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O jeito certo de ensinar a função afim Conheça o trabalho de Rosilene Fagundes, ganhadora do Prêmio Victor Civita - Educador Nota 10, que desafia a turma a analisar as relações de dependência entre duas variáveis e ajuda os estudantes a compreender a expressão = + (Beatriz Vichessi, de Pinhais, PR in Revista Nova Escola, Edição 242, Maio 2011) O conceito de função como é conhecido hoje surge em meados do século 18, elaborado pelo matemático alemão Johann Peter Dirichlet (1805-1859). No entanto, você já deve imaginar que não foi do dia para a noite que a ideia apareceu - muito menos as expressões clássicas que apresentam as possíveis relações entre duas grandezas (x e y, por exemplo). Foram anos e anos de estudos realizados por muita gente - como o suíço Leonhard Euler (1707-1783) - que levaram a esses resultados. Iniciar o ensino desse conteúdo apresentando definições e fórmulas para os estudantes, no entanto, não faz sentido. Como ocorre com outros temas, agir assim é como apresentar um filme de trás para frente. O melhor caminho é propor à moçada pensar nas relações que existem entre variáveis, buscar a regularidade entre elas e daí estabelecer a generalização para a situação. Foi exatamente esse cuidado que garantiu o Prêmio Victor Civita - Educador Nota 10 a Rosilene Fagundes, professora da 8ª série do CE Deputado Arnaldo Faivro Busato, em Pinhais, região metropolitana de Curitiba. Ela encaminhou os jovens a pesquisar o tema. O objetivo principal era encontrar casos que representassem a função afim completa (y = ax + b). "É interessante a forma com que ela organizou o trabalho. A sequência didática foi concebida para ensinar um conteúdo clássico da matemática, diferentemente do que ocorre com frequência, quando se planejam várias atividades práticas para depois decidir quais conteúdos podem ser trabalhados", explica Ruy César Pietropaolo, selecionador do prêmio. Uma situação que ilustra bem esse conteúdo é a relação entre o número de horas e o preço pago para parar o carro em um estacionamento que cobra um valor fixo pela primeira hora e outro pelas adicionais. Por exemplo: se um estabelecimento cobra 5 reais pela hora inicial e 3 reais por cada hora adicional, o preço final (y), em função do número de horas estacionado (x) será definido pela expressão y = 5 + 3(x -1), ou seja, os 5 reais pela inicial mais 3 reais pelas horas adicionais, descontada a primeira. Simplificando, a expressão se resume a y = 3x + 2. Veja o gráfico correspondente, levando em conta um veículo estacionado por 1 ou 2 horas: Diagnóstico e aprofundamento gradual Antes de começar o trabalho com o conteúdo, Rosilene fez uma sondagem para verificar se a garotada já dominava com autonomia atividades que envolviam equações de 1º grau, plano cartesiano e potenciação (conceitos importantes para lidar com a função afim). Ao observar que alguns alunos ainda precisavam compreender melhor certos aspectos, organizou um momento de recuperação paralela. "Apresentei várias questões, como ‘qual é o dobro de um número negativo menos 3 quando esse número é x?' e todos puderam refletir que para cada valor de x existia somente um resultado, ou seja, que há uma relação de dependência entre duas grandezas e que a relação cresce linearmente, conforme x aumenta", explica Rosilene.

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Page 1: O jeito certo de ensinar a função afim · PDF fileO jeito certo de ensinar a função afim Conheça o trabalho de Rosilene Fagundes, ganhadora do Prêmio Victor Civita - Educador

O jeito certo de ensinar a função afim

Conheça o trabalho de Rosilene Fagundes, ganhadora do Prêmio Victor Civita - Educador Nota 10, que desafia a turma

a analisar as relações de dependência entre duas variáveis e ajuda os estudantes a compreender a expressão

𝑦 = 𝑎𝑥 + 𝑏

(Beatriz Vichessi, de Pinhais, PR in Revista Nova Escola, Edição 242, Maio 2011)

O conceito de função como é conhecido hoje surge em meados do século 18, elaborado pelo matemático alemão

Johann Peter Dirichlet (1805-1859). No entanto, você já deve imaginar que não foi do dia para a noite que a ideia

apareceu - muito menos as expressões clássicas que apresentam as possíveis relações entre duas grandezas (x e y,

por exemplo). Foram anos e anos de estudos realizados por muita gente - como o suíço Leonhard Euler (1707-1783) -

que levaram a esses resultados. Iniciar o ensino desse conteúdo apresentando definições e fórmulas para os estudantes,

no entanto, não faz sentido. Como ocorre com outros temas, agir assim é como apresentar um filme de trás para frente.

O melhor caminho é propor à moçada pensar nas relações que existem entre variáveis, buscar a regularidade

entre elas e daí estabelecer a generalização para a situação. Foi exatamente esse cuidado que garantiu o Prêmio Victor

Civita - Educador Nota 10 a Rosilene Fagundes, professora da 8ª série do CE Deputado Arnaldo Faivro Busato, em

Pinhais, região metropolitana de Curitiba. Ela encaminhou os jovens a pesquisar o tema. O objetivo principal era

encontrar casos que representassem a função afim completa (y = ax + b). "É interessante a forma com que ela organizou

o trabalho. A sequência didática foi concebida para ensinar um conteúdo clássico da matemática, diferentemente do que

ocorre com frequência, quando se planejam várias atividades práticas para depois decidir quais conteúdos podem ser

trabalhados", explica Ruy César Pietropaolo, selecionador do prêmio.

Uma situação que ilustra bem esse conteúdo é a relação entre o número de horas e o preço pago para parar o

carro em um estacionamento que cobra um valor fixo pela primeira hora e outro pelas adicionais. Por exemplo: se um

estabelecimento cobra 5 reais pela hora inicial e 3 reais por cada hora adicional, o preço final (y), em função do número

de horas estacionado (x) será definido pela expressão y = 5 + 3(x -1), ou seja, os 5 reais pela inicial mais 3 reais pelas

horas adicionais, descontada a primeira. Simplificando, a expressão se resume a y = 3x + 2. Veja o gráfico

correspondente, levando em conta um veículo estacionado por 1 ou 2 horas:

Diagnóstico e aprofundamento gradual

Antes de começar o trabalho com o conteúdo, Rosilene fez uma sondagem para verificar se a garotada já

dominava com autonomia atividades que envolviam equações de 1º grau, plano cartesiano e potenciação (conceitos

importantes para lidar com a função afim).

Ao observar que alguns alunos ainda precisavam compreender melhor certos aspectos, organizou um momento

de recuperação paralela. "Apresentei várias questões, como ‘qual é o dobro de um número negativo menos 3 quando

esse número é x?' e todos puderam refletir que para cada valor de x existia somente um resultado, ou seja, que há uma

relação de dependência entre duas grandezas e que a relação cresce linearmente, conforme x aumenta", explica

Rosilene.

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Em seguida, pediu que a moçada sugerisse outras possibilidades, como ‘o triplo de um número menos 7', e,

levando isso em conta, construísse uma tabela que definisse a situação para cinco valores aleatórios e um gráfico com

esses dados também. Assim, o grupo teve a oportunidade de começar a observar como a função afim se comporta em

diferentes situações. Esse trabalho com o plano cartesiano, aliás, é unânime entre os especialistas como fundamental

para garantir a aprendizagem.

A representação gráfica não deve ser encarada como consequência da expressão algébrica. Se isso ocorre, os

estudantes podem acabar por desenvolver o que Carolyn Kieran, professora emérita da Universidade do Quebec, no

Canadá, define como mecanismo processual, ou seja, a turma assimila que o conceito de função é relacionado com a

atividade de computar o valor de x para uma fórmula determinada e só.

Para aprofundar o estudo, Rosilene apresentou uma situação-problema que reunia a função afim e o emprego

de π (constante que representa a divisão entre uma circunferência e o diâmetro correspondente, cujo valor aproximado

é 3,1415926). "Levei a turma para o pátio da escola e pedi que calculasse a metragem linear entre dois pontos marcados

no chão, tendo uma bicicleta com rodas de raio conhecido, calculadora e giz", conta Rosilene. Recordando a fórmula C

= 2πr (sendo C o comprimento da circunferência, e r, o raio), a moçada concluiu que, nesse caso, era possível definir a

distância em função do número de voltas dadas pelas rodas.

Perceba que, aqui, Rosilene apresentou aos estudantes uma relação que de fato é uma função. Um ponto

importante, já que em alguns momentos as ideias de relação e função se misturam. É preciso deixar claro para a garotada

que cada uma tem suas particularidades. Pode-se afirmar que toda função é uma relação. Porém nem toda relação é

uma função. No caso das funções, é possível determinar resultados a priori: o caráter de diagnóstico e de predição é

uma característica que marca essa ideia.

Para finalizar o trabalho, Rosilene propôs que os alunos pesquisassem no comércio do município relações que

configurassem funções afim. Essa atividade foi programada intencionalmente para ocorrer no término da sequência

didática, pois a educadora queria que a garotada visitasse os estabelecimentos quando já soubesse o que perguntar e

tivesse conhecimentos suficientes para até descartar o que não se encaixasse na proposta. Por exemplo, o preço

cobrado por um taxista pode parecer determinado por uma função afim, mas não é. "O preço da viagem varia em função

da quilometragem rodada (x) e tem como constante o preço inicial (b), a chamada bandeirada. Mas o cálculo é

influenciado também pelo tempo parado do automóvel e esse último valor faz com que a relação não seja linear", diz

Carla Milhossi, professora de Matemática na Escola Santi, em São Paulo.

Durante o levantamento de dados, os jovens entraram em contato com representações decimais, como 1,56 e

98,46. É pertinente também fazer a moçada lidar com atividades que envolvam números negativos para aprender a

trabalhar com todos os quadrantes do plano cartesiano e conhecer gráficos de aspectos variados. Como se comporta a

reta quando y é negativo e x é positivo? E vice-versa? Como se comporta quando ambas as variáveis são negativas?

A exploração das nomenclaturas domínio, contradomínio e imagem e do diagrama de flechas não se faz tão

necessária nessa etapa inicial de estudo das funções. Você pode nomeá-las e apresentá-las para a classe, mas não

precisa dedicar muito tempo a isso. São termos a serem trabalhados e usados com mais ênfase no Ensino Médio, de

acordo com Carla. O importante nesse momento é que os estudantes compreendam as características da função afim,

elaborem e analisem graficamente o conceito e percebam que a teoria também pode ser usada para muito além de

cálculos puramente matemáticos.

A garotada estuda como se dá a relação entre duas grandezas na função afim. A sequência didática envolveu

conceitos já conhecidos dos alunos, como equação de 1º grau, e encaminhou os alunos a construir gráficos no

computador

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A professora nota 10: Rosilene Fagundes

Professora do CE Deputado Arnaldo Faivro Busato, em Pinhais, PR.

Graduada em Desenho Industrial e em Matemática - Licenciatura

Plena pela Universidade do Oeste Paulista. Leciona há mais de 15

anos na mesma escola, da qual foi aluna.

1. Investigação

No pátio da escola, os jovens exploraram

como se relacionam a distância entre dois

pontos e o raio de uma bicicleta

2. Coleta de dados

Para a garotada conhecer como e onde a função afim

aparece no cotidiano, foi organizada uma pesquisa no

comércio local

3. Construção de gráficos

Ao transpor para o computador os dados coletados, a

turma analisou como as funções se comportam

graficamente

Dica do especialista

"É importante também explorar três casos particulares que são consequências de alterações da expressão

completa, y = ax + b (veja os gráficos abaixo), analisando como a ausência de um termo influencia as relações entre as

variáveis." Janice Pereira Lopes, professora da Universidade Federal de Goiás (UFG)

Identidade y = x. O gráfico divide o 1º

e o 3º quadrante em partes iguais.

Constante y = b. O gráfico é uma reta

paralela ao eixo x.

Linear y = ax. O gráfico é uma

reta que passa pela origem.

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Plano de Aula: Função afim na resolução de problemas

Objetivo(s)

- Expressar a dependência de uma variável em relação à outra.

- Construir e analisar graficamente as funções afins.

Conteúdo(s)

Função afim: conceito, lei de formação, gráfico e aplicações.

Ano(s)

6º, 7º, 8º e 9º

Tempo estimado

13 aulas.

Material necessário

Bicicleta, computadores com processador de gráficos, como Excel ou Graphmática, papel quadriculado e calculadora.

Desenvolvimento

1ª etapa

Apresente problemas que envolvam leitura e representação de gráficos no plano cartesiano, equações de 1º

grau e potenciação para sondar de quais conhecimentos a turma dispõe. É interessante pedir, por exemplo, que a

garotada colete dados a respeito de um tema, como o índice de poluição do estado em que moram no decorrer do ano

e representá-lo no sistema cartesiano. Também vale pedir que apresentem resultados para questões como "o dobro de

um número mais 14 é igual a 50. Qual é o número?" e desenvolver atividades sobre as propriedades das potências.

2ª etapa

Apresente problemas como "quanto obteremos se multiplicarmos um número por 5 e subtrairmos 12 se esse

número for 1, -2 e 1/3, por exemplo? E se for x? Atente para a importância de propor questões que representem funções

afim, (y = ax + b, sendo a diferente de zero). Questione os estudantes sobre como a escolha de um valor para x influencia

as respostas. Sistematize as ideias para apresentar o conceito de função afim.

3ª etapa

Solicite que os estudantes representem no plano cartesiano as situações trabalhadas na etapa anterior,

atribuindo valores para x. Socialize os resultados com o objetivo de encaminhar os alunos a definir o aspecto dos gráficos

e a lei de formação desse tipo de função.

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4ª etapa

Divida a turma em quintetos. No pátio da escola, os alunos têm de descobrir quanto mede a distância entre dois

pontos demarcados por você, usando uma bicicleta de raio conhecido e calculadora. Observe se os grupos recorrem à

fórmula C= 2πr (sendo C o comprimento da circunferência, e r, o raio). Eles devem registrar o percurso de cálculo e

defini-lo em uma frase, como "o comprimento de uma circunferência varia em função da medida de seu raio e a distância

entre os dois pontos é determinada segundo o número de voltas que a roda dá". De volta à sala, oriente-os a relacionar

o que descobriram com a função afim. É esperado que notem que no caso da bicicleta, a é 2π e b é nulo e, com isso

tem-se y = ax - uma função linear.

5ª etapa

Como tarefa de casa, peça que os grupos coletem dados em empresas de comércios da região para identificar

grandezas que variam uma em função da outra e verifiquem quais são afim.

6ª etapa

Em sala, os quintetos devem dispor os valores em tabelas, observar as regularidades e expressar a relação de

dependência entre as grandezas com expressões algébricas, se possível. Quais representam funções afim? Quais não?

Por quê? Para provocar a garotada, proponha outras questões que expressem outros tipos de função.

7ª etapa

No laboratório de informática, discuta como construir gráficos no computador. Solicite que façam com os dados

da pesquisa. Socialize os resultados e questione-os sobre quais são funções afim.

Avaliação

Apresente diversas funções e peça que os alunos digam se são afim sem construir os gráficos. Peça que

justifiquem a resposta. Depois, sugira montar os gráficos no computador para verificar se o que pensaram faz sentido.

Flexibilização

O trabalho em pequenos grupos pode ajudar o aluno cego nesta sequência. Enquanto um faz anotações, o aluno

realiza alguns cálculos e compartilha com o grupo. Ofereça antecipadamente os gráficos em relevo, com os números em

braile e combine atividades com o AEE para reforçar outros conhecimentos de Matemática - como as equações de 1º

grau. Se necessário, amplie o tempo de realização das etapas e proponha atividades para o aluno fazer em casa. No

trabalho com a bicicleta, peça para que os colegas façam marcações no chão com a medida do raio para facilitar os

cálculos para o aluno com deficiência visual. As tabelas devem ser feitas em braile e o trabalho na sala de informática

organizado em duplas. Nesse caso, o computador utilizado pelo aluno cego precisa de um teclado braile e um software

de audiodescrição, como o DOSVOX, por exemplo, que "lê" as informações para o usuário.

Deficiências : Visual