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Para a última edição de 2012 da eOPTIMISMO, no âmbito da parceria entre este meio de comunicação e o Blog Literário OS LIVROS NOSSOS, decidimos partilhar com os nossos leitores a investigação que tivemos ocasião de realizar no âmbito da Psicologia da Literatura, para a Unidade Curricular de Psicologia da Arte, na Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa, subordinada ao tema “O escritor e o processo criativo”. (...)
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Para a última edição de 2012 da
eOPTIMISMO, no âmbito da parceria entre
este meio de comunicação e o Blog
Literário OS LIVROS NOSSOS, decidimos
partilhar com os nossos leitores a
investigação que tivemos ocasião de
realizar no âmbito da Psicologia da
Literatura, para a Unidade Curricular de
Psicologia da Arte, na Faculdade de
Psicologia da Universidade de Lisboa,
subordinada ao tema “O escritor e o
processo criativo”.
No ano em que, além de termos entrado
nesta aventura literária que é criar e
administrar um blog especializado, tivemos
também a primeira experiência enquanto
autora publicada, com um conto de
fantasia/terror que integrou uma
colectânea de autores – “Ocultos Buracos”,
somou-se a preciosa informação acerca do
processo criativo, as suas fases e
modalidades, que temos tido a
oportunidade de recolher e partilhar com
os nossos leitores nas entrevistas
realizadas a diversos autores Nacionais e
Internacionais.
O escritor, enquanto artista que leva a cabo a tarefa de construir a obra de arte, revela-se
um sujeito organizador de emoções e sentimentos pessoais, objectivando tensões,
experiências e contradições (próprias ou alheias), resultantes da relação entre o sujeito e
meio que o rodeia (Baiocchi & Niebielski, s/d).
por Isabel Almeida, http://oslivrosnossos.blogspot.com
(http://kutegroup.com/pictures-gallery/art-gallery/creative-book-sculpture/)
A Literatura é uma área da Psicologia da Arte que se encontra
ainda pouco explorada, devendo por isso ser encarada com
alguma precaução – no entanto, pode ser utilizada como uma
verdadeira janela para a psicologia do criador, isto é, como um
meio de explorar a forma como os artistas se comportam,
elaboram e sentem na fase criativa (Duarte, 2011).
Na antiguidade clássica, já Platão havia apresentado a sua
concepção de criação artística baseada no uso das faculdades
racionais do autor, levadas até ao extremo de um frenesim
irracional. Os precursores do Romantismo, em pleno século
XIX, exaltaram igualmente a importância da irracionalidade,
ideia que não só reaviva a proposta platónica de criação
artística, como, de algum modo chega mesmo a antecipar a ênfase do inconsciente no
processo criativo artístico, próprio de uma visão freudiana (Winner, 1982).
As experiências pessoais do autor acabam por desempenhar um papel relevante no processo
criativo (Baiocchi & Niebielsky, s/d). Muitos autores plasmam nas suas obras literárias as suas
vivências e experiências pessoais, as quais podem ter experimentado enquanto “actores” ou
como meros “espectadores”. Um exemplo deste fenómeno é a obra de Camilo Castelo
Branco, “Amor de Perdição”, na qual Simão Botelho e Teresa de Albuquerque (personagens
principais) vivem um amor proibido pelas
respectivas famílias e pelas convenções
sociais. Nesta obra, está bem patente a
vida pessoal do escritor, que se apaixonou
por Ana Plácido, uma mulher casada e que
lhe estava social e moralmente vedada -
um amor ilícito, que viria a causar a ambos
perseguições, e mesmo a prisão, por terem
ousado desafiar as convenções da sua
época.
School of Athens (detalhe), um quadro de Rafael
Camilo Castelo Branco, um quadro de Bottelho (2007)
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Na criação literária, acabam
por assumir um papel de
destaque os processos de
natureza cognitiva, como o
pensamento (Duarte, 2011).
O pensamento elaborado
segundo as regras da lógica
(podendo revestir natureza
dedutiva ou indutiva) é
transmitido pelos escritores
nas respectivas obras
literárias. Por exemplo, em
vários trechos do romance “Os Maias”, Eça
de Queirós coloca na boca de várias
personagens alguns dos argumentos em que
ele próprio acreditava face à situação e
panoramas social e/ou político da época,
expressando assim diversas modalidades de
pensamento através das suas personagens.
Mas ainda a propósito do pensamento,
parece-nos pertinente referir a teorização de
Joy P. Guilford (1967), psicólogo
norte-americano, que concebeu a
distinção entre pensamento
divergente e pensamento
convergente.
O pensamento convergente
refere-se a uma resposta ou
conclusão única, sendo o
pensamento orientado para uma
resposta que surge como a
mais correcta - é algo
lógico e objectivo. Por sua
vez, o pensamento
divergente corresponderá a
uma exploração mental de
diversas soluções
equacionadas para um
mesmo problema
(Monteiro & Ribeiro dos
Santos, 1999).
O pensamento divergente foi apontando por
Guilford como sendo uma característica de
indivíduos criativos. Porém, esta foi apenas
uma hipótese que nunca viria a ser objecto
de confirmação empírica, tendo o assunto
sido deixado para posteriores investigações
científicas nesta área (Winner, 1982). Outros
estudos realizados por outros autores (e.g.
Lowenfeld & Beittel, 1959; Mackinnon,
(http://www.theartistspad.com/TheArtistsPad.com/Creative_Writing.jpg)
Eça de Queirós, uma ilustração de João Vaz de Carvalho
1961; Getzels & Cskszentmihalyi, 1976)
demonstram resultados conflituantes
quanto a esta mesma assunção.
O processo criativo literário pode ainda
assumir-se como uma forma de expressão
das emoções do autor (Duarte, 2011). A
título de exemplo, recorde-se a obra de Rita
Ferro e Marta Gautier, “Desculpe lá, mãe.”,
na qual é ficcionada uma troca de
correspondências entre uma mãe e a sua
filha adolescente. Nesta obra, encontram-se
exemplificadas diversas emoções que as
autoras já terão experimentando ao longo
da sua existência, sendo apresentadas, por
exemplo, as suas perspectivas pessoais
sobre o amor e o modo de o encarar. Na
obra, encontra-se ainda subjacente a
cumplicidade entre mãe e filha, dando azo a
um evidente conflito de gerações, com
entendimentos muitas vezes opostos, em
relação a vários aspectos.
Mas, afinal, qual o factor ou factores distintivos de um escritor criativo? Foi
exactamente a resposta a esta questão que nos chamou a atenção: quais as
características específicas, ao nível psicológico, que possuirá o que designamos
por escritor criativo?
(http://www.jeremystatton.com/wp-content/uploads/2012/04/writing-changed-life-e1335273724582.jpg)
A este propósito levar-se-á em linha de conta um interessante estudo de Kaufman (2002).
A motivação surge apontada como um dos factores determinantes do processo criativo
(Amabile et al. citada por Kaufman). Inicialmente, a motivação intrínseca (e.g. escrever por
prazer ou entretenimento) foi considerada como um melhor incentivo à criatividade do que a
motivação de natureza extrínseca (e.g. uma recompensa). No entanto, se é certo que
pesquisas iniciais se mostraram favoráveis a tal entendimento, investigações ulteriores
começaram a revelar que, sob certas circunstâncias (e.g. treino em pensamento divergente
e/ou recompensa de forma não tão evidente), a motivação extrínseca pode mesmo revelar
efeitos positivos no processo criativo, pelo que se conclui ser este um debate ainda em aberto
(Kaufman, 2002) e a carecer de investigação adicional. Outras variáveis, tais como a
inteligência, a personalidade, o conhecimento e o ambiente, são também indicadas como
potenciais factores de influência do processo criativo por Kaufman (2002).
Passemos agora a analisar quais as fases em que podemos dividir o processo de criação da
obra literária. Tendo por base os relatos de vários pensadores criativos, o Psicólogo Graham
Wallas (1926) apresentou uma divisão quadripartida do processo criativo, o qual engloba as
seguintes fases: preparação, incubação, iluminação e verificação.
A preparação corresponde ao momento em que se explora o problema, o qual servirá de
ponto de partida para a obra. A incubação diz respeito à fase em que a atenção consciente se
desvia do problema a solucionar. A iluminação corresponde ao surgimento súbito da solução
ou ideia base. A verificação, por sua vez, diz respeito ao momento em que a ideia é testada e
afinada (Winner, 1982).
preparação
• exploração do problema
• ponto de partida
incubação
• desvio da atenção do problema
iluminação
• surgimento da solução
verificação
• teste e afinação da ideia
A fase de incubação suscitou alguma
polémica, pois entendeu-se que existiria
um labor do inconsciente. Este debruçar-
se-ia sobre um problema e encontraria
para o mesmo uma solução, apresentada
depois à parte consciente da mente. Tal
entendimento encontrou sustentação
teórica adicional no âmbito da perspectiva
psicanalítica: Ernst Kris (1952) concebeu o
processo criativo enquanto duas fases
distintas: inspiração e elaboração.
A inspiração corresponderia a processos de
pensamento de natureza primária2, na qual
o criador regressa à fase pré-consciente do
seu psiquismo - esta
descrição encontra
correspondência na fase
de incubação descrita
por Graham Wallas,
como vimos
anteriormente. Já a
elaboração criativa
consiste na utilização de
processos de
pensamento secundários, os quais ocorrem
de forma consciente e em obediência às
regras da lógica, procedendo-se a um
2 modalidade de pensamento descrita por Sigmund
Freud como sendo irracional e caótica, e que se
situaria no inconsciente, na visão tradicional Freudiana
trabalho e desenvolvimento das ideias
resultantes do labor pré-consciente
(Winner, 1982).
Pese embora a explicação encontrada na
teoria psicanalítica, em relatos de artistas e
até de cientistas, há que referir que não foi
encontrada evidência empírica suficiente
sobre o papel desempenhado pelo
inconsciente no decurso do processo de
criação. Esta circunstância poderá decorrer
de limitações nas investigações sobre tal
assunto, já que carecem de validade
ecológica, ou então porque a incubação
poderá ser um fenómeno raro, apenas
verificável em
poucos sujeitos e
dotados de uma
criatividade mais
incomum (Winner,
1982).
Existem, ainda assim,
variadas perspectivas
psicológicas acerca do
processo criativo. Numa orientação teórica
de natureza mais cognitivista, surge-nos o
exemplo de autores como Rudolf Arnheim,
o qual concebe o processo de criação
artística enquanto uma modalidade de
(http://www.copywriteri.ro/wp-content/uploads/2012/08/copywriter.jpg)
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resolução lógica de problemas. Trata-se de
uma nova concepção atinente ao processo
de criação artística, bem distinta do
repentino insight que se segue a um
duradouro processo de incubação.
Assim, nesta nova perspectiva, a criação
pode ser encarada enquanto um processo
de natureza dialéctica, ao longo do qual o
trabalho nasce através de saltos erráticos
para trás e para a frente, partindo-se de
dois pressupostos: por um lado, entende-
se que, durante todo o processo criativo,
os artistas criadores têm um determinado
propósito em mente que pretendem
atingir por via do resultado final (a criação
artística); por outro lado, muito pouco
daquilo que resulta do processo de criação
tem natureza meramente acidental - toda
a criação artística surge com vista a
alcançar o objectivo final estabelecido
previamente pelo artista criador, sendo
certo que, durante o trajecto criativo, o
artista dá uso à plenitude dos seus poderes
conscientes e intelectuais, para proceder à
resolução de um problema (Winner, 1982).
A esta visão de Arnheim, podem ser apontadas pelo menos duas críticas: por um lado, nem
todo o processo criativo terá subjacente, desde o seu início, àquele que é o objectivo final a
atingir, pois este pode estar ou não presente; por outro lado, o facto de se entender que esta
concepção leva em devida linha de conta o trabalho desenvolvido após a ideia inicial, não
permite, no entanto, aferir qual a origem do esquema inicial de criação.
• escrever sobre tarefas de escrita de que tenha gostado
• promover a leitura
• encarar a escrita e a leitura como actividades prazerosas
Dicas para desbloquear a escrita
Outro autor importante a considerar é o Psicólogo David
Perkins, também de orientação teórica cognitivista. Este
autor sugere que o processo criativo artístico consiste
numa operação cognitiva de resolução de problemas que
implica também a tomada de decisões, no decurso de
todo o processo. Nas investigações empíricas realizadas
neste âmbito, solicitou-se a poetas que pensassem em
voz alta, durante o processo de escrita de um texto
poético, por forma a darem a conhecer os respectivos
pensamentos a cada cinco segundos. Este método de
estudo empírico é muitas vezes criticado, pois ao
interromper-se o processo criativo para expressar os
pensamentos está-se a perturbar a normalidade do
processo. Contudo, os estudos revelaram que o processo
de criação resulta de uma combinação da intuição e da
razão, sendo de considerar que o pensamento pode ser
mais simples ou mais complexo e, por tanto, o resultado
final de pode surgir de forma mais demorada ou mais
espontânea, consoante este seja mais ou menos
laborioso (Winner, 1982).
Na verdade, a criação ao nível literário é um terreno a
merecer exploração continua e acrescida. MacVey (2008)
expressa-nos a opinião teórica, com a qual concordamos,
de que qualquer processo de escrita acaba por ter uma
natureza criativa. O autor defende que todo e qualquer
trabalho escrito acaba por ter um inegável componente
de criatividade, sendo necessário encontrar técnicas que
ajudem o desbloqueio do processo de escrita, por forma
a promover-se um melhor desempenho neste campo.
Para desbloquear, por assim dizer, o processo de escrita,
são propostas tarefas simples, entre as quais, escrever
acerca das duas experiencias
de escrita, descrevendo
quaisquer tarefas de escrita
de que tenham gostado
(MacVey, 2008). Igualmente
importante, segundo o autor,
é a promoção e incentivo do
hábito e gosto pela leitura e
pela escrita, sendo estas
actividades encaradas como
um prazer e não apenas como
mero meio para alcançar um
determinado fim.
Em suma, terminamos esta
secção expressando a opinião
consciente de que apenas
pudemos aqui apresentar
Trabalho de Joseph Wharton
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alguns breves exemplos dos processos psicológicos que
enformam o processo de criação artística literária.
Cremos, ainda assim, ser este um campo de actuação em
plena expansão, até porque começa a ser visível também
no nosso país a tendência para existir uma vasta oferta de
acções de formação de escrita criativa, que não podem
olvidar a componente psicológica que sempre estará
subjacente a este processo de criação.
Ciência à parte, sempre diremos que
cada pessoa, enquanto autor, acaba por ter
as suas próprias motivações, aptidões e
objectivos no que diz respeito à escrita
criativa. E quando se dá o primeiro passo,
convém ter presente que importa criar
rotinas, disciplinar o acto de escrever, mas
sem que tal perturbe a actividade ao ponto
de ser vista como obrigação e não como
devoção.
Vários autores já publicados, tanto no
panorama literário nacional como
internacional, são unânimes em afirmar
que a melhor forma de iniciar o processo
de escrita é mesmo “escrever”. A verdade
é que nem sempre é tão fácil assim dar
início a tal tarefa. No entanto, a prática vai-
nos afinando o estilo e a humildade é uma
característica que bastante favorece
qualquer candidato a escritor, já que
importa ir dando a ler o trabalho a diversas
pessoas que o possam ajuizar [enquanto
leitores, críticos literários ou editores], nas
suas diversas vertentes.
As estratégias são também criadas tendo
em conta as características individuais de
quem se atreve a começar a escrever - há
quem escreva por impulso e dando livre
As estratégias são
também criadas tendo
em conta as
características
individuais de quem
se atreve a começar a
escrever (…)
curso às ideias, transpondo-as para o
papel, e há quem prepare primeiro uma
sinopse da narrativa ou até mesmo uma
esquematização genérica de todas as
personagens e trama, para posterior
desenvolvimento.
Também parece ser unânime entre autores
o facto de que a leitura de várias obras
(desde os clássicos aos contemporâneos), e
em especial do género escolhido para
desenvolver a escrita criativa, pode dar-nos
uma boa pista acerca do trabalho realizado
por outros autores. A este nível, só nos
preocupa que em Portugal as gerações
mais novas andem, na sua maioria,
arredadas dos hábitos de leitura, por a
consideram “uma seca”, preferindo
produtos de consumo passivo e imediato,
como a internet, jogos electrónicos ou
cinema.
Quando pedimos a muitos jovens para
escrever, também se denota uma
resistência inicial e respostas como “não
tenho imaginação”, “não tenho jeito
nenhum para escrever” ou ainda “posso
escrever apenas seis linhas?”.
Cremos que, seria bastante relevante rever
o sistema de ensino nacional no que diz
respeito a hábitos de leitura e de escrita,
transmitindo aos jovens o que na verdade
lhes falta para desenvolverem em pleno as
suas capacidades de leitura e escrita (quiçá
criativa): a motivação adequada à sua faixa
etária e contexto pessoal, escolar e social.
Seria interessante saber a opinião dos
leitores sobre esta temática, por isso
sintam-se convidados para partilhar
opiniões através do email