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ARTES PLÁSTICAS ARTES PLÁSTICAS ARTES PLÁSTICAS ARTES PLÁSTICAS ARTES PLÁSTICAS Alagoas l 27 de abril a 3 de maio I ano 02 I nº 061 l 2014 l redação 82 3023.2092 I e-mail [email protected] CAMPUS CAMPUS CAMPUS CAMPUS Dois dedos de prosa N ão sou especialista em arte e nem por isso sou insensível a ela. Uma coisa nada tem a ver com a outra. Quando meus olhos tradu- zem para mim uma imagem que eu desejo ver, fico sem saber, em estado de estranhamento; depois é que a beleza se confirma para mim. É que eu não sei... Não sei se eu me faço dentro da imagem ou se é ela quem se faz em mim. É o que se dá com esta moça na capa de Campus, uma belíssima pintura de Pedro Cabral, tecnicamente a óleo em tela de 80x80 e intitulada Sereníssima. Eu conversaria horas sem parar com Sereníssima, a mulher que se revela na harmonia de um rosto quase em levitação. Sereníssima se faz em mim, mas a Bandinha da Viçosa carrega-me para ela. Descubro que sou móvel e descu- bro, também, que a pintura de Pedro Cabral é feita de revelação sobre o mais comum do que existe no universo: o cotidiano. Mas é também um excelente tempo de permanente descoberta. Pedro Cabral é professor universitário, mestre na área acadê- mica, arquiteto de prancheta cheia de ângulos e contra-ângulos, quase Quebrangulos – embora ele seja de outro lugar –, de uma versatili- dade imensa, pois é poeta, contista e homem da comunicação. Toda esta riqueza seria um denada se ele não fosse pessoa muito querida. Todos os nossos momentos são bons, desde nossa faixa inco- lor do Karate-Dóiiiiiiiiiiiii à corda de caranguejos que ele soltou em um ônibus, meia noite, que vinha de Recife para Maceió. Contei estas coisas para que se saiba que, dentro do pintor, mora um anjo e é, para meu orgulho, um anjo de minha guarda. Pedrinho, esta não é uma home- nagem a você e nem à sua pintura. Nem de longe Campus chegaria lá. É apenas um tributo aos seus olhos e seu carinho vendo Alagoas, vendo a nossa gente. Luiz Sávio de Almeida Capela, abril de 2014 N asci às margens da Lagoa Mundaú. Por isso, sou formado em vida. Depois virei arquiteto. Por isso, sou formado em sonhos. Depois resolvi ser professor. Por isso, sou estudante. Perambulo pelas cores. Por isso, sei da escuridão. E vez em quando escrevo ideias. Nem por isso sou poeta. Pedro Cabral Quem é quem? O CASTELO DE AREIA PRONTO, IMEDIATAMENTE DESCONSTRUÍDO

O DIA ALAGOAS - Campus 05

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Alagoas l Ano 2 | 27 de abril a 3 de maio | 2014. Campus é o caderno de cultura de O DIA ALAGOAS.

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ARTES PLÁSTICAS ARTES PLÁSTICAS ARTES PLÁSTICAS ARTES PLÁSTICAS ARTES PLÁSTICAS

Alagoas l 27 de abril a 3 de maio I ano 02 I nº 061 l 2014 l redação 82 3023.2092 I e-mail [email protected]

CAMPUSCAMPUSCAMPUSCAMPUS

Dois dedos de prosa

Não sou especialista em arte e nem por isso sou insensível a

ela. Uma coisa nada tem a ver com a outra. Quando meus olhos tradu-zem para mim uma imagem que eu desejo ver, fico sem saber, em estado de estranhamento; depois é que a beleza se confirma para mim. É que eu não sei... Não sei se eu me faço dentro da imagem ou se é ela quem se faz em mim. É o que se dá com esta moça na capa de Campus, uma belíssima pintura de Pedro Cabral, tecnicamente a óleo em tela de 80x80 e intitulada Sereníssima.

Eu conversaria horas sem parar com Sereníssima, a mulher que se revela na harmonia de um rosto quase em levitação. Sereníssima se faz em mim, mas a Bandinha da Viçosa carrega-me para ela. Descubro que sou móvel e descu-bro, também, que a pintura de Pedro Cabral é feita de revelação sobre o mais comum do que existe no universo: o cotidiano. Mas é também um excelente tempo de permanente descoberta.

Pedro Cabral é professor universitário, mestre na área acadê-mica, arquiteto de prancheta cheia de ângulos e contra-ângulos, quase Quebrangulos – embora ele seja de outro lugar –, de uma versatili-dade imensa, pois é poeta, contista e homem da comunicação. Toda esta riqueza seria um denada se ele não fosse pessoa muito querida.

Todos os nossos momentos são bons, desde nossa faixa inco-lor do Karate-Dóiiiiiiiiiiiii à corda de caranguejos que ele soltou em um ônibus, meia noite, que vinha de Recife para Maceió. Contei estas coisas para que se saiba que, dentro do pintor, mora um anjo e é, para meu orgulho, um anjo de minha guarda.

Pedrinho, esta não é uma home-nagem a você e nem à sua pintura. Nem de longe Campus chegaria lá. É apenas um tributo aos seus olhos e seu carinho vendo Alagoas, vendo a nossa gente.

Luiz Sávio de AlmeidaCapela, abril de 2014

Nasci às margens da Lagoa Mundaú. Por isso, sou formado em vida.

Depois virei arquiteto. Por isso, sou formado em sonhos.

Depois resolvi ser professor. Por isso, sou estudante.Perambulo pelas cores. Por isso, sei da escuridão.E vez em quando escrevo ideias. Nem por isso sou

poeta.

Pedro CabralQuem

équem?

O CASTELO DE AREIA PRONTO, IMEDIATAMENTE

DESCONSTRUÍDO

CAMPUS2 O DIA ALAGOAS l 27 de abril a 3 de maio I 2014

redação 82 3023.2092e-mail [email protected]

CNPJ 07.847.607/0001-50 l Rua Pedro Oliveira Rocha, 424 B - Farol - Maceió - Alagoas - E-mail: [email protected] - Fone: 3023.2092

Para anunciar,ligue 3023.2092

EXPEDIENTE Eliane PereiraDiretora-Executiva

Deraldo FranciscoEditor-Geral

Flávio NobreDiretor Comercial

L. Sávio de AlmeidaCoordenador

Luhanoa RochaArticulação

Francisco RibeiroCotidiano

Cícero RodriguesIlustração

Jobson PedrosaDiagramaçãoODiaAlagoas

Se v o c ê m e provoca, amigo Sávio Almeida,

acerca da arte em minha vida, o pouco que tenho a dizer derra-marei aqui. Não sei se foram os lápis-de-cores ou se foi um quadro na parede o responsá-vel pela primeira percepção do que hoje eu chamo de arte. Só sei que, quando meus pais me trouxeram de presente uma caixa de lápis e papel de desenho, eu me encantei pelo colorido. O amarelo e a cor laranja, os dois tons de verde, o vermelho, os dois tons de azul, o marrom, o roxo, o preto e o branco, sim, o branco. Mas pra que o branco, se o papel já era branco? Seria essa a primeira percepção da arte? E a sensa-ção do prazer de toda criança em desenhar casinhas, o sol e a lua, árvores, ruas, crian-ças e carros. Desenhar aquele mundo do nosso olhar.

Não me recordo se este sentimento antecede ao quadro exposto na parede da pequena mercearia dos meus tios Eraldo e Emerita que mostrava a Divina Comédia de Dante. O Inferno, na parte inferior da tela, com suas cores vermelhas, sorrisos sarcásti-cos, corpos doloridos, danças prazerosas, a meu ver. No meio da tela um lugar curioso: o Purgatório, à meia altura de uma montanha. Um lugar nem lá nem cá. Sem cor defi-nida. Talvez um verde tímido de esperança. Talvez o lugar mais otimista que se conhece. Engraçado, parece-me que Nietzsche dizia ser a felicidade aquela paradinha no meio da montanha e não a chegada ao topo. E, finalmente, no

topo, o doce, puro e delicado azul do Céu, com aquela paz celestial; paz demais. Hoje o que tanto procuro. Só sei que este quadro me atraía forte-mente, tanto pela mensagem disciplinadora, quanto pelo colorido. Creio que o artista caprichou no Inferno, pois havia algo animado nas ruas que hoje sonho pintar. Ou seja: ruas precisamente alegres

com música, algazarras e tudo mais. Sim, o vermelho forte e primário do fogo abrasador, o amarelo das ruas movimen-tadas, ligadas às farras. Essas cores do quadro que me leva-vam à ideia de Inferno, hoje eu as quero no meu Céu.

E sabia das esculturas reli-giosas que adornavam retábu-los da Igreja. Mas as entendia mais como algo sacro do que

artístico. E sabia das artes em ferro que meu pai habilmente transformava em algo útil, criando, torneando e soldando um portão metálico com belas figuras geométricas ou desenhando um carrinho de rolimãs para eu bagunçar o silêncio da vizinhança. A foto de Getúlio Vargas na parede e a do casal emparelhado que não sorria, eram para

mim apenas uma lembrança na parede não vinculada à arte. Nada disso eu entendia como arte. Arte até então era a pintura, mesmo sendo uma reprodução em série de um quadro naturalista, a repre-sentar a paisagem primaveril colorida de um lugar longín-quo que vez em quando eu me pegava olhando, comprado por meus pais na loja 4-400. O meu conceito intuitivo de criança para o que eu poderia chamar de arte era algo feito diferentemente da função utili-tária. Mas artista mesmo era o cantor ou o ator de cinema. Meu mundo sem lições era assim. E a infância e adoles-cência conviveram com essa limitada compreensão. Hoje, entendo haver arte também no poema. Só não chamo o poeta de artista porque me agrada mais a palavra poeta.

Foi preciso uma convivên-cia acadêmica em arquitetura para ouvir sobre Estética, sobre o Belo, a Harmonia. Sobre a riqueza e a versatilidade da arte e seu papel transforma-dor da sociedade. Foi preciso ler História escrita no Chão, de sua autoria, amigo Luiz Sávio Almeida, para me cons-cientizar que folclore, feito da veia popular, não é mito. É tão história dita verdadeira quanto a registrada nos livros de História, que, aliás, nem sempre trazem a veracidade dos fatos. Foi preciso ler Edgar Morin para entender que arte não pode ser dualizada em erudita e popular. Tudo é arte. E notar, muito tempo depois, visitando um museu árabe, que artesanato é tão arte quanto um quadro de Monet.

1. A arte: primeiros olhares, primeiros sentimentosMariquita, Maricota e Marion

Bem-te-vi

CAMPUS3O DIA ALAGOAS l 27 de abril a 3 de maio I 2014

redação 82 3023.2092e-mail [email protected]

A arte não me a p a r e c e u como profis-

são. Não me sentia capaz, mesmo se procurasse uma escola de arte com um pintor renomado. Até hoje ainda me sinto assim. Talvez por ser um autodidata e pensar ser neces-sária uma formação acadê-mica. Será mesmo que é assim? Tantos tiveram formação superior e nada produziram. Quantos outros foram ou são grandes profissionais provi-dos da genialidade das gran-des obras, sem a necessidade da Academia? Minha história caía numa geração que exigia ser médico ou engenheiro. Ser arquiteto foi um desaponta-mento para os meus pais, que investiram toda a sua pobreza financeira, vivendo espartana-mente, para me dar nome. Ser arquiteto foi um passo para me aproximar fortemente da arte.

Enveredei profissional-mente pela arquitetura, mas na condição de professor. Oportunidade dada por um concurso público federal para se alcançar certa segurança

na vida. Vez em quando, elaborava ou elaboro proje-tos demandados por clien-tes gentis que me ajudavam e ajudam, nessas práticas, a compartilhar melhor meus ensinamentos com meus alunos. E enquanto exerci-tava arquitetura, ensaiava desenhos tímidos a bico de nanquim, na intenção mais de praticar o traço, presentear colegas ou ornar as paredes nuas da casa de um recém--casado sem dinheiro para comprar obras de arte.

O começo foi mais de observações, de leituras, de visitas sonhadoras a museus e galerias. E o tempo passou, com a teoria acercando-me mais do que a prática. Medo maior: a busca desesperada por um estilo e o desconheci-mento de técnicas de pintura a óleo.

Projetar e construir a sua própria casa é um grande alento. Pode-se executar seu sonho sem ter medo de uma reclamação do cliente que lhe paga. E feita a casa, sente-se obrigado a ter suas paredes

cobertas por obras de arte coloridas. Foi o que aconteceu, mestre Sávio, depois de muita labuta. E mais uma vez sem medo de expor em sua casa suas próprias obras.

E assim, eu me vi, nos anos 1990, pintando a tela incó-lume. Aquele branco virginal. Aquele branco aterrorizador a ser enfrentado sem base técnica e apenas se alimentando do colorido e composições guar-dados na memória de tantas belas obras de arte de tantos fabulosos e consagrados pinto-res. Em quem basicamente se inspirar? No impressio-nismo, no neoimpressionismo, expressionismo, no fauvismo. Em nenhum artista especifi-camente. A corrente era mais importante do que o artista. Os princípios de cada escola. E, sobretudo, o colorido que anima paredes. Vi nos fauvis-tas essa força. A princípio, uma tela era uma escola. Ali, havia um desesperado cami-nho de extremada limitação a respeito de um Matisse ou de um Derain.

E os primeiros filhos,

digo, telas, foram surgindo. E sempre o mais novo traba-lho era o mais querido. Até ter uma meia dúzia e deixá-los num baú de amadurecimento. E quando a mente descansada os retomava, o olhar fazia uma nova valorização do que foi concebido. E havia um ou mais onde o capricho foi mais forte. E em outros, a criação se perdeu na esquina de uma rua. Alguns desses traba-lhos foram repintados várias vezes. Era uma forma de auto-crítica. Camadas e camadas de cores e traços. A pintura a óleo permite isso. Ufa! Tenho pena de jogar uma tela fora, mesmo que o trabalho seja sofrível. Meu amigo arquiteto Alex Barbosa me sugeriu, certa vez, que fizesse uma exposição com não mais de 30 quadros. E que não tivesse pena de esquecer algumas telas pinta-das. Isso me lembrou de uma conversa de Hemingway com Gertrude Stein, que li em Paris é uma Festa, quando ela chamou de inaccrochable um conto dele, ao explicar que o termo significava uma

situação em que o pintor não tem coragem de pendurar ou expor um quadro seu. Nem um pretenso comprador também o fará, pois não terá coragem de pendurá-lo.

Mas antes da coragem de dizer que estava pintando ou quisesse expor, a velha e rigo-rosa autocrítica me alertava, como a Senhora Stein fez com o grande escritor: certamente, nada que eu dissesse clara-mente: está a contento. Inda mais imaginar: é um Pedro. Oh! Quanta pretensão minha, amigo meu. E o quanto isso me angustiava – e ainda me angustia – não ter um estilo – leia-se identidade –, senti-mento que logo passava ao me apaziguar com o fato de que todos os pintores tiveram suas escolas, suas influências e nada acontecia de primeira. Tudo é um processo. Mas não era a teoria que garantiria isso? Pura balela. Sem praticar, nada se completa. Hoje, mesmo sem estilo, já não tenho medo de expor meus trabalhos. Não por domínio da arte, mas porque não tenho nada mais a perder.

2. Os primeiros impulsos artísticos ou botando a mão na massa

Bandinha da Viçosa

CAMPUS4 O DIA ALAGOAS l 27 de abril a 3 de maio I 2014

redação 82 3023.2092e-mail [email protected]

Perna-de-pau

O caminhante

Burrinha de Carnaval

Enquanto não vejo os quatro cantos da tela

pintados, não sossego. Antes, pintava num só fôlego. Telas grandes num só dia. Menos afobado, já dedico dois ou três dias a uma tela. Claro, e há aquelas que, passando por elas, timidamente cala-das, sinto a necessidade de me envolver de novo, repin-tando-as. Ainda tento me inserir numa escola. Pintar 13 telas para interpretar os poemas de poetas alagoanos musicados por Mácleim, que ilustraram o CD dele, me possibilitou enveredar por várias escolas. A cada poeta e respectivo poema, eu atribuía uma cor predominante, uma tendência artística ou identi-ficação com um artista. Desse modo, fiz um pop art do meu jeito para um poema de Paulo Renault, e assim por diante. O arranjo da música me apon-tava o sentimento das cores.

Essa experiência aliada a um estudo na arquitetura sobre desconstrutivismo me levou a pensar em adotar seus princípios na pintura. É o que estudo agora. E como faço isso? Parto do figurativismo e, mediante os traços adqui-ridos na escola de arquite-

tura, juntamente com as cores vibrantes, eu tento descons-truir o real, na busca por um ponto situado nos limites entre dois mundos: o figurati-vismo simbólico e o abstracio-nismo que tenta simbolizar o mundo real. Essa desconstru-ção lembra o mesmo gesto de uma criança que monta seu castelo de areia e, de repente, intempestivamente, ela o destrói, gerando um novo desenho. Esse figurativismo, tematicamente, está baseado em desejos de gente alegre nas ruas. Tem algo mais descon-traído do que passear de bici-cleta à toa, vendo a paisagem urbana? Gosto da alegria, apesar de também pintar a denúncia da injustiça.

E p o r q u e u s o e s s e conceito? Por entender que, muitas vezes, é preciso trans-formar essa realidade que caminha sem o nosso senti-mento de que a vida da socie-dade vai a contento. Algo construído precisa ser refeito. Se não posso transformar o mundo com meus gritos, o faço na pintura. Pinto a reali-dade e a refaço, ou a desfaço em meus sonhos. Sei que não é o mundo de todos. É o meu, mas é pensando em tudo e em todos.

3. Onde pousa o olhar agora