinham delase apropriado. Isso inclui a permisso para capturar animais paracomer ou domesticar.

    Alm disso, essas primeiras comunidades foram obrigadas aordenar todas as relaes sociais necessrias para a manuteno daevoluo de seus modos de vida em seu territrio estabelecido. Seusmembros tinham de poder contar uns com os outros, o que requeriaque uma variedade de relaes sociais fosse feita de forma a durar.Para que o modo de vida da comunidade durasse, esses arranjos so-

    ciais no poderiam ser deixados s circunstncias, e isso era semprerealizado por meio de instituies legais. Por exemplo, em relacio-namentos que seriam posteriormente estabilizados pela inveno dainstituio do casamento, os dois cnjuges poderiam mudar de for-

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    mas imprevisveis. Sem o domnio legal dessas alteraes, a criaodas crianas, o cuidado dos pais idosos e outras obrigaes sociais

    poderiam ser prejudicadas, e o modo de vida de uma comunidadeno poderia, ento, ser passado de forma segura de gerao para ge-rao. Aps o estabelecimento da instituio do casamento, os cn-juges sabiam o que podiam esperar um do outro, e a comunidade sa-bia o que esperar do casal. O relacionamento agora tomou medidasde previsibilidade independentes das mudanas de tempo, espaoe circunstncias sociais. A instituio limitava as formas por meiodas quais as circunstncias poderiam afetar a evoluo do relaciona-mento. O futuro tornou-se confivel, e as sanes poderiam ser co-bradas daqueles que perturbassem a ordem culturalmente impostapor meio do divrcio.

    Outros exemplos so fornecidos pelas relaes comerciais dequalquer tipo. Suponha que um membro de uma comunidade ind-gena ganhasse a vida obtendo permisses de poderes naturais parase apropriar de cavalos e trein-los. Outros membros da comunida-de abordariam essa pessoa com o objetivo de conseguir um cavalo.Qualquer acordo estabelecido entre eles poderia ser prejudicado seas circunstncias mudassem. Em tempo, uma das partes poderiamudar de ideia e reivindicar que, devido a algum ocorrido, os ca-valos no eram mais desejveis como eram anteriormente. Uma vezque tais arranjos fossem selados pelo equivalente de contratos legais,nenhuma parte estaria absolvida de suas responsabilidades por cau-sa de alteraes circunstanciais. Novamente, a instituio jurdicafez que o acordo fosse previsvel e estvel no tempo, e a comunidadepde sancionar aqueles que mudaram a forma do acordo. Dessa ma-neira, uma comunidade conseguia estabelecer uma ordem culturalpara muitas atividades provendo um sistema de modelos legais. Aordem cultural era legalmente estabilizada para se tornar confivel eprevisvel porque indivduos e a vida humana coletiva no podiam

    mais ficar merc das circunstncias. A previsibilidade e a confiabi-lidade foram conquistadas, apesar de nada se repetir nunca na vidade forma exata, como um resultado de tudo se adaptar constante-mente, evoluindo em relao ao todo.

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    A aplicabilidade ou no das leis e a universalidade das institui-es legais dependem do suporte simblico de uma ordem cultural

    qual estejam conectados interna e externamente. A vida humana,individual e coletiva, poderia, ento, evoluir de uma maneira or-denada e no ser vtima de circunstncias sempre em transforma-o. Junto s instituies religiosas, as instituies legais ajudarama resgatar a vida humana do relativismo, do niilismo e da anomia.Esse papel foi bem entendido na Grcia antiga, o que reorganizousua dependncia em relao s leis. Antes desse perodo, instituieslegais ajudaram a estabelecer e estabilizar ordens culturais, levandopouco em considerao seus efeitos sobre os membros individuaisde uma comunidade. Esse desenvolvimento evoluiu ainda com umainovao muito importante realizada pelos romanos, que afirmavamos direitos legais dos cidados em relao ao Estado. Ele tornou-seuma das fundaes perfeitas da civilizao ocidental (Ellul, 1970).Gradualmente, a civilizao ocidental construiu essa inovao legalpara desenvolver os direitos humanos e as liberdades civis.

    Essa evoluo legal promissora foi minada pelo processo de in-dustrializao e seus efeitos dessimbolizadores sobre ordens cultu-rais. A emergncia de ordens econmicas, seguida de uma ordemtcnica universal, obrigava qualquer Estado a tomar controle sobreas instituies jurdicas, a fim de regular essas ordens em detrimentodas ordens culturais. O Direito assumiu um carter cada vez maisorganizacional e, conforme as tradies do Direito consuetudinrioeram esmagadas pelas mudanas, as tcnicas jurdicas tornavam-secada vez mais dominantes. Jacques Ellul (ibidem) previu com preci-so esses desenvolvimentos pouco aps a Segunda Guerra Mundial.

    Hoje, o Direito serve a um duplo propsito. Primeiro, tcnicasjurdicas desempenham um papel importante na estabilizao daordem tcnica do absurdo [non sense]. Poucas pessoas conseguementender bem o sentido dos contratos que regem seu fornecimento

    de eletricidade, gs, gua, coleta de esgoto, seguro automobilstico,seguro de vida, servios de comunicao (de telefonia fixa e celular,de televiso e internet), licenas de softwares, formulrios mdicose muito mais. Quase sem excees, esses acordos so to unilaterais

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    que carecem de legitimidade, ainda que os tribunais os apliquem.O mesmo tambm verdade para os servios policiais, que , em um

    primeiro momento, servem para servir e proteger a ordem do absur-do e, apenas secundariamente, ao bem comum.O segundo e muito mais importante papel que o direito de-

    sempenha estabilizar o pouco que sobra da ordem cultural como re-sultado da dessimbolizao. preciso lembrar que os participantes dosistema jurdico tm uma educao baseada em disciplinas e que, almde suas reas de conhecimento, eles dependem de culturas altamente

    dessimbolizadas, suplementadas por propagandas de integrao. Semessas ltimas, a legitimidade do sistema jurdico seria ainda menor doque hoje e enfrentaria, provavelmente, uma grave crise legal. A si-tuao a mesma em todas as esferas de atividades humanas: a ordemtcnica ser capaz de ultrapassar as diversas crises que ela gera por tc-nicas compensatrias ou ir sucumbir a seus efeitos de desordem sobrea ordem cultural e nosso ser enquanto espcie simblica?

    Esse diagnstico panormico reconhecidamente amplo do Di-reito levanta a seguinte questo: ir a ordem tcnica dominar oupode o Direito dominar a ordem tcnica? Esse um microcosmo deuma questo muito maior, primeiramente introduzida por JacquesEllul (ibidem) como autonomia da tcnica. Como argumentado an-teriormente, cincia e tcnica, sendo abordagens do saber e do fazerbaseadas em disciplinas, permitiram s sociedades contemporneasaumentarem espetacularmente o poder de seus meios, sacrificandoas fbricas de vidas humanas, sociedades e ecossistemas. A desor-dem dessimbolizou nossas mentes e culturas para acomodar tudo snossas mais poderosas criaes. Essas no mais servem a ns e issoest mudando tudo, inclusive o Direito.

    Considere um caso judicial como um exemplo.6Um grupo defazendeiros de orgnicos de Saskatchewan lanou uma ao coleti-

    6 Estou me baseando em diversas interpretaes desse caso apresentadas em duasedies especiais do Bulletin of Science, Technology & Society,editadas por JenniferChandler. Estou tambm me apoiando em seu artigo subsequente que mostra queesse caso pode bem ser uma instncia de um padro maior que ela est explorando.Ver Chandler (2007).

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    va (ou ao civil pblica?) contra a Monsanto do Canad e a BayerCropScience em uma tentativa de ser ressarcida pelos danos sofri-

    dos pela introduo de uma estirpe de canola que fora modificadageneticamente para resistir a herbicidas. Como resultado do plenda canola geneticamente modificada contaminando as plantaes decanola no geneticamente modificadas, esses fazendeiros no conse-guiam mais atingir os padres europeus para produtos orgnicos. Ogoverno canadense aprovou a canola geneticamente modificada emmeados da dcada de 1990. Inicialmente, a Canadian Private Or-ganic Certification Organization no mencionou explicitamente or-ganismos geneticamente modificados em seus padres, porm, logoseguiu o precedente europeu, proibindo-os. Alm dos fazendeirosde orgnicos no conseguirem mais cultivar canola, havia o proble-ma de criar uma lacuna em seus esquemas de rotao de plantaes.

    O resultado desse caso inteiramente previsvel pelo quadroconceitual desenvolvido neste trabalho. A evidncia apresentadapor testemunhas periciais foi totalmente baseada em disciplinas.Para compreender seu depoimento, todos os participantes do jul-gamento tiveram de traduzir a evidncia de suas disciplinas para omundo do sentido. No h nenhuma maneira cientfica para faz--lo, pois especialistas no podem nos dizer nada confivel sobre osignificado e o valor de nada para a vida humana, para a sociedadee para a biosfera. Como resultado, essa traduo teve de envolveras organizaes altamente dessimbolizadas dos crebros-mentes dosparticipantes, assim como sua cultura compartilhada. Uma vez queessa cultura dessimbolizada estava possuda por uma ordem tcnicaat o mais profundo conhecimento metaconsciente do sagrado e dosmitos, difcil conceber como os participantes poderiam ter atribu-do as dificuldades experimentadas pelos fazendeiros de orgnicos canola geneticamente modificada. Algo que tem sido associado me-taconscientemente ordem do melhor bem conhecido pela comuni-

    dade cultural no pode fazer coisas ruins. A causa do problema deveestar em outro lugar. Os advogados dos rus foram geis em apont--lo. O prejuzo desses fazendeiros foi o resultado dos padres ado-tados pelo certificador de orgnicos, que eram incompatveis com

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    todas as plantas espalhando plen, e pela deciso dos fazendeiros deaderir a esses padres. Afinal, a canola geneticamente modificada foi

    aprovada pelo governo canadense e , portanto, presumivelmente,segura. Em outras palavras, apesar das corporaes internacionaisde agricultura biotecnolgica estarem ocupadas modificando o ecos-sistema do qual esses fazendeiros dependem, a culpa foi deslocadapara os fazendeiros.

    O testemunho do especialista foi considerado pela corte deacordo com precedentes e princpios legais. Mais uma vez, ns pre-cisamos ser bastante claros no que estava envolvido. No h maisnenhuma tradio legal, porque isso, junto com todas as outras tra-dies, foi totalmente esmagado pelas diversas mudanas associadas industrializao dos ltimos duzentos anos. No se coloca a ques-to de se elaborar cumulativamente uma ordem cultural por meiode instituies legais. A maioria dos princpios legais, e dos prece-dentes nos quais eles se baseiam, deriva de um contexto humano,social e ambiental que no existe mais. A introduo de organismosgeneticamente modificados biosfera representa uma experinciade propores sem precedentes. Nenhum desses tipos de organismoparticipou do processo de evoluo no curso do qual tudo se desen-volveu em relao a tudo como uma expresso de um DNA gran-demente compartilhado. H, portanto, uma possibilidade razovel,seno altamente provvel, de que esses organismos geneticamentemodificados constituam uma forma inteiramente nova de poluiodo reservatrio de DNA do nosso planeta. O lanamento de orga-nismos geneticamente modificados na biosfera irreversvel, e seusefeitos de longo prazo sobre toda a vida so cientificamente (isto ,baseado em disciplinas) imprevisveis. Governos esto to ocupadosgerenciando a ordem tcnica e to desesperados pelo crescimentoeconmico que, com um pequeno lobby das indstrias, o bem co-mum no tem a menor chance. Nesse caso (e na maioria dos casos

    similares), impossvel estabelecer cientificamente a segurana ouno segurana dos organismos geneticamente modificados. Dada adominao de todas as ordens culturais pela ordem tcnica e dada atotal falta de conscientizao que os especialistas tm dos limites de

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    sua especializao (separados da experincia e da cultura), o governotomou uma deciso poltica. Esse sendo o caso, o governo deveria

    ter reconhecido que uma parcela significante dos cidados da naopode muito bem no estar de acordo e d