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TCC apresentado em janeiro de 2011 no curso de Artes Visuais - habilitação Design Gráfico na Universidade Federal de Pelotas - UFPel
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1
O imaginário no design gráfico autoralum estudo a partir de coleções literárias
*
2 3
Universidade Federal de Pelotas
Instituto de Artes e Design
Curso de Artes Visuais
Habilitação em Design Gráfico
O imaginário no design gráfico autoral:
um estudo a partir de coleções literárias
Carolina Moraes Marchese
Pelotas, 2010
Trabalho de conclusão de curso apresentado
ao Curso de Artes Visuais Habilitação Design
Gráfico da Universidade Federal de Pelotas,
como requisito parcial à obtenção do título de
Bacharel em design gráfico
Orientadora Profa. Ms. Ana da Rosa Bandeira
4 5
Banca examinadora
Guilherme Carvalho da RosaMarcos Namba BeccariMaria de Lourdes Valente Reyes
*
6 7
Ao Caio Fernando Abreu, por reaparecer nesse momento. À
Ana, por compartilhar o amor pelos livros e entender meus
encantamentos. E por ser a melhor orientadora. À Maria
de Lourdes e ao Guilherme, por terem aceito o convite para
a banca e me presentearem com suas considerações. Ao
Marcos Beccari, pelas oficinas no N-Curitiba, as trocas de
e-mail, os referenciais e, principalmente, por ter aceito ser
membro da banca mesmo à distância. Aos professores Fer-
nando, Kelly, Duda, Daniel e Vivian, por terem sido ótimos
nos encontros durante esses quatro anos de IAD, provocando
reconsiderações e reencantamentos. Ao PET Artes Visuais,
pelas experiências. Aos amigos, por serem lindos. Sempre.
Ao Lauro, por estar junto. Ao meu avô Ery e à minha avó Eu-
nice, por existirem e compartilharem isso comigo. Aos meus
pais, por serem e permanecerem. *
Agradecimentos *
8 9
Resumo
O presente trabalho procura estabelecer algumas relações entre o objeto livro
e seu projeto gráfico, focando o estudo em coleções literárias. Através da histó-
ria da leitura, vista a partir de André Belo e das mudanças de configuração do
objeto ao longo do tempo, pela visão histórica de Philip Meggs, são realizadas
considerações à respeito da apresentação deste objeto na contemporaneidade.
Utilizando a sociologia compreensiva de Michel Maffesoli e as noções discu-
tidas pelos Estudos do Imaginário, são realizadas algumas considerações a
respeito da identidade gráfica de coleções literárias selecionadas e do próprio
objeto, refletindo também algumas ideias do filósofo Vilém Flusser. Ao final
da pesquisa teórica, são apresentadas as capas pertencentes a uma coleção
autoral, cuja estruturação do projeto utiliza as noções desenvolvidas ao longo
deste processo. Palavras-chave: design editorial, capa de livro, imaginário
Abstract
This study tries to estabilish some relationships between the book object and
its graphic project, focusing the study in literary collections. Throughout the
history of reading, seen since André Belo and the changes of the object con-
figuration over time, through the historical view of Philip Meggs, conside-
rations are made about how this object is presented in contemporary times.
Using Michel Maffesoli’s comprehensive sociology and the notions discus-
sed by the Imaginary Studies, some considerations are made about graphi-
cal identity of selected literary collections and the object itself, also reflecting
some ideas of philosopher Vilém Flusser. After the theoretical research, co-
vers from an authorial collection whose design structure uses the notions de-
veloped throughout this process are presented. Keywords: editorial design,
book cover, imaginary
10 11
Lista de figuras
Figura 1 - Capa do Livro das perguntas ................................................................... 17
Figura 2 - Lombada do Livro das perguntas ...........................................................17
Figura 3 - Capa de Bartleby, o escrivão.....................................................................18
Figura 4 - Páginas de Bartleby, o escrivão sendo refiladas.............................18/19
Figura 5 - Rolo de velino. ............................................................................................22
Figura 6 - Tipos móveis ..............................................................................................23
Figura 7 - Bíblia de Gutenberg .................................................................................24
Figura 8 - Página de Vita et Fabulae, impressão de Anton Sorg, 1479...............25
Figura 9 - Página de livro de geometria projetado por Pickering.................26/27
Figura 10 - Página interna de The works of Geoffrey Chaucer.....................26/27
Figura 11 - Imagem tipográfica do livro Alice no país das maravilhas................28
Figura 12 - Páginas de Un coup de dés....................................................................28
Figura 13 - Capa para livro de Reiner Maria Rilke...................................................29
Figura 14 - Base nine and twelve, tipografia de Zuzana Licko.............................29
Figura 15 - Página interna da revista Ray Gun.........................................................29
Figura 16 - Sobrecapa e capa para livro de David Sedaris.....................................30
Figura 17 - Capa para livro de Kurt Andersen...........................................................31
Figura 18 - O leitor de livre postura...........................................................................35
Figura 19 - Livros incorporados à decoração..........................................................36
Figuras 20, 21, 22, 23 - Estrutura do livro...........................................................38/39
Figura 24 - Página de The telephone book..............................................................40
Figura 25 - Página de Hella Lonjerius........................................................................40
Figura 26 - Página de Informal....................................................................................40
Figura 27 - Capa de Antologia Poética......................................................................41
Figura 28 - Capa de Budapeste..................................................................................41
Figura 29 - Capa de Love Poems................................................................................41
Figura 30 - Capa de A pista de gelo...........................................................................42
Figura 31 - Capa de Atlas.............................................................................................42
Figura 32 - Capa de Em outros quartos, outras surpresas.....................................42
Figura 33 - Capa de Até o dia em que o cão morreu..............................................43
Figura 34 - Capa de Satolep........................................................................................43
Figura 35 - Capa de A disciplina do amor.................................................................43
Figura 36 - Capa de Urupês.........................................................................................44
Figura 37 - Capa de Caravana dos destinos.............................................................45
Figuras 38,39 e 40 - Capa, página de abertura de capítulo e página dupla de
miolo de Nós..................................................................................................................45
***** Figuras 41,42 e 43 - Capas da Colecção de obras célebres..................................46
Figura 44 - Capas da editora José Olympio.............................................................47
Figura 45 - Capas de Eugenio Hirsch.........................................................................48
Figura 46 - Capa de Ziraldo.........................................................................................49
Figura 47 - Capa de Bea Feitler...................................................................................49
Figura 48 - Capa de Marius Bern................................................................................49
Figura 49 - Capas do Clube do Livro.........................................................................49
Figura 50 - Capas do Clube do Livro.........................................................................50
Figura 51 - Capas da coleção Debates......................................................................51
Figuras 52 e 53 - Capas d’O Livro amarelo do terminal.........................................53
Figura 54 - Capa e quarta-capa d’O Livro amarelo do terminal...........................54
Figura 55 - Diferentes tipos de papel d’O Livro amarelo do terminal.................55
Figura 56 - Uso da transparência dos diferentes tipos de papel d’O Livro
amarelo do terminal ....................................................................................................55
Figura 57 - Coleção Clássicos da Editora Abril........................................................58
Figuras 58, 59 e 60 - Capas da coleção Great Ideas...............................................59
Figura 61 - Lombadas da coleção Great Ideas........................................................59
Figura 62 - Capa da Penguin, 1935............................................................................60
Figura 63 - Capa da Penguin, 1949...........................................................................60
Figura 64 - Capa do selo Penguin-Companhia, 2010...........................................60
Figuras 65, 66, 67 e 68 - Capas da coleção Raymond Chandler..........................61
Figuras 69, 70, 71 e 72- Capas para livros de Caio Fernando Abreu...................61
Figuras 73, 74, 75 e 76 - Capas da coleção Particular............................................62
Figura 77- Caixa da coleção Moda Brasileira I.........................................................63
Figura 78- Livros da coleção Plenos Pecados..........................................................63
Figura 79 - Detalhes da coleção Particular..............................................................65
Figura 80 - Detalhes da abertura de páginas em Zazie no metrô........................66
Figura 81 - Detalhes de Primeiro Amor.....................................................................67
Figura 82 - Detalhes da abertura de páginas em Primeiro Amor.........................67
Figura 83 - Detalhes da coleção José Lins do Rego..............................................68
Figura 84 - Detalhe da impressão da coleção José Lins do Rego.......................69
Figuras 85, 86, 87, 88, 89 e 90 - Volumes da coleção Moda Brasileira I.............71
Figura 91 - Estrutura de capa da coleção Moda Brasileira I..................................72
Figura 92 - Detalhes internos de Ronaldo Fraga.....................................................73
Figura 93 - Detalhes da coleção Plenos Pecados...................................................74
Figura 94 - Detalhes da aplicação de verniz............................................................75
Figura 95 - Detalhes da estrutura interna dos livros..............................................76
Figura 96 - Detalhe da página de abertura de capítulo.........................................77
12 13
Sumário
Introdução..............................................................................15
1 O livro....................................................................................21
1.1 O objeto.............................................................22
1.2 A imprensa no Brasil........................................32
1.3 A leitura, o leitor...............................................34
2 O design no livro.................................................................37
2.1 A estrutura.........................................................38
2.2 O design de livros no Brasil............................44
2.3 O livro e o designer.........................................52
3 Coleções literárias como base para criação.................57
3.1 O que é coleção literária.................................58
3.2 Análises..............................................................64
3.2.1 Coleção Particular................................65
3.2.2 Coleção José Lins do Rego................68
3.2.3 Coleção Moda Brasileira I...................71
3.2.4 Coleção Plenos Pecados....................74
3.3 Criando uma coleção.....................................80
4 Descrição metodológica.................................................143
Considerações finais...........................................................149
Referências Bibliográficas..................................................157
** *
* * *
* * * **
**
14 15
Introdução
amor (ô). [Do lat. amore.] S. m. 1. Sentimento que
predispõe alguém a desejar o bem de outrem, ou
de alguma coisa: amor ao próximo; amor ao patri-
mônio artístico de sua terra. 9. Afeição, amizade,
carinho, simpatia, ternura. 10. Inclinação ou ape-
go profundo a algum valor ou alguma coisa que
proporcione prazer; entusiasmo, paixão. 11. Muito
cuidado; zelo, carinho. (In: FERREIRA, 1986, p.
107).
mania. [Do gr. manía, ‘loucura’, pelo lat. mania.]
S. f. 4. Gosto exagerado ou imoderado por alguma
coisa; obcecação resultante de desejo imoderado.
5. O alvo desse gosto ou desejo: Colecionar bor-
boletas tornou-se a sua mania. (In: FERREIRA,
1986, p. 1080).
A pesquisa a partir da qual esse texto foi gerado não
trata, de maneira alguma, das possibilidades do amor entre
pessoas, assim como o ato de colecionar borboletas não faz
*A única magia que existe é estarmos vivos
e não entendermos nada disso. A única
magia que existe é a nossa incompreensão.
Caio Fernando Abreu
16 17
parte do corpus referencial do trabalho. Esse texto trata de livros: o objeto
livro, suas possibilidades e formatos.
livro. [Do lat. libru] S. m. 1. Reunião de folhas ou cadernos, soltos,
cosidos ou por qualquer outra forma presos por um dos lados e
enfeixados ou montados em capa flexível ou rígida. (In: FERREI-
RA, 1986, p.1042).
É possivel unir os conceitos de amor e livro, assim como o de mania
e livro. Desta forma, são originados dois conceitos que foram muito impor-
tantes na geração do problema de pesquisa e na estruturação deste trabalho
de conclusão de curso:
bibliofilia. [De bibli(o)- + -filia.] S. f. 1. Amor aos livros. (In: FER-
REIRA, 1986, p. 253).
bibliomania. [De bibli(o)- + -mania.] S. f. Mania de acumular li-
vros. (In: FERREIRA, 1986, p. 253).
Devo dizer que este trabalho parte do meu grande interesse por li-
vros e literatura, do carinho pelo objeto. A ideia deste trabalho vem da vivência
e da observância deste comportamento, da relação afetiva dos homens com
seus livros.
Como unir a literatura ao design gráfico de uma forma mais dinâ-
mica do que simplesmente projetar capa e miolo de um volume? Criando um
objeto, um livro que seja suporte para a criação gráfica, que permita ao desig-
ner a impressão de sua marca, a reflexão de suas vivências, o imaginário como
reservatório/motor (SILVA, 2006).
O que me proponho a investigar, utilizando conceitos do Imaginá-
rio já abordados por Michel Maffesoli e Juremir Machado da Silva, é a rela-
ção que o designer estabelece com os livros, através das seguintes perguntas:
“Quais as possibilidades de criação da identidade gráfica de um volume único
e de uma coleção?”, “Quais as relações do projeto gráfico com a obra que este
comporta?” e “Como se apresenta o processo de autoria em design gráfico,
especialmente em projetos editoriais?”.
Para falar em autoria no projeto gráfico de livros, parto da edição
de 2008, da editora brasileira Cosacnaify, do Livro das Perguntas, de Pablo
Neruda (Fig. 1). Neste volume, o nome de Isidro Ferrer, autor das ilustrações,
está presente na capa, com mesmo destaque e importância que o nome de Ne-
ruda. Na lombada (Fig. 2), lemos: Neruda+Ferrer+Gullar, o que coloca autor,
ilustrador e tradutor em mesmo grau de importância.
Figura 1 (esquerda) - Capa do Livro das perguntas. Fonte: da autora
Figura 2 (direita) - Lombada do Livro das perguntas. Fonte: da autora
18 19
Ainda neste sentido cito a edição de 2005, também da editora Co-
sacnaify, da obra Bartleby, o escrivão: Uma história de Wall Street (Fig. 3), es-
crita no século XIX por Herman Melville. O livro pede mais do que uma sim-
ples leitura: o leitor necessita, literalmente, descosturá-lo. Capa e contracapa
são costuradas uma na outra em linha vermelha. Após o exercício da (des)
costura, o leitor se depara com um volume que, para a leitura da história, pede
auxílio de uma lâmina cortante para suas páginas se abrirem e o texto surgir
(Fig. 4). Cria-se aí uma nova experiência, uma nova interpretação proposta
por Elaine Ramos para a novela escrita na segunda metade do século XIX.
Além disso ,este projeto acaba propondo uma reflexão (mesmo que involun-
tária) sobre o próprio objeto livro e sua história, visto que, na época em que
a história foi escrita, por falta de acabamento e refile do volume, os próprios
leitores muitas vezes tinham de destacar ou abrir as páginas de um livro novo.
Michel Maffesoli, em seu livro Elogio da razão sensível (2001), colo-
ca o fator sensível como sendo primário no conhecimento, aliado ao intelecto.
É certo que se a experiência sensorial/estética se dá de maneira empírica, e
relaciona-se com o imaginário no qual o indivíduo-receptor está imerso, a pro-
dução de objetos/produção em design deve-se valer desta sensibilidade para
criar, reconhecer e projetar experiências/produtos para este indivíduo. Desta
forma, ao projetar e propor experiências com seu produto, o designer, assim
como o poeta, ao escrever, “desperta as vozes adormecidas na memória cole-
tiva” (MAFFESOLI, 2001).
O estudo aqui apresentado tem seu método baseado na sociologia
compreensiva, descrita por Maffesoli como uma “atitude que pensa em ter-
mos de globalidade” (2007, p. 30). É uma postura que recusa toda discrimi-
nação e repudia qualquer avaliação de mérito, tendo sua base na descrição
fenomenológica do objeto de estudo, considerando que este é imerso em “um
rio cujas águas passam muitas vezes no mesmo lugar, sempre iguais e sempre
diferentes” (SILVA, 2006, p. 8), em imaginários.
A fim de melhor estruturar o estudo do fenômeno apresentado, di-
vidi o trabalho em três partes, que dão origem aos capítulos aqui presentes: O
livro; O design no livro; e Coleções literárias como base para criação.
Na primeira parte, O livro, procuro contextualizar o objeto livro e
situá-lo ao longo da história, abordando suas modificações e evoluções. Para
compreender melhor como se configura este objeto, se mostrou necessário re-
alizar uma breve pesquisa sobre a leitura e o sujeito leitor e sobre a imprensa
no Brasil.
Figura 3 (esquerda) - Capa de
Bartleby, o escrivão. Fonte: da
autora
Figura 4 (direita) - Páginas de
Bartleby, o escrivão sendo
refiladas. Fonte: da autora
20 21
As relações do objeto livro com sua apresentação visual dão ori-
gem à segunda parte do trabalho, denominada O design no livro. Esta parte
se caracteriza pela apresentação da estrutura do livro e referências históricas
em projeto gráfico, visto que é necessário realizar este apanhado para melhor
analisar e vislumbrar as possibilidades de produção do objeto na contempora-
neidade. Ainda nesta etapa, faço um estudo centrado no caso brasileiro, tanto
por minha própria posição geográfica de habitante do Brasil, quanto pela ori-
ginalidade e maestria dos profissionais que aqui trabalham (e trabalharam),
tornando o país referência nesta área do design. Ao final do capítulo, apresen-
to o estudo relativo à autoria no projeto gráfico.
A prática projetual neste trabalho se encontra no capítulo Coleções
literárias como base para criação gráfica, que, além de apresentar diferentes
possibilidades de coleções, comporta análises, por mim realizadas, de cole-
ções projetadas por Victor Burton e Elaine Ramos, dois projetistas brasileiros
de diferentes momentos históricos e de grandes projetos. Tais análises seguem
o que Maffesoli apresenta como “descrições de elementos díspares, os quais,
posteriormente, serão passíveis de análise e comparação” (MAFFESOLI,
2007, p. 34), que posteriormente darão origem a “grupos de afinidades mor-
fológicas” (SPENGLER apud MAFFESOLI, 2007, p. 34).
Apresento o projeto gráfico resultante deste estudo no subcapítulo
Criando uma coleção. Neste último momento, utilizo todo o estudo construído
ao longo dos capítulos anteriores para estabelecer meus próprios parâmetros
de unidade de uma coleção: do agrupamento das obras literárias à construção
da identidade gráfica da coleção criada e de seus volumes individuais.
O livro
Historiadores consideram a história do livro não só a partir do
aparecimento deste objeto no formato que conhecemos hoje,
mas considerando qualquer material que serve de suporte
para escrita, como jornais; tábuas de argila; rolos de pergami-
nho; e até mesmo a tela luminosa do computador, como parte
integrante da história deste objeto. Ou seja, “livro é uma metá-
fora que usamos para designar um suporte do texto” (BELO,
2002, p. 27). A palavra livro é derivada do latim liber, termo
utilizado para designar uma parte da árvore que era utilizada
como suporte para escrita. Com a História da Leitura ocorre
um fenômeno parecido: são consideradas, neste caso, não só
a leitura verbal, mas também a leitura imagética, pelo fato de
o alfabetismo ser um privilégio das elites em dados momentos
da história, e a leitura coletiva, ou oral, era um modo fácil já
que era necessário apenas um livro e um leitor para um núme-
ro expressivo de indivíduos. A partir destas considerações, po-
de-se então entender que a história do livro e da leitura é, antes
de tudo, a história da difusão e do acesso ao conhecimento.
1
22 23
1.1O objeto
Como já mencionado anteriormente, o livro obteve diversos
formatos até configurar-se no objeto que se conhece hoje.
Mas, para fins de melhor estudá-lo neste trabalho, escolhi
discorrer apenas sobre os dois formatos mais difundidos ao
longo da história - o rolo e o códice.
Os rolos, ou volumem, em latim, eram pesados ro-
los de papiro ou pergaminho e por isso sua leitura se dava de
maneira horizontal: era exigida do leitor uma postura especí-
fica, como descreve André Belo:
[...] as duas mãos ficavam ocupadas com a tarefa
de desenrolar e segurar o rolo; a porção de texto
visível a cada momento da leitura era relativamen-
te pequena e a operação de avançar ou recuar no
texto para relembrar certas frases ou comparar
trechos distantes não era cômoda (BELO, 2002,
p. 26).
Desse modo, a leitu-
ra tornava-se trabalhosa e “tor-
nava impossível ao leitor escre-
ver apontamentos ao mesmo
tempo que lia” (BELO, 2002, p.
26), o que, a princípio, dificulta-
va a existência do leitor crítico,
já que este estava ocupado em
segurar e desenrolar o rolo.
Figura 5 - Rolo de velino.
Fonte: PAIVA, 2010, p. 16
Entre os séculos II e
IV, uma nova forma de livro sur-
giu: o códice, ou códex, a forma
utilizada até hoje, que consiste
em um “conjunto de cadernos
costurados uns aos outros e en-
cadernados” (BELO, 2002, p.
25). Este novo formato provo-
cou inovações não só na maneira
de armazenar e projetar o livro,
mas também na relação corpo-
ral e no processo intelectual da
leitura, já que as mãos ficavam
livres e o leitor era capaz de realizar apontamentos e navegar livremente pelas
páginas, revisitando trechos com facilidade a qualquer momento.
Outra revolução no modo de leitura e expansão de conhecimento
ocorreu no século XV, com o advento da impressão tipográfica (Fig. 6), desen-
volvida por Johannes Gutenberg. De acordo com Meggs,
Tipografia é o termo para a impressão com pedaços de metal
ou madeira independentes, móveis e reutilizáveis, cada um dos
quais com uma letra em alto-relevo em uma de suas faces. Essa
definição seca não dá a devida proporção do enorme potencial de
conexão entre as pessoas e os novos horizontes para o design grá-
fico que foram desencadeados por esse extraordinário invento, em
meados do século XV, por um incansável inventor alemão cujo re-
trato e assinatura se perderam na implacável passagem do tempo.
A invenção da tipografia pode ser classificada ao lado da invenção
da escrita como um dos avanços mais importantes da civilização
(MEGGS, 2009, p. 90).
Figura 6 - Tipos móveis. Fonte: HEITLINGER, 2007.
24 25
Antes da tipografia, os livros
eram manuscritos, logo, sua reprodução
era lenta, o que fazia com que os livros, e
portanto, o conhecimento, ficassem pre-
sos a um círculo determinado de pessoas.
A partir do século XV a impressão permi-
tiu, então, a expansão do conhecimento e
o aumento do índice de alfabetismo.
De fato, os livros tipográficos
não foram facilmente absorvidos. Os co-
lecionadores de livros e os copistas - res-
ponsáveis pela cópia dos livros manuscri-
Figura 7 - Bíblia de Gutenberg.
Fonte: MEGGS, 2008, p. 100.
tos - buscavam o retorno à tradição dos livros reproduzidos manualmente. Os
primeiros, por acreditarem que o livro manuscrito era mais vistoso e, por ter
menos cópias, mais valioso, e os últimos - os copistas -, pelo temor de serem
rapidamente substituídos pela nova ferramenta, não tendo de onde tirar seu
sustento.
Durante muito tempo, após Gutenberg ter divulgado sua invenção
e esta estar a pleno uso, os dois meios de reprodução de livros, manual e mecâ-
nico, “eram utilizados de forma complementar, não oposta, consoante a situa-
ção e o público que se pretendia atingir” (BELO, 2002, p. 87). Assim, os livros
impressos eram destinados a grandes públicos e os manuscritos a pequenos
círculos de leitores. Além disso, os livros manuscritos eram livres de censura,
enquanto os tipográficos teriam de ser submetidos à revisão.
É importante, também, fazer uma análise das mudanças sociais e
culturais ocorridas com o surgimento da tipografia e não somente as trans-
formações de cunho técnico. Elisabeth Eisenstein defende que a imprensa
alterou significativamente a leitura e a compreensão dos textos de forma in-
telectual e que seu surgimento possibilitou o pensamento científico moderno
(EISENSTEIN apud BELO, 2002, p. 23).
Outros autores, como Roger Chartier, acreditam que as mudanças
ocorridas a partir de Gutenberg não foram tão importantes quanto as que se
sucederam com o surgimento do códice (CHARTIER apud BELO, 2002, p.
25). De fato, a numeração de páginas, a presença dos títulos de capítulos e
ainda os índices - elementos que hoje são considerados essenciais para orien-
tação do leitor - surgiram quando o livro tomou esta nova configuração, na
época dos livros manuscritos.
Apesar da revolução técnica na edição de livros ocorrida neste perí-
odo, as contribuições para o design gráfico foram realizadas por um pequeno
número de impressores, já que “a maioria se contentava em imprimir cópias
de manuscritos ou edições anteriores já publicadas” (MEGGS, 2009, p. 107).
A efetiva inovação ocorreu em território alemão, liderada por xilogravuristas e
impressores tipográficos, dando origem ao livro tipográfico ilustrado (Fig. 8).
Um novo período de inovação na produção de livros começou com
a chegada dos livros tipográficos ilustrados na Itália. O período renascentista
era propício para o avanço da edição de livros, visto que ocorreu um renasci-
mento da literatura clássica grega e romana.
Neste momento o design do livro como um
todo foi repensado: tipografia; ilustrações;
leiaute de página e ornamentos foram qua-
lificados. Sobre esta contribuição italiana
Meggs comenta:
O livro tipográfico chegou da
Alemanha à Itália como um livro
de estilo manuscrito impresso
com tipos. Uma série de inova-
ções, como a folha de rosto, tipos
Figura 8 - Página de Vita et Fabulae, impressão de Anton Sorg, 1479. Fonte: MEGGS,
2008, p. 109.
26 27
romanos e itálicos, números de página
impressos, ornamentos em xilogravuras
e metal fundido e métodos inovadores no
leiaute de ilustrações com tipos, permitiu
aos impressores italianos do Renasci-
mento legar à posteridade o formato
básico do livro tipográfico como hoje o
conhecemos (MEGGS, 2009, p. 135).
Dessa maneira pode-se entender que, em um curto período de tem-
po da História - um intervalo de aproximadamente dois séculos -, ocorreram
as mudanças mais significativas da história do livro.
Somente ao final do século XIX e com a Revolução Industrial, a
produção de livros foi revista. Neste momento a figura de Willian Pickering é
essencial: de aprendiz de livreiro se tornou editor e montou sua própria livraria
em Londres. Pickering foi especialmente importante “na separação do design
gráfico da produção tipográfica” (MEGGS, 2009, p. 215). Assim, definia for-
matos, ilustrações, tipografias, e o trabalho era executado por editores contra-
tados sob sua supervisão. Apesar de Pickering ter produzido uma série de tra-
balhos de alto nível, o design de livros - assim como o de produtos - continuou
sofrendo desgaste de qualidade (pela falta de projetos adequados a esta nova
maneira de produção) com o advento da tecnologia das máquinas industriais.
Foi com os esforços de William Morris e com o surgimento do mo-
vimento Arts and crafts que a produção editorial finalmente se abriu para no-
vos horizontes. Morris, em 1888, iniciou-se na produção de tipos e impressão.
Desta maneira nasceu a Kelmscott Press, cujo principal objetivo era recuperar
a tradição de beleza dos livros incunabulares. Os livros (Fig. 10) projetados
por Morris eram pensados em sua globalidade: tipografia; ilustrações; orna-
mentos; filetes; capitulares etc, todos em perfeita harmonia conceitual, tor-
nando-os verdadeiras obras de arte. É importante frisar que Morris era um fiel
defensor do trabalho manual em plena efervescência
industrial. O parodoxo reside no fato de que enquan-
to Morris “procurava refúgio no trabalho manual
feito no passado, desenvolveu atitudes em relação ao
design que delineavam o futuro.” (MEGGS, 2009, p.
226).
Após Morris os livros passaram a ter proje-
tos gráficos mais elaborados, quase sempre com foco
especial na tipografia, pois acreditava-se que a legibi-
lidade do texto era a prioridade. A tipografia, portan-
to, deveria chegar ao ponto de não ser percebida pelo
leitor, o que ainda é prezado por muitos designers
contemporâneos, como Richard Hendel comenta em
O design do livro:
O trabalho real de um designer de livros
não é fazer as coisas parecerem “legais”,
diferentes ou bonitinhas. É descobrir
como colocar uma letra ao lado da outra
de modo que as palavras do autor pare-
çam saltar da página (HENDEL, 2006,
p. 3).
Estes pressupostos foram base para a cria-
ção até o surgimento das vanguardas artísticas do sé-
culo XX. A partir daí o design, como as artes visuais,
tomaria um novo rumo, se valendo de experiências
plásticas dos artistas modernos. Neste período des-
tacam-se, especialmente, os futuristas e dadaístas.
Estes grupos realizavam colagens tipográficas com
letras de diferentes pesos, estilos e tamanhos, utili-
Figura 10 - Página interna de
The works of Geoffrey Chaucer.
Fonte: MEGGS, 2008, p. 225.
Figura 9 - Página de livro
de geometria projetado por
Pickering. Fonte: MEGGS, 2008,
p. 216/217.
28 29
zando o texto como base para criação e expressão visual, herança do escritor
Lewis Carroll (Fig. 11) e do poeta francês Stephan Mallarmé (Fig. 12).
As vanguardas foram um marco importante na história do design
gráfico. Assim surgiram uma série de projetos que propunham quebrar com
a tradição da beleza e legibilidade, tratando a tipografia como um elemento
passível de interpretação pelo leitor. Além disso, as capas também buscavam
mais do que ser bonitas e informar: elas questionavam e provocavam o leitor.
Outro ponto importante foi a substituição da tipografia de Guten-
berg pela fotocomposição*, que possibilitava o fácil ajuste de dimensão e es-
pacejamento do tipo, além de criar deformações, contornos e itálicos, através
de lentes especiais.
O clima da década de 1970 era plural, os questionamentos a respei-
to da institucionalização e das normas sociais eram correntes. O design gráfi-
co, assim como a arte, e literatura e a política, vivia a queda do modernismo e
o surgimento do design pós-moderno, como define Kopp:
As características gerais do pós-modernismo se referem a uma
estética que rompe com a previsibilidade e assepsia do alto moder-
nismo. (...) A geometria é utilizada de forma descontraída, ou seja,
*Fotocomposição é a composição tipográfica feita por projeção de caracteres sobre
papel (ou película de filme) fotossensível (HEITLINGER, 2007).
Figura 11 (esq.) - Página de Alice no país das maravilhas. Fonte: MEGGS, 2008, p. 322.
Figura 12 (dir.) - Páginas de Un coup de dés. Fonte: MEGGS, 2008, p. 322.
pouca ou completamente despreocupada com a clareza e legibi-
lidade. (...) Tendência a fragmentar imagens e criar múltiplas ca-
madas (fotos sobre texturas, por exemplo). Uso de espaçamentos
tipográficos aleatórios e mistura de pesos e estilos de tipo dentro
da mesma palavra. Opção por colagens, paródias e citações histó-
ricas do design e da arte. Inclusão do ruído (sujeira, imperfeições,
rompimento com o acabamento “limpo”, etc) como elemento
visual. De uma forma geral, essas características encontram-se
nos movimentos que, inconscientes disso ou não, fazem parte das
raízes do design pós-moderno (KOPP, 2004, p. 73).
Nos anos de 1980, o mundo assistia à tecnologia
e à eletrônica avançarem continuamente. Neste momento a
fotocomposição, que havia sido amplamente utilizada des-
de a década de 1960, foi sendo gradativamente substituída
pelo uso do computador. Uma série de experimentações
- antes de alto custo financeiro e grande demora, como a
manipulação fotográfica - eram agora possíveis. Nesse pe-
ríodo destacam-se o trabalho com tipos de Zuzana Licko
(Fig. 14) e a experimentação em design de revistas por Da-
vid Carson (Fig. 15).
Figura 14 - Base nine and
twelve, tipografia de Zuzana
Licko, 1995. Fonte: http://www.
emigre.com/EF.php?fid=79
Figura 13 - Projeto de capa de livro de Daniel Pleavin. Fonte: MEGGS, 2008, p. 621.
Figura 15 - Página interna da revista Ray Gun, direção de arte
de David Carson, 1994. Fonte: MEGGS, 2008, p. 634.
30 31Meggs (2002) destaca em seu livro a importância do trabalho do
designer Chip Kidd (Fig. 16 e 17) para o design de capas de livro. Seu trabalho
é propor a leitura da capa pelo leitor. Os trabalhos de Chip Kidd são um ótimo
exemplo de como o repertório do designer atua na criação, como ele interpreta
e reescreve a história de maneira visual, ou seja, como é, ele próprio, autor.
Estas observações ficam claras quando o designer as coloca em suas próprias
palavras: “nunca sei realmente se os leitores entendem os trocadilhos visu-
ais de minhas capas, mas não posso deixar que isso guie meu trabalho, a um
ponto em que eu tenha que fazer concessões” (KIDD apud MEGGS, 2009,
p. 657). Para Véronique Vienne “Kidd coloca sobre os leitores uma pressão
muito específica: pede a eles que transponham a distância entre o que leem e o
que veem. Nesse processo ele os educa por demandar que assumam o controle
da comunicação” (VIENNE apud MEGGS, 2009, p. 657) e que façam uso do
imaginário para sua interpretação.
Assim pode-se concluir, no que diz respeito à história do livro, que
os editores/escritores/projetistas gráficos são atentos às mudanças e ao espíri-
to social de cada época. As características, após observadas, são então traduzi-
das em aspectos gráficos - como o geometrismo modernista e a fragmentação
contemporânea, por exemplo. Este trabalho pode ser facilmente relacionado
Figura 16 - Sobrecapa e
capa para livro de David
Sedaris. Fonte: MEGGS,
2008, p. 657.
com o conceito de imaginário como reservatório/motor (SILVA, 2006), visto
que estes profissionais acumulam referências, observações e, a partir delas,
projetam e propõem novas experiências e estruturas.
Figura 17 - Capa para livro de Kurt Andersen. Fonte: MEGGS, 2008, p. 657
32 33
1.2 A imprensa no Brasil
Nas Américas, o primeiro registro de instalação de Oficina Ti-
pográfica é no México, em 1535. Estima-se que até 1550 já
haviam sido impressos duas dezenas de incunábulos em ter-
ritório mexicano. No Brasil a imprensa se instalou de forma
tardia, se comparado a outros países americanos, em 1808,
com o Decreto de Criação da Impressão Régia. Curiosamente,
os primeiros livros brasileiros datam de 1705, 1710 e 1728,
tendo sido impressos, o primeiro e o último em Lisboa, e o
segundo no México.
A experiência tipográfica tardia do país se deve à
colonização portuguesa que, em 1706, baixou a Ordem Régia,
proibindo a impressão de livros e papéis avulsos em território
brasileiro. Esta ordem supostamente teria fechado a Oficina
tipográfica de Recife, embora não existam registros compro-
vando sua real existência. A proibição de Portugal deve-se ao
fato de que “a cultura, além de não ser negócio, desenvolve a
inteligência e, paralelamente, o sentimento de libertação dos
nativos” (MELLO, 1979, p. 324).
No dia 13 de maio de 1808 foi decretada a criação
da Impressão Régia no Brasil. O primeiro trabalho executado
consistia em um in-folio de 27 páginas, sob o título de Relação
dos despachos publicados na Corte pelo expediente da Secreta-
ria de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra no faustís-
simo dia dos anos de S.A.R. o Príncipe Regente N.S. e de todos
os mais que se têm expedido pela mesma Secretaria desde a feliz
chegada de S.A.R. ao Estado do Brasil até o dito dia. Rio de Janeiro. A partir
daí um expressivo número de tipografias começou a operar em todo o país. É
importante aqui citar um trecho de José Barboza Mello: “Naquelas circuns-
tâncias, o 13 de maio de 1808, dia da Impressão Régia, foi, sem falsa retórica,
no Brasil, o início da libertação do pensamento” (MELLO, 1979, p. 329).
34 35
1.3 A leitura, o leitor
O século XIX foi especialmente impactante para os hábitos de
leitura e a formação de sujeitos leitores, já que a alfabetização
atingiu altos níveis nas classes mais baixas e na comunidade
feminina. Martyn Lyons, em seu artigo Os novos leitores no
século XIX: mulheres, crianças, operários, coloca que a últi-
ma geração a ver o livro sem a competição de outros meios
de comunicação/entretenimento foi a do final do século XIX.
Dessa forma o livro era, sobretudo, objeto de descanso e lazer.
Sobre a importância da leitura para a população em geral há
um curioso relato:
Os leitores americanos, segundo se conta, apinha-
vam-se no cais para esperar o navio que trazia o
último fascículo de The old curiosity shop, de Di-
ckens, tão ansiosos estavam por saber o destino da
heroína Little Nell (LYONS, 1999, p. 166).
Neste período o romance se consolidou como gê-
nero literário, visto que até o século XVIII não era respeita-
do e por isto recebia o rótulo de “arte menor”. Os romances
eram facilmente encontrados em fascículos veiculados no jor-
nal, os quais muitas mulheres recortavam e guardavam para
Que vida desperdiçada - escreveu o marceneiro
James Hopkinson - é a daquele que não tem livro
favorito, que não possui coleção de pensamentos
ou de lembranças felizes sobre o que tenha feito,
experimentado ou lido (LYONS, 1999, p. 191).
posterior encadernação, além das obras completas em livros. O público dos
romances era feminino e as mulheres não liam, segundo correspondência de
Sthendal, menos de cinco ou seis volumes por mês. Esse crescimento da leitu-
ra entre mulheres é um dos fatores associados “ao desenvolvimento da leitura
individual e silenciosa, algo que relegava a leitura em voz alta para um mundo
que estava em vias de desaparecer.” (LYONS, 1999, p. 176)
Este período também foi o período de criação de muitas bibliotecas
públicas, onde a classe média baixa tinha acesso à leitura, especialmente para
lazer e diversão. A leitura era realizada, geralmente, ao ar livre, em bosques e
campos, em intervalos do trabalho ou aos domingos.
No século XIX ler tornou-se ação diária. A leitura oral foi sendo
gradativamente substituída pela leitura silenciosa e intimista, apesar da pri-
meira ainda ter sido preservada em locais de trabalho e para melhor fixação do
texto lido. Os cadernos de anotação surgiram, neste momento, como “método
pessoal de apropriar-se da cultura literária e manter um diálogo pessoal com
os textos” (LYONS, 1999, p. 196).
A partir do século XIX a leitura, que
antes se restringia a livros religiosos e clássicos,
se tornou cada vez mais livre. Alguns autores con-
sideram essa liberdade como uma forma de leitura
“anárquica, egoística, egocêntrica, baseada num
único imperativo: “leio o que bem entendo” (PE-
TRUCCI, 1999, p. 218). Este fato se deve também
ao aparecimento de outras mídias de informação,
comunicação e entretenimento, como a televisão,
que expandiu seu alcance rapidamente.
Figura 18 - O leitor de livre postura. Fonte: flickr.com/
photos/edanjohna/4536986
36 37
Os hábitos de leitura foram fortemente modificados ao longo do
século XX, pelas modificações de postura corporal (Fig. 18) - se antes o leitor
teria de se sentar à sua escrivaninha, hoje ele pode deitar-se em sua cama,
sentar-se no chão ou até mesmo na poltrona do ônibus; de armazenamento do
objeto - não só em bibliotecas, mas dividindo o espaço doméstico com objetos
decorativos (Fig. 19); e das ações que o leitor exerce nos livros - a escrita, a
marcação de páginas, as dobras etc.
Petrucci realiza observações sobre estes novos hábitos dos novos
leitores. Para o autor “o leitor sempre tem razão e ninguém pode retirar-lhe a
liberdade de fazer de um texto o uso que mais lhe agradar” (1999, p. 223), o
que indica aos autores, editores e designers atentarem para seu público, valo-
rizando-o e propondo novos projetos e experiências.
Figura 19 - Livros incorporados à decoração.
Fonte: fuckyeahreading.tumblr.com/
post/627012236/via-atticarobatics
O design no livro
O livro difere de outros suportes gráficos comuns (cartaz,
folder, flyers etc.) principalmente por sua característica tri-
dimensional. O livro possui altura, largura e profundidade,
logo, estas especificidades necessitam ser levadas em conta
no momento do projeto. Talvez sejam justamente suas carac-
terísticas específicas que oferecem inúmeras possibilidades de
exploração e de (re)configuração do objeto ao longo da his-
tória, para criar “objetos que estabeleçam uma nova emoção
no leitor - informando, estimulando, intrigando, comovendo e
entretendo” (PAIVA, 2010, p. 91) e, para tal criação ,é neces-
sário o conhecimento da estrutura do livro, dos elementos que
o compõem.
2
38 39
2.1A estrutura
Fontoura apresenta, através de infográficos, os elementos
componentes do livro. Na imagem do livro fechado pode-se
observar os vários elementos que compõem a capa. É interes-
sante perceber que essa estrutura é pouco encontrada hoje,
em novos livros, mas continua sendo a ideia comum do que
seria o objeto. Essas estruturas de nervo, casa e cabeceira são
ainda utilizadas em alguns volumes, mas a grande maioria dos
livros hoje apresenta encadernação do tipo brochura e capas
flexíveis. O marcador de tecido caiu em desuso, sendo substi-
tuído pelo marcador de papel, que passa de livro em livro. A
cantoneira, assim como o marcador de página, é dificilmente
encontrada em novos livros, inclusive tornou-se um recurso
utilizado comumente para criar uma atmosfera antiga em tor-
no de um livro novo.
Figuras 20, 21, 22 e 23 - Estrutura do livro. Fonte: STOLF, 2010
Hoje, os livros encontrados se apresentam, em maioria, seguindo
a estrutura da figura 21. É uma estrutura mais simples e de produção mais
barata do que a primeira apresentada. Geralmente, a capa se apresenta em pa-
pel flexível e suas extensões, as orelhas, auxiliam na sustentação do objeto. A
sobrecapa e a cinta já não são encontradas na maioria dos livros, mas são um
recurso ainda explorado - principalmente para promoção do livro, indicando
que prêmios a obra conquistou, que filme teve seu roteiro baseado na história,
quantas cópias da edição foram vendidas etc.
40 41
mente o que acontece (HENDEL, 2003). Existem diversas possiblidades
de apresentação de um texto, podendo este “ser visto como uma coisa - um
objeto impávido e robusto - ou como um fluido derramado nos continentes
Figura 24 - Página de The
telephone book. Projeto de
Richard Eckersley. Fonte:
LUPTON, 2006, p. 66
É importante salientar que a estrutura
complexa apresentada nas imagens é dificilmente
utilizada em sua totalidade. Muitos projetos não
apresentam todos os elementos explicitados nas
imagens e não são raras as mudanças de configu-
ração e até mesmo de localização da folha de ros-
to, guarda, folha de guarda etc. Desse modo, essa
estrutura pode ser considerada como tradicional,
sendo ainda hoje utilizada em alguns projetos, mas
é fundamental ter em mente que ela não é fixa e
imutável.
A princípio, a tipografia é o elemen-
to mais presente no projeto de livro. Ela faz parte
do texto e, justamente por isso, também o define.
A maneira com que a tipografia será utilizada dirá
muito ao leitor, mesmo que este não saiba exata-
Figura 25 - Página de
Hella Lonjerius. Projeto
do Studio COMA. Fonte:
LUPTON, 2006, p. 87
Figura 26 - Página de
Informal. Projeto de januzzi
Smith. Fonte: LUPTON,
2006, p. 89.
da página e da tela. Pode ser sólido ou líquido, corpo ou sangue” (LUPTON,
2006, p. 63).
As figuras 24, 25 e 26, apresentam algumas destas possibilidades
de apresentação do texto. Na figura 24 o texto é interrompido por dois espaços
verticais, quebrando a uniformidade do texto corrido, o que não acontece na
figura 25, onde o texto é apresentado em blocos rígidos. A figura 26 combina
diversos alinhamentos e espaçamentos, fazendo uma ponte direta com o título
do livro, Informal.
Figura 27 - Capa de Antologia
Poética. Projeto de Bea Feitler. Fonte:
MELO, 2006, p. 75.
Figura 28 - Capa de Budapeste.
Projeto de Raul Loureiro. Fonte: da
autora
Figura 29 - Capa de Love Poems.
Projeto de Marian Bantjes. Fonte:
bantjes.com/project/love-poems
Mas nem só no miolo do livro encon-
tramos tipografia. A capa, na grande maioria
dos casos, também dá importância a este ele-
mento. Muitas vezes a letra também aparece
reinando absoluta, como nas figuras 27, 28 e 29.
A imagem é outro elemento bastante
presente em projetos editoriais, principalmente
na capa. Desse modo, ela pode tornar o volume
mais enigmático, apresentando pistas sobre a
narrativa, ou contar a história através de seus
elementos.
42 43
Se forem observadas as capas das figuras 30, 31 e 32, pode-se notar
que estas constroem, através da imagem utilizada, uma relação muito dife-
rente com a narrativa. Na capa de A pista de gelo, de Roberto Bolaño, através
do fragmento de uma pintura abstrata, a relação se dá pela cor e textura, di-
retamente ligada ao nome do livro. Já em Atlas, a capa apresenta a fotografia
do próprio autor do livro, Jorge Luis Borges, uma alternativa corrente para
livros cujos autores já são conhecidos. Finalmente, em Em outros quartos,
outras surpresas, a aura da narrativa é captada pela imagem. Os oito contos
presentes no livro se passam no Paquistão e, apesar de poderem ser lidos inde-
pendentemente, possuem uma forte relação entre si, “é um retrato do Paquis-
tão tecido como uma colcha de retalhos”. Assim, a capa apresenta elementos
próprios da cultura do país e diferentes texturas aplicadas nas figuras, o que
relaciona-se com a ideia de colcha de retalhos, aspecto da narrativa.
Alguns livros como Até o dia em que o cão morreu integram texto e
imagem em sua capa. O texto, neste caso, é tratado como ilustração, tomando
a forma do desenho e fazendo parte deste. Já em Satolep, texto e imagem são
Figura 30 - Capa de A pista
de gelo. Projeto de Raul
Loureiro. Fonte: da autora
Figura 31 - Capa de Atlas.
Fonte: companhiadasletras.
com.br
Figura 32 - Capa de
Em outros quartos,
outras surpresas. Fonte:
companhiadasletras.com.br
separados, em diferentes camadas, mas ainda existem relações entre essas in-
formações: as linhas da arquitetura, os fios ao lado da palavra Satolep, o céu
parece uni-los. Em A disciplina do amor, as informações de imagem e texto são
totalmente descoladas uma da outra, interrompidas por um rígido retângulo
branco na superfície de cor.
É claro que existem infinitas possibilidades de projetar livros, ex-
plorando diferentes elementos gráficos. Os elementos citados e exemplifica-
dos aqui são apenas as possibilidades mais utilizadas, mais comuns de sua
estruturação como objeto. Além disso busquei estabelecer relações de estrutu-
ra mais diretas com as peças que são analisadas e as possibilidades existentes
para a criação do projeto prático apresentado.
Figura 33 - Capa de Até o dia
em que o cão morreu. Fonte:
companhiadasletras.com.br
Figura 34 - Capa de
Satolep. Fonte: da
autora
Figura 35 - Capa de A
disciplina do amor. Fonte:
companhiadasletras.com.br
44 45
O Brasil possui no projeto gráfico de livros sua maior contri-
buição e reconhecimento no campo do design, o que se mostra
um tanto peculiar se, voltando os olhares para nossa história,
constatarmos que a imprensa chegou no país tardiamente.
Entre os fatores que possibilitaram essa posição/postura do
país - e, portanto, supre o atraso de quatro séculos - é a adoção
e o avanço dos sistemas de produção, distribuição e consumo
de impressos, desenvolvidos na década de 1830, ou seja, em
um período em que a imprensa já estava instalada no país
(CARDOSO, 2005). Além, é claro, da contribuição dos desig-
ners e desenhistas que aqui trabalharam.
A década de 1920 é especialmente importante no
que diz respeito à edição de livros: surgem diversas editoras
no eixo Rio-São Paulo, preparando o surto editorial da década
de 1930 (CARDOSO, 2005). Neste período as editoras focam
sua produção em brochuras, apostando em belos projetos grá-
ficos para desviar a atenção dos materiais precários utilizados
2.2O design de livro no Brasil
na confecção do livro. As capas ilus-
tradas surgem então para tornar o
objeto mais vistoso e impulsionar
as vendas. Aqui cabe citar o nome
do pioneiro no projeto destas capas,
Fernando Correia Dias.
Figura 36 - Capa de Urupês. Projeto de Washt
Rodrigues, 1918. Fonte: CARDOSO, 2005, p. 162.
É nesta década de 1920 que surgem algumas das mais importantes
editoras da história do país, como a Livraria do Globo, na cidade de Porto Ale-
gre, e a Civilização Brasileira, no Rio de Janeiro. Estas editoras, mais tarde,
revelariam profissionais gráficos como Ernest Zeuner e Eugênio Hirsch, além
de escritores como Érico Veríssimo.
As inovações realizadas na década de 1920 dizem respeito a “uma
nova concepção do livro como objeto gráfico industrial” (CARDOSO, 2005,
p. 176). Atentou-se, principalmente, para o livro como objeto tridimensional,
pensando no papel, encadernação, peso e tamanho como partes integrantes
de seu projeto gráfico. Além disso, uma atenção especial foi dada à mancha
tipográfica, às margens e à disposição do texto na página.
Questões de identidade visual e unidade editorial aparecem, mais
especificamente, em 1930. A Colecção de obras célebres, inicialmente publica-
da pela Editora Americana e continuada pela Waissman, Reis & Cia, eviden-
Figura 37 - Capa de Caravana dos destinos.
Projeto de Correia Dias, 1921. Fonte:
CARDOSO, 2005, p. 170.
Figuras 38, 39 e 40 - Capa, página de abertura de capítulo e página dupla de miolo de Nós..
Projeto de Correia Dias, 1921. Fonte: CARDOSO, 2005, p. 173/174.
46 47
Figuras 41, 42 e 43 - Capas da Colecção de obras célebres. Projetos de Di Cavalcanti (1930), Oswaldo
Teixeira (1931) e Geraldo Orthof (1931), respectivamente. Fonte: CARDOSO, 2005.
cia a preocupação em diagramar os elementos em uma malha e manter uma
estrutura gráfica reconhecível, apesar de os parâmetros gráficos da coleção
terem sido estabelecidos pelo artista Di Cavalcanti e posteriormente seguidos
por pelo menos outros dois projetistas - Geraldo Orthof e Oswaldo Teixeira.
Sobre este caso específico, Cardoso coloca que
A coincidência entre esses três projetos evidencia uma preocupa-
ção da editora com questões de identidade visual que vão muito
além daquilo que se tem propagado sobre a ilustração de capas
na primeira metade do século XX. Apesar da alteração no próprio
nome da editora, a unidade projetual estava sendo utilizada como
ferramenta para conquistar a fidelidade do público leitor. Longe
de ser meramente “decorativa”, a ilustração de capas já era nessa
época um recurso poderoso de comunicação, visando a melhor
comercialização do produto (CARDOSO, 2005, p. 192).
No cenário editorial da década de 1930 destaca-se Santa Rosa, pa-
raibano autodidata que encontrou no design de livros a forma para seu sus-
tento, ao chegar na cidade do Rio de Janeiro. Santa Rosa, primeiramente,
realizou alguns trabalhos para as editoras Ariel e Schimdt, sendo contratado
como produtor gráfico em 1935 pela editora José Olympio. Sobre a produção
editorial da época pode-se dizer que
as editoras não tinham um projeto editorial explícito para dar
unidade à sua produção. Os livros dessa época parecem dever sua
feição gráfica ao gosto variável do autor ou do editor, que possivel-
mente indicavam alguém de suas relações para elaborar sua forma
(CARDOSO, 2005, p. 208).
Uma das preocupações de Santa Rosa diz respeito exatamente às
questões de identidade visual, tanto para pequenas coleções literárias como
para as diversas diferentes publicações de uma mesma editora.
Para este trabalho, é especialmente importante a declaração de
1952, de Santa Rosa, sobre a relação texto e imagem em projetos editoriais,
principalmente por dar atenção aos aspectos processuais de interpretação e
reinterpretação da linguagem.
(...) o que conta para o ilustrador não é o descritivo do poema, do
conto, do romance, mas a atmosfera espiritual em que se movem
os ritmos, os sentimentos, os personagens, o clima que evoca suas
situações íntimas. Tomamos várias atitudes, portamo-nos como
cineastas quando procuramos o ângulo justo em que o assunto
Figura 44 - Capas
da editora José
Olympio. Projetos de
Santa Rosa. Fonte:
CARDOSO, 2005, p.
218.
48 49
A década de 1960 foi plural: conviviam a agressividade de Hirsch,
o equilíbrio de Marius Bern, o cartum de Ziraldo e Jaguar, a leveza de Bea
Feitler, a integração texto-imagem de Vicente di Grado etc.
Figura 45 - Capas de Eugenio Hirsch. Fonte: MELO, 2006, p. 65.
mais avulta, mais se define, mais se precisa. Ora, espionamos os
personagens de um romance, cercamo-los, esmiuçamos suas vi-
das, seus hábitos mais íntimos, suas manias, seu andar, as rugas
da face (...) (Santa Rosa apud CARDOSO, 2005, p. 220).
Embora o período entre 1920 e 1950 tenha sido de grande evolução
para o design de livros, a estrutura diagramática clássica de capa centraliza-
da é questionada apenas nos anos de 1960. Segundo Chico Homem de Mello
(2006) é neste período que a figura do designer é de fato valorizada.
É importante contextualizar estas mudanças gráficas com o públi-
co leitor da época, “mais informado, mais aberto a novidades, mais crítico,
mais ativo, mais jovem” (MELO, 2006, p. 61), o que possibilitava, por exem-
plo, a existência das capas projetadas por Eugenio Hirsch, e o pensamento de
que “uma capa é feita para agredir, não para agradar” (MELO, 2006, p. 62),
sempre apostando no impacto da capa no leitor.
É importante destacar, neste trabalho, dois casos específicos de co-
leções: as edições populares do Clube do Livro, com projeto gráfico de Vicente
Di Grado, e a Coleção Debates, com projeto gráfico de Moysés Baumstein.
As centenas de volumes editados pelo Clube do Livro de São Paulo
eram recebidas por seus sócios periodicamente. Por este motivo, o livro não
precisava se portar como cartaz no ponto de venda, mas apenas “conciliar
uma visualidade atraente a um custo de produção baixo” (MELO, 2006, p.
88). A coleção não possui logotipo, apenas as informações de autor e editora
Figura 46 - Capa de Ziraldo. Fonte: MELO, 2006, p. 80. / Figura 47 - Capa de Bea Feitler. Fonte:
MELO, 2006, p. 76. / Figura 48 - Capa de Marius Bern. Fonte: MELO, 2006, p. 71.
Figura 49 - Capas do Clube do Livro. Fonte: MELO, 2006, p. 71.
50 51Figura 50 - Capas do Clube do Livro. Fonte: MELO, 2006, p. 71.
permanecem com a mesma tipografia e posição - superior e inferior, respecti-
vamente. Outro fator que colabora com a identificação destes volumes como
coleção é a capa em apenas duas cores, ainda que estas mudem de acordo com
o título. Há sempre o preto junto a outra cor, uma economia de recursos que
acabou por servir ao projeto e dotá-lo de riqueza expressiva. Não há tipografia
padrão para o título, nem tamanho definido para a ilustração, é de acordo com
a obra que a capa é dada: algumas com tipografia leve e traço áspero, outras
com tipografia pesada e traço delicado: não há padrão. O que pode-se afirmar
destas capas é que Di Grado “aposta todas as fichas na síntese: um título e
uma imagem” (MELO, 2006, p. 90). Além disso, a contracapa permanece a
mesma em todos os volumes, e a lombada apenas altera as informações de
autor/título e a cor correspondente ao desenho de capa.
Já Moysés Baumstein construiu sua coleção baseada em elemen-
tos fixos. Como cita Homem de Melo “na balança das variantes e invariantes,
Moysés jogou todo o peso nas invariantes” (MELO, 2006, p. 95). A coleção
Debates é, até hoje, um catálogo das áreas científicas. De fácil identificação,
possui uma grade rígida: cabeçalho, com seu logotipo seguido da área cientí-
Figura 51 - Capas
da coleção
Debates. Fonte:
MELO, 2006, p. 96
fica da obra, inscrito em dois largos fios horizontais - de cor correspondente
à área de conhecimento, uma grande área branca e, alinhados inferiormente,
nome do autor e título da obra, terminando em um retângulo preto com logo e
nome da editora em branco. Neste caso,
“sai valorizada a coleção, em detrimento da particularidade de
cada volume. Ao mesmo tempo, ele podia se dar a esse luxo. Em
sua maioria, os textos eram tão fundamentais em suas áreas de co-
nhecimento que podiam prescindir de particularização” (MELO,
2006, p. 95).
A década de 1960 configura-se, então, em um marco de “ruptura
com as convenções da cultura editorial gráfica” (MELO, 2006, p. 59), ou seja,
as grades pré-determinadas são deixadas de lado e, em seu lugar, inicia-se
um novo modo de pensar o livro de acordo com cada situação. As mudanças
ocorridas no design editorial nos anos de 1960 são, sem dúvida, referências e
possibilidades que movem o design de hoje.
52 53
A autoria em design gráfico é considerada fruto da condição
pós-moderna. No período modernista, o design tinha como
orientação o racionalismo, o que deixava poucos espaços para
as construções individuais e emoções.
Foi somente com as vanguardas artísticas, surgidas
no período de transição à pós-modernidade, que o design to-
mou novos rumos e quebrou os paradigmas de legibilidade,
clareza, geometrismo e harmonia. O modelo moderno, reflexo
da industrialização e da guerra, já não era mais válido. O perí-
odo que se iniciava era marcado pela subjetividade e emoção,
os materiais se tornavam efêmeros e transitórios. O pós-mo-
derno propõe espaço para todos os estilos, logo, “não há uma
rejeição da modernidade, mas uma inclusão da mesma junto
às tendências contemporâneas” (DALPIZZOLO; RAHDE,
2007, p. 3).
Desse modo, na contemporaneidade, valoriza-se
o profissional de design como indivíduo e seu repertório, há
espaço para impressão do imaginário do designer-autor, que
propõe experiências buscando, através da polissemia das di-
versas formas visuais,
a participação ativa do espectador num jogo de
interpretação, ao manifestar visualidades efêmeras
e descartáveis, tolera a imperfeição, a imprecisão,
a poluição e as interferências externas pós-pro-
dução, valorizando a comunicação e as emoções
2.3O livro e o designer
dos grupos e ironizando sutilmente cânones e estereótipos visuais
hegemônicos e banalizados da alta cultura (DALPIZZOLO; RAH-
DE, 2007, p.3).
Ainda falando de construção de sentido, é importante colocar que
“na estética pós-moderna, este mundo original somente se constitui com a
presença do outro” (WEYMAR, 2009, p. 2), o que relaciona-se diretamente
com a ideia de que “só há imaginário social, nunca individual” (MAFFESOLI
apud SILVA, 2003, p. 14). Logo, quando, neste trabalho, falo do imaginário
do designer-autor, me refiro não ao imaginário individual - que segundo Ma-
ffesoli não existe - mas ao imaginário ao qual o indivíduo pertence e é imerso,
visto que o imaginário “é determinado pela idéia de fazer parte de algo” (MA-
FFESOLI apud SILVA, 2006, p. 14).
Figuras 52 e 53 - Capa do Livro amarelo do terminal.
Fonte: da autora
Para um melhor entendimento das questões que movem e possibili-
tam a construção de um objeto-livro, que seja suporte para autoria, chego a O
livro amarelo do terminal, de Vanessa Barbara, com projeto gráfico de Elaine
54 55
Ramos e Maria Carolina Sampaio. Neste trabalho, a relação de autoria é extre-
mada, considerando que as designers “projetaram” inclusive o título do livro
juntamente com a escritora.
A primeira obra jornalística a entrar no catálogo da Cosacnaify con-
siste na reportagem de final de curso de jornalismo de Vanessa Barbara, um
mergulho no Terminal Rodoviário do Tietê, na cidade de São Paulo. A jorna-
lista chegou à conclusão de que tal rodoviária é uma “versão condensada do
mundo” e a partir daí começou sua pesquisa sobre a empresa que administra
o terminal e as pessoas que frequentam aquele lugar.
Figura 54 - Capa e quarta-capa d’O Livro amarelo do terminal. Fonte: da autora
O projeto gráfico do livro conta com três tipos diferentes de papel:
amarelo de gramatura baixa (semelhante ao utilizado na segunda via das no-
tas fiscais manuais), papel copiativo (papel branco que leva carbono na com-
posição e, quando manuseado, deixa algumas manchas) e papel roxo de maior
gramatura (menos delicado, sem uniformidade de textura na superfície); além
da cartolina amarela laminada da capa.
Em meio ao texto - em tipografia sem serifa - há interferências com
imagens e texturas. A entrelinha do texto é generosa, a transparência do papel
pede um espaçamento maior que o normal, pois é possível enxergar o texto
impresso no verso da página. Assim, existe um jogo de avanço e recuo do tex-
to: o que pertence à frente e o que pertence ao verso, o que deve ser lido agora e
o que deve ser lido em outro momento. Essa transparência também é utilizada
na folha que apresenta título e autor do livro, na qual o nome da autora é im-
presso no verso da página e, portanto, espelhado.
Figura 55 - Diferentes tipos de papel d’O Livro amarelo do terminal. Fonte: da autora
Figura 56 - Uso da transparência dos diferentes tipos de papel d’O Livro amarelo do
terminal. Fonte: da autora
Voltando à autoria do volume, após a breve apresentação da es-
trutura do livro, observa-se que as designers construíram um objeto repleto
de referências pessoais (muitas das imagens pertencem à coleção de tickets e
56 57
bilhetes de Elaine Ramos) e consonantal com a narrativa do texto (repleta de
fragmentos de conversas ouvidas pela escritora no terminal rodoviário).
Observando a relação título-objeto, vê-se que o primeiro é constru-
ído em função do segundo, um intenso traço de autoria em design. Assim, o
texto parece exigir esse projeto gráfico. E o projeto gráfico, por sua vez, parece
integrar a narrativa. É certo que em outra estrutura visual - asséptica, padro-
nizada -, o texto realmente seria outro, assim como a sua interpretação. Nas
palavras de Elaine Ramos, “Se criássemos um projeto gráfico apenas organi-
zado e competente, seria como ver a rodoviária vazia, sem ninguém”�. É exa-
tamente este fazer parte da narrativa, proposto pelo designer, o que interessa
neste trabalho.
Gruzinksi fala que “o designer gráfico será sempre um mediador
entre o leitor e o texto, e a ele caberá a decisão de configurar a mensagem
de forma mais próxima da transparência ou da co-autoria” (GRUZYNSKI,
2000, p. 88-89) o que pode indicar - pela presença da expressão “mais próxi-
ma” - que o designer e seu projeto nunca serão invisíveis, assim como nunca
serão autores totais do trabalho, ou seja: sempre existirá, por mais discreta e
recatada que seja, a voz do designer, e sempre existirão vozes externas. A neu-
tralidade existe, mas “por mais neutros que desejemos ser, por mais racionais
que tenhamos de ser, dificilmente as emoções deixam de participar de nossos
julgamentos, das nossas ações” (DALPIZZOLO; RAHDE, 2007, p. 4).
Coleções literárias como base para criação
A identidade gráfica de uma coleção de livros e de seus volumes
é o tema central deste capítulo. Antes de tudo, é necessário en-
tender o que são coleções literárias e como elas se apresentam.
Para isso, são expostos alguns casos, com breves comentários,
a fim de esclarecer critérios de agrupamento de seus volumes
integrantes e características de seu projeto gráfico.
Na segunda parte do capítulo são apresentadas as
análises de algumas destas coleções, dando início à prática
projetual deste trabalho, pois é analisando a maneira como as
peças gráficas são construídas que melhor se vislumbram as
possibilidades de criação. Ao final do capítulo é apresentada a
prática projetual deste trabalho.
3
58 59
O dicionário Aurélio da Língua Portuguesa conceitua coleção
como: “1. Conjunto ou reunião de objetos da mesma natureza
ou que têm qualquer relação entre si [...]”. Pode-se concluir,
desta maneira, que uma coleção literária é composta por di-
versos títulos agrupados por algum critério escolhido.
3.1O que é coleção literária
A primeira coleção a ser citada neste capítulo é a
coleção Clássicos (Fig. 56), da Editora Abril, lançada no ano
de 2010. A coleção consiste em um agrupamento de 30 obras,
de diferentes autores e épocas, já reconhecidas pela história
da literatura, como O engenhoso fidalgo Dom Quixote de La
Mancha, de Miguel de Cervantes; Crime e castigo, de Fiodór
Dostoievski; Madame Bovary, de Gustave Flaubert; Os Ser-
tões, de Euclides da Cunha e Hamlet, de William Sheakspeare.
Tratam-se de edições populares, vendidas em bancas de jor-
nal. Assim, a preocupação estética reside, principalmente, na
capa - serigrafada em tecido - pois esta é o contato do volume
com o leitor, já que os livros se encontram envoltos em plástico
no ponto de venda.
Figura 57 - Coleção Clássicos da Editora Abril. Fonte: editorabril.com.br
David Pearson, designer conhecido por seu trabalho junto à Pen-
guin Books, possui em seu portfólio uma série de projetos em design de livro
e, mais especificamente, coleções. Seus trabalhos primam, pode-se dizer, pela
delicadeza e sutileza na composição gráfica dos elementos identitários. Na
coleção Great Ideas, de 2004, os livros possuem apenas formato e cor fixas,
o restante das informações visuais são variáveis a cada volume. Além disso,
Pearson cria capas que se assemelham a partes internas do livro (como folhas
de rosto ou páginas de entrada de capítulos), por trazer parte do texto para a
capa.
Figuras 58, 59 e 60 - Capas da coleção Great Ideas Fonte: davidpearsondesign.com
Figura 61 - Lombadas da coleção Great Ideas
Fonte: davidpearsondesign.com
60 61
A inglesa Penguin Books é um caso especial no que diz respeito à
coleções literárias. A editora, fundada em 1935, é um marco no design de livros
de bolso. A identidade gráfica de seus livros, datada da abertura da empresa e
sutilmente modificada ao longo dos anos, é reconhecida mundialmente sendo
até hoje utilizada pela editora em algumas de suas publicações.
No Brasil, a editora L&PM, com seu selo L&PM pocket, possui a
maior publicação de livros de bolso do país. Diferentemente da Penguin, a
editora brasileira não possui identidade pré-estabelecida para seus livros, pro-
jetando a identidade - na grande maioria dos casos - em função do autor ou da
obra. As capas da coleção do autor Raymond Chandler (Fig. 64 a 67) são um
exemplo de como a identidade gráfica dos livros é pensada pela editora: o pro-
jeto gráfico dos volumes aposta em elementos da narrativa como ilustração de
Figura 62 - Capa da Penguin, 1935. Fonte: BAINES, 200, p. 18 / Figura 63 - Capa da Pen-
guin, 1949. Fonte: BAINES, 200, p. 57 / Figura 64 - Capa do selo Penguin-Companhia,
2010. Fonte: companhiadasletras.com
Extraído de http://www.lpm-editores.com.br/site/default.asp?Template=../livros/layout_
produto.asp&CategoriaID=608155&ID=745390
capa e foi inspirado nas capas de literatura policial dos anos 1940/1950, uma
referência à época em que o autor mais publicou*.
Um outro exemplo de identidade gráfica baseada na obra do autor
são as capas tipográficas para obras do escritor Caio Fernando Abreu (Fig. 68
a 71). Neste conjunto, a identidade do grupo é dada pela tipografia e seu po-
sicionamento no espaço, enquanto a identidade individual do volume se cons-
trói pela cor e fundo e por sutis alterações na tipografia, que fazem referência
ao título do livro (um corte nas letras se refere à palavra apunhalado; uma
letra “r” se apresenta escura em meio a uma massa de letras claras por conta
da palavra negras e a forma triangular da letra “a” é evidenciada na própria
palavra triângulo).
Figuras 65, 66, 67 e 68 - Capas da coleção Raymond Chandler. Fonte: lpm-editores.com.br
Figuras 69, 70, 71 e 72- Capas para livros de Caio Fernando Abreu. Fonte: lpm-editores.com.br
62 63
Assim como a Coleção Clássicos, citada no início deste capítulo, as
coleções dos autores Raymond Chandler e Caio Fernando Abreu tratam-se de
edições populares, de bolso. A preocupação principal, nestes casos, reside na
economia de recursos e, por isso, o projeto gráfico interno das publicações é
padrão e o investimento na particularização dos volumes se dá na capa.
Algumas editoras, como a brasileira Cosacnaify, apostam no proje-
to gráfico total como identidade gráfica de uma coleção, projetando também
o miolo com traços característicos do agrupamento. É o caso da coleção Par-
ticular, que conta com quatro obras editadas em projetos gráficos especiais,
que contribuem para a interpretação do texto. Além do já citado na introdu-
ção do trabalho Bartleby, o escrivão, fazem parte da coleção Primeiro Amor, de
Samuel Beckett, Zazie no metrô, de Raymond Queneau e A Fera na Selva, de
Henry James. Este último volume possui projeto gráfico de Lucianna Facchi-
ni, enquanto os outros são assinados por Elaine Ramos.
Elaine Ramos também é responsável pelo projeto gráfico da cole-
ção Moda Brasileira I, também da editora Cosacnaify. A coleção conta com
cinco volumes, cada um dedicado à obra de um estilista específico, acondicio-
nados em uma caixa. Assim como na coleção Particular os projetos gráficos
Figuras 73, 74, 75 e 76- Capas da coleção Particular. Fonte: cosacnaify.com.br
variam de livro para livro, porém, apresentam uma
grade estrutural padrão para a capa.
Um outro exemplo de coleção literária é a
coleção Plenos Pecados, lançada pela editora Objeti-
va no final da década de 1990. São sete livros com o
caráter de conjunto bem explícito, com cores e grade
padrão.
A partir da pesquisa sobre coleções, aqui
brevemente apresentada, é que foram escolhidas as
peças gráficas a serem analisadas. Optei por escolher
dois designers, Elaine Ramos e Victor Burton, com
trajetórias e produções distintas no tempo e em dife-
rentes espaços (diferentes editoras, com diferentes visões de projeto).
Elaine Ramos é atual coordenadora das publicações de design da
editora Cosacnaify, além de ser responsável por diversos projetos gráficos da
editora. É graduada em arquitetura e urbanismo pela USP e em seu currículo
constam vários prêmios por seus projetos editoriais.
Victor Burton é um designer autodidata. Já projetou mais de duas
mil capas de livro e mais de duzentos projetos gráficos de miolo. Começou a
Figura 77- Caixa da coleção
Moda Brasileira I. Fonte:
cosacnaify.com.br
Figura 78- Livros da coleção Plenos
Pecados. Fonte: editoraobjetiva.com.br
trabalhar como capista da edito-
ra Nova Fronteira, logo que che-
gou ao Brasil em 1979. Burton
nunca planejou ser designer, o
envolvimento com a profissão
se deu pela sua paixão por livros
(PERROTTA, 2006).
64 65
3.2Análises
Como citado anteriormente, esta parte do trabalho se dedica
à análise gráfica de coleções literárias, dando início à práti-
ca projetual deste trabalho. As coleções escolhidas, Coleção
Particular e Coleção Moda Brasileira I, da editora Cosacnaify;
Coleção Plenos Pecados, da Editora Objetiva; e Coleção José
Lins do Rego, da Editora José Olympio, serão analisadas uti-
lizando as noções de informação fixa e informação variável,
descritas por Chico Homem de Melo em seu artigo Design de
livros: muitas capas, muitas caras (MELO, 2006). Ao falar do
trabalho de Odilea Toscano para a Editora Brasiliense, mais
especificamente da Coleção Jovens do Mundo Todo, Melo lança
estas noções de informações fixas e variáveis:
O barrado com silhuetas variadas de jovens muda
de cor de volume para volume, mas seu desenho
permanece o mesmo. Uma linha com o nome da
coleção separa o barrado superior do campo des-
tinado ao título e à ilustração. Dessa forma, fica
estabelecido com clareza o que é informação fixa e
informação variável (MELO, 2006, p. 92).
3.2.1Coleção Particular
Livros integrantes:
Primeiro Amor, de Samuel Beckett (edição de 2004)
Bartleby, o escrivão - uma história de Wall Street, de Herman
Melville (edição de 2005)
A Fera na Selva, de Henry James (edição de 2007)
Zazie no metrô, de Raymond Queneau (edição de 2009)
Figura 79 - Detalhes
da coleção Particular.
Fonte: da autora
66 67
A coleção Particular, da editora Cosacnaify, aposta no projeto grá-
fico como fator a ser interpretado pelo leitor, além do texto. Serão analisados
três dos quatro volumes que compõe a coleção, pelo fato de que Bartleby, o
escrivão, Primeiro amor e Zazie no metrô tem seu projeto gráfico assinado por
Elaine Ramos (este último em parceria com Maria Carolina Sampaio) e, por-
tanto, respondem ao critério utilizado para seleção de peças. O quarto livro da
coleção, A fera na selva, possui projeto gráfico de Luciana Facchini.
À primeira vista, os volumes podem parecer díspares, não tendo um
caráter identificável de coleção, já que não possuem o mesmo suporte, ele-
mento identitário (como um logotipo ou selo), cores e texturas ou tipografia
semelhantes. Até mesmo a encadernação difere de um volume para outro, o
que me faz pensar que a unidade da coleção busca, justamente, a não-unifi-
cação, o que é também reforçado pelo seu nome. E se forem observadas as
datas de lançamento de cada livro, esse caráter de não-unificação é ainda mais
destacado, visto que as obras foram lançadas em diferentes momentos, o que
também dá a idéia de que a coleção pode ainda ser acres-
cida de volumes.
Internamente, os três volumes projetados por
Elaine Ramos possuem uma estrutura de cadernos se-
melhante: são todos compostos por folhas não refiladas,
configurando uma invariável desta coleção. A diferença
neste aspecto reside em seu uso, na maneira gráfica de
explorá-lo. Em Bartleby, o escrivão, é necessário o abrir
de páginas para acontecer o ato de leitura (como já men-
cionado na introdução deste trabalho). Zazie no metrô
possui o texto aparente e a abertura é necessária ape-
nas para observação das ilustrações, cabendo ao leitor
Figura 80 - Detalhes da abertura de páginas em Zazie no metrô.
Fonte: da autora
a decisão de refilar manualmente o livro, para apreciação plena, ou manter
as folhas intactas, fazendo uma leitura das imagens de maneira invertida e
sob o texto através da transparência do papel. Diferentemente dos exemplos
citados é o uso das páginas não-refiladas em Primeiro Amor. Neste livro o “en-
tre-páginas” é em branco, sem impressão e então a folha é utilizada para dar
continuidade, nas páginas pares, ao desenho das páginas ímpares. A operação
de corte/abertura que pode ser feita, neste caso, é junto à linha de costura (da
encadernação) nas páginas pares, unindo duas páginas em uma e não sepa-
rando-as.
Principalmente nesta coleção, foi observado o que Flusser (2007)
nomeia “não-coisa”, algo impalpável, fruto do desvio de interesse das coisas
para as informações. O homem hoje busca conforto em experiências e sensa-
ções e não mais nos aspectos materiais de sua existência. Dessa maneira, a
coleção Particular vai ao encontro destes desejos, de “experimentar, conhecer
e, sobretudo, desfrutar” (FLUSSER, 2007, p. 58).
Figura 81 - Detalhes de Primeiro Amor. Fonte: da autora
Figura 82 - Detalhes da
abertura de páginas em
Primeiro Amor. Fonte: da
autora
68 69
Coleção José Lins do Rego
Livros integrantes:
Menino de engenho, de José Lins do Rego (edição de 2009)
Fogo morto, de José Lins do Rego (edição de 2010)
Figura 83 - Detalhes da
coleção José Lins do
Rego. Fonte: da autora
3.2.2Diferentemente da coleção Particular, os projetos de capa de Victor
Burton para obras de José Lins do Rego são facilmente identificados como
conjunto. Ambos os livros - Fogo Morto e Menino de engenho - possuem, em
sua capa, ilustrações em preto e branco, de Santa Rosa, originais da primeira
edição dessas obras. Além da ilustração, Burton opta pela presença de uma
caixa de bordas irregulares, no qual título e autor são inseridos.
Deste projeto pode-se destacar o caráter pouco variável. Burton
modifica cores, posições, papéis, mas os elementos básicos são os mesmos.
A principal variável do projeto reside na impressão. Menino de engenho, talvez
pelo fato de se tratar da centésima edição, possui a capa em papel colorido e
relevos (alto para título e autor e baixo-relevo na forma quadrada). Já Fogo
morto apresenta capa completamente plana, em papel branco com cobertura
em brilho. O fato de Menino de engenho ser impresso no lado opaco do pa-
pel (na verdade, há uma inversão da folha: o lado normalmente utilizado para
impressão é o que possui cobertura brilhosa), cria uma maior relação com a
xilogravura de Santa Rosa, causando a sensação de que esta realmente havia
sido impressa na capa, pela técnica original (xilogravura) pela qual estas fo-
ram produzidas.
A lombada e a quarta-capa dos volumes é bastante semelhante -
ambas possuem fundo correspondente à cor utilizada na capa (vermelho para
Fogo Morto e verde para Menino de engenho). Na lombada variam apenas cor
e nome do livro, apesar de Fogo Morto possuir quase o dobro do número de
Figura 84 - Detalhe da impressão em um
volume da coleção José Lins do Rego.
Fonte: da autora
páginas presentes em Menino de
engenho. Na quarta-capa os li-
vros repetem a caixa existente na
primeira-capa, mas em cores in-
70 71
vertidas: a forma apresenta a cor do suporte. E, se na capa as informações de
autor/título eram localizadas no interior da caixa, na quarta-capa esta abriga
a sinopse da obra.
Um fato observado nestes dois volumes é a iniciativa da editora Re-
cord em lançar livros sob o selo “José Olympio Editora”, visto que esta última
foi uma das primeiras editoras do país a publicar escritores não-consagrados
na literatura e valorizar escritores locais, desempenhando um importante pa-
pel na história editorial do Brasil.
Livros integrantes:
Alexandre Herchcovitch, de Charles Cosac (edição de 2007)
Gloria Coelho, de Carlos Mauro Fonseca (edição de 2007)
Lino Villaventura, de Jackson Araújo (edição de 2007)
Ronaldo Fraga, de Carol Garcia (edição de 2007)
Walter Rodrigues, de Eva Joory (edição de 2007)
Coleção Moda Brasileira I
Figuras 85, 86, 87, 88, 89 e 90 - Volumes integrantes da coleção Moda
Brasileira I. Fonte: cosacnaify.com.br
3.2.3
72 73
A coleção Moda Brasileira 1 conta com cinco livros que resgatam
trajetória e projetos de cinco estilistas do Brasil. Nas palavras de Ronaldo Fra-
ga: “A coleção traz cinco estilistas com processos de pesquisa e criação muito
diferentes, o que revela a diversidade da moda brasileira. E mais, demonstra
como essa variedade está construindo a tão falada identidade nacional”�.
Nas capas, a coleção valoriza os aspectos invariáveis. Apesar de
cada capa se adequar ao estilista, com desenhos e ilustrações que conversem
com sua produção em moda (utilizando até mesmo croquis do próprio estilis-
ta) há uma grade estrutural padrão muito forte para todos os volumes.
Essa grade estrutural é visível apenas com a presença da sobreca-
pa. Sem ela, as capas apresentam apenas uma ilustração (ou fotografia) e a
identificação de coleção e título do volume. Na presença da sobrecapa, a capa
é dividida em três blocos: um ocupando toda a metade inferior e outros dois
formados a partir da divisão da metade superior. O primeiro bloco, inferior,
possui imagens características da produção de cada estilista. O segundo é
uma faixa de cor, que muda de acordo com o livro/estilista em questão. Final-
mente, o terceiro nada mais é do que um pedaço aparente da capa do livro (a
sobrecapa apresenta-se em tamanho menor do que a capa), apresentando as
informações do volume.
A quarta-capa e a lombada também seguem esta estrutura. Na
lombada, na porção de sobrecapa ausente, a costura das páginas do livro é
aparente, o que se configura em um elemento identitário quando os livros são
Figura 91 - Estrutura de capa da coleção Moda Brasileira I. Fonte: da autora
agrupados em conjunto em uma prateleira, por exemplo. Na quarta-capa o
bloco inferior dá lugar a um texto referente ao que é apresentado no livro.
O projeto gráfico do
miolo do livro constitui a informa-
ção variável da coleção, pois cada
volume foi projetado utilizando
elementos próprios do universo
de cada estilista. No volume dedi-
cado ao estilista Ronaldo Fraga,
por exemplo, as molduras utiliza-
das pelo artista são utilizadas para
reforçar blocos de texto e suas
colagens, sobreposições e combi-
nações de texturas são utilizadas
o tempo todo: em títulos, fundos
e como elementos auxiliares na
Figura 92 - Detalhes internos de Ronaldo
Fraga. Fonte: da autora
diagramação de fotos. Já o volume que apresenta Gloria Coelho possui carac-
terísticas mais sóbrias, que já podem ser observadas na capa. A diagramação
é contida, os ângulos são retos e as cores mais escuras, pois a produção em
moda de Gloria Coelho pede uma apresentação mais formal e discreta.
74 75
Coleção Plenos Pecados
Livros integrantes (edições de 2009):
Canoas e marolas, de João Gilberto Noll
A casa dos budas ditosos, de João Ubaldo Ribeiro
Mal secreto, de Zuenir Ventura
O clube dos anjos, de Luis Fernando Veríssimo
Terapia, de Ariel Dorfman
Vôo da rainha, de Tomás Eloy Martínez
Xadrez, truco e outras guerras, de José Roberto Torero
Figura 93 - Detalhes da
coleção Plenos Pecados.
Fonte: da autora
3.2.4Os sete pecados capitais são o tema da Coleção Plenos Pecados, lan-
çada pela editora Objetiva ao final da década de 1990. Para a coleção, foram
convidados a escrever, sobre cada um dos pecados, sete autores brasileiros.
O projeto gráfico de Victor Burton é um dos mais conhecidos de
sua trajetória como designer e configura-se em uma das raras vezes em que
editoras de público mais abrangente - como é a editora Objetiva - apostam no
projeto gráfico total (capa e miolo) para determinado livro ou coleção.
Assim como as capas da Coleção Moda Brasileira I, as capas de Ple-
nos Pecados possuem uma grade estrutural padrão, na qual a posição de nome
do autor, título, logotipo da coleção e logotipo da editora são iguais em todos
os volumes. Também a tipografia, tanto na capa quanto no miolo, e cores pre-
dominantes são informações fixas.
As ilustrações de capa são de autoria de artistas brasileiros, como
Luiz Zerbini, Leda Catunda e Adriana Varejão. Sua cor predominante é sem-
pre o vermelho, acompanhado do preto. No livro Canoas e Marolas, a ilus-
tração de Leda Catunda apresenta a figura de uma árvore com folhas verdes,
sendo a única imagem com cor variante no projeto, o que pode ser relacionado
com a ausência de cor nas informações textuais nesta capa, visto que as outras
apresentam cores no título, no nome do autor e no logotipo da coleção.
Os livros também possuem o nome do pecado correspondente em
sua capa, em uma camada de verniz. O nome do pecado é relacionado dire-
tamente com o título, pois a camada de verniz é impressa em cima deste. A
leitura se dá pelo contraste entre o papel opaco e a palavra envernizada.
Figura 94 - Detalhes
da aplicação de verniz.
Fonte: da autora
76 77
A lombada e quarta-capa dos livros também segue um mesmo pa-
drão. Na lombada encontra-se o nome do autor seguido do título do livro, em
cores correspondentes às utilizadas na capa, sobre fundo preto. A quarta-capa
apresenta detalhes ou uma continuação das ilustrações de capa e a sinopse do
livro.
Os livros apresentam pequenas variantes na estrutura de capa,
como o alinhamento do texto na quarta-capa (adaptado à ilustração) e cores
das informações textuais (relacionadas às cores da ilustração e, provavelmen-
te, ao pecado a que o livro corresponde).
Figura 95 - Detalhes da estrutura interna dos livros. Fonte: da autora
Figura 96 - Detalhe da página de abertura de capítulo. Fonte: da autora
Na parte interna do livro observa-se a mudança de função da folha
de guarda, que era antes utilizada para unir a capa do livro aos cadernos com
melhor acabamento. Neste projeto, o que se assemelha à folha de guarda são
ilustrações colocadas nas duas páginas seguintes à folha de rosto. O miolo se-
gue apresentando as ilustrações, ou apenas detalhes das mesmas, ora em tons
de cinza, ora em vermelho, em papel de cor branca ou vermelha. Há inversão
da estrutura tradicional do livro, uma não preocupação em manter a ordem
clássica de seus elementos. O que importa, neste caso, é apenas criar uma nar-
rativa pré-textual através das imagens.
As entradas de capítulo, nos livros apresentam-se em branco sobre
fundo preto, diferentemente das demais folhas de texto, todas brancas com
texto impresso em preto. Além disso, o texto, nas entradas de capítulo é de
corpo duas vezes maior e não obedece às margens estabelecidas nas outras
páginas. Esta estrutura se repete a cada capítulo, em todos os volumes, exceto
em Mal Secreto, que apresenta a estrutura apenas no capítulo inicial, para as-
sim manter a identidade da coleção, e provavelmente sua ausência se deva ao
fato da narrativa não se adaptar a este tipo de recurso gráfico.
Nesta coleção identi-
ficam-se várias situações de au-
toria. A primeira delas reside no
fato de que o editor cria o tema
da coleção (pecados capitais)
e convida escritores a escrever
sobre um pecado específico,
tendo em mente as relações
possíveis entre a personalidade
e característica estilística desse
escritor com o imaginário em
torno de determinado pecado.
78 79
A segunda relação de autoria é a própria narrativa, a própria história que refle-
te e apresenta a visão do escritor sobre o pecado. As ilustrações presentes nos
livros são realizadas por outros autores, por sete artistas visuais. E, finalmen-
te, a última das relações de autoria identificadas, a figura do designer-autor,
Victor Burton.
Victor Burton, em seus projetos, “sempre traz as referências da-
quilo que gosta - principalmente história da arte” (PERROTTA, 2006, p. 14).
O estilo burtoniano valoriza a tipografia e os ornamentos (molduras, fios etc)
e recorre a elementos como o céu, a lua e sol seguidamente (PERROTTA,
2006) - inclusive, o logotipo da coleção Plenos Pecados possui a figura de um
sol.
Quando Flusser (2007) aponta as diferenças entre linha e super-
fície, coloca que no processo de leitura linear o indivíduo obede-
ce a uma ordem pré-definida, enquanto no outro, processo em
superfície, a leitura se dá por uma ordem sugerida (e portanto
é provável que diferentes indivíduos façam diferentes leituras).
Relacionando esses pensamentos com as análises realizadas,
percebo que no projeto gráfico de livro há a convivência entre es-
ses dois tipos de leitura: o texto como pensamento linear e o pro-
jeto gráfico (seja por ilustrações, uso de cor, texturas etc) como
pensamento em superfície. E que o mágico do livro está na inte-
gração e na contaminação de um tipo de pensamento pelo outro.
80 81
3.3Criando uma coleção
A prática projetual deste trabalho apresentou-se de maneira
natural, enquanto a revisão teórica era construída. Nos inter-
valos entre leituras sobre metodologia, imaginário e design,
meu descanso se dava, principalmente, lendo obras literárias.
Neste período, então, comecei a reler os contos de Caio Fer-
nando Abreu, um dos meus escritores favoritos.
Os textos de Caio sempre me proporcionaram ima-
gens inesquecíveis de seus personagens, situações e lugares.
Assim como Vitor Ramil tem a sua Satolep*, cidade que é fru-
to do imaginário do escritor/músico a partir da observação de
sua própria cidade natal, Caio tem seu Passo da Guanxuma,
cidade onde se passam parte de suas histórias. Essas duas ci-
dades, esses dois imaginários que são construídos a partir do
real, sempre me encantaram, talvez pela sensação de perten-
cer a Pelotas/Satolep ou dessas cidades também pertencerem
a mim.
Então, após esse reencontro com os textos do escri-
tor, surgiu pronta minha coleção. Não foi uma escolha, uma
opção. O que eu lembrava e o que me sensibilizava nos mo-
mentos em que eu estudava e escrevia eram essas palavras,
contos, lugares, pessoas, acontecimentos, o imaginário desse
autor.
*Satolep é palíndromo da palavra Pelotas, “é presença fixa na obra
de Ramil - um lugar a qual ele recorre, percorre e busca recriar para
constituir a si próprio”. Extraído de http://editora.cosacnaify.com.br/
ObraSinopse/11053/Satolep.aspx
Caio Fernando Loureiro Abreu é gaúcho de Santiago, conhecida no
Rio Grande do Sul como “a terra dos poetas”. Nascido em 1948, faleceu aos
quarenta e sete anos, em 1996, vítima do vírus HIV. Chegou a estudar Letras e
Artes Cênicas, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), mas
não concluiu nenhum dos dois cursos. Trabalhou em revistas como Manchete
e Nova, jornais como Correio do Povo, Folha de São Paulo e Zero Hora. Morou
no Rio de Janeiro, Porto Alegre e em vários países da Europa. Foi perseguido
pelo Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) durante a ditadura.
Refugiou-se na casa da escritora Hilda Hilst (vários de seus textos foram escri-
tos no sítio de Hilda). Escreveu peças de teatro e, acima de tudo, deixou para
as pessoas as suas palavras.
A coleção desenvolvida agrupa sete livros do autor: Morangos mo-
fados, Os dragões não conhecem o paraíso, O ovo apunhalado, Fragmentos,
Ovelhas negras, Limite branco e Inventário do Ir-remediável. Tais livros foram
escolhidos por se tratarem de textos que eu já havia lido.
É importante deixar claro que este trabalho apresenta somente ca-
pas para os livros - e não o projeto gráfico total - pelo pouco tempo disponí-
vel durante este semestre. O projeto gráfico de capa e miolo demandaria mais
atenção e, portanto, mais tempo. Também é necessário falar sobre os mate-
riais disponíveis para impressão dos protótipos, aqui mostrados em material
e impressão mais próximos do ideal. As especificações dos materiais que se-
riam utilizados caso o projeto fosse realmente editado encontram-se junto ao
memorial descritivo de cada uma das capas.
A narrativa dramática de Caio Fernando Abreu revela um ser in-
classificável,
[...] obssessivo com o lado escuro de todas as coisas, mas apaixo-
nado pela vida, sempre em busca da luz, das flores, da leveza. O
Caio simpático com os outsiders, com quem, curioso e temerário,
82 83
gostava de andar no limite, nas noites mais perigosas, mas nunca
a ponto de se perder, nunca a ponto de perder o caminho de volta,
que marcava, como João e Maria da fábula, não com pedacinhos
de pão ou pedrinhas, mas com seus textos, a literatura (CALLE-
GARI, 2008, p. 11).
Fazendo relações com esses sentimentos e sensações é que foram
criadas as capas da coleção.
Primeiramente, pensei em utilizar manchas em nanquim, por ser
algo que eu tenha contato direto (as manchas e escorridos do líquido como
sugestão e ponto de partida para desenhos), e por ser um material delicado,
no sentido de que qualquer gota d’água que caia sobre o papel ainda úmido
provoca reações na cor e nas formas da tinta, além de muitas vezes seu resul-
tado ser imprevisível - uma relação que acaba sendo estabelecida com o autor
e suas mudanças, suas épocas e sua característica de “inclassificável”.
A opção por realizar cortes na capa, mostrando detalhes do que se
encontra na folha de rosto, é uma tentativa de integrar capa e miolo do livro e
provocar uma contaminação entre estas partes, que é também reforçada pela
presença de trechos de cada um dos livros em cada uma das capas. As dife-
rentes camadas que se sobrepõem, mostrando detalhes internos do livro, são
parte de um jogo em que descobrir, encobrir, fazer emergir, esconder, prote-
ger, expor e revelar são as jogadas-chave. E neste jogo estas camadas se con-
fudem, cabendo ao leitor, através de sua experiência com o objeto, desvendar
as mesmas.
Outro ponto importante, que também revela a estrutura interna do
livro, é a encadernação*, com a costura e estrutura de cadernos aparente. Este
*A fim de mostrar este tipo de encadernação, o presente trabalho é encadernado da
mesma maneira.
**Extraído de www.doe.in.gov/olt/grantprojects/books/Coptic%20Book.htm
tipo de encadernação chama-se encadernação copta, desenvolvida por egíp-
cios, entre os séculos II e III, sendo utilizada comumente na Etiópia até os dias
atuais**. Com esta costura, o livro acaba não tendo lombada impressa e, se por
um lado, em uma prateleira de livros não se dará a identificação imediata da
obra, por outro, haverá uma interrupção, uma massa branca entre as demais
lombadas.
Na quarta capa dos livros optei por repetir a folha de rosto, seguin-
do a noção da integração da parte exterior do livro com seu interior. A única
diferença é o espelhamento dos elementos contidos na folha, o que pode se
identificar como mais uma das jogadas propostas.
A ausência de uma grade estrutural padrão para as sete capas deve-
se à escolha de adequar os elementos às manchas, já que estas possuem apa-
rências e tamanhos distintos. Adequadas à mancha também foram escolhidas
as tipografias e cores. Por tais escolhas, as variantes neste projeto tornam-se
muito mais explícitas do que as invariantes, sendo a unidade da coleção ob-
servada no todo e não em poucos volumes. Além disso, existem aproximações
entre capas, criando pequenos conjuntos (de dois ou três livros), que serão
melhor comentados na descrição de seus projetos gráficos.
84 85
Agor
a ab
ria
a po
rta
deva
gari
nho,
ate
nto
aos
ruíd
os q
ue n
a ho
ra d
a se
sta
sem
pre
pare
cem
mai
ores
do
que
real
men
te e
ram
.
A capa de Limite Branco, ao contrário de seu nome, apresen-
ta uma grande mancha negra, que se espalha pela superfície.
A mancha foi obtida através de pinceladas de nanquim preto
e pingos d’água sobre o papel. Após a secagem, o papel foi
arrastado contra a mesa que continha vestígios da tinta, por
isso algumas partes mais claras e outra textura. A mancha não
acaba, ela se estende por toda a capa. Existem algumas áreas
mais delimitadas, mas ainda assim fazem parte de um todo,
de uma mesma massa. O limite, presente no título, é sugerido
pelo corte que separa o nome do livro do nome do autor e re-
vela apenas um fragmento do texto presente na folha de rosto.
Quanto às camadas, essa capa, especialmente, pos-
sui muitas: a camada da folha de rosto, a camada da tipogra-
fia* e as inúmeras camadas de tinta.
Limite branco
*As famílias tipográficas utilizadas serão citadas, juntamente com as
especificações de produção gráfica, em forma de cólofon, ao final da
descrição de cada capa.
A capa foi composta com tipografia Galette,
e impressa em off-set sobre papel-cartão
TP Premium 300g/m da Suzano.
Agora abria a porta devagarinho, atento aos ruídos que na hora da sesta sempre parecem maiores do que realmente eram.
No começo, tinha nojo dele. O homenzinho apagado demais, humilde demais, sempre quieto, como consciente do desprezo que provocava, e por isso mesmo mais desprezível.
Uma mancha negra que vai se diluindo até um cinza claro
é ponto de partida para a capa de Ovelhas negras, livro que
apresenta diversos contos de Caio Fernando Abreu, escritos
dos 14 aos 46 anos e que, por diferentes razões, nunca haviam
sido editados em um livro. Ao final da introdução, Caio ainda
comenta: “como Rita Lee, sempre dediquei um carinho todo
especial pelas mais negras das ovelhas” (ABREU, 2002, p. 4)
e assina como O Autor-Pastor, o pastor dessas ovelhas negras.
A mancha negra, envolta por uma forma clara, é
uma referência ao título do livro, à própria ovelha-negra, “pes-
soa que num grupo sobressai por suas más qualidades, por
seu mau proceder” (HOLANDA, 1986, p. 1241).
O excerto de texto presente na folha de rosto é do
conto O príncipe sapo, e quando o corte revela o trecho “e por
isso mesmo mais desprezível” cria uma forte relação com o
título do livro.
Ovelhas negras
A capa foi composta com tipografias Sub-pear
e Book Antiqua, e impressa em off-set sobre
papel-cartão Art Premium 300g/m da Suzano.
No começo, tinha nojo dele. O homenzinho apagado demais, humilde demais, sempre quieto, como consciente do desprezo que provocava, e por isso mesmo mais desprezível.
O poço do poço.
poço. A água do poço. A terra do poço. O cheiro do poço.
O limo do poço. A umidade do
As manchas presentes no livro podem ser relacionadas tanto
com o trecho de texto escolhido quanto ao apunhalado do tí-
tulo. Esparsas, elas parecem sair de um mesmo ponto, fora da
capa, como se algo estivesse se abrindo e deixando um líquido
interior se expandir. Ou então parecem manchas úmidas, mo-
fadas, criando relação com o poço do texto.
Nesta capa, o nome do autor quase desaparece. Ele
está ali, mas por se tratar de um dos livros mais comentados
do autor esta informação é deixada em segundo plano, em
uma tipografia de corpo delicado, que contrasta com as man-
chas fortes e o peso da caixa formada pelo corte.
O ovo apunhalado
A capa foi composta com tipografias St Marie
Thin, e Museo 500 impressa em off-set sobre
papel-cartão Quartz 230g/m da Suzano.
O poço do poço.
poço. A água do poço. A terra do poço. O cheiro do poço.
O limo do poço. A umidade do
A capa de Inventário do Ir-remediável não fosse pelo texto e
nome do autor seria uma capa quase transparente, já que não
existem contrastes intensos entre os elementos. A tipografia
do nome do livro some em uma mancha quase inexistente,
transparente, de pinceladas delicadas e aguadas. A folha de
rosto revela apenas sua textura, não há informação agregada
à ela.
Pode-se observar uma pequena relação desta capa
com a capa de O ovo apunhalado; ambas utilizam informações
em segundo plano, quase transparentes, para passar atenção
à outros detalhes. Na capa de Inventário do Ir-remediável dá-se
importância e destaque ao trecho da obra e ao detalhe da folha
de rosto, por se tratar de outro material.
Inventário do Ir-remediável
A capa foi composta com tipografias St Marie
Thin, Lido STF e Pill Gothic 600, e impressa em
off-set sobre papel-cartão Quartz 230g/m da
Suzano e papel Kraft 300g/m
O rapaz de camisa vermelha aproveitou o silêncio para gritar bem alto que Urano estava entrando em Escorpião. Os outros pareceram perturbados, menos com a informação e mais com o barulho, e pediram psiu, para ele falar baixo, se não lembrava do que tinha acontecido a última vez.
Assim como O ovo apunhalado, esta é uma das obras mais di-
vulgadas do autor. A mancha aqui é escorrida e escura, sem
grandes variações tonais. A palavra mofados traz caracte-
rísticas de coisas em decomposição, esquecidas, esgotadas
e sempre imagino algo líquido, escorrendo, se perdendo aos
poucos. Também lembro que, durante a leitura do livro, me
marcou a quantidade de vezes em que sangue era presente na
narrativa. Assim, o escorrido da capa refere-se às minhas im-
pressões do livro.
O escorrido da capa parece acabar em um ponto
vermelho - corte na capa -, que estabelece essa relação com o
sangue e com o trecho do texto utilizado, no qual a figura de
um “rapaz de camisa vermelha” é presente.
Relacionando esta com as outras capas pode-se
identificar semelhanças com a capa de Limite branco, pelas
duas possuírem um elemento vertical de destaque, e com a
capa de Inventário do ir-remediável, pelo corte revelar apenas
cor e textura da folha de rosto.
Morangos mofados
A capa foi composta com tipografias Andron,
Galette e Gill Sans MT impressa em off-set sobre
papel-cartão Quartz 230g/m da Suzano.
O rapaz de camisa vermelha aproveitou o silêncio para gritar bem alto que Urano estava entrando em Escorpião. Os outros pareceram perturbados, menos com a informação e mais com o barulho, e pediram psiu, para ele falar baixo, se não lembrava do que tinha acontecido a última vez.
Um por um, foi abrindo os botões. Acendeu a luz do abajur, para que a sala ficasse mais clara quando, sem camisa, começou a acariciar as man-chas púrpura, da cor antiga do tapete na escada - agora, que cor? - espal-hadas embaixo dos pêlos do peito. Na ponta dos dedos, tocou o pescoço.
Uma mancha que parece delimitar um território, e apenas pa-
rece pois essa mancha se confude com o próprio fundo sobre
o qual é colocada. E apenas pode parecer, pois o paraíso não
é um território, ou ao menos não um território limitado, que
exista concretamente. Este livro é um livro sobre amor. Como
diz o autor, em sua introdução, “um livro com 13 histórias in-
dependentes, girando sempre em torno de um mesmo tema:
amor”.
Principalmente neste livro a mancha tem grande
importância. É o elemento que proporciona a maior leitura,
o elemento central. O texto é do conto Linda, uma história
horrível, primeiro conto do livro e um de meus preferidos. O
trecho aparente na capa Um por um foi abrindo os botões tem
relação com o ato de abrir o próprio livro para descobrir o que
se guarda por trás da capa.
Esta capa se relaciona com a capa de Ovelhas ne-
gras, tanto pela mancha quanto pelo corte horizontal que re-
vela o texto e com a capa de Inventário do ir-remediável, pela
mancha clara e luminosa.
Os dragões não conhecem o paraíso
A capa foi composta com tipografias Fertigo Pro
e Museo, e impressa em off-set sobre papel-
cartão Royal Quartz 230g/m da Suzano.
Um por um, foi abrindo os botões. Acendeu a luz do abajur, para que a sala ficasse mais clara quando, sem camisa, começou a acariciar as man-chas púrpura, da cor antiga do tapete na escada - agora, que cor? - espal-hadas embaixo dos pêlos do peito. Na ponta dos dedos, tocou o pescoço.
A última capa da coleção possui uma tensão muito forte, obti-
da com a simples rotação dos elementos de capa. Além disso,
a mancha é presente na folha de rosto, o que não acontece em
nenhum dos outros volumes, e é vista em detalhe, por um cor-
te circular deslocado do centro de seu conteúdo - que relaciona
a mancha mais solta e fragmentada com o próprio título do
livro.
A princípio esta capa seria modificada, por ser a
mais destacada como diferente entre as outras, mas com o
tempo observei que todas as capas tinham suas particularida-
des e que enfatizavam diferentes elementos, o que acabou por
justificar a presença da tensão neste caso.
As relações com outras capas podem ser vistas
principalmente pela tipografia - como em Morangos mofados -
e pela configuração da mancha - como em O ovo apunhalado.
Fragmentos
A capa foi composta com tipografias Florin Sans,
Andron e Consolas, e impressa em off-set sobre
papel-cartão Royal Quartz 230g/m da Suzano.
142 143
Descrição metodológica
Após ter o objeto de pesquisa escolhido comecei uma busca
por referenciais que sustentassem meus pensamentos, regis-
trando tudo que lia e me parecia pertinente para me auxiliar
no trabalho em um caderno - que me acompanha até agora.
Também criei um blog, onde cheguei a registrar alguns pen-
samentos mais soltos, que acabou não funcionando como eu
pretendia - um reservatório de referências.
Durante a busca, lembrei das oficinas que pude
participar no 20º Encontro Nacional dos Estudantes de De-
sign - N Design Imersão, ocorido do dia 11 ao dia 18 de julho
de 2010 em Curitiba. As oficinas Por uma filosofia do design
e Design+Literatura=Criação literária, ministradas por Mar-
cos Beccari e Ivan Mizanzuk me introduziram aos Estudos do
Imaginário, pelos quais me identifiquei imediatamente.
Hoje vejo que naquele momento descobri um ou-
tro mundo. Cheio de outras possibilidades. Um mundo que
conversa, que se relaciona e que respeita o mundo das antigas
possibilidades. Minha atenção se voltou para essas questões
do designer como narrador do vivido, o designer como um in-
4
144 145
divíduo que projeta a partir das suas percepções e vivências, pois “o ser huma-
no é movido pelos imaginários que engendra” (SILVA, 2006, p. 7).
Essas noções habitaram meu pensamento por muitas semanas e fui
pesquisando referenciais para melhor compreende-las. Ainda no mês de julho,
do dia 26 ao dia 29, tive a chance de participar, pela segunda vez, do Encuentro
Latinoamericano de Diseño - Diseño en Palermo. Lá, pude assistir a apresenta-
ção do designer mexicano Alejandro Magallanes sobre sua produção editorial.
Assim como outros amigos - incluso minha orientadora - fiquei fascinada com
a produção e a paixão com que Magallanes falava do próprio trabalho. Seus
trabalhos eram ideias simples, nada de grandes produções e recursos financei-
ros, mas únicas. E, apesar de não conhecer grande parte do seu trabalho, eu
via Magallanes naquelas peças, o imaginário que impulsionava sua produção.
Esses pensamentos foram aos poucos tomando forma em mim.
E algumas opções foram se re-apresentando em minha memória. Antes das
orientações começarem ainda lembrei dos livros Bartleby, o escrivão e Livro
das Perguntas, já citados na introdução, por serem livros que comprei por sua
forma e pela experiência que me proporcionavam. Possivelmente, escolheria
outro livro - talvez de meus autores preferidos no momento: Jorge Luis Bor-
ges, Roberto Bolaño ou Chico Buarque - não fossem seus projetos gráficos. E
por conta destes livros comecei a me interessar cada vez mais sobre questões
de autoria em design gráfico, especialmente no projeto gráfico dos livros - que
sempre foi a área que mais me encantou.
Para minha sorte, logo no primeiro encontro para orientação, mi-
nha orientadora indicou os livros As tecnologias do Imaginário, de Juremir
Machado da Silva e O conhecimento comum, de Michel Maffesoli, como apor-
te teórico para o trabalho.
Michel Maffesoli é um sociólogo francês, professor da Sorbonne.
Em seu livro O conhecimento comum: introdução à sociologia compreensi-
va, deixa alguns pressuspostos a respeito da pesquisa nas ciências humanas e
ressalta a importância de o pesquisador ter em mente que “não existe uma Re-
alidade única, mas maneiras diferentes de concebê-la” (MAFFESOLI, 2010,
p. 36). Assim, a sociologia compreensiva aceita a subjetividade, por crer que
o pesquisador é movido por suas próprias vivências e aceita “a presença do
imponderável, do acaso, do etéreo na cultura” (SILVA, 2003, p. 16).
Consonante à visão de Maffesoli sobre a pesquisa em ciências so-
ciais é a visão de Juremir Machado da Silva, professor da Pontifícia Universi-
dade Católica do Rio Grande do Sul e discípulo de Maffesoli, sobre o imaginá-
rio. Para Silva, o imaginário é o que move os indivíduos, é por ele que “o ser
constrói-se na cultura” (SILVA, 2006, p. 14) e “encontra reconhecimento no
outro e reconhece-se a si mesmo” (SILVA, 2006, p. 14).
Assim, essas noções me pareceram (e ainda parecem) um bom
modo de refletir sobre o ser designer, que, segundo Flusser é um ser que “de-
duz e maneja eternidades” (FLUSSER, 2007, p. 191), por possuir um “olho-
sentinela”, que “olha para o longe, em direção à eternidade” (FLUSSER,
2007, p.188).
Paralelamente à leitura sobre imaginário, dei início a busca por
fontes que tratassem da história do livro, da evolução do design editorial e de
autoria no design gráfico. Assim, foram encontrados muitos artigos, que me
levaram a outros muitos livros que tratavam destes assuntos. A história do
design é vista a partir de Meggs, que realiza um apanhado da história das ma-
nifestações gráficas desde a comunicação visual da pré-história. É importante
citar que Meggs acredita que “por mais que nos empenhemos em busca da ob-
jetividade, as limitações do conhecimento e das percepções pessoais acabam
por se impor” (MEGGS, 2009, p. 10), pensamento consonante aos pressupos-
tos da sociologia compreensiva. As reflexões a respeito da história do livro e
leitura são vistas através das lentes de André Belo, que realiza um apanhado
histórico sobre as formas do livro e suas mudanças sociais, Martyn Lions, que
faz uma leitura das mudanças na leitura, fruto de mudanças sociais ocorridas
no século XIX, Armando Petrucci e José Barboza Mello, com reflexões sobre
história da imprensa no Brasil.
146 147
A escolha de falar do livro enfatizando suas mudanças de configu-
ração como objeto durante a História deu-se pela minha necessidade de reali-
zar esse apanhado para melhor compreender as possibilidades de inovação no
design de livros. Além disso, a opção de dedicar parte do trabalho ao estudo da
leitura e do sujeito leitor foi tomada por perceber que as mudanças de configu-
ração dos objetos são impulsionadas por forças sociais e não apenas por forças
tecnológicas. Assim, construí um pequeno relato histórico destas principais
mudanças na relação dos indivíduos com seus livros, acreditando que o de-
signer gráfico pode se valer dessa interação entre objeto e leitor ao projetar. E,
para melhor compreender como as mudanças do livro se deram no Brasil são
utilizados os autores Rafael Cardoso e Chico Homem de Mello, pois resgatam
importantes personagens e fatos históricos que colaboraram para a evolução
das artes gráficas no Brasil.
Falando de autoria no design gráfico encontrei poucas referências,
comparando à quantidade encontrada sobre os outros temas. Durante essa
pesquisa, coincidentemente, encontrei um artigo de uma professora do meu
próprio instituto - Lúcia Weymar - que fala sobre relações de autoria e alteri-
dade no design gráfico contemporâneo.
Partindo da revisão teórica foram construídas as análises das peças
gráficas escolhidas - iniciando a parte prática deste trabalho - para posterior-
mente servirem de base para o projeto gráfico de uma coleção literária. Em-
bora o projeto gráfico construído nesse trabalho tenha seu foco voltado para a
capa (por questões de tempo), escolhi analisar duas coleções que trabalham o
miolo do livro para construir identidade e proporcionar uma nova experiência
ao leitor e outras duas coleções que focam as questões identitárias em suas
capas.
As coleções Moda Brasileira I, Particular, José Lins do Rego e Plenos
Pecados foram analisadas em seus aspectos formais (o que pode ser relaciona-
do com o conceito de formismo, proposto por Maffesoli, no qual a forma não
é apenas mais um atributo do objeto, mas também seu formante). E para es-
tabelecer relações de unidade da coleção foi utilizado o critério de informação
váriável e informação invariável, de Chico Homem de Mello (2006).
As análises realizadas serviram como ponto de partida para a ela-
boração do projeto gráfico da nova coleção por mim proposta. A princípio, a
coleção se daria por agrupamento de obras que eu me identificasse e possuís-
sem pontos em comum. Essa opção me parece viável, mas houveram alguns
acontecimentos no processo que fizeram com que eu mudasse a maneira de
reunir os livros. As escolhas das obras se deram de forma natural, da maneira
com que as possibilidades se mostravam, relacionadas com o momento que eu
estava vivendo. De um momento para o outro a coleção se apresentou pronta
à minha frente, trazendo livros de um dos meus autores preferidos - o escritor
Caio Fernando Abreu - e o que fiz foi aceitar essa sugestão apresentada, ape-
nas (re)configurando-a.
148 149
**
Sempre dediquei uma atenção especial aos livros e, desde que
comecei a estudar e conhecer as possibilidades do design grá-
fico, foi nesse objeto que depositei meu especial carinho. Este
trabalho aqui apresentado me fez pensar muito sobre o ser
(indivíduo) designer e rever alguns conceitos muito fechados,
que eu considerava imutáveis.
Este trabalho mudou muito desde a entrega do pro-
jeto de pesquisa, ainda no primeiro semestre do ano. Como
já mencionado, reconsiderei muitos dos meus pensamentos
e, para isso, foram necessárias muitas conversas e reflexões
acerca do objeto para que eu realmente desenvolvesse uma li-
nha de pensamento coerente com o que estava pensando no
momento.
Procurei, durante este trabalho, estabelecer rela-
ções entre o livro e o leitor, entre o livro e o designer e entre
o livro e sua própria estrutura. Falo de relações pois nada que
escrevi é eterno ou a única verdade. É o meu recorte, a partir
das minhas referências, do imaginário a que estou inserida, o
Considerações Finais*
150 151
meu “ponto de vista”, a minha “vista de um ponto” (SILVA, 2006), e assim,
este imaginário “é uma aura em constante mutação” (SILVA, 2006, p. 17).
Creio que as perguntas que estabeleci quando dei início a esta pes-
quisa foram abordadas ao longo dos capítulos. Analisei coleções e, a partir
delas, pude perceber os diferentes modos de criar identidades gráficas, apos-
tando na semelhança das grades estruturais ou, surpreendentemente, até na
total diferença.
É também distinto o modo com que o designer cria relações do pro-
jeto gráfico de um livro com a narrativa presente no mesmo, pois muitas vezes
a intenção é que a leitura se dê quase que inteiramente pelo texto (digo quase
já que sempre haverá algo externo as próprias palavras, considerando que até
as letras são códigos a serem interpretados) e em algumas outras propostas
não só o texto é valorizado, mas sua disposição na página, as imagens que o
ilustram, as texturas de papéis etc.
A noção de autoria no projeto de livro, da maneira como foi aborda-
da neste trabalho, me faz pensar que todo designer é um autor, pois ele sempre
levará em conta aquilo que o move ao projetar. Além disso, suas próprias refe-
rências e repertório aparecem em suas escolhas, direta ou indiretamente. Nes-
te ponto, mais especificamente, considero que ainda há muito o que estudar
e refletir - tanto por este ser um trabalho introdutório no assunto quanto pela
dificuldade em encontrar estudos que me serviriam de aporte teórico.
O projeto gráfico de coleção, resultante da pesquisa desenvolvida,
como já dito anteriormente, apresentou-se para mim. Digo que este se apre-
sentou pelo fato de eu não ter tido dificuldade alguma em estabelecer ou es-
colher entre um ou outro autor, entre uma ou outra obra literária. Acredito
que o trabalho apenas seguiu seu curso e que, de maneira indireta, eu estava
pensando nas opções a serem consideradas para este projeto, levando em con-
ta a trajetória desta pesquisa - para que o projeto prático não se encontrasse
distante de minha pesquisa teórica.
Finalmente, o sentimento é de que este é um trabalho aberto, que
pode ser retomado. Este processo, desenvolvido durante aproximadamente
quatro meses, não acaba neste trabalho. O que apresentou-se aqui é apenas
uma introdução ou uma pequena parte das considerações que tenho a fazer.
Minhas únicas certezas são as de que a cada dia me (re)encanto com as possi-
bilidades e de que este processo deve ser continuado.
152 153
154 155
Ainda bem que sempre existe
outro dia. E outros sonhos. E
outros risos. E outras coisas.Caio Fernando Abreu
*
156 157Referências bibliográficas
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CARDOSO, Rafael (org.). O design brasileiro antes do design. São Paulo: Cosacnaify, 2005.
158 159COSACNAIFY. Disponível em: http://www.cosacnaify.com.br. Acesso em: 04 dez. 2010.
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Composto nas tipografias Lido STF, Museo
Sans e Museo Slab. Impresso laser sobre
papel sulfite 75g/m. Capa em papel paraná
240g/m forrada com tecido 100% algodão.
Costurado com fio encerado.