O gol contra do rei: a Lei Pele e suasconseqiiéncias

Nilso Ouriques*

Resumo

0 futebol é urn tema muito rico,abrangente e empolgante, podendo serabordado por varios angulos. 0 recorte

feito neste estudo, concentra-seprimordialmente na organizacao deste

esporte no Brasil, na forma determi-nante que o Estado deu a sua

organizacao e ao disciplinamento e,mais recentemente, a sua constituicao

como mercadoria de grande valorcomercial. Estado e mercado, como

duas faces da mesma moeda, demar-caram todo desenvolvimento do

futebol brasileiro. Nesse processo, osestratos superiores, sac) representados

pelos interesses econOmicos. Nestesentido, este trabalho de sociologia dofutebol procura percorrer os caminhos

da chamada "modernizacao do futebolbrasileiro", demonstrando o seu

carater consevador e suas conseqiian-cias para o futuro da grande paixao do

nosso povo.

Abstract

Soccer is a very rich, wide andthrilling theme, that can beapproached by several points of view.This study is firstly centered in theorganization of this sport in Brazil, inthe form that the governmentdetermined its organization anddiscipline, and, more recently, to itscreation as a product of greatcommercial value. Government andtrade, in the same aspects,demarcated all the development ofBrazilian soccer. In this process, theupper stratum, are represented by theeconomic interests. In this way, thissoccer sociology work tries to followthe steps of the so called"modernization of the Braziliansoccer", showing its conservativecharacteristics and its consequencesfor the future of the Brazilians' greatpassion.

* Prof. de Educacao Fisica da Rede Estadual de Ensino/SC, mestre em sociologia politica.

38 MotriviliWncia

Introducfio

"Habia nacido en casa pobre,en un pueblito

remoto, y Ileg6 a las cumbresdel poder y la

fortuna, donde los negrostienes prohibida la

entrada. Fuera de lascanchas, nunca regal6 un

minuto de su tiempo y jamasuna moneda se la

cay6 del bolsillo. Pero,quienes tuuimos la

suerte de uerlojugar, hemosrecibido ofrendas

de rara beleza".'

0 futebol brasileiro conquistou,em urn curto espaco de tempo, orespeito e a admiracäo mundial, pela

quantidade e qualidade de seusclubes, jogadores e pelo seurendimento no contexto dascompeticOes internacionais. Estagrande empresa tern como suportequatro tftulos mundiais, uma legiáode grandes idolos reconhecidos emtodas as partes deste planeta, comoGarrincha, Zico e Pete, assim comouma imensa base clubistica, quehoje supera a casa de 500 clubesprofissionais. Esta estruturacaracterizada pela suaheterogeneidade estrutura1, 2 pelasua rigida hierarquia e por suasligacOes corn o poder politico eestatal.

Nessa curta histOria de poucomais de urn seculo, os clubes noBrasil viveram sob o teto doassociativismo3 e conheceram variasfases. Em uma primeira classificacâode carater bem especffico, Robert M.Levine, 4 salienta que a histOria do

' GALEAN,0 Eduardo, sobre Pele en: El futbol a sol y sombraSigloVeintiuno editores. Mexico, 1995.

2 Heterogeneidade estrutural a urn conceito resgatado de Tilman Evers, quando analisou as diferencassetorial, especial e social entre modos de producao das formaci5es socials centrals e perifericas.Resgatado, a adaptado para o estudo das diferentes estruturas produtivas existentes no futebolmundial. EVERS, Tilmam. El Estado en la periferia capitalists Veintiuno editores, Mexico, 1989.

3 Os clubes brasileiros, ou mesmo latino-americanos säo diferentes dos clubes europeus e americans.Os primeiros são organizados como clubes sociais, como associados que convivem corn a suacomunidade ern bailes, celebray5es, comemoraceies de vitOria ou ainda pelo simples prazer desaber que fazem parte de um grupo. Possuem direitos garantidos de frequenter as instalacciessociais, de presenciar e praticar atividades esportivas. De participar de reuniOes e eleger suas diretorias.Os clubes de futebol, na major parte da Europa, seguem o modelo de uma empresa, onde osacionistas ou dons dos clubes definem o que fazer do seu destino. LEVER, Janet. A loucura dofutebol. Editora Record, Rio de Janeiro,1983.

4 LEVINE, Robert M. Esporte e sociedade- 0 caso do futebol brasileiro. Revista de esportes, MEC, 1980.

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nosso futebol divide-se em quatroperiodos: "1894-1904, quando semanteve restrito aos clubes urbanospertencentes aos estran-geiros;1905-1933, sua fase amadora,marcada por grandes passos dedivulgagäo e pressão crescentespara melhorar o nivel do jogoatraves de subsidios para osjogadores; 1933-1950, o periodoinicial do profissionalismo; e a lasepas-1950, de reconhecimento denivel intemacional, acompanhadapor comercializagdo sofisticada epor maturidade como recursonacional incontestavel" Apesar doacerto cronolOgico na periodizacaodas etapas evolutivas do futebolnacional, esta metodologia acaba pornao incorporar elementos atuais,como as relacOes diferenciadas queo futebol mantern corn o Estado e omercado. Para podermos realizareste vinculo e estudar essas relactiesem urn piano macro histerico, foipreciso buscar urn novoordenamento. Assim, caracterizamoso seu desenvolvimento histOrico emtres fases. A primeira é a fase de sua

estruturacao atraves do associati-vismo voluntario (1890-1940); asegunda, de forte presenca politicado Estado na conducao de seudesenvolvimento (1941-1988), e aterceira, iniciada na decada de 80,reflete a aproximacao e consoli-dacao da presenca do mercado nadeterminacao dos seus rumos.

Esses trés momentos possuemcaracteristicas muito particulares,determinadas pelas condicOesobjetivas de cada epoca. No seumomento inicial, o primeiro impulsointerno na edificacao de toda estarede de instituicOes que compOemo tecido esportivo é, sem diwida osurgimento do clube. 5 0 clube é abase de todo este edificio esportivoe o seu nascimento esta vinculadoao use do tempo livre enecessidade de forjar urn organismoonde as pessoas possam encontrar-se e, assim, procurar objetivoscomuns, que poderiam levar seusassociados ao convivio social maisestreito, prazeroso e a uma vidamelhor vinculada a seus costumes etradicOes, fugindo de praticas que

5 Jean Marie Brohm salienta que se, para Hegel, a associagao e o principal mediador entre individuose o Estado, o clube é para a doutrina nacional o mediador entre os esportistas e o Estado.Qualquer que seja a sua classe social, religiao ou sexo e a opiniao politica, eles encontram-seunidos nesta pequena ',atria. Para o Estado, ele representa urn dos pilares fundamentais, assimcomo o sindicalismo vertical e a familia. Celula intermediaria entre a familia e a ',atria, onde sedeve lutar por sr/as cores e sua glOria. E atraves deste centro de reuniao "apolitico", que se di aintegragao entre o individuo e o Estado. No clube se co/ocara na crianga os valores nacionais esobretudo o sentido social e gosto pela coesao, gragas a educagao moral pelo esporte. BROHM,Jean Marie Sociologia Politica del deporto. Mexico, FCE, 1982.

40 MotriviVAicia

poderiam ser consideradas anti-sociais e egoisticas de vida. Esteimpulso inicial, este desejo de viverelementos comuns a formacaocultural de origem, acabou porconstruir aquilo que inicialmenteBrohm 6 e, depois EduardoManhaes 7 denominaram deassociativismo voluntario.

Todo esforco desenvolvido, ateentao, pela sociedade civil para aestruturacao do futebol encontrariano Estado urn elemento capaz debloquear e alterar esses pianos. 0Estado viria a intervir, de maneiraincisiva, no esporte a partir dastransformacOes politicas gestadas naalteracao da composicao de forcaspoliticas da sociedade brasileira, dofinal da decada de trinta, e queacabaram por redundar na ascensaode Getulio Vargas. Ern 14 de abril de1941, o Estado interviu na atividadeesportiva, atraves do decreto 3.199.Essa formacao legislativa inicial criaurn grande aparelho regulador edisciplinador da atividade esportivanacional e procura resolver osproblemas politicos criados pelochamado "crescimento desorde-nado" provocado pelo impulsonatural criado pelo associativismovoluntario.

Passados esses dois periodosiniciais, entramos no terceiromomento, onde o Estado redefinesuas funceies e toma a iniciativa decriar as condicoes de aproximacaoentre o futebol e o mercado. Esseultimo momento que iremospriorizar a marcado por inürnerasdisputas entre os interesseseconOrnicos e politicos presentes noEstado, na burocracia instalada nosOrgaos de administracao esportiva (federacOes e CBF), nos setoresempresariais ligados ao futebol (Clubedos 13, Clube dos 11) e no setorfinanceiro nacional e internacionalque, no ultimo ano, investiu nacompra ou ern parcerias corn osgrandes clubes nacionais. Essadisputa possui fortes reflexos sOcio-culturais e apontam para ocrescimento e fortalecimento dessessetores na inthistria do entretenimentonacional.

Nesse period°, as forcas queinteragiam na disputa, produziramalteracOes na legislacao esportiva,visando aproxima-la das condicOesideals de que o mercado necessitava(Constituicao de 1988, Lei Zico/1993e Lei Pete, 1998). Essas novascondicEies foram provocadas porcausas externas e internas. As

6 BRHOM, Jean Marie. Sociologia politica del deporto. Mexico, FCE, 1982.

7 MANHAES, Eduardo Dias. A politica esportiva no Brasil. Graal, Rio de Janeiro, 1986.

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primeiras refletem a necessidade deadaptacao ao processo demundializacao do futebol imple-mentado pela FIFA a partir de 1974e, ao mesmo tempo, procuram copiaro modelo administrativo do futeboleuropeu, atendendo aos mais variadosinteresses empresariais do capitalindustrial e financeiro nacional einternacional. As causas internasdizem respeito a luta pelo poderpolitico e a supremacia no mercadobrasileiro entre os varios segmentosem questao. Neste enfrentamentopolitico, existem efeitos econOmicos,politicos e sociais, que sera°determinantes no desenvolvimentodo futebol brasileiro no mercadomundial do prOximo seculo e quenecessitam necessariamente serestudados. Para desenvolvermos estedebate, resgataremos o essencial decada uma dessas fases e adentra-remos nos elementos essenciais daconjuntura atual.

0 desenvolvimento dofutebol no Brasil:associativismovoluntario eintervencfio estatal

0 futebol no Brasil é produto deurn desenvolvimento exOgeno. Deorigem Inglesa, foi implantado no

Brasil por Charles Muller, no final doseculo passado. A estrutura esportivaque conhecemos hoje, formadadesde a sua base pelo clube ate oseu outro extremo, ondeencontramos o Ministerio doDesporto, nem sempre se constituiudessa forma. Ela é uma construcaohistOrica que resulta do processo deexpansao e organizacao internacionaldo esporte, ao mesmo tempo emque reflete as necessidades dosvariados momentos sociais epoliticos vividos pelo Brasil.

0 primeiro impulso interno nasua edificacao veio atraves dosclubes, sejam aqueles ja formadospara o convivio social, para a praticade outra modalidade esportiva oucriado exclusivamente para oexercicio do futebol. Consolida-se,principalmente no Rio de Janeiro eem Sao Paulo, e expande-se paraoutros estados, propiciando acriacao de intImeras competiceies.Paralela-mente, surgem os embriOesda conhecida burocracia do futebolbrasileiro: as federacEies estaduaise a confederacao brasileira dedesportos (CBD). 0 primeiro estadoa dar urn salto de qualidade naorganizacäo deste esporte, foi saoPaulo, a medida que, em 19 dedezembro de 1901, instala a LigaPaulista de Futebol; o Rio de Janeiroseguiria o exemplo e, em 21 de maio

Motrivil.Gncia

de 1904, cria a Liga Metropolitanade Futebol, que veio permitir aorganizacao do primeiro campeo-nato regional desse estado. Em1915, Sao Paulo e Rio de Janeirodisputavam o direito de representaro Brasil no exterior. Cada estadocriou, entao, sua prOpria federacaonacional para mostrar sua forca. Ospaulistas fundaram a FederacaoBrasileira de Futebol e os cariocascriaram a Federacao Brasileira deEsportes. Para resolver o problema,as duas entidades entram emacordo e, em 1916, e criada aConfederacao Brasileira deDesportos (CBD). A construcaodeste tecido esportivo desenvolveu-se e em 1917, a CBD é reconhecidapela FIFA.

Nesse curto periodo, ha aformacao de uma quantidadeimensa de clubes; no Rio deJaneiro, em 1902, surge oFluminense Futebol Clube e mais afrente em 1904, sao fundados nestemesmo estado, o America F. C., oBangu A. C. e o Botafogo F. C.. 0Ano de 1910 marca por definitivo,a supremacia do futebol sobre osdemais esportes, alem do que,marca o nascimento de grandesclubes de massa dos nossos dias,como por exemplo, o Corinthians

Paulista, fundado por urn grupo deartesOes e pequenos funcionarios.Essa fase é denominada deassociativismo voluntario.

A consolidacao do futebolbrasileiro tern, como pilares basicos,Sao Paulo e Rio de Janeiro que,atraves do fortalecimento doscampeonatos regionais, dointercambio e do desenvolvimentoda competitividade entre si,passariam, num segundo momento,a privilegiar os confrontosintemacionais corn equipes inglesas,uruguaias, portuguesas, paraguaias,chilenas e argentinas. Dessesencontros internacionais, resulta aformacao, ern 1917, do Campeo-nato Sul Americano de Futebol eoutras tantas competicOesconsagradas ate os dias atuais.

Corn seu tecido esportivoconsolidado, de importancia s6ciocultural indiscutivel, o futebolbrasileiro foi absorvido pelosinteresses politicos existentes noEstado e passa, a partir de 1941, asofrer urn processo que EduardoManhaes 8 designaria de fase deordenamento e disciplinamento.

0 decisivo daquele momentohistOrico foi a superposicao dopCiblico ao privado, do Estado sobre

MANHAES, Eduardo bias. A politica esportiva no Brasil. Graal, Rio de Janeiro, 1986.

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a sociedade civil, ou seja, oreordenamento da atividadeesportiva sob o ponto de vistapolitico e ideolOgico do Estado. Todaa organizacao anterior desenvolvidapela sociedade civil para o futebol,corn o intuito de organiza-lo demaneira autOnoma e, ate mesmo,de tornar mais liberal os mecanis-mos de organizacao, dissolveu-sediante da postura autoritaria doEstado.

0 papel do Estado nodesenvolvimento dofutebol no Brasil

A Ease de intervencäo estatal foimarcante no desenvolvimentoesportivo brasileiro e iniciou-se em1941, no govern° de Getuljo Vargas.0 Estado determinou como deveriafuncionar o esporte no pais e, emespecial, o futebol; para isso,extinguiu a CBF e concedeu plenospoderes a CBD, sua aliada politica.Interviu em entidades adminis-trativas e imp& urn regime duro eburocratizante que atendia aos seusinteresses politicos. Por outro lado,construiu grandes pracas espor-tivas, estruturou, ordenou edisciplinou o esporte.

No inicio da decada de 80, corno processo de "abertura lenta

gradual e segura" implementadopelas classes dominantes locais,auxiliadas pela burguesiainternacional, a situacao comecoua se alterar. A base esportivanacional, impulsionada peloprocesso de mundializacao dofutebol e pela busca de uma novaordem esportiva, tendo comomodelo o desenvolvimento dofutebol forjado na Europa,empreendeu uma luta pela majorautonomia de organizacao efuncionamento das entidadesnacionais, que so se tornou efetivacorn a inclusao do artigo 217 naconstituicao federal de 1988. A partirdesse momento, estavam colocadasas condicOes necessarias para umaaproximacao definitiva entre ofutebol e o mercado.

A decada de 90 foi marcada pelabusca da supremacia de mercadoentre setores que comandavam avida esportiva do futebol brasileiro;essa situacao ficou muito bemdemonstrada na elaboracao dalegislacäo esportiva de 1993 (LeiZico) e de 1998 (Lei Pele). Essasmudancas visavam retirar osempecilhos, forjados anteriormentepelo Estado, para a integracao dofutebol aos interesses do mercado,situados principal-mente no capitalfinanceiro nacional e internacional.

44 MotriviVincia

A partir desse momento, oEstado utilizou-se de grandespersonalidades esportivas para aconducäo da atividade esportiva epara a defesa de alguns interessesempresariais permeados dentro doEstado e representados por agenciasde marketing esportivo que surgiramnessa decada9. Por seu turno, aburocracia das entidadesadministradoras do futebol e osgrandes clubes, representados peloClube dos 13, passaram a procurar,no Estado, mecanismos capazes deefetivar as transformacOes legislativasnecessarias sem, contudo, seremprejudicadas. 0 governo Collorutilizou-se de Zico para popularizarseu governo, como tambern paraimplementar reformas na legislacaoesportiva, e é dessa forma que surge,em 1993, a nova legislacao esportiva.As transformacOes que a chamadaLei Zico produziu na legislacâorepresentou a necessidade deadapts-la as exigéncias do mercado.0 projeto Zico constituia amanifestacao mais ostensivaplantada pelos clubes derompimento explicito corn o modeloque ate entao se tinha. Vinha corn ointuito de atender, na sua formalidade,as principais reMndicacOes do Clube

dos 13. Era urn ataque frontal a CBFe as federacäes no sentido de retirar-lhes o poder politico. Propunha queo colegio eleitoral da CBF fosseintegrado pelos clubes da primeira eda segunda divisao e nä° somentepelas 27 federacOes. Propunha,ainda, a extincao do passe e atransformacao dos clubes emempresas. Zico saiu da secretaria em29 de abril de 1991, sendo que a leique leva seu nome iria sersancionada pelo Presidente daRepublica, em 6 de julho de 1993.

Depois de urn certo tempodecorrido, Zico posicionou-se a favorde sua Lei, afirmando que as distorcOesadvindas dela foram provocadas poremendas de deputados ou pelosdesmandos de dirigentes. 0 clubeempresa ganhou uma legislacaoflexivel e continuou sob protecâoestatal, o passe continuou existindo efoi normatizado por Pete, em 1996.0sistema eleitoral dos aparelhosadministradores do futebol ficou acargo das prOprias confederacOesdefinirem, não se mexendo, portanto,na estrutura de poder.

ApOs a saida de Zico, o Estadoprocura outro grande Idolo nacional

9 Existe uma real disputa pelo mercado do futebol brasileiro. No centro do poder, a Pe16 Sports &Marketing, empresa do entâo ministro dos desportos, disputa espaco corn a Traffic, que possuicomo sOcios Ricardo Teixeira, presidente da CBF, e Kleber Leite ex-presidente do C. R. Flamengo eoutras empresas. Esta disputa já rendeu inUmeras retaliacties na imprensa corn acusaci5es de todaordem.

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para assumir a secretaria de esportes.Trata-se de Bernard, jogador daselecao brasileira de vOlei, que, emsua curia passagem pela secretariade desporto, apenas administrou asdeliberacOes anteriores.

A presenca de Zico so poderiaser ofuscada pela entrada em cena,ja no governo de FernandoHenrique Cardoso, do majorjogador do seculo: Pele. Utilizando-se da receita dada por Collor,Fernando Henrique Cardosocredenciou Pele como o seu ministrodos esportes e cabo eleitoral. Nessacondicao, ele incumbe-se dedesfraldar velhas lutas ja tentadaspor seu antecessor, Zico. A primeira

quebrar a coluna da estruturaburocratica instalada na CBF e nasfederacOes, a segundatransformar obrigatoriamente osclubes em empresas, negociar asmudancas na lei do passe efinalmente colocar-se como granderepresentante da chamadamodernizacao esportiva nacional.Todas essas mudancas foramintroduzidas no futebol europeucorn uma participacao decisiva doEstado e corporificavam as medidasmais avancadas utilizadas na suamodernizacao. 0 modelo europeuera algo almejado por setoresempresariais nacionais que viam,nestas modificacOes, elementos

essenciais para a alteracao da ordempolitica no futebol brasileiro e paraa ampliacâo do seu dominio nomercado.

A presenca empresarial naestrutura estatal tomou-se mais clarae transparente durante o period°comandado por Pele. A figura miticado Rei do futebol mundial controla aPete Sports e Marketing, agenda quedisputa o controle de grandestransacOes do futebol nacional,como por exemplo, as transmissOesdos campeonatos Carioca e Paulista,consultorias para a venda de clubes,de jogadores para o exterior e deinUmeros outros negOcios vinculadosa comercializacao do esporte. Corninteresse direto nessas mudancas,Pete colocou seu sOcio, Hello Viana,na conducao do INDESP ( Institutopara o Desenvolvimento doDesporto). Nesse periodo, o grandeidolo nacional e internacionaldesenvolve uma grande queda debrag° corn a resistente burocraciaestatal, corn os grandes clubesnacionais (Clube dos 13 e Clube dos11) e corn parlamentares, na defesade seus interesses econ6micos epoliticos mais imediatos. Comoresultado deste enfrentamento surgea chamada lei Pele.

Como nas demais partes domundo, o Estado, permeado porinteresses empresariais, foi o

Motrivilio'hcia

precursor das mudancas ocorridasna legislacao esportiva. 0 Estado,que desde 1941 incorporou oesporte as suas preocupacOes,transformou-se, ao longo do tempo,assumindo varios perfis. Em 1941,constituia-se com urn perfilpopulista, cujo objetivo era ordenare disciplinar a ordem esportiva, aomesmo tempo que assumiu a tarefade criar condicOes estruturais parao desenvolvimento esportivo.

Em 1964 inaugurou urn perfilditatorial que o marcou em todosos periodos militares ate a "transicaolenta, gradual e segura". No period°militar, o esporte assumiu a funcaode legitimacao da ordem polfticainstalada no pais. Nesse momento,passa a funcionar como urnmecanismo de fortalecimento doEstado e de glorificacao da ordemestabelecida. 0 esporte é uma dasraras esferas superestruturais queignora, quase em sua totalidade, asua funcao critica. 0 cinema, oteatro, a miisica, a educagao, areligiao e outros segmentos maisnao renunciam a esta condicaocritica, mesmo sob as mais durascircunstancias politicas. 0 esporte,e em especial o futebol, funcionacomo urn cimento social que possuicomo elemento propulsor, acoletivizacao massiva da culturaesportiva, utilizando-se de todos osmeios tecnolOgicos existentes, e

tendo, como garoto propagandadesta ideologia, os grandes idolosesportivos que, pela sua relacaoapaixonada e pouco racional corno püblico, penetram facilmente noimaginario popular. Em nenhumoutro momento da vida nacionalbrasileira encontraremos exem-plificacao melhor para esta situacaodo que aquela vivida pelo Brasil em1970. Em meio a uma das maisbrutais ditaduras latino-americanas,a nacäo brasileira nâo questionavao regime, negava-se a discutir asituacäo politica do pais, parafestejar cada gol de Pete, Tostäo ouJairzinho. "Pra frente Brasil","Ninguem segura esta nacdo" eoutras tantas manifestacOesnacionalistas impulsionavam acorrente ufanista feita pela nacäobrasileira, que excluia aqueles quediscordavam do governo e forjavao consenso do nacionalismoapaixonado que nos levaria ao tricampeonato, ao mesmo tempo emque fortalecia o regime e acobertavaas transformacOes sociais epoliticas, repressivas e autoritarias,encaminhada pelos militares.

No momento da aberturademocratica, mesclam-se elementosque dariam ao esporte e, em especialao futebol, a condicao de mercadoria.Dente estes elementos, colocam-seas transformacOes estruturaisproduzidas no futebol europeu, os

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avancos presentes no pianotecnolOgico que garantiram OtimascondicOes para a expansâo do esportee do futebol como lazer e diversäopara as massas; a FIFA transforma-se na grande transnacional do futebol,mundializando a sua prâtica e abrindonovos mercados corn influencia diretasobre o Brasil; por sua vez, o Otimorendimento do futebol brasileiro nomercado mundial consolida-o comonacâo hegemOnica neste esporte. Anecessidade de acompanhar odesenvolvimento esportivo europeu,forca processos de transformacao naestrutura do futebol brasileiro queacabariam sendo comandados porinteresses empresariais permeadosdentro do Estado. Essas mudancascolocaram ern confronto diretoentidades de administracâo dofutebol, entidades de pratica dofutebol e interesses empresariaisexpressos nas grandes ag8ncias demarketing esportivo.

As redefinicties dopapel do Estado e aabertura para omercado

0 Estado brasileiro, ao longo desua histOria, adotou variadas formas

representativas de momentos politicose econOmicosvividos pela sociedadebrasileira. Essas formas, em geral,representavam os interesses politicosinstalados nas classes dominantes emestreita conexâo corn seu brag()intemacional.

Algumas correntes teOricasmanifestaram-se acerca dessasmudancas de perfil do Estadobrasileiro que acabariam por refletir-se diretamente na conducâo doesporte nacional e muitoespecialmente no futebol. Dessaforma, e preciso ter uma visâo geralde como estruturou-se o Estadobrasileiro ao longo do tempo. LuisCarlos Bresser Pereira° afirma que,de 1850 a 1930 o Brasil foicomandado por urn EstadoOligarquico Mercantil, resultante deurn pacto entre a oligarquia agrario-mercantil local e o imperialismo;este modelo de Estado seriasuplantado pelo estado populista. Anova forma de Estado e produto docolapso do Estado OligarquicoMercantil, que surgiu quando a velhaoligarquia agr6rio-mercantil entraem decadencia econOmica e politicae nenhuma outra classe, ou fracâode classe, tern condicâo de sozinha,assumir o papel de classe dirigente.Define-se, entao, o Estado Populista

10 BRESSER PEREIRA, L, C Estado e subdesenvolvimento industrializado, Editora Brasiliense, SäoPaulo,1977.

MotrivixOncia

como o resultado de urn pactosocial. Para Bresser Pereira, o Estadopopulista é urn momento transitOrioentre o Estado Oligarquico mercantile o Estado tecnoburocr6tico-capitalista dependente.

Para Octavio Lanni," o fim dociclo populista, em suas linhasgerais, distribuiu-se pelas decadasde trinta a sessenta e, algumasvezes, ultrapassou a esse tempo.Sucedeu ao Estado oligarquico, quepredominava desde o seculodezenove, e encerrou-se quandoemergiu o Estado autoritario, militar,civil ou militarizado.

Para Augustim Cuevas, 12 aoanalisar este fenOmeno no espectromais amplo da America Latina, apartir dos anos sessenta e, em escalamaior, dos setenta, ocorre umaverdadeira quebra do Estadoburgues "benfeitor" engendrado nostempos do populismo. As forcas quepassam a predominar nos novosarranjos dos blocos de poderreduzem ou cortam "gastos sociais"relativos ao esporte, educacdo,

habitacdo popular etc. Jáestâ em curso o ciclo doautoritarismo.

Em geral, na America Latina,segundo as peculiaridades de cadapals, desenvolveram-se outrasformas de Estado burgues. Pode-sefalar em liberal, liberal-democratico,social democratic°, autoritario emesmo fascista. Mas o quepredominou foi o Estado autoritario,de cunho militar, civil ou combinado.Todas as formas assumidas peloEstado burgues representavamarranjos novos ou renovados, dasclasses dominantes locais eestrangeiras. A reacdo contra asexperiéncias populistas e contra acrescente politizacäo das classesassalariadas conduziu a novossurtos de hipertrofia do poderExecutivo e a maior subordinacaodos poderes Legislativo e Judiciârioaquele. Simultaneamente, dina-mizou-se a presenca e a maiorrigidez do poder estatal nos assuntoseconOmicos, politicos, sociais,culturais e esportivo.

No Brasil, de 1964 a 1985, asforcas conservadoras e reacionariascomandaram a politica e aeconomia. Quando se tornouimpossivel manter a ditadura, emface dos movimentos, partidos,sindicatos e correntes de opinião

IANNI Octavio, A formagäo do Estado populista na America Latina Editora Atica, Sao Paulo,1989.

12 CUEVA. Augustin. 0 desenvolvimento do Capitalismo na America Latina. Trad. de Carlos Machado,Sao Paulo, Global, 1983, p.189-90 e 206.

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reivindicando a democratizacao, asmesmas forgas que haviam sebeneficiado da ditadura entram noprocesso de "abertura", "distensao",de democratizacao "lenta, graduale segura". Aos poucos, os setoresconservadores e liberais dasoposicOes democraticas entraramem conciliacao corn osconservadores e liberais da ditadura,encaminhando e comandando todoo processo de uma transformacâoque seria feita "por cima" 13 . Destaforma, o processo democratic°ficou sob controle, limitado, ernconformidade corn os interesses dobloco de poder que serviu de basea tirania e prevaleceu mais oumenos intocado no tempo da"democracia".

Ao longo desta transicao, entreurn period° autoritario e outrodemocratic°, onde a hegemoniados setores conservadores foiflagrante, a relacao entre Estado esociedade oscilaram entre variasinterpretacOes. De urn lado,privilegiou-se visOes alternativas queenfatizavam ora a primazia dasociedade na estruturacao do poderpolitico, ora a prevaléncia do Estadoem sua capacidade de plasmar asociedade e os interesses. De formasimilar, a atribuigao de valor ao que

e moderno e atrasado vinha sealternando, ao longo do tempo,conforme conjunturas especificas,entre atribuir urn papelmodernizador ao polo estatal ou aopolo associativo, embora atendéncia predominante tenha sidoaquela de identificar o modeloassociativo como modernizante edemocratic°, contrapondo-se aomodelo corporativo, identificadocorn autoritarismo e atraso. Estatendéncia a dotar o Estado decaracteristicas similares ao atraso eautoritarismo ganhou forga nadecada de 80 corn o avanco daspoliticas neoliberais, implementadasem diversos graus e de variasformas na America Latina.

0 neoliberalismo postula urnmundo formado por individuos queconcorrem, e supöe que taisindividuos devam comportar-se deforma competitiva para maximizaros lucros. A partir disso, osneoliberais concluem que aeconomia de livre mercado e oresultado racional da livreconcorrencia entre os individuos,onde o papel do Estado e minima

Contrarios aos principiosdeclarados pelos defensores do livremercado, as politicas dos regimesneoliberais freqilentemente violam

13 FERNANDES, Florestan. Nova Reptiblica? Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 1986.

50 MotrivixOncia

a sua doutrina. A intervencäo estatalnão diminuiu: o que mudou, narealidade, foi o tipo e a direcäo daintervencao. 0 livre mercado nä° eralivre para o trabalho, e foi liberadopara o capital atraves de decretosdo governo. 0 Estado interveio nopiano econOrnico, social e politicoassim como, tambem, no meioesportivo, de maneira decisiva edecidida. Foi o Estado o grandeimpulsionador da chamadafit modernizacdo esportiva", privile-giando o avanco do capital. Nesteparticular, o Estado esta cheio degrupos interessados em fatiasvantajosas do mercado brasileiro.

lmpulsionado pelo Estado, omecanismo chave, na chamadamodernizacäo esportiva, é a kigicado mercado, que procura seguir omodelo esportivo americano eeuropeu. Para embrulhar ideolo-gicamente este pacote, Pete e seusassociados passaram, atraves daimprensa, todo urn discursomoralizador da atividade esportiva.Falavam abusivamente da falta deprofissionalismo, da corrupcdo, datf cartolagem" e toda a sorte deelementos depreciativos, quecolocavam a atual estrutura esportivana condicâo de atrasada e viciada,representando para a sociedadebrasiteira o que de pior existe na vidaesportiva nacional.

Dessa forma, Pete reeditou noesporte o mesmo discursoneoliberal do palâcio do planalto, decombate ao Estado ineficiente ecorrupto, para, de maneira direta"bater de frente" na estruturaburocrâtica montada por estemesmo Estado que elesrepresentam, e reverenciando omercado como a solucâo para todosos males e como referencial deeficiencia.

Os interesses empresariais,situados nos grandes clubes, naburocracia dos Orgaos administra-dores do futebol, nas recentesempresas de marketing esportivo, nagrande indirstria de fabricacâo dematerial esportivo e nos meios decomunicacao de massa, comanda-ram grupos de pressäo junto aoexecutivo e aos parlamentares para atransformacão da legislacäo esportivade tai forma que atendesse aos seusinteresses. Todo esse nivel de interessesempre esteve presente emmomentos pontuais, quando daaprovacdo da constituicão em 1988,na aprovacdo da Lei Zico, em 1993,e recentemente na aprovacdo da LeiPete, em 1998. Agora, voltou a fazer-se presente na eleicäo de 1998,quando inirmeros parlamentaresforam financiados por estes setoresque buscam, a partir de 1999, novaalteracäo da legislacao esportiva, em

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especial, nos aspectos relacionadosao futebol.

Neste processo, assumir posicOesno Estado e de suma importancia,tanto no Executivo como noLegislativo. No Executivo, a presencade Pele no Ministerio dos Desportespossibilitou ao proprietario da PeleSports e Marketing uma imensavantagem na concorrencia nomercado interno perante outrasgrandes agendas, assim comoimpulsionou a sua aproximacao corna FIFA e a maior projecaointernacional no mercado LatinoAmericano, na Europa e tambern nosEstados Unidos. Por sua vez, crioumaiores possibilidades deaproximacao corn as grandes marcasmundiais, como a ADIDAS e a NIKE,ao mesmo tempo em que gestoufacilidades corn as grandes empresastelevisivas do pals, tais como,Bandeirantes, Globo, SBT e outras.Na impossibilidade de participar demaneira mais efetiva no Executivo, asentidades administradoras do futebol( federacOes estaduais e CBF)procuraram fortalecer a sua presencano legislativo, participando ativamentedas eleicöes para deputadosestaduais, federais, senadores egovernadores de estado. Nestadisputa por fortalecer a " bancada dofutebol", nao existe nenhumarestricao politica ou ideolOgica por

este ou aquele partido. As preferenciasrecaem sobre aqueles que possuemcondig5es de sucesso eleitoral, indodesde a variante mais a esquerda doPT ate partidos da direita como o PPB.Neste grande movimento para aformacao de uma "bancada dofutebol" cada vez mais forte,participam ativamente os grandes emedios clubes nacionais,representados pelo Clube dos 13 eClube dos 11, as federacOesestaduais e a CBF. Os grandes clubesnacionais foram profundamenteprejudicados na aprovacao da lei dopasse e na obrigatoriedade detransformacao de suas entidades emempresas, ate 24 de marco do ano2.000. Procurando reverter estasituacao, fazem da sua proximidadecorn a CBF e as federacoes estaduaise da forca de sua grife para elegerdeputados, senadores e governa-dores afinados com a sua perspectivapolitica, a sua grande arma na lutapolitica pela defesa dos seusinteresses.

A mundializacfio dofutebol e seus reflexosno Brasil

O futebol, assim como aglobalidade do esporte moderno,tributario de uma ruptura histOrica

MotrivixOncia

caracterizada pelo nascimento docapitalismo industrial na Inglaterra.0 esporte, de maneira global, iniciouo seu processo de mundializacäo nareinstalacäo das Olimpfadas em1896; já o futebol buscou urnprocesso de desenvolvimento urnpouco diferenciado. Do centro daEuropa, esta mercadoria viajouatraves das expedicOes imperialistas,indo enraizar-se em iniunerascolOnias. Paulatinamente, constitui-se o tecido esportivo mundial, assimcomo a consolidacâo do futebolcomo urn esporte de primeiragrandeza do mundo, a criacdo daFIFA — a grande multinacional dofutebol globalizado — o crescimentodo seu grande espetaculo mundial aCopa do Mundo, e o desen-volvimento de toda uma rede deinstituicoes que &do suporte a estaestrutura mundial tao rica epoderosa.

Durante algum tempo, o futebolfoi conduzido por objetivos que naotinham como prioridade acomercializacâo e o lucro. Seusobjetivos visavam a simplescompeticào, sua organizacâodependia do grau de desenvolvimento

de cada formacâo social eapresentava varios estagios, podendoser totalmente amadora, semiamadora ou profissional. Por outrolado, os avancos tecnolOgicos nä°propiciavam ou estimulavam a suacomercializacdo em tempo real, assimcomo tambem nao existia a visdoempresarial que hoje se possui desteempreendimento.

A partir da decada de 70, estequadro comeca a alterar-se corn aeleicäo do brasileiroJôao Havelangepara a presid8ncia da FIFA.Havelange venceu a eleicao realizadano 392 Congresso da FIFA emFrankfurt, concorrendo corn StanleyRous e a toda poderosa ADIDAS, depropriedade de Horst Dossier". Apartir desse momento, ele associa-se a maior produtora de materialesportivo do mundo e redimensionatoda a estrategia de desenvolvimentodo futebol mundial, tendo o seu novoparceiro como sustentacäoeconOrnica de seus projetos. Osexecutivos globais da FIFA e seusamigos empresarios puderamobservar toda a transformacâo porque passava a sociedadecontemporanea e puderam observar

14 Proprietario da Adidas, falecido de cancer em 1987. Horst Dassler e Patryck Nally, seu socio,lutaram durante muitos anos contra as federacnes e confederagnes em todo mundo, para rompercorn as limitacOes impostas a comercializaceo do espetaculo esportivo. A FIFA foi a primeiraentidade intemacional que concordou em criar novas normas para a comercializacao do esportemundial. Retirado de: SIMON, Vyv e Jennings, Andrew, Los senores de los anillos. Poder, dinero ydopyng en los juegos olfmpicos Editora Norma, Bogota, 1992.

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as mudancas histOricas que nestasociedade estavam surgindo.

Possuiam, portanto, uma visäohistOrica e foi gracas a este elementoque hoje podem afirmar que, nomundo do futebol, existe urn antese urn depois, urn divisor de aguasque acabaria por separar estes doismomentos. Esta constatacao foibem demarcada por Havelangequando se expressou acerca dosrumos seguidos pela instituicao quecomecou a comandar em 1974. Naavaliacao de Havelange, 15 ate certoponto modesta, ele dividiria a histOriada FIFA desta forma: "antes edepois de Havelange". A faseanterior poderia ser consideradacomopre-global, coisa do passado,mas que acabaria por formar asbases para a sua acâo empresarial,para o salto da comercializacao dogrande espetaculo esportivo por eleencaminhado.

Superadas as varias barreirastecnolOgicas que tornavam omundo extremamente grande, ofutebol ja estava consagrado emmuitos continentes como o principalesporte a ser praticado. Diantedessa nova situacao, bastava

capacitar os administradoresesportivos, dar uma estruturaprofissional a FIFA e criar novasnormas de comercializacao dofutebol, assim como redefinirmundialmente a sua estrategia dedesenvolvimento. Suprimidas essasdebilidades, a FIFA, emconsonancia corn a vontade politicade alguns estados nacionais,inicialmente a Espanha e a Italia,procurou distribuir estrategicamentea realizacao da Copa do Mundo defutebol. Essa estrategia visavareconstruir as pracas esportivasdesses 'Daises atraves do poder

ao mesmo tempo em queestes Estados propiciavam apossibilidade de seus grandesclubes transformarem-se emempresas. 16 Realizadas essastarefas, criou-se urn modelo dedesenvolvimento do futebol mundialconsiderado ideal para o grandeespetaculo esportivo.

A estrategia mercadolOgico daFIFA e pensada em escalaplanetaria, referendada em calculosobjetivos, baseada em pesquisas demercado que sugerem comoproduzir a mercadoria futebol,quanto e como fazer, onde e a

15 Folha de Sao Paulo referente a Copa do Mundo da Franca e datada de 20/06/98. Entrevista concedidaao reporter Mario Magalhaes.

Em Estados como: Portugal, Espanha e Italia, o poder pablico colocou como opcional atransformacâo dos clubes em empresas No Brasil esta situacao foi colocada como obrigatOria.

54 MotriviviSncia

quanto vender. Nos Ciltimos vinteanos, ocorreram transformacOessubstanciais na esfera econOmica epolitica, que exigiram profundasreformulacOes no mundo dosnegOcios. Urn primeiro aspecto e aglobalizacäo do mercado. Hoje elee (Ida), possui uma lOgica singularabrangendo toda a terra. Como oseconomistas, os empresarios doesporte, e em especial o futebol,entendem que o seu campo de acâoé o mercado sem fronteiras. 0produto futebol, que nos anosanteriores a Havelange ficara presoa algumas nac6es e continenteshegem6nicos, agora é desterrito-rializado, nao mais existindofronteiras onde nao possa penetrar.0 futebol nao poderia, comoproduto, esquecer o mercadoamericano, asiatico e africano, eficar restrito aos continentes de suamajor projecdo." 0 desenrai-zamento dos produtos é algofundamental para o pensamentoadministrativo. Se cada mercadoriafosse determinada pela sua

localizacdo geografica ou pelo gostolocal, as linhas diretivas de umaadministracäo global estariamindividualizadas. A universalidade doproduto futebol garante o elo entreas diversidades existentes.

Verificada esta condicdo bâsica,e preciso que tenhamos a nocao decomo o marketing esportivotrabalhou nesse caso. Primeiro, eleutilizou-se de urn produto universalamplamente difundido e que todosquerem, todos os mercados odesejavam. Segundo, so restava aosadministradores fornecer asinformacOes que poderiam criar ademanda desta mercadoria, atravesda venda do grande espetaculoesportivo. Para verificarmos estaafirmacäo, basta observarmos oesforco de Havelange em deslocaras grandes competicOes, jáexistentes e cobicadas por inCimeros'Daises, do seu eixo tradicional, assimcomo criar novas competicOes em'Daises sem tradicao, tudo isto sendoacompanhado pela exportacäo de

17 Stanley Rous era conservador em relacâo ao nilmero de participantes na Copa do Mundo e trabalhavacorn a dimensâo de orcamento restrito ao que se ganhava de Copa em Copa. Observe esta declarasäoa revista Veja, datada de 15/05/1974: Minhas iddias sao estas: o flamer° de 16 finalistas foifixado quando a FIFA somaua apenas 80 paises. Agora a FIFA possui 142 filiados. E euidente queo nitmero de iriscritos pode uir a ser aumentado Em todo caso, tem de se considerar os aspectosecon6micos do problema. Se passarmos para 24 finalistas, em primeiro lugar, isto implicaranurn period() de auséncia muito major para osjogadores estrangeiros. Depois os custos aumentamcorn hotais, passagens, seguros etc. Sem falar nos problemas dos encontros que nao darao rendsporqueserao disputados por selegO es sem expressdo ou por selecOes que nao acendem a toroida....por isso tudo, chego a achar que o ntirneno de finalistas na uerdade deueria diminuir. Talvez aideia fosse urn torneio entre oito selegOes".

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profissionais e tecnicos experientesassim como de todo Knowhowadequado ao grande espetaculoesportivo. Essa demanda,preenchida ou criada, sempre foipensada em termos globais. Aexisténcia ja consolidada de umaestrutura mundial de consumoserviria de patamar basic° para assuas awes, a que deveriam somar-se o apoio de algumas multinacio-nais e os desejos de algunsgovernos de estados nacionais queutilizariam o futebol como forma dese projetar.

Pensando sobremaneira nomercado do futebol mundial, estesintelectuais do esporte, trataram deredefinir a estrategia global,associando-se a grupos industrials deareas afins, como os produtores dematerial esportivo, a exemplo daADIDAS. Assim, usufruindo dosbeneficios da revolucao tecnolOgica,principalmente na area televisiva, e dodesenvolvimento do marketingesportivo, projetaram a mundializacâodo futebol como urn produto, umamercadoria, que deveria estar emtodos os continentes como umamanifestacao do lazer das massas.18Foi pensando na consolidacâo eabertura de novos mercados, que osestrategistas da FIFA e seus amigos

empresarios abriram recentemente omercado do futebol americano,quando levam a Copa de 94 para osEstados Unidos. Da mesma formaesperam conquistar milhOes deconsumidores corn a prOxima Copa,no continente asiatico. Todo esteprocedimento tern, como ponto deapoio, a lOgica do mercado e afantastica obtencào de lucros.

Por outro lado, este modelo idealde comercializacao do futebol, ditadopela FIFA, acabou por despertar osdirigentes dos clubes europeus.Transformados os clubes europeusem grandes e prOsperas empresas,estes passaram a ser o grande centroimportador de atletas de todas aspartes do mundo, especialmente doBrasil, transformando-se na grandeatracao do futebol mundial. Essaproposta foi vendida para o mundotodo. No Brasil, o campeonatoItaliano comecou a ser transmitido apartir de 1983, pela rede de televisaoBandeirantes, trazendo como atrativoa presenca de intimeros jogadoresbrasileiros que, depois da Copa de82 na Espanha, haviam se transferidopara o futebol italiano. Logo depois,tivemos a Copa da Italia queforneceu urn novo impulso econsolidou estes dois fortes pOlos dofutebol europeu, assim como

18 DEBORD, Guy. A sociedade do Espetaculo. Contraponto, Rio de Janeiro, 1997.

56 Motriviv'R'ncia

tambern a ideia de urn futebolmoderno, comercial e altamenterentâvel. Depois dessas duasgrandes competicOes intemacionais,as transmissOes do campeonatoespanhol e italiano disputam espacocorn as nossas competicöes locals.Esta presenca permanente, aimagem de estadios lotados e de urnfutebol milionâno que reunia asgrandes estrelas mundiais, logopassou a ser vinculada ao extremoprofissionalismo e competenciaempresarial desses dirigenteseuropeus. E desta forma que nascee se desenvolve a ideia damodemizacão esportiva brasileira, danecessidade imperiosa de procuraracompanhar o desenvolvimentoesportivo europeu, para nä° ficarmospara tras e assim perdemos odominio do futebol mundial. Ainfluencia ex6gena, impulsionadapela FIFA na era Havelange, forcoua necessidade da comercializacâo dofutebol nacional e de suaprofissionalizacäo total. Nestereceituärio, incluiam-se, de maneiraprimaria, a necessidade demodernizacäo de nossas pracasesportivas, da transformacdo dosclubes ern empresas e nanecessidade de acabar corn a lei dopasse. Em urn segundo piano,

surgem as ideias de substituicdo davelha casta de dirigentes esportivos,por profissionais capacitados emmarketing esportivo, administradoresesportivos formados nas recentesinstituicães do genero e na destitui-cdo dos tradicionais dirigentes defutebol, sejam eles da burocraciaesportiva das entidades adminis-tradoras do futebol ou dos dirigentesde clube.

0 receituário modernizador,ditado pela FIFA e pelo modeloeuropeu, desconhece as diferencasestruturais entre cada formacdosocial do planeta. Esta heteroge-neidade estrutural19 das formacOesesportivas de cada pals colocaestruturas esportivas avancadasconvivendo corn estruturasperifericas atrasadas. Esta situacaonä° se configura como umadeformidade do capitalismo no seudesenvolvimento esportivo, mas, poroutro lado, como algo que cumpreuma funcäo essencial. Pode-se dizerque estes setores atrasados ternuma fungdo, uma utilidadeeconOmica direta para aacumulacão dos setores centraiscapitalistas. Assim, pode-se dizerque a existencia desta dualidadeconstitui-se, muitas vezes, comouma racionalidade econOmica do

19 EVERS, 'Taman. El Estado en la periferia capitalista. 5. ed. Siglo Veintiuno editores, Mexico,1989.

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pr6prio sistema, que exige apresenca dos setores marginais parao barateamento dos custos deproducäo da forca de trabalho emtodos os niveis, ampliando assim ataxa de lucros.

A teoria da modernizacao dofutebol brasileiro foi imposta peloEstado atraves dos interessesempresariais all instalados,ganhando imediata adesao dossetores de imprensa e grandesimpatia popular. A modernidade aser buscada no esporte era o bem aser desejado a cada instante, o seuantOnimo era o tradicional, tao velhoe pesado, que parecia impossivel deser removido. Corn essa visaofuturista e portadora de umamensagem atrativa, plantou-se aideia do desenvolvimento semlimites e sem barreiras para o futebolbrasileiro.2° A modernizacao passoua ser algo macicamente presente.Como processo sOcio-cultural, elatanto pode nascer da invencaoendOgena, quanto da difusaoregulada atraves das metrOpoles. 0segundo caminho caracterizava a

alternativa a ser escolhida. Empovos e nacOes aptos a financiar eaproveitar as aplicacOes dasdescobertas e criacoes originals, elapromove a producao de civilizacOesde porte e sua proliferacao pluralistae independente. Em povos e nacOesdestituldos dessa capacidade,parcial ou totalmente, ela promovea inovacao institucional e arenovacao constante no contextocultural, desde que se forme algumacontinuidade entre os centros deproducao original e os centros deabsorcao seletiva de tracos oucomplexos culturais organicosimportados. A modernizacao, noentanto, volta-se para a diferencia-cao cultural, o desenvolvimentoeconOmico e o progresso dosnacleos civilizatOrios centrals. Amodernizacao nada mais seconfigura como urn processo deatualizacao histOrica de nossaestrutura esportiva a servico dasnovas necessidades do mercadomundial. Os setores centralsabsorvem a periferia esportiva emseu processo de evolucao, pois a

20 Em 14 de outubro de 1997, o então Ministro Pele dava depoimento na camera de deputados emBrasilia e tentava sensibilizar o congresso para a necessidade de profissionalizar de vez o esportenacional. Para isto, apresentava um estudo econOrnico, feito pelo INDESP, em que sinalizava urnaumento de US$800 milhOes de Mares para US$ 25 bilhOes de d6lares, caso o seu projeto fosseaprovado. Para o Ministro este era o potencial do mercado brasileiro. Na Itâlia, somente o futebolmovimenta US$ 2,5% do PIB. No Brasil isto correspondia, em todos os esportes a 0.1% do PIBnacional. 0 valor de US$ 25 bilhOes corresponderiam hoje a 3,3% do PIB. Dessa forma, o Ministroapresentava a possibilidade de urn crescimento em tomb de 30 vezes os valores de hoje. Folha desao Paulo, 15/10/97.

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modernizacao originaria sedesenrola em seu beneficio e paraatender as premissas histaricas desua reproducao e sua evolucao. Amodernizacao secundaria, naoobstante, nunca é urn processopassivo. Ela se realiza ativamente,atraves das redefinicOes de poderexistentes entre os värios segmentosesportivos em disputa e dareintegracão dos bens culturais epsicossociais assimilados dosexemplos exOgenos. A sociedademodernizada por influxos externosinveste muitos recursos inventivospara conferir sentido e enriquecer amodernizacao provocada a partir doexterior. A fragilidade da moderni-zacao secundaria no piano esportivoevidencia-se ao considerar-se que adistancia ou a brecha cultural edge-se em barreira a recomposicao e acoalescencia do todo. Pode-seimportar ideias, valores e ideologias,tecnicas e instituicOes sociais, masé impossivel, contudo, importar aspremissas histOricas e as baseseconOrnicas de seu funcionamentoe transfiguracao organica. 0 quequer dizer que, enquanto semantiver a demora cultural e aestrutura que the da origem, amodernizacao secundaria naoproporciona condicães de compe-tic a° reciproca real no pianoesportivo, entre os centros e aperiferia de uma mesma epoca.

A modernizacâo esportivaimposta pelo Estado, tendo comoparametro o modelo europeu,demonstra a insensibilidade depercepcao entre as diferentesestruturas produtivas do futebolmundial e o momento diferenciadoem que se encontram, acarretandoconseqUencias danosas a estruturado futebol brasileiro. Falamosespecificamente da obrigatoriedadede urn prazo na transformacao dosclubes em empresas, situacao estaque os coloca como presas faceisnas maos dos especuladores. ParaMustafa Contursi, presidente da S.E. Palmeiras, em entrevista a Folhade Sao Paulo de 17 de agosto de1998, a situacao é a seguinte: "Aobrigatoriedade é clara. Naorestam alternativas aos clubes,senäo formar uma empresa, fazerparcerias ou ceder sua marca paraurn terceiro"Prosseguindo em suaexplicacao, Mustafa afirmou que: "o prazo funciona ainda como urnmecanismo de pressao sobre osclubes que, possuindo dividasmuito grandes corn a receitafederal, INSS, bancos, fornecedorese ate mesmo corn atletas, tornar-se-iam presas Weis nas maos dosgrandes investidores financeiros."Essa situacao se confirmou nasrecentes negociacties envolvendo oCorinthians e o Banco Icatu e

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tambern na negociacao entre oInternacional de Porto Alegre e oBanco Liberal, sucursal nacional doNationals Bank, primeiro maiorbanco comercial do mundo. Clubesnacionais estao sendo sucateadosna sua venda parcial ou total aosinvestidores estrangeiros, corn aconseqUente perda do controlenacional sobre este patrimOniocultural. Outro aspecto negativo damodernizacao do futebol brasileiropara os clubes locais foi o fim da leido passe. Os clubes que investemmuito em suas categorias de base,possuem agora somente direito deurn contrato de dois anos corn oatleta por eles formado. ApOs esteprimeiro contrato esses atletas estaolivres para serem negociados nomercado externo, sem qualquerretorno para o clube formador21 . 0Brasil, sendo urn grande exportadordesta materia-prima, acabacedendo-os da maneira mais baratapossivel, ao mesmo tempo em queretira dos nossos clubes acapacidade, sempre presente emmomentos anteriores, de revigora-rem as suas financas atraves destasnegociaciies. Esta mesma situacaoretira as condicOes antes existentes

de grandes produtores de jogadores,ameacando assim a hegemonia queconquistamos no futebol mundialem todo este periodo.

0 futebol brasileiro, LeiPele e mercado. 0 golcontra do Rei

A expansao mundial do futebolcomo mercadoria, iniciou-se corn otermino do dominio europeu sobrea FIFA, em 1974. A ascensao deJoao Havelange ao cargo depresidente da FIFA separou aproposta eurocentrista e amadora dedesenvolvimento do futebolsustentado ate entao pelo ultimo dospresidentes europeus, Stanley Rous,da visa() empresarial quetransformaria a FIFA na grandemultinacional do futebol mundial,trazendo corn ela toda uma grandeindustria de fabricagao de materialesportivo, apostando nodesenvolvimento do grandeespetaculo esportivo, capitalizandoa sua venda para as grandes redesde comunicacao internacional eredimensionando a estrategia dedesenvolvimento do futebol, corn a

21 Em 1990, Jean-Marc Bosman, jogador belga, solicita a liberacao do seu passe junto a corte europeia.Em 15 de dezembro de 1995, ganha a causa e comeca a sofrer as represalias dos clubes europeusque se negam a contrata-lo Este precedente serve de base para o discurso que apregoa o fim dopasse no Brasil. In BRUNORO, Jose Carlos e AFIF, Antonio. Futebol 100% profissional Sao Paulo,Editora Gente, 1997.

MotrivixOncia

abertura de novos mercados ateentdo inexplorados, como omercado americano e, maisrecentemente, o asiatico.

A partir do final da decada de70, esse surto mercadolOgicoimpulsionou os lucros corn o futebolmundial e criou o que seconvencionou chamar de modeloideal do futebol europeu. Osreflexos dessa nova situacâoencontrou impulso no Brasil naprimeira metade da decada de 80,quando surgem algumas inovactiesmercadolOgicas que ate entdo ndoeram permitidas, como porexemplo, a publicidade nas camisasdos jogadores, a transmissdo dosjogos ao vivo, corn retorno para osclubes e federacOes estaduais eCBF, a amplificacâo das publicidadenos estadios e outras modificactiesmais. Em julho de1987, ganha novoimpulso corn o surgimento daprimeira organizacdo dos grandesclubes nacionais, o Clube dos 13 eem 1988, outra grande vitOria seconfigura na conquista daautonomia de organizacâo efuncionamento destas entidades.Esse momento é crucial, pois rompecorn grande parte da presenca doEstado na determinacäo dos rumosseguidos pelo futebol. Os passosgradativos, que levariam o futebolexpandir-se para o mercado, foram

dados nos momentos seguintes deimplementacáo da Lei Zico, em1993, e mais recentemente da LeiPele, em 1998.

Em todos esses momentos dedisputa politica viabilizados pelossetores em questâo, muitasdivergencias e similaridadesaproximaram e distanciaram setoresque se encontram, ainda hoje, cornprofundas divergencias na novasituacdo que o futebol brasileiroencontra diante das normas demercado. A modemizacäo esportivaimposta pelo Estado demarca urncampo onde se conserva o essenciale modemiza-se o necessario. Estastransformacäes revelam todo seucarater dialetico, tanto nas formas dasmudancas como tambem pelo seucontend°, onde se superam etapasde seu desenvolvimento, mantendo-se posicOes tradicionais. A forma demudanca representa urn reajustepolitico nos estratos superiores dofutebol nacional, onde o triperepresentado pelos interessesempresariais permeados no Estado,pela burocracia esportiva lotada nasentidades de administracab do futebole pelos donos das grandes empresasesportivas nacionais assume novasposiOes na disputa pelo seu espacopolitico. No seu contend°, traz para acena politica, as necessidades ditadaspelo mercado.

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Em seu aspecto organizacional,a modernizacào esportivademonstra tracos conservadores,quando considerada no seu pianointerno e externo. No primeiro,devemos centrar nossa analise emtrés pontos, ou seja: na burocraciaesportiva, nas grandes empresasnacionais e na relacao entre oEstado e o mercado. Do ponto devista da burocracia, o processo deaprovacäo da Lei Pete demonstrou,de maneira inequivoca, o quanto etae intocävel. Todo o grande edificioburocrâtico (ligas, federacaes eCBF) saiu vitorioso desse confronto.No piano empresarial, os grandesclubes que formam o primeiro e osegundo escaláo nacionalestavam procurando se adaptarnova realidade determinada pelomercado (clube7empresa) e mesmoja consideravam esta transformacaocomo algo natural e obrigatOrio parao seu pleno desenvoivimento. Tendoem vista este novo quadroempresarial, os grandes clubesnacionais ja haviam dado as devidascores ao seu processo demodernizacao conservadora,alterando os seus estatutos ecriando verdadeiras ditaduras, ondeas chances de qualquer chapa deoposicao vencer as eleicães sàominimas. Corn directies quase que

permanentes e departamentos defutebol profissionalizados, assumir ocarater de empresa era apenas umaquesta() de tempo. A (mica questäoque nao estava nos pianos dosdirigentes era a determinacâo de umprazo para que isto se processasse.0 prazo relativamente curto colocaos clubes em uma situacao defragilidade diante do mercadoespeculativo. Por outro lado, osclubes foram duramente atingidosna lei do passe, e tornam-se presasfaceis ao mercado internacional, emuma concorrencia desigual corn asgrandes equipes internacionais.

Tendo em vista estasdificuldades, buscam formas dereverter a situacao, tanto no pianojudicial como tambem procurandoreajustar a legislacao dentro dalOgica da nova composicâo docongresso nacional. Estes setoresapostaram alto na eleicao de umanova "bancada esportiva", esperan-do ter o retorno desejado. Aomesmo tempo, reconhecem que,na relacâo entre o Estado e omercado, o Estado rendeu suashomenagens ao mercado. No pianointerno, patrocinou umatransformacao que viabiliza afalencia de intlmeras empresasesportivas de pequeno e medioporte, 22 diminuindo a base

clubistica nacional em nome dalOgica da concentracao e centrali-zacao de capital e poder politico. Nopiano externo, abre o mercado paraa compra dos clubes e do grandejogador nacional, em umaconcorréncia desigual corn omercado externo, tanto europeucomo dos novos mercados. Nestaconcorrencia desigual entreestruturas tao heterogeneas, a nossacondicao de pals predominante nofutebol esta seriamente ameacada.

Dessa forma, o processo demodernizacao conservadora dofutebol nacional coloca, de maneiraclara, o tradicional e o modernoandando de maos dadas nomercado e salienta, mais uma vez,a regra geral do capitalismo, que seye explicita na centralizacao dopoder e na concentracao do capital.Na verdade, pode-se verificar atenancia cada vez mais forte defavorecimento dos grandes emdetrimento dos pequenos. Nacompeticao entre o mercado externoe interno, podemos verificar aheterogeneidade estrutural entre osgrandes clubes europeus, os novosmercados e o futebol brasileiro,

podemos avaliar a fragilidade denossas estruturas, o quanto estamosexpostos a perda de controle sobreos clubes nacionais, assim comotambem a nova lei do passe deixa-nos desprotegidos diante do grandecapital externo, pois coloca o nossomelhor produto cultural, o talentodo futebol brasileiro, o grandecraque nacional produto exportacao,nas maos das maiores estruturas dofutebol mundial, fragilizando aindamais a grande empresa do futebolbrasileiro.

Na dinamica do mercadointerno, é possivel constatar comoos grandes clubes nacionaisganharam urn poder de sobreposi-cab maior sobre os clubes de medioporte, e como os clubes pequenostendem a morrer ou entrar em urnestagio vegetativo, diante daobrigatoriedade da transformacaoem empresa e da descapitalizacäoque a lei do passe imptie. E possivelverificar como o tradicional aparelhoadministrativo do futebol nao foiatingido em nada e como somenteredimensiona seus passos,demonstrando a forca destaburocracia que é praticamente

22 Pete afirmou, na Folha de Sao Paulo de 22/04/97, em seu caderno especial sobre futebol, queestimava em 40% a quantidade de clubes no Brasil que iriam falir, quando da transformacao dosclubes em empresas E por isso que a legislacao por ele encaminhada procurava, em urn primeiromomento, estimular atraves de subsfdios as transformacties dos clubes em empresas, pars em urnsegundo momento esperar a sua falencia.

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intocavel. Assim, chegamos a urnmomento ern que os setores quese veem minimamente atingidospelas transformacOes implemen-tadas atraves da Lei Pele procuramurn novo espaco de organizacâo desuas forcas para futurastransformacOes. Desta forma,percebe-se claramente que umanova ofensiva destes setores seraconstruida, agora sobre novospatamares e diante de urn novoquadro do congresso nacionalcriado pela Ultima eleicao.Oselementos mais tradicionais,mesclam-se a elementos tidos comomodernos para construir amodernizacâo da vida esportiva e dofutebol nacional que mais Ihesconvier, mesmo que esta nova vidaesportiva pareca uma reprise cornuma nova maquiagem.

Da figura mitica do Rei Pele, ficaa lembranca de urn homem que,assim como Eduardo Galeanoescreveu, nunca perdeu urn minutodo seu tempo para causas que näofossem as suas. Foi Ministroenquanto isto lhe era (Ail,necessârio. Quando nao maisprecisava dessa situacäo, retirou-se,corn o discurso do homem vitoriosoe de que este fora o seu melhor golde placa. Pete procurou derrotar aburocracia e nâo conseguiu, tornoua transformacao dos clubes ern

empresa de carater obrigatOrio e, napratica, acabou corn a lei do passe,tornando fragil a estrutura clubisticanacional. Pete sabe que chutoucontra o gol do futebol brasileiro, nadefesa de seus pr6prios interessese assim conseguiu limpar ocaminho para a realizacäo degrandes negOcios. Os setoresprejudicados nesta sua curtapassagem pelo Ministerioprocuraram formas de reverter oplacar adverso.

Referénciasbibliograficas

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