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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE CINCIAS JURDICAS
CURSO DE GRADUAO EM DIREITO
PATRICK VIEIRA
O CRIME PERMANENTE E A DENNCIA ANNIMA: A
ENTRADA DO AGENTE POLICIAL NO DOMICLIO DO
SUSPEITO
FLORIANOPLIS- SC
2014
PATRICK VIEIRA
O CRIME PERMANENTE E A DENNCIA ANNIMA: A
ENTRADA DO AGENTE POLICIAL NO DOMICLIO DO
SUSPEITO
Trabalho de Concluso apresentado ao
Curso de Graduao em Direito da
Universidade Federal de Santa Catarina,
como requisito para obteno do ttulo de
bacharel em Direito.
Orientador: Prof. Dr. Alexandre Morais
da Rosa
FLORIANPOLIS SC
2014
AGRADECIMENTOS
Todas as pessoas que de alguma forma acreditaram e me apoiaram na realizao
desse sonho e me auxiliaram neste trabalho sabem disso, e se no sabem, algo pelo qual
eu pretendo lhes agradecer o tempo todo, pois so pessoas que tem grande importncia
na minha formao e seriam demais para nomina-los aqui. Desse modo, agradeo:
Ao Professor e orientador Alexandre Morais da Rosa, pelo apoio, ateno,
presteza e tempo que disponibilizou para me ajudar na realizao do presente trabalho.
Desse modo, no h palavras que expressem minha gratido.
Em especial minha Esposa, Juliana Teixeira Quinaud, por me apoiar na alegria
e na tristeza, de forma incondicional;
A minha filha Laura Quinaud Vieira, por mostrar o quanto o amor inimaginvel
e me desculpar pelos momentos em que no me fiz presente;
Minha me, Lcia Helena Nunes pelo amor e dedicao;
Obrigado.
RESUMO
O ponto de partida um problema decorrente da prtica diria do servio policial,
decorrente de prises em crimes permanentes.
No incomum no servio policial o agente se deparar com o recebimento de
denncias de informantes particulares ou at mesmo de moradores das comunidades, que
incomodados com o trfico de drogas no seu bairro resolvem expor a situao, pedindo
uma soluo por parte dos policiais sem que para isso precisem se expor.
A partir dessas denncias e consequentes prises que surge a discusso em torno
do crime permanente (trfico de drogas), ou seja, os policiais poderiam ou no ingressar
no domiclio sem mandado judicial, violando em tese um preceito constitucional, apenas
imaginando que ali se guardavam entorpecentes.
A maior parte da jurisprudncia dos tribunais, inclusive o TJSC, STJ e STF
sustentam que em crime permanente, a exemplo o trfico de drogas, o agente policial no
precisa de mandado judicial, no viola o domiclio do suspeito preso e no contamina a
prova apreendida.
Outro ponto a ser destacado a violao ou no do princpio constitucional da
inviolabilidade do domiclio e a responsabilizao penal, civil e administrativa que o
policial pode ou no sofrer em virtude da interpretao dada pela autoridade judicial.
Desse modo o que se busca discutir aqui se numa hiptese de crime permanente
o policial para efetuar prises e apreender coisas, basta que tenha uma denncia annima
ou mera suspeita ou preciso que tenha elementos suficientes de convico, ou seja, que
tenha certeza.
A importncia do tema atual por se tratar de um problema prtico enfrentado no
dia a dia policial e que tem repercusso na privao de liberdade de um nmero
considervel de pessoas.
Por fim, o mtodo adotado no presente trabalho foi o mtodo indutivo. A tcnica
utilizada foi a de pesquisa bibliogrfica, juntamente com pesquisa jurisprudencial no
Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justia, Tribunal de Justia de Santa
Catarina, Tribunal de Justia do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro.
Palavras-chave: Agente policial, Denncia annima, Crime permanente,
Flagrante, (In) violabilidade do domiclio, Trfico de drogas.
SUMRIO
INTRODUO.................................................................................................................6
1 GUERRA CONTRA AS DROGAS, INFLUNCIA LEGISLATIVA, LEI DE
DROGAS, ART. 33 .......................................................................................................... 8
1.1 GUERRA CONTRA AS DROGAS NOS ESTADOS UNIDOS E SUA
EXPORTAO PARA AMRICA LATINA ............................................................. 8
1.2 INFLUNCIA LEGISLATIVA NO BRASIL ................................................ 11
1.3 LEI 11.343/06 E SEU ART. 33 ....................................................................... 15
2 O CRIME PERMANENTE, PRISO EM FLAGRANTE, DENNCIA
ANNIMA E TRFICO DE DROGAS ....................................................................... 19
2.1 A PRISO ....................................................................................................... 19
2.2 A PRISO EM FLAGRANTE ........................................................................ 23
2.3 AS PECULIARIDADES DO FLAGRANTE .................................................. 25
2.4 A PRISO NO CRIME PERMANENTE ....................................................... 27
2.5 AS DENNCIAS ANNIMAS RECEBIDAS PELA POLCIA ................... 30
2.6 O COMRCIO DE DROGAS NAS COMUNIDADES E A VALIDADE DA
DENNCIA ANNIMA ........................................................................................... 31
3 A PROBLEMTICA DO CRIME PERMANENTE.............................................. 38
3.1 O QUE DIZ A JURISPRUDNCIA DOMINANTE NOS TRIBUNAIS ....... 38
3.2 A INVIOLABILIDADE DO DOMICLIO ..................................................... 50
3.3 O POSSVEL ABUSO DE PODER ................................................................ 55
3.4 O QUE DIZ A CORRENTE MINORITRIA ................................................ 57
CONCLUSO.................................................................................................................64
BIBLIOGRAFIA.............................................................................................................66
6
INTRODUO
O presente estudo monogrfico est dividido em 3 captulos que tem por objetivo
tratar sobre tema do crime permanente e a denncia annima: a entrada do agente policial
no domiclio do suspeito.
No primeiro captulo do presente trabalho ser feita uma abordagem simplificada
sobre a questo da guerra s drogas nos Estados Unidos da Amrica, ou seja, como iniciou
o processo de represso ao uso e depois ao trfico de drogas, iniciando nos Estados
Unidos e na Organizao das Naes Unidas, com uma forte legislao penal e que foi se
expandindo pelo mundo, atingindo de maneira direta a Amrica Latina, apontado como
ponto do problema do trfico por ser uma grande fonte de produo de drogas em geral.
Dito isso, analisar-se- a influncia das polticas internacionais antidroga no Brasil
que iniciou o ciclo de combate as drogas e culminou no crescente processo de
criminalizao do traficante inimigo e do toxicmano e que resultou depois de muitos
anos na Nova Lei Antidrogas n. 11.343/06. Essa lei em seu art. 33, o qual tipifica a
conduta do crime de trfico de drogas, composto de 18 verbos nucleares, os quais iro
interessar os verbos que tem carter permanente como por exemplo ter em depsito,
guardar, trazer consigo, transportar.
No segundo captulo, ser feita uma anlise da Lei 11.343/06 e o art. 33, que
possui verbos de carter permanente, passaremos ento a problemtica do crime
permanente que aquele em que a conduta do agente se protrai no tempo, possibilitando
a priso em flagrante de quem quer que esteja praticando aquela conduta descrita. Tal
problema surge na medida que nos crimes de trfico de drogas comum que a polcia e
seus agentes recebam denncias annimas de locais casas em que se escondem drogas
ou aonde realizam a venda dessas substncias. Da surge a questo, em se tratando de
denncia annima, se ser possvel ou no, a entrada da polcia para a priso dos agentes
e das drogas no domiclio apontado como local de trfico, ou se ao entrar para realizar a
priso, essa seria invalida por estar constituda somente com base em denncia annima
e por consequncia estaramos diante da violao direitos e garantias assegurados na
Constituio Federal.
No terceiro captulo, ser expresso o que entende a jurisprudncia dominante nos
tribunais do nosso pas com algumas decises colacionas que explicitam o entendimento
que nos crimes de trfico, mesmo que baseados em denncias annimas, se a polcia
7
logrou xito em constatar a situao, a priso vlida e os policiais no incorreriam em
abuso e nem as provas estariam contaminadas. Tambm ser expresso o entendimento da
corrente minoritria sobre as prises realizadas com base em denncia annima nos
crimes permanentes que apontam em sentido contrrio ao senso comum dos tribunais,
buscando uma posio garantidora dos direitos e garantias fundamentais do cidado
reprimido pelo Estado, tendo por consequncia a invalidao dos atos praticados pelo
rgo repressor.
Por fim, o mtodo adotado no presente trabalho foi o mtodo indutivo. A tcnica
utilizada foi a de pesquisa bibliogrfica, juntamente com pesquisa jurisprudencial no
Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justia, Tribunal de Justia de Santa
Catarina, Tribunal de Justia do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro.
8
1 GUERRA CONTRA AS DROGAS, INFLUNCIA LEGISLATIVA, LEI DE
DROGAS, ART. 33
1.1 GUERRA CONTRA AS DROGAS NOS ESTADOS UNIDOS E SUA
EXPORTAO PARA AMRICA LATINA
A guerra s drogas tem se tornado uma caada implacvel em todo o mundo,
principalmente nos Estados Unidos da Amrica, onde as agncias estatais tentam
combater a todo custo o trfico e o uso de drogas de uma populao cada vez mais viciada
em substncias consideradas ilegais pelo governo. A principal fonte que alimenta o
mercado norte americano e outros pases, inclusive o Brasil, so a Colmbia e Mxico
com cartis gigantes entranhados no seio da sociedade, conhecidos pelo poder econmico
e poltico e como no poderia deixar de ser, tambm muito violentos, trao caracterstico
nesse mercado das drogas1.
Essa histria de combate as drogas tm por objetivo preencher um espao vazio
ps guerra fria. No h mais comunistas e a unio sovitica para se ter como inimigos, o
que ir combater a maior potncia globalizada do mundo? Substituir um inimigo externo
e por um inimigo interno as drogas deste modo os americanos difundiram a guerra s
drogas para preencher essa lacuna, justificando a represso penal e o exerccio do poder
hegemnico sobre os pases perifricos.2 Esse livro, narra a histria americana da dcada
de setenta, em que os Estados Unidos comeam a difundir a sua poltica de guerra s
drogas, disseminando de forma progressiva, o discurso jurdico-poltico de exportao
legislativa na questo de drogas, alm de suas fronteiras. Pressionando a amrica latina,
mercado exportador de entorpecentes, inclusive o Brasil, a legislar sobre drogas de forma
semelhante.3
1 CONDE MARTIS, Mrcio Andr. A Geopoltica da Drogas nas Amricas e a Poltica Antidroga Brasileira. RIDB, Ano 2 (2013), n 14. p. 17165-17176; DEL OLMO, Rosa. A face oculta da droga. Rio
de Janeiro: Revan, 1990. 2 DEL OLMO, Rosa. A face oculta da droga. Rio de Janeiro: Revan, 1990. p. 44-45. 3 DEL OLMO, Rosa. A face oculta da droga. Rio de Janeiro: Revan, 1990. p. 44-45, 47-48.
9
Mas a caa a bruxa das drogas pelos americanos se torna mais forte na dcada de
80, quando lanado um discurso transnacional de atribuio do problema ao trfico e
no mais ao usurio. Os pases vitimados, entre eles os Estado Unidos, acusam os pases
perifricos (Colmbia, etc) de semear essa desgraa das drogas, trazendo tona o
problema do trfico internacional e tratando isso como assunto de segurana nacional.
Nesse contexto, est posto o inimigo interno ou externo, dependendo do contexto,
utilizando desse argumento os americanos poderiam enfrentar o problema da imigrao
de colombianos em seu pas, que na poca eram a maioria.4 Nas palavras do autor Nils
Christie:
Na prtica, a guerra contra as drogas abriu caminho para a guerra
contra as pessoas tidas como menos teis e potencialmente mais perigosas da
populao, aquelas que Spitzer chama de lixo social, mas que na verdade so
vistas como mais perigosas que o lixo. Elas mostram que nem tudo est como
devia no tecido social, e ao mesmo tempo so uma fonte potencial de
perturbao.5
As agncias antidrogas americanas ajudam e interferem nesses pases citados
acima, para combater, em escala militar tais cartis, com ajuda financeira na cifra de
milhes, com aparato de inteligncia, espionagem, equipamentos e armas para as foras
armadas e policiais, fazendo do traficante um verdadeiro inimigo do estado e do direito
penal.
No Brasil, como no poderia ser diferente, o trfico e o consumo de substncias
entorpecentes tem aumentado vertiginosamente, causando medo e insegurana na
populao, pois essa mquina droga-violncia vulgariza o que se chama de crime
organizado, homicdio, roubos e furtos e a indstria da corrupo, assim como outras
condutas antissociais.6
O reflexo desse combate as drogas pelas policias reflete diretamente na vida das
pessoas, principalmente as camadas menos favorecidas que so atingidas cotidianamente
pela violncia, pobreza, tem suas famlias separadas em virtude do crcere, e so
4DEL OLMO, Rosa. A face oculta da droga. Rio de Janeiro: Revan, 1990. p. 59 5CHRISTIE, Nils. A indstria do controle do delito. A caminho dos GULAGs em estilo ocidental.
Traduo por Luis Leiria. So Paulo, Forense, 1998. p. 65. 6 ROSA ALMEIDA, Paula da: A poltica criminal Antidrogas no Brasil: Tendncia deslegitimadora do
Direito Penal, disponvel em http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/11927-11927-1-
PB.htm
10
utilizadas como mo de obra barata e descartvel pelo dito crime organizado e por fim,
tem uma srie de direitos e garantias violados, que na verdade deveriam ser assegurados
pelo Estado.
Mas observando esse perodo no Brasil e no mundo o emprego de todo esse
aparato; dinheiro e vidas humanas tem sido pouco ou nada eficiente. A escalada da
violncia continua sempre a atingir as mesmas pessoas, os mesmos lugares, e o que
realmente interessa no contido, grandes traficantes e lavadores do dinheiro sujo do
trfico no so penalizados, pois talvez no interessem a indstria do crcere.7
O nico brao do Estado utilizado nesse combate rduo, incessante o brao
policial, a poltica criminal nos ltimos anos tem se resumido a prises. No se v o
Estado a oferecer outras alternativas mais atraentes a essa massa da populao, quando
se observa de dentro de uma viatura policial o ambiente de pobreza ali instalado, deduz-
se que daquele ambiente, tem um ciclo vicioso de pobreza e dio, em que se vende para
comer, consumir, ostentar o que a indstria oferece. Sendo assim a alternativa daquelas
pessoas para atingirem tais objetivos se entregarem no sistema do trfico que oferece
retorno imediato.
Temos ento, o que podemos chamar de inimigo do direito penal, do autor alemo
Gunher Jakobs8, guardadas as propores e as peculiaridades do Brasil, temos o traficante
de drogas moderno, sujeito perseguido e oprimido pelo Estado o qual suprime de direitos
e garantias de determinada massa de indivduos, autores de crimes graves, perigosos e
por isso desconsiderados. Com o recrudescimento da legislao penal a partir da dcada
de 80 at hoje e a inflao legislativa, a criminalizao de condutas no cessa, seguindo
uma linha de eficincia, de atuao policial, judicial e de prisionalizao de um sistema
j fracassado. Como observam Alexandre Morais da Rosa e Thiago Fabres:
() no atual estado da arte ocorre uma inflao abusiva e banalizadora do
Direito Penal, mediante a criminalizao excessiva da vida cotidiana e, de
outro lado, uma flexibilizao abusiva das garantias processuais, atendendo-
se, dentre outros fatores, aos custos do Sistema de Controle, bem como aos
anseios polticos da maioria.9
7 CHRISTIE, Nils. A indstria do controle do delito. A caminho dos GULAGs em estilo ocidental. Traduo por Luis Leiria. So Paulo, Forense, 1998. p. 65. 8 JACOBS, Gunther. CANCIO MELI, Manuel Direito Penal do Inimigo. Org. e trad. Andr Luis Callegari, Nereu Jos Giacomolli. Porto Alegre: Livraria do Advogado. Ed.,2005. 9 MORAIS DA ROSA, Alexandre; CARVALHO, Thiago Fabres de. Processo Penal Eficiente e tica da Vingana: Em Busca de Uma Criminologia de No Violncia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 4.
11
O eficientismo penal moderno (recrudescimento do Estado Penal com novos tipos
penais e seu endurecimento como resposta ao aumento da criminalidade) uma forma de
direito penal de emergncia10 ou seja, uma doena crnica que afetou nosso direito
penal.11 Esse eficientismo se expande segundo o autor devido a uma crise dupla que pode
ser identificada pela crise do sistema econmico derivado da globalizao e da conduo
neoliberal do mercado e do outro lado o fracasso dos sistemas representativos que no
so capazes de atender e mediar os conflitos vindos do seio social. E a resposta que se
oferece para tudo isso o direito penal como prima ratio para a soluo dos conflitos.12
1.2 INFLUNCIA LEGISLATIVA NO BRASIL
O impacto da transnacionalizao da poltica antidrogas no Brasil deu incio a um
regime belicista propriamente dito de combate ao traficante-delinquente, logo aps o
Golpe Militar de 1964 com a aprovao da Conveno nica de Entorpecentes de 1961,
pelo Decreto 54.216 de 27 de Agosto de 1964. Tal conveno tinha no seu prembulo
objetivos como a necessidade de manuteno da sade fsica e moral da civilizao, sendo
que a toxicomania considerada como perigo social e econmico para a humanidade.
Tais princpios e objetivos definidos na Conveno nica de 1961 alm de demonizar
e causar pnico previam o projeto de uma poltica internacional de combate ao trfico e
tratamento dos viciados.
Depois da aprovao da Conveno nica de 1961, foram aprovadas no Brasil
diversas matrias sobre drogas, acompanhando todo o ritmo internacional de represso
aos entorpecentes. Inicialmente foi Editado o Decreto-Lei 15913 que disps sobre
substncias capazes de determinar dependncia fsica ou psquica dando a eles o mesmo
10 CHOUKR, Fauzi Hassan. Processo Penal de Emergncia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002. 11 BARATTA, Alessandro. Defesa dos direitos humanos e poltica criminal. Discursos sediciosos. Rio de Janeiro. n. 3, p. 57-69, 1 semestre 1997. 12 PILATI, Rachel Cardoso, 2011 apud BARATTA, Alessandro. Defesa dos direitos humanos e poltica
criminal. Discursos sediciosos. Rio de Janeiro. n. 3, p. 57-69, 1 semestre 1997 13 Decreto-Lei n 159, de 10 de Fevereiro de 1967. Dispe sobre as substncias capazes de determinar
dependncia fsica ou psquica, e d outras providncias. Disponvel em www.planalto.gov.br, acesso em
16/06/14.
http://www.planalto.gov.br/
12
tratamento dos entorpecentes e aumentando o rol de proibies relacionados a substncias
proibidas, ou seja, uma luta entre o bem e o mal.14
No ano seguinte, em 1968 alterado o art. 281 do Cdigo Penal, atravs do
Decreto n.385/68 que incluiu alguns verbos no tipo penal de trfico e matria prima da
droga entre as substncias, e acabou por igualar a pena do usurio ao do traficante
reproduzindo a lgica repressiva internacional, visto que anteriormente o mesmo artigo
possibilitava a descriminalizao judicial do uso.15
Em 29 de Outubro de 1971, entrou em vigor a Lei 5.726 que alterou o rito
processual dos crimes relacionados a drogas, como por exemplo a medida de
recuperao dos infratores viciados, tambm alterou a regra de expulso de
estrangeiros, como tambm colocou os crimes de uso e trfico de drogas na categoria dos
relativos a segurana nacional. As penas desses tipos penais tambm foram aumentadas
de 06 meses a 02 anos para 01 a 06 anos de recluso para ambos.16
O Brasil continuou seguindo a poltica internacional de combate as drogas,
incorporando convnios internacionais e fortalecendo a poltica de combate as drogas,
criando seu inimigo interno. Chega-se ento ao ano de 1976, quando entra em vigor a
Lei n. 6.368 que passou a regular a matria sobre drogas. A nova lei ficou estruturada da
seguinte maneira; a norma possua 47 artigos divididos em cinco captulos intitulados I
Da preveno; II Do tratamento e da recuperao; III Dos crimes e das penas; IV
Do procedimento criminal; V Das disposies gerais17
Essa nova legislao, como no poderia ser diferente para a poca, veio a ser mais
dura, iniciando com as penas que aumentaram de 01 a 05 anos (5.276/71) para 03 a 15
anos (6.368/76). Foram acrescentados novos verbos (como remeter, adquirir,
prescrever) ao caput do artigo 12, assim como foi acrescentado a figura de apologia
ao crime no inciso III do 2 do art. 12. Houve diferenciao entre traficante (art.12) e
14 Sobre a legislao que antecedeu o modelo blico de poltica criminal, ver: BATISTA, Nilo. Poltica
criminal com derramamento de sangue. Revista Brasileira de Cincias Criminais, p. 129; CARVALHO,
Salo de. A poltica criminal de drogas no Brasil, 5 ed. Ampliada e atualizada. A poltica criminal de
drogas no Brasil: do discurso oficial s razes da descriminalizao. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2010. p.
13-17. 15 CARVALHO, Salo de. A poltica criminal de drogas no Brasil, 5 ed. Ampliada e atualizada. A poltica
criminal de drogas no Brasil: do discurso oficial s razes da descriminalizao. Rio de Janeiro: Lumen
Juris. 2010. p.16 16 Artigo 23 da Lei 5.726/71. CARVALHO, Salo de. A poltica criminal de drogas no Brasil, 5 ed.
Ampliada e atualizada. A poltica criminal de drogas no Brasil: do discurso oficial s razes da
descriminalizao. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2010. p 17 17 BRASIL. Lei 6.368, de 21 de outubro de 1976. Dispe sobre medidas de preveno e represso ao trfico
ilcito e uso indevido de substncias entorpecentes ou que determinem dependncia fsica ou psquica, e d
outras providncias Disponvel em www.planalto.gov.br acesso em 06/05/14.
http://www.planalto.gov.br/
13
usurio (art.16), sendo que a pena passou a ser a de privao de liberdade, podendo atingir
de 06 meses a 02 anos, ou seja, aconteceu um aprofundamento da represso.
A figura de associao para o trfico (art.14) passou a ser autnoma, punida com
uma pena de 03 a 10 anos. O Resultado prtico dessa poltica antidrogas se resume numa
poltica criminal desigual entre usurio-dependente e o traficante-delinquente, pois
enquanto viciados da classe mdia encontrados com pequena quantidade de drogas eram
enquadrados no art.16 o jovem pobre, em situao idntica era tratado como traficante
(art.12) ficando marcado para toda a vida.18
Nas palavras de Rachel Cardoso Pilati19:
O que se aplica, nesse caso, o que Ledio Rosa de Andrade chama
de direito penal diferenciado: as diferenciaes feitas pela lei entre usurio
e traficante levam a um cotidiano forense penal nada igualitrio, e, bem ao
contrrio, discriminador, parcial, repressor dos economicamente mais fracos,
ressalvadas raras excees. O direito penal diferenciado, tambm nesse caso,
seguido de uma hermenutica diferenciada do texto legal
Aps alguns anos, j em 1988 com a aprovao de uma nova Constituio em 05
de Outubro de 1988 e da ruptura com o regime militar, marcando uma transio
democrtica, a poltica de combate as drogas no perderam seu carter blico/repressivo
da poca da ditadura militar, ao contrrio continuou restringindo direitos dessas camadas
reprimidas.
Como assevera o artigo 5, inciso XLIII, que a lei considerar crimes
inafianveis e insuscetveis de graa ou anistia a prtica da tortura, o trfico ilcito de
entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles
respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evit-los, se omitirem ou
seja, a Constituio Federal de 1988 restringiu direitos claramente, impossibilitando uma
srie de garantias ao traficante-inimigo.
18 BATISTA, Vera Malaguti. Difceis ganhos fceis: drogas e juventude pobre no Rio de Janeiro. Rio
de Janeiro: Revan, 2003, que estudou a criminalizao por drogas da juventude pobre do Rio de Janeiro
entre 1968-1988. 19 PILATI, Rachel Cardoso, 2011 apud ANDRADE, Ledio Rosa de. Direito penal diferenciado, p. 55.
14
Outro exemplo do autoritarismo a Lei a Lei 8.072/90 (Lei dos Crimes
Hediondos) que impede uma variedade de benefcios (anistia, graa, indulto e liberdade
provisria) aos condenados pelos crimes nela previstos, incluindo nela o trfico de
drogas.20
Quem esperava que a transio do regime militar para uma democracia, inclusive
com uma nova Constituio, inovadora e asseguradora de diversos direitos e garantias,
houvesse um abrandamento no tratamento nas matrias referentes a represso s drogas
se enganou, aquele aspecto militar continuou sendo transmitido para as polticas de
segurana pblica e para a legislao penal em geral.
O Brasil continuou se alinhando internacionalmente atravs dos meios jurdicos
para a cooperao internacional (com a ratificao da conveno de Viena de 1988) para
o combate as drogas.21
Desse perodo em diante vrias legislaes foram sendo implementadas diante a
necessidade de reforma da Lei 6.368/76, at a implementao da Lei 11.343/06 que vigora
atualmente e tem no seu art. 33, o foco do presente trabalho monogrfico. Esse nova Lei
em nada mudou os discursos criminais, mdico-jurdicos e polticos-jurdicos pregados
pela Conveno de Viena de 1988, mantendo-se a forte represso e discurso de
eliminao do traficante (inimigo interno) e suavizando a resposta penal ao usurio,
tratando-o como uma patologia.22
A mesma lei (11.343/06) mantm o carter blico/repressivo de combate as
drogas, permitindo a supresso de direitos e garantias fundamentais, alm da violao da
declarao universal de direitos. De vista percebesse o aumento da pena mnima de 03
para 05 anos de recluso, isso sem contar as possibilidades de aumento de pena, tendo em
vista as qualificadoras da lei, podendo chegar at o mximo previsto de 15 anos. O caput
do art. 33 por sua vez dificulta a verificao do incio da execuo, inviabilizando a
tentativa, visto que existem no ncleo do tipo 18 verbos.23
20 BRASIL. Lei 8.072 de 25 de julho de 1990. Dispe sobre os crimes hediondos, nos termos do art. 5,
inciso XLIII, da Constituio Federal, e determina outras providncias.20 Disponvel em
www.planalto.gov.br acesso em 06/05/14. 21 BRASIL. Decreto 154, de 26 de junho de 1991. Promulga a Conveno Contra o Trfico Ilcito de
Entorpecentes e Substncias Psicotrpicas. Disponvel em www.planalto.gov.br acesso em 06/05/14. 22 CARVALHO, Salo de. A poltica criminal de drogas no Brasil, A poltica criminal de drogas no Brasil:
do discurso oficial s razes da descriminalizao. 5 ed. Ampliada e Atualizada. Rio de Janeiro: Lumen
Juris. 2010. p. 68. 23 PILATI, Rachel Cardoso, 2011 apud BRASIL. Lei 11.343, de 23 de agosto de 2006. Institui o Sistema
Nacional de Polticas Pblicas sobre Drogas - Sisnad; prescreve medidas para preveno do uso indevido,
ateno e reinsero social de usurios e dependentes de drogas; estabelece normas para represso
http://www.planalto.gov.br/http://www.planalto.gov.br/
15
No mesmo parmetro segue o art. 35 da mesma Lei, inserindo uma nova
modalidade de quadrilha, composta por duas pessoas, e tambm uma nova modalidade
que o financiamento e custeio do trfico. No art. 44 da Lei h a proibio de concesso
de sursis, graa, indulto, anistia, liberdade provisria e de substituio da pena privativa
de liberdade por restritiva de direitos. No art. 28 continuou criminalizando a conduta de
posse para consumo pessoal, deixando apenas de puni-la com pena de priso, mas
impondo outras medidas como prestao de servios, admoestao verbal e
comparecimento programa ou curso educativo.24
1.3 LEI 11.343/06 E SEU ART. 33
A intitulada nova lei de drogas (11.343/06) surge com a finalidade de organizar e
normatizar o problema social das drogas existente no Brasil. Seus objetivos de represso
e preveno tem por objetivo acabar com a insegurana gerada pelas leis anteriores (Leis
6.368/76 e 10.409/02). Tal lei reflete o brilho nos olhos dos defensores da lei e da ordem,
que promovem o medo e a insegurana social, num mundo obtuso de vises libertarias.25
Como trabalhado nos tpicos anteriores as pessoas envolvidas com as drogas
(usurios/dependentes/ traficantes) so tratados como inimigos pela sociedade e por
consequncia o tratamento penal ser o mesmo, ou seja, um cidado diminudo em seus
direitos e garantias. Essa faceta se mostra bem agasalhada na Lei 11.343/06 no que se
refere ao substancial aumento da pena privativa de liberdade para o traficante, a criao
de novos tipos penais e a vedao de direitos contemplados na Constituio Federal.26
Das diversas figuras penais existentes no nosso ordenamento jurdico, uma das
que mais causa polmica e controvrsia como se verifica o delito de trfico de drogas,
previsto na Lei 11.343/06, mais especificamente seu art. 33, caput:
CAPTULO II
produo no autorizada e ao trfico ilcito de drogas; define crimes e d outras providncias. Disponvel
em www.planalto.gov.br acesso em 06/05/2014. 24 PILATI, Rachel Cardoso, Direito penal do inimigo e poltica criminal de drogas no Brasil: Discusso
de modelos alternativos - Dissertao de Mestrado: UFSC 2011, p.85. 25 BIZZOTTO, Alexandre. RODRIGUES, Andria de Brito. Nova Lei de Drogas, Comentrios Lei
11.343/06. 2 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007 p. ix. 26 CARVALHO, Salo de. A poltica criminal de drogas no Brasil, p. 68.
http://www.planalto.gov.br/
16
DOS CRIMES
Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar,
adquirir, vender, expor venda, oferecer, ter em depsito, transportar, trazer
consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer
drogas, ainda que gratuitamente, sem autorizao ou em desacordo com
determinao legal ou regulamentar:
Pena - recluso de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500
(quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.
1o Nas mesmas penas incorre quem:
I - importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expe
venda, oferece, fornece, tem em depsito, transporta, traz consigo ou guarda,
ainda que gratuitamente, sem autorizao ou em desacordo com determinao
legal ou regulamentar, matria-prima, insumo ou produto qumico destinado
preparao de drogas;
II - semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorizao ou em desacordo
com determinao legal ou regulamentar, de plantas que se constituam em
matria-prima para a preparao de drogas;
III - utiliza local ou bem de qualquer natureza de que tem a
propriedade, posse, administrao, guarda ou vigilncia, ou consente que
outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, sem autorizao ou em
desacordo com determinao legal ou regulamentar, para o trfico ilcito de
drogas.
Trata-se de uma figura penal de tipo misto alternativo, pois descreve variadas
formas de realizao que resultam numa nica figura tpica, qual seja, trfico de drogas.
O artigo prev a configurao da conduta em 18 verbos possveis descrevendo condutas
que podem ser praticadas de forma isolada ou sequencial.
O objetivo jurdico da lei penal a proteo do bem jurdico, que no caso desta
lei, a proteo sade pblica, com o fito de evitar a disseminao ilcita e descontrolada
das drogas, que podem levar a uma destruio moral e efetiva das bases da sociedade,
colocando milhares de pessoas, principalmente a massa miservel em situao de risco
social, fsico ou da sua sade. Importante notar que no h unanimidade entre os autores
no que se refere ao bem jurdico tutelado; definio fundamental sobre a legitimidade do
Estado intervir sobre a vida das pessoas. Alguns afirmam que existem vrios bens
jurdicos tutelados na lei de drogas, como por exemplo; incolumidade pblica, vida,
17
sade, famlia, integridade fsica e at segurana nacional. Outros autores apenas
indicam exclusivamente a sade pblica, que o tema da Lei 11.343/06.27
No que se refere a natureza jurdica, no se exige o dano concreto, o perigo
presumido de forma absoluta. Utilizando-se os argumentos acima, temos ento um tipo
penal de perigo abstrato, bastando uma mera conduta que se subsuma em um dos 18
verbos previsto no artigo da lei. Diz-se que no pode deixar o Estado de reprimir a
conduta, pois caso ocorra, suas consequncias seriam devastadoras no tecido social. A
temos toda uma justificativa que embasa a guerra contra as drogas, ou seja, eliminemos a
sua forma embrionria para evitar que se espalhe.
Algumas condutas so instantneas, outras, so permanentes, ou seja, se
prolongam no tempo, como por exemplo guardar, ter em depsito, trazer consigo e expor
venda. Tal definio de suma importncia para a compreenso e entendimento das
divergncias das jurisprudncias que implicam diretamente na prtica da atividade
policial. Pois na medida que os verbos guardar (proteo), o ter em depsito
(armazenar), o trazer consigo (portar) e o transportar que caracterizam o tipo
permanente tem distino importante dos tipos instantneos na medida que esse a
consumao ocorre rapidamente ensejando um flagrante rpido; ao contrrio do que
acontece nos tipos permanentes, visto que a consumao se protrai no tempo ( continuo),
enquanto a pessoa estiver com a droga possibilitar a priso em flagrante, inclusive dentro
de casa sem a necessidade do respectivo mandado.28
Outro ponto importante a destacar que a Lei de Drogas constitui norma penal
em branco, ou seja, necessita de complementao por meio de Portaria do Poder
Executivo, mais especificamente a SVS/MS (Vigilncia Sanitria/Ministrio da Sade)
344 de 12 de maio de 1998. As substncias ali especificadas constituem elemento
descritivo do tipo pela possibilidade de percebe-las atravs dos sentidos. No caso, a falta
de autorizao, desacordo com determinao legal ou regulamentar veem a constituir o
elemento normativo jurdico do tipo.29
Outra dificuldade que se encontra na lei de drogas a dificuldade de se distinguir
entre o crime do art.33 e o crime do art. 28, devido ao fato das condutas nucleares do tipo
27 BACILA, Carlos Roberto. RANGEL, Paulo. Comentrios Penais E Processuais Penais Lei de
Drogas, Lei 11.343/06, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007 p.83-84. 28 BACILA, Carlos Roberto. RANGEL, Paulo. Comentrios Penais E Processuais Penais Lei de
Drogas, Lei 11.343/06, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007 p.90. 29 BACILA, Carlos Roberto. RANGEL, Paulo. Comentrios Penais e Processuais Penais Lei de Drogas, Lei 11.343/06, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007 p.91.
18
em ambos artigos serem os mesmos (adquirir, guardar, ter em depsito, transportar e ter
consigo). A diferena pontual encontra-se na finalidade uso pessoal da droga, art. 28,
portanto caber ao julgador analisar a contextualizao ftica e delinear o caminho mais
claro e correto para tomar uma deciso. O 3do art, 28, da lei de drogas, auxilia na jogada
do operador do direito que deve levar em conta natureza da substncia, a quantidade de
droga apreendida, o local onde se desenvolveu a conduta tpica, a dinmica em que se
desenvolveu a ao criminosa, as circunstncias sociais e pessoais do acusado, assim
como seu modo de vida, a sua conduta e por fim seus antecedentes, respeitado as regras
constitucionais de presuno de inocncia.30
Falando ainda do usurio, na nova lei de drogas, para mascarar a ampliao
punitiva do traficante, o legislador maquiou, adoou uma imagem de avano com a
despenalizao do consumo para o uso. O que na verdade nada mais que uma cortina
de fumaa que mantem o proibicionismo e perpetua o controle social. No se quer aqui
maquiar os problemas sociais das drogas e sua poltica de represso, mas o que no se
pode utilizar de mecanismos que violam direitos e garantias dentro de uma democracia,
ampliando a discricionariedade e o poder punitivo.31
No caso deste trabalho, a conduta que ir nos interessar a dos verbos que tem
carter permanente adquirir, guardar, ter em depsito, transportar e ter consigo. Essas
condutas tm importncia na medida que se relaciona diretamente com vrios casos de
prises realizados pelas polcias, em que a droga est escondida dentro de residncias e o
meio que a polcia usa para realizar essas prises e apreenses se do por denncias
annimas. Passaremos ento ao captulo segundo.
30 BIZZOTTO, Alexandre. RODRIGUES, Andria de Brito. Nova Lei de Drogas, Comentrios Lei
11.343/06. 2 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007 p. 62. 31 BIZZOTTO, Alexandre. RODRIGUES, Andria de Brito. Nova Lei de Drogas, Comentrios Lei
11.343/06. 2 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007 p.x.
19
2 O CRIME PERMANENTE, PRISO EM FLAGRANTE, DENNCIA
ANNIMA E TRFICO DE DROGAS
2.1 A PRISO
A palavra priso origina-se do latim prensione, que vem de prehensione
(prehensio, onis), que significa prender.32
Todos os dias, seja em noticirios, jornais, na atividade judicial, policial ou as
vezes mesmo sob nossos olhos a aclamada ou repugnante priso. Mas pergunta-se de
onde ela veio, qual a aplicao e previso legal.
Do Cdigo de Processo Penal de 1941 temos a fundamentao abaixo:
Art. 282 - exceo do flagrante delito, a priso no poder efetuar-
se seno em virtude de pronncia ou nos casos determinados em lei, e mediante
ordem escrita da autoridade competente.
Art. 283 - A priso poder ser efetuada em qualquer dia e a qualquer
hora, respeitadas as restries relativas inviolabilidade do domiclio.
Visualiza-se que esses artigos no descrevem as espcies de priso possveis
limitando ao que descreve o artigo transcrito.
Com a alterao de 2011, temos a Lei n 12.403 que alterou os artigos citados
acima:
Art. 283. Ningum poder ser preso seno em flagrante delito ou por
ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciria competente, em
decorrncia de sentena condenatria transitada em julgado ou, no curso da
investigao ou do processo, em virtude de priso temporria ou priso
preventiva. (Alterado pela L-012.403-2011)
1 As medidas cautelares previstas neste Ttulo no se aplicam
infrao a que no for isolada, cumulativa ou alternativamente cominada pena
privativa de liberdade. (Acrescentado pela L-012.403-2011)
32 LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal, 2. ed. Niteri - RJ: Impetus, 2012, p. 1168.
20
2 A priso poder ser efetuada em qualquer dia e a qualquer hora,
respeitadas as restries relativas inviolabilidade do domiclio.
Diferentemente do Cdigo de Processo Penal de 1941, a regra regula as espcies
de priso no mbito criminal, chamada de priso penal.
Como pode-se observar o termo priso na nossa legislao utilizado para referir-
se a pena privativa de liberdade, a captura em virtude de mandado judicial ou flagrante
delito, ou ainda, por fim o recolhimento a estabelecimento prisional destinado a
custdia.33
No que interessa ao processo penal, a priso tem previso legal no art. 5, inc.
LXI. A priso prevista na Constituio deve ser entendida como privao da liberdade
de locomoo, com recolhimento ao crcere, seja em virtude de flagrante delito, ordem
escrita e fundamentada da autoridade judiciria competente, seja em face de transgresso
militar ou por fora de crime militar prprio, definido em lei.34
Por ora apesar da divergncia da doutrina quanto a nomenclatura, diviso,
natureza, espcies, fins e qualidade o nosso ordenamento trs espcies de priso: a priso
extrapenal (civil e militar), priso penal (priso penal ou pena) e a priso cautelar,
provisria, processual ou sem pena que tem como subespcies a priso em flagrante, a
preventiva e a temporria.35
No h de se esquecer a histria da priso que decorrem desde os tempos antigos
que com o desenrolar dos sculos buscou substituir a vingana privada.
Assim, sobre a histria das penas:
A histria das penas aparece, numa primeira considerao, como um
captulo horrendo e infamante da histria da humanidade, pior ainda que a
prpria histria dos delitos. Isso porque o delito constitui-se, em regra, numa
violncia ocasional e impulsiva, enquanto a pena no: trata-se de um ato
violento, premeditado e meticulosamente preparado. a violncia organizado
por muitos contra um36
A pena como conhecemos hoje, era desconhecida na antiguidade. O crcere, a
privao da liberdade servia apenas para assegurar a sentena e execuo da pena, pois
33 Constituio Federal de 1988, art. 5, inc. LXVI; e Cdigo de Processo Penal, art. 288, caput. 34 LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal, 2. ed. Niteri - RJ: Impetus, 2012, p. 1168. 35 LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal, 2. ed. Niteri - RJ: Impetus, 2012, p. 1169. 36 LOPES JR., Aury, Direito Processual Penal, So Paulo: Saraiva, 2012, p.64-66.
21
ests quase sempre terminavam com a morte ou castigos fsicos infamantes. A funo
primordial da priso nessa poca, era a de custodiar e torturar as pessoas. 37
A esse respeito:
As penas dessa poca medieval resumiam-se a barbaridades como
amputao de braos, pernas, olhos, lnguas e outras mutilaes como
podemos observar nos museus que apresentam os instrumentos utilizados
naquela poca.38
Foi no perodo da inquisio que a priso cannica surgiu como o embrio do que
conhecemos como as nossas prises modernas, a priso processual e preventiva. nesse
perodo que se encontra o princpio da pena medicinal que tinha o objetivo de purificar
o pecador, de faz-lo se arrepender de suas maldades e melhorar como pessoa.39 A esse
respeito:
Nos sculos XVI e XVII as penas mais utilizadas eram aquelas
barbaras que causavam sofrimento psquico ou fsico, que acabavam por
muitas vezes em morte. A pena capital acabou por ficar banalizada e passou a
ser colocada em dvida na medida que no solucionava o problema do
aumento da criminalidade. A partir desse ponto que inicia a ideia de priso
como pena privativa de liberdade40
Com a ineficcia da utilizao de penas e castigos violentos que ao invs de
combater a criminalidade s causava mais violncia, ficando deveras banalizada,
mudanas foram necessrias, permitindo certa evoluo ou mudana no seu modo de
operar. Logo, iniciam a construo de prises com o objetivo de corrigir o apenado
atravs do trabalho e disciplina, ou seja, nada melhor que aproveitar aquela mo de obra
excedente e controlar a fora de trabalho diante do sistema capitalista que aflorava.41
Lopes, Jr. Assevera que:
Destaca-se que o surgimento do Direito Penal no nasce como
evoluo, seno como forma de negao da vingana privada, da no h de se
37 LOPES JR., Aury, Direito Processual Penal, So Paulo: Saraiva, 2012, p.64-66. 38 LOPES JR., Aury, Direito Processual Penal, So Paulo: Saraiva, 2012, p.64-66. 39 LOPES JR., Aury, Direito Processual Penal, So Paulo: Saraiva, 2012, p.64-66. 40 LOPES JR., Aury, Direito Processual Penal, So Paulo: Saraiva, 2012, p.64-66. 41 LOPES JR., Aury, Direito Processual Penal, So Paulo: Saraiva, 2012, p.64-66.
22
falar em evoluo histrica da pena de priso. No se trata de continuidade,
seno descontinuidade. A pena no est justificada pelo fim da vingana, seno
pelo de impedir por completo a vingana. No sentido cronolgico, a pena
substituiu a vingana privada, no como evoluo, mas como negao, pois a
histria do Direito Penal e da pena uma longa luta contra a vingana42
A evoluo da pena passa ao longo do tempo de uma reao coletiva dos membros
de determinada sociedade contra aquele transgressor da convivncia social. A origem
dessa reao basicamente religiosa e aos poucos vai se transformando em civil. Da
que por se tratar de vingana coletiva, no se pode confundir com pena, pois so
fenmenos distintos na medida que a vingana implica liberdade, fora e disposio
individual e a pena, exige a existncia de poder organizado.43 A esse respeito se extrai a
passagem abaixo:
Com a evoluo da estrutura e da organizao da coletividade, surge,
o sistema de composio, sucedneo vingana, e consiste no pagamento de
um determinado valor comunidade. No princpio, eram os parentes das
vtimas que tinham o direito de aplicar essas sanes e aceitar os pagamentos.
Depois o Estado acabou assumindo essa tarefa44
Dessa forma, como o Estado passa a concentrar o poder de punir e aplicar penas,
comea a interessar o processo penal na medida em que se busca afastar o desejo da vtima
e outras pessoas de vingar-se do transgressor, o Estado na verdade se fortalece com esse
fenmeno e passa a graduar as reprimendas conforme a transgresso realizada.45
Esse estgio de evoluo a que passa a pena caracterizado como pena pblica
imposta pelo poder estatal, o delito est previsto no ordenamento jurdico firmado pelo
Estado e a pena uma reao do Estado contra a vontade do indivduo. No h mais o
carter de vingana pessoal, mas sim a atuao do Estado via autoridade, por um juiz
imparcial e limitado pela lei.46 Nesse sentido:
O Estado como ente jurdico e poltico, chama para si o direito e
tambm o dever de proteger a comunidade e inclusive o prprio delinquente.
42 LOPES JR., Aury, Direito Processual Penal, So Paulo: Saraiva, 2012, p.65. 43 LOPES JR., Aury, Direito Processual Penal, So Paulo: Saraiva, 2012, p.65-66. 44 LOPES JR., Aury, Direito Processual Penal, So Paulo: Saraiva, 2012, p.66. 45 LOPES JR., Aury, Direito Processual Penal, So Paulo: Saraiva, 2012, p.66. 46 LOPES JR., Aury, Direito Processual Penal, So Paulo: Saraiva, 2012, p.66.
23
A medida que o Estado se fortalece, consciente dos perigos que se encerra a
autodefesa, assumir o monoplio da justia, produzindo-se no s a reviso
da natureza contratual do processo, seno tambm a proibio expressa de os
indivduos de tomar a justia por suas prprias mos. A relao entre o
processo e a pena correspondente s caractersticas de meio e fim. Assim nasce
o processo pena47
Nesse sentido, passa-se a analisar a priso em flagrante e suas peculiaridades, que
sero importantes para compreenso do estudo monogrfico.
2.2 A PRISO EM FLAGRANTE
Em razo da etimologia do termo flagrante, do latim flagrare (queimar) e
flagrantes (ardente, abrasador, que queima), a doutrina costuma definir priso em
flagrante como a deteno do indivduo no momento de maior certeza visual do crime.
Esse conceito contudo no abarca todas as hipteses de flagrante. Priso em flagrante,
portanto, aquela efetuada nas hipteses legalmente previstas tal como descreve-se
abaixo.48 Como assevera Morais da Rosa49:
A priso em flagrante a exceo necessidade de ordem escrita e
fundamentada da autoridade judiciria (CR, art. 5, LXI, CPP, art. 283). Pode
ser realizada por qualquer do povo (facultativa) e por autoridade policial e seus
agentes (obrigatria), nos termos do art. 301 do Cdigo de Processo Penal.
priso realizada antes do incio da partida processual e no prende por si,
demandando controle jurisdicional. Logo, vinculado expressamente s
hipteses legais
O flagrante justifica-se para impedir a continuidade da prtica criminosa. A
previso da priso em flagrante est no Art. 302 do Cdigo de Processo Penal e seus
incisos que regulam as peculiaridades de flagrante que falaremos logo abaixo:
47 LOPES JR., Aury, Direito Processual Penal, So Paulo: Saraiva, 2012, p.64-66. 48 BONFIM, Edilson Mougenot, Curso de Processo Penal. 7. ed. So Paulo: Saraiva, 2012, p. 315. 49 MORAIS DA ROSA, Alexandre, Guia Compacto do Processo Penal Conforme a Teoria dos Jogos, Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2013, p. 123.
24
Art. 302. Considera-se em flagrante delito quem:
I - est cometendo a infrao penal;
II - acaba de comet-la;
III - perseguido, logo aps, pela autoridade, pelo ofendido ou por
qualquer pessoa, em situao que faa presumir ser autor
IV encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou
papis que faam presumir ser ele o autor da infrao.
A primeira espcie de flagrante a do inciso I, o flagrante propriamente dito em
que o agente surpreendido executando a ao, nada mais que a visibilidade do delito.
Nesse sentido:
A priso em flagrante, nesse caso que detm maior credibilidade
na medida que se pode observar o iter criminis, praticando a conduta descrita
no tipo penal, sem, contudo t-lo percorrido por inteiro, pois permite evitar sua
consumao. 50
um fato visualizado diariamente pelas patrulhas policiais que percorrem a
cidade, principalmente nos locais onde constante a venda de drogas. Usurios entram e
saem das vielas ou somente passam de carro pela via pblica, onde compram a droga que
vendida no varejo, dessa forma, permitindo a visualizao pelos agentes pblicos da
realizao do verbo nuclear do tipo penal vender, expor venda, oferecer, ter em
depsito, transportar, trazer consigo, guardar.
Na figura do inciso II, o agente surpreendido, logo aps, realizar a conduta
descrita no verbo nuclear do tipo. considerado ainda flagrante prprio, pois o delito
ainda est ardente e h a possibilidade ainda de evitar a sua consumao. No h lapso
temporal suficiente entre a prtica do crime e a priso. A diferena do inciso anterior
que aqui, ele j realizou a conduta do verbo nuclear e a consumao j pode inclusive, ter
ocorrido.
As figuras descritas nos incisos III e IV so as mais frgeis no que se refere a
flagrante, sendo denominadas inclusive de quase-flagrante ou flagrante imprprio.
Essa fragilidade se d do ponto de vista da legalidade e do afastamento do ncleo
realizador do tipo legal, refletindo na fragilidade dos elementos que legitimam,
permitindo assim o afastamento pelo juiz que recebe o auto de priso em flagrante.
50 LOPES JR., Aury, Direito Processual Penal, So Paulo: Saraiva, 2012, p.800-801.
25
2.3 AS PECULIARIDADES DO FLAGRANTE
O Flagrante Forjado existe quando criada, forjada uma situao ftica de
flagrncia delitiva para tentar legitimar a priso. Mas trata-se de uma situao falsa.51
Trata-se aqui de uma situao ftica criada para que se possa efetuar a priso do
suspeito dentro da legalidade. Tem-se como exemplo mais comum o enxerto de drogas
para situaes de trfico de drogas, ou para legitimar a violao do domiclio de cidado
de baixa renda. Outro exemplo seria o caso de se colocar uma arma supostamente
apreendida com um suspeito, isso tudo como o objetivo de tentar arredondar um
flagrante ilegal, maculado de vcio.
O Flagrante provocado decorre da induo, de um estmulo para que o agente
cometa um delito exatamente para ser preso. Trata-se de uma cilada, uma encenao
criada por aquele que deseja prender o suspeito, conhecido tambm no direito penal como
delito putativo por obra do agente provocador.52
Mais uma vez temos aquele clssico exemplo de filmes policias que influenciam
na realidade diria, quando o policial se passa por usurio de drogas, por negociante de
armas, instigando assim uma situao, que se concretizando, permita prender o suposto
criminoso no ato de entrega daquele ilcito em questo.
claro que mais uma vez essa conduta viciada e traduz-se de evidente
ilegalidade, no sendo possvel assim a realizao do flagrante como assevera o Art. 17
do CP:
Art. 17. No se pune a tentativa quando, por ineficcia absoluta do
meio ou por absoluta impropriedade do objeto, impossvel consumar-se o
crime.
Aury Lopes Jr53entende que:
51 LOPES JR., Aury, Direito Processual Penal, So Paulo: Saraiva, 2012, p.807. 52 LOPES JR., Aury, Direito Processual Penal, So Paulo: Saraiva, 2012, p.807. 53 LOPES JR., Aury, Direito Processual Penal, So Paulo: Saraiva, 2012, p.808. .
26
O Flagrante preparado, tambm uma figura ilegal, pois
meticulosamente preparada e perfeita a cena que em momento algum o bem
jurdico tutelado colocado em risco. Nesse sentido aplica-se a smula 145 do
STF: No h crime, quando a preparao do flagrante pela polcia torna
impossvel a sua consumao. Aqui no h induo ou provocao
Mas nem sempre as situaes de flagrante esperado sero ilegais, h no cotidiano
policial situaes que permitem agir sem que se induza ou instigue o agente a ser preso.
o caso das patrulhas realizadas nas comunidades em que sabido que ali
ocorrem praticas delitivas das mais diversas. Ali aqueles policias realizam campanas que
variam de minutos a horas ou at dias a espera daquele momento que permita realizar a
priso dos suspeitos dentro dos parmetros legais, sem recorrer as situaes descritas
acima.
Por fim, o Flagrante Protelado ou Diferido previsto no art. 8o, II, da Lei 12.850/13:
Da Ao Controlada
Art. 8o Consiste a ao controlada em retardar a interveno policial
ou administrativa relativa ao praticada por organizao criminosa ou a ela
vinculada, desde que mantida sob observao e acompanhamento para que a
medida legal se concretize no momento mais eficaz formao de provas e
obteno de informaes.
1o O retardamento da interveno policial ou administrativa ser
previamente comunicado ao juiz competente que, se for o caso, estabelecer
os seus limites e comunicar ao Ministrio Pblico.
2o A comunicao ser sigilosamente distribuda de forma a no
conter informaes que possam indicar a operao a ser efetuada.
3o At o encerramento da diligncia, o acesso aos autos ser restrito
ao juiz, ao Ministrio Pblico e ao delegado de polcia, como forma de garantir
o xito das investigaes.
4o Ao trmino da diligncia, elaborar-se- auto circunstanciado
acerca da ao controlada.
Art. 9o Se a ao controlada envolver transposio de fronteiras, o
retardamento da interveno policial ou administrativa somente poder ocorrer
com a cooperao das autoridades dos pases que figurem como provvel
27
itinerrio ou destino do investigado, de modo a reduzir os riscos de fuga e
extravio do produto, objeto, instrumento ou proveito do crime.
uma autorizao legal para que a priso em flagrante seja retardada ou protelada
para outro momento, que no aquele em que o agente est cometendo a infrao penal,
excepcionando, assim, as regras contidas nos arts. 301 e 302, I, do Cdigo de Processo
Penal.54 Esse caso por exemplo mais comum em investigaes de agentes ou quadrilhas
especializadas e que em decorrncia da complexidade de suas aes exijam esse tipo de
protelao para que se possa cercar de elementos de prova que comprovem de forma mais
fidedigna a atividade delitiva.
So exemplos os casos que envolvem quadrilhas de roubo a banco, o famoso
novo cangao e casos de quadrilhas que furtam caixa eletrnicos com usos de
explosivos.
2.4 A PRISO NO CRIME PERMANENTE
Nas infraes penais permanentes, entende-se em flagrante delito enquanto no
cessar a permanncia (art. 303 do Cdigo de Processo Penal). Isso porque a consumao
desses delitos, ou seja, a prtica dos atos que constituem os ncleos dos respectivos tipos
penais, prolonga-se no tempo enquanto no cessar a atividade criminosa. Sendo assim
entendeu-se perfeitamente possvel a priso em flagrante de agente, horas depois do
encontro de substncia entorpecente em sua residncia.55
Conforme Cdigo de Processo Penal, in verbis:
Art. 303 - Nas infraes permanentes, entende-se o agente em
flagrante delito enquanto no cessar a permanncia.
Para clarificar o conceito:
Nos crimes permanentes h confuso lgica na interpretao
prevalente. De fato, o art. 303 do CPP, autoriza a priso em flagrante nos
54 LOPES JR., Aury, Direito Processual Penal, So Paulo: Saraiva, 2012, p.808-809. 55 BONFIM, Edilson Mougenot, Curso de Processo Penal. 7. ed. So Paulo: Saraiva. 2012, p. 317.
28
crimes dessa espcie enquanto no cessar a permanncia. Entretanto, a
permanncia deve ser anterior a violao de direitos. Dito diretamente: deve
ser posta e no pressuposta/imaginada. No basta, por exemplo que o agente
estatal afirme ter recebido uma ligao annima, sem que indique que fez a
denncia, nem mesmo o nmero de telefone, dizendo que havia chegado droga,
na casa x, bem como que acharam que havia droga porque era um
traficante conhecido, muito menos que pelo comportamento do indivduo
parecia que havia droga56
Aponta o autor que se faz necessrias evidncias suficientes e legitimas anteriores
a violao do domiclio do suposto agente para que a ao policial possa ser vlida em
conformidade com preceitos Constitucionais, no uma ao abusiva.
Continua explanando que se usa o artifcio ardil do imaginrio para violar os lares
das pessoas menos favorecidas, fazendo dessa situao rotineira uma praxe de
arbitrariedade que no pode ser tolerada, pois o agente estatal no pode desconhecer a lei
que no pode entrar na casa de ningum (CPP, art. 293) sem mandado judicial, salvo
hipteses de flagrante delito prprio.
Nem se diga que depois verificou o flagrante porque quando ele se deu j havia
contaminao pela entrada inconstitucional no domiclio. 57
A situao descrita acima revela situaes em que os agentes pblicos munidos
de informaes/imaginaes, que naquela residncia encontra-se escondida substncia
entorpecente, invadem a casa, detm os suspeitos e comeam as buscas a procura de
drogas ou armas. Mesmo que algo venha a ser localizado, j estaria maculado pela
violao sem a devida ordem da autoridade competente e pela ausncia de flagrante
prprio.
Logo a priso em crimes permanentes poder ser efetuada a qualquer momento
em virtude de sua consumao se protrair no tempo, ou seja, vai ardendo, queimando
enquanto o agente no cessar o estado antijurdico por ele realizado. Portanto, a efetivao
da priso em flagrante pode ocorrer a qualquer momento, independente de prvia
autorizao judicial. Nos termos do art. 303 do Cdigo de Processo Penal.58
56 MORAIS DA ROSA, Alexandre, Guia Compacto do Processo Penal Conforme a Teoria dos Jogos, Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2013 p. 124. 57 MORAIS DA ROSA, Alexandre, Guia Compacto do Processo Penal Conforme a Teoria dos Jogos,
Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2013, p. 124. 58 LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal, vol. I 2 ed., Niteri, RJ: Impetus, 2012. p.
1281.
29
Dessa forma, importante sabermos que tipos penais so exemplos de crime
permanente ou no, e dentre os exemplos, temos o tipo que essa monografia vem-se
referindo que a figura delitiva do trfico de drogas (Lei 11.343/2006, art. 33, caput),
logo permite a priso em flagrante a qualquer momento do iter criminis, seja de dia, a
noite, com ou sem denncia annima, bastando que o agente seja flagrado realizando uma
das condutas prevista no tipo legal como: guardar, trazer consigo, transportar, ter em
depsito.
Nesse sentido segue o julgado:
O paciente foi preso em flagrante cultivando cannabis sativa em sua
horta particular, conforme explicitado na denncia. O auto de constatao
toxicolgica esclarece que, efetivamente, as plantas apreendidas no quintal do
acusado poderiam causar dependncia fsica ou psquica. Indcios suficientes
de autoria e materialidade, portanto, encontram-se claramente evidenciados.
O auto de priso em flagrante, encontra-se revestido das formalidades legais.
Trata-se de crime permanente cuja consumao se prolonga no tempo. Da
subsume-se que o agente est em flagrante delito enquanto no cessar a
permanncia59
Em todo crime permanente, em relao ao qual a priso em flagrante possvel a
qualquer momento, enquanto no cessar a permanncia, a constituio autoriza a violao
ao domiclio mesmo sem prvia ordem legal (art. 5, inc. XI).60
Dessa forma, na modalidade de trfico de drogas em que praxe os agentes ativos
do tipo delitivo, aps o recebimento da carga de drogas, levarem para casas em que o
entorpecente endolado ou seja, preparado para a venda ao pblico. Nesse caso o
agente realiza a conduta ter em depsito que denota natureza de permanncia, no qual
se consuma com o passar do tempo, dessa forma existindo ento o estado flagrante,
permitindo a priso sem ordem judicial, seja de dia ou de noite, no maculando a entrada
da polcia na casa e nem a apreenso do material relativo prtica criminosa.61
Sendo assim, conforme j decidiu o STJ, a Constituio Federal no faz de modo
absoluto, onde inseriu exceo a garantia, o caso de flagrante delito. Ainda mais albergar
59 LIMA, Renato Brasileiro de, 2012, p. 1281 apud STJ, 5 Turma, HC n 11.222/MG, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ 27/11/2000, p. 175. 60 LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal, vol. I 2 ed., Niteri, RJ: Impetus. 2012, p.
1282. 61 LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal, vol. I 2 ed., Niteri, RJ: Impetus. 2012. p.
1282.
30
uma figura como o trfico que utiliza de um bem jurdico de alto valor para perpetrar um
delito de natureza permanente. Seria ento um contrassenso albergar a inviolabilidade
para proteger a prtica da traficncia, invalidando-se a ao da polcia e das provas
apreendidas.
2.5 AS DENNCIAS ANNIMAS RECEBIDAS PELA POLCIA
No incomum no servio policial o agente se deparar com o recebimento de
denncias de cidados insatisfeitos com a realidade criminal de seu bairro que resolvem
denunciar o trfico de drogas ou ento de informantes particulares ou at mesmo de rivais
que disputam a venda de drogas na comunidade, que incomodados com tal situao
resolvem expor a polcia, pedindo uma soluo aos mesmos sem que para isso precisem
se expor e assim correr riscos.
A partir dessas denncias que normalmente informam a localizao de
entorpecentes escondidos ou de casas que servem de local, seja para armazenar, seja para
o preparo ou refino, que os policias comeam a analisar a denncia recebida de acordo
com prxis policial para tentar verificar se esta bate com o que os policiais conhecem da
experincia vivida no servio dirio.
uma situao delicada que envolve uma srie de riscos para todos os policiais
envolvidos, seja jurdica ou risco de morte, pois muitas denncias desse tipo resultam em
boas apreenses, outras tambm resultam em nada e outras vezes pode resultar numa
situao de emboscada para a guarnio policial envolvida.
Assim uma parte da atividade policial na dita guerra contra o trfico uma gama
de informaes que chegam para os policiais que muitas vezes no intuito de realizar um
servio de proteo para a sociedade acabam por se envolver em situaes que geram
discusso no mundo jurdico e em consequentes prises, da que surge a discusso em
torno do crime permanente (trfico de drogas), ou seja, os policiais poderiam ou no
ingressar no domiclio sem mandado judicial, violando em tese um preceito
constitucional, apenas imaginando que ali se guardavam entorpecentes.
31
2.6 O COMRCIO DE DROGAS NAS COMUNIDADES E A VALIDADE DA
DENNCIA ANNIMA
A histria da venda de drogas no uma situao nova na atual sociedade, e a
quantidade de usurios de drogas cada vez maior como se constata nas pesquisas
governamentais, na mdia e na prpria atividade policial atravs dos termos
circunstanciados, nas abordagens nas bocas de fumo e nas prises realizadas.
Nas localidades onde a polcia atua e realiza a apreenso de drogas e a priso de
suspeitos, normalmente so bairros em que impera uma certa organizao pelas pessoas
envolvidas na atividade da narcotraficncia, pelo fato da polcia em inmeras situaes
prender as mesmas pessoas mais de uma vez. Esses indivduos vo desenvolvendo
tcnicas para escapar das operaes e tambm para minimizar as perdas de drogas, armas
e dinheiro apreendidos.
A alguns anos atrs era comum as guarnies policiais realizarem grandes
apreenses no local onde realizado a venda ao pblico, mas com o passar dos anos os
criminosos perceberam que estavam pagando um preo alto pelas perdas e passaram a
esconder as quantidades de entorpecentes significativos dentro de casas. Logo, deixando
no balco de venda ao pblico, apenas a quantidade estritamente necessria (pequenas
buchas) de 10, 20, 30 unidades de maconha, cocana ou crack minimizando as perdas em
caso de apreenso e dificultando a caracterizao do tipo penal de trfico.
Diante da realidade cotidiana, em que busca-se a preservao da imagem pelo fato
sentirmos medo e insegurana, de delatar, de informar um crime em andamento, muitas
instituies, principalmente as policias militares e civis incentivam as delaes atravs
do Disque Denncia, seja essa, uma ligao telefnica, um e-mail ou atravs de redes
sociais. E a partir dessas informaes que muitas prises so realizadas, resultando na
privao de liberdade de uma infinidade de pessoas sem que se saiba quem o fez. Nesse
sentido Rodrigo Iennaco62 esclarece que:
A caracterstica principal do Estado de Direito a submisso do
Poder Pblico s suas prprias normas, institudas na estruturao do Estado,
como expresso do princpio da legalidade. So normas constitucionais
estabelecidas como autntica garantia e limitao ao poder, de acordo com a
62 IENNACO, Rodrigo. Da validade do procedimento de persecuo criminal deflagrado por denncia annima no estado democrtico de direito. Revista Brasileira de Cincias Criminais, v. 14, n. 62, p. 220-
263, Set/Out, 2006.
32
diviso de competncias institucionais que funciona num sistema de freios e
contrapesos. As noes de governo republicano e regime democrtico se
complementam, instrumentalmente, na consagrao do processo como
conjunto de princpios e garantias que disciplinam a resoluo judicial de
conflitos. Em matria de responsabilidade criminal, ningum ser privado de
seus direitos sem a observncia do devido processo penal, a referenciados seus
corolrios: o contraditrio e a ampla defesa
Observa-se que os meios de denncia annima incentivados pelo Estado visam
claramente a defesa social, mas padecem de simetria constitucional que expressa em
vedar o anonimato. A Constituio Federal de 88, que assegura a livre manifestao do
pensamento, em seu art. 5, IV, veda o anonimato, declarando inviolvel a intimidade,
vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando inclusive o direito de regresso
contra aquele que o violar (art. 5, X, CR/88).63
Ora, se a Constituio Federal veda o anonimato, como atravs de uma denncia
annima, informando um delito que est ocorrendo em determinado lugar dentro de um
local, que casa, protegido constitucionalmente, como a agente policial pode verificar tal
hiptese de crime se que se deflagra toda uma violao de direitos e sem contaminar todo
o iter o caminho que levou a uma eventual priso.
Noutro ponto, do dever legal de testemunhar se contrape ao anonimato vedado
pela Constituio. Surgindo a indagao e legitimidade da notcia annima perante a
ordem jurdica e constitucional. De outro, do dever legal de verificar a ocorrncia de um
delito, est a autoridade policial e seus agentes, que ao receber este tipo de informao,
seja, ligao annima, e-mail ou qualquer outro meio deve verificar a fidedignidade
daquela denncia, e conforme esta, instaurar ou no o devido procedimento
investigativo.64Sendo assim:
Aquilo que a Constituio parece vedar estimulado pelas
instituies oficiais de Defesa Social, sobretudo as vinculadas Segurana
Pblica: a denncia annima. A notcia annima de crime
constitucional? Pode deflagrar e fundamentar, por si s, a instaurao de
procedimento investigatrio? 65
63 IENNACO, Rodrigo. 2006. 64 IENNACO, Rodrigo. 2006. 65 IENNACO, Rodrigo. Da validade do procedimento de persecuo criminal deflagrado por denncia annima no estado democrtico de direito. Revista Brasileira de Cincias Criminais, v. 14,
n. 62, p. 220-263, Set/Out, 2006.
33
No se pode desconhecer a eficcia desse instrumento de denncia que evita o
cometimento de milhares de delitos, mas que ao mesmo tempo desrespeita frontalmente
a Constituio. Por isso, interessante seria as instituies controlarem a registrarem as
denncias e quem as faz, assegurando e legitimando assim as aes desenvolvidas pelas
foras de segurana pblica.
Nesse sentido a necessidade de registro e controle da notcia annima pelos rgos
de Defesa Social:
Anonimato ou sigilo? Quem delata (apresenta notitia criminis),
dando causa abertura de inqurito policial, exerce um direito (art. 5, II e 1
e 5, CPP), e exercendo regularmente esse direito, no pratica crime, sendo
suficiente a verdade subjetiva para afastar o dolo, como leciona Bitencourt.
[45] Com efeito, o legislador no poderia incriminar conduta identificada pelo
exerccio regular do direito de petio66
Se quem denncia a prtica de um delito convicto da inocncia e provoca a
instaurao de inqurito em desfavor do denunciado, pratica crime contra a administrao
da justia, prevista no art. 339 do Cdigo Penal, reforando a norma constitucional que
veda o anonimato e responsabilizando o denunciante caluniador, tanto que a pena
aumentada se o agente de vale do anonimato. Esse fato, s vem a reforar ao cuidado que
o agente policial deve ter ao receber qualquer notcia crime, devendo fazer o registro da
qualificao do delator, quando houver identificao, ou os dados que permitam
identificar de onde partiu a transmisso da delao, para futura identificao e
responsabilizao do delator.67
Se o Poder Pblico fomenta a participao da comunidade na
apurao de crimes e identificao de seus autores, mediante servios especiais
(disque-denncia, stios na internet etc.), deve estrutur-los em obedincia
legislao. Vale dizer, primeiro deve informar ao cidado se a notcia annima
de crime ser admitida e verificada. Deve, alm disso, diferenciar entre as
hipteses em que no necessria a identificao do delator e as que sua
identificao ser mantida sob sigilo. Finalmente, nos dois casos, deve manter
registro da origem da notcia, de acordo com os recursos tecnolgicos
66 IENNACO, Rodrigo, 2006 apud BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal, p. 517. 67 IENNACO, Rodrigo. 2006.
34
compatveis (como endereo eletrnico do remetente de e-mail, nmero de
telefone identificado e gravao da chamada originada etc.68
Tais providncias tomadas pelo Estado e seu aparato policial, que permitam
controlar e identificar os dados e denncias recebidas, so fundamentais para adequar
esse sistema a legislao e a Constituio, assim como evitar a produo de provas ilegais
e ou clandestinas, que no raramente desmontam e invalidam todo um trabalho que
despendeu tempo e dinheiro pblico. Alm das medidas de registro e identificao das
informaes repassadas pela populao, os agentes policiais tm a responsabilidade de se
certificarem que aquela denncia annima tem um fundo de veracidade, que tenha
elementos suficientes que possam embasar uma priso, instaurao de inqurito ou
qualquer outra medida que possa resultar em prejuzo para o denunciado. Nesse sentido
a necessidade de verificao da procedncia das informaes conforme descrito pelo
autor abaixo:
A denncia annima no pode fundamentar, direta e imediatamente,
qualquer ato formal de persecuo penal, seja no inqurito, seja no processo.
Ao receber a delao, a autoridade deve verificar se a notcia de crime
veiculada apresenta, no contexto ftico, qualquer indcio de verossimilhana.
No se exige uma confirmao em nvel de certeza, mas de possibilidade
concreta, consubstanciada em circunstncias fticas que indiquem a
materialidade do crime e levantem suspeita de autoria69
Existe nesse ponto, o conflito entre a publicidade dos atos processuais, includo a
o Inqurito Policial e o sigilo da colheita de informaes e os desdobramentos da
investigao. O agente policial ou a autoridade poder utilizar as informaes que tem
em mo para averiguar a veracidade das denncias, assim como realizar observaes,
infiltrar agentes, entrevistas, abordagens a pessoas e edificaes, mas observando sempre
as garantias constitucionais, com o fito de embasar o procedimento formal de permita
legitimar suas aes. Portanto somente apoiado em informaes e denncias no crveis,
a autoridade e seus agentes no podero pleitear mandado de busca e apreenso
domiciliar, a quebra de sigilo telefnico e etc. Para clarificar o entendimento:
68 IENNACO, Rodrigo, 2006. 69 IENNACO, Rodrigo, 2006
35
Dessa maneira, a denncia annima ser descartada do ponto de vista
processual. A verificao da procedncia das informaes substituir, para os
fins da persecuo criminal, integralmente a delao annima, desvinculando
totalmente o procedimento e as provas nele produzidas da notitia criminis
original. Em suma, a mediao entre a denncia annima e as provas
produzidas a partir da investigao formal feita pela verificao da
procedncia das informaes70
Porm, quando do recebimento da informao pelos agentes policiais, que
deslocam at o local para averiguarem o contexto e veracidade dos fatos relatados existe
a possibilidade, em presentes os requisitos, de realizar a priso em flagrante dos suspeitos,
mas para isso devem ter se cercado de elementos suficientes que possam legitimar a
priso.
Presente a tipicidade processual, ou seja, se a situao de fato se
amolda descrio abstrata da lei processual, a priso ser legal; do contrrio,
ilegal, independente dos elementos de convico coletados por ocasio da
confeco da lavratura do respectivo auto pela autoridade policial. Da mesma
forma, se a sequncia procedimental prevista no art. 304 do CPP for
desrespeitada, a priso em flagrante tambm ser viciada, em ofensa ao
princpio da legalidade das formas71.
Logo, ao receber a notcia que em determinado local, que seja acessvel ao
pblico, deve a autoridade e seus agentes, deslocarem-se e diligenciar a procedncia dos
fatos. Em caso de constatao do referido delito e presente o requisito temporal do
flagrante do art. 302 do Cdigo de Processo Penal, dever ser realizada a priso, e no
haver dvida sobre sua validade. O mesmo se aplica a denncia annima permitindo
inclusive a entrada no interior do domiclio, visto estar resguardado pela prpria
Constituio, nos casos de flagrncia.
S que a prtica em sua essncia mais complicada do que se imagina, e para
tanto os policiais devem cercar-se ou pelo menos deveriam, tomar medidas de verificao
da existncia de flagrncia, como no caso corriqueiro de denncias que informam sobre
70 IENNACO, Rodrigo. Da validade do procedimento de persecuo criminal deflagrado por denncia annima no estado democrtico de direito. Revista Brasileira de Cincias Criminais, v. 14, n. 62, p. 220-
263, Set/Out, 2006 71 IENNACO, Rodrigo. Da validade do procedimento de persecuo criminal deflagrado por denncia annima no estado democrtico de direito. Revista Brasileira de Cincias Criminais, v. 14, n. 62, p. 220-
263, Set/Out, 2006
36
o trfico de drogas em determinadas localidades e casas onde so armazenadas tais
substncias ilcitas. Cabe ao policial certificar-se de indcios sobre a mercancia no local,
quem realiza, de que modo est ocorrendo a mercancia, o local onde se esconde, o
dinheiro e demais elementos caracterizadores da conduta. Todos esses procedimentos de
colheita de elementos permitem a polcia pela representao em juzo pela expedio do
devido mandado de busca e apreenso, mesmo permitindo a situao de flagrante que se
efetue a priso e o ingresso na residncia para a execuo do ato.72Todo esse cuidado,
serve para que se jogue um jogo limpo e se respeite a garantias constitucionais,
legitimando a ao policial e evitando a responsabilizao do policial por abuso de
autoridade.
Analisados as informaes acima, verifica-se que a denncia no subsiste em si,
apenas pea informativa que permite a polcia buscar elementos legitimadores da
persecuo penal. A mesma delao que carrega o peso da inconstitucionalidade do
anonimato e que no serve de convico para decises, quando fundamentada, verificada
no local e preenchida de elementos de verossimilhana daro ensejo a uma priso em
flagrante ou a procedimentos que permitam outras aes previstas na lei processual
penal.73
Depois, discorrer acima sobre a denncia annima e suas consequncias prticas
passaremos a discutir e a analisar a sua validade nas aes penais. De forma isolada, na
forma crua como tratada deveras e confrontada com o texto constitucional o anonimato
no se sustenta e em si um meio ardiloso para se jogar um jogo sujo, fora das regras
jurdicas e que interfere na vida de milhares de pessoas diariamente.
Nesse sentido, conclui-se que o anonimato no pode servir para a influenciar
validamente a convico de um juiz, fazendo-o tomar decises com base em imaginaes,
preconceitos ou suposies. Mas no quer dizer tambm, que em todas as suas formas e
contextos, seja est inconstitucional e imprestvel a persecuo penal.
As provas produzidas a partir da verificao das referidas denncias e
devidamente firmadas em procedimento investigativo, desvinculadas de sua origem e
deflagrados a partir do exerccio do poder de polcia so aptos formao da opnio delicti.
Na sua origem a denncia crua ser descartada por completo e substitudas por novos
72 IENNACO, Rodrigo. 2006 73 IENNACO, Rodrigo. 2006
37
elementos crveis e legtimos capazes de ensejar e fundamentar a instaurao do
procedimento formal, a futura ao penal, a instruo processual e suas decorrncias.74
Sendo assim, da necessidade de verificao da veracidade das denncias pela
autoridade policial, decorrentes de previso constitucional, supera a coliso de interesses
jurdicos, pois est superado aquele vcio inicial. A denncia no mais ter conexo com
a persecuo penal e a imputao nela inserida, permanecer alheia desvinculada de
qualquer reflexo na priso em questo. Nesse sentido:
Ao se negar valor e fora probatria denncia annima, em suma,
define-se que ela no exerce diretamente nenhuma conexo entre a persecuo
penal e a imputao nela inserida, permanecendo, no processo, alheia ao
mrito, desprovida de status processual autnomo e despida de qualquer
reflexo de direito material75
Analisados esses conceitos, passa-se ao terceiro captulo a analisar o que
entendem sobre o tema os nossos tribunais em sua maioria, assim como tambm o que
entende a doutrina minoritria de cunho mais garantista sobre tais reflexes.
74 IENNACO, Rodrigo. 2006 75 IENNACO, Rodrigo. Da validade do procedimento de persecuo criminal deflagrado por denncia
annima no estado democrtico de direito. Revista Brasileira de Cincias Criminais, v. 14, n. 62, p. 220-
263, Set/Out, 2006
38
3 A PROBLEMTICA DO CRIME PERMANENTE
3.1 O QUE DIZ A JURISPRUDNCIA DOMINANTE NOS TRIBUNAIS
Partindo para anlise jurisprudencial importa dizer que o entendimento
predominante da justia brasileira de que em se tratando de crime permanente movido
por denncia apcrifa, mais exatamente nos crimes de trfico de drogas, o agente policial
no necessita de mandado judicial pelo fato da conduta criminosa se protrair no tempo,
ou seja, o suspeito se encontra em flagrante delito, logo, o policial no viola o domiclio,
nem comete o crime de abuso de autoridade como tambm no contamina a prova
apreendida. Esse o entendimento que ecoa nos tribunais conforme julgados abaixo:
Do Supremo Tribunal Federal
EMENTA: DIREITO PROCESSUAL PENAL.
HABEAS CORPUS. NULIDADE DO PROCESSO.
ALEGAO DE PROVA ILCITA E DE VIOLAO AO
DOMICLIO. INEXISTNCIA. ESTADO DE
FLAGRNCIA. CRIME PERMANENTE. 1. A questo
controvertida consiste na possvel existncia de prova ilcita
("denncia annima" e prova colhida sem observncia da garantia
da inviolabilidade do domiclio), o que contaminaria o processo
que resultou na sua condenao. 2. Legitimidade e validade do
processo que se originou de investigaes baseadas, no primeiro
momento, de "denncia annima" dando conta de possveis
prticas ilcitas relacionadas ao trfico de substncia
entorpecente. Entendeu-se no haver flagrante forjado o
resultante de diligncias policiais aps denncia annima sobre
trfico de entorpecentes (HC 74.195, rel. Min. Sidney Sanches, 1
Turma, DJ 13.09.1996). 3. Elementos indicirios acerca da
39
prtica de ilcito penal. No houve emprego ou utilizao de
provas obtidas por meios ilcitos no mbito do processo
instaurado contra o recorrente, no incidindo, na espcie, o
disposto no art. 5, inciso LVI, da Constituio Federal. 4.
Garantia da inviolabilidade do domiclio a regra, mas
constitucionalmente excepcionada quando houver flagrante
delito, desastre, for o caso de prestar socorro, ou, ainda, por
determinao judicial. 5. Outras questes levantadas nas razes
recursais envolvem o revolver de substrato ftico-probatrio, o
que se mostra invivel em sede de habeas corpus. 6. Recurso
ordinrio em habeas corpus improvido. (RHC 86082, Relator(a):
Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 05/08/2008,
DJe-157 DIVULG 21-08-2008 PUBLIC 22-08-2008 EMENT
VOL-02329-02 PP-00240)
EMENTA: CONSTITUCIONAL E PENAL.
RECURSO ORDINRIO EM HABEAS CORPUS. POSSE DE
ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO E TRFICO DE
ENTORPECENTES ARTS. 12 DA LEI N. 10.826/2003 E 33
DA LEI N. 11.343/2006. CONDENAO EM SEGUNDO
GRAU. TRNSITO EM JULGADO. ILICITUDE DA
PROVA, TENDO EM CONTA A INVIOLABILIDADE DE
DOMICLIO (ART. 5, INC. XI, DA CONSTITUIO
FEDERAL). RELATIVIZAO DA TUTELA
CONSTITUCIONAL EM CASO DE FLAGRANTE, PARA
PRESTAR SOCORRO OU POR DETERMINAO
JUDICIAL. OCORRNCIA, IN CASU, DE FLAGRANTE.
NO CABIMENTO DO WRIT COMO SUCEDNEO DE
REVISO CRIMINAL, RESSALVADOS OS CASOS DE
FLAGRANTE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. Inocorrncia,
in casu. 1. A norma que tutela a inviolabilidade de domiclio,
inserta no inciso XI do art. 5 da Constituio Federal, no
absoluta, cedendo ... em caso de flagrante delito ou desastre ou
para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinao judicial
40
(HC74127, Rel. Min. Carlos Velloso, 2 Turma, DJ de
13/06/1997, e RHC 86082, Rel. Min. Ellen Gracie, 2 Turma, DJe
de 22/08/2008). 2. In casu, consta na denncia que No dezessete
de outubro, do ano de dois mil e oito, cerca das vinte e uma horas
e trinta minutos, o denunciado foi preso em estado de flagrncia
por policiais militares lotados no 25 BPM, porque, com vontade
livre e consciente, direcionada prtica do injusto, tinha em
depsito e guardada, na sua residncia, localizada na Rua da
Capivaras, Travessa 07, n 13 Unamar, nesta cidade, sem
autorizao ou em desacordo com determinao legal ou
regulamentar, para entregar a consumo ou fornecer, ainda que
gratuitamente, aos usurios, certa quantidade de drogas capazes
de determinar dependncia fsica ou psquica, denominadas
Cannabis Sativa L, vulgarmente conhecida por maconha, e ainda,
Cloridrato de Cocana, popularmente conhecida como cocana,
destinadas ao efetivo exerccio do nefando comrcio das drogas
da morte, alm do Revlver, sem marca, calib