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o debate aberto e sem preconceitos eo melhor caminho para esclarecer 0 assunto A professora Ora. Jandlra Masur e pesqulsadora do Departamento de.Psc/cobl%gla da Esco/a Paul/sta de Medlclna. E presldente da Assoc/at;Bo Brasl/elra de Estudos sobre 0 A/cool/smo e assessora do Mlnlsterlo da Saude para assuntos I/gados ao a/cool/smo e uso de outras drogas. REO - Como pesquisadora do Departamento de Palcoblologla t voc. se espec/allzou em alguma area? Jandlra - 8im, as drogas psicotropicas, como 0 alcool, a maconha e a cocaina, sac a minha area de especializa<;:ao. Venho trabalhando nessa area ha 20 anos. Fiz doutorado em Psicofarmacologia, js. orientei vinte e cinco teses na area de drogas e tenho publica<;:6es sobre 0 assunto em revistas de circula<;:ao nacional e internacional. REC - Quais sao as suas IInhas de pesqulsa em ps/cofarmacologla? Jandira - Eu tenho procurado estudar os efeitos das drogas psicotropicas sobre 0 funcionamento do cerebro e sobre 0 comportamento dos animais. Por exemplo, 0 efeito sobre a memoria e a apredin- zagem. Essa e uma linha de pesquisa. Outra linha diz respeito a detec<;:ao precoce de pessoas que. estao fazendo uso abusivo de drogas. Em geral, essas pessoas so procuram servi<;:os de saude quando ja estao em estagios bem avan<;:ados e a nossa ideia e a de encontrar essas pessoas antes disso. Essa linha envolve 0 tratamento do drogado e e um assunto ainda bastante polemico. Essas sac as nossas principais linhas de pesquisa em pisco- Entrevista a Magaly T. dos Santos e Rosicler M. Rodrigues - FUNBEC- farmacologia. Quere deixar claro que eu coordeno um grupo de pessoas que trabalham em tempo integral, alem de estagiarios na area de psiscolo- gia. E este grupo que possibilita nossa produ<;:ao cientifica. REC - As Informat;oes obtldas nas pesqulsas sobre 0 efelto das drogas em animals de laborat6rlo - cobalas ratos e camundongos - podem ser utlllzada. para os seres humanos? Jandira - Podem, com os devidos cuidados. No ser humano, e muito diffcil estudar a memoria ea aprendizagem em func;:ao das variaveis que interfe- rem como, por exemplo, 0 nivel socio-cultural das pessoas. Os testes nao foram criados tendo em vista as diferentes condi<;:6es socio-culturais e es- tas, e logico, acabam interferindo. E obvio que nos animais essas variaveis nao existem. Com os devi- dos cuidados, 0 estudo dos efeitos das drogas nos animais e muito uti!. Alias, muitas coisas importan- tes que conhecemos em termos de memoria e aprendizagem, foram descobertas em animais. REC - Ha me/os de estudar 0 comportamento de pessoas que usam droga.? Jandlra - 8im, nos estamos estudando 0 compor-

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o debate aberto e sem preconceitoseo melhor caminho para esclarecer 0 assunto

A professora Ora. Jandlra Masur epesqulsadorado Departamento de.Psc/cobl%gla da Esco/a

Paul/sta de Medlclna. E presldente da Assoc/at;BoBrasl/elra de Estudos sobre 0 A/cool/smo e

assessora do Mlnlsterlo da Saude para assuntosI/gados ao a/cool/smo e uso de outras drogas.

REO - Como pesquisadora do Departamentode Palcoblologlat voc. se espec/allzouem alguma area?

Jandlra - 8im, as drogas psicotropicas, como 0alcool, a maconha e a cocaina, sac a minha area deespecializa<;:ao. Venho trabalhando nessa area ha20 anos. Fiz doutorado em Psicofarmacologia, js.orientei vinte e cinco teses na area de drogas etenho publica<;:6es sobre 0 assunto em revistas decircula<;:ao nacional e internacional.

REC - Quais sao as suas IInhas depesqulsa em ps/cofarmacologla?

Jandira - Eu tenho procurado estudar os efeitosdas drogas psicotropicas sobre 0 funcionamentodo cerebro e sobre 0 comportamento dos animais.Por exemplo, 0 efeito sobre a memoria e a apredin-zagem. Essa e uma linha de pesquisa. Outra linhadiz respeito a detec<;:ao precoce de pessoas que.estao fazendo uso abusivo de drogas. Em geral,essas pessoas so procuram servi<;:os de saudequando ja estao em estagios bem avan<;:ados e anossa ideia e a de encontrar essas pessoas antesdisso. Essa linha envolve 0 tratamento do drogadoe e um assunto ainda bastante polemico. Essas sacas nossas principais linhas de pesquisa em pisco-

Entrevista aMagaly T. dos Santos eRosicler M. Rodrigues

- FUNBEC-

farmacologia. Quere deixar claro que eu coordenoum grupo de pessoas que trabalham em tempointegral, alem de estagiarios na area de psiscolo-gia. E este grupo que possibilita nossa produ<;:aocientifica.

REC - As Informat;oes obtldas naspesqulsas sobre 0 efelto das drogasem animals de laborat6rlo - cobalasratos e camundongos - podem serutlllzada. para os seres humanos?

Jandira - Podem, com os devidos cuidados. Noser humano, e muito diffcil estudar a memoria e aaprendizagem em func;:ao das variaveis que interfe-rem como, por exemplo, 0 nivel socio-cultural daspessoas. Os testes nao foram criados tendo emvista as diferentes condi<;:6es socio-culturais e es-tas, e logico, acabam interferindo. E obvio que nosanimais essas variaveis nao existem. Com os devi-dos cuidados, 0 estudo dos efeitos das drogas nosanimais e muito uti!. Alias, muitas coisas importan-tes que conhecemos em termos de memoria eaprendizagem, foram descobertas em animais.

REC - Ha me/os de estudar 0 comportamentode pessoas que usam droga.?

Jandlra - 8im, nos estamos estudando 0 compor-

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tamento de pessoas que usam drogas, tanto duran':te 0 consumo como apos, at raves de entrevistas.

Jandira - Acho que voces querem saber sobre asdrogas psicotropicas, porque a aspirina e uma dro-ga e os antibioticos tambem. As drogas psicotropi-cas sac todas as substancias que modificam 0funcionamento da mente, alteram 0 humor e fun-<;:6escognitivas. A expressao "psico-tropica" querdizer "que tem tropismo ou atra<;:ao pela mente".Essas drogas tambem sac chamadas psico-ativasporque agem sobre 0 psfquismo. Isso nao querdizer que elas nao ten ham efeitos sobre, por exem-plo, 0 cora<;:ao,como e 0 caso da cocafna, ou sobreo intestino, como e 0 caso dos opickeos, como amorfina. As pessoas usam as drogas psicotropicasporque elas modificam 0 seu estado psicologico, asua mente. As drogas que tem essa capacidade,sac chamadas drogas psicotropicas.

REC • Quais slo a. drags. palcotr6plcasmal. usad •• no Bra.11?

Jandira - 0 alcool e a mais comum de todas. E umadroga psicotropica que tem a peculiaridade de serlegalizada. A nicotina e outra substancia psicoativamuito usada. Ela e um estimulante, nao muito po-tente, mas e um estimulante. Ja a cocafna e umestimulante extremamente potente. 0 lan<;:a-perfu-me e todos os solventes, como a benzina, a cola desapateiro, tem a<;:aopsicotropica, pois mudam 0estado mental, produzem um estado de euforiaque, no come<;:o,se parece muito com 0 efeito doalcool. A maconha e uma droga psicotropica que,depois do alcool, talvez seja uma das mais usadasno Brasil. Existem tambem outras drogas psicotro-picas que as pessoas nem lembram, mas que temusa muito grande como, por exemplo, 0 "artane",uma droga barata, vendida em farmacia, desde quea pessoa apresente receita medica. Ela e muitoeficiente no tratamento da doen<;:a de Parkinson,modificando a fun<;:ao de um determinado neuro-transmissor no cerebro. Quando tomada em doseelevada, por exemplo, 5 ou 6 comprimidos, produzaltera<;:6es mentais.

A herofna e um grande problema em outrospafses, mas no nosso nao. Seu consumo e bastantereduzido em compara<;:ao, por exemplo, com a co-cafna.

Jandira - As drogas psicotropicas se dividem emtres grandes grupos: os estimulantes, dos quais acocafna e um exemplo tfpico; os depressores, queinclue os tranquilizantes e 0 alcool que, em dosebaixa, funciona como estimulante e em dose alta edepressor; e os alucin6genos, drogas que naonecessariamente estimulam, nem necessariamente

deprimem 0 funcionamento do sistema nervosocentral. Sao drogas que produzem alucina<;:6es,distor<;:6es sensoperceptivas, como 0 acido lisergi-co (LSD), por exemplo. Eu devo dizer, quanto apergunta anterior, que no Brasil, 0 LSD e maisusado do que se imagina. Podemos citar tambemdeterminados tipos de cogumelos que produzemalucina<;:6es, mas sac pouco usados. A maconha,dependendo da dose, pode ser considerada umalucinogeno. Na maconha, a substancia ativa e.otetrahidrocanabinol, 0 THC, cuja quantidade naplanta - a cannabis sativa - depende do solo emque ela foi cultivada, da epoca do ana em que foicolhida, onde foi guardada e tambem da propriagenetica da planta. Se a pessoa fumar muitos ci-garros de maconha com baixo conteudo de THC oufumar poucos cigarros, mas com alto teor de THC,ela podera chegar a ter alucina<;:6es. Dessa fo"rma, amaconha poderia ser classificada como alucinoge-no. E bom lembrar que e mais raro ela ter esseefeito. Ela e comumente usada como relaxante.Quem procura um quadro mais delirante, em geral,toma LSD ou outros alucinogenos.

Jandira - Ha drogas que produzem 0 que sechama dependencia ffsica, isto e, quando a pessoapara repentinamente de usa-las, 0 seu organismoreage atraves de alguns sintomas caracterfsticospara cad a droga. Ao conjunto desses sintomas da-se 0 nome de sfndrome de abstinencia da droga.Ela pode durar horas ou ate dias e a intensidadevaria de pessoa para pessoa, dependendo muito decomo e a interrup<;:ao do consumo da droga.o alcool, a morfina, a herofna e os ansiolfticos

(tranquilizantes) sac as drogas que causam depen-dencia ffsica. A nicotina tambem pode causar de-pendencia ffsica, mas ela e certamente muito maisleve do que a de todas as outras drogas que citei.

A sfndrome de abstinencia do alcool e uma dasmais intensas e os hospitais estao repletos de pes-soas com esse quadro. A herofna e a morfina (osopiaceos de um modo geral) tambem sac drogaspotentfssimas, capazes de produzir sfndromes deabstinencia muito intensas. A maconha nao produzsfndrome de abstinencia.

E importante lembrar que muitos dos xaropesque estao a venda contem substancias do tipo dosopiaceos e, se tomados em quantidade, podemcausar sfndrome de abstinencia que, as vezes, re-quer ate interna<;:ao. A sfndrome de abstinencia, doponto de vista medico, ja tem solu<;:ao, existemprocedimentos que fazem com que as pessoasultrapassem essa fase sem. grandes sofrimentos.Superar essa fase de dependencia ffsica nao e 0maior problema no usa de drogas. 0 maior proble-ma e a dependencia no senso amplo, uma depen-dencia que todas as drogas psicotropicas podemcausar.

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flEC - Poder/amo. chamarde depend'nc/a psicol6glca?

Jandlra - Nao, mas muita gente diz isso. Naogosto dessa divisao em dependelncia psicologica efisica, porque da a impressao de que a ffsica e amais importante e a psicologica e coisa de histeri-cOS.A sfndrome de dependencia no senso ample eatingida quando a vontade de consumir a droga etao intensa por parte da pessoa que outros valores,outras coisas que a pessoa fazia passam a nao termais importancia. A droga passa a ser prioridadena vida e na cabec;;ada pessoa. toda a sua posturapassa a ser a da procura da droga. Entao, veja bem,essa droga pode ou nao produzir dependenciafisica. Por exemplo, a cocafna e uma droga cujadependencia fisica ainda nao esta esclarecida; seexistir certamente nao e uma dependencia tao im-portante quanta a dependencia causada pelo al-cool ou pelos opiaceos.

No entanto. do ponto de vista da sfndrome dedependencia. no senso amplo,e uma das drogasmais potentes que se conhecem.

REC - 0 que voc' con.lde,,' comou.oabuslvo de droga.?

Jandlra - Pois e, 0 usa abusivo e um termo muitoutilizado. Vamos esclarecer. Temos tres tipos depossibilidade de uso. Um deles e 0 que a gentechama usa de risco: a pessoa ainda nao esta tendonenhum problema pelo usa de drogas. Outra for-ma, e 0 usa prejudicial: a pessoa ja esta tendoprejufzos. E uma terceira situac;;ao e 0 da depen-dencla de drogas. E muito importante entenderque nem todo mundo que usa drogas e dependentede drogas. Eu diria que 0 usa abusivo, voltando asua pergunta. e aquele usa que tem uma freqUen-cia tal, uma intensidade tal que ja causa problemas.Na classificac;;ao acima, corresponde ao usa preju-dicial.

REC- Ha drog•• que podem cau.ardltfurblo. mental. I"evers/ve/.?

Jandlra- Essa e uma discussao complicada. Exis-tem auto res que acham que sim e outros, que issonunca foi devidamente comprovado. Existem pes-soas que estao usando drogas e que estao "pira-das". Agora, foi por causa da droga ou essas pes-soas ja tinham algum disturbio mental e 0 usa dadroga veio a ser uma coisa a mais? Isso e meiocomo a historia do ovo e da galinha: quem nasceuantes? E muito dificil dissociar. Alguns autoresacham, por exemplo, que 0 usa prolongado damaconha aumenta a probabilidade de esquizofre-nia; existem outros auto res, de diferentes linhas.que nao concordam absolutamente com essa afir-mac;;ao.A cocafna. particularmente. produz distur-bios mentais importantes. Se a pessoa esta usandomuito essa droga. comec;;a a ficar muito agressiva.

paranoica, acha que todo mundo a esta perseguin-do. Mas, de um modo geral, esses disturbios sacreversfveis. Em relac;;aoao LSD, por exemplo, exis-tem pessoas que tomaram duas, tres doses, asvezes so uma, e ficaram nao sei quanta tempoperturbadas mental mente, em alguns casos, irre-versfvelmente. A minha posic;;ao e de cautela emrelac;;ao ao assunto. Eu acho que ainda nao temosrespostas para isso e qualquer resposta, no mo-mento. e precipitada.

REC - Que droges ceu.am o. ma/ore.problemas para a .oc/edade, para afamilia e para 0 pr6prlo IndMduo?

Jandlra - Em termos quantitativos, certamente e 0alcool, nao tenho a menor duvida. Agora qualquerdroga, como ja falei anteriormente, quando seuusa assume prioridade na vida da pessoa e todo 0resto passa a ser secundario, pode vir a ser proble-matico para a famflia e para a sociedade. A nicoti-na, por exemplo, nao produz isso de jeito nenhum.

REC· Exl.te alguma outra droga,alem do a/coo/, sendo con.umldaem rltmo crescente no Brasil?

Jandlra - Eu diria que a maconha e a cocainaestao em usa crescente. Ha trinta anos ja havia 0consumo de maconha e cocafna; esse consumonao nasceu nos "ultimos dez anos", mas cresceumuito nesse perfodo.

REC - A que 'atore.· voc' atr/bulene cresclmento?

Jandlra - Bem, a droga passou a ser, do ponto devista econ6mico. um negocio dos mais rendososdo mundo. Eu nao entendo de economia, mascertamente deve ser um dos mais rendosos, inclu-sive livre de impostos. 0 tabaco e rendoso, mas etaxado. 0 poderio econ6mico por tras da cocafna,por exemplo, e um mundo fantastico. A oferta dedrogas passou a ser extraordinaria em func;;ao doavanc;;o da tecnologia, que permite que elas sejampurificadas com mais facilidade e isso aumentoumuito a oferta. Eu acredito que essa oferta e umponto fundamental.

REC - Exlste predl.posk;jo Inata da.panoa. para 0 u.o de droga.?

Jandlra - Nao! Preciso ser mais enfatica do queisso?

Nao, nem ao alcool. Eu precisaria so esclare-cer uns pontos. Dizer que alguem ja nasceu compredisposic;;ao ao alcoolismo, ou nasceu com pre-disposic;;ao para usar muita cocafna, nao e assim.Mas. e obvio, ha pessoas que usam 0 alcool e sesentem muito bem, alegres, felizes, outras se sen-tem mal e isso da uma diferente probabilidade daspessoas fazerem 0 usa continuado ou nao do al-

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cool; as que se sentem mal. com dor de cabec;;a.enjoadas. nao terao tanta disposic;;ao para bebercomo aquelas que se sentem bem. Isso tambemnao quer dizer que a pessoa que se sente bem vaiser um alcoolatra. De forma nenhuma. Vai depen-der de uma serie de circuntancias. Nao quero tirara importancia do terreno biologico. ele e um dosfatores. mas nao 0 mais importante. Em relac;;ao aoutras drogas. nao existe evidemcia nenhuma deque exista uma predisposic;;ao inata. Essa ideia depredisposic;;ao inata e ideologicamente muito peri-gosa do ponto de vista social. Nao se pode dizersimplesmente que 0 individuo ja nasceu assim. edoente e 0 problema e dele. e do corpo dele. Estaposic;;ao.de alguma forma. se iguala a posic;;ao mo-ralista de algumas pessoas que afirmam ser 0 al-coolatra um mau carater. irresponsavel e sem ver-gonha. E quando dizemos que ha uma predisposi-c;;aoinata ao consumo de drogas. mesmo que naoestejamos colocando que ele seja um sem vergo-nha. estamos pelo menos afirmando que 0 proble-ma e do corpo dele e que 0 social nao tem nada aver. Eu acho que sempre se coloca esta pergunta.porque a resposta afirmativa e muito comoda. e 0que as pessoas querem ouvir. De um modo geral,as pessoas querem respostas simples. querem quedigam que e inato, que 0 drogado nasceu assim.Dessa forma fica simples julgar quem vai ter ou naoproblemas de drogas.

RE,C- Qual' ,10 oa elello, ,ob,.. 0 organltmohumano do con.umolrequen" de cocalna'1;/

Jandira - Varia. Tem pessoas que usam cocai-na frequentemente e nao sentem efeito deleterionenhum, mas a probabilidade que ele passe a terproblemas e bastante grande. Um dos efeitos maisimportantes sac os problemas cardiacos. Ja exis-tem relatos de pessoas jovens, 20 e poucos anos.com problemas no corac;;ao por ~ausa da cocaina:a pressao aumenta e muitos problemas podemocorrer, mas podem tambem nao ocorrer. Dizeristo e muito importante porque, se voce fala paraum publico de jovens. eles sabem ou conhecempessoas que estao usando a cocaina e nunca acon-teceu nada com elas. Entao voce tem que dizer ahistoria inteira. desde que podera nao acontecernada. ate todas as coisas que podem acontecer.Agora. existem pessoas que, por exemplo. podemser mais sensiveis ou terem tido um azar, qualquercoisa aconteceu e aquela dose de cocaina mexeuno seu corac;;ao. naquele momento. de um jeitoirreversivel e a pessoa pode ate morrer. Ha muitagente que usa a cocaina e esse fate nao acontece.Mas. para quem morreu. esse fato e 100%. Precisa-mos colocar todas as possibilidades. De modo ge-ral, as pessoas que usam bastante cocaina come-c;;ama ficar muito irritadas. agressivas. paranoicas.acham que 0 mundo as esta perseguindo, sacmuito agitadas, inquietas. perdem 0 sono. emagre-cem muito.

REC- exit,. dlfe,.",a entre ma,cara tolha de coca/na; che/rar a coca/naem pO ou In/e'a"'a na vela?

Jandlra - Sim. uma diferenc;;a fundamental.Ao mascar a folha da coca. os efeitos psicoativosque se tem sac muito pequenos porque e pequenae quantidade de cocalna que se injere a cada folhaque se masca. Alem disso, 0 efeito e paulatino,porque e via digestao. Ao cheirar ou injetar na veiaos efeitos sac mais potentes. Na veia e um efeitopotentissimo e de ac;;aorapida. porque a droga caidiretamente na circulac;;ao sanguinea. Eu diria quemascar a folha de coca. como e feito em muitospaises. tem pouca consequencia do ponto de vistamental. 0 caso da cocaina injetavel se agrava ago-ra em func;;ao da AIDS, principal mente porque aspessoas que comec;;am a injetar a droga obedecema todo um ritual, estao em grupo. compartilhamseringas. Essas pessoas dizem "me propuz a naodividir seringas. me propuz a isso ou aquilo, mas nahora estamos tao baratinados que a gente esque-ce" ou "nao e que esquec;;o. to noutra, nao tonem lembrando da seringa" ou ainda "quandoestou usando a cocaina. 0 efeito e tao potente quedificilmente vou me lembrar da AIDS; nao e quenao vou lembrar e que voce nao ta nem ai, a AIDS esecundaria". Esse e um problema tao grande que.em muitos paises. e eu acho essa medida bastanterealista e correta. os govern os estao distribuindoseringas gratuitamente na tentativa de proporcio-nar todas as facilidades para as pessoas nao com-partilharem suas seringas. Em nosso pais. as serin-gas ficaram mais caras e desapareceram do merca-do e a ideia deve ser exatamente oposta a isto. Eprecise favorecer. fazer com que as seringas fi-quem mais disponiveis. porque. veja, acho que 0problema de drogas nao vai acabar. nos podemos.no maximo tentar amenizar 0 seu uso e suas conse-quencias. Enquanto comunidade. nos vamos terque aprender a conviver de uma forma racionalcom as drogas e isso significa tentar fazer 0 maxi-mo possivel para que elas nao sejam usadas demodo a causar problemas para as pessoas queusam drogas e para a sociedade. Nos temos queaceitar os fatos. Nao e prendendo os traficantes.saindo por al dando tiros que vamos resolver 0assunto. porque amanha havera outros traficantes.Quanto ao problema das seringas, tem-se faladomuito que a sua distribuic;;ao reforc;;aria 0 uso dasdrogas e que. portanto, nao se deve fazer isso. Euacho que temos que ser realistas. porque se 0sangue estiver contaminado com 0 virus da AIDS 0individuo estara com prognostico fechadissimo.pois ainda nao temos respostas para essa doenc;;a.

REC -Serla 0 a8.0 entjo, de de.crlmlnallzar oumalmo IIb.raro UIO d. droga.?

Jandlra - Esta possibilidade vem sendo discutidaem muitos locais. No entanto. ela requer uma anal i-

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se extremamente cuidadosa . que impe<;:adecisoesprecipitadas.

REC • A cocalna • uma droga carapara a ma/or/a da no•• a populat;jjo?

Jandlra - Depende. Para a maioria da popula<;:ao acara. mas, voce veja, em volta das favelas 0 pessoalacaba achando a droga. A camada mais pobre dapopula<;:ao esta mais perto dos traficantes, entao amuito mais barato comprar na favela do que com-prar na rua Augusta, em Sao Paulo. E ai que vem 0problema grave da ilegalidade da droga e toda acriminalidade envolvida. Este esquema favorece 0usa da droga porque 0 dinheiro a conseguido atra-vas da revenda de parte da droga. E agora existetambam uma droga mais barata, 0 "crack", que a acocaina preparada de tal forma que a fumada eextremamente bem absorvida pelos pulmoes.

REC - 08 .feltos da cocalna podemser comparados aos .feltos de alcool?

Jandlra - Podem, de certa forma. 0 alcool emdoses baixas a um estimulante; a cocaina tambam.Mas 0 alcool deixa a pessoa tonta, meio zonza ecom a cocaina isso nao acontece. Agora, do pontode vista farmacologico. do mecanismo de a<;:aoedos efeitos gerais, sac drogas bem diferentes.

REC - Dent,. as droga. ma/s con.umldasno Brasil - 0 alcool, a cocalna • amaconha - qual de/a•• a plor?

Jandlra - Eu acho que as pesoas nao devempensar assim: qual a pior droga. A pergunta quedeve ser feita a: Qual a droga que faz menos malpara que? Pior para que? Por exempoo, 0 alcool aa pior droga para 0 figado. A maconha afeta amemoria, alam de. em algumas pessoas, afetartambam a produ<;:ao de hormonios masculinos, di-miuindo a quantidade de espermatozoides. A piordroga para voce sair dirigindo por ai talvez seja 0alcool, que altera 0 individuo do ponto de vistamotor e tambam, talvez, a maconha, pois podepertubar a percep<;:ao de distancia e de tempo e,para dirigir, 0 individuo necessita dessas percep-<;:oesintegras. Qual das drogas produz mais cancernos pUlmoes? A nicotina, a claro. 1550 nao querdizer que a nicotina seja a pior droga. E pior praproduzir cancer de pulmao. Entao veja, varias pes-soas gostariam muito que colocassemos as drogasnuma ordem de grandeza, mostrando qual a piorde todas. A sociedade pede respostas simples, cur-tas. claras e objetivas. Mas, nem sempre, isso apossivel. Escrevi recentemente um artigo para arevista CIENCIA HOJE (numero de outubro/88), inti-tulada "Drogas: Qual a 0 problema?" que, acho,esclarece um pouco mais est a questao tao impor-tante.

REC - Que atltudes voc' acha queos pals devem tomar quandodescobrem que 0 fllho ado/escenteesta consumlndo alguma droga?

Jandlra - Em primeiro lugar, nao achar que aculpa a deles, porque isso a cruel, perverso mes-mo. Acho que isto vem sendo sempre colocado,que 0 problema a dos pais. que os pais "deram demais ou deram de menos", muito dialogo ou poucodialogo" "protegeram demais ou desprotegeram".Eu encontro pais que perguntam "Onde eu fa-Ihei?". Isso causa um desespero enorme. Achoque, certamente, existem problemas familiaresque, ao lade de varios outros fatores, pod em de-sencadear 0 use de drogas. Na escola a oferta aextraordinaria, a pressao do grupo de amigos amuito forte. Eu nao gostaria de dar receitinhas.dizer 0 que os pais devem fazer porque acho queisso a impossivel. Cada um certamente encontrarao seu caminho.

Jandlra - Num primeiro momento, procuraria naodramatizar a situa<;:ao e achar que meu filho a umtoxicomano e pensar imediatamente "onde devointerna-Io". E impressionante como existe essarea<;:ao.a trata-Io ja como um doente. Nao a isso.Acho que devemos procurar entender a situa<;:aoeai os mecanismos sac diferentes de familia parafamilia e variam extraordinariamente. 0 que paramim poderia ser razoavel. para outra familia. naofaz sentido. Acho que os pais nao devem ir para 0lade do desespero, nao devem achar que 0 filhoesta perdido e nem se considerarem incompe-tentes.

REC - E quanto a e.co/a, voc' acha que ./apode desempenha, a'gum pape/?

Jandira - A escola poderia e deveria. Alias. aescola a 0 local mais apropriado, ja que a onde osjovens passam mais tempo. Mas eu tenho sariasduvidas de que ela possa conseguir fazer isso.Porque existe. em primeiro lugar, a propria dificul-dade estrutural das escolas e depois a falta detempo dos professores. as proprias condi<;:oes decada um, enfim, uma sarie de fatores, alam de eunao saber 0 quanta as pessoas estao preparadaspara discutir esse assunto. Nao sei ata que pontoas pessoas conseguem se despojar dos preconcei-tos e discutir as coisas de uma forma ampla. Sem-pre existe 0 medo de se falar demais, falar de umjeito que possa parecer que se esta incentivando 0use de drogas, 0 medo de ser ou muito repressorou muito liberal. Ou seja, existe uma certa dificul-dade em tratar esse assunto. Eu mesma tenhodificuldade em tratar do assunto quando YOUfalarem locais que nao sac puramente cientificos, ondeeu nao YOUapresentar os meus dados, porque ai a.

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muito faci!o Quando vou falar para uma plateia maisampla, eu sempre procuro ter esse balanc;:o, maspara uns sou muito liberal, para outros repressora.E bastante diffcil.

REC - Exlate algum paia onde 0 problemadaa drogas esteJa sendo bem tratado?

olhando assim como detetives os seus filhos. Achoextremamente simplorio e simplista a posic;:ao deoferecer receitinhas, identificar se 0 filho esta ounao usando drogas.

REC • 0 que pode levar um ado/escente aconsumir drogas?

Jandira - Imitac;:ao, 0 proprio prazer da droga,sem duvida e tem um dado que eu gostaria decomentar um pouquinho que e 0 seguinte: semprese coloca que as pessoas que usam drogas preci-sam de um tratamento e eu duvido disso. Conhec;:omuitas e muitas pessoas que fizeram uso bastanteintenso das drogas durante anos e quase que dia-riamente e sairam desta situac;:ao sem ajuda denenhum tratamento formal. 0 que nos leva a se-guinte questao - por que as pessoas param deusar drogas? 0 que eu acho mais importante doque a anterior - 0 que faz a pessoa iniciar 0 uso de

Nao se tem ainrla respostas objetivas. E ilusao, drogas? As pessoas param porque percebem que autopia, alguem a&ar que existem "dez meios" droga esta mais atrapalhando do que dando pra-para identificar se 0 seu filho esta usando drogas zero Pode estar atrapalhando do ponto de vistaou nao. Isso e bfblia, nao e ci€mcia. Nao existem fisico, ou a pessoa pode estar com medo de umadez meios como os dez mandamentos. Existem ate overdose de cocaina ou atrapalhando do ponto dealguns trabalhos que se propoem a isso e aconse- vista das relac;:oes pessoais. No momenta em que aIham mais ou menos assim: "se seu filho comec;:ar pessoa se da conta de que a droga esta atrapalhan-a usar mangas compridas; se seu filho estiver meio do sua vida ela encontra algum jeito de sair dessairritado: se seu filho se trancar no quarto: etc ..." situac;:ao. Tem pessoas que param porque "escu-Esses comportamentos demonstram mais que 0 tam 0 seu corpo". Outras, porque escutam os com-jovem esta passando pela adolesc€mcia do que panheiros, outras porque a droga perde 0 significa-outra coisa qualquer. E eu fico imaginando os pais do na sua vida.

Se voce quiser ler 0 artigo sobre drogas de autoria de Jandira Masur. publicado emCIENCIA HOJE. escreva para CIENCIA HOJE. Av. Venceslau Bras 71. CEP 22290 Rio de Janeiro RJ.

solicitando 0 numero 47 de outubro de 1988. no qual se encontra 0 referido artigo.

Jandlra - Existem grupos importantes na Inglater-ra, onde se observa um intenso debate sobre 0assunto. Nos Estados Unidos, hoje, coexistem duasposic;:oes quase antagonicas: uma de extrema re-pressao e outra de Iiberalizac;:ao de todas as dro-gas. Entao, veja, nesses pafses existe espac;:oondeas pessoas podem discutir as suas posic;:oes, pormais antagonicas que elas sejam, 0 que eu achootimo. Eu nao estou me posicionando por umaposic;:ao ou outra, mas por uma possibilidade dedebate franco e aberto.

Temos certeza de que a entre vista que voce acaba de ler vai gerar discussoes eduvidas entre professores e pais.

De fato, como todos n6s sabemos e a entrevistada deixa claro, 0 assunto mjo etranqullo. Hs oplnloes conflltantes e dlferentes manelras de ver 0 problema: desde avlsao objet/va e c/entiflca, ate a vlsao emoclonal de pais que vem 0 fIIho afundar-se nouso da draga.

Achamos que a questao deve, antes de mals nada, ser tratada de forma tranquila elucida, como 0 faz a entrevlstada. Mas, e bem possivel que s6 Isso nao atenda 8expectatlva de pals e professores.

Asslm, decldlmos abrlr as psglnas da Revlsta de Enslno de Clenclas a outrasoplnloes, enfoques e quest/onamentos.

Voce quer se manlfestar sobre a questao? Entao destaque a ultima folha destarevlsta e ne/a escreva suas duvldas, depolmentos e oplnloes. Estlmule 0 pessoal da suaescola a tambem nos escrever. Reproduza a ultima folha e dlstrlbua-a entre os quequlserem se manlfestar.

Os depolmentos devem ser enviados a:FUNBEC / PesquisaCalxa Postal 208901051 - SBo Paulo - SP

Nos pr6xlmos numeros, publicaremos os nomes e enderet;os das escolas que semanlfestarem. Estaremos, asslm, abrlndo a oportunldade de Interciimblo entre as esco-las. Tambem publlcaremos os depolmentos se/eclonados entre os mals representat/vos.

Nosso obJet/vo e contrlbulr para levantar as oplnliJes da escola brasJlelra face aoproblema das dragas, pols sabemos que 0 Mlnisterlo da Educat;ao esta 8 procura decamlnhos para enfrentar esse problema e, certamente, temos uma contrlbult;ao a dar.