Notas sobre Preconceito de Classe e Politicas Sociais

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  • 8/18/2019 Notas sobre Preconceito de Classe e Politicas Sociais

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    UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

    INSTITUTO DE PSICOLOGIA

    PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA SOCIAL

    José Fernando Andrade Cosa

    !Noas so"re o #re$on$e%o de $&asse e as #o&'%$as so$%a%s no (ras%&)

    Tra"a&*o +%na& da d%s$%#&%na, !Pre$on$e%o %nd%.'d/o e $/&/ra)

    Do$ene, José Leon Cro$*%0 

    O//"ro de 1234

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    T'/&o, “Noas so"re o #re$on$e%o de $&asse e as #o&'%$as so$%a%s no (ras%&)

    A/or, José Fernando Andrade Costa

    N56ero USP, 8857171

    O objetivo deste ensaio é apresentar uma reflexão a respeito do preoneito de lasse e as

     pol!tias soiais no "rasil# A op$ão por tratar o tema do preoneito a partir da onep$ão de

     preoneito de lasse% e não relativamente &s suas manifesta$'es ontra minorias tradiionais

    (ne)ros% *omossexuais% defiientes et#+% se deve & neessidade de p,r em disussão esse tipo

    espe!fio de desrespeito soial no -mbito das pol!tias soiais no "rasil% em espeial a pol!tia

    de assist.nia soial# /videntemente não se trata de menospre0ar as outras manifesta$'es do

     preoneito% mas apenas de dar destaue a al)uns aspetos mais )erais das rela$'es soiais em

    ue se fa0 presente a disrimina$ão e opressão (fla)rante ou sutil+ sem ue% no entanto% esteja

    diretamente assoiada a uma arater!stia direta de um movimento oletivo (omo o dos ne)ros%

    *omossexuais et#+ ue lutam por reon*eimento# 2este sentido% em nossa soiedade% o )rupo

    soial alvo do preoneito de lasse não é uma minoria% mas ao ontr3rio% é a maioria# 4ão os

    despossu!dos% os mar)inali0ados% as “lasses peri)osas# Comp'em% justamente por isso% o

     p6blioalvo das pol!tias de assist.nia soial#

    Antes de prosse)uir om a reflexão sobre o preoneito de lasses e as pol!tias de

    assist.nia% abe pontuar o lu)ar ue o oneito de classe social   aduire em nossa reflexão

    teria# /ste oneito é omumente assoiado & teoria marxista omo ponto de partida para

    expliar as ontradi$'es fundamentais do modo de produ$ão apitalista1# 2o entanto% o ar3ter 

    1 /m 9arx temos duas lasses fundamentais e anta),nias: a bur)uesia e o proletariado# A primeira detémos meios privados de produ$ão material e a se)unda representa a for$a produtiva# ;3 ainda uma lasseintermedi3ria% a peuena bur)uesia% ou lasse média% ue tem o papel estrutural de reprodu$ão da

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    exessivamente meaniista e funionalista do marxismo e suas vertentes tem reebido r!tias

    no debate soiol)io *3 al)um tempo# Oorre ue 9arx não foi o 6nio terio das lasses

    soiais e% para Jessé de 4ou0a (eber% por exemplo% aresenta & “situa$ão de lasse da eonomia pol!tia

    marxiana o omponente da “situa$ão estamental para dar onta de arater!stias das rela$'es

    maradas pela valori0a$ão soial da “*onra# 9as% para 4ou0a (

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    ima são apa0es de onviver om *ierarui0a$ão e a disparidade soial% sem remorso% ao passo

    ue &s lasses de baixo é imputada a responsabilidade por sua ondi$ão de vida e sua inser$ão

     pre3ria no sistema produtivo# Eara 4ou0a (

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    A relev-nia atribu!da por Jessé de 4ou0a aos aspetos préreflexivos subjaentes ue

    onstituem objetivamente as distin$'es entre indiv!duos ue oupam posi$'es distintas na divisão

    soial do trabal*o% ontribui para pensar ritiamente o preoneito de lasse sem airmos na

    tenta$ão de reprodu0irmos as an3lises marxistasfunionalistas ou reairmos no puro

    subjetivismo# Contudo% apesar desta an3lise ser bastante fértil para a ompreensão da )ram3tia

    soial da desi)ualdade brasileira% ela aree de elementos ue expliuem omo o preoneito de

    lasse (e em )eral+ opera psiolo)iamente na rela$ão entre o indiv!duo partiular e ultura em

    )eral#

    O indiv!duo é produto e (re+produtor da ultura# O indiv!duo se insreve na ultura através

    do proesso de soiali0a$ão% no ual se transforma e se forma omo indiv!duo# / este proesso

    responde ao movimento *istrio ue l*e é inerente% ou seja% enuanto s!ntese de ontinuidade e

    ruptura do duplo movimento de emanipa$ão e domina$ão dos des!)nios da nature0a# Eara tanto%

    a experi.nia e a reflexão são as bases para a onstitui$ão do indiv!duo na ultura# O preoneito%

     por sua ve0% se arateri0a pela aus.nia ou impedimento de ambas# 9as as ra!0es psiol)ias do

     preoneito são ainda mais profundas# 4e)undo Cro*iH (1II7+% “o preoneito di0 respeito a um

    meanismo desenvolvido pelo indiv!duo para poder se defender de amea$as ima)in3rias% e assim

    é um falseamento da realidade% a ual o indiv!duo foi impedido de enxer)ar e ue ontém

    elementos ue ele )ostaria de ter para si% mas ue se v. obri)ado a não poder t.los uanto maior 

    o desejo de poder se identifiar om a pessoa v!tima do preoneito% mais este tem de ser 

    fortaleido (Cro*iH% 1II7% p#18I+# /ste meanismo é produto da introje$ão das normas e

    valores da ultura# A psian3lise desreve a forma$ão do supere)o a onsi.nia moral ue

    aduirimos por identifia$ão om as fi)uras de autoridade (os pais+ a partir do medo

    inonsiente de perder o amor e a prote$ão dos pais# @este modo% a rian$a assume omo seu

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    ideal de e)o os valores de seus pais aera do ue é bom e o ue é mau% do ue deve ser feito e do

    ue não deve ser feito# K defesa dos valores introjetados pelo e)o orrespondem%

    simultaneamente% o medo e a neessidade de autoridade: medo frente & puni$ão neessidade

    devida ao sentimento de desamparo% de fra)ilidade# 2este sentido% uma ve0 ue o preoneito não

    é inato% o supere)o representa a fonte de sua expressão% no n!vel individual (Cro*iH% 1II7+#

    Apesar de o preoneito di0er mais do preoneituoso do ue de sua v!tima% esta não é

    totalmente independente dauele# O preoneito se vale dos esteretipos forneidos pela ultura

    e% em )eral% se diri)e ontra )rupos fra)ili0ados# Os esteretipos favoreem a deturpa$ão da

    realidade% riando is'es baseadas na distin$ão de )rupos a partir de arater!stias pariais ou

    ue seuer ten*am al)uma verdade# O proesso de reprodu$ão dos esteretipos pela ind6stria

    ultural produ0 também um efeito ao n!vel do pensamento% tornandoo% em al)uma medida%

    também estereotipado# Eor sua ve0% a estereotipia do pensamento se apoia na ideolo)ia e exlui a

    reflexão r!tia sobre a realidade% favoreendo o preoneito ultural# A ideolo)ia% entendida aui

    omo justifiativa para ualuer tipo de domina$ão% também é um produto da ultura# /la

    “enobre a domina$ão desneess3ria para a autoonserva$ão da *umanidade e% omo se exere na

    forma de domina$ão (da onsi.nia e da vontade *umanas+% se ontrap'e a uma onsi.nia

    r!tia ue denunia a isão entre a forma pela ual os *omens se or)ani0am e as suas

    neessidades (Cro*iH% 1II7% p#GG+#

    A domina$ão% no entanto% não é inerente ao *omem# /la advém do proesso de luta ontra

    as viissitudes da nature0a ue busava livrar o *omem do medo da destrui$ão# /ste proesso é o

     prprio movimento do eslareimento: “no sentido mais amplo do pro)resso do pensamento% o

    eslareimento tem perse)uido sempre o objetivo de livrar os *omens do medo e investilos na

     posi$ão de sen*ores (Adorno L ;orH*eimer% 1I85% p#17+# O eslareimento visa% portanto% a

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    liberdade sua arater!stia é o desenantamento do mundo sob o des!)nio da ra0ão e ser3%

     portanto% o pro)resso da ra0ão ue ondu0ir3 & emanipa$ão# Con*eer emanipa porue o

    on*eimento tra0 onsi)o o dom!nio da realidade# 2o entanto% omo apontam Adorno e

    ;orH*eimer (1I85+% o eslareimento porta sua autodestrui$ão# O pro)resso do eslareimento

    amin*a om a re)ressão & domina$ão# Eois todo ato de on*eer é um ato de domina$ão# Com o

    aumento da produtividade eon,mia alan$ouse ao mesmo tempo as ondi$'es para um mundo

    mais justo e as bases para a re)ressão & barb3rie# O indiv!duo desaparee frente ao aparel*o

    ténio ue ele produ0% ue dele se autonomi0a e passa a deidir sobre seu omportamento#

    Alienase das oisas ue produ0 e de si mesmo% enuanto *omem:

    o pre$o da domina$ão não é meramente a aliena$ão dos *omens om rela$ãoaos objetos dominados om a oisifia$ão do esp!rito% as prprias rela$'esdos *omens foram enfeiti$adas% inlusive as rela$'es de ada indiv!duoonsi)o mesmo# /le se redu0 a um ponto nodal das rea$'es e fun$'esonvenionais ue se esperam dele omo al)o objetivo# O animismo *aviadotado a oisa de uma alma% o industrialismo oisifia as almas# O aparel*oeon,mio% antes mesmo do planejamento total% j3 prov. espontaneamenteas meradorias dos valores ue deidem sobre o omportamento dos*omens# A partir do momento em ue as meradorias% om o fim do livre

    inter-mbio% perderam todas suas ualidades eon,mias salvo seu ar3ter de feti*e% este se espal*ou omo uma paralisia sobre a vida da soiedadeem todos os aspetos (Adorno L ;orH*eimer% 1I85% p#G5+#

    A irula$ão das meradorias% na soiedade apitalista% submete tudo & sua l)ia de

    aumula$ão e reprodu$ão# A reifia$ão do pensamento difiulta ue ele se pense a si prprio# Os

    indiv!duos deixam de se reon*eer omo membros do ).nero *umano% renuniando a si

    mesmos# O eslareimento disiplina o pensamento redu0 o mundo todo ao prin!pio do 3lulo

    matem3tio# Assim% na soiedade de lasses% o eslareimento abdia de reali0arse plenamente#

    O eslareimento é totalit3rio% omo todo sistema# Mma das onseu.nias da reifia$ão

    do pensamento é a extensão a toda a soiedade% tornando o mundo um “mundo administrado

    D

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    teniamente# 4ob a raionalidade instrumental% a administra$ão da vida soial se reflete tanto na

    ind6stria uanto no /stado# Observaremos adiante ue a raionalidade instrumental é marante na

    )estão das pol!tias soiais# Antes% ontudo% onvém fa0er uma breve di)ressão para apontar 

    al)uns exemplos do preoneito de lasse extra!dos do nosso otidiano#

    O primeiro aso referese ao efeito surpresa% por assim di0er% da aprova$ão de uma

    emenda onstituional em abril de

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    sendo ausada de reprodu0ir ar)umentos dos sen*ores esravoratas do séulo P?P% de ue a

    liberdade seria prejudiial aos prprios esravos#

    O se)undo aso *ama a aten$ão pela espontaneidade# ornouse *3bito as pessoas

    utili0arem seus aparel*os eletr,nios onetados &s redes de internet  para ompartil*arem

    ima)ens e oment3rios de situa$'es orriueiras do otidiano# /m um desses momentos%

    enuanto a)uardava para embarar em seu voo em um aeroporto do Qio de Janeiro% uma

     professora universit3ria postou numa rede soial uma foto de um *omem% trajado de bermuda e

    amiseta re)ata ue embararia no mesmo avião ue ela% om a se)uinte per)unta: “aeroporto ou

    rodovi3riaR# A ironia da professora% ue depois se referiu ao *omem omo “9r# Qodovi3ria%

    reperutiu pelas redes soiais e em matérias de jornais de )rande irula$ão# Mm olunista do

     jornal  Estado de São Paulo omentou ue “uma parte importante da soiedade brasileira

    inomodase om a novidade de um merado de massa ue nivelou o jo)o via aesso uase

    universal ao onsumo# Os inomodados não são os superrios% ue ontinuam inalan$3veis# A

    aproxima$ão dos ue v.m de tr3s perturba uem j3 estava no meio e se sente i)ualado ou até

    superado por uem *e)ou a)ora e j3 uer sentar na janelin*a (oledo%

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    é uriosa por ter sido impetrada por uma assoia$ão do omério ontra pro)ramas de

    transfer.nia de renda do /stado# 2o entanto% a motiva$ão para tal a$ão tem um un*o pol!tio%

    ou seja% é uma tentativa in).nua de impedir ue os setores pobres da soiedade possam deidir 

    sobre o proesso eleitoral# 2este sentido% *e)amos ao 6ltimo aso% ainda mais reente% oorrido

    lo)o aps a divul)a$ão do resultado das elei$'es do dia =5 de outubro de

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    desi)ualdade soial não é jamais oloada em uestão% pelo ontr3rio% é esamoteada pela

    ideolo)ia para justifiar a domina$ão de lasse e a ne)a$ão de direitos#

    O ue subsiste em omum a todos os exemplos itados é a intoler-nia & mudan$a no

     padrão das rela$'es de lasse% por mais !nfima ue seja# @e fato% *ouve uma li)eira mudan$a no

     panorama )eral da situa$ão eon,mia dos brasileiros na 6ltima déada# ?sto não si)nifia ue

    ten*a *avido ualuer modifia$ão das lasses soiais fundamentais% ue ontinuam a ser a

     bur)uesia e o proletariado# Eropa)ase% no entanto% om ares de revolu$ão% a asensão de mil*'es

    de pessoas antes mar)inalmente inlu!das na soiedade & esfera do onsumo: a fami)erada

    asensão de uma “nova lasse média# A an3lise r!tia desse fen,meno mostra ue *ouve% na

    verdade% uma amplia$ão e reonfi)ura$ão da lasse trabal*adora om o avan$o do projeto

    neoliberal (C*au!%

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    aompan*ado pelo aumento e aprimoramento dos meanismos de ontrole destes pro)ramas% a

    fim de prover indiadores soiais om maior rapide0 e efii.nia# O “Cadastro Unio para

    Ero)ramas 4oiais (CadUnio+% por exemplo% é o instrumento padroni0ado de oleta de dados e

    informa$'es sobre as fam!lias de baixa renda para inlusão nos pro)ramas soiais

    )overnamentais# /mbora seja fundamental para efetiva$ão% viabili0a$ão e avalia$ão da )estão da

     pol!tia de assist.nia em todo o territrio naional% o proesso de adastramento aaba

    aduirindo uma relativa autonomia sobre seus objetivos# Assim% )rande parte do trabal*o dos

    a)entes da assist.nia soial passa a ser a atuali0a$ão do adastro e de seus derivados# @e aordo

    om Ansara L @antas (

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    debate sobre a desi)ualdade brasileira e da onstru$ão de meios de fortaleimento da idadania

    em ontextos de vulnerabilidade# / isto neessariamente envolve a onstru$ão% efetiva$ão e

    aperfei$oamento de pol!tias p6blias soiais# 2este sentido% “embora saibamos ue esapa &s

     pol!tias soiais% &s suas apaidades% desen*o e objetivos reverter n!veis tão elevados de

    desi)ualdade% omo os enontrados no "rasil% não podemos duvidar das virtualidades poss!veis

    dessas pol!tias# /las% por serem ontraditrias% podem ser possibilidade de onstru$ão de direitos

    e iniiativas de Vontradesman*eW de uma ordem injusta e desi)ual (Ya0beH%

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     prpria riou e ue reprodu0 sem se dar onta# /sta ontinua sendo nossa tarefa (*istria+# er 

    onsi.nia dela é o ue nos permite manter a esperan$a em um futuro mel*or#

    1G

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    Re+er7n$%as

    Adorno% # ># L ;orH*eimer% 9# (1I85+ @ialétia do eslareimento: fra)mentos filosfios# Qio

    de Janeiro: Jor)e [a*ar /d# (reimpressão