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UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI ANA MÁRCIA ANDRADE O ESTILO TELEVISIVO DA SITCOM VAI QUE COLA: a hibridização entre teatralidade e televisão SÃO PAULO 2016

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UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI ANA MÁRCIA ANDRADE

O ESTILO TELEVISIVO DA SITCOM VAI QUE COLA: a hibridização entre teatralidade e televisão

SÃO PAULO 2016

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ANA MÁRCIA ANDRADE

O ESTILO TELEVISIVO DA SITCOM VAI QUE COLA: a hibridização entre teatralidade e televisão

Dissertação de Mestrado apresentado à Banca Examinadora, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre do Programa de Pós-graduação em Comunicação, área de concentração em Comunicação Contemporânea da Universidade Anhembi Morumbi, sob a orientação do Prof. Dr. Renato Luiz Pucci Jr.

SÃO PAULO 2016

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ANA MÁRCIA ANDRADE

O ESTILO TELEVISIVO DA SITCOM VAI QUE COLA:

a hibridização entre teatralidade e televisão

Dissertação de Mestrado apresentado à Banca Examinadora, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre do Programa de Pós-graduação em Comunicação, área de concentração em Comunicação Contemporânea da Universidade Anhembi Morumbi, sob a orientação do Prof. Dr. Renato Luiz Pucci Jr.

Aprovado em ----/-----/-----

Nome do orientador

Nome do convidado

Nome do convidado

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Sempre: À minha mãe, o maior amor que já conheci.

Ao meu pai, o maior intelectual e amor que já conheci.

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Este trabalho contou com o apoio da CAPES.

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Ao meu pai, Tiago Andrade de Almeida, por sempre insistir que o coração

e o conhecimento são fundamentais aliados à evolução humana. Por sua insistência

e fundamentais opiniões sobre este mestrado.

À minha mãe, Maria Eugênia Andrade Cherulli, por todo suporte e

estrutura fornecida em toda minha educação.

Aos meus irmãos, meus avós, minha família e meus amigos pela

compreensão de minha ausência enquanto construía esta dissertação.

Ao meu esposo, eterno amigo e companheiro, que me auxiliou em vários

tropeços.

Aos queridos amigos Naiara Barroso e Fábio Amorim, pelas horas

dispendidas à minha dissertação.

Ao meu orientador, Professor Dr. Renato Luiz Pucci Jr., pelo

profissionalismo e dedicação nesta dissertação. Por todos os convites e

oportunidades de crescimento.

Aos componentes da banca de qualificação Dr. Gelson Santana e Dr.

Rogério Ferraraz que com conselhos sólidos direcionaram o meio do caminho.

Ainda ao professor Rogério Ferraraz, que com generosidade e altruísmo

orientou sabiamente a escolha inicial do tema de pesquisa deste mestrado.

À toda equipe Anhembi Morumbi, listados por ordem alfabética, porém

com mesmo peso de gratidão pelo carinho e conselhos sabiamente emitidos:

Alessandra Cervantes, Dra. Bernadette Lyra, Dra. Laura Loguercio Cánepa, Dr. Luiz

Vadico e aos especiais parceiros Dra. Maria Ignês Carlos Magno, Dr. Vicente

Gosciola.

Aos meus colegas de mestrado que tanto contribuíram com suas

opiniões.

Aos grupos de estudo de Inovações e Rupturas na Ficção Televisiva

Brasileira da Anhembi Morumbi/SP, e Comunicação e Cultura em Televisualidades

(COMCULT) da UFMG, por suas contribuições pontuais.

À toda equipe Vai Que Cola, que abriu as portas das gravações à

pesquisa aqui realizada. Meu agradecimento é, principalmente, direcionado aos

diretores César Rodrigues e João Fonseca; ao roteirista Leandro Soares; à

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assistente de direção Carla Villa-Lobos; ao co-diretor Aaron Salles Torres; ao

produtor de plateia Cleidson Gonçalves; ao platô Márcio Ribas; e ao cameraman

Júlio Mirancos que dividiram grande parte do processo de produção de Vai Que Cola

comigo e mudaram significadamente o rumo da pesquisa. Sem eles, a pesquisa se

restringiria à grandes suposições. No encontro com cada membro da equipe, o meio

científico se deparou com a práxis da sitcom Vai Que Cola. A academia e o mercado

dialogaram entre si. Linguagens algumas vezes opostas... que aqui valeu muito o

esforço, o que nos deixa um possível, apesar de humilde, registro da nossa própria

produção audiovisual brasileira.

Desejo que todo pesquisador encontre em meio a sua pesquisa, as

pessoas que eu encontrei.

À todos, muito obrigada!

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Vai Que Cola. 2ª Temp., epis. 11 .................................................... 44

Figura 2 - Vai Que Cola. 2ª Temp., epis. 11 .................................................... 44

Figura 3 a 5 - Vai Que Cola. 2ª Temp., epis. 11 .............................................. 45

Figura 6 - Vai Que Cola. 2ª Temp., epis. 11......................................................46

Figura 7 - Vai Que Cola. 2ª Temp., epis. 11......................................................46

Figura 8 - Vai Que Cola. 2ª Temp., epis. 11......................................................47

Figura 9 - Vai Que Cola. 2ª Temp., epis. 11......................................................48

Figura 10 a 14 - Vai Que Cola. 2ª Temp., epis. 11............................................49

Figura 15 a 20 - Vai Que Cola. 2ª Temp., epis. 11............................................50

Figura 21 a 23 - Vai Que Cola. 2ª Temp., epis. 11 .......................................... 51

Figura 24 a 26 - Vai Que Cola. 2ª Temp., epis. 11 .......................................... 52

Figura 27 - Vai Que Cola. 2ª Temp., epis. 11....................................................53

Figura 28 e 29 - Vai Que Cola. 2ª Temp., epis. 11............................................53

Figura 30 - 2030: Uma Presepada no Arouche.................................................54

Figura 31 - 2030: Uma Presepada no Arouche.................................................55

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Figura 32 -2030: Uma Presepada no Arouche ................................................ 55

Figura 33 - 2030: Uma Presepada no Arouche ............................................... 56

Figura 34 - 2030: Uma Presepada no Arouche ............................................... 56

Figura 35 - 2030: Uma Presepada no Arouche. .............................................. 57

Figura 36 - 2030: Uma Presepada no Arouche ............................................... 57

Figura 37 a 39 - 2030: Uma Presepada no Arouche ....................................... 58

Figura 40 - 2030: Uma Presepada no Arouche ............................................... 59

Figura 41 - 2030: Uma Presepada no Arouche ............................................... 59

Figura 42 - 2030: Uma Presepada no Arouche .............................................. 60

Figura 43 - 2030: Uma Presepada no Arouche .............................................. 60

Figura 44 - 2030: Uma Presepada no Arouche .............................................. 61

Figura 45 - Palco giratório e as câmeras ......................................................... 67

Figura 46 - Uma performance vaudeville ......................................................... 77

Figura 47 - Desi Arnaz fala para a plateia de I Love Lucy ............................... 78

Figura 48 - A transição do episódio Scrubs de produção single-camera

para multiple-camera é assinalada por uma mudança na

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iluminação de low-key, quase um estilo de iluminação para

film-noir... ..................................................................................... 85

Figura 49 - ... para uma iluminação high-key ................................................... 85

Figura 50 - Um take aberto do estúdio Scrubs configurado para a

produção de multiple-camera, que normalmente não

eram usadas ................................................................................. 85

Figura 51 - Palco Vai Que Cola ...................................................................... 87

Figura 52 - Espaço piramidal em Scrubs ........................................................ 88

Figuras 53 a 55 - Palco Vai Que Cola ............................................................. 96

Figuras 56 a 67 – Diferentes palcos de Vai Que Cola .................................... 98

Figura 68 - Câmera 1 deslocada da plateia para cima do palco ...................... 104

Figuras 69 a 70 - Enquadramentos opostos realizados por uma câmera

fixa sobre o palco, single-camera, e uma das sete

câmeras do esquema multiple-camera. ............................... 105

Figuras 71 a 73 - Enquadramento frontal da plateia posicionada no centro

do palco Vai Que Cola ........................................................ 106

Figuras 74 a 76 - Giro do palco naturalista de Vai Que Cola .......................... 109

Figuras 77 a 79 – Gag realizada por Charles Chaplin em Tempos Modernos..119

Figuras 80 a 82 – Gag realizada por Ronald Golias em Família Trapo .......... 121

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Figuras 83 a 85 - Gag realizada por Paulo Gustavo em Vai Que Cola ........... 124

Figuras 86 a 88 - Movimentos pós-gag realizados por Paulo Gustavo ........... 125

Figuras 89 a 91 - Gag realizada por Paulo Gustavo no fim do episódio ......... 127

Figuras 92 a 97 – Gag dupla realizada por Paulo Gustavo na 2ª temporada ...129

Figuras 98 a 100 - Última gag realizada por Paulo Gustavo na 2ª temporada..130

LISTA DE ILUSTRAÇÃO

Ilustração 1 – O posicionamento da câmera no esquema do three-headed

Monster camera ............................................................... .............75

Ilustração 2 – Esquema principal dos posicionamentos de câmeras em

Vai Que Cola ............................................................................... 103

Ilustração 3 – Deslocamento da câmera 1 para o centro do palco de

Vai Que Cola ................................................................................ 103

Ilustração 4 – Single-camera posicionada no centro do palco de

Vai Que Cola ............................................................................... 105

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LISTA DE TABELA

Tabela 1- Esquemas multiple-camera e single-camera..................................... 80

LISTA DE INFOGRÁFICO

Infográfico 1 - Esquema híbrido de Vai Que Cola .............................................. 157

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ....................................................................................... 16

1 O PROGRAMA VAI QUE COLA ......................................................... 23

1.1 Conectando a teatralidade na TV .................................................. 28

1.1.1 Teatralidade ......................................................................... 28

1.1.2 Estilo televisivo ..................................................................... 34

2 VAI QUE COLA COMO UMA SITCOM ............................................... 39

2.1 Elementos teatrais como preenchimento do estilo televisivo de

Vai Que Cola ................................................................................. 41

2.1.1 Vai Que Cola ........................................................................ 44

2.1.2 Sai de Baixo ......................................................................... 55

2.1.3 Uma breve comparação ....................................................... 62

2.1.3.1 Palco ........................................................................ 66

2.1.3.2 Plateia....................................................................... 67

2.1.3.3 Claque ...................................................................... 71

2.2 Sitcom: o estilo televisivo de Vai Que Cola ................................... 72

2.2.1 Episódio unitário ................................................................... 73

2.2.2 O direcionamento da visão do telespectador: Three-headed

Monster camera, multipe-camera e single-camera ............... 74

2.2.2.1 Single-camera .......................................................... 80

3 ESTILO TELEVISIVO DA SITCOM TRADICIONAL ............................ 91

3.1 Um pouquinho além do elemento teatral no palco VQC: o

início de um hibridismo ................................................................. 92

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3.1.2 Palco ou caixa cênica de Vai Que Cola ............................... 96

3.1.3 Fragmentação do espaço: o palco giratório de

Vai Que Cola ....................................................................... 101

4 ESTILO TELEVISIVO DA SITCOM NÃO TRADICIONAL ................... 102

4.1 Rastros da single-camera em Vai Que Cola: a câmera

sobre o palco ................................................................................. 103

4.2 Ponto mais híbrido de Vai Que Cola: a câmera, o palco giratório,

a plateia e o movimento do conjunto ............................................. 109

5 TEATRALIDADE E TV: A HIBRIDIZAÇÃO DAS ESPECIFICIDADES.113

5.1 Gag em Vai Que Cola ................................................................... 114

5.1.1 Burlesco e Gag ..................................................................... 118

5.1.2 Como tudo pode ser tão certinho nessa TV? ....................... 132

5.2 Ao vivo e o telespectador em Vai Que Cola .................................. 134

5.2.1 A quarta parede .................................................................... 136

5.2.2 Quebra da quarta parede ..................................................... 137

5.2.3 Exposição dos bastidores ..................................................... 139

5.2.4 Técnica do real ..................................................................... 142

5.2.5 Teatro como técnica do real ................................................. 144

5.2.6 O espelho ............................................................................. 147

5.2.7 O telespectador ativo ............................................................ 149

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................... 155

GLOSSÁRIO .......................................................................................... 160

REFERÊNCIAS ...................................................................................... 165

REFERÊNCIAS AUDIOVISUAIS ........................................................... 170

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RESUMO

O trabalho que se segue é o resultado de uma pesquisa que teve como escopo o seguinte problema: como o hibridismo entre teatralidade e televisão contribui para o estilo televisivo da sitcom Vai Que Cola? Para responder a essa pergunta, foi proposta uma metodologia de comparação de análise estilística de alguns trechos de três episódios do referido programa com as sitcoms brasileiras precursoras Sai de Baixo e Família Trapo, e a sitcom americana Scrubs. Apoiou-se no arcabouço teórico de Brett Mills para identificar as características das sitcoms tradicionais e não tradicionais. Jeremy G. Butler contribuiu com o conceito de estilo televisivo, de multiple-camera e single-camera. A partir deles, definiu-se o estilo televisivo de sitcom como a matriz principal de Vai Que Cola. Partindo de tal formulação, foi proposto que Vai Que Cola tem dois alicerces básicos para essa estruturação: a teatralidade e os estilos de câmeras. É nesse ponto que foi possível perceber que o programa é estruturado no modelo tradicional de sitcom que utiliza desde seu início a teatralidade e a multiple-camera em seu formato. Na sitcom não tradicional foi possível identificar uma estratégia pontual: a simulação de uma single-camera ainda em meio ao estilo tradicional do multiple-camera. Com o apoio de depoimentos da equipe do programa, percebeu-se que essas três características somadas à simulação do formato ao vivo são estrategicamente utilizadas para aproximar o telespectador da sitcom. O conceito da técnica do real sobre a transmissão direta (ao vivo) de Mario Carlón foi importante para compreender como o hibridismo entre a teatralidade e os modelos de câmera edificam o estilo televisivo de Vai Que Cola.

Palavras-Chave: análise audiovisual, sitcom, Vai Que Cola, teatralidade, estilo

televisivo, hibridismo.

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ABSTRACT

The work that follows is the result of a research that had as scope the following problem: how hybridity between theatricality and television contributes to the TV-style sitcom Vai Que Cola? To answer this question, it proposed a stylistic analysis of comparison methods of some parts from three episodes of the program with the precursor Brazilian sitcoms Sai de Baixo and Família Trapo, and the american sitcom Scrubs. Supported on the theoretical framework of Brett Mills to identify the characteristics of traditional and non-traditional sitcoms. Jeremy G. Butler contributed the concept of television style of multiple-camera and single-camera. From them, it defined the television sitcom style as the main matrix Vai Que Cola. Starting from such a formulation, it was proposed that Vai Que Cola has two basic foundations for this structure: the theatricality and cameras styles. It is at this point that it was possible to see that the program is structured in the traditional model of sitcom that uses since its inception theatricality and multiple-camera in its format. In non-traditional sitcom it was possible to identify a specific strategy: the simulation of a single-camera still in the midst of the traditional style of multiple-camera. With the support of program staff interviews, it was noticed that these three features added to the simulation of the live format are strategically used to approach the viewer's sitcom. The concept of the actual technique of the direct broadcast (live) Mario Carlón was important to understand how hybridity between theatricality and camera models edify the television style Vai Que Cola.

Keywords: audiovisual analysis, sitcom, Vai Que Cola, theatricality, television style, hybridity.

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INTRODUÇÃO

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As sitcoms brasileiras vêm ampliando seu espaço no mercado televisivo

nacional. O crescimento aconteceu

12.584/11. Essa lei estabelece cotas que determinam um

produtos audiovisuais brasileiros a serem exibidos nos canais pagos durante o

nobre1. Uma vez regulado desse modo, o mercado não só impulsiona

incentivar o desenvolvimento de novos

formatos de produtos audiovisuais.

Dentro do espectro do mercado audiovisual brasileiro de TV por

assinatura, o Multishow, canal de televisão da operadora Globosat, tem se

especializado no formato sitcom em horário nobre. Ao observar o ano de 2015, é

possível perceber que quatro programas dividiram alternadamente o espaço na TV

entre segunda-feira e sexta-feira às 22h30. São eles: Vai Que Cola (2013-2015),

Trair E Coçar É Só Começar (2014-2015), Segura na Peruca (2015) e

#PARTIUSHOPPING (2015). Todos trazem duas características comuns: além de

serem gravados em um palco de formato teatral com plateia, os quatro absorvem a

participação do público, que está sempre presente na gravação.

O precursor desse formato da sitcom brasileira foi Família Trapo (TV

Record, 1967-1971). Dos anos 1950 ao início da década seguinte, a falta de

videotape já havia acarretado a exigência da transmissão ao vivo do teleteatro. A

referida série, contudo, surgiu como resultado de outro fato: um incêndio no teatro

da TV Record. Ele impulsionou a criação de Família Trapo para cobrir programas

pré-g q q . M T g : “Por que não

uma sitcom ?”. S g “Ag

aproveitar o teatro [que não havia sido queimado] e ao mesmo tempo economizar na

” (YES; BOTTINI; CHAHESTIAN, 2003, p.111). Inspirados na comédia

sobre uma família enlouquecida, retratada na série norte-americana Trapp Family,

1 De acordo a Instrução Normativa 100, publicada dia 04 de junho de 2012, que regulamenta a lei

12.485/11, horário nobre tem duas classificações: a) o horário nobre nos canais voltados para adultos (6 horas diárias, das 18h às 24h); b) nos canais voltados para crianças e adolescentes (7 horas diárias, das 11h às 14h e das 17h às 21h). O horário nobre utilizado nesta dissertação é o voltado para o público adulto, localizado no item (a): das 18h às 24h.

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Carlos Alberto da Nóbrega e Jô Soares desenvolveram-na às pressas. A sitcom

gravada no teatro Record tinha seu elenco composto por Jô Soares, Ronald Golias,

Renata Fronzi, Otello Zeloni, Ricardo Corte Real e Cidinha Campos (YES; BOTTINI;

CHAHESTIAN, 2003).

Algumas décadas depois, mais precisamente em 1996, a Rede Globo de

Televisão colocou no ar o Sai de Baixo (1996-2002), que não foi produzido em um

contexto de restrição tecnológica, como haviam sido o programa Família Trapo e os

primeiros teleteatros. Sai de Baixo foi uma sitcom de grande sucesso, tendo,

inclusive, episódios especiais produzidos pelo canal de televisão a cabo Viva, em

dezembro de 2014, que foram reprisados na Rede Globo. Mantendo a mesma

estrutura de palco e plateia de Família Trapo, a sitcom global foi gravada no teatro

Procópio Ferreira em São Paulo.

Já em 2013, o canal Multishow introduziu sua primeira sitcom estruturada

sobre o palco e a plateia: Vai Que Cola. Esta foi apenas a primeira das outras três

sitcoms supracitadas produzidas pelo canal. De todas as sitcoms apontadas até

agora, Vai Que Cola é especial. Ela apresenta um palco giratório que é enquadrado

por uma câmera um pouco mais ousada. O conjunto - palco giratório e câmera sobre

o palco (no estilo single-camera) - nunca haviam sido utilizados nas sitcoms

brasileiras. Nesta ousadia, é possível identificar o traço de um estilo televisivo, que

no caso específico de Vai Que Cola aparece como bastante singular em alguns

momentos e, mesmo assim, tem repercussão positiva em meio ao público.2 É a

singularidade composta pela mistura desses dois elementos que fez com que a

sitcom Vai Que Cola fosse eleita como objeto de estudo desta pesquisa.

Frente a esse objeto, a primeira pergunta que se coloca nesta

investigação é a seguinte: qual é a especificidade do estilo televisivo de Vai que

Cola?

O conceito de estilo televisivo utilizado neste estudo será o mesmo

utilizado por Jeremy G. Butler em Televisual Style (2010). Dessa forma, estilo

2 Não estamos fazendo uma pesquisa de recepção.

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televisivo é o uso sistemático e significativo de técnicas da mídia televisiva em um

programa de televisão. Entre estas técnicas estão: “mise-en-scène (encenação,

iluminação, ) q f ”

(BORDWELL, 2013, p. 17) especificamente mediadas pela televisão. Considera-se,

portanto, estilo televisivo como “ x g ” g

assim como Bordwell (2013) propôs ao estilo cinematográfico.

Vai Que Cola traz na composição estilística o formato de uma sitcom. A

palavra sitcom é a abreviação de situation comedy, comédia de situação, em

português. Este tipo de comédia tornou-se popular no rádio inicialmente, e por volta

da década de 1950 essa popularidade alcançou a televisão.

O palco teatral aparece como parte intrínseca da história da formação da

estrutura da sitcom. Brett Mills (2009, p. 14) apresenta a sitcom como um híbrido

teatral. As características teatrais estão presentes desde o nascimento do formato,

quando o vaudeville deu origem à sitcom americana e o music hall à sitcom britânica

(MILLS, 2009, p. 35).

A sitcom pode ser dividida em dois tipos: tradicional e não tradicional. Vai

Que Cola traz características de ambos os formatos, misturando os dois em muitos

momentos. Da sitcom tradicional, estão presentes os elementos que aparecem

sobre o palco, a plateia e seus entornos. A sitcom do Multishow estrutura seu

enquadramento sobre a multiple-camera: várias câmeras captam cenas de

diferentes posições em frente ao palco, e isso se dá simultaneamente. Elas são

editadas live-on-tape, na medida em que são captadas. Já da sitcom não tradicional,

um dos elementos que podemos destacar é a simulação de uma single-camera, que

é estrategicamente reproduzido em Vai Que Cola. A sitcom não tradicional utiliza

uma única câmera para gravar um episódio. A chamada single-camera permite

enquadramentos mais ousados que a multiple-camera. A primeira enquadra ângulos

captados de dentro do cenário e detalhes que a segunda não alcança, por exemplo.

No caso do programa brasileiro, a direção ousa deslocar uma das câmeras para

dentro do cenário, enquadrando a plateia de frente e, de costas, os elementos sobre

o palco. Esse plano oferece ao telespectador um efeito de single-camera, que,

estrategicamente, coexiste e atua com todas as outras câmeras, num tipo novo de

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multiple-camera. O que há de novo em Vai Que Cola é o formato do diálogo entre os

dois estilos de câmeras.

Alguns elementos teatrais presentes sobre o palco, sobre a plateia, e

localizados ao redor deste espaço de Vai Que Cola são: palco, plateia, ator, ribalta,

proscênio, canhões de luz, luz direcional, cenário, objetos de cena, equipe, batente

sobre o palco.

Não há aqui a afirmação de que existe teatro como instituição em Vai Que

Cola. O programa é, antes de tudo, uma sitcom que se passa na televisão. Apesar

de os elementos teatrais apontados serem também encontrados em uma peça de

teatro tradicional de palco italiano, a captação da câmera televisiva altera

completamente o resultado da observação feita pelo telespectador em relação ao

espectador de teatro. Ao serem enquadrados, estes elementos teatrais são

ampliados para além do teatro de palco italiano. Eles atuam como um campo

expandido na televisão (DIÉGUEZ, 2014, p. 129)

Para Sarrazac (2013, p. 60), os elementos teatrais não se restringem

apenas ao teatro especificamente:

O jogo estético desloca-se: não se trata mais de colocar em cena o real, mas de colocar em presença, confrontar os elementos autônomos – ou signos, ou hieróglifos – que constituem a realidade específica do teatro. Elementos discretos, separados, insolúveis, que remetem apenas ao enigma de sua aparição e seu agenciamento3. (SARRAZAC, 2013, p. 60, grifo do autor)

No âmbito desta dissertação, considera-se, assim como Sarrazac, que

não é suficiente utilizar apenas a reprodução do real ao se analisar um jogo estético.

Isso se aplica à análise de Vai Que Cola. Não é possível estudar o estilo televisivo

da sitcom apenas como imitação da realidade, como aquilo que submete o

espectador a uma ilusão. Temos que ampliá-lo ao Estar aí do teatro, à sensação de

3 O conceito de real utilizado por Sarrazac é diferente do conceito de real utilizado por Mario Cárlon,

que é apontado no último capítulo desta dissertação. O conceito de Cárlon é o real que acontece nesse exato momento, no presente, que é transmitido diretamente ao espectador, ao vivo. Sarrazac se refere à reprodução de um real, à imitação da realidade, que submete o espectador a uma ilusão.

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presença, à noção de evento cênico: “um evento cênico deveria ser pura

presentação, pura presentificação ” (SARRAZAC, 2013, p. 64, grifo do

autor).

E f z “ ” (DIÉGUEZ,

2014, p. 129) serão chamados aqui de teatralidade. Após essa definição, surgem

questionamentos: a) Quando a teatralidade atua como campo expandido na

televisão, ela pode produzir uma possível sensação de presença no telespectador

de Vai Que Cola?; b) A simulação do ao vivo que permite a exposição dos

bastidores e da equipe da sitcom é a maior aliada a uma possível sensação de

presença no telespectador de Vai Que Cola? O último capítulo desta dissertação

pretende aprofundar este tópico.

A presente pesquisa nasceu dessa inquietude perante o sucesso do estilo

televisivo da sitcom Vai Que Cola, explorando cada vez mais o uso da teatralidade e

das câmeras das sitcoms tradicionais e não tradicionais. Pretende-se aqui

empreender uma pesquisa qualitativa, por meio da metodologia de estudo de caso e

do instrumental metodológico da análise audiovisual. A questão que norteia esta

pesquisa é a seguinte: como o hibridismo entre a teatralidade e a televisão

contribuíram para o estilo televisivo de Vai Que Cola? A partir desta questão, tentar-

se-á alcançar o objetivo de buscar a contribuição do hibridismo entre teatralidade e

câmeras televisivas no estilo da sitcom Vai Que Cola. As duas primeiras temporadas

do programa fazem parte do corpus desta pesquisa. A terceira temporada ainda está

sendo produzida enquanto fechamos o texto desta dissertação. Juntamente com as

principais bibliografias supracitadas, entrevistas realizadas por nós, especificamente

para esta pesquisa, com os diretores César Rodrigues e João Fonseca; com o

roteirista Leandro Soares; com o produtor de plateia Cleidson Gonçalves; e com o

cameraman Júlio Mirancos contribuem para o diálogo entre a práxis da sitcom Vai

Que Cola e a academia. Nesse contexto, pretende-se corroborar a hipótese de que

a teatralidade e o enquadramento das câmeras fazem parte da estruturação híbrida

da sitcom brasileira, em especial, de Vai Que Cola. Dessa forma, fazemos um breve

registro da nossa própria produção audiovisual brasileira.

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Na intenção de manter a leitura mais dinâmica e fluida, um glossário foi

realizado e colocado ao fim desta dissertação.

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1 O PROGRAMA VAI QUE COLA

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Vai Que Cola sitcom brasileira, produzida e gravada no Rio de

Janeiro, transmitida em horário nobre, às 22h30, pelo canal de TV a cabo Multishow.

A primeira temporada gravada semanalmente no HSBC Arena na Barra da Tijuca foi

exibida do dia 8 de julho até 30 de agosto de 2013. A segunda temporada estreou

no dia 1º de setembro de 2014 e permaneceu até 24 de outubro de 2014, com

episódios gravados ainda no HSBC Arena. A terceira temporada foi gravada no

Riocentro, também na Barra da Tijuca. Ela teve sua veiculação inédita do dia 19 de

outubro até 14 de dezembro de 2015.

Cada temporada trouxe 40 episódios, exceto a última, que veiculou um

episódio a mais de pré-estreia. Em dezembro de 2015, o programa completou o seu

121º episódio. Apenas um deles foi transmitido ao vivo: o primeiro episódio da

g “J ” (2014). Todos os outros foram gravados e

editados. A quarta temporada já foi confirmada.

Os episódios foram esporadicamente reprisados. De acordo com matéria

publicada no site do Multishow, o programa configura a atração de maior audiência

da TV paga desde 2003. Para ter uma ideia, os primeiros 20 episódios reuniram 11

milhões de espectadores.4

A sitcom introduziu no canal uma leva de vários outros programas

posteriores que, assumidamente, gravam com o cenário sobre o palco em formato

teatral ou em um teatro tradicional. Em depoimento exclusivo para esta pesquisa, o

criador da sitcom Leandro Soares5 afirma que o diretor artístico do canal, Christian

Machado, traz grande referência teatral em sua bagagem profissional, o que

influencia na formação de uma grade de programas cômicos neste formato. Leandro

Soares atribuiu ao seu chefe a solicitação do palco giratório. Devido à relação

4 Dados retirados da matéria: Paulo Gustavo fala sobre relação com diretores de ‘Vai Que Cola’.

Disponível em: <http://multishow.globo.com/diario-de-gravacao/platb/2013/06/19/paulo-gustavo-fala-sobre-relacao-com-diretores-de-vai-que-cola/>. Acesso em: 5 dez. 2013.

5 Entrevista concedida a Autora. Brasil: RJ, Riocentro. 4 jun. 2015. Todos os depoimentos de

Soares nesta pesquisa foram retirados da entrevista no Riocentro.

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estreita com o teatro, mesmo sendo diretor de um canal de televisão, sempre que

possível Machado relaciona a TV com o teatro.

Assim que Soares recebeu o briefing inicial de um programa de humor

muito popular, voltado para toda a família, que fosse diário e que tivesse o formato

de uma plateia e palco giratório, ele buscou a criatividade na área acadêmica. Foi na

disciplina Teoria do Teatro, na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro,

que Soares encontrou recursos para criar um programa que ainda não se chamava

Vai Que Cola:

Eu fui pensar o que era muito popular e uma das minhas linhas de estudo na Universidade é commédia dell’arte: o fenômeno teatral que eu mais gosto e o mais duradouro da história do teatro. Nela você consegue enxergar 200 anos de duração.

Além da referência acadêmica, Soares declara que também buscou

seguir sua intuição. Segundo ele, teve influência dos desenhos animados e do seu

programa de infância Chaves (Televisa, 1971-1992):

Outra referência para o Vai Que Cola [...] é o Chaves, porque o Chaves é uma companhia diária, as pessoas veem Chaves todos os dias. Por mais que o programa tenha um formato que pareça o Sai de Baixo, Toma Lá Dá Cá, Família Trapo, ele tem uma diferença crucial: ele é diário, enquanto os outros eram uma vez por semana. Chaves era uma companhia que você não se cansava e era sempre a mesma coisa: o Chaves chutava a bola quando o Seu Barriga entrava na vila, sempre a Chiquinha chorava e brigava com o Kiko. As relações se repetiam e nem por isso o telespectador se cansava. Ao contrário, elas eram atrativas e confortáveis. Até hoje, a gente vê o Chaves doido para bola cair no Seu Barriga f z “ ...”. Então, eu vi que o Vai Que Cola tinha que ter isso. Aliás, ele nem tinha nome ainda. Ele tinha que ter isso, esse conforto com o público. E ê f : “ f g q sinto confortável vendo. É gostoso de ver, não é chato, não é ”.

Segundo o autor, o ”sotaque cômico”6 vigente é o de Niterói. Este sotaque

tem uma levada específica que é uma cabecinha que balança, uma repetição, uma

6 “S q ô ” z de forma ampla e figurada. Refere-se, aqui, ao estilo

cômico utilizado na representação de comediantes inspiradas em costumes de pessoas da região especificamente em Niterói - RJ (Brasil).

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sujeira no texto no qual as frases não se completam, tudo isso aliado a um certo

exagero. O ator Paulo Gustavo é o maior representante dessa comédia, para o

autor.

Não é que este sotaque seja do Paulo, ele é de uma galera. Mas o Paulo consolida ele muito bem. Ele tem um ouvido melhor, ele reúne e faz uns tons que são de senhoras, da tia dele que é de Niterói. Ele faz um tom de garotão. Tem uma reunião de tons, uma reunião de sotaque que é muito rico. E tem uma grosseria, quando diz coisas g ê f : “V f daquela ” “A q !”.

Soares ainda completa que a sitcom tem um mix de vários outros estilos

de comediantes somados ao talento de Paulo Gustavo, que contribuem

j ô g : “Vai Que Cola usa

todos os elementos que existem na história do humor brasileiro há duzentos séculos

do mesmo jeito de sempre, mas articulado de um jeito que é nosso [equipe Vai Que

Cola] g ”. E farsa e a chanchada brasileira7.

O enredo cômico é montado sobre a cultura carioca. O cenário M ,

subúrbio J Jô. Com seus

personagens fixos, a cada episódio um novo conflito é apresentado e solucionado.

Os primeiros episódios narraram as trapaças do protagonista Valdomiro Lacerda -

Valdo -, interpretado pelo ator Paulo Gustavo. Ele é um fugitivo da polícia que vai

parar na pensão da Dona Jô, vivida por Catharina Abdala. Além deles, compõem as

histórias: j f - M , interpretado por Emi ;

f Jô J S S z;

S q J

M ; o concierge M M j g o que

se acha sofisticado; a bela gringa, Velma, papel de Fiorella Mattheis; Terezinha,

viúva fogosa e atirada do bicheiro Tiziu do Salgueiro, vivida por Cacau Protásio; e o

7 O desenvolvimento de uma teoria da comicidade foge ao escopo desta pesquisa, cujo foco é a

análise técnica do estilo televisivo da sitcom. A esse respeito, ver PROPP (1992) e BERGSON (2004).

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apaixonado pela dona da pensão, o misterioso Wilson, interpretado por Fernando

Caruso.

Marcada por participações de celebridades, cantores e personalidades da

grande mídia, as primeiras temporadas contaram com Ivete Sangalo, Anita, Valesca

Popozuda, Naldo Benny, Sérgio Mallandro, entre outros. A maioria dos episódios foi

finalizada com a estrutura de um musical e o cumprimento teatral com os atores

agradecendo ao público, encerrada com uma self enquadrando os atores e a plateia.

Como apontado na introdução da dissertação, o palco giratório de Vai

Que Cola instiga a presente pesquisa devido à complexidade proporcionada pela

encenação criada por meio do movimento do palco, que, de certo modo, parece

estar contracenando com os atores. A criatividade oferece ao telespectador imagens

híbridas entre elementos teatrais e televisuais. A estrutura circular que gira sobre

seu próprio eixo na forma de palco teatral compunha vários cenários. A sala da

pensão com sua cozinha americana, o portão dos fundos, o banheiro, e os quartos

dos personagens Valdo, D. Jô, Jéssica, Ferdinando, Seu Wilson, e de Terezinha e

Velna edificam a superfície cenográfica com circunferência de 360º. Não são

montados todos os quartos em um mesmo episódio, o enredo diário é que define a

demanda dos quartos a serem ou não montados.

Na segunda temporada, ao palco giratório foi adicionada uma laje com

uma piscina de plástico, uma churrasqueira e uma mesa. Além disso, foram

acrescentados três personagens fixos. Um deles é o personagem Sanderson. Criado

e interpretado por Marcelo Médici na peça teatral Cada dois com seus pobrema, na

sitcom, ele se encaixou como sobrinho de D. Jô. A segunda personagem é a taxista

Eloísa, interpretada pela comediante Tatá Werneck. A terceira é a homossexual

Jaqueline, vivida por Júlia Rabello. Essa temporada também contou com a

participação da personagem Marli, vizinha muambeira da pensão, que foi

interpretada por Flávia Reis. Mas ela esteve apenas em alguns episódios.

Já na terceira temporada, Fernando Caruso e Paulo Gustavo subiram

menos ao palco para dividirem a autoria dos episódios. Nessa temporada, a falta de

dinheiro não é o foco principal do enredo: o pessoal da pensão ganhou na loteria.

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Todo o cenário foi redecorado e uma borracharia foi criada para o sobrinho de Dona

Jô. Essa temporada não compõe o corpus da dissertação.

Em todas as temporadas, o palco teatral giratório e a plateia presente na

gravação do programa tiveram papel fundamental. Estes elementos só são

disponibilizados na tela da televisão na casa do telespectador ou em qualquer outra

tela (celular, tablet e computador, por exemplo) porque são mediados pela câmera

televisiva. O diretor responsável por direcionar o formato dessa mediação é César

Rodrigues. E o diretor parceiro de Rodrigues, que auxilia na criação dos elementos

teatrais enquadrados na imagem televisiva a serem enviados pela câmera, é o

diretor de teatro e musicais João Fonseca.

1.1 Conectando a teatralidade na TV: o Vai Que Cola

1.1.1 Teatralidade

O estilo televisivo de Vai Que Cola utiliza elementos teatrais para compor

o seu formato. Ou seja, as câmeras televisivas enquadram esses elementos teatrais

e os enviam à casa do telespectador da sitcom. Esta configuração impõe

necessariamente à investigação uma pergunta, a saber: poderíamos afirmar,

portanto, que Vai Que Cola é um teatro gravado? Segundo Patrice Pavis (2007,

p.372), theatron, vocábulo que é a origem grega da palavra teatro, revela uma

propriedade fundamental desta arte: “é o local de onde o público olha uma ação que

lhe é apresentada num outro lugar”. De fato, “é um ponto de vista sobre um

acontecimento, um olhar, um campo de visão e raios ópticos que o constituem”

(PAVIS, 2007, p. 372). Esta definição pressupõe a possibilidade de um

deslocamento da relação entre o olhar e o objeto olhado. O “

v ” q campo de visão

amplo. Os olhos do público se movimentam, percorrendo os elementos dispostos em

cena. O espectador pode escolher para onde voltar seu olhar.

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Na televisão, o espectador é telespectador. A câmera restringe o ponto de

vista do telespectador a partir do momento em que o diretor limita a escolha de

quem vê em casa a partir da determinação daquilo que será ou não enquadrado. Se

considerarmos o número de planos e a dinamicidade da edição desse produto

televisivo, parece difícil confirmar positivamente o questionamento sobre se Vai Que

Cola é um teatro gravado, pois o ato narrativo de Vai Que Cola não existe sem as

câmeras de televisão. O diretor responsável pela estratégia televisiva do programa,

César Rodrigues, faz uso de várias câmeras mediadoras que enquadram

exatamente o que o ele quer que o telespectador veja. Ou seja, o diretor sempre

fornece um ponto de vista limitado do palco, da plateia, dos atores e mesmo dos

bastidores do programa ao observador da imagem televisiva. Rodrigues explica que

o seu esforço, como diretor, é para fazer televisão, e não teatro:

Televisão é um produto que a gente manipula mesmo ao vivo. Eu não manipulo a sensação que você está vendo, eu não manipulo o humor que você está vendo, mas eu manipulo para aquele produto ficar com ritmo ágil, gostoso e ficar televisivo. Por isso que o teatro não dá certo para televisão, porque ele tem o tempo dele, e o tempo do teatro é aquilo que você está vivenciando ali, só você sabe. Então, aquilo que leva mais tempo não é enfadonho. Na televisão, se eu deixar o tempo teatral, ele é chato. A televisão é ágil, ela necessita do plano e do contra-plano, do corte, da escuta. No teatro, você elege o seu foco, mesmo que o foco da cena seja outro elemento. Na televisão, não, eu preciso dar para o espectador os vários olhares daquela cena que está lá dentro. Então, é a hora que eu corto, eu edito e, assim, eu agilizo as informações com a televisão. Assim, você entende mais rápido aquilo que eu quero dizer, aquilo que eu quero fazer você entender. Então, isso [Vai Que Cola] é televisão. É fundamental que você organize o que você quer que seu espectador veja. No teatro, você vê através do seu olhar, “ â ” q . N não, eu como diretor tenho que fazer isso, tenho que eleger. Eu não consigo fazer com que você veja tudo. Ou vou ter que fazer isso em plano aberto, que é o que você vê quando alguém grava uma cena de teatro. Então, eu acho que isso tudo é determinante, fundamental.

Contudo, é possível dizer que há elementos teatrais na imagem televisiva

do programa, em sua narrativa. Em seu fundamento, os elementos teatrais retratam

dois conjuntos de itens principais: o palco e a plateia. A princípio, seria possível dizer

que o enquadramento de ambos fornece uma fragmentação da imagem televisiva no

seguinte sentido: de um lado, tem-se o palco com seu cenário, atores e adereços; de

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outro, tem-se a plateia com suas respectivas reações. Mas observando melhor,

percebe-se também que essa fragmentação produz apenas uma ilusão para o

telespectador, pois para quem assiste de casa, o palco e a plateia interagem

permanentemente formando um conjunto com as estratégias televisivas. Ambos se

aglutinam em um único espetáculo: o produto Vai Que Cola. Na verdade, o que

acontece aqui é que essas duas percepções, do fragmentado e do aglutinado,

coexistem no mesmo formato, no mesmo produto. Isto porque o processo de

produção durante a gravação e o produto final da sitcom possibilitam dois públicos

distintos, o que propicia dois pontos de vista diferentes.

O primeiro é o ponto de vista da plateia presente na gravação da sitcom

que interage com os atores. Ele goza de certa autonomia se comparado ao do

telespectador, no sentido de que cada pessoa da plateia está presente no local e é

livre para passear seu olhar por tudo o que compõe o cenário, observar as ações

dos mais diversos ângulos. Porém, a plateia da sitcom não é tão autônoma quanto a

de um espectador teatral presente em um teatro tradicional. Como já foi dito, o

diretor faz suas escolhas de enquadramento, conteúdo e formato do programa.

Neste enquadramento, o diretor de Vai Que Cola coloca em cena a plateia, ele a

torna parte do produto televisivo. Isso significa que a plateia aqui é um elemento que

integra a edição. Trata-se de uma plateia cujas características são previamente

definidas. É o diretor que diz quantas pessoas a compõem, em quantos quadros ela

vai aparecer, como ela vai aparecer dentro das possibilidades captadas na

gravação. Além disso, ela ainda é mobilizada por ele em busca de reações, risos ou

palmas, por exemplo, que serão aproveitadas na edição. Ou seja, nesse sentido, a

plateia é conscientemente direcionada e utilizada para produzir o efeito necessário

ao tom da comédia contada. Esta é uma das ações do diretor, é um de seus pontos

de vista do que prevalece ao telespectador, diferentemente daquele sentado na

plateia do estúdio de gravação. Como o objetivo da nossa análise é o produto final

na TV, o ponto de vista da plateia presente nas gravações não entrará como

elemento de análise no presente estudo.

O segundo ponto de vista é o do telespectador que está em casa. Ele

observa o conjunto palco e plateia, que deixa de ser efetivamente fragmentado, que

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aparece já transformado em um único espetáculo. É possível dizer que uma

teatralidade é colhida pelas câmeras da televisão, capturando enquadramentos que

o telespectador verá registrado e editado na sua tela. A essa captura do teatro pela

TV denominaremos de estilo televisivo. O conceito de teatralidade será abordado

adiante, assim como o de estilo televisivo. Por agora é preciso atentar para o fato de

que, desde então, um jogo híbrido é formado no quadro televisivo, o que faz com

que se tenha uma teatralidade inserida no estilo de Vai que Cola (composto pelo

espetáculo que é editado no mesmo momento da gravação pelo diretor – live-on-

tape).

A teatralidade e o estilo televisivo serão resgatados sempre a partir da

imagem oferecida ao ponto de vista do telespectador, e não daquela vinda do palco

e dos bastidores teatrais sob o olhar da plateia presente à gravação nos estúdios. O

debate sobre teatralidade é inconclusivo e seu conceito não apresenta unanimidade,

mas algumas teorias são válidas para este trabalho, motivo pelo qual convém

apresentá-las.

Davis e Postlewait (2003, p.2) afirmam em Teatricality que o uso do termo

é condicionado ao contexto geográfico e histórico. Por isso, torna-se impossível a

sua definição absoluta. A imprecisão se deve ao fato de que alguns dos mais

urgentes temas da nossa era envolvem essa ideia expandida, dizem os autores.

Entre eles estão: aspectos da natureza do espetáculo, a história dos estilos

estéticos, os meios e modos de representação, o poder comunicativo da arte e do

artista, a formação da subjetividade, e a própria operação da vida pública - da

política à vida social - (DAVIS & POSTLEWAIT, 2003, p. 2).

Nos anos 80 e 90, os conceitos sobre teatralidade apagaram qualquer

ideia de reprodução ou de repetição do real. Elas ligaram-se a um evento cênico que

deveria ser pura presentação, pura presentificação do teatro. Fato que interessa

mais para esta dissertação. Segundo Sarrazac (2013, p. 64, grifo do autor), hoje,

“ q Estar-aí do

” q j g ua significação. Em

suas palavras:

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Do vazio da cena – e no fundo pouco importa que seja ostensivo (palco nu) ou discreto (dispositivo realista ou mesmo naturalista) – surge o corpo do ator e qualquer outra partícula de teatro – figurino, elemento de cenário, iluminação, música etc. A partir do momento em que o palco não pretende mais ser contíguo e comunicante com o real, o teatro não é mais colonizado pela vida. O jogo estético desloca-se: não se trata mais de colocar em cena o real, mas de colocar em presença, confrontar os elementos autônomos (...) que constituem a realidade específica do teatro. Elementos discretos, separados, insolúveis, que remetem apenas ao enigma de sua aparição e seu agenciamento. (SARRAZAC, 2013, p. 60, grifo do autor)

O conceito de presença aplicado no teatro conforme a opinião de

Sarrazac tem papel fundamental na sitcom, como veremos após observar a

definição de Ismail Xavier. Para ele, a f “ f

que investe o espaço ao seu redor daquilo que sua ação, feita para ostentar seu

próprio processo, se impõe como uma cena para o olhar dos espectadores em sua

” (XAVIER, 2014, p. 232), e para isso não importa onde esteja. Porém, há outro

fator que provoca a teatralidade. Este fator é o próprio espaço: numa sala de

espetáculo, numa galeria ou em um espaço aberto na rua. O espaço acompanha

uma promessa de ação teatral e, segundo Sarrazac, essa promessa acontece no

espaço cênico antes mesmo do ator entrar em cena:

O teatro, em sentido mais específico, seria uma das manifestações da teatralidade, esta que se estabelece a partir de uma ação intencional de atores que se movem em, ou criam um espaço cênico para gerar uma dualidade explícita que o espectador deve perceber entre o real–aqui–agora e o mundo a que a cena remete (ficção), dentro do princípio de que o ator está nesses dois mundos ao mesmo tempo. Há o movimento duplo do estar aqui-agora diante da plateia e estar em outro tempo e lugar, ou seja, no espaço-tempo diegético instaurado pela parte de sua percepção do espetáculo teatral. (XAVIER, 2014, p. 233)

Desde sua idealização, o canal Multishow pensou em estratégias para

aproximar o público de casa ou de multitelas da sua narrativa. O planejamento

desde o briefing inicial do canal Multishow visava produzir a sensação de que o

telespectador estivesse presente na gravação, diz Soares. Por isso, segundo ele, o

palco e a plateia foram os primeiros elementos teatrais exigidos pelo canal. Dessa

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forma, a dualidade posta ao espectador teatral poderia ser colocada à disposição do

telespectador. O “real-aqui-agora” da plateia e o “mundo a que a cena remete”

(XAVIER, 2014, p. 233) possibilitou à sitcom uma tentativa de colocar o

telespectador em contato com o Estar-aí do teatro.

No caso, colocar o espectador em presença pode não ser exclusivo do

teatro como instituição, ele pode ser ampliado como um campo expandido para a

televisão. A teatralidade em Vai Que Cola pode ser vista como um espaço

expandido.

Para a pesquisadora Ileana Diéguez (2014, p. 128), da Universidade

Autônoma Metropolitana de Cuajimalpa no México, a teatralidade tornou-se uma das

características mais relevantes da arte contemporânea. Para ela, um espaço cênico

q “ ”. C

x “ ” õ x ivas de instalações

plásticas, cenas e narrativas visuais prévias à instantânea fotográfica. Completa

dizendo ainda que, no século XX, as artes experimentaram cada vez mais

hibridações e impurezas, e q q “ ”

realidade é o reconhecimento da teatralidade como um campo expandido.

A prática da ação in situ (site specific) implicou o desenvolvimento cênico de uma arte que já não queria ser vista na caixa branca das galarias e museus, nem em seu contrário, nas caixas pretas do teatro. As transformações e expansões do performático, do teatral e do cênico não têm ocorrido somente por conta das contaminações e disseminações interdisciplinares das artes, senão insistentemente pelas demandas e contaminações que os acontecimentos da vida propõem à arte, pela urgência com que nos interpelam as cenas e teatralidades das polis. Dessa forma, a teatralidade como campo expandido não só nos exige reconhecer as outras cenas e o outro teatro que emerge nos intrínsecos artísticos, mas também nos intima a reconhecer a teatralidade que habita na vida e nas representações sociais, tal como o fizeram Artaud e Evreinov. A teatralidade como campo expandido para além das artes. (DIÉGUEZ, 2014, p. 129, grifo da autora)

É nesse espaço de encenação e expectativas imersas em um hibridismo

de estratégias de linguagens e formatos que se encontra Vai Que Cola. Mais que um

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“ ”, a sitcom expande o campo teatral da caixa preta8 para além dos

palcos e leva a teatralidade à televisão. Assim como alguns outros programas

nacionais já citados na introdução, essa teatralidade presente nos programas

televisivos brasileiros é consequência da “urgência com que nos interpelam as

cenas e teatralidades da polis” (DIÉGUEZ, 2014, p. 129, grifo da autora).

Para finalizar a construção de um dos conceitos norteadores desta

dissertação, em Vai Que Cola, chamaremos de teatralidade todo o esforço em

produzir no telespectador uma sensação de presença por meio do Estar aí do teatro

(Sarrazac), como um novo campo expandido do teatral (Diéguez) por meio da

televisão.

1.1.2 Estilo televisivo

A teatralidade de Vai Que Cola está inserida no estilo televisivo, ou seja,

ela é apresentada ao telespectador pela imagem ofertada na tela televisiva. Isso só

é possível pela capacidade que a câmera tem de captar a imagem teatralizada e

transmitir pela televisão, em tempo real ou não. Geralmente, a câmera é direcionada

pelo diretor Rodrigues, que imprime a teatralidade criada por ele, pelo diretor

Fonseca, pelo autor Soares e pelos outros roteiristas, atores, cenógrafo diretor de

arte do programa, e por outros agentes. Em vista disso, no âmbito desta

investigação é preciso esclarecer: mas o que é estilo televisivo? Ele existe? É

possível uma definição?

Historicamente, a televisão foi desprezada por acadêmicos e filósofos,

considerada uma não arte e sem contribuição alguma para a sociedade. Seu

histórico relata desprezo e marginalização. Até pouco tempo atrás e talvez ainda

hoje, a TV foi vista como a grande vilã da alienação social provocada pela

8 Caixa preta é uma expressão retirada do artigo Um teatro sem teatro: a teatralidade como campo

expandido, de Ileana Diéguez, que se refere ao teatro de palco italiano, figuramente representando o teatro como um todo, como instituição.

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veiculação da cultura de massa. Esta crítica vai ao encontro, por exemplo, das ideias

dos pensadores críticos da cultura ocidental da Escola de Frankfurt.

Compartilha-se aqui da ideia de que a qualidade do conteúdo ofertado

pela televisão pode contribuir para massificação do pensamento. Contudo, acredita-

se também que, além de conteúdos de dominação e manutenção do status quo, é

possível a existência de estratégias de linguagem televisiva que contribuam para a

evolução do estilo televisivo. Julgar o conteúdo televisivo ou sua consequência não

faz parte desta pesquisa. A metodologia será a análise audiovisual sugerida por

Jeremy G. Butler em Television Style (2010). O conceito de estilo televisivo utilizado

para esta análise será restrito ao de Butler, apresentado neste mesmo livro. Por

isso, sua concepção colocada ao fim deste capítulo prevalece na dissertação.

Ao levantar a problemática do conceito, Arnheim introduz o tema. Para o

autor a televisão é apenas um veículo de transmissão e não uma arte.

Ousamos olhar atentamente para a televisão? A televisão é um parente do automóvel e do avião: é um meio de transporte cultural. Sem dúvida, é um mero instrumento de transmissão, que não oferece novos meios para a interpretação artística da realidade - como o rádio e o cinema fizeram9. (ARNHEIM, 1935 apud BUTLER, 2010, loc. 86)10

Para Butler (2010, loc. 101), vários fatores militaram contra o estudo do

estilo na televisão. Rudolf Arnheim rejeitou e descartou o potencial artístico da

televisão dez anos antes de ela existir como um meio de massa viável. Dentro de

sua rejeição está implícita uma negação do estilo televisivo. Para Arnheim, Lev

Kuleshov e Sergei Eisenstein, foi através de uma aplicação padronizada de técnicas

do meio que verdadeiros artistas interpretaram a realidade. Assim, o filme como arte

foi estabelecido em termos de como os artistas do cinema transformaram a

9 N g : “Dare we look closely at the television? Television is a relative of motorcar and airplane:

it is a means of cultural transportation. To be sure, it is a mere instrument of transmission, which does not offer new means for the artistic interpretation of reality - as radio and film did.”. (ARNHEIM, 1935 apud BUTLER, 2010, loc. 86, tradução minha)

10 A x “ .” g f locations z z “ ”. É z

do texto citado no e-book de referência.

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realidade através do estilo, de como as imagens cinematográficas eram

diferenciadas da realidade. O estilo era supremo ele transformava o cinema em arte.

Esses teóricos sentiram que essa transformação era essencial para elevar um

dispositivo de gravação mecânica. A câmera cinematográfica não era um

implemento artístico até ela ser elevada para além de sua função básica de

filmagem. Do mesmo modo, a câmera televisiva nunca poderia ser um instrumento

artístico porque, para Arnheim, era impossível para ela ir além de sua função de

transmissão (BUTLER, 2010, loc. 86).

Apesar de Arnheim acreditar que a televisão não poderia tornar-se

artística como o cinema ou o rádio, segundo Butler, sua caracterização da televisão

como transmissão persiste nos estudos contemporâneos do meio e contribui para a

escassez de análises do estilo televisivo. Quando autores discutem o caráter

“ ” ê “

ff ” B 11, eles partem da mesma ideia de Arnheim, de que a

televisão é definida fundamentalmente pela sua capacidade de transmitir os eventos

que ocorrem em simultâneo ao tempo de assistência (BUTLER, 2010, loc. 102). A

mesma simplicidade alimentou a crítica jornalística americana do início da televisão

na década de 1950, quando o expoente máximo da televisão de arte era visto como

. A “ ” õ

está no meio televisivo em si, mas na peça que estava sendo transmitida. (BUTLER,

2010, loc. 86)

Como aponta o autor americano, tomada como noção romântica do

artista, a autoria vê o estilo como uma manifestação da "visão" do indivíduo singular

(BUTLER, 2010, loc.101). Quando François Truffaut e seus colegas dos Cahiers du

Cinéma lançaram a teoria do autor em meados dos anos de 1950, eles nunca

pensaram em revelar autores dentro da indústria da televisão porque o meio era

visto como esteticamente atrofiado e um produto industrial – mais ainda do que os

produtos do sistema estúdio do cinema de Hollywood, diz Butler (2010, loc. 119). Em

11 Para maiores informações, v. o texto citado por Butler: BARTHES, Roland. Rethoric of the Image. In:

Image Music Text, ed.and trans. Stephen Heath (New York: Hill and Wang, 1977), 44.

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1953, ano anterior ao do manifesto da autoria de Truffaut, André Bazin previu que a

legibilidade medíocre da imagem da televisão iria sempre se manter (BUTLER,

2010, loc. 109). Ainda conforme Butler (2010, loc. 109), na televisão americana

raramente um diretor controla o estilo visual de um programa. No curso de uma

temporada de um programa, 10 ou 20 diretores podem responder por ele. É mais

provável que o autor de um programa televisivo americano seja um produtor e não

um diretor. Assim, as tentativas de encontrar autores na televisão têm sido

frustradas, pois, até então, não poderia haver um estilo sem um autor (BUTLER,

2010, loc. 109).

Para Butler (2010, loc. 119), juntos esses fatores explicam por que não

houve uma compreensão da estilística ou da poética televisiva em pé de igualdade

com o Poetics of cinema de David Bordwell, nem uma história da poética do mesmo

escopo de The Classical Hollywood Cinema: film style and mode of production to

1960, do mesmo autor.

Em meio à prematura concepção de estilo televisivo, Butler interpreta que

certos elementos são comuns a todo trabalho estilístico em estudos de mídia. Todos

os estudos de mídia que se dedicam ao estilo devem desenvolver um método de

B w “ f ”, de um programa

de televisão ou de um filme.

Nesse sentido, consideramos estilo televisivo a “textura tangível” de um

programa de televisão, assim como Bordwell propôs ao estilo cinematográfico:

No sentido mais estrito, considero o estilo um uso sistemático e significativo de técnicas da mídia cinema em um filme. Essas técnicas são classificadas em domínios amplos: mise-en-scène (encenação, iluminação, representação e ambientação), enquadramento, foco, controle de som. O estilo, minimamente, é a textura das imagens e dos sons do filme, o resultado de escolhas feita pelo (s) cineasta (s) em circunstâncias históricas específicas. (BORDWELL, 2013, p. 17)

Parafraseando Bordwell, utilizaremos o conceito de estilo televisivo como

uso sistemático e significativo de técnicas da mídia televisiva em um programa de

televisão, assim como fez Butler em Televisual Style. Entre estas técnicas estão:

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“mise-en-scène (encenação, iluminação, representação e ambientação),

enquadramento, foco e controle de som” (BO WE 2013 . 17) especificamente

mediadas pela televisão. Inspirados em uma complexidade, na qual o “ stilo não é

simplesmente decoração de vitrine em cima de um roteiro; ele é a própria carne da

obra” (BORDWELL, 2013, p. 22), serão identificadas algumas das técnicas utilizadas

em duas características que consideramos essenciais ao estilo televisivo de Vai Que

Cola: a teatralidade e o estilo da câmera televisiva.

Para isso, parte-se aqui de princípos, enquanto Butler parte de axiomas

em seu livro. O f “A g ” (BUT E 2010 loc. 587)

que sua análise sobre o estilo televisivo foi feita sobre dois axiomas: 1. O estilo

x . 2. O . E f : “Ao meu axioma,

‘ x : existe.”

(BUTLER, 2010, loc. 595).

Apoiados nos estudos de estilo analítico e nos axiomas citados,

afirmamos os nossos próprios princípios: 1. O estilo televisivo brasileiro existe. 2. O

estilo da sitcom brasileira existe, apesar da notável contribuição do estilo da sitcom

americana, como veremos nesta pesquisa. 3. Vai Que Cola tem seu próprio estilo

televisivo, apesar da grande influência das sitcoms anteriores brasileiras como

Família Trapo e Sai de Baixo.

É importante observar que o objetivo nesta investigação não é percorrer

os três princípios definidos por nós. Nosso intuito é apenas manter um estudo

analítico do estilo televisivo de Vai Que Cola – que, como ponto de partida,

compreendemos que existe. Não temos, entretanto, a intenção de provar ou apontar

as características brasileiras da sitcom neste momento, esse não é o objetivo.

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2 VAI QUE COLA COMO UMA SITCOM

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Apesar de Mills (2009, p. 28) questionar que a definição clássica ou

tradicional de sitcom de Larry Mintz (1985) seja insuficiente para distingui-las das

séries de drama, ela é aplicável, em sua maioria, para caracterizar Vai Que Cola

como uma sitcom.

Uma série de meia hora focada em episódios envolvendo personagens recorrentes dentro da mesma premissa. Ou seja, a cada semana nos deparamos com as mesmas pessoas, essencialmente da mesma configuração. Os episódios são finitos; o que acontece em um determinado episódio é geralmente fechado, explicado, reconciliado, resolvido no final da meia hora ... Sitcoms são geralmente realizadas perante as audiências ao vivo, seja transmitida ao vivo (nos velhos tempos) ou filmado ou gravado, e eles geralmente têm um elemento que pode ser quase metadrama no sentido de que uma vez que o riso é gravado (às vezes até mesmo aumentado), o público está ciente de assistir a uma peça, uma performance, uma comédia incorporando atividade cômica. A característica mais importante da estrutura de comédia é a natureza cíclica da normalidade da premissa submetida a estresse ou ameaça da mudança e tornando- ... E f “f f z” g maioria da teoria cômica12. (MINTZ, 1985, p. 114-15 apud MILLS, 2009, p. 28)

Em Vai Que Cola é possível apontar as seguintes características

apontadas por Mintz: personagens recorrentes, episódios finitos, gravados em frente

a uma plateia, natureza cíclica da normalidade com “f f z”. Portanto,

podemos confirmar que o estilo televisivo de Vai Que Cola está estruturado

principalmente no formato de sitcom tradicional.

12 N g : “A half-hour series focused on episodes involving recurrent characters within the same

premise. That is, each week we encounter the same people in essentially the same setting. The episodes are finite; what happens in a given episode is generally closed off, explained, reconciled, solved at the end of the half hour ... Sitcoms are generally performed before live audiences, whether broadcast live (in the old days) or filmed or taped, and they usually have an element that might almost be metadrama in the sense that since the laughter is recorded (sometimes even augmented), the audience is aware of watching a play, a performance, a comedy incorporating comic activity. The most important feature of sitcom structure is the cyclical nature of normalcy of the premise undergoing f g g ... T f f ‘ g f one of the staples of comedy, according to most comic theory.” (MINTZ, 1985, p. 114-15 apud MILLS, 2009, p. 28, tradução minha)

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Neste capítulo, vamos pontuar algumas das características comuns às

sitcoms, que o Vai Que Cola apresenta. No primeiro subitem, serão identificados

alguns elementos teatrais que contribuem para o efeito de presença da teatralidade

no programa. No segundo, serão identificados dois tipos de enquadramento de

câmera da sitcom que enquadram a teatralidade como campo expandido em Vai

Que Cola. O modo como os elementos teatrais são enquadrados pela câmera é o

que torna esse objeto especial.

2.1 Elementos teatrais como preenchimento do estilo televisivo de Vai Que

Cola

Os produtos televisivos são estrategicamente planejados antes de serem

ofertados no mercado televisivo. Vai Que Cola foi uma encomenda, como visto

anteriormente, e não um acaso. Não diferentemente, a escolha de sua estrutura

como uma sitcom foi proposital. Neste item, vamos buscar referências de sitcoms

americanas e brasileiras para identificar a teatralidade estruturada sobre o formato

de sitcom em Vai Que Cola.

Ao buscarmos referências de estudiosos sobre sitcom ou televisão,

percebemos a teatralidade como parte intrínseca da história da formação da

estrutura da sitcom. Brett Mills (2009, p. 14) apresenta a sitcom como um híbrido

teatral: “Ao ‘peculiar, um híbrido teatral (William 2005), a maioria das

comédias não só reconhece a sua herança, como também se distingue da maioria

da programação televisiva” (MI S 2009 . 14)13. Em seu livro, The sitcom, ele

afirma que a influência dessa teatralidade se deu desde seu nascimento, quando

vaudeville deu origem à sitcom americana e o music hall, à sitcom britânica (MILLS,

2009, p. 35). Além disso, seus artistas já reconhecidos pelo público foram

convidados a atuar na televisão (MILLS, 2005, p, 37).

13N g : “I g ' ' (W 2005)

acknowledges it's heritage, it also distinguishes itself from the majority of television programing (MILLS, 2009, p.14, tradução minha).

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Vaudeville foi um gênero americano de entretenimento de variedades que

surgiu a partir do século XIX. Tornou-se um dos divertimentos mais populares no

qual vários números sem nenhum relacionamento direto entre si subiam ao palco

para serem encenados. Viam-se animais treinados, peças de um único ato, atletas,

mágicos, músicos comediantes, dançarinos, entre outros. O estilo foi um dos

primeiros gêneros a serem televisionados. O “vaudeville eletronicamente

” ( ITT E 2006)14, conhecido como comedy-variety show, era o formato

mais popular na década de 1950. Como o que acontecia fora da televisão, eram

apresentadas várias atrações misturadas, entre as quais havia música, dança e

sketch comedies, que eram pequenos quadros ficcionais de comédia com início,

meio e fim, como os dos programas de rádio da época (CERETTA, 2015, p. 1). Não

por acaso, sitcom é a abreviação de situation comedy. A comédia de situação se

tornou popular no rádio e posteriormente na televisão.

A sitcom tradicional apresenta elementos teatrais bastante marcantes.

São eles:

1. Platô montado sobre a estrutura de um palco teatral.

2. A presença da plateia no estúdio em que se dá a gravação do enredo;

3. A presença simulada do telespectador no teatro, que a performance ao

vivo tenta produzir;

4. As reações expansivas dos atores, apropriadas do teatro;

5. A presença de claques (palmas e risos, muitas vezes eletrônicos).

O palco e a plateia são os pilares da construção narrativa de Vai Que

Cola. Essa configuração se tornou a práxis da sitcom por décadas (MILLS, 2009,

p.14). Na tentativa de passar para o público de casa a sensação de uma

apresentação humorística teatral ao vivo, a transmissão ao vivo ou a gravação eram

feitas com atuação dos atores sobre o palco teatral com a presença de uma plateia

que reagia às piadas. Mills (2009, p. 16) afirma que a claque – “‘substituto eletrônico

para experiência coletiva (ME HU ST TUCK 1982 . 45)” - e a atuação

14 Refência retirada de CERETA, 2015, p. 1.

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expansiva dos atores (pois precisam ser vistos e ouvidos nas últimas fileiras do

teatro) reforçam ainda mais a ideia de um híbrido teatral15. Frente a essa afirmação

é possível que alguém se questione: se a sitcom tradicional já era um híbrido entre

teatro e televisão, não é essa mistura que torna Vai Que Cola um tipo especial. De

fato, o hibridismo já está presente, mas o que confere um caráter distinto ao

programa é que nele há uma acentuação no uso do elemento teatral e da câmera

televisiva para a produção do efeito presença no telespectador. Se consideramos

esse efeito a marca principal da teatralidade, o caráter teatral é ressaltado no

hibridismo.

Todos os elementos comuns às sitcoms tradicionais, enumerados

anteriormente, são apropriados ao programa estudado. Em Vai Que Cola, podemos

observá-los sem excessão. Abaixo, apontamos novamente essas características

comuns entre às sitcoms tradicionais e Vai Que Cola.

1. Platô montado sobre a estrutura de um palco teatral.

2. A presença da plateia no estúdio em que se dá a gravação do enredo;

3. A presença simulada do telespectador no teatro, que a performance

ao vivo tenta produzir;

4. As reações expansivas dos atores, apropriadas do teatro;

5. A presença de claques (palmas e risos, muitas vezes eletrônicos).

Essa separação é apenas didática, uma vez que a plateia e o palco

atuam em conjunto unindo seus elementos teatrais, formando uma única

teatralidade e ampliando-a em campo expandido pela televisão.

Para identificarmos estes elementos em Vai Que Cola, vamos fazer uma

comparação com a sitcom Sai de Baixo. Ambas trouxeram um episódio com enredo

próximo: representaram a imaginação de um dos personagens. É possível observar

duas diferentes formas de induzir o telespectador à passagem do tempo na ficção ao

confrontarmos os dois estilos televisivos. Os episódios analisados serão

15 N g : “‘ f x (ME HU ST TUCK 1982 . 45)”

(MILLS, 2009, p. 16, tradução minha).

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respectivamente: o episódio 11 da 2ª temporada de Vai que Cola, intitulado “Tá

V j ” (2014), “2030 U P A ” (2002), episódio 03 da 7ª

temporada de Sai de Baixo.

Entre os dois episódios será feita uma comparação pontual referente a

qual é o estilo televisivo utilizado para cada uma das séries para produzir o efeito de

imaginação ou sonho dos personagens. Ambas apresentam dois momentos chaves

para essa transição: o início do delírio ou sonho do personagem e o seu fim, que

culmina ao retorno da história ficcional cotidiana de cada sitcom. Apesar de trazer

uma teatralidade próxima da sitcom do Multishow, Sai de Baixo utiliza uma

quantidade menor de recursos teatrais que Vai Que Cola para representar a ideia de

imaginação.

Adiante, vamos apontar como a teatralidade em Vai Que Cola e o estilo

televisivo de Sai de Baixo foram estrategicamente planejados para apresentar o

efeito de imaginação do personagem ao telespectador.

2.1.1 Vai Que Cola

Desde o início de Vai Que Cola, em 2013, o personagem Seu Wilson

esconde um amor quase platônico por Dona Jô. Durante os primeiros cinquenta

episódios da sitcom, o personagem vivenciou cenas hilárias por causa de seu

conflito emocional, que consistia em confessar ou não confessar o seu amor à

amada. Os roteiristas resolveram aliviar a sua dor e concretizaram na tela seu sonho

“T V j ”. M o durou mais que poucos minutos. Tudo

não passou de produto da imaginação, um simples delírio do personagem. Como

resultado, o programa proporcionou ao telespectador um hibridismo de teatralidade

e estilo televisivo por quase 2 minutos. À frente, as figuras 1 a 29 ilustram a cena do

episódio referido. Elas fornecerão os frames para a análise da luz teatral, do palco

teatral, da plateia, da atuação expansiva e da claque.

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Figura 1 - Vai Que Cola. 2ª Temp., epis. 11

Fonte: DAILYMOTION, 2015

Aos 40 minutos de episódio, Seu Wilson entra em cena determinado,

atravessa o cenário e, dirigindo-se rapidamente à Dona Jô, ele fala:

Seu Wilson: Gente, até a Terezinha se arranjou, então chegou a hora e a hora vai ser agora. Tem um negócio que eu tô pra falar desde o início do episódio e eu vou falar agora!

Figura 2 - Vai Que Cola. 2ª Temp., epis. 11

Fonte: DAILYMOTION, 2015

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Seu Wilson toca Dona Jô. A trilha sonora introduz um clima

misterioso/romântico. Inicia-se uma ruptura na narrativa com o texto dos

personagens, que passam a formar um coro.

Figura 3, 4 e 5 - Vai Que Cola. 2ª Temp., epis. 11

Figura 3 Figura 4

Figura 5

Fonte: DAILYMOTION, 2015

Três planos ilustram o coro dos atores coadjuvantes. Valdomiro é o

primeiro:

Valdomiro: Fala Seu Wilson!

Seguido de Velna, Máicol, Jéssica e finalizado por Dona Jô. O coro foi a

segunda deixa fornecida ao telespectador indicando que a cena se encaminhava

para um momento diferente e profundo. Era a imersão do personagem na conquista

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de seu amor por Dona Jô. Para o telespectador, a cena realmente acontecia na

ficção. Ele só descobre que é um delírio no último minuto do episódio, quando estes

elementos teatrais listados aqui saem de cena.

Figura 6 - Vai Que Cola. 2ª Temp., epis. 11

Fonte: DAILYMOTION, 2015

O feixe de luz azul vindo do canhão teatral completa a ruptura do enredo

principal para o delírio de seu Wilson. Neste momento, a cena realizou toda a sua

transição e interpreta por completo o novo estado emocional da cena. Este estado

emocial acompanhou toda a cena de delírio. E o feixe de luz azul reforça

imageticamente a tensão romântica do personagem e restringe o foco da cena aos

dois personagens protagonistas.

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Figura 7 - Vai Que Cola. 2ª Temp., epis. 11

Fonte: DAILYMOTION, 2015

Seu Wilson contracena com a plateia reforçando ainda mais a sua

intenção de beijar Dona Jô.

Figura 8 - Vai Que Cola. 2ª Temp., epis. 11

Fonte: DAILYMOTION, 2015

Seu Wilson beija Dona Jô. O feixe de luz reflete a sombra de grande

contraste dos personagens e do seu limite. Ela direciona a atenção da cena para os

personagens seu Wilson e Dona Jô. Mesmo sem serem iluminados dentro feixe de

luz principal, os personagens coadjuvantes e a plateia também são enquadrados

nos planos televisivos deste trecho. Na cena, os atores coadjuvantes reforçam para

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o telespectador a ideia de aprovação da atitude do amante, com aplausos de

aprovação e incentivo. Este estilo de enquadramento que se propõe aqui não é

comum na televisão. Geralmente, um diretor televisivo utiliza de enquadramentos

fechados para direcionar a atenção do telespectador. O plano de meia figura

utilizado para direcionar a emoção do telespectador por meio do enquadramento

voluntário dos elementos teatrais é uma das características de Vai Que Cola que a

torna especial para a pesquisa. Ela amplia a hibridização teatral na sitcom,

anteriormente apontada por Mills (2009, p. 14).

Figura 9 - Vai Que Cola. 2ª Temp., epis. 11

Fonte: DAILYMOTION, 2015

O telespectador experimenta no plano geral aberto experiência próxima

de um teatro em um espaço físico. No teatro, o espectador escolhe para onde olhar.

Apesar de o palco apresentar feixes de luzes pontuais, o telespectador pode

apreciar a plateia, o batente e os holofotes de iluminação, a estrutura do palco, os

cameramen e os atores coadjuvantes da cena. Ou seja, o telespectador testemunha

o platô quase que por inteiro.

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Figura 10 a 14 - Vai Que Cola. 2ª Temp., epis. 11

Figura 10 Figura 11

Figura 12 Figura 13

Figura 14 Fonte: DAILYMOTION, 2015

Logo após o beijo, todos os atores interpretam com gestos longos e

amplos, produzindo-se um efeito semelhante ao de câmera lenta. Através dos

gestos corporais, com auxílio da música e da iluminação, é gerado um estado de

momento diferente do enredo do episódio até então. Para alcançar esse efeito, o

diretor poderia ter utilizado técnicas televisivas. Mas, ao contrário, ele enfatizou o

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uso do corpo teatral – gestus - da teatralidade através destes elementos teatrais

pontuados.

Figura 15 a 20 - Vai Que Cola. 2ª Temp., epis. 11

Figura 15 Figura 16

Figura 17 Figura 18

Figura 19 Figura 20

Fonte: DAILYMOTION, 2015

Logos após, sempre em efeito de câmera lenta, os atores dão uma volta no

placo giratório com o corpo voltado para a plateia. Em cada cenário, encenam

rapidamente com mímicas, deixando a imaginação do público preencher os detalhes

da história vivida pelos dois. A cena representou a passagem de tempo em

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aproximadamente dois minutos. Os elementos teatrais – palco giratório, cenários, luz

e uso do gestus - foram fundamentais para essa construção.

Figura 21, 22 e 23 - Vai Que Cola. 2ª Temp., epis. 11

Figura 21 Figura 22

Figura 23

Fonte: DAILYMOTION, 2015

Em dois minutos, a história foi da declaração do Seu Wilson ao

casamento com Dona Jô. Ao jogar o buquê, uma pessoa da plateia o alcança. A

proximidade da plateia com o ator, para o criador Soares, é uma característica

brasileira em Vai Que Cola. O autor observa que, apesar de a plateia da sitcom

americana assistir às gravações, sua participação geralmente fica mais restrita à

produção de claque.

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Figura 24, 25 e 26 - Vai Que Cola. 2ª Temp., epis. 11

Figura 24 Figura 25

Figura 26

Fonte: DAILYMOTION, 2015

A transição de saída do delírio é feita a partir do retorno ao plano inicial.

Ainda sobre o efeito do canhão de luz azul, Seu Wilson toca Dona Jô outra vez. A

luz amarela iluminando quase todo o cenário por igual, high- key lighting, retorna

com o j : “ S W !”. Juntamente com o

corte da música, quebra-se a atmosfera romântica do delírio.

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Figura 27 - Vai Que Cola. 2ª Temp., epis. 11

Fonte: DAILYMOTION, 2015

Seu Wilson olha novamente para a plateia, repetindo o gesto que marcou

o momento inicial, quando buscou na plateia cumplicidade.

Figura 28 e 29 - Vai Que Cola. 2ª Temp., epis. 11

Figura 28 Figura 29 Fonte: DAILYMOTION, 2015

Desesperado, desiste de declarar-se à Dona Jô, e acaba por dizer: “Ag

que tem dinheiro para pagar água, vou ser o primeiro a tomar banhooo!”. Em

seguida, corre para o banheiro. Os personagens correm atrás dele. O enredo

ficcional do episódio é concluído com a queda da luz principal e a inserção da

música tema da sitcom. A simulação do coro, o fim do canhão de luz, da música, a

volta da high-key lighting da sitcom, o olhar de Wilson para a plateia foram

elementos teatrais que fizeram o telespectador a entrar e sair do delírio.

Logo abaixo, faremos uma análise de Sai de Baixo para comparação.

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2.1.2 Sai de Baixo

Em 2002, a sitcom Sai de Baixo encenou uma imaginação de um de seus

personagens. No terceiro episódio da 7ª temporada, intitulado “2030 U

Presepada no Arou ” (2002 GLOBO), o personagem Caco Antibes tem um sonho

que é representado em quase todo o episódio (vide figuras 30 a 43). Para encenar

as transições do sonho, a direção fez escolhas de estratégias televisivas diferentes

das que foram feitas em Vai Que Cola, que se apoiou no retorno aos elementos

teatrais para compor o delírio de Seu Wilson.

Figura 30 - 2030: Uma Presepada no Arouche. Sai de Baixo. 7ª Temporada, episódio 03.

Fonte: 2030: UMA PRESEPADA, 2002

A 1 50 de episódio, Caco entra em cena, perde a paciência com Magda e

diz:

Caco: Quer saber... vou dormir e me acorda depois 2030, 12 horas.

Neste plano é usado um high-key lighting iluminando por igual o

ambiente. High-key lighting é típico de sitcom.

Figura 31 - 2030: Uma Presepada no Arouche. Sai de Baixo. 7ª Temporada, episódio 03.

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Fonte: 2030: UMA PRESEPADA, 2002

Caco d M g g “B ”. Uma tilt

vertical é finalizada com o plano próximo do personagem.

Figura 32 -2030: Uma Presepada no Arouche. Sai de Baixo. 7ª Temporada, episódio 03.

Fonte: 2030: UMA PRESEPADA, 2002

Roda vinheta de apresentação.

Figura 33 - 2030: Uma Presepada no Arouche. Sai de Baixo. 7ª Temporada, episódio 03.

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Fonte: 2030: UMA PRESEPADA, 2002

Logo depois, roda imagem pós-produzida, fornecendo efeito visual de

hélice.

Figura 34 - 2030: Uma Presepada no Arouche. Sai de Baixo. 7ª Temporada, episódio 03.

Fonte: 2030: UMA PRESEPADA, 2002

Em cross fade, aparece Caco Antibes dormindo no sofá, em plano

conjunto, com um cenário futurístico e uma iluminação dura, com focos pontuais de

luz azul por 10 segundos.

Figura 35 - 2030: Uma Presepada no Arouche. Sai de Baixo. 7ª Temporada, episódio 03.

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Fonte: 2030: UMA PRESEPADA, 2002

Em cross fade, a high-key lighting volta a ilumina o ambiente. Vavá entra

em cena e começa um diálogo com Caco. Quase dois minutos depois, o diálogo de

Caco e Vavá esclarece para espectador que se passaram 29 anos no tempo. Este

diálogo entre os dois personagens também tem como função reforçar o fato de que

as cenas a seguir se referem ao ano do sonho de Caco.

Caco: Você quer me dizer o quê? Que tirei um cochilo em 2001 e acordei em ... .

Vavá: Em 2030.

Figura 36 - 2030: Uma Presepada no Arouche. Sai de Baixo. 7ª Temporada, episódio 03.

Fonte: 2030: UMA PRESEPADA, 2002.

Algumas cenas depois, eles leem o jornal O Globo de 2030. O jornal é

utilizado como objeto de cena, ele é suporte para o texto explicativo que faz piada

com o novo contexto.

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Figura 37, 38 e 39 - 2030: Uma Presepada no Arouche. Sai de Baixo. 7ª Temporada, episódio 3.

Figura 37 Figura 38

Figura 39

Fonte: 2030: UMA PRESEPADA, 2002

Durante quase todo o episódio, Caco vive experiências desfavoráveis ao

interesse caricatural de seu personagem. Sua filha casa-se com o porteiro e Magda

vai para o exterior. A high-key lighting permanece até o fim do sonho, que é

finalizado em plano próximo da tela do monitor, que registra cenas do corredor

interno do cenário.

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Figura 40 - 2030: Uma Presepada no Arouche. Sai de Baixo. 7ª Temporada, episódio 03.

Fonte: 2030: UMA PRESEPADA, 2002

Ao fim do sonho, a vinheta roda de novo para o comercial.

Figura 41 - 2030: Uma Presepada no Arouche. Sai de Baixo. 7ª Temporada, episódio 03.

Fonte: 2030: UMA PRESEPADA, 2002

A “ ”.

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Figura 42 - 2030: Uma Presepada no Arouche. Sai de Baixo. 7ª Temporada, episódio 03.

Fonte: 2030: UMA PRESEPADA, 2002

Com o sonho finalizado, retorna-se quase ao mesmo enquadramento feito

no início do intervalo onírico. Caco acorda sobre o colo de Magda. Tem-se a

iluminação difusa normalmente.

Figura 43 - 2030: Uma Presepada no Arouche. Sai de Baixo. 7ª Temporada, episódio 03.

Fonte: 2030: UMA PRESEPADA, 2002

O objeto de cena e o texto do ator reforçam o fim do sonho e a data atual

do episódio. Caco lê em voz alta as notícias que caracterizam as condições da

realidade brasileira contemporânea a 2001. O personagem ainda reforça:

Caco: Estamos de volta.

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Figura 44 - 2030: Uma Presepada no Arouche. Sai de Baixo. 7ª Temporada, episódio 03.

Fonte: 2030: UMA PRESEPADA, 2002

O capítulo é finalizado com o fechamento da cortina do teatro Procópio

Ferreira em plano aberto.

2.1.3 Uma breve comparação

Na construção da transição do enredo para ilustrar o delírio e o sonho,

cada sitcom utiliza de estratégias diferentes. Em Vai Que Cola, a teatralidade

predomina com elementos teatrais. O coro, o canhão de luz, e a mímica corporal

marcam essa transição. Já em Sai de Baixo, o estilo televisivo, apesar de

acompanhado por um tímido efeito teatral comparado ao de Vai Que Cola neste

exato episódio, marca a transição da história ficcional para a imaginação do

personagem. Sai de Baixo utiliza o texto do personagem, a vinheta de apresentação,

a imagem pós-produzida, o intervalo comercial e suas respectivas vinhetas. Na

sequência será abordado primeiramente os elementos teatrais em Vai Que Cola, e

na sequência os elementos televisivos em Sai de Baixo.

Vai Que Cola introduziu a fantasia sutilmente, simulando um

acontecimento que no início pareceu interferir na trama da sitcom, mas que depois,

no fim, o telespectador acabou por descobrir ser apenas fantasia. O coro foi um

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elemento teatral fundamental para marcar as transições que configuraram

cenicamente esse evento de imaginação. Para Hans-Thies Lehmann (2007, p.215),

o coro pode funcionar cenicamente como espelho e parceiro do público.

Um coro enquadra um coro: o eixo - théatron é espelhado. Um coro oferece ainda a possibilidade de manifestar um corpo coletivo que estabelece relações com fantasmas sociais e anseios de unificação. Evidentemente, não se requer muito esforço para fazer o público associar o coro com massas humanas reais, com o povo. O coro contraria a concepção do indivíduo inteiramente desligado da coletividade e ao mesmo tempo modifica o status da linguagem: quando os textos são pronunciados em coro ou por dramatis personae que erguem suas vozes não como indivíduos, mas como componentes de um coral coletivo, a realidade própria da palavra, seu tom e seu ritmo são percebidos de modo novo. (LEHMANN, 2007, p.215)

Nesta força, a voz coral de Vai Que Cola significa manifestação do som,

não apenas individual de uma pluralidade de vozes, mas ao mesmo tempo reunião

dos corpos individuais em uma massa. Nesse sentido, o coro foi o protagonista nas

cenas de transição da seguinte maneira: ao início, os atores coadjuvantes

chamaram Seu Wilson um após o outro, em sequência. Já na transição final, todos

gritaram juntos g : “ S Wil !”. Esse som acompanhado da

alteração da iluminação e do espanto do personagem protagonista voltou

repentinamente o telespectador para a cena anterior à fantasia. O intervalo

concretizou uma surpresa ao telespectador, pois a cena não aconteceu na

cronologia do enredo principal. Sendo assim, o evento não repercutiu nos enredos

futuros e, portanto, não mudou o curso da história, o que é típico de uma sitcom

(MILLS, 2010).

O coro de todos os personagens em verbo imperativo emprestou sua

força repentina e propiciou uma atmosfera diferenciada, possibilitando aos atores

uma atuação diferente da naturalista por meio dos gestos – mímica. A produção de

cenas em câmera lenta na televisão é geralmente realizada pela captação da

câmera e por recursos de pós-produção. A teatralidade foi a escolha para produzir a

produção desse efeito, que em conjunto com os outros elementos teatrais cumprem

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pelo menos, o mesmo efeito de passagem de tempo e sensação de ilusão ao

telespectador.

Uma característica bem teatral, o canhão de luz, serve para restringir o

olhar da plateia para o enredo principal. Na televisão, essa imposição do foco

dramático do diretor costuma ser realizada pelo tamanho do quadro da câmera.

Porém, Vai Que Cola deixa os coadjuvantes da cena enquadrados (vide figuras 6,

10, 11 e 20). Os coadjuvantes presentes fora do feixe de luz, porém enquadrados na

tela, são indispensáveis para a construção da narrativa, pois eles são responsáveis

pelo coro que auxilia nas transições. Todavia, o diretor não deixa de usar a câmera,

ele fecha o quadro quando quer acentuar ou restringir um sentimento representado

pelos atores (vide figura12).

Ainda na teatralidade, o palco giratório permite que o telespectador

testemunhe a troca de cenários. Em Sai de Baixo, ao contrário de Vai Que Cola, usa

de recursos televisivos para fazer essa transição.

Não são todas as cenas que o canhão é presente, pois a sitcom do

Multishow tem características da luz tradicional da sitcom americano, conforme

vamos ver no capítulo sobre o estilo televisivo. Mas este momento é um dos quais

teatralidade predomina e é fundamental na narrativa do delírio, principalmente,

porque sua construção e desconstrução indicam, juntamente com o coro dos

coadjuvantes e as outras características, a entrada e a saída no delírio de seu

Wilson.

É possível dizer que em Vai Que Cola “ rega-se ” seu

telespectador, enquanto que em Sai de Baixo o telespectador é conduzido

conscientemente à fantasia. Pela fala do personagem, o telespectador foi guiado

didaticamente do início ao fim do episódio. Ela esteve presente na introdução do

sonho durante e no seu retorno. Além da fala, esteve presente o auxílio do objeto de

cena, no caso, um jornal de 2005 e outro de 2030. O texto de Vai Que Cola age de

um modo contrário a esse, posto que ele não tem preocupação alguma em deixar

claro para o telespectador que aquele era um momento apenas de delírio. A

transição temporal não foi explicada através dos diálogos dos personagens, apenas

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seguiu-se a construção da sensação de temporalidade por meio do coro, do corpo,

do som e da iluminação.

Aos dois minutos do início, Caco adormece ao som de uma cantiga

cantada por Magda com a cabeça no colo de sua esposa sentada no sofá. A

vinheta roda por 25 segundos. Logo após, uma imagem pós-produzida ocupa a tela

em forma de uma hélice em movimento que se dissolve em cross over por 5

segundos, acompanhada de som característico de mudança de estado ou situação,

até iniciar a cena de delírio. O som continua acompanhando o início da cena. O

cenário é completamente redecorado com atmosfera futurística, Caco se encontra

deitado no mesmo sofá coberto com uma capa prata. A iluminação inicial da

representação do sonho de Caco é direcionada e, assim como Vai Que Cola, é azul,

no mesmo tom que a imagem da hélice pós-produzida. Holofotes de luz em

movimento e o som misterioso terminam a transição que é quebrada pela introdução

da música da apresentação e a volta do high-key lighting por meio de um cross fade

ao mudar o plano para a entrada de Vavá pela porta (vide figura 35).

Assim como o cenário, os figurinos da sitcom global também são

adaptados aos anos 2030 com vestimentas prateadas e brilhos pelo corpo,

somando-se a algum adereço cômico clownesco: a peruca grande e bem colorida de

Vavá, por exemplo (Vide figura 36). Ambos preenchem o espaço futurístico,

diferenciando-se do estilo estético do ano 2001. Apenas Caco permaneceu com o

figurino da primeira década do ano 2000 (conforme figura 37). Narrativamente, essa

diferença contribui para o telespectador identificar o ponto de vista do personagem

Caco, que é o ponto de vista da história do episódio. O sonho é dele. O pensamento

é dele. E, ao contrário de Vai Que Cola, Sai de Baixo confessa ao público, logo de

início, que a história contada é apenas um sonho.

Uma das principais características televisivas da sitcom global ocorre

devido à necessidade de edição das imagens durante a troca de cenário, ou seja, o

programa para a gravação, troca o cenário, e depois a continua. Ela poderia ter sido

feita até mesmo em dias diferentes. No teatro, a sequência da cena é fundamental.

Nele, geralmente, não se para a história, o espectador pode testemunhar a troca de

cenário, assim como sugere a sitcom Vai Que Cola.

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2.1.3.1 Palco giratório

Ambas as sitcoms trabalham sobre o palco teatral – sitcom tradicional -

como pode ser visto nas figuras 18 e 44. Contudo, Vai Que Cola traz um elemento

que propicia um jogo diferente de Sai de Baixo: o palco giratório.

O palco de Vai Que Cola traz uma característica peculiar para a ficção

televisiva brasileira: ele gira 360º sobre si mesmo para ambos os lados. O

enquadramento do palco muitas vezes vem acompanhado de elementos de seus

bastidores como holofotes, luzes, esquadrias, suportes de iluminação e seus limites

de cenários. A ideia deste palco giratório surgiu desde o briefing inicial, como

apontado anteriormente. Após a solicitação pela direção do canal, o diretor

Rodrigues iniciou uma jornada íntima em seu planejamento. Com o lego do filho, ele

experimentou várias formas de enquadrar o palco giratório na lente da câmera de

TV. O companheiro nessa trajetória, para o diretor de TV, foi o cenógrafo diretor de

arte Hélcio Pugliese, responsável por ajudá-lo a tornar viável o palco giratório.

Mas o que o palco giratório traz de diferente? Ele permite a exploração de

vários espaços em um tempo aparentemente ao vivo, como em um teatro. Por

exemplo, na cena em estudo, seu Wilson e Dona Jô percorrem todo o cenário. São

ao todo quatro espaços: a sala, o banheiro, a laje e o quarto de Dona Jô. A trajetória

dos atores é feita pela lateral externa do palco, nas suas extremidades, o que

poderia ser incomum tanto para uma sitcom quanto para um teatro. Essa trajetória

transmite ao telespectador a ideia de passagem de tempo, no caso, ele tem como

função fazer um resumo da vida do casal desde a declaração de Seu Wilson até o

casamento com sua amada em apenas dois minutos. Obviamente, isso só é

possível a partir da utilização dos elementos teatrais e da sensação de presença,

que são os aspectos de teatralidade presentes na sitcom.

Comparando o leque de interação e possibilidade a partir do tipo de palco

de Vai Que Cola e de Sai de Baixo, é nítida a maior amplitude de trabalho que o

palco giratório da sitcom do Multishow proporciona. Na sitcom global, a gravação é

parada e o cenário é trocado. Na sitcom do Multishow, a gravação não é

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necessariamente interrompida. A cena pode ser gravada em sequência quando o

palco gira, sem que haja intervenção da produção na troca de cenários. Isso não

significa que ela é necessariamente gravada em sequência. Significa que ela não

necessita da troca do cenário no estúdio para modificar o espaço da ficção. O giro

do palco proporciona a troca de no mínimo quatro cenários em apenas alguns

segundos, sem necessidade de parar a gravação, deslocar a plateia ou as câmeras.

O que é deslocado é o próprio cenário sobre seu próprio eixo e, consequentemente,

os atores que se encontram sobre a plataforma circular. Eles acompanham o giro

do palco caminhando em sentido contrário para permanecer em cena, no mesmo

sentido para sair de cena, ou ainda, ficando parados sobre ele. Os atores

contracenam e reagem à movimentação do palco conforme a necessidade do

enredo contado.

2.1.3.2 Plateia

Ainda no trecho do episódio trabalhado de Vai Que Cola, assim que Dona

Jô joga o buquê de casamento, praticamente quando a cena de imaginação já está

sendo finalizada, uma pessoa da plateia o pega. Esse enquadramento da

intersecção da plateia com o personagem é, segundo Soares, uma característica

peculiar das sitcoms nacionais. A plateia brasileira é mais do ativa que a da sitcom

americana. Ela aparece mais e participa mais dos quadros. No caso de Vai Que

Cola, a plateia se liga ao palco teatral ao ser enquadrada pelo diretor. Como

apontado no capítulo sobre a teatralidade, é a relação estabelecida na contracena

dos elementos teatrais do palco com os da plateia que a sensação de presença no

telespectador é produzida. No momento em que estão contracenando, a atuação é

repleta de elementos teatrais. Como podemos ver nas figuras 14, 15, 19 e 21, os

personagens têm seus corpos quase totalmente voltados para a plateia. Essa

comunicação direta com o público presente na gravação gera um espetáculo em que

plateia e palco se conectam estrategicamente, representando ao telespectador um

único show, um corpus uno.

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A plateia de Vai Que Cola merece atenção em seu processo de produção.

Desde quando planejava o palco giratório, de acordo com Rodrigues, ele já definia

qual seria o estilo da sua plateia. O diretor pensou em um público que representasse

a família brasileira. Para concretizar isso, inicialmente a plateia era formada por

convidados. Rodrigues solicitava que a equipe e o elenco convidassem os próprios

parentes e amigos. Essa organização tinha como objetivo fazer com que as pessoas

de casa se identificassem, se sentissem próximas do público presente na gravação.

O diretor acreditava que isso iria fazer com que o telespectador sentisse vontade de

dividir aquele momento com sua própria família em casa.

Figura 45 - Palco giratório e as câmeras. Além das duas câmeras na parte de cima do palco, há

outras em meio a arquibancada que se viram para a plateia.

Fonte: A própria autora. Dia: 4 de jun. 2015.

Esse esforço do diretor para aproximar a plateia do público de casa está

intimamente relacionado com o Estar aí do teatro, com o conceito de presença que

apontamos no capítulo sobre a teatralidade. Ele tem fundamental contribuição para

alcançar o telespectador de Vai Que Cola. Para isso, a plateia é um elemento teatral

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que foi potencializado, trabalhado dentro das possibilidades de Vai Que Cola, na

direção de fornecer o sentimento de presença ao telespectador.

Conforme a sitcom foi tendo visibilidade, o público foi surgindo

voluntariamente. Hoje, cabe ao produtor de plateia do programa Cleidson Gonçalves

selecionar quem são as pessoas que preenchem as cadeiras do programa. Há

principalmente três formas de seleção. O espectador pode ser um convidado da

equipe, pode ter enviado um e-mail endereçado ao produtor ou ser parte de uma

caravana. Os e-mails representam 40 assentos disponíveis. Segundo o produtor, ele

privilegia as caravanas. Elas chegam principalmente do interior do Rio de Janeiro. A

preferência se deve ao fato de que elas sempre comparecem.16 Muitas vezes, a

pessoa que solicitou a participação por e-mail fica presa no trânsito, tem imprevisto e

não consegue comparecer à gravação. Além disso, as caravanas chegam em

grande número (quantidade de ônibus) e minimizam o perigo de sobrar assento

vago.

Na primeira e na segunda temporada, o funcionamento da produção da

plateia não foi testemunhado pessoalmente pela autora desta pesquisa. Porém, tudo

indica que o esquema de todas as temporadas foi igual ao da terceira temporada,

período que contou com o acompanhamento da pesquisadora. Nas visitas ao

programa foi possível testemunhar como os três públicos são produzidos.

Os convidados têm uma sala reservada para espera. As pessoas que

solicitam participação por e-mail e são selecionadas ficam em um espaço externo

delimitado com cadeiras e lanches individuais, juntamente com as caravanas. Antes

de entrar, são formadas filas separadas para cada um desses grupos. Todas as

pessoas entram pela mesma porta e ocupam a seguinte ordem: os convidados são

direcionados para a primeira fileira da plateia, os espectadores que enviaram e-mail

para a primeira e a segunda fileira, e o público que veio com as caravanas

preenchem o restante das fileiras. A todo o momento, o produtor Gonçalves

direciona com auxílio de um microfone sobre o palco o local em que as pessoas

16 Depoimento testemunhado na visita da autora ao programa dia 4 jun. 2015, Riocentro, Rio de

Janeiro.

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devem se sentar para que haja uma distribuição homogênea de assentos

preenchidos. Isso evita a sobra de espaço em meio à plateia.

Após a acomodação de todos, as portas se fecharem, o produtor

agradece a presença, e verifica qual o montante de pessoas vindas de cada uma

das formas por ele produzidas: e-mail ou caravana. Isso serve para que ele possa

controlar suas fontes de produção. Durante esse processo, o produtor faz breves

informes básicos necessários a uma produção, como, por exemplo, solicitar que os

celulares sejam desligados. Em apenas um dos espetáculos assistido pela autora, o

produtor Cleidson Gonçalves avisou que após a gravação quem quisesse fazer

fotografias com os atores poderia esperar na parte externa da porta de entrada.

Coincidência ou não, dos três espetáculos assistidos pela pesquisadora, esse foi o

único que houve essa possiblidade e foi o único em que o ator Paulo Gustavo estava

presente. Não é possível afirmar que o ator foi o único que compareceu à porta -

apesar de vários outros atores terem saído por outra porta do estúdio - mas o que se

quer dizer aqui é que o ator Paulo Gustavo é extremamente popular, assim como o

programa. E, principalmente, desde o seu planejamento, o programa já havia sido

solicitado com a presença do ator. Ou seja, ele é peça fundamental, tanto por já ter

seu público fiel do teatro, do cinema e dos seus programas de TV, quanto por

representar baseado na improvisação, instintivamente, o que é típico de uma

comédia popular. Comédia, que segundo Soares em depoimento para nós, é a de

Niterói, da repetição de gestos, de palavras. Com isso, as peças vão se encaixando:

comédia, palco, plateia, popular. Esse contato com o público que o ator proporciona

faz parte da linguagem do programa e estende o alcance do produto para mais

próximo do público. Tanto o público presente na gravação, quanto o público de casa.

Para alcançar o público de casa, alguns recursos são utilizados: a troca

dos atores com a plateia, o enquadramento da plateia rindo ou reagindo à ação dos

atores, o olhar do ator para a câmera, os erros expostos, entre outros.

A reação da plateia aos atores enquadrada pelo diretor nem sempre

corresponde à reação do público naquele exato momento. Mas como isso é

possível? É q “ ” f

Rodrigues. Como ele mesmo disse, ele manipula, coloca o que considera mais

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apropriado para tentar provocar no telespectador a emoção que deseja com a

construção da cena. O programa tem um complexo sistema de gravação.

Acontecem duas gravações. Uma sem a plateia e outra com a plateia, o que será

melhor compreendido no decorrer da leitura desta dissertação.

Especificamente em Vai Que Cola, os enquadramentos da reação da

plateia são geralmente captados antes do início da segunda gravação. Juntamente

com informações como local em que se encontra a saída de emergência, instruções

sobre como se comportar, sobre o que dizer e não dizer (uma das recomendações é

a de não citar os nomes dos artistas), a importância de aplaudir todos os atores com

a mesma intensidade, entre outras, são inseridas em um pequeno show de um

comediante de stand-up. Em meio às piadas, a plateia vai reagindo e o diretor vai

captando as suas imagens com aproximadamente sete câmeras. Durante ou após

as gravações, essas imagens são colocadas em seus devidos espaços,

estrategicamente encaixadas para dar a impressão de que a plateia ri da piada do

ator. Isso possibilita que as sete câmeras permaneçam voltadas para o palco

durante a gravação. Cada uma tem seu enquadramento do palco, com algumas

exceções que veremos mais à frente a partir do capítulo 3. Portanto, a teatralidade

produzida pelo efeito de presença com a interação do elemento teatral plateia é

viabilizada graças à tecnologia da câmera e à edição televisiva através da

intervenção do diretor. E é assim que teatralidade e estilo televisivo se confundem

aos olhos do telespectador na tela da televisão.

2.1.3.3 Claque

Claque é o termo que define as risadas eletrônicas inseridas na edição de

programas humorísticos, principalmente sitcoms, para dar um efeito de coletividade

(BONAUT; GRANDÍO, 2009, p. 759). Considera-se nesta pesquisa claque como

sinônimo de laugh track, que é um elemento típico das sitcoms tradicionais.

Há ainda um aspecto de suma importância no que diz respeito ao riso nos sitcoms que é a presença (e os efeitos) da laugh track, ou claque. Embora o uso da claque nos moldes em que ocorre no

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sitcom seja uma herança do rádio (PROVINE, 2000, p.140), o fenômeno em si era conhecido e praticado desde há muito tempo; do imperador Nero aos teatros parisienses do século XIX, o efeito que “ f ” os efeitos de textos sobre a plateia. Provine (2000, pp. 150 – 151), carregado de um olhar etológico para o riso, afirma que a claque, no sitcom contemporâneo ou na Roma de Nero, dispara uma reação com funções socializantes. Rimos com a claque para entrar no grupo, não necessariamente por ter achado graça na piada ou na gag. Isso coloca a Teoria da Superioridade em cheque (e, por extensão, as outras teorias também). (PELEGRINI, 2014, p. 191)

Na sitcom do Multishow, as claques utilizadas no programa são

produzidas pela captação do riso da própria plateia presente na segunda gravação

de cada episódio do programa.

O tratamento dado à plateia de Vai Que Cola oferece ao telespectador

um efeito de coletividade, assim como a claque eletrônica. Apesar de ser um efeito

televisivo, a claque eletrônica será estudada aqui porque a imagem da plateia

também cumpre um papel de claque.

Como já apontado anteriormente, a plateia foi planejada pelo diretor,

além de ter sido solicitada no briefing, para produzir o mesmo objetivo da claque. A

sua função é de trazer ao produto a sensação de coletivo, assim como a claque na

televisão e a plateia no teatro.

Apesar de a claque fazer parte do efeito televisivo, em Vai Que Cola ela

reforça a teatralidade – a sensação de presença. Além da risada presente no áudio

da TV, o público de casa vê a plateia no estúdio – “ ”, no caso um estúdio –

rindo e contracenando com os atores.

2.2 Sitcom: o estilo televisivo de Vai Que Cola

Neste item vamos identificar alguns itens do estilo televisivo de sitcom em

Vai Que Cola. Vamos focar em três características principais: a característica textual

da narrativa dos episódios da sitcom tradicional, em que o roteiro traz texto unitário;

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o estilo de câmera da sitcom tradicional: o three-headed monsters camera e a

multiple-camera; e a simulação do estilo de câmera da sitcom não tradicional: a

single-camera.

2.2.1. Episódio unitário

A temática da sitcom tradicional foi originalmente centrada na família.

Como exemplo é possível citar Father Knows Best (NBC, 1954). Com o passar do

tempo, as personagens das sitcoms posteriores passaram a ser apresentadas a

partir de sua personalidade e profissão Posteriormente, em Mary Tyler Moore Show

(CBS, 1970 o local de trabalho ganhou espaço (BONAUT; GRANDÍO, 2009, p. 759).

Essa adaptação faz sentido também em Vai Que Cola. Não mais a família, não o

escritório, mas sim, uma pensão é a temática de Vai Que Cola. Com seu núcleo de

personagens fixos, a ideia de pensão pode remeter aqui ao novo núcleo familiar das

cidades grandes. Nela são representados vários tipos de personalidades quebradas

financeiramente até a 2ª temporada, que dividem um mesmo espaço: uma moradia

na zona norte do Rio de Janeiro, mais especificamente no Méier. Representando a

C “j ” a sitcom se aproxima da cultura

carioca moldando a personalidade e a profissão de suas personagens em referência

à atual cultura brasileira.

Como foi visto anteriormente, para contar a história de cada personagem,

de acordo com Soares, ele criou tipos de personagens brasileiros que, aos olhos dos

autores como Bonaut e Grandío (2009, 759), é característico da sitcom ter

personagens estereotipados. Contudo, o autor de Vai Que Cola prefere chamar de

arquétipos, devido ao tom pejorativo dos estereótipos, pois os primeiros

personagens da sitcom brasileira foram baseados nos personagens da commédia

dell’arte.

A narrativa de cada episódio de Vai Que Cola é caracterizada como

fechada, ou seja, tem início, meio e fim: o texto é unitário. O conflito é apresentado e

resolvido dentro dos aproximados 45 minutos de episódio, raramente o

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acontecimento de um episódio interfere nos seguintes. Essa característica da sitcom

tradicional é um traço que a distancia dos seriados abertos, pois estes que trazem

acontecimentos complexos, que percorrem toda a série e não configuram um

episódio como uma unidade (SAVORELLE, 2010, p. 17-18)

Para Mills (2009, p.17), a comédia é um dos gêneros mais favorecidos

pelo formato seriado, pois este auxilia na construção de uma familiarização dos

telespectadores com as personagens. Alguns dos fatores que podem ter contribuído

para que Vai Que Cola conquistasse o status de hábito entre os telespectadores,

são a serialidade dos dias e horários (os episódios inéditos são veiculados sempre

de segunda-feira à sexta-feira, às 22h30, no canal Multishow), e a serialidade dos

episódios fechados. Isso pode ter potencializado os momentos cômicos e favorecido

à ação do telespectador de ligar a TV nesses dias específicos para assistir às

mesmas piadas.

A serialidade e a repetição se encaixam no planejamento inicial do

Multishow e do criador Soares. Soares em entrevista diz que, logo de início, queria

uma comédia que fizesse o telespectador ligar a TV todos os dias para assistir

sempre a mesma piada. Como explicitado anteriormente, ele se inspirou nas

repetidas piadas da sitcom de sua infância, Chaves. Contudo, não são apenas os

fiéis telespectadores que ganham com a serialidade. A narrativa fechada favorece o

espectador casual. Segundo Savorelli (2010, p. 17-18), o telespectador casual

consegue acompanhar um único episódio sem ter assistido a nenhum anteriormente.

Após o texto unitário e a serialidade, o próximo item irá tratar da

característica da câmera utilizada em Vai Que Cola.

2.2.2 O direcionamento da visão do telespectador: three-headed monster

camera, multipe-camera e single-camera

Vai Que Cola é editada com imagens captadas por, no mínimo, sete

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câmeras ao todo.17 Esse número varia de acordo com o planejamento do diretor. Já

foram experimentados uma câmera fixa ao centro do palco e o acréscimo de mais

uma cammate.18 Essas câmeras são os principais instrumentos utilizados para

transportar o telespectador para o ponto de vista que o diretor desejar. Seis delas se

alojam na segunda fileira da plateia. Elas ficam estrategicamente posicionadas em

frente ao palco, próximo ao clássico formato de gravação da sitcom, desenvolvida

pelo cinegrafista Karl Freund para a gravação de I Love Lucy (CBS, 1951-7) (MILLS,

2009, p.39)19: “o ‘three-headed monster’ (Putterman, 1995)”. Freund utilizava três

câmeras posicionadas em frente ao palco. A câmera central enquadrava os dois

personagens em conjunto, deixando claro ao espectador o posicionamento dos

atores no espaço e as outras duas enquadravam a reação de cada personagem.

17 Esse número foi testemunhado pela autora desta dissetação na visita ao programa em junho de

2015 e confirmada nesse mesmo dia pelo depoimento do cameraman Júlio Mirancos, responsável pela câmera de número dois do programa, posicionada na segunda fileira da plateia. Entrevista concedida a Ana Márcia Andrade no dia 2 de junho de 2015.

18 Cammate é uma espécie de grua que dispensa a presença de um cameraman sobre a grua

direcionando a câmera. Se não todos, a maioria dos programas faz uso de uma cammate localizada a esquerda da plateia, que se movimenta sobre ela e fornece enquadramentos amplos do palco teatral (naturalista) como um plano geral, por exemplo. No dia 08 de setembro de 2015, quando presenciamos a gravação de mais um episódio da terceira temporada que aconteceu no Riocentro, no Rio de Janeiro, um segundo cammate estava presente ao lado direito da plateia, posicionado opostamente ao primeiro. O número de câmeras está sujeito a constantes mudanças de acordo com a criatividade dos diretores.

19 Karl Freund foi um dos maiores diretores de fotografia da história do cinema. Nasceu em 16 de

janeiro de 1890, Königinhof, Bohemia, Austria-Hungary e faleceu em Santa Monica, Califórnia, EUA, em 3 de maio de 1969. Participou de muitas produções importantes expressionistas. Fotografou grandes filmes como os clássicos alemães O Golem (1920) e de Fritz Lang, Metrópolis (1927). Em 1929, foi convidado a trabalhar nos EUA. Na Universal, iluminou clássicos como Drácula (1931) (FREUND, 2015). Dirigiu também alguns filmes, principalmente de terror, e em 1937, ganhou o Oscar de Melhor Fotografia com Terra dos Deuses.

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Ilustração 1 – O posicionamento da câmera no esquema do three-headed monster câmera

ou multiple-camera

Fonte: BUTLER, 2010, loc. 4404.

Essa fórmula marcou a origem do modelo tradicional da sitcom norte-

americana (MILLS, 2009, p.39).

Os dois ou três personagens de I Love Lucy eram facilmente distribuídos

entre as três câmeras do three-headed monster camera. Com o uso do three-

headed monster camera, o número de câmeras variou. Porém, na sitcom tradicional

o posicionamento das câmeras permaneceu o mesmo, à frente de um palco. Os 11

ou 13 personagens de Vai Que Cola seriam dificilmente enquadrados com apenas

três câmeras. Por isso, o uso de mais do que o dobro do número de câmeras no

programa do Multishow talvez se justifique pelo número de personagens da sitcom

brasileira ser bem maior. Vamos a partir de então, considerar o uso da multiple-

camera (BUTLER, 2010, loc. 4368) para a sitcom estudada, que é uma segunda

nomenclatura para o three-headed monster camera com três ou mais câmeras

posicionadas em frente ao palco.

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O conceito multiple-camera foi apontado por Jeremy G. Butler (2010, loc.

4368) no livro Television Style. Logo no pós-guerra da Segunda Guerra Mundial

essa convenção fez parte da história da televisão americana. Como exemplo, o

autor cita Mama (1949-57) e The Goldbergs (1949-56), transferidos do rádio para a

televisão. Eles foram transmitidos ao vivo em estilo de teatro com proscênio e

audiência. Esse modelo não precisava esconder o proscênio e a cortina como foram

os outros sitcoms posteriores (BUTLER, 2010, loc. 4368).

Na contramão de sitcoms contemporâneas que tentam esconder as

teatralidades presentes, Vai Que Cola faz questão de acentuá-la, explorando ainda

mais o que já foi utilizado nas sitcoms similares brasileiras. Ela acentua a exposição

do processo de produção de Família Trapo e Sai de Baixo e amplia ainda mais os

bastidores, incluindo os maquinários do estúdio, a equipe e os limites do seu palco.

O modo de produção e o estilo geral dos primeiros formatos de

performances da televisão americana ao vivo são atribuídos por Butler (2010, loc.

4369) mais às tradições do vaudeville americano e ao music hall britânico, do que

aos programas narrativos gravados nos estúdios de rádio dos Estados Unidos.

Programas de rádio podiam construir diegeticamente mundos em espaços internos e externos, ou, até, na superfície da lua – limitado apenas pelos recursos de seus departamentos de efeitos sonoros e imaginação dos seus ouvintes. As primeiras transmissões ao vivo pareciam mais um modesto palco do vaudeville, raso conjunto, iluminação ampla e que Bordwell, depois de o historiador de arte Heinrich Wolfflin, chama de Plano "planimétrico"- "espalha os artistas como luva ao longo de apenas uma linha"- em vez de movê-los em profundidade, para cima e para baixo do palco, por assim dizer.20 (BUTLER, 2010, loc. 4379)

20 N g : “Radio programs could construct diegetic worlds set indoors, outdoors, or, indeed, on

the surface of the moon, limited only by the resources of their sound effects departments and their listeners' imaginations. Early live television looked more like a vaudeville stage with modest, shallow sets, broad lighting and what Bordwell, after art historian Heinrich Wolfflin, calls "planimetric" staging - "spread[ing] the performers out like clothes on a line, along a single plane" - rather than having them move in depth, up and down stage, as it were.”. (Butler, 2010, loc. 4379, tradução minha)

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Figura 46 - Uma performance vaudeville.

Fonte: Butler, 2010, loc. 4366.

Podemos fazer um mesmo paralelo com o início da sitcom brasileira. O

teatro de variedades e revista, até mesmo a chanchada do cinema nacional (Teatro

Revista, 1991, p. 217) podem ter contribuído para a atuação expandida com o uso

de arquétipos para a farsa e a teatralidade existente em Vai Que Cola, de acordo

com Soares.

Apesar de o formato de Vai Que Cola apresentar o palco e a plateia

teatral, o programa não é gravado em um teatro convencional como Sai de Baixo

(2002), no teatro Procópio Ferreira; e Família Trapo, no teatro Record. A sitcom do

Multishow foi gravada em áreas amplas nos locais próprios para eventos como o

HSBC Arena, no caso da primeira e da segunda temporada, e o Riocentro, no caso

da terceira temporada. Essa escolha do espaço deve-se ao fato de o diretor

Rodrigues querer que a plateia surgisse do nível do palco para cima, por uma razão,

segundo ele, especial. O diretor afirma que Vai Que Cola foi gravado em um local

deste tipo para dar uma sensação de conforto e aproximar a plateia dos

personagens. Esse calor foi fundamental, segundo ele.

Nos Estados Unidos da América, esta estratégia de colocar a plateia em

um estúdio foi atribuída por Butler (2010, loc. 4390) ao casal Lucille Ball e Desi

Arnaz`s, quando investiram o próprio dinheiro na sitcom I Love Lucy. Butler (2010,

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loc. 4385) coloca ambos como os principais responsáveis pela mudança para a

transmissão ao vivo com a imagem captada por película, o que foi uma exigência da

dupla, pois nenhum dos dois queria o visual inferior do Kinescolpe (BUTLER, 2010,

loc. 4400), que era o que transmitia ao vivo naquela época.

Figura 47 - Desi Arnaz fala para a platéia de I Love Lucy.

Fonte: Butler, 2010, loc. 4401.

Assim, a comédia americana mudou de um verdadeiro estilo de teatro

proscênio, que era herança do vaudeville, para um estúdio de televisão. Nele, o

público senta na arquibancada, surgindo do chão do palco para cima, ao invés de

ocupar um assento do teatro convencional. A nova disposição é a mesma que

Rodrigues planejou para Vai Que Cola.

No Brasil, entre as três sitcoms comparadas que exploram os elementos

teatrais, Vai Que Cola foi a primeira a construir um set de gravação em estúdio com

palco teatral, ao invés de gravar no palco de um teatro convencional.

Os elementos teatrais do estilo televisivo da sitcom tradicional deixam

importantes rastros, mas a sitcom Vai Que Cola dá seus passos para além da

teatralidade. Apesar de se estruturar primariamente sobre a multiple-camera, ela

explora estrategicamente ensaios tímidos do campo de visão proporcionado pelo

estilo de direção com single-camera, típico de uma sitcom não tradicional. O próximo

item se incumbe de explicar sobre o tema.

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2.2.2.1 Single-camera

Em 1978 e 1988, quando a sitcom era a força dominante na televisão

americana, o modo de gravação multiple-camera se consolidou. Na primeira década

do século XXI, esse modelo foi desafiado por um outro tipo de narrativa cômica, que

utilizou agressivamente um estilo de gravação televisivo na sitcom: a single-camera

(Butler, 4322). O uso de apenas uma câmera é privilegiado nesse modo de

produção. A câmera é reposicionada e os equipamentos adaptados à nova posição.

Não há ordem cronológica na gravação das tomadas, pois o orçamento e o prazo

determinam o planejamento da produção. A edição acontece posteriormente à

captação da imagem. Butler (2010, loc. 4322) cita como exemplo quatro sitcoms que

trabalharam com esse estilo. Eles foram utilizados como estratégia da NBC para

tentar reaver seu antigo prestígio que parecia ser inalcançável. A emissora

transmitiu nas quintas-feiras à noite, durante a temporada de 2006-7, essas quatro

sitcoms agrupadas. Foram elas: My name is Earl (2005), The office (2005), Scrubs e

30 Rock (2006).

O estilo televisivo que utiliza da single-camera como estrutura principal de

enquadramento, segundo Butler (2010, loc. 4335), buscou essa estratégia no estilo

da produção cinematográfica. Na televisão, logo após o período da hegemonia da

sitcom tradicional, foram experimentados vários níveis de utilização da single-

camera no gênero da comédia, algumas em níveis extremos, com excessiva

estilização e visual exibicionista.

A single-camera e a multiple-camera são comparadas, por Butler (2010,

loc. 4672-4712), em uma tabela que pode nos auxiliar a compreender o efeito do

conjunto de enquadramentos que o diretor Rodrigues aplica em Vai Que Cola.

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Tabela 1 - Esquemas multiple-camera e single-camera

Multiple-camera Single-camera

Esquema Proscênio Esquema Televisual

Cinematografia

Enquadramento impreciso Enquadramento preciso

Dependência de planos médios Close-ups e close-ups extremos

Pós-independente Pós-dependente

Planos não subjetivos Planos subjetivos

Zoom Faixa/dolly/steadicam

Câmeras fora da quarta parede/proscênio

Câmeras dentro da quarta parede

Movimento do eixo-x Movimento dos eixos-x e z

Nível dos olhos (ou ligeiramente superior) Ângulo baixo/alto

Grande profundidade de campo ( MS â câmera-objeto, e iluminação)

Escolha de foco raso (câmera perto do objeto) ou foco profundo (c/ composição em profundidade)

Composição equilibrada Composição desequilibrada

V ” ”

Velocidade de ação variável (Câmera lenta ou ação rápida)

Texto/gráficos somente em créditos

Texto/gráficos durante a narrativa

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Mise-en-scene

Interiores e exteriores de estúdio Interiores e exteriores

Iluminação high-key Iluminação low-key, mais modelado, Chiaroscuro

Cenografia proscênio (conjunto de três paredes)

Cenografia tridimensional (conjunto quatro paredes)

Bloqueio eixo-x, algumas diagonais

Bloqueio eixo-x e ocasionalmente eixo-z

Vistas desobstruídas Enquadramento de abertura

Edição

Eixo fixo de ação Eixo móvel de ação

Lacunas; ação ausente Controle total da ação

Alguns cortes POV Cortes POV

Tomadas de reação POV ou tomadas subjetivas

Montagem não Montagem

Tempo de cena teatral Tempo cinematográfico

Espaço de cena teatral Espaço cinematográfico

Edição linear Descontinuidade de espaço temporal

Ritmo baseado em rir (lento) Ritmo baseado em Narrativa (mais rápido)

Piadas visuais não diegéticas

Montagem intelectual

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Som

Trilha do riso Sem trilha do riso

Resposta da audiência de estûdio (suspiros, etc) Sem sons de audiência

Música não-diegética limitada com letras

Música com direitos autorais, com letras

Funcional, suporta narrativa Auto-reflexiva, intertextual e/ou simbólica

Nenhum diálogo não-diegético Tendência para o voice-overs

Frases de efeito

Variado

Aparecimento de liveness/presença

Efeito de foto/ausência presente

Baseado em comédia stand-up Baseado no ator

Performer orientada Médio orientada

Controlado pelo desempenho Controlado pelo diretor

Gag orientada Narrativa orientada

Animado

*POV - Ponto de Vista

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Fonte: BUTLER, 2010, loc: 4672-4712, tradução minha21

.

21 A tabela abaixo é a tabela original de Butler (2010, loc: 4672-4712), que está traduzida nas páginas

anteriores.

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Apesar de trazer quase todas as características da multiple-camera

apontado por Butler, Vai Que Cola traz nos planos representados nas figuras as

seguintes características: plano subjetivo ao enquadrar a plateia a partir do ponto de

vista dos atores ou da equipe do programa; movimento de uma panorâmica (PAN);

câmera dentro da 4ª parede (explora em plano ousado oposto à 4ª parede);

composição desequilibrada; cenografia tridimensional (conjunto de 4 paredes); eixo

móvel (auxílio do placo giratório); controle total da ação (movimentação em PAN);

foco profundo (com composição de profundidade); enquadramento de abertura;

controle total da ação; tomadas subjetivas; baseado no ator; e controlado pelo

diretor.

No seu livro Televison Style, Butler (2010, loc. 4333) demonstra como

Scrubs rejeita a abordagem ascética da produção da sitcom e revela capacidades de

estilos televisivos. A sitcom parodia o estilo multiple-camera da sitcom tradicional no

episódio My life in four câmeras (15 de fevereiro, 2005). Do estilo single-camera

(vide figura 48) a sitcom muda para o enquadramento estilo multiple-camera (vide

figura 49) e amplia ainda mais o quadro mostrando outras duas câmeras que

representam o tradicional estilo multiple-camera (vide fig. 50). Essas duas câmeras,

retratam diegeticamente22 a imaginação do personagem principal, que conta em voz-

over ao telespectador que, às vezes, sua vida parece uma sitcom.

22 Diegese é o mundo representado na ficção e vivido por seus personagens. Pavis conceitua a

palavra da seguinte maneira, especificando ao final com um elemento valioso para esta dissertação: “A g f ‘ modalizado pelo dicurso. (...) A diégese apresenta- ‘ (...) q q q ‘f .” (2007, p.96-97).

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Figura 48 - A transição do episódio Scrubs de produção single-camera para multiple-camera é assinalada por uma mudança na iluminação de low-key, quase um estilo de iluminação para

film-noir...

Fonte: Butler, 2010, loc. 4330.

Figura 49 - ... para uma iluminação high-key.

Fonte: Butler, 2010, loc. 4339.

Figura 50 - Um take aberto do frame de Scrubs configurado para a produção de multiple-

camera.

Fonte: Butler, 2010, loc. 4348.

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Essa troca de estilos foi proposital e pode ser compreendida no

depoimento do produtor Bill Lawrence, de Scrubs. Nele, o produtor diz que ele tenta

produzir coisas engraçadas mudando um pouquinho o formato.

O que estamos tentando fazer no meio disso (a paródia de multiple-cameras), apesar de que estamos fazendo histórias sitcommy e coisas sitcommy, é em última análise uma grande experiência para os fãs. O que significa que ainda estamos escrevendo piadas engraçadas. Então, eu espero que as pessoas gostem em dois níveis - espero que eles vão vê-lo e riem porque nós escrevemos coisas realmente engraçadas, e em algum nível, estão desfrutando também o fato de que nós estamos mudando um pouquinho o formato.23 (LAWERECE apud BUTLER, 2010, loc. 4322)

Ao fim de sua reflexão, apesar de considerar que a distinção entre os

estilos de enquadramentos seja válida, o autor Butler (2010) acredita que o estilo

televisivo não está na diferença existente entre os dois modos de produção, multiple-

camera e single-camera, e sim entre um esquema organizado para capturar a

performance da vida e a organização para permitir que o próprio meio performe.

Para Butler (2010),

No esquema televisivo, o estilo é agressivo, áspero e opaco, não liso e transparente. Ele carrega um significado. Faz piadas. Ele pode chamar a atenção para si mesmo. Ele pode até mesmo fazer coisas estranhas parecerem familiares, criando a arte como técnica24. (BUTLER, 2010, loc. 4715)

Vai Que Cola parece ir por um caminho próximo. Imerso nesse

hibridismo, a sitcom brasileira utiliza dos dois estilos de enquadramentos televisivos

23 N g : “W at we are trying to do in the midle of it [the multiple-camera parody], even though

w g g g x f f . W w w g f j k . S I w k it on two levels – f watch it and laugh beacause we took time to write really funny stuff, and on some level be enjoying the fact that we- w k g f .” ( AWE ECE apud BUTLER, 2010, loc. 4322)

24N g : “ f f g z w f f . I

televisual schema style is agressive, roughened, and opaque, not smooth and transparent. It carries meaning. It makes jokes. It might call attention to itself. It can even make familiar things seem strange, g q .” (BUT E 2010 loc. 4715)

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mudando um pouco o formato e fazendo piadas, com a intenção de potencializar o

cômico.

Figura 51 - Palco Vai Que Cola - Cenas do episódio 24, “Tubaroa”, da 2ª temporada da sitcom

Vai Que Cola do canal Multishow

Fonte: DAILYMOTION, 2015

Para alcançar a sua capacidade estilística televisiva, a sitcom do

Multishow usa o estilo tradicional da multiple-camera proscenium em sua estrutura

principal de enquadramento juntamente com esse estilo tradicional de sitcom, Vai

Que Cola explora esporadicamente características dos enquadramentos da single-

camera em cenas estratégicas para potencializar a comicidade e/ou criar uma

intimidade, uma cumplicidade com o telespectador. Dentre os vários frames que

poderiam ser apontados, entre eles closes, vamos escolher apenas um, que será

detalhadamente analisado no capítulo.

A “T ” (2014) da

segunda temporada. A câmera localizada no centro do palco que oferece ao

telespectador visão total e frontal da plateia fica posicionada exatamente do lado

oposto das sete câmeras posicionadas no modo de produção multiple-camera.

Apesar de esse não ser o enquadramento que mais traz características do estilo

single-camera de Vai Que Cola, ele foi eleito por apresentar uma hibridização nítida

entre os dois estilos. O posicionamento desta câmera é possível com o

deslocamento de uma das sete câmeras posicionadas no esquema multiple-camera

ou com uma única câmera fixa camuflada em meio ao cenário.

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A single-camera é utilizada de diferente forma em Scrubs. A sitcom é

produzida fora do estúdio e oferece luz cinematográfica próxima à do Cinema Noir

(figura 48), por exemplo. Ao contrário de se voltar para o estilo do cinema, Vai Que

Cola retorna às teatralidades. Utiliza luz, máscara e corpo teatral, cenário, palco e

plateia, por exemplo. Ao invés de na tela televisiva estar registrado o cenário com as

informações diegéticas necessárias à história ficcional, ao fundo da cena de Vai Que

Cola, a plateia preenche a profundidade de campo (vide figura 51), ao contrário do

cenário de Scrubs (vide figura 52).

Figura 52 - Espaço piramidal em Scrubs: J.D. caminha em direção a câmera em um corredor,

enfatizando sua profundidade visual.

Fonte: Butler, 2010, loc. 4836.

Ambos exploram, nas cenas apresentadas, o efeito piramidal da single-

camera, porém de forma inversa. A partir do olhar do telespectador, Scrubs

enquadra a base da pirâmide, que se afunila para a ponta acompanhando a

profundidade de campo e o trabalho de iluminação cinematográfica low-key.

Vai Que Cola já oferta ao telespectador um ângulo de pirâmide invertida,

da ponta para a base. Ela promove um olhar único. Segundo o diretor Rodrigues,

este olhar é ofertado especialmente ao telespectador, que não está ali presente na

plateia. Nesse ângulo piramidal é possível observar as câmeras, a estrutura da

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iluminação, o estúdio da própria sitcom. Já as câmeras de Scrubs enquadram o

cenário da ficção.

A utilização desse hibridismo de estilos permite ao editor de Vai Que Cola

um estilo ainda mais dinâmico, ou melhor, mais ousado do que a sitcom que usa

“multiple-take” - “ k ”. O take múltiplo capta vários ângulos de um

mesmo take, o que, “permite que o editor faça cortes mais rápidos e varie o material

g ”25 (BUTLER, 2010, loc. 4638).

Como as soap-operas americanas, as sitcoms americanas são gravadas

em apenas em um único dia, geralmente durante a tarde. Para conseguir

acompanhar o grande fluxo de produção, ambas são geralmente editadas ao vivo, o

que Butler (2010, loc. 4623) chama de live-on-tape. Elas podem ser também

transmitidas ao vivo, porém, isso não é o mesmo que serem editadas ao vivo. Assim

também é Vai Que Cola. Ela é editada ao mesmo tempo em que é gravada, ou seja,

live-on-tape.

No momento do live-on-tape, várias câmeras captam um mesmo tempo

da história ficcional. Mesmo que uma primeira versão seja editada simultaneamente

à captação de imagens, o diretor de Vai Que Cola tem a possibilidade de trocar

planos indesejáveis por qualquer outro captado pelas seis câmeras remanescentes

da segunda gravação, ou ainda, por qualquer imagem captada pelas câmeras da

primeira gravação feita sem a plateia.

No capítulo 4, vamos descobrir como foi captada a cena de Vai Que Cola

com características da single-camera.

25 N g : “T -take editing schema, as we might call it, does allow editors to cut more

rapid pace and to vary the original material.”. (BUTLER, 2010, loc. 4638)

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3. ESTILO TELEVISIVO DA SITCOM TRADICIONAL

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3.1 Um pouquinho além do elemento teatral no palco VQC: o início de um hibridismo

Como falar sobre televisão sem ainda falar de cinema? Inspirada na

bibliografia trazida por Jeremy G. Butler (2010), que em busca de uma poética da

televisão em Television Style, utilizou análises cinematográficas de David Bordwell,

faço algumas reflexões sobre o produto televisivo utilizando algumas discussões do

cinema.

Para Bordwell (2008, p.342),

As tradições privilegiam certas práticas em detrimento de outras. Revisando, rejeitando ou reestruturando a herança de seus antecessores, os diretores exercitam sua competência, seu julgamento e seu poder de escolha.

Se considerarmos que a televisão se alimentou em seus primórdios de

profissionais do cinema, além do teatro e do rádio, ela pode ainda replicar ou

revisitar a tradição cinematográfica. Alguns autores diriam que a distância entre o

estilo televisivo e cinematográfico é cada dia menor. Mas o que o palco teatral tem a

ver com cinema e TV? Vai Que Cola é uma sitcom que coloca à disposição do olhar

do espectador a rampa teatral apontada por Aumont (2006, p. 14), presente também

no cinema, como veremos à frente. No enquadramento conjunto representado na

figura 53, ela é colocada praticamente ao centro do quadro.

Além da rampa, mais um item fundamental aproxima Vai Que Cola do

cinema: a câmera. O depoimento do cineasta Walter George Durst, que participou

do início da televisão adaptando textos dos teatros clássicos para a televisão,

demonstra o rústico início dos profissionais do mais novo veículo nacional.

De repente eu percebo o que é o... o que era uma câmera, a mágica, o que aquilo fazia, o que ... a beleza duma câmera em movimento, o quanto ela mudava, transformava as coisas, uma parede que era uma porcaria, não era nada, era uma tapadeira caindo, tudo bem tratado, como... tudo aquilo virava misterioso, sensacional. (DURST,1979 apud BRANDÃO, 2010, p. 40)

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Como a maioria dos pioneiros da TV brasileira, o depoimento de Durst

mostra que ele não encontrou no cinema brasileiro uma infra-estrutura de imagem e

de som como aconteceu com o início da TV americana. Ao contrário do veículo de

comunicação americano, que já começou com produções de Hollywood diretamente

para a televisão, o veículo brasileiro abasteceu-se em sua maioria do rádio e do

teatro. O cinema brasileiro passava por um de seus piores momentos. Em 1954, a

Vera Cruz encerrava suas produções e as chanchadas que dominavam as telas do

cinema brasileiro eram marginalizadas. No Brasil, foi no rádio, mas principalmente

no teatro, que a televisão encontrou fonte formadora de pessoal e dramaturgia

(BRANDÃO, 2010, p. 40).

O teatro ajudou a TV a construir seus formatos teledramáticos de programas e emprestou ao veículo, tanto em São Paulo quanto no Rio de Janeiro, seus principais atores, que, por sua vez, tornaram-se mais populares ao grande público. Contudo, a maioria dos profissionais imortalizados por sua atuação nos teatros, e muitos, ainda hoje, engajados na produção ficcional da TV, nos anos 1950 e meados de 1960, pertenceram ao cast dos teleteatros. (BRANDÃO, 2010, p. 40)

Em meio à convergência dos recursos técnicos incipientes, à criação dos

pioneiros e à acolhida de uma audiência que começava a se perfilar, os teleteatros

apareciam como os programas mais importantes do período e norteavam a

programação ficcional televisiva em toda a América Latina (BRANDÃO, 2010, p. 40).

Entre uma centena de atores que poderiam ser citados, Cristina Brandão (2010, p.

40) aponta as participações em teleteatros de Procópio Ferreira, Maria Della Costa,

Ziembinsky, Sérgio Cardoso, Cacilda Becker, Sérgio Britto, Ítalo Rossi, Paulo Autran,

Natália Timberg, Zilka Salaberry, Francisco Cuoco, Laura Cardoso e Fernanda

Montenegro.

Brandão (2010, p. 42) atribui ao teleteatro, desbravador do desconhecido

terreno da linguagem televisiva, o pioneirismo que hoje reflete no padrão de

qualidade das telenovelas e minisséries brasileiras.

É nessa mistura de técnicas, da estrutura do palco teatral com rapidez do

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texto do rádio e com a câmera cinematográfica, que vamos percorrer este capítulo26.

Neste espírito, vamos analisar um possível estilo híbrido na sitcom do Multishow.

Apostando nessa possibilidade, o livro Cinema e Encenação de Jacques Aumont

(2006) x “A A ” M g (1983) g

de base para compararmos a possível herança teatral e cinematográfica no

enquadramento do palco giratório de Vai Que Cola (Multishow, 2014).

Segundo Jacques Aumont (2006, p.14), apesar de os filmes serem cada

vez menos encenados27 q “

estar frente a qualquer coisa, que está separada de nós por uma rampa, real ou

virtual, e que vai, durante o tempo da representação, oferecer-nos um simulacro

”. P

mesmo que isso não perdure por muito tempo.

Em princípio, a televisão não oferece o elemento teatral representado

pela rampa cinematográfica de Aumont (2006). Entretanto, assim como o cinema,

ela pode ter reduzido sua encenação que, por sua vez, foi substituída pela mediação

e subjetivação do posicionamento estratégico de câmeras. Com sua capacidade

tecnológica, a câmera manipula o ponto de vista do espectador e substitui o esforço

da movimentação corporal do ator teatralizado para, muitas vezes, simples olhares e

expressões faciais.

Em meio à atuação mais contida do ator quando representa frente à

câmera de uma ficção televisiva, o programa do Multishow Vai Que Cola pode andar

na contramão dessa tendência. A sitcom soma a mediação tecnológica,

especificamente a câmera, à encenação do palco teatral em momentos estratégicos.

A série exacerba a performance do palco giratório em momentos estratégicos. Por

26 Neste capítulo, quando falamos em câmera cinematográfica, nos referimos à opinião de

M g: “enquanto o palco dramático é mais largo perto da ribalta, estreitando-se para o fundo, o palco cinematográfico é mais estreito na frent g f ” (MUNSTERBERG, 1983 [1916], p.27). A single-camera será tópico da sitcom não tradicional no capítulo 5 desta dissertação.

27 Encenação significa aqui mise en scène. Utilizada de acordo com a tradução feita por Pedro Elói

Duarte do conceito de mise en scène, utilizado por Jacques Aumont (2006, p.12) em O Cinema e a Encenação.

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sua vez, além de expor o limite do seu cenário, o palco gira sobre seu centro. É em

meio a esse exagero de encenação herdado do teatro, hibridizado quando captado

pelo ousado posicionamento estratégico das câmeras e mediado pelo aparelho

televisivo (MILLS, 2009: 39), que o palco giratório de Vai Que Cola toma forma,

corpo e movimento.

Neste item da dissertação, o objetivo é identificar um possível hibridismo

presente no 24ª episódio da segunda temporada de Vai Que Cola “T ”

(MULTISHOW, 2014), testemunhando uma ritualização provocada pela teatralidade,

como estratégia de um programa televisivo28.

Na temporada em questão, a sitcom conta com mais de dez personagens

fixos, como vistos anteriormente. O cenário que compõe o palco do episódio em

questão é composto pelo quarto do personagem Ferdinando, pela sala com a

cozinha americana, pelo portãozinho dos fundos e pela laje. No enredo, Ferdinando

recebe uma correspondência de Toninho Tubarão (participação especial de Fábio

Porchat) e todos descobrem que ele está devendo ao perigoso agiota do Méier.

Após os moradores da pensão ficarem desesperados e tentarem ajudar o concierge

Ferdinando, sem sucesso, inesperadamente, nos últimos minutos do episódio,

Toninho Tubarão e Ferdinando saem dos bastidores dublando uma música trajados

com vestidos femininos, descem para o proscênio, contracenam com a plateia, e

performam em volta do palco que gira até completar 360º.

Nestes últimos cinco minutos do episódio, o giro do palco, juntamente

com a encenação dos atores, amplia o conceito de platô e do espectador televisivo

até o tapete vermelho de Peter Brook (1970), quando o elemento teatral é

ritualizado.

Se o teatro é essencialmente artificial, a entrada dos atores lembra-lhes que eles estão agora entrando num lugar especial, que exige figurino, maquilagem, disfarce, mudança de identidade – e o público também se veste especialmente, de forma a sair do mundo cotidiano,

28 TUBAROA. Vai Que Cola. Multishow. 5ª Temp., epis. 24, Brasil: Multishow, 27 out. 2014, às

22h30. Seriado. Disponível em: <http://www.dailymotion.com/video/x29g8nc_vai-que-cola-2x24-tubaroa-hd_fun>. Acessado em: 7 ago. 2015.

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pisando num tapete vermelho, até um lugar privilegiado. (BROOK, 1970, p.74)

No programa televisivo, a ampliação do platô se concretiza quando o

proscênio, a plateia, o limite do cenário e a equipe do programa são enquadrados

com o palco teatral em meio ao discurso ficcional da sitcom. Consequentemente, o

espectador televisivo é estimulado a ampliar seus sentidos e suas interpretações

sobre a sitcom, quando consome desse enquadramento híbrido (naturalista e

bastidores). Assim que escolhe assistir ao produto, o telespectador é induzido a se

sentir próximo à plateia do teatro, pisando no tapete vermelho até seu lugar

privilegiado29.

Essa interação da mise-en-scène do palco contracenada com os atores

oferece ao telespectador um único ritual: a teatralidade como presença. Do ponto de

vista de um programa televisivo, atores, cenário e plateia são uma coisa só.

3.1.2 Palco ou caixa cênica de Vai Que Cola

Como definir a caixa cênica em Vai Que Cola? Essa foi a pergunta

imediata que fizemos ao sermos apresentados ao texto de Munsterberg (1983)

intitulado “A A ”. N f duas artes presentes em 1916:

o teatro e o cinema. Ele diz: “E q g

ribalta, estreitando-se para o fundo, o palco cinematográfico é mais estreito na frente

g f ” (MUNSTERBERG, 1983, p.27).

Em Vai Que Cola, pode ser observada essa diferenciação do palco

dramático, porém, mediado pelo aparelho televisivo e não pela reflexão da tela

cinematográfica. Então, apesar de ser um produto televisivo, é possível ver na caixa

cênica da sitcom as duas características apontadas anteriormente por Munsterberg

(1983): o palco teatral de Vai Que Cola que se estreita ao fundo, e o palco

29 O tema sobre telespectador Vai Que Cola é melhor discutido no subitem 6.2 desta dissertação.

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cinematográfico, no caso, o televisivo, que amplia o cenário da sitcom ao fundo.

Tudo depende do enquadramento orientado pelo diretor Rodrigues aos cameramen.

Os dois estilos de palco podem ser testemunhados tanto em enquadramentos

separados, como em um mesmo enquadramento.

Próximo dos três últimos minutos do episódio estudado de Vai Que Cola,

“T ” q f (

azuis que fecham a cena no fundo) simula a visão de um palco teatral ao

telespectador (vide figura 53). O segundo enquadramento em plano conjunto

(enquadrando as pernas do ator em primeiro plano e personagens ao fundo) é mais

estreito na frente e se alarga ao fundo como o plano cinematográfico (vide figura 54).

Entretanto, já no terceiro enquadramento, uma sensação híbrida é produzida na

cena, quando a câmera capta o palco e a plateia em um mesmo quadro. Nesta

cena, a parte frontal do palco decorada como a sala da pensão (cenário naturalista)

é mais larga que o fundo da sala (limitada pelas paredes amarelas e azuis).

Paralelamente a esse cenário, três fileiras da plateia que se estendem para sete

fileiras ao fundo do plano (vide figura 55) são enquadradas em primeiro plano. Neste

último enquadramento, o cenário naturalista (azul e laranja) com a exposição dos

seus limites superiores e laterais proporciona a visualização do cenário teatral,

enquanto a plateia proporciona enquadramento próximo ao cinematográfico

ampliando o cenário ao fundo, ambos em um mesmo plano.

Figuras 53 a 55 - Palco Vai Que Cola - Cenas do episódio 24, “Tubaroa”, da 2ª temporada da

sitcom Vai Que Cola do canal Multishow

Figura 53 Figura 54

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Figura 55

Fonte: DAILYMOTION, 2015

Experimenta-se nestes três planos um possível hibridismo de estilos do

enquadramento da caixa cênica provocado pela proximidade e distanciamento mediado

pela câmera. Vai Que Cola não se limita à abstração radical do não cenário como

cenário, proposta pela estética do teatro pobre de J. Grotowski ou P. Brook, na qual o

“ ” g . No entanto, é

“ â ” (PAVIS, 2007, p.44) que Vai Que Cola mais se aproxima. A

sitcom ê “fragmentar o espaço. Ela conduz o espectador de um lugar

para outro” (PAVIS, 2007, p.44, grifo do autor), conforme raciocínio desenvolvido no

próximo item. Essa condução é direcionada pelo palco giratório do programa. Sem que

a plateia mude de lugar, os vários cenários montados sobre o palco se apresentam à

plateia presente, alternadamente. Esse cenário é restrito aos cômodos da pensão. Ele

gira de acordo com a necessidade da história ficcional, alternando-se entre os quartos

dos personagens, a sala com cozinha americana, a laje e o portão dos fundos.

Resumindo, vários cenários revezam o mesmo espaço ao girar sobre seu próprio

centro, expondo-se a uma mesma plateia.

Desse modo, o programa propõe duas formas de cenários simultâneos. Na

primeira forma: o de Vai Que Cola não divide o espaço em um palco teatral estático,

sem movimento. Ele se faz simultâneo quando vários cenários fragmentam o mesmo

espaço alternadamente, proporcionado pelo giro do seu palco, conforme pode ser visto

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nas figuras 56 a 67. No segundo, ele também é considerado simultâneo, quando em um

mesmo plano, enquadram os dois tipos de cenários levantados por Munsterberg (1983):

o teatral e o cinematográfico. O conjunto desses dois enquadramentos em um único

formam nesse enquadramento um tipo de cenário televisivo híbrido.

Figuras 56 a 67 – Diferentes palcos de Vai Que Cola - Cenas do episódio 24, “Tubaroa”, da 2ª

temporada da sitcom Vai Que Cola do canal Multishow

Figura 56 Figura 57

Figura 58 Figura 59

Figura 60 Figura 61

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Figura 62 Figura 63

Figura 64 Figura 65

Figura 66 Figura 67

Fonte: DAILYMOTION, 2015.

Conforme o exemplo retirado do episódio 24, mostrado na figura 55, o platô

televisivo foi dividido ou ampliado em dois palcos: o cenário, onde se passa a ficção

(visão do palco teatral); e a plateia, que de forma indireta passa a cumprir papel ativo no

f “ ” dor (visão do cenário

cinematográfico, citado por Munsterberg (1983). O conjunto de ambos forma apenas

um palco, o televisivo: o palco híbrido da sitcom Vai Que Cola. Dois requisitos técnicos

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foram essenciais para que o cenário televisivo de Vai Que Cola se enquadrasse como

simultâneo: o palco giratório e o enquadramento da câmera.

3.1.3 Fragmentação do espaço: o palco giratório de Vai Que Cola

Inicialmente, é importante compreender como a série transporta seu

telespectador para diferentes lugares e como ela fragmenta o seu espaço.

A estratégia de linguagem televisa fica responsável pelo posicionamento

da visão do telespectador. O posicionamento da câmera escolhe e impõe o ponto de

vista de cada plano assistido por ele. Já a mecanicidade e a flexibilidade do palco

giratório teatral auxiliam na fragmentação do espaço. Como ambos interagem entre

si, é importante salientar que há inter-relação entre o palco giratório e a câmera.

Esse duplo movimento interno na imagem soma cenário e ação narrativa.

Durante os três últimos minutos do episódio, o telespectador é levado pela câmera

para, no mínimo, mais de dez cenários, ou seja, mais de dez palcos diferentes (vide

figuras 56 a 67). O palco giratório co-protagoniza essa “fragmentação” com a câmera,

como já vimos no item anterior. Ainda se pode observar a atuação dos atores que

direcionam o olhar da câmera ao descer do palco e contracenar com a plateia no

proscênio. Todos eles gravados em uma mesma locação, na ribalta ou no proscênio.

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4 ESTILO TELEVISIVO DA SITCOM NÃO TRADICIONAL

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No capítulo anterior, apontamos que o estilo televisivo da sitcom

tradicional é a estrutura principal das câmeras de Vai Que Cola: multiple-camera

(Butler, 2010). Neste capítulo, vamos nos aprofundar em uma das características da

sitcom não tradicional presente na sitcom do Multishow: a single-camera. Conforme

apontamos no capítulo 2, vamos nos aprofundar no efeito deste recurso de câmera

em Vai Que Cola.

4.1 Rastros da single-camera em Vai Que Cola: a câmera sobre o palco

Um plano não muito usual nas produções brasileiras como Sai de Baixo e

Família Trapo30 está presente em Vai Que Cola. A plateia é enquadrada

frontalmente. Ao fundo do enquadramento, o público sentado em sua cadeira é,

então, visualizado pelo telespectador (vide figura 70). Mas não para por aí. A plateia

é vista com um efeito do movimento de câmera PAN, da direita para a esquerda

(vide figuras 74 a 76). Para realizar o quadro, o diretor quebrou a estrutura básica

das câmeras televisivas posicionadas no esquema multiple-camera. Rodrigues criou

duas estratégias capazes de construir planos opostos à sua estrutura principal que

enquadram como a single-camera (vide tabela 1). Elas são: a) o deslocamento de

uma das câmeras posicionadas em frente ao proscênio para cima do palco (vide

ilustração 3 e figura 68); ou b) o posicionamento de uma câmera fixa – simulando

uma single-camera (vide ilustração 4 e figura 70) - que capta imagens ao mesmo

tempo que as outras sete câmeras do multiple-camera durante a gravação.

Representada nas ilustrações 2 e 3, a primeira estratégia desloca uma

das sete câmeras retiradas do esquema multiple-camera. O segredo está no

deslocamento de uma das seis câmeras frontais. A câmera frontal numerada como

“ â ” x

30 Quando Família Trapo é utilizada como referência de comparação do objeto de estudo, baseia-se

na análise dos poucos episódios da sitcom que sobreviveram ao incêndio da Record.

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sobre a arquibancada do público, é deslocada estrategicamente até o centro do

palco giratório que completa uma circunferência (vide ilustração 3).

Ilustração 2 – Esquema principal dos posicionamentos de câmeras em Vai Que Cola

Fonte: A própria autora, adaptado de BUTLER (2010), 2015.

Ilustração 3 – Deslocamento da câmera 1 para o centro do palco de Vai Que Cola

Fonte: A própria autora, adaptado de BUTLER (2010), 2015.

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A “ â 1” colocada no centro do palco, configurando talvez um plano

radical para os padrões da ficção televisiva brasileira. Ela pode exemplificar a

indução aos diferentes pontos de vista do telespectador. Na cena, a câmera está

estrategicamente localizada no interior do cenário da sala da pensão de frente para

a plateia, conforme mostra a figura 66. Especificamente o plano da figura 66 é da

terceira temporada de Vai Que Cola. Portanto, não é referente ao episódio

apresentado neste capítulo. Ele serve apenas para exemplificarmos uma das duas

formas por meio das quais o diretor Rodrigues utiliza as câmeras para produzir um

efeito de single-camera na sitcom. O diretor diz preferir utilizar a câmera na mão

como na imagem representada abaixo porque ela dá mais vida à cena. As cenas

geralmente são captadas após toda a gravação do episódio. A plateia é orientada a

demonstrar a mesma energia durante a gravação do episódio, e o plano pode ser

captado mais de uma vez.

Figura 68 – A foto demonstra os bastidores do deslocamento da câmera 1 representada na

ilustração 3.

Fonte: A própria autora, 04 jun. 2015.

O frame da figura 70 não foi captado pelo deslocamento da câmera 1. O

frame é resultado da imagem captada por uma câmera fixa posicionada no balcão

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da recepção da Dona Jô (vide figura 69 e ilustração 4). Nesse momento, a câmera

fixa soma-se às sete multiple-cameras básicas da sitcom.

Ilustração 4 – “Single-camera” fixa posicionada no centro do palco de Vai Que Cola.

Fonte: A própria autora, adaptado de BUTLER (2010), 2015.

Figuras 69 a 70 - Enquadramentos opostos realizados por uma câmera fixa sobre o palco, “single-camera”, e uma das sete câmeras do esquema multiple-camera. Cenas do episódio 24, “Tubaroa”, da 2ª temporada da sitcom Vai Que Cola

Figura 69 Figura 70

Fonte: DAILYMOTION, 2015.

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Figuras 71 a 73 - Enquadramento frontal da plateia posicionada no centro do palco Vai Que Cola - Cenas do episódio 24, “Tubaroa”, da 2ª temporada da sitcom Vai Que Cola do canal Multishow.

Figura 71 Figura 72

Figura 73

Fonte: DAILYMOTION, 2015.

Dessa forma, o telespectador é colocado diante de outro cenário em que

parte da mobília disposta fica em primeiro plano e as costas dos atores formam a

atuação principal com a plateia ao fundo. O corpo do ator toma forma muito peculiar

para os modelos televisivos de sitcom brasileira que utiliza do palco teatral como

platô: suas costas são enquadradas quase em primeiro plano (vide figura 72).

Ironicamente, o telespectador é posicionado próximo ao oposto do seu ponto de

vista anterior (vide figura 73), oferecendo um campo e um contra-campo ao

telespectador. O contra-campo (figura 72) ultrapassa o limite da quarta parede

utilizando o enquadramento do esquema single-camera. A câmera estrategicamente

posicionada sobre o palco nesse plano, com o auxílio do palco giratório, claramente

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conduziu o espectador de um lugar para outro, fragmentando o espaço. O platô

televisivo foi ampliado para além do palco teatral. A ritualização da teatralidade

transforma os bastidores da gravação do programa, plateia e o palco teatral um

único espetáculo.

A plateia é peça fundamental para que a ritualização se concretize na

sitcom. O enquadramento do público conduz ao sentimento de coletividade,

gê ô q z q “

” g q x . É “ ” (BEN E

1996, p.24-25). Provavelmente, o plano que enquadra a plateia pode ser justificado

pela necessidade de transpor ou sugerir o sentimento da plateia ao telespectador.

Apesar de já termos apontado anteriormente, aqui é interessante

reapresentar a opinião de Mills (2009, p. 16):

É por isso que a sitcom ‘ g em frente de uma plateia presente no estúdio. [...] Essa plateia sinaliza para o q q ‘ ô x ê (MEDHURST; TUCK, 1982, p.45), ajuda a alinhar o telespectador doméstico com aqueles presentes na gravação ao vivo31. (MILLS, 2009, p.16)

Mills diz que a sitcom tradicional é gravada em frente a uma plateia, assim

como apontado nas figuras 46, que representa a apresentação do vaudeville, e da

figura 47, que demonstra a plateia de I Love Lucy. O autor não afirma que a câmera

enquadra a plateia. Não afirma também que a câmera enquadra as costas do palco

com a plateia ao fundo, como Vai Que Cola. Retomando as sitcoms Família Trapo e

Sai de Baixo, é importante ter em conta que apesar de enquadrar a plateia, elas

também não apresentam o exótico plano com o ator e o cenário de costas. Muito

menos ofertam o movimento de câmera aí incluído. Não seria absurdo, portanto,

31 N g : “I f ‘ f f f . [...]

This audience is signalled to the viewers at home g g k w ‘ f x (M T k 1982 . 45) g stic viewers w w w g”. (MILLS, 2009, p.16, tradução minha)

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dizer que aqui neste plano, parece se apresentar uma característica singular de Vai

Que Cola e talvez, inédita para uma sitcom brasileira. O próximo item irá se debruçar

sobre esta estratégia pontual, a simulação de uma single-camera, e o capítulo 6.2 irá

se aprofundar no possível efeito produzido no telespectador pelo ritual

proporcionado pela plateia.

4.2 Ponto mais híbrido de Vai Que Cola: a câmera, o palco giratório, a plateia e

o movimento do conjunto

O palco faz uma circunferência sobre si mesmo de 360º,

continuadamente, revezando os diferentes cenários naturalistas (imitam o real) que

reproduzem os cômodos da pensão. À medida que ele vai girando, os atores se

locomovem até seus respectivos espaços na mise-en-scène, como parte da

estratégia da encenação.

O movimento em PAN da câmera posicionada no centro do palco, no

fundo do cenário naturalista, enquadrando a plateia, propõe uma situação atípica. O

movimento fragmenta o cenário em dois palcos. O palco naturalista gira e a

arquibancada onde se localiza a plateia permanece parada. O descompasso dessa

movimentação é provocado pela movimentação do cenário e não de um objeto ou

de um ator. No cinema, geralmente, a câmera e o ator se movimentam. No

teleteatro, os atores e as câmeras se deslocavam até um novo cenário. A gravação

era, muitas vezes, ao vivo. Gafes e erros aconteciam muito.

Enquanto o palco naturalista gira ao redor do próprio centro para sua

direita, a câmera, fixada de frente pra plateia sobre o centro palco e o acompanha,

vai enquadrando novas pessoas da plateia e retirando de cena as posicionadas à

esquerda. Sendo assim, o conjunto da plateia enquadrada se modifica com o efeito

PAN que é causado pelo giro do palco e não somente com o movimento da câmera,

até enquadrar os bastidores, luz e parede da série (vide figuras 74 a 76). O espaço,

portanto, é modificado e fragmentado voluntariamente como parte da estratégia

narrativa.

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Figuras 74 a 76 - Giro do palco naturalista de Vai Que Cola - Cenas do episódio 24, “Tubaroa”, da 2ª temporada da sitcom Vai Que Cola do canal Multishow

Figura 74 Figura 75

Figura 76

Fonte: DAILYMOTION, 2015.

Amplia-se, assim, a caixa cênica, novamente para além do cenário da

ficção. Pode-se observar um cenário simultâneo apresentado anteriormente no

capítulo quatro. Aqui é possível observar um hibridismo de cenários. Em uma visão

geral, o cenário naturalista se funde com o próprio limite de suas paredes e seu

chão, com a plateia, com as estruturas de iluminação, com o staff, com o proscênio,

com a ribalta, com os cameramen posicionados em meio a esta e as respectivas

câmeras. Imageticamente, o ator está circundado por possíveis espaços cênicos.

Como observado anteriormente, a plateia é pré-produzida para participar desses

momentos.

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A sitcom amplia a mise-en-scène a tal ponto que o telespectador tem

mais de um ponto de vista. Fazendo uma analogia, o palco está exposto por vários

pontos de vista, o que faz com que ele se assemelhe ao palco de uma arena teatral

simulada. A câmera fornece ao telespectador a sensação de ver o cenário pela

frente e pelos fundos do palco (ao ter acesso ao plano com as costas dos atores). E

o palco giratório fornece a visão lateral quando gira. Portanto, o telespectador pode

experimentar uma simulação cujo efeito é próximo à sensação de assistir à série por

quase todos os lados, como se ele estivesse sentado em quatro poltronas diferentes

e opostas entre si na arena. Importante observar que as costas do ator só o

telespectador vê. A plateia não. Existem, portant x “ g ”

vistos apenas pela TV. A troca fluida entre o palco e a plateia se aproxima da

ritualização da teatralidade, da sensação de presença, o que nos remete a pergunta

de Peter Brook (1970, p.74):

Agora, o momento do espetáculo, quando chega é alcançado através de duas entradas – a sala de espera e a entrada dos atores. Serão estas, em termos simbólicos, laços de união ou devem ser consideradas símbolos de separação? Se o palco se liga à vida, se o auditório se liga à vida, então as portas devem ser livres e as passagens abertas devem possibilitar uma transição fácil da vida exterior para o local de encontro. (BROOK, 1970, p.74)

O palco e a plateia de Vai Que Cola são, em termos simbólicos, laços de

união ou devem ser considerados símbolos de separação? Por todas as

características apontadas, aqui a interpretação adotada é a de que a união da

plateia e do palco em Vai Que Cola é fundamental para a construção do espetáculo

fornecido à audiência televisiva. O espetáculo proporciona o ambiente necessário à

produção de presença ao público t . O “ ” de Peter Brook

(1970) parece ser experimentalmente estendido ao telespectador de Vai Que Cola.

Essa característica específica parece ser o ponto mais híbrido de Vai Que Cola. A

mistura do estilo televisivo e a teatralidade da sitcom pode fazer pensar que o

diálogo do palco giratório e da plateia com a câmera aproxima a televisão, por

analogia, ao pensamento de Peter Book (1970, p.6):

Num teatro vivo, começaríamos o ensaio diário testando as descobertas do dia anterior, prontos para acreditar que a verdadeira

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peça nos escapou mais uma vez. Mas o Teatro Morto trata os clássicos supondo que, em algum lugar alguém já descobriu e definiu como o drama deve ser representado.

A obra Vai Que Cola parece se inspirar no espírito de um teatro vivo de

Peter Brook (1970). Experimentando um pouquinho mais além do que já foi utilizado

na televisão, a série procura estender a presença da teatralidade ao telespectador

simulando uma TV viva como campo estendido.

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5 TEATRALIDADE E TV:

A HIBRIDIZAÇÃO DAS ESPECIFICIDADES

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As especificidades da teatralidade e da televisão foram apresentadas

separadamente até agora. A partir deste capítulo, o intuito será verificar uma

possível hibridização destas especificidades. Como o campo expandido da

teatralidade pode já estar tão fundido no modelo de sitcom, a ponto de já fazer parte

do estilo televisivo de Vai Que Cola? Como acontece a hibridização? Como a gag e

o ao vivo mesclam esses dois estilos de linguagens em Vai Que Cola? Estes são os

últimos objetos de estudo dessa trajetória.

5.1 Gag em Vai Que Cola

A sitcom conserva sua imobilidade de forma diferente da soap-opera. A

última bloqueia o desenrolar narrativo com o auxílio da verborreia persistente e a

primeira através de piadas duplicadas (ESQUENAZI, 2011, p. 100-101). Iremos

agora descrever o processo cômico habitual de Vai Que Cola realizado por piadas

duplicadas. Seguiremos o raciocínio de Esquenazi (2011, p. 101), ele cita dois

típicos do formato da sitcom: a tipificação do personagem e a definição de ritmos

internos que atuam como refrãos de música. Ambos são manifestos também por

gags.

O conceito de gag não é definido de uma forma padronizada. Na intenção

de oferecer um breve resumo, a literatura revisada por Pelegrini objetiva o histórico

de possibilidades.

Aumont & Marie (2012, p. 141) “ g ” g cinematográfico. (...) Neale & Krutnik (1995, p. 51) propõe restringir a x “ ô g ” [SIC]. A resgatar a origem do termo, apontam que enquanto a gag era, na sua origem, um ato de improviso, posteriormente o seu sentido “ - ” [SIC]. É a comicidade construída etapa por etapa, aos olhos do telespectador. Tal definição não é aceita pacificamente. Alguns objetam que a gag não precisa ser uma construção complexa, mas tão somente um ato cômico visto (simples como um escorregar ou tropeçar). A posição dos autores, neste sentido é conciliadora. Aceitam chamar de gag tanto uma quanto outra situação, desviando a atenção para o fato de que ambos os casos constituem um desvio do fluxo narrativo; uma

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digressão em relação a história. (...) Para Karnick e Jenkins (1995ª, p. 63), a comédia baseada em gag tem raízes na dinâmica do vaudeville. (PELEGRINI, 2014, p. 194, 195)

A definição conceitual de gag para esta dissertação é a herdada do

vaudeville. No caso da gag realizada pelo personagem Valdo, que será estudada

neste capítulo, é uma ação cômica não linguística que foi de início improvisada e

depois pré-preparada quando reutilizada. Ela desvia temporariamente o fluxo

narrativo e a história ficcional.

O comediante Paulo Gustavo atua em certos momentos com movimentos

corporais que podem instigar o estudo do estilo televisivo. Esses curiosos traçados

com o corpo remetem a gestos teatrais que podem retirar risadas da plateia. Por que

o corpo de Valdo seria cômico? Arriscamos uma resposta apoiados em Bergson

(2004, p. 22): “as atitudes, os gestos e os movimentos do corpo humano são risíveis

na exa q f z â ”.

O primeiro questionamento instigante do corpo em Vai Que Cola

aconteceu no primeiro episódio da séri “S g ‘ g ” 32. Ao

interpretar o golpista Valdo, o ator Paulo Gustavo fez um enorme gesto na vertical

com a mão e com os braços (vide figuras 83 a 85).

Esse traço corporal foi novamente utilizado no fim deste mesmo episódio

(vide figura 89 a 91). O efeito repercutiu novamente em sua utilização na estreia da

segunda temporada, no episódio chamado “J B ”. Ambos foram

utilizados na apresentação do enredo ficcional que estruturou toda a história da

sitcom. É possível ainda testemunhar a repercussão deste movimento em outros

episódios, pelo uso de um ou de mais personagens ao mesmo tempo. O cômico

aqui não é mais aplicado somente pelo movimento estranho diante da câmera Vai

Que Cola e, sim, pela comicidade da semelhança (PROPP, 1992, p. 55-58). Seu uso

é ampliado quando todos os personagens juntos realizam coreograficamente o

mesmo gesto em uma mesma cena. A coreografia do grupo pode ser observada no

32 Que foi ao ar no dia 8 de setembro de 2013.

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episódio “T ” (2014) 24 g .

Por que o poder cômico desse gesto? Por que um gesto simples,

aparentemente teatralizado, foi reutilizado depois em várias cenas diferentes? Será que

sua repetição significa um feedback positivo do público?

A “ g ” a

definição para o conceito, Bergson (2004, p. 1-5) aponta três observações

fundamentais. A primeira consiste na ideia de que “ f q q

”. A g a insensibilidade: “A f

natural. O riso não g q ”. diz que “

riso precisa de eco. (...) Não saborearíamos a comicidade se nos sentíssemos

isolados”. Consideramos esses três pilares do riso e mais o clássico procedimento de

repetição da comédia apontados por Bergson (2004), os motivos da comicidade da gag

de Valdo. A observação dos movimentos do personagem permite perceber que seus

gestos remetem imediatamente aos movimentos corporais do personagem hilário,

Bronco, de Família Trapo (RECORD, 1967-1971), representado pelo eterno comediante

Ronald Golias (1929-2005) “E P ” (1967).33 O segredo para

o sucesso de ambos pode estar nesta repetição da gag, que traz em seu poder o

efeito de interromper o desenvolvimento da história contada, pelo movimento do

corpo dos atores.

Parece difícil negar a estranheza do tamanho do movimento corporal não

naturalista em meio a uma ficção televisiva, o que quebra com o simulacro do corpo

naturalista representado. Essa quebra produz um distanciamento positivo cômico,

principalmente para as comédias, o que é o caso das duas ficções citadas. O riso da

plateia ou a sua imagem é fundamental na sitcoms brasileiras, pois, assim como

observado por Bergson (2004), ela fornece o eco necessário para produção da

comicidade. Ninguém ri sozinho, diz o autor (BERGSON, 2004, p. 4).

33 Faz-se, neste item, referência específica a gag de Bronco, presente no episódio Especial com Pelé

(1967), porque o gesto é composto pelo movimento dos membros superiores e do corpo de Golias, assemelhando-se, assim, a gestualidade com as mão de Paulo Gustavo. Além disso, a gag é introduzida pela fala do personagem, assim como em Vai Que Cola.

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Mesmo que a repetição e a duplicação sejam construtoras da comicidade

da semelhança (PROPP, 1992, p. 55-58) nos personagens de Vai Que Cola, é

possível observar ainda a existência de uma característica individual de cada um ao

realizar a mesma gag. Para Maria Helena Pires Martins (2010, p. 253), o significado

de um gesto de um agente parcial dependerá necessariamente do contexto em que

ele aparece.

Este contexto pode ser de três tipos: o contexto do próprio corpo (...); o contexto oferecido pela palavra quando esta de alguma forma acompanhar o gesto; e, finalmente, em termos bastante amplos, o contexto cultural no qual se insere. (MARTINS, 2010, p.253-254)

N “ x ” de um personagem está incluso também o

resultado do contexto do corpo do próprio ator no seu dia a dia, com seus limites

fisiológicos, e não apenas o contexto ilusionista do corpo do personagem. Mesmo

que dois atores se doem completamente a um mesmo movimento dentro contexto

ficcional, cada corpo imprimirá seu limite corporal único. Isso é possível ser

observado quando todos os personagens realizam a mesma gag em Vai Que Cola.

Como pode ser observado no episódio “T ”, apesar de a matriz do movimento

ser a mesma, cada ator executa o movimento com peculiaridades individuais: alguns

mais rápidos, outros mais lentos; alguns mais amplos, outros mais tímidos; alguns

mais primorosos, outros mais desajeitados. Há uma contribuição de cada ator,

apesar da contextualização de suas personagens, no acontecer das gags. É isso

que instiga em Paulo Gustavo e Ronald Golias. Ambos exibem momentos dentro da

ficção peculiares, dotados algo que os destacavam da realidade simulada. Eles

retiram da plateia risos com gestos inesperados, autênticos, individuais e

burlescos34.

Neste item, buscar-se-á a possível gag realizada por Paulo Gustavo com

z “S g

34 Os risos da plateia em Família Trapo podem ser testemunhados pelos registros que eternizaram o

momento da gag, quando foi transmitida ao vivo, pela Rede Record. Já Vai Que Cola, é gravado. Portanto, é incerto afirmar a produção do cômico na plateia somente assistindo o episódio em casa. Entretanto, em visita às gravações do programa foi possível verificar reações extremamente positivas das gags realizadas por Paulo Gustavo durante as gravações.

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‘ g ” 2013. Também será analisada sua repercussão no primeiro

g “J ” 2014 P

Gustavo. Para isso, utilizarei como comparação a gag interpretada por Ronald

Golias, como o personagem Bronco, no Especial com Pelé (1967), da série Família

Trapo. Como um dos pioneiros, Charles Chaplin também contribuiu como

representante dos filmes burlescos, com a famosa cena dos parafusos em Tempos

Modernos (Charles Chaplin, 1936).

5.1.1 Burlesco e Gag

O burlesco é um estilo e um princípio estético de composição que inverte

os signos do universo representado. Ele trata como nobre o trivial e como ordinário o

que é nobre. Assim, ele é um pedaço do ridículo que desproporcionaliza a ideia que

se tem de algo e sua ideia verdadeira (PAVIS, 2007). Segundo Patrice Pavis (2007),

o burlesco estava presente no século XVII, na França, como gênero literário e no

balé burlesco. De acordo com o autor, vinculado ao gênero parodiado, o estilo se

serve da sátira social, do panfleto ou da política, muitas das vezes. Mas no século

XVI, a Commédia dell’art (teatro de origem italiana, encenado nas ruas) já trazia

uma característica burlesca com sua lazzi: “Uma improvisação mímica e às vezes

verbal, mais ou menos programada e inserida no canevas – se desenvolve num jogo

autônomo e completo, se torna um burla” (PAVIS 2007, p.61).

No entanto, foi no cinema mudo que o burlesco tomou sua forma

audiovisual. O primeiro filme burlesco é atribuído aos irmãos Lumière, em 1896, com

o registro de O Regador Regado, L’arrouseur Arrosé. Charles Chaplin, Buster

Keaton, Irmãos Marx e M. Sennet são alguns dos representantes do cinema

burlesco, que se diferenciam pela presença de perseguição e pela gag. Justificado

pela ausência do som, os corpos exagerados no cinema mudo marcavam

movimentos e animações importantes e admiráveis em frente à câmera. Nos filmes

burlescos, assim como no cinema de Lumière, que registra a reprodução mecânica

do movimento, acontece um simulacro da imagem realista que pode ser quebrado a

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qualquer momento pela gag. A partir de então, há um desmascaramento da

normalidade representada, quando algo imprevisível acontece em meio a uma

situação de dia a dia, bastante banal (LYRA, 2003, p.189).

Indispensável para deflagrar o efeito burlesco, a gag surge em situações

variadas:

Polícia correndo atrás de bandido, cachorro acossando um vagabundo, comerciante perseguindo ladrão, mulher à procura do marido. [...] Para correr melhor; as senhoras levantam as saias, e os tornozelos à mostra é uma atração nos filmes de perseguição. (TOULET apud LYRA, 2003, p.187)

A gag é usada no cinema f ê 1920. U z “um efeito

ou um esquete cômico em que o ator parece improvisar e que é produzido

j õ ” (PAVIS, 2007, p.181).

Segundo Pavis (2007, p.181), a gag é, “na gíria dos estúdios, um achado irresistível

q g f ô ”.

Gag em Tempos Modernos

Tempos Modernos traz um exemplo preciso de gag. A clássica e famosa

f “ g ”

uma gag corporal (LYRA, 2003, p.187). Na cena em questão do filme, Chaplin

continua fazendo os movimentos de apertar os parafusos assim que deixa a esteira

de produção (vide figuras 77 a 79). Mesmo sem utilizar de texto, aqui a gag faz uma

crítica social do modo de produção industrial.

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Figuras 77 a 79 – Gag realizada por Charles Chaplin em Tempos Modernos - Cenas do filme

mudo Tempos Modernos (Charles Chaplin, 1936)

Figura 77 Figura 78

Figura 79

Fonte: VIMEO, 2015

Há também atores atuais que se utilizam de gags, mesmo em filmes

sonorizados, como Leslie Nielsen, Jim Carrey e Mr. Bean. Este último é muito

presente na televisão. Assim como as gags apresentadas por Mr. Bean, nos

programas televisivos cômicos elas fazem muito sucesso, principalmente, nas

sitcoms. Segundo Esquenazi (2011, p.101), para conservar a imobilidade, a sitcom

utiliza a repetição de gags ou de estilos de gags, propondo ao público uma forma de

cumplicidade de segundo grau e tornando as questões narrativas secundárias.

Como exemplo, o autor cita a sitcom Friends (WARNER BROSS, 1994-2004).

Assim como Friends, Vai Que Cola e Família Trapo trazem alguns

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processos cômicos habituais de uma sitcom, como a tipificação de personagens e a

definição de ritmos internos. É dentro desse ritmo que elas apresentam gags que

“constroem então a sua imobilidade repetindo em cada episódio um jogo de graças

rituais, ligeiramente variadas de um episódio para outro, mas que utilizam esquemas

ê ” (ESQUENAZI, 2011, p.101).

Logo à frente, podemos observar as gags das duas sitcoms brasileiras.

Ao contrário da gag do filme burlesco, as brasileiras utilizam do movimento corporal

e do texto para a construção da gag.

Gag em Família Trapo

A cena de Ronald Golias, que lembra a capacidade de utilizar o corpo do

ator para produzir comédia como a de Paulo Gustavo, está em um dos poucos

episódios que restaram de um segundo incêndio na TV Record: a gag presente no

“E P ” 1967. O B

performance merecedora de destaque. Assim como as cenas apresentadas

anteriormente em Vai Que Cola, realizadas pelo personagem Valdo, aquele

movimento também se destaca do simulacro real apresentado.

No episódio em questão, Bronco está bravo porque o capitão do time das

crianças da rua, do qual participa, decide convidar outro jogador para jogar na sua

posição. Esse novo convidado vai a casa deles. Bronco, exibido, o esnoba e o

ensina a jogar. Só que esse novo membro da equipe é o rei do futebol, o jogador de

futebol Pelé, que Golias não reconhece, ao contrário evidentemente da plateia e dos

telespectadores.

Entre as várias peripécias de Ronald Golias, separa-se aqui o momento

q B ‘ pênalti ao jogador Pelé. O

personagem introduz a gag dizendo:

Bronco: Repara a tapeação daqui pra cima.

(vide figura 80)

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Nesse momento, ele coloca as mãos na cintura que sobem pelo tronco.

Depois corre até a bola, para, desconfigura o corpo em movimentos alternadamente

para os lados, dessincronizando pernas, tronco, braços e mãos, e chuta

frouxamente com a lateral do pé para o lado contrário de seu corpo. O movimento

pode ser visto nas figuras 80 a 82.

Figuras 80 a 82 – Gag realizada por Ronald Golias em Família Trapo - Cenas do episódio,

“Especial com Pelé”, da sitcom Família Trapo (TV Record, 1967)

Figura 80 Figura 81

Figura 82

Fonte: YOUTUBE, 2015.

Os movimentos do humorista Ronald Golias e do ator Paulo Gustavo nas

sitcoms brasileiras são utilizados várias vezes, causando uma certa imobilidade na

narrativa ficcional, de acordo com a acepção que Esquenazi concede a esta palavra.

No caso da sitcom do Multishow, o movimento se repete em diferentes proporções,

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com diferentes textos e em corpos diferentes. Esse ritual não é aleatório e, sim,

planejado, pois segue a intenção de Soares, quando se inspirou nas piadas diárias

de Chaves, apontadas anteriormente. Além da característica do próprio movimento,

a repetição é uma das premissas básicas para a concretização da comicidade

(BERGSON, 2004). Em conversa com Soares, ele afirma que a piada estava no

roteiro do programa, mas o movimento foi elaborado nos ensaios pelo ator. Como o

conjunto foi aprovado pela plateia, que funciona também como reguladora e

incentivadora, ele foi incorporado em futuros episódios, até mesmo por outros

atores.

A improvisação e a incorporação da personalidade do corpo do próprio

ator (além do corpo da personagem) em Vai Que Cola estão frequentemente

presentes nos episódios. A direção permite a contribuição do elenco. “M

piadas são criadas pela gente. A direção dá essa liberdade.” z E

(2014) em entrevista realizada ao vivo pelo Multishow, antes da transmissão

direta do primeiro episódio da segunda temporada em primeiro de setembro de

2014. Assim, esse inesperado movimento do ator Paulo Gustavo realmente pode ter

surgido espontaneamente nos ensaios. Mesmo que alguma ação do corpo do ator

pudesse ter sido solicitada a ele pela direção, a plástica e a intensidade do

movimento é moldada pelo seu próprio corpo que executa a ação. “C z

” “ f ” q “ f

e das gags” (LYRA, 2003, p.187). O mesmo vale para a memorável capacidade

criativa de Ronald Golias que preenchia parte da produção de comédia em Família

Trapo.

A seguir, será realizada uma análise do corpo e texto presentes nas

cenas da sitcom do Multishow. Logo depois, faremos uma breve comparação com

célebre cena de Charles Chaplin em Tempos Modernos. Aqui as duas últimas cenas

são apontadas apenas como um elemento comparativo ao objeto estudado, mas

nunca menos importante.

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Vai Que Cola: a primeira aparição do corpo burlesco

No primeiro episódio de Vai Que Cola, uma introdução geral de cada

personagem foi feita. O protagonista Valdo se refugia na pensão da D. Jô ao se

esconder da polícia, que descobriu o golpe da Beta Engenharia, empresa da qual

era sócio. Nesse episódio, ele tenta se explicar e convencer D. Jô e os demais

moradores da pensão que ele merece ficar hospedado. Em duas cenas separadas,

ele utiliza o mesmo gesto para intensificar a sua confissão no golpe. Essa

intensificação tira risos da plateia. Se a risada não aconteceu voluntariamente por

parte da plateia, a decisão de introduzi-la ou intensificá-la pode ter sido inspirada no

potencial cômico da cena, uma vez que já se conhece seu poder no audiovisual a

partir dos filmes burlescos.

Esse gesto tem tamanha força cômica que é utilizado novamente pelo

ator quando retoma o assunto ao inaugurar o primeiro episódio da segunda

temporada em 2014. Não finalizando sua repercussão aqui, outros personagens

utilizam da mesma gag em diferentes episódios. Contudo, ela aparece adaptada ao

respectivo corpo do ator, para também produzir a comicidade. Entretanto, estes usos

não serão abordados, já que a dissertação se limita apenas à utilização da gag nos

dois primeiros episódios das duas temporadas.

No primeiro episódio da primeira temporada, a cena aparece próxima dos

20 minutos de programa.35 Ela é introduzida por meio de uma pergunta feita pelo

próprio personagem a ele mesmo. Valdo se questiona:

Valdo: Eu sabia do golpe?

(vide figura 83)

Essa pergunta vem acompanhada com as mãos juntas espalmadas em um

movimento pequeno de elevação das mãos. Logo, ele responde:

35 SE ITA ‘P g . Vai Que Cola. 1ª Temp., epis. 1, Brasil: Multishow, 2 de jul. 2013.

Sitcom.. Disponível em: <http://portalpaulogustavo.com/vai-que-cola/>. Acesso em: 7 ago. 2015.

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Valdo: Eu sabia do golpe.

(vide figuras 84 e 85)

Toda a duração e o ritmo da fala ao responder são acompanhados pelo

gesto corporal do personagem. Com as mãos coladas, assim como no movimento

anterior, seus braços sobem bruscamente em um movimento de abaulamento para

frente, desce quase até o chão e volta à posição inicial (vide figuras 83 a 85). Esse

conjunto de movimento (corpo e texto) produz a gag que retira o espectador da

história contada e produz uma quebra na realidade simulada.

Figuras 83 a 85 - Gag realizada por Paulo Gustavo em Vai Que Cola - Cenas do 1º episódio, “Se

gritar, ‘pega ladrão’”, da 1ª temporada da sitcom Vai Que Cola do canal Multishow

Figura 83 Figura 84

Figura 85

Fonte: Portal Paulo Gustavo, 2015.

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Logo após a gag, vários movimentos curtos e um último com a mão e o

braço direito eretos (vide figuras 86 a 88) finaliza a piada iniciada com a segunda

ação, a gag.

Figuras 86 a 88 - Movimentos pós-gag realizados por Paulo Gustavo - Cenas do episódio 1º,

“Se gritar, ‘pega ladrão’”, da 1ª temporada da sitcom Vai Que Cola do canal Multishow

Figura 86 Figura 87

Figura 88

Fonte: Portal Paulo Gustavo, 2015.

O texto nas duas cenas é um elemento indispensável para fundamentar

as ações. Juntos, o movimento corporal e o texto que introduz esse movimento

produzem uma imagem e um som que induz a plateia a perceber que aquele

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127

momento da cena é singularmente diferenciado dos demais na ficção36. É

exatamente por se distanciar do padrão de atuação televisiva que minimiza os

movimentos dentro da tela da televisão que o movimento de Valdo se torna

particular e provoca estranheza, levando o personagem ao ridículo, o que provoca o

riso.

Toda particularidade ou estranheza que distingue uma pessoa do meio que a circula pode torna-la ridícula. Qual a causa disto? Chegamos aqui a um dos casos mais complexos e difíceis na explicação do cômico. De Aristóteles até hoje os estudiosos de estética repetem que o disforme é cômico, mas não explicam e não definem que tipo de deformidade é risível e qual não é. O disforme é oposto do sublime. Nada que seja sublime pode ser ridículo, ridícula é a transgressão disso. O homem possui certo instinto do devido, do que ele considera norma. Essas normas se referem tanto ao aspecto exterior do homem quanto à norma da vida moral e intelectual. (...) Tem razão L ê q f q “ f ê q ”.

(PROPP, 1992, p. 59-60, grifo do autor)

No desvio da norma televisiva, Paulo Gustavo explora o riso por meio do

corpo burlesco. Poderíamos citar o disforme e o desvio por meio do corpo burlesco

de vários atores da sitcom, mas, por enquanto, o estudo ficará restrito ao de Paulo

Gustavo.

Vai Que Cola: a segunda aparição do corpo burlesco

O movimento burlesco é repetido quase no fim desse mesmo episódio. A

ação cumpre a mesma função da cena anterior: tornar engraçada a confirmação do

próprio personagem, ao confessar que ele participou do golpe. Só que, dessa vez, a

confissão foi para todos os moradores da pensão, não somente para Dona Jô, como

na cena anterior. Sempre uma pergunta é feita antes do início da gag. Ao introduzir

a resposta, o movimento se inicia e termina com a resposta do personagem. A

36 As respectivas fotos não demonstram todos os movimentos realizados, apenas os principais.

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pergunta que introduz a ação é:

Valdo: Eu sabia do golpe?

Logo após a pergunta acima, inicia-se a gag corporal com o texto da

resposta. Valdo junta as mãos, estica o braço, leva até o chão e retorna à posição

inicial. O texto que acompanhou a resposta foi o mesmo da cena anterior.

Valdo: Eu sabia do golpe.

(vide figuras 89 a 91)

Figuras 89 a 91 - Gag realizada por Paulo Gustavo no fim do episódio - Cenas do 1º episódio,

“Se gritar, ‘pega ladrão’”, da 1ª temporada da sitcom Vai Que Cola (Multishow, 2013)

Figura 89 Figura 90

Figura 91

Fonte: portal Paulo Gustavo, 2015.

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Apesar de a gag ser inesperada, sua matriz corporal é reutilizada

repetidas vezes. Não só no mesmo episódio como vimos, mas em vários outros.

Tanto pelo mesmo ator, por outros atores individualmente, e por todos ao mesmo

. E “ epetição de gestos e mímicas, geralmente inventados

pelos atores, é um dos instrumentos mais eficazes para manter cumplicidade da

sitcom ” f E q z (2011 .101).

abaixo, vamos nos restringir à gag realizada ainda por Paulo Gustavo.

Vai Que Cola: reutilização do corpo burlesco na 2ª temporada

Especificamente na cena do primeiro episódio da segunda temporada,

“J ” (2014) gags acontecem em sequência aos 2 minutos e 20

segundos do início. Em cena com Dona Jô, Valdo, sentado na poltrona da sala da

pensão, recapitula sua origem para relembrar o espectador do contexto do

personagem na série.

Valdo: Me diz uma coisa aqui, eu participei do golpe da Beta Engenharia?

(Figuras 92 a 94)

Valdo realiza o gesto de mesma origem do das cenas anteriores, porém,

agora sentado, exacerba ainda mais o movimento, esfregando suas mãos em seu

corpo e levantando sua perna esquerda para cima, contrapondo com a posição das

mãos. Assim, acompanhado por quase o mesmo texto do episódio anterior, ele

realiza a primeira gag da segunda temporada.

Valdo: Eu participei do golpe da Beta Engenharia.

(vide figuras 95 a 97)

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Figuras 92 a 97 – Gag dupla realizada por Paulo Gustavo na 2ª temporada - Cenas do 1º

episódio, “Jeitinho Brasileiro”, da 2ª temporada da sitcom Vai Que Cola (Multishow, 2014)

Figura 92* Figura 93*

Figura 94* Figura 95**

Figura 96** Figura 97**

* Figuras 92 a 94: Primeira gag da 2ª temporada

** Figuras 95 a 97: Segunda gag da 2ª temporada

Fonte: Portal Paulo Gustavo, 2015.

A segunda gag é ainda mais exacerbada. A ação é enquadrada em

planos mais próximos que os da primeira temporada. E ainda mais fechado que o

primeiro movimento da segunda temporada. O texto aqui é renovado. Um novo

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contexto é utilizado para ser respondido com o mesmo movimento cômico anterior,

porém, com uma diferente resposta, apesar de ser afirmativa como as duas

primeiras. A pergunta que prevê o movimento é:

Valdo: Eu tô tendo que recapitular essa merda?

Na segunda gag, o ator (é possível que o corpo do ator se confunda com

o corpo do personagem) levanta a perna esquerda e abaixa os braços, subindo-os

pelo corpo e respondendo ao mesmo tempo:

Valdo: Eu tô tendo que recapitular essa merda.

(vide figuras 98 a 100)

Figuras 98 a 100 - Última gag realizada por Paulo Gustavo na 2ª temporada - Cenas do 1º

episódio, “Jeitinho Brasileiro”, da 2ª temporada da sitcom Vai Que Cola (Multishow, 2014)

Figura 98 Figura 99

Figura 100

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Fonte: portal Paulo Gustavo, 2015.

Logo após finalizar a ação corporal com a resposta anterior – a gag – o

ator continua o texto:

Valdo: Porque é o primeiro episódio.

No distanciamento da normalidade causado pelo corpo teatralizado da

gag, pode-se observar a contribuição da teatralidade composta no estilo televisivo. O

corpo de Paulo Gustavo é considerado nesta gag um elemento teatral. O item

abaixo faz uma breve comparação entre as gags teatralizadas.

5.1.2 Como tudo pode ser tão certinho nessa TV?

Assim como Chaplin em Tempos Moderno “ f

g z ” ( Y A

2003, p.187), em Família Trapo (1967), Ronald Golias confronta seu corpo

desengonçado com a técnica precisa não só de um jogador de futebol, mas daquele

tido como o maior de todos, Pelé. Já Paulo Gustavo confronta, em Vai Que Cola

(2013-2014), o movimento teatralizado do seu corpo com o corpo naturalista

utilizado da televisão brasileira.

A gag em questão na série do Multishow, confronta o próprio estilo

televisivo da televisão brasileira. Ela contrasta o movimento exacerbado utilizado

geralmente em uma peça de teatro com o enquadramento de um plano de meia

figura ou mais fechado, típico da estratégia ficcional televisiva. Esse hibridismo,

típico das comédias de situação causa o distanciamento cômico com a presença da

gag.

O movimento para baixo das mãos do ator Paulo Gustavo ou de sua

perna para o alto em um enquadramento tão fechado quanto o plano de meia figura

(como exibido no primeiro episódio da segunda temporada) não tem nenhuma

explicação lógica, não se justifica na narrativa contada. E, como o enquadramento é

fechado, o gesto largo perde ainda mais a razão de ser utilizado, pois o plano

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133

fechado disponibiliza com detalhes toda a informação necessária para o enredo.

Enquanto Tempos Modernos “denuncia a interferência da câmera que

tudo registra, ao contrário de um tipo de cinema (por exemplo, o cinema clássico),

q â .”

(LYRA, 2014, p.2), as sitcoms do Multishow e da TV Record denunciam a

interferência da câmera que tudo registra, ao contrário de um tipo de televisão que

tenta passar o movimento mecânico como sendo o próprio movimento da vida. É na

estranheza dessa denúncia da interferência da câmera que se encontra um conforto

plausível para justificar a comicidade do gesto exacerbado de Paulo Gustavo sobre

o espectador. O que, por consequência, também contempla o poder cômico em

relação à ação desengonçada de Ronald Golias. Em ambos os casos, o riso é

provocado pelo registro sincero e fiel dos dois movimentos. Podemos concordar,

portanto, com Lyra (2014, p.2, grifo da autora) quando diz que o burlesco faz rir

porque registra com sinceridade os saltos, cambalhotas e movimentos mecânicos ou

desengonçados dos corpos ao pé da letra.

Enquanto os filmes burlescos trazem a gag como uma resposta a uma

questão social principal: “como tudo pode parecer tão bem e tão certinho nesse

q q z ?” ( Y A 2014, p.189), Vai Que Cola faz

quase essa mesma pergunta, só que para a própria televisão: como tudo pode

parecer tão bem e tão certinho nessa televisão que a máquina mediatiza na tela

televisiva? Talvez, na tentativa de continuar questionando, Vai Que Cola continua

experimentando novas formas de denúncia por meio do hibridismo na terceira

temporada. Uma segunda cammate foi posicionada do lado direito da plateia em

alguns episódios. Oito câmeras compõem, nesta temporada, o esquema multiple-

camera e podem captar outros enquadramentos e ângulos ainda não explorados.

Sem a intenção de responder à pergunta, debruçaremos agora sobre nossa última

análise das duas primeiras temporadas de Vai Que Cola.

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5.2 Ao vivo e telespectador em Vai Que Cola

Em 4 de julho de 1950, às 22 horas, a TV Tupi transmitia ao vivo a

primeira imagem televisionada para o público brasileiro: os hinos religiosos cantados

pelo frei mexicano José Francisco de Guadapule Mojica37 (SILVA, 1981, p. 10).

A partir da televisão, o registro do espetáculo que se está ainda enunciando e a visualização/audição do resultado final podem se dar simultaneamente e é esse justamente o traço distintivo da transmissão direta: a recepção, por parte de espectadores situados em lugares muito distantes, de eventos que estão acontecendo nesse mesmo instante (na verdade não é exatamente o mesmo instante, pois há um ligeiro atraso entre captação, transmissão e recepção, devido ao percurso do sinal nos canais eletrônicos, mas essa diferença é mínima e pode ser ignorada em termos práticos). (MACHADO, 2003, p. 125, grifo do autor)

Foi contando com essa recepção da transmissão direta que a TV Tupi

transmitiu, depois de dois meses de ensaio, o primeiro teleteatro brasileiro, em

novembro de 1950, que se chamava A vida por um fio38 (SILVA, 1981, p. 10). Já em

1960, sem as mesmas restrições tecnológicas e mais longe da imprevisibilidade da

transmissão direta, a TV Tupi levou ao ar Hamlet, uma adaptação de Shakespeare.

Este foi o primeiro teleteatro gravado em VT no Brasil (MATTOS, 1990, p. 66).

Um grande passo foi dado desde a transmissão mencionada no primeiro

parágrafo deste capítulo até o uso do videotape. Entretanto, para Arlindo Machado

(2003, p. 126), mesmo os programas pré-g “

boa parte dos traço ”. P “ q õ

ô ” “ z

circunstâncias que os programas editados live-on-tape (portanto, em tempo

presente), ou em condições muito próximas a e ” (MACHA O 2003 . 126 grifo

do autor).

37 A inauguração oficial só aconteceu em setembro de 1950.

38 Transmissão direta é utilizada nesta dissertação como sinônimo de transmissão ao vivo.

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Embora a transmissão direta propriamente dita seja uma experiência fenomenológica específica, imprevisível e irrepetível, o seu registro em fita magnética ainda guarda parte das marcas de incompletude e de intervenção do acaso, impossíveis de encontrar em trabalhos realizados em outras situações produtivas. No limite, até mesmo seriados e novelas, em que as convenções narrativas de certa forma impõem pelo menos um rascunho de decupagem e montagem, não estão inteiramente livres da influência do tempo presente. (MACHADO, 2003, p. 126, grifo meu)

É nesse limite citado por Machado que se destaca a sitcom Vai Que Cola.

Ela traz características do teleteatro do início da televisão, seja em transmissão

direta ou previamente gravada. No formato híbrido, atrelados ao enredo e às

personagens estão situações e momentos característicos da transmissão ao vivo.

Assim, dá-se ao telespectador a impressão de que a captação das imagens e sons

da sitcom é feita no mesmo momento em que se assiste ao produto televisivo.

Ocorrem situações de improvisação, momentos de exibição de erros e exposição de

bastidores. Em relação à última ocorrência, conforme mostramos anteriormente,

pode-se observar o aparato de iluminação, câmeras, plateia, cenário e até mesmo a

orientação da direção. A maioria desses elementos geralmente leva ao

distanciamento do ilusionismo, do naturalismo e, consequentemente, à quebra da

quarta parede, expressão que será definida adiante.

O objetivo deste capítulo é buscar possíveis respostas às perguntas: a)

seria possível detectar um propósito específico para a utilização da simulação do ao

vivo nessa narrativa?; b) aonde está a contribuição da teatralidade?; e c) qual a

relevância dessa técnica para a recepção do seu público?

Cada tentativa de aproximação a um fenômeno discursivo realizada hoje apresenta uma complexidade tão grande que nossas categorias analíticas, formadas no estudo de campos estáticos e prévios a esta extraordinária transformação, tendem a revelar-se insuficientes se não forem, no mínimo, articuladas com algo mais. E se esse é o estado atual, entendo que cabe perguntar: isso se deve a que imediatamente todos – os comunicadores, os artistas, os políticos, os pregadores etc. – tornaram-se gênios criadores, capazes de gerar discursos mais complexos e menos previsíveis? Ou, antes será que a emergência deste novo sistema devido ao surpreendente hibridismo que possibilita, determinou a expansão das possibilidades produtivas – e tanta facilidade para gerar discursos – que finalmente terminaram por alterar profundamente, em todos os níveis, a

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circulação discursiva e a vida social? (CARLÓN, 2012, p. 13-14)

A complexidade das estratégias de linguagem audiovisual utilizadas em

Vai Que Cola parece ser resultado de um hibridismo composto de antigas e novas

possibilidades produtivas na circulação discursiva. Consciente de que se possa estar

aqui diante de uma possível categoria analítica de aproximação insuficiente do

fenômeno discursivo atual, enumerada por Carlón, tentamos nos aproximar com

“ ” (MACHA O

2003) j 31 “P g x ”

(MU TISHOW 2013) 1ª “ com o real e a

” (CA ÓN 2012 . 14).

5.2.1 A quarta parede

Para entender melhor os recursos de distanciamento utilizados na sitcom,

é necessário retomar os significados dos conceitos de ilusionismo, naturalismo,

realismo e quebra da quarta parede utilizados no decorrer da história do teatro.

Denis Diderot (2005) afirmava que, seja compondo ou representando, não

se deve pensar no espectador. O ator deve representar como se a cortina não

subisse. Para demonstrar a não interação do personagem com a plateia, Diderot diz

que se o ator fizesse bem seu papel:

A g : “Q q ? N q . P acaso intrometo em tua vida? Vai ”; f z seu, deixaria os bastidores e responderia à platéia: “P senhores, a culpa é minha; na próxima vez farei melhor, e ele ”. ( I E OT 2005 . 79)

As palavras de Diderot enfatizam que a plateia dialoga diretamente com

o autor e não com o ator. Segundo Patrice Pavis (2007, p. 316), no teatro, a

exigência de separação entre palco e plateia é levada ao extremo pelo realismo e

pelo naturalismo. O quadro da representação ilusionista é fornecido quando o

espaço cênico é construído com exatidão e respeito à realidade significada.

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137

Para o público, esse qu “ ” . […] O para fora da trajetória traçada para ele, e acredita na história contada f . […] O g a sua frente. Tudo é feito para que ele se identifique. (PAVIS, 2007, p. 202-203)

Apesar de também produzir um efeito de ilusão no espectador, o

Realismo se difere do Naturalismo. O primeiro:

Não se limita à produção de aparências, nem à cópia do real. Para ele, não se trata de fazer com que a realidade e sua representação coincidam, mas de fornecer uma imagem da fábula e da cena que permita ao espectador ter acesso à compreensão dos mecanismos sociais dessa realidade, graças à sua atividade simbólica e lúdica. […] A q ‘ x- x z princípio em uma ideia; ela não fornece uma reprodução fotográfica ou uma quintessência do real. (PAVIS, 2007, p. 328)

Porém, ambos utilizam o efeito ilusionista da quarta parede ao tentar

retratar a realidade no palco.

Por fim, afunilando os conceitos para o audiovisual, o naturalismo se

esforça em direção à cópia fiel das aparências imediatas do mundo físico e à

interpretação dos atores que busca uma reprodução fiel do comportamento humano,

õ “ ” (XAVIE 2005 . 42). J

q f “

lógica da situação representada em suas relações não visíveis com o processo mais

glob q ” (XAVIE 2005 . 55).

5.2.2 Quebra da quarta parede

J â “q

( ) z f ” (PAVIS 2007 . 316 g f

do autor). E é com essa (re)teatralização que Vai Que Cola preenche sua

narratividade através da quebra da quarta parede. Patrice Pavis (2007, p. 315)

q “ g q

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”.

No teatro ilusionista (ou naturalista), o espectador assiste a uma ação que se supõe rolar independentemente dele, atrás de uma divisória translúcida. Na qualidade de voyer, o público é instado a observar as personagens, que agem sem levar em conta a platéia, como que protegidas por uma quarta parede. (PAVIS, 2007, p. 315, grifos do autor)

Bertolt Brecht, influenciado por Piscator, que pretendera, em 1920, fazer

do teatro um espaço de questionamento social na Alemanha, foi além. Para ele, era

necessário o espectador ser retirado da passividade de obras com desfechos

dogmáticos e da alienação produzida por qualquer ideologia representada. Sendo

assim, apoia- se em um princípio essencial, o Verfremdungseffekt, traduzido como o

efeito de distanciamento, ou seja, a quebra da quarta parede (ROUBINE, 2003, p.

154).

Trata-se de colocar o objeto da representação à distância do espectador para que este experimente a sensação de sua estranheza. Para que o considere não mais como evidente, como ‘ . P q q f x crí […] q q espectador à consciência de si e à sensação de que aquilo que lhe é apresentado não é realidade, nem mesmo cópia perfeita, mas uma “ ” g vida de “ ” z q z teatral. (ROUBINE, 2003, p. 153)

Assim como o ator brechtiano, o ator de Vai Que Cola passa a ter um

papel para além da interpretação ficcional em relação ao público. Só que o jogo na

sitcom não é a conscientização política do público, mas, talvez, a produção de

sensações na plateia do teatro e no telespectador através da transição da ficção

para a não ficção, assim como através do caminho inverso (da não ficção para a

ficção). Ou seja, buscam-se outros objetivos com a mesma ferramenta, os quais são

definidos por dois diretores.

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139

5.2.3 Exposição dos bastidores

A interferência da voz do diretor de um seriado durante a transmissão de

um episódio televisivo tradicional poderia soar estranha ainda nos dias de hoje, mas,

quando utilizada no contexto da narrativa de Vai Que Cola, parece funcionar na

estratégia de produzir o cômico.

O “P g x ” (MULTISHOW, 2013), de número 31 da 1ª

temporada, traz alguns minutos norteadores de apontamentos para esta análise. O

fio condutor do enredo desse episódio é a falta de água na pensão. Na tentativa de

se dar bem com a seca no Méier, Valdo enche garrafinhas para vender a preços

exorbitantes aos próprios moradores. Mesmo com a ajuda da personagem Velna,

interpretada por Fiorella Mattheis, seu esquema vai por água abaixo.

Em meio a essa trama ficcional, Rodrigues interfere no episódio

quebrando o ilusionismo da narrativa ficcional. Esse momento é iniciado, neste

episódio em análise, quando a quebra da quarta parede é realizada pelo ator Paulo

Gustavo. Ele se desfaz do personagem Valdo e fala irritado diretamente com a

equipe do programa (olhando para lateral esquerda superior):

Paulo Gustavo: N ‘ … [ ] q agora?

Em plano aberto, aparecem a atriz Fiorella Mattheis e o ator Marcus

Majella também despidos dos personagens. Logo em seguida, em primeiro plano, o

ator confirma com o movimento vertical da cabeça:

Marcus Majella: Entra.

No trecho acima, a atriz Catarina Abdala (Dona Jô) se esqueceu de entrar

em cena, o que gerou um diálogo interno entre a equipe. Obviamente, não se exclui

a possibilidade de o diálogo com o diretor estar previamente elaborado no roteiro.

Fato é que o diretor não retirou esse evento da edição final do programa que foi ao

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ar, e, portanto, expõe também suas falas com os atores, completando a cena não

ficcional:

Diretor: Ok?! Dona Jô, tá ok?!

A atriz aparece, assustada, e confirma com a cabeça que está tudo certo.

Em seguida:

Diretor: Então deveria ter entrado.

A atriz retorna ao fundo do cenário até não ser mais vista. Ao mesmo

tempo, a plateia oferece aplausos eufóricos até aparecerem em primeiro plano. O

fim da exposição de bastidores é concluído com o plano dos aplausos. É retomada,

a partir de então, a história ficcional que havia sido interrompida, quando Catarina

Abdala entra em cena com a máscara da personagem.

Mesmo que a pessoa física do diretor não apareça, o som da sua voz ao

direcionar a cena pode proporcionar um distanciamento da ficção, e em vez de se

criar um estranhamento ou até certa rejeição por parte do telespectador com a

quebra da ilusão naturalista, a edição do programa deixa a entender que o público

responde com risadas. Para o telespectador, esse efeito é reforçado com o plano da

plateia aplaudindo a cena retratada logo após a intervenção do diretor, induzindo ou

reforçando o efeito positivo do erro de cena39.

Apesar de parecer, esse episódio não foi transmitido ao mesmo tempo em

que foi captado. Mesmo que a imprevisibilidade do episódio possa convencer

telespectadores de que o programa foi transmitido ao vivo sem muito planejamento,

ele foi gravado. Vai Que Cola é em quase sua totalidade gravada em um complexo

ritual de captação de imagens. Recapitulando o início desta dissertação, após os

ensaios, duas gravações são realizadas no mesmo dia. Na primeira, que é feita sem

a presença da plateia, são estabelecidos os valores mais qualitativos de um produto

39 Não necessariamente foi a resposta da plateia a este acontecimento específico. Devido à edição,

não podemos confirmar a sequência gravada dos planos.

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televisivo. É quando, segundo Rodrigues, ele estabelece enquadramentos mais

organizados, valores estéticos de movimento, a forma adequada de o ator falar o

texto, e incorpora as experiências dos ensaios ao produto.

Já a segunda gravação é feita com a presença da plateia. Geralmente,

ela dura em torno de uma hora, e dela são retirados aproximadamente 15 minutos,

que contêm erros como problemas técnicos, giros errados do palco e interferência

involuntária da luz.

Entre as duas gravações, logo após a entrada da plateia no estúdio, acontece

a captação de imagens da plateia. O público presente no palco geralmente é

comandado por um comediante de stand up que provoca risos e gargalhadas. Essas

reações são encaixadas em meio a momentos cômicos estratégicos que simulam

uma reação direta da plateia à piada dos atores.

Mas como surgiu esse produto televisivo gravado duas vezes e

posteriormente editado, que ainda apresenta algumas características típicas de um

produto transmitido ao vivo?

Como já citado anteriormente, segundo o diretor Rodrigues, o canal

Multishow foi dando liberdade para a exposição dos erros e pedindo para que a

equipe se apropriasse deles, pois achava original e condizente com a imagem de

Vai Que Cola. Sendo assim, o diretor incentiva a recuperação da cena por parte dos

atores e, na montagem final, ele elege o que vai ser mais interessante para o bom

andamento do espetáculo. A química produzida entre os comediantes que compõem

o elenco é também apontada pelo diretor como fundamental para uma atmosfera

instantânea, que desde o início foi potencializada nos primeiros roteiros escritos pelo

criador da sitcom, Leandro Soares.

A exposição dos bastidores, que, muitas vezes, faz parte do programa,

“ ” expressão que, para Machado (2003, p.

136) g f “ q

desalienação da sequência, que substitui os nexos dramáticos convencionais pelo

trabalho mo ”. Porém, Vai Que Cola, trabalha com uma narrativa

maior que engloba tanto o sentido narrativo tradicional (ficção) quanto o não

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142

tradicional (não ficção dentro de uma obra ficcional televisiva). Explicando melhor, a

utilização da simulação do ao vivo possibilita a desalienação da sequência (não

ficção – exposta no caso acima com a interferência do diretor) a favor de uma

. S “ ” produto. A

atuação das duas (ficção e não ficção) faz com que o programa alcance sua

proposta de script: o cômico. P q “ ”

melhor termo aplicado. Torna- “ ”

alguns casos, chegar até a alcançar o clímax do episódio para alguns

telespectadores. Está aí uma das principais características do ao vivo: transformar

um possível erro, um material descartável, pelo menos para a maioria das sitcoms,

em produto.

5.2.4 Técnica do real

Entretanto, a exploração intencional do erro (que se opõe ao realismo e

ao naturalismo) como parte da narrativa ficcional parece pouco comum até a década

de 1990 na televisão. Com a criação do videotape, a TV aprimorou novos formatos,

principalmente nos programas de ficção, evitando e camuflando erros para

conquistar ainda mais o público. As séries americanas, por exemplo, alcançaram

seu sucesso na tentativa de aproximar o telespectador da história vivida pelos

personagens. Dois conceitos dessa trajetória realista são propostos por Cássio

Starling Carlos (2006).

Antes de explicar esses dois conceitos do autor, é preciso fazer aqui uma

consideração importante. O conceito de realismo de Patrice Pavis (2007, p. 328)

exposto neste capítulo provavelmente não seria o mesmo utilizado por Cássio

Starling Carlos para as séries americanas. Talvez Pavis atribuiria o conceito de

naturalismo ao sucesso das séries americanas, pois, conforme o significado do

autor, o naturalismo fornece uma reprodução fotográfica ou uma quintessência do

real. Sendo assim, quando Carlos (2006, p. 43) diz que as séries americanas se

“ f ” z

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de naturalismo de Pavis parece se encaixar perfeitamente.

Retornando à discussão anterior, o primeiro conceito de Carlos se

“ […] q

‘ g ” (CA OS 2006 . 42). E

“ x ‘ ” q “ as nas séries buscam no

realismo de cena e na duração seus dois pontos de sustenta ” (CA OS 2006

p. 42). O depoimento de John Wells, um dos produtores da série Plantão Médico, de

título original Emergency Room - ER (NBC, 1994-2009), exemplifica bem a posição

C : “N f z . B . A

morte dela durou onze episódios porque é assim que as coisas realmente

” (CA OS 2006 . 42).

Segundo o mesmo crítico, uma segunda opção realista justifica ainda

melhor a fama dos americanos:

O realismo mais forte e mais determinante para as séries terem se tornado fenômenos narrativos tão sofisticados está no fato de os criadores e roteiristas, há pelo menos uma década [até 2006, quando o livro foi escrito], terem-nas transformado no mais fiel espelho de sociedade hoje disponível na cultura de massas. (CARLOS, 2006., p. 43)

Entretanto, os dois efeitos de realismo de Carlos não contemplam a

capacidade de Vai Que Cola alcançar seu público. Somente um terceiro conceito,

proposto por Carlón (2012), parece justificar a capacidade da sitcom de retirar risos

do telespectador por causa de um suposto erro da equipe do programa: a busca de

um realismo através da técnica do real.

A técnica do real é a técnica da transmissão direta televisiva. Sendo

assim:

[…] z g g […] que se caracteriza por colocar esse comportamento simu […] discurso, com a dimensão técnica que garante seu caráter realista, um lugar ainda maior do que no discurso cinematográfico. (CARLÓN, 2012, p. 16)

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A utilização da estratégia da transmissão direta em Vai Que Cola favorece

a presença dos bastidores na simulação ao vivo, garantindo o terceiro caráter

realista proposto por Carlón. Esse é um discurso da técnica do real que aproxima o

telespectador da sitcom, como será discutido no próximo item.

5.2.5 Teatro como técnica do real

Segundo Carlón (2012, p. 37), quando um veículo de comunicação realiza

uma transmissão direta de uma ficção, é necessário comparar o produto resultante

ao teatro. Não por acaso, o objeto de estudo foi realizado em um estúdio com

formato de palco teatral. Talvez esteja aí um produto híbrido (mistura de TV e teatro)

que justifique a simulação do ao vivo. Para tentar alcançar esse objetivo, ambos os

diretores levam com Vai Que Cola a teatralidade para a televisão.

O diretor Rodrigues atribui como contribuição determinante para o

sucesso do programa o show televisivo proporcionado pelo teatro. Para ele, o teatro

“ q w”. Porém, ele deixa claro

que é um produto televisivo e não um teatro gravado. Revendo a opinião do diretor,

segundo ele, se estivesse gravando um teatro, utilizaria apenas uma câmera parada

em plano aberto para captar a atuação sobre o palco. Ao contrário, o processo de

gravação é complexo, como pôde ser observado durante esta dissertação. São

utilizadas no mínimo sete câmeras que captam diferentes enquadramentos durante

as duas gravações. O ritmo dos cortes dados pela edição do programa denuncia o

grande número de enquadramentos fornecido pelas variadas câmeras

estrategicamente posicionadas.

Compartilhamos da opinião de Rodrigues, por isso, utilizamos o conceito

de teatralidade e não teatro.

Essa complexidade e o hibridismo são reforçados pelo diretor João

Fonseca em depoimento para esta pesquisa: “ q g fazendo

para a televisão; e tem hora que a gente está fazendo para a plateia dali [presente

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g g ] [ ]”.40

O ao vivo transmitido a partir do uso da teatralidade já foi anteriormente

experimentado com sucesso em sitcoms brasileiras. Como já referido, isto

aconteceu pela primeira vez por necessidade tecnológica no caso de Família Trapo

(1967-1971) da Rede Record de Televisão, e, depois propositalmente, como na uma

simulação trazida por Sai de Baixo (1996-2002) da Rede Globo de Televisão.

Como atestou Renata Pallottini em 1998 em uma avaliação que

permanece válida até hoje, meados da segunda década do século XXI, a ficção

televisiva brasileira ocupa boa parte do tempo de produção do ainda onipresente

aparelho de TV (PALLOTTINI, 2012). Para Renata Pallottini:

o programa televisivo de ficção é a história, mais ou menos longa, mais ou menos fracionada, inventada por um ou mais autores, representada por atores, que se transmite com linguagem e recursos de TV, para contar uma fábula, um enredo, como em outros tempos se fazia só no teatro e depois passou a se fazer também no cinema. (PALLOTTINI, 2012, p. 24)

Para nos aprofundar na transmissão do real da ficção Vai Que Cola,

ignora-se aqui, pelo menos por enquanto, o hibridismo de planos (cinema/televisão)

sobrepostos pela dissolução das fronteiras formais e materiais dos suportes e

linguagens levantada por Machado (2003). Ignora-se também a diferença de

definição e qualidade de imagem dentro dos próprios produtos televisivos citados

por Pallottini (2012). O foco será a técnica do real e sua relação com a

representação teatral, a esta última chamamos aqui de teatralidade.

Segundo Renata Pallottini (2012 . 24) “ f TV z

x ê ”. N sitcom, é possível

identificar elementos teatrais. Aproveitamos as palavras do diretor Fonseca para

apontar algumas características teatrais em Vai Que Cola: a presença da plateia e a

40 Entrevista concedida a Autora. Brasil: RJ, Riocentro. 4 jun. 2015. Toda opinião de Fonseca

relatada nesta dissertação provém desta entrevista.

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ação corporal.

A relação com o público é o teatro, tem a plateia na frente [do palco]. A plateia pode levar o personagem e levar o espetáculo. A reação da plateia chega neles imediatamente. Eles não vão saber meses depois nas ruas [fazendo referência às telenovelas, por exemplo]. E isso acaba tendo uma troca. [A ação corporal] acaba sendo um pouco maior também. Eles estão soltos. Então, corporalmente é muito grande. As expressões e as brincadeiras são teatrais.

Essa representação teatral é, para Christian Metz (1980), uma representação real.

A . […] ficção teatral é mais sentida como um conjunto de comportamentos reais activamente orientados para a evocação do real – trata-se “ g ” f f melhor dizendo, mas é precisamente por isso que é importante. (METZ, 1980, p. 79, grifo meu)

A teatralidade em Vai Que Cola “ g g

de TV para contar uma f ” (PA OTTINI 2012, p. 24). Entretanto, além dessa

ficção produzida, a representação real de Metz parece produzir também a não

ficção. Essa não ficção surge na sitcom através da quebra da quarta parede pelos

atores, que produz a sensação de realidade, distancia o telespectador da ficção.

S P f q “

figurar a diegese no teatro são as pessoas reais efetivamente presentes no

” (METZ 1983 . 422) nagem Valdo no

palco da sitcom.

No grande teatro,

O ator e o espectador fazem-se presentes um ao outro, em que o desempenho (desempenho do comediante, desempenho do público) é também uma partilha lúdica dos papéis (das caracterizações), um consentimento duplo e ativamente cúmplice, uma cerimônia algo cívica sempre, a empenhar mais que o homem privado: uma festividade. (METZ, 1983a, p. 406)

Quando Paulo Gustavo quebra a quarta parede, pode-se propor a troca

“ ” M z (1983 ) “ ”. É

como se ator e telespectador se despissem da caracterização de seus respectivos

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papéis propostos pela diegese e fossem cúmplices de um mesmo estado presente –

pessoas no mundo real – ao dividirem o erro de gravação ou de transmissão ao vivo.

Ambos, pois, participam da gravação do programa como pessoas na vida real, como

eles mesmos, naquele instante.

Nessa diferença entre ficção e não ficção real, a obra do Multishow busca

uma unidade, um certo equilíbrio. Equilíbrio esse, aparentemente, até agora só

possível de ser alcançado no audiovisual através da televisão. Deve-se isso à

transmissão direta, ao ao vivo41.

5.2.6 O espelho

De acordo com Carlón (2012, p. 51, grifo do autor), “a representação da

transmissão direta televisiva é menos real do que a das práticas sociais, mas mais

real do que a da gravação (cinema e televisão gravados)”. Essa técnica de

q f “tese da existência”

(CARLÓN, 2012, p. 62, grifo do autor), seja diante de um acontecimento não

ficcional ou de uma obra de ficção42.

Na tentativa de ilustrar o dispositivo que potencializa a tese da existência,

Carlón compara a transmissão direta televisiva ao espelho:

Suponhamos que nos encontramos sentados em uma poltrona, e que na parede que está diante de nós, mas não exatamente situado diante de nós, mas em ângulo oblíquo, há um espelho. Suponhamos também que em outra parede, que se vê refletida no espelho, há uma janela que dá para um jardim, e que da nossa posição não podemos ver nem o jardim nem a janela. Mas suponhamos, assim mesmo, que se olharmos o espelho, nele podemos ver a janela, e

41 Já é possível testemunhar fragmentos e obras cinematográficas ao vivo como, por exemplo, o

longa-metragem Flúidos do diretor Alexandre Carvalho, apresentado pela primeira vez no Centro Cultural São Paulo em 16 de maio de 2009. Mas a TV, por enquanto, é veículo quase único.

42 Mário Carlón conceitua a tese da existência da transmissão em tomada direta televisiva como:

"sabemos que são reais, que estão fazendo alguma coisa neste exato momento" (CARLÓN, 2012, p. 62, grifo do autor).

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através dela o jardim. Suponhamos que no jardim está passeando um animal doméstico, um gatinho. No espelho podemos ver cada movimento que ele faz. (CARLÓN, 2012, p. 51)

O espelho funciona como um dispositivo em tomada direta sem delay,

f . “A ?”, pergunta Carlón ao questionar sobre o espelho. Ele

: “S q como o conhecemos, não

somente funciona em tomada direta, mas, além disso, é indicial e seu registro é

: g q g […] g j ” (CARLÓN,

2012, p. 51, grifos do autor). Ainda não satisfeito, o autor esclarece por que

consideramos real a imagem refletida no espelho, que é um duplo do verdadeiro

gatinho:

Porque a enunciação do espelho, como dispositivo, é técnica, maquinal e automática, dado que evidentemente não há a intervenção de nenhum operador (não há ninguém a manipulando, a q ). […] O q permitido com esta experiência? (CARLÓN, 2012, p. 51-52)

Com essa pergunta, amplia-se nosso tema em debate: o que nos é

permitido com a experiência de simulação do ao vivo em Vai Que Cola? Podemos

arriscar, por enquanto, uma resposta com as mesmas palavras de Carlón (2012, p.

52, grifos do autor): “A

q f ”.

Assim, em primeiro lugar, “ ” g f q

telespectador da sitcom contempla a programação do canal assistindo-a pela TV.

E g “os ” fazem presentes quando o diretor do

programa dialoga diretamente com a atriz Catarina Abdala (não com a personagem).

E, por fim, “q f ”: a gravação acontece

no Rio de Janeiro, enquanto o espectador televisivo assiste em casa43.

43 M q “os movimentos de um real” j g Vai Que

Cola, o telespectador é induzido a pensar que um acidente ou um erro da equipe realmente aconteceu.

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5.2.7 O telespectador ativo

C (2012 . 17) q “

g g ”. S

afirmar ou negar essa possibilidade, por enquanto, pode-se dizer que Vai Que Cola

estaria tentando utilizar dessa estratégia do ao vivo para buscar a realidade do

processo de produção, da técnica do real, do que realmente está acontecendo por

trás das câmeras no momento de gravação (e não da ficção).

O depoimento do criador da sitcom, Leandro Soares, parece corroborar

essa hipótese:

O Vai Que Cola se expõe em tudo. O cenário se expõe. Você vê o cenário girar, você vê as trocas [de cenário]. Ninguém está aqui querendo fingir que não é um cenário. O pacto é diferente. O pacto com o espectador é: vamos rir de alguma coisa que a gente sabe que é. Não é um realismo ilusionista. É uma farsa. O cenário se x õ x x õ . […] Às vezes está [no roteiro] e às vezes eles [os atores] colocam. Você não tem como dizer. Tem piadas sobre o roteiro falando mal do próprio roteiro, que estão escritas no roteiro.

Sendo assim, o programa cria a oportunidade de mobilizar o

telespectador em uma estratégia de linguagem própria, simulando o tempo presente.

A operação em tempo presente pode, esporadicamente, fazer acontecer alguns momentos de verdade com uma intensidade inatingível em qualquer outro meio de comunicação, o que não deixa de ser surpreendente numa mídia tão vigiada e controlada como a televisão. (MACHADO, 2003, p. 138)

A busca dessa intensidade inatingível não se compara à morte de Ayrton

Senna ou à votação, pelo Congresso Nacional, da cassação de Fernando Collor de

Mello, pois ambas geraram uma paralisação nacional (MACHADO, 2003, p. 139). Mas

é comparável, sim, a uma produção de sentido intenso no âmbito da produção

televisiva ficcional. “A z j

q q f x ê ”

(MACHADO, 2003, p. 129). Ao negar Pierre Bourdieu, que diz que a televisão não

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favorece o pensamento, e ao negar também a ideia de televisão nociva de Paul

Virilio, Machado afirma que

a televisão não se resume em uma única emissão: ela consiste num fluxo ininterrupto de imagens e sons, que progride diariamente diante dos nossos olhos e ouvidos, perfazendo, portanto, um processo, ao longo do qual o espectador pode formar uma opinião. (MACHADO, 2003, p. 129)

O autor completa dizendo q “ f x

vivo, ou seja, num processo que ainda está em andamento, pode tomar a forma de

” “ z ” “

” (MACHADO, 2003, p. 129).

Colocando a mobilização no contexto de Vai Que Cola, observa-se que a

transmissão direta pode trazer o telespectador mais perto da narrativa. Nessa

aproximação está uma tentativa, mesmo que tímida, de repassar ao telespectador a

sua capacidade de se envolver no processo de produção do programa,

diferentemente do realismo das séries americanas citado por Carlos (2006).

S g C (2012 . 38) “

z […] q

e diversidade de saberes por parte de seus j ”.

Carlón aponta ainda, no mínimo, dois níveis de intervenção do sujeito

espectador nessa mobilização de caráter técnico e social. No primeiro, ele assume

uma posição como espectador. O segundo consiste no processamento pelo

espectador das mudanças que podem ser produzidas durante uma mesma emissão,

“ q x â f f q

tanto na gravação como na transmissão direta costuma ser muito curta nas

emissões televisivas (mais do que no cinem )” (CARLÓN, 2012, p. 38, grifo do

autor).

O telespectador de Vai Que Cola parece ter a oportunidade de

experimentar ambos os níveis de intervenção. O primeiro acontece quando o

telespectador assume sua posição e se conscientiza do seu papel como espectador,

q q “P g

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x ” P C A M M j

Mattheis e pelo diretor Rodrigues. O segundo nível acontece quando a sitcom

exacerba a passagem da ficção para uma suposta não ficção. A interferência do

diretor (presente ou não no roteiro), juntamente com a reação da plateia, durante

quase vinte segundos do episódio, fornece ao telespectador tempo suficiente para

processar a mudança. A exposição do bastidor quando o diretor direciona a atriz

Catarina Abdala, e não a personagem Dona Jô, parece mais uma tentativa de fazer

que o telespectador tenha um sentimento de uma participação ativa na produção do

programa, naquele momento (na ação dos diretores e dos atores). Essa é uma

suposta simulação que pode ser provocada por meio da função ilusionista da

construção audiovisual44.

Antes de prosseguir o raciocínio, é interessante observar que o

telespectador não abandona sua posição de sujeito-observador. A participação ativa

do telespectador é apenas sensorial e não efetiva, pois ele não interfere na

construção da sitcom ao mesmo tempo em que assiste em casa. Essa interferência

fica restrita à plateia presente na gravação do programa. Como já citado pelo diretor

Fonseca, a plateia tem a capacidade de conduzir um espetáculo e,

consequentemente, o programa Vai Que Cola. Além disso, ela passa a impressão

de coletividade, como apontado por Brett Mills (2009, p. 39) em The Sitcom. Por

isso, a plateia tem uma função fundamental na sitcom e em produtos cômicos. Para

simbolizar a plateia presente no estúdio, a sitcom tradicional americana faz uso da

claque, que, como vimos anteriormente, é um substituto eletrônico para a

experiência coletiva.

Em Vai Que Cola, como apontado anteriormente, a claque é composta

pela risada da própria plateia da sitcom. A risada da plateia é captada antes (na

introdução feita por um comediante de stand-up) e durante a gravação do episódio.

44 No caso, a função ilusionista da construção audiovisual propõe a ideia de compartilhamento

instantâneo do processo de produção com o telespectador, por parte da equipe técnica. Esse compartilhamento pode ficar restrito a uma ilusão, uma vez que a série foi gravada antes do telespectador assistir em casa.

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Além da claque, a sitcom também conta com imagens da reação da plateia como

estimulo à coletividade. A exibição desse plano é, para o criador da sitcom, Leandro

Soares, uma característica tipicamente brasileira que funciona. Ele complementa

que as séries americanas se utilizam da claque, mas não da imagem da plateia. O

uso de ambas foi planejado desde o início para que também compusessem a

dramaturgia de Vai Que Cola. Quando o programa ainda não fazia sucesso, a

plateia era convidada e contratada. A recomendação aos produtores de plateia era

reunir grupos de família: namorados, mãe, pai e filhos, sempre que possível. O

diretor Rodrigues acreditava na química gerada por essa relação, com a função de

f g “ f

com quem g g ”. O objetivo era fazer que a plateia representasse o

telespectador que assistisse ao programa de casa.

Após o feedback bem-sucedido do público ao fim das duas primeiras

temporadas, o diretor afirma que a comunicação da plateia com o espetáculo Vai

Que Cola acabou se concretizando

porque quando você vê aquele grupo reunido ao cortar para a plateia, você percebe que tem uma relação, que tem um riso que está ali, que está associado a uma segurança. Esse riso, para mim, é f q […] q […] mais do que quando ele está no meio. Pois é quando vem espontaneamente o movimento do riso. Isso faz parte da dramaturgia que eu pensei para esse programa, desde o primeir . […] Acho que o cara em casa, na minha cabeça, quando vê isso, fala: “E q q g .” “E q g .”. M q q . E q . […] N w fica pra todo mundo.

Retornando à possibilidade de um telespectador mais atuante em Vai Que

Cola, propomos, como já falado, apenas uma simulação de uma participação ativa

na produção da sitcom. Sugerimos o estimulo do público de casa ao se espelhar na

plateia presente na gravação, mesmo que inconscientemente.

O realismo de Carlos utilizado nas séries americanas se torna

completamente ausente neste instante em Vai Que Cola, visto que o que mais atrai

o telespectador na sitcom do Multishow não é mais a narrativa fiel ao espelho da

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sociedade (CARLOS, 2006, p. 43). Arriscando mais longe, a proposta pode ser a

busca de ultrapassar o espelho social de Carlos (2006) e ultrapassar também o

limite do ao vivo proposto por Machado (2003, p. 126). A tentativa é a de ter um

telespectador mais ativo. É a de provocar nele uma sensação de também fazer parte

do staff da produção de Vai Que Cola. Segundo Rodrigues, quando essa história

[ficcional] erra, ou quando o ator se diverte com o outro, ele troca com o espectador,

tanto o de casa quanto aquele da plateia.

Sem dúvida, para afirmarmos cientificamente se essa sensação de staff é

efetivada no telespectador da sitcom, precisa-se de um estudo de recepção. Como

esse não é o objetivo do estudo, levantamos, neste momento, uma possibilidade de

causa para o sucesso de público do produto. As teorias sobre o ao vivo de Carlón e

Machado parecem se somar às estratégias dos diretores Rodrigues e Fonseca e

corroboram a nossa opinião.

Ao longo de sua trajetória, Vai Que Cola formatou uma comunicação livre

e espontânea que normalmente os programas tradicionais acabam não abordando.

g f q : “E q

esse momento em que todo mundo quer fazer parte do show, alegra e envolve. E

acabou send g ”.

A sensação de coletividade do show é promovida pela transmissão direta

ou por sua simulação, juntamente com a plateia. Por isso, afirma Machado que o ao

“ q ” (MACHA O 2012 . 130 g f

autor).

Portanto, concluindo metaforicamente, a utilização de elementos do ao

vivo na sitcom é a peça chave para fornecer ao telespectador a sensação de sair da

poltrona da TV e sentar na plateia do teatro (através da reação da plateia em planos

televisivos com simulação do ao vivo). E, ainda, a sensação de ir da poltrona do

teatro para cima do palco (quando acontece a quebra da quarta parede por parte

dos atores). Ainda uma terceira sensação pode ser produzida, a de ir para trás das

cortinas e fazer parte dos bastidores (ao dividir a instrução do diretor do programa

aos atores). Acentua-se assim ainda mais o grau de realidade, trazendo o

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g f “

x ê ” C (2012 . 52 g f ) – que assemelhamos ao estado

de presença criado a partir do uso dos elementos teatrais transmitidos a partir da

simulação de que o programa é ao vivo. Vai Que Cola fornece ao telespectador uma

simulação de participação, participação não só da história ficcional, mas do conjunto:

da ficção e do processo de gravação de Vai Que Cola. Ele se torna, sensorialmente,

um telespectador ativo.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

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Ao ser questionado no programa Roda Viva, da TV Cultura de São Paulo,

se hoje o consumidor é visto como elemento passivo, alienado e dominado, o

filósofo da hipermodernidade Gilles Lipovetsky (2004) respondeu:

Não. Essa era a visão dominante nos anos 60. O consumidor era manipulado pelas vitrines, supermercados, pela publicidade, é claro, como se o consumidor fosse um objeto. Havia vários tipos de mensagens que o alienavam. Era a alienação pelos objetos. Eu acho que era uma perspectiva ilusória, que não via como o mundo dos objetos desengajava, de certa forma, os indivíduos. E como sabemos hoje, a informação dá todos os tipos de ferramenta para a reflexão, para o melhor e para o pior. Porque hoje o consumidor, longe de ser essa pessoa alienada, é uma pessoa consciente. Ele sabe o que come, se isto é bom, se não é. Se for tomar sol, que creme deve passar, que atividade deve fazer para ficar saudável. Desde que o modelo da saúde se tornou esse estilo saudável, temos um outro consumidor, que eu chamo de hiperconsumidor ou um consumidor reflexivo e que não tem nada a ver com o modelo de alienação que existia nos anos 60. (LIPOVETSKY, 2004)

Coincidentemente ou não, o consumidor brasileiro da década de 1960 foi

o que testemunhou o fim do teleteatro e a criação de programas televisivos gravados

graças à g VT B . J “ ” está

testemunhando a construção de programas de ficção com o retorno de

características do teleteatro, captadas por câmeras com estratégias de linguagem

televisiva com mais de 60 anos de experiência e várias influências estrangeiras, com

possibilidade de pós-produção. Tudo em um produto híbrido televisivo que simula a

transmissão ao vivo.

Esse novo consumidor faz parte da geração denominada pelos norte-

americanos de Millennials (Geração Y) – pessoas que nasceram entre 1980 e 2000

(BRANDINI, 2013)45. Para a antropóloga Valéria Brandini, é comum começarem uma

tarefa com um objetivo e terminarem com um fim bem diferente do proposto.

Segundo ela, eles mudam de ideia na velocidade do twitter e do instagram. Seu

estilo de vida é quase um reality show nas redes sociais. São imprevisíveis, assim

como a transmissão ao vivo, continua a antropóloga.

45 Para a antropóloga Valéria Brandini (2013), a sociedade como um todo é multitarefa hoje em dia,

até os mais velhos.

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Acompanhando essa nova geração, Vai Que Cola f z “tempo

” (MACHA O 2003 .15).

Assim, o hibridismo (ficção, não ficção como efeito de real, técnicas e bastidores

escondidos e expostos, erros transmitidos durante o programa, cenários que

ocupam um mesmo espaço perante o público proporcionado pelo palco giratório, e

os estilos de câmeras multiple-camera e single-camera) forma uma grande narrativa

televisiva ainda experimental (apesar de já termos produções anteriores e

contemporâneas com traços similares ao de Vai Que Cola) para além do texto

decorado.

Como vimos, por mais que estilo televisivo tenha um significado pouco

conceituado, o conjunto de imagens e sons de Vai Que Cola foi organizado segundo

um estilo televisivo complexo, que foi analisado nos capítulos anteriores. É possível

concluir que esse estilo é um híbrido entre teatralidade e televisão.

A partir deste princípio, qual o papel dos elementos teatrais utilizados no

estilo televisivo de Vai Que Cola? Qual a importância da utilização da teatralidade?

Qual a necessidade dos enquadramentos das câmeras de televisão? Por que utilizar

o multiple-camera? E qual a finalidade de inserir efeitos do single-camera em meio

ao esquema multiple-camera?

Enfim, como o hibridismo entre teatralidade e televisão contribuiu para a

composição do estilo televisivo de Vai Que Cola?

A teatralidade foi definida como os elementos e gestos teatrais

introduzidos pela direção de Vai Que Cola, no esforço de produzir no telespectador

uma sensação de presença por meio do Estar aí do teatro como um novo campo

expandido do teatral pela televisão.

A simulação do ao vivo com seus erros e peripécias tem papel

fundamental para auxiliar uma possível sensação de presença produzindo um efeito

de real, que por sua vez, só é possível quando a teatralidade é mediada pelas

multiple-camera e uma simulada single-camera, que, estrategicamente, coexiste e

atua com todas as outras câmeras, num tipo novo de multiple-camera. Por esse

meio, a equipe de Vai Que Cola tentou aproximar o telespectador da sitcom, do

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personagem, do ator e da equipe do programa. Familiarizando-o não só com a

ficção, mas também, com o próprio processo de produção.

Assim pudemos observar o seguinte esquema híbrido produzido em Vai

Que Cola:

Infográfico 1 - Esquema híbrido de Vai Que Cola

Fonte: A própria autora, 2016.

Consideramos a capacidade de criação da mente humana infinita,

consequentemente, vemos como sem limites também as possibilidades de texturas

de um programa televisivo. Por isso, colocamos o estilo televisivo de Vai Que Cola

entre um dos possíveis formatos de sitcoms que já foram criados e os que ainda

podem surgir. Em relação a simulação do ao vivo em Vai Que Cola, concordamos

com Carlón (2012, p. 37) quando aponta a imprevisibilidade do ao vivo na televisão:

O “ ” transmissão direta constitui uma exceção significativa. Por isso, faço notar que o lugar dessa técnica do real, que é simultaneamente uma linguagem e um dispositivo específico no sistema das linguagens contemporâneas, constitui ainda uma incógnita. Uma incógnita que a meu ver, não começará a nos ser revelada até que não tenhamos proposições sólidas e minimamente consensuais acerca do assunto. (CARLÓN, 2012, p. 37, grifo do autor)

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Ainda há muito para ser discutido e revisto sobre a imprevisibilidade do

hibridismo televisivo ao vivo ou simulado. Sem a pretensão de colocar um “ponto

final” na indagação dessa complexidade, seja ela fruto de uma modernidade tardia

ou de um simples pastiche pós-moderno (CONNOR, 1993) entre inúmeras outras

possibilidades de sua interpretação, pretendeu-se levantar algumas hipóteses sobre

a sitcom Vai Que Cola e sua composição híbrida.

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GLOSSÁRIO

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Ao vivo (transmissão direta): quando uma ação é transmitida no instante exato

(desconsiderando o atraso de segundos na transferência dos dados por satélite ou

fibra ótica) em que vemos na tela da TV. Um telejornal ou um jogo de futebol

transmitidos diretamente pela TV, pode ser um exemplo.

Batente: Tubo de metal horizontal para prender instrumentos de iluminação em

estúdios.

Cammate: Cammate é uma espécie de grua que dispensa a presença de um

cameraman sobre a grua direcionando a câmera.

Campo de visão: Parte da cena visível ao olhar de um telespectador em uma tela

de televisão (captada por meio de uma lente). Ou parte da cena visível ao olhar de

um espectador teatral.

Cena: É um trecho narrativo que pode ter um plano ou um conjunto de planos

formando uma uidade orgânica.

Close-up: qualquer parte de um objeto ou membro de uma pessoa visto a curta

distância e enquandrado com extrema proximidade.

Contra-campo: Plano filmado em direção oposta à do campo anterior.

Corte: Mudança instantânea de um plano (imagem) para outro.

Cross-fade (fusão): Método de transição de edição de vídeo pelo qual a imagem de

um plano desaparece lentamente e, durante o processo, surge a imagem do plano

seguinte, gradualmente.

Diegese: É o mundo representado na ficção e vivido por seus personagens.

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Edição: Seleção e edição dos planos em uma sequência narrativa.

Foco dramático: Ponto de ação de uma cena a que se quer atrair a atenção do

espectador. A atenção do espectador pode ser voltada para os seguintes pontos:

personagem que fala, se movimenta, está mais iluminado, em foco, em primeiro

plano, ponto brilhante na cena mais escura, e ponto escuro em uma cena brilhante,

por exemplo.

High-key lighting: Fundo iluminado e ampla luminosidade sobre a cena.

Iluminação difusa: Luz que ilumina uma área relativamente grande por feixes de

luzes indistintos.

Live-on-tape ou “gravação ao vivo”: É a gravação e edição de uma obra

audiovisual ao mesmo tempo em que a encenação é captada pela câmera.

E q q “ ” f x mento

q “g ” g

editada no mesmo momento da encenação, porém, a transmição ao telespectador

acontece apenas após o fim da gravação.

Low-Key: Fundo escuro e iluminação de áreas selecionadas.

Luz direcional: Luz que ilumina uma área relativamente pequena por meio de um

feixe de luz distinto.

Luz principal – Key-light: Principal fonte de iluminação

Multiple-camera: Modelo de gravação típico de uma sitcom tradicional. Esquema de

gravação em que várias câmeras captam diferentes planos de uma mesma cena ao

mesmo tempo.

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Panorâmica (PAN): Movimento de camera sobre seu próprio eixo, no sentido da

esquerda para a direita ou vice-versa.

Plano (shot): É o trecho de produto audiovisual entre dois cortes.

Plano geral: Plano aberto utilizado para mostrar cenas localizadas em exteriores ou

interiores amplos, mostrando de uma só vez o espaço da ação.

Plano próximo: Também chamado de primeiro plano. Nele o personagem é

enquadrado do busto para cima, dando maior evidência ao ator, servindo para

mostrar características, intenções e atitudes do personagem.

Trama: Forma como o enredo se desenvolve a partir de uma sucessão de enventos.

Platô (set): Local de gravação, estúdio de gravação.

Tilt (panorâmica vertical): Deslocamento da câmera sobre seu próprio eixo de

baixo para cima ou vice-versa.

Three-headed monster camera: Modelo inicial de gravação da sitcom tradicional.

Três câmeras posicionadas em frente ao palco captavam a trama da sitcom

encenada sobre um palco em formato de teatro italiano. A câmera central

enquadrava os dois personagens em conjunto, deixando claro ao espectador o

posicionamento dos atores no espaço e as outras duas enquadravam a reação de

cada personagem.

Tomada (take): É o trecho de gravação entre ligar e desligar a câmera.

Transmissão direta ou ao vivo: É a transmissão de um programa televisivo em

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tempo real para a televisão do telespectador. O programa é transmitido ao mesmo

tempo que é encenado. Diferente da “gravação ao vivo” que apenas grava e

edita o programa no mesmo momento da encenação, mas só transmite ao

telespectador após o fim da gravação.

Single-camera: Modo de produção que privilegia o uso de apenas uma câmera

para captação dos planos do produto audiovisual.

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REFERÊNCIAS

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ENTREVISTAS EXCLUSIVAS PARA A PESQUISA46

FONSECA, João. Entrevista concedida a Autora. Brasil: RJ, Riocentro. 4 jun. 2015.

GONÇALVES, Cleidson. Entrevista concedida a Autora. Brasil: RJ, Riocentro. 4 jun. 2015.

MIRANCOS, Julio. Entrevista concedida a Autora. Brasil: RJ, Riocentro. 4 jun. 2015.

RODRIGUES, César. Entrevista concedida a Autora. Ana Márcia Andrade. Entrevista concedida por WhatsApp, 12 set. 2015.

SOARES, Leandro. Entrevista concedida a Autora. Brasil: RJ, Riocentro. 4 jun. 2015.

46 Para acesso à transcrição da entrevista, favor entrar em contato: [email protected].