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Imagem João Paulo dos Santos Dias O MINISTÉRIO PÚBLICO E O ACESSO AO DIREITO E À JUSTIÇA: entre as competências legais e as práticas informais Tese de Doutoramento em Sociologia na área científica do Estado, do Direito e da Administração, orientada pelo Professor Doutor Boaventura de Sousa Santos, apresentada à Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. Agosto de 2012

O MINISTÉRIO PÚBLICO E O ACESSO AO DIREITO E À … · 3.1. Profissões, profissionalismo e pós‐profissionalismo: as velhas e as novas profissões.....75 3.2. O “declínio”

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Joo Paulo dos Santos Dias

O MINISTRIO PBLICO E O ACESSO AO DIREITO E JUSTIA: entre as

competncias legais e as prticas informais

Tese de Doutoramento em Sociologia na rea cientfica do Estado, do Direito e da Administrao, orientada pelo Professor Doutor Boaventura de Sousa Santos, apresentada Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra.

Agosto de 2012

JooPaulodosSantosDias

OMINISTRIOPBLICOEOACESSOAODIREITOEJUSTIA

ENTREASCOMPETNCIASLEGAISEASPRTICASINFORMAIS

TesedeDoutoramentoemSociologianareacientficadoEstado,do

DireitoedaAdministrao,apresentadaFaculdadedeEconomiada

UniversidadedeCoimbraparaobtenodograudeDoutor.

Orientador:ProfessorDoutorBoaventuradeSousaSantos

Coimbra,2012

OMINISTRIOPBLICOEOACESSOAODIREITOEJUSTIA

ENTREASCOMPETNCIASLEGAISEASPRTICASINFORMAIS

JooPaulodosSantosDias

Tese de Doutoramento em Sociologia, na

rea de especializao do Estado, do Direito e da Administrao, apresentada Faculdade

de Economia da Universidade de Coimbra.

Este trabalho teve o financiamento da

Fundao para a Cincia e a Tecnologia

(SFRH/BD/17851/2004).

Capa: Salvador Dali Pintura: A Justia Geolgica Ano: 1936 Coleo Andr-Franois Petit

ii

ndice AGRADECIMENTOS............................................................................................................................viiRESUMO..........................................................................................................................................ixABSTRACT........................................................................................................................................xi

INTRODUO.....................................................................................................................................1

NOTAMETODOLGICA......................................................................................................................11

CAPTULO1INDEPENDNCIAE/OUAUTONOMIADOPODERJUDICIALCondiesexternaseinternasparaasuaefetivao..................................................................211.Introduo................................................................................................................................212.O(s)tempo(s)dajustia:ummundoparteouumapartedarealidade............................243.Ajustianumaencruzilhadadetenses:opoderjudicialnoseiodospoderesdoEstado.......304.CondiesparaumexerccioindependentedasfunesdoPoderJudicial...........................355.Temposdereformanajustia:diferentesmeios,diferentescaminhos..............................416.Aindependnciainternanopoderjudicial:mecanismosdecontroloedeautorregulao..477.Aindependnciaexternadopoderjudicial:asrestriesditadaspelodiscursodaracionalizaodosrecursos.........................................................................................................538.Notasfinais...............................................................................................................................61

CAPTULO2ASPROFISSESJURDICASENTREACRISEEARENOVAOEstudosecaminhosparaaperceodastransformaes..........................................................651.Introduo................................................................................................................................652.Asprofissesnosestudossociojurdicos:brevecontextualizao..........................................693.Contextosdetransformaodasprofisses:causaseconsequnciasdasmudanassociais...73

3.1.Profisses,profissionalismoepsprofissionalismo:asvelhaseasnovasprofisses.....753.2.Odeclniodasprofisses:aperdadeautocontroloprofissional..................................763.3.Aglobalizaodosservioseasnovastecnologias:palcoprivilegiadode

transformaesnasprofisses.........................................................................................794.Astransformaesdasprofissesjurdicas:quetendncias?.................................................80

4.1.Asvelhaseasnovasprofissesjurdicas...................................................................814.2.Asprofissesjurdicas:mercadovs.serviopblico........................................................834.3.Osprocessosdedesjudicializaoeinformalizaodajustia:aaceleraodas

transformaesdasprofissesjurdicas..........................................................................844.4.Aespecializaoemultidisciplinaridade:aindustrializaoedespersonalizao

dosserviosjurdicos........................................................................................................894.5.Aorganizaoempresarialeadiversificaodosserviosjurdicos................................934.6.Aautonomiaeaorganizaoprofissional........................................................................984.7.ticajudicialeregulaoprofissional:duasfacesdamesmamoeda............................1014.8.A(re)configuraodaidentidadeprofissional................................................................104

5.Notasfinais.............................................................................................................................107

iv

CAPTULO3OESCRUTNIODASMAGISTRATURASOolhardosestudossociojurdicos............................................................................................1111.Introduo.............................................................................................................................1112.Oensinododireito:ateoria,aprticaeosprocessosdeharmonizao.............................1123.Aorganizaoprofissional:complexidadedepapis,multiplicidadedeolhares.................1154.Ogneroeasprofissesjurdicas:oucomoaleigereasdesigualdades..............................1215.Acaracterizaodasmagistraturas:daseleorelevnciasocial.....................................126

5.1.Orecrutamentoeformaodemagistrados:legitimaraprofisso..............................1275.2.Competnciasepapisdasmagistraturas:pelaefetividadedosdireitosdecidadania......1335.3.Ideologias,valoreserepresentaessociais:aconstruodeumaculturaprofissional......138

6.Estudosquantitativossobreasmagistraturas:quantificaracaracterizao....................1417.Notasfinais............................................................................................................................152

CAPTULO4ASORGANIZAESINTERNACIONAISEOSEUIMPACTONACONFORMAODOMINISTRIOPBLICO........1591.Introduo.............................................................................................................................1592.AOrganizaodasNaesUnidas.........................................................................................1623.AOrganizaoparaaCooperaoeDesenvolvimentoEconmico......................................1654.OConselhodaEuropa...........................................................................................................167

4.1.Asrecomendaessobreopapeldosjuzes..................................................................1674.2.AsrecomendaessobreopapeldoMinistrioPblico...............................................1694.3.DeclaraodeBordus:juzeseMinistrioPbliconumasociedadedemocrtica......174

5.AUnioEuropeia...................................................................................................................1776.AUnioInternacionaldeMagistrados,aAssociaoInternacionaldeProcuradoreseaAssociaoEuropeiadeMagistradosparaaDemocraciaeLiberdade.......................................1847.Notasfinais............................................................................................................................192

CAPTULO5ARQUITETURAJUDICIALELEGALEMPORTUGALCincomomentosdetransioparaademocracia....................................................................1951.Introduo.............................................................................................................................1952.AjustiaapsaRevoluode25deAbrilde1974:contextosciohistrico......................1963.Aconstruodeumanovaarquiteturajudiciria:momentoschave...................................200

3.1.19761984Oscortescomopassado:porumaefetivaindependnciajudicial..........2013.2.19851995Aconsolidaodajustia:oaumentodapressosocial..........................2033.3.19962004Acrisedajustia:ordemparareformar................................................2053.4.20052011Afrontar,reformareavaliar:dasintenesausteridadejudicial..........2093.5.20112012Asreformasjudiciaisalacarte:austeridadevs.cidadania......................2143.6.19742012Transio,mudanaecidadania:osinuosopercursodofazerjustia.....217

4.Notasfinais............................................................................................................................220

CAPTULO6OMINISTRIOPBLICOEMPORTUGALPercursojudicialparaumaafirmaosocial.............................................................................2231.Introduo.............................................................................................................................2232.EvoluohistricadoMinistrioPblico..............................................................................225

NDICE

v

2.1.ContextohistricodoMinistrioPblicoemPortugal...................................................2262.2.OsculoXXeosestatutosjudicirios............................................................................2282.3.DaRevoluode1974ConstituiodaRepblicade1976.........................................231

3.AArquiteturaLegaldoMinistrioPblico.............................................................................2323.1.OMinistrioPbliconaConstituiodaRepblicaPortuguesa.....................................2333.2.OEstatutodoMinistrioPblico:anatomiadeumaevoluo......................................235

3.2.1.LeiOrgnicadoMinistrioPblicode1978:aconsagraolegaldaautonomia...........................................................................................................236

3.2.2.LeiOrgnicadoMinistrioPblicode1986:amaturaodainstituio..........2403.2.3.EstatutodoMinistrioPblicode1998:tempodeprestaode

contaspblicas...................................................................................................2454.AsfuneseosrgosdoMinistrioPblico.......................................................................253

4.1.AsfunesdoMinistrioPblico...................................................................................2544.2.AorganizaodoMinistrioPblico..............................................................................260

4.2.1.OsrgosdoMinistrioPblico.........................................................................2614.2.2.OConselhoSuperiordoMinistrioPblico........................................................268

5.OacessocarreiraeaformaodosmagistradosdoMinistrioPblico............................2716.Notasfinais.............................................................................................................................275

CAPTULO7OMINISTRIOPBLICOEOPAPELDEINTERFACEEstratgiasprofissionaisnapromoodoacessoaodireitoejustia,...................................2791.Introduo..............................................................................................................................2792.Oacessoaodireitoejustia:aconsagraodeumDireitoHumano.................................2813.AintervenodoMinistrioPblicocomopromotordoacessoaodireitoejustia.........290

3.1.OMinistrioPbliconareadefamliaemenores:protegerasvulnerabilidades.......2923.2.OMinistrioPbliconarealaboral:equilibrarasdesigualdades................................2953.3.OMinistrioPbliconareapenal.................................................................................2993.4.OMinistrioPbliconareacveleadministrativa.......................................................3023.5.OlugareoespaodoMinistrioPblico:interfaceentreajustiaeasociedade........307

4.OMinistrioPblicoeoscidados:umrelacionamentodemltiplasfacetas...........................3104.1.Portadeentradanosistema:osserviosdoMinistrioPblico................................3144.2.Oatendimentoaopblico:aformaonadiversidadedeprticas(in)formais............3194.3.Ageografiadosdireitosdoscidados:aterritorializaodoMinistrioPblico..........3224.4.Aconfianadoscidados:credibilidade,competnciaeindependncia...................3254.5.OespaoeolugardeinterfacedoMinistrioPblico:brevecaracterizao............328

5.OMinistrioPbliconumaencruzilhadaprofissional:magistraturaecidadania.................3305.1.Avalorizaoprofissionaldopapeldeinterface:legitimaoprofissional....................3305.2.Ascompetnciascvicoprofissionais:formaonacomplexidade................................3345.3.Alegalizaodopapeldeinterface:definiodefronteirasinterprofissionais.........336

6.AcoordenaonoMinistrioPblico:afirmarumserviopblico.......................................3397.Notasfinais.............................................................................................................................342

CAPTULO8APERFORMANCEDAJUSTIAEMPORTUGALAatividadeprocessualdoMinistrioPblico............................................................................3471.Introduo..............................................................................................................................3472.Osdadosestatsticosdajustia:questessobreavalidaodainformao.......................349

vi

3.Osoramentosdajustia:aincgnitadosvalores...............................................................3534.Osrecursoshumanosnajustia:modeobraaoserviodocidado.................................3585.Omovimentoprocessualnostribunais:umcrescimentosustentadosemfimvista.........3646.OmovimentoprocessualdoMinistrioPblico:umdesempenhoprocuraderesultados...3737.Notaisfinais...........................................................................................................................380

CAPTULO9AOPINIODOMINISTRIOPBLICOA(ir)relevnciadopapeldeinterfacenaidentidadeprofissional............................................3851.Introduo.............................................................................................................................3852.Ouniversodosinquiridos:brevecaracterizaosocioprofissional......................................3873.Astrajetriassocioprofissionais:oalcanardeumamobilidadeascendente......................3894.Oacessodoscidadosaostribunais:obstculosaoexercciodosdireitos..............................3925.Osmecanismosderesoluoalternativadelitgiosnoacessoaostribunais...............................3996.Oserviodeatendimentoaopblico:funcionamentoedesempenho................................4017.Aspotencialidadesdoserviodeatendimento:cidadaniaeprofissionalismo.....................4158.Notasfinais............................................................................................................................425

CONCLUSESOucomoreduziracomplexidadeaopragmatismodasideias..............431

AINTERFACEDOMINISTRIOPBLICOContributosparaumapolticapblicadeacessoaodireitoejustia....................................445

REFERNCIASBIBLIOGRFICAS..........................................................................................................451

Agradecimentos

O trabalho que aqui se apresenta foi elaborado durante oito anos, no meio de

mltiplasmudanas,dasprofissionais spessoais,procurando, sempre, garantirum

planeamentointegradodastarefasnecessriasaocumprimentodasmetasiniciais,s

quaisse foramcolocandonaturalmentedificuldadeseobstculos,maisquenoseja

para acompanhar a complexidade da temtica selecionada. A sua superao exigiu

umaversatilidadeediversidadedeestratgiasemtodosdetrabalho.Masoexistir

deumresultadofinalsfoipossvelpeloapoio,colaboraoecompreensodemuitos

amigose colegasaquem,nestebreve texto,procurareidemonstraroquantoestou

agradecido. Certamente no terei espao nem engenho para o conseguir, mas

mantereiamesmaatitudequemelevouachegaraofim:nodesistireidetentar!

Emboraalgumasdasestratgiasadotadas tenham implicadoumacriatividadequeme

surpreendeu,aoarticularaproduoregularcomacolaboraoemdiferentesprojetos

econtextos,oestmulomais importanteadveio,semsombradedvidas,doambiente

que me rodeou e em que tive a sorte de estar inserido. E o ambiente pode ser

constitudopormuitacoisa,masnofundosoessencialmenterelaeshumanas.Es

pessoasquemedirijosabendodoriscoquecorroaopoderser injustoparamuitas.E

esquecermedeoutras.

instituio queme tem acolhidome dirijo em primeiro lugar.O Centro de Estudos

Sociais da Universidade de Coimbra tem certamentemuitos defeitos, como qualquer

instituio,masno ser fcilencontraroutraquemeproporcionasseascondies,os

desafiose as satisfaesquenosltimos16 anosoCESmeproporcionou. Eumadas

principaisrazesassentanopapelqueoorientadordestetrabalho,BoaventuradeSousa

Santos, temdesempenhadona lideranaeconstruodeuma instituiode referncia

mundial.Ainspiraoeosensinamentosquemetemtransmitidoemmuitocontriburam

paraquefosseconstruindoomeucaminho.grandeexignciadequalidadequesempre

viii

coloca em tudo o que toca agradeo profundamente. S espero ter conseguido

correspondersexpectativas.Nasalturasmaiscomplicadas,valeumeoquesempreme

disse:nosmomentosdedificuldadesquemaisdevemosarriscar

Aosmeuscolegaseamigos,queaolongodosanosforaminteragindocomestetrabalho,

desdeque foi lanadaaprimeirapedra,tenhodeagradeceroscontributosque foram

aportando,muitosdelesrecolhidosvoltademesasderestaurantes,emapresentaes

decomunicaesemcongressosou,simplesmente,emconversascasuais.Entremuitos,

nopossodeixardecarinhosamentemencionarosnomesdeAntnioCasimiroFerreira,

Conceio Gomes, Joo Pedroso, Maria Manuel Leito Marques, Paula Meneses,

CatarinaTrinco,PaulaFernando,MadalenaDuarte,FtimaSantos,MarinaHenriques,

BrunoSenaMartins,MarisaMatias,TatianaMouraouCarlosNolasco.

Aosmeus colegas de trabalho, quemuitome auxiliaram e tiveram a pacincia para

aguentarapressoeascontingnciasdequemvaitentandofazeromelhoremdistintas

plataformas,tenhodedirigirumapalavraespecialdeagradecimento,especialmente

Lassalete Paiva, por toda a amizade e apoio que infindavelmentemaior do que se

exigiria,eRitaPais,AndrCaiadoeHliaSantosporseguraremobarconaturbulenta

derradeira fase.EaoscolegasnaDireo,MargaridaCalafateRibeiro,SlviaFerreirae

VtorNeves,pelaimprescindibilidadedoseuamparonaretafinal.

OresultadofinalnoseriaomesmosenocontassecomaajudaprofissionaldoAlfredo

Campos,doPedroAbreuedoperspicazesempreatentoVictorFerreira.Aosmeuspais

e irmo devo o inestimvel suporte familiar, sempre to precioso quando se tm

batalhasparavencer.EMadalenaPeres,queacompanhoupessoaleprofissionalmente

onascereevoluirdesteprojeto,umapalavradeamizadeeestimapelacompreenso

dasimplicaesqueaabordagemdestetemapodiater.

Lastbutnotthe least,aomeuqueridoToms,fonte inspiradoraao longodetodoeste

processo,pelaforaquemedeuquandomaisdelaprecisava,eTeresaManecaLima

porcaminhartodoestepercursocomigo,compacinciaeumconstanteespritocrtico,

esuportartodososalvoroosqueinvoluntariamentefuitrazendoparaonossoespao

RESUMO

ix

Resumo

Aexpansoglobaldopoderjudicial,comoreferiramNealTateeTorbjornVallinder(1995),

foiomotequepermitiu iniciarumanovafasedeatenoereflexosobreopapelquea

justiacorporizadapelostribunaisedentrodestespelosjuzesemaisrecentementepelos

magistradosdoMinistrioPblicoocupanaredefiniodosequilbriosdospoderesdos

Estadosenarelevnciadasuaatuaoparaaconsolidaodossistemasdemocrticos.A

independnciadajustia,exercidapelosseusprofissionais,umprincpiofundamentalpara

garantir que, no complexo jogo de equilbrio entre os trs poderes estatais da velha

conceodeMontesquieu,osdireitosdecidadaniasocabalmenterespeitadoseosvalores

basilaresdeumsistemademocrticosoassegurados.Contudo,aaplicaoesustentao

desteprincpionodepende apenasdo poder judicial,dadoqueo seu desempenho se

encontra limitado pelosmeios e leis que os outros poderes do Estado colocam sua

disposio.EcomoavolumardascrisesfinanceiraseeconmicasdosEstadosocidentais,

entreosquaisosintegrantesdaUnioEuropeiacomoocasodePortugal,perspetivaseo

recrudescimentodetensesentreosdiversostitularesdosdiferentesrgosdesoberania.

Areflexosobreopapeleprotagonismodopoder judicialnosepodeconfinarmera

anlisedosmodelosexistentesoudoestudodaprofissoque,historicamente,maistem

sido focada pelo seu lugar fulcral no seu seio: os juzes.Neste contexto, oMinistrio

Pblicocadavezmaisumator incontornveldentrodossistemas judiciais.Apesardo

papelcrescentequedetm,emespecialnareapenal,oMinistrioPbliconoatingiu

aindaumestatutoconsensual,quersejanasfunes,quernascompetnciasquedetm.

O Ministrio Pblico, apesar do seu maior protagonismo, um ator judicial ainda

relativamentedesconhecidodoscidados,emparticularsemprequeassumefunesque

voalmdasuaaopenal,comoaconteceemmuitospasese,tambm,emPortugal.

O conjunto alargadode competnciasqueoMinistrioPblicoexerceemPortugal,

nas vrias reas jurdicas, transformamno num ator incontornvel na avaliao do

desempenhodosistemajudicialounaintroduodemelhoriasnoseufuncionamento.

Porconseguinte,aparcainformaoexistenteoriginouumanecessidadeemconhecer

melhoroseufuncionamentoeassuasprticasprofissionais,potenciandoacirculao

x

de ideiase soluesparaeventuais reformas judiciriasnomodeloque atualmente

vigoraemPortugal.A imprescindibilidadeemestudaroMinistrioPblicoportugus

radicanofactodeestedesempenharumpapelcrucial,maspoucorealado,noacesso

doscidadosaodireitoejustia,aopersonificarsenummecanismoquecongregao

exercciodecompetncias legaiscomprticas informaisdegrande relevnciaparaa

promooegarantiadosdireitosdecidadania.

Apluralidadedeformasdeacessodoscidadosaodireitoejustiaatravsdeentidades,

pblicaseprivadas,queatuamdentroe foradosistema judicialportugushojeuma

realidade.Aexistnciadeumaquase redede servios jurdicoscomplementares,em

regra desvalorizados ou ignorados, permite perspetivar uma conceo de acesso dos

cidadosaodireitoe justiaondeopapeldeumconjuntodiversificadodeentidades

pblicas e privadas pode ser bastante importante no reforo e aprofundamento do

sistemademocrtico.E,nestesistema,oMinistrioPblicodetmumpapeldeinterface

queest,deformaaparentementedispersa,situadonomeiodestarede.

Oobjetivoprincipaldestainvestigaopassa,assim,porcompreenderaidentidade,as

competncias legaiseasprticasprofissionaise informaisdoMinistrioPblicoem

Portugal comoumatordefensorepromotordeummelhoracessodos cidadosao

direitoe justianasvriasreas jurdicasonde intervmativamente.Procurarse

analisar como se desenvolve o exerccio dasmltiplas competncias doMinistrio

Pblico na relao com os cidados e no papel de interface que ocupa entre os

tribunais e as distintas entidades e profisses, pblicas e privadas, que atuam no

sistemadeacessodoscidadosaodireitoejustia.

Nosetratadeprocuraromodeloperfeitooudetentarefetuarqualquersntese

ideal,masantesdedestacarasprincipaiscaractersticasquepodemcontribuirpara

que oMinistrio Pblico em Portugal cumpra uma funo essencial na defesa da

legalidadeenapromoodoacessoaodireitoe justiadoscidados,contribuindo

paraamelhoriadoatualsistemademocrticoemtemposdegrandepressosobreos

direitoshistoricamenteconquistadoseconstrudos.

Palavraschave:AcessoaoDireitoeJustia,MinistrioPblico,Cidadania,Interface.

Abstract

Theglobalexpansionof judicialpower,asstatedbyNealTateandTorbjornVallinder

(1995),wasthemottothatallowedtostartanewperiodofattentionandreflectionon

the role that justice embodied by the courts, andwithin these judges, andmore

recentlyprosecutorsoccupiesintheredefinitionofthebalanceofstatepowersand

the relevance of its performance to the consolidation of democratic systems. The

independenceof justice,exercisedby itsprofessionals, isa fundamentalprinciple to

ensurethat, inthecomplexgameofbalancebetweenthethreestatepowersonthe

old conception ofMontesquieu, citizenship rights are fully respected and the basic

valuesofademocraticsystemareassured.However, implementationandsupportof

thisprincipledoesnotjustdependonthejudiciary,sinceitsperformanceislimitedby

lawsandresourcesthattheotherbranchesofgovernmentputatitsdisposal.Andwith

the swell of the financial and economic crises of the Western states, including

membersoftheEuropeanUnionsuchasPortugal,thereisaperspectiveofresurgence

oftensionsbetweentheholdersofthedifferentorgansofsovereignty.

Areflectionontheroleand leadershipofthe judiciarycannotbeconfinedtoamere

analysisofexistingmodelsandthestudyoftheprofessionthathistoricallyhasbeen

more focused by its central place within it the judges. In this context, public

prosecutors are increasingly an indispensable actor in the judiciary. Despite the

increasingrolethattheyhold,especially inthecriminalarea,publicprosecutorshave

notyetachievedaconsensualstatus,eitherbythefunctionsorskillstheyhold.Public

prosecutors,despite theirmajor role, remain a relativelyunknown judicial actor for

citizens, particularly whenever they assume roles that go beyond the criminal

prosecution,ashappensinmanycountries,beingPortugalonesuchcase.

ThebroadrangeofcompetencesthatpublicprosecutorshaveinPortugal,intheseveral

legalareas,transformstheirroleinacompellingactorwhileevaluatingtheperformance

ofthejudicialsystemorplanningany improvements.Consequently,theexistingscarce

information led to a need to better understand their performance and professional

practices,enhancing the flowof ideas and solutions in case themodel that currently

xii

prevailsinPortugalwillundergoanyjudicialreforms.Theindispensabilityinstudyingthe

Portuguesepublicprosecutorsisduetothefactthatitplaysacrucialrole,althoughnot

publiclyemphasized, in citizens' access to law and justice,embodied in amechanism

that integrates the exercise of legal competencies with informal practices of great

relevanceforthepromotionanddefenceofcitizenshiprights.

Thepluralityofmechanismsofcitizens'accesstolawandjusticethroughdifferententities,

publicandprivate,placed insideandoutside thePortuguese judicial system isa reality

today.Theexistenceofa quasicomplementarynetworkof legal services,devaluedor

ignored,allowsoneconceptionofcitizens'accessto lawand justicewheretheroleofa

diversesetofpublicandprivateentitiescanbequiteimportantinthestrengtheningand

deepening of the democratic system. And, in this system, public prosecutors have an

interfacerole,apparentlydispersed,thatissituatedinthecentreofthis"network".

The main objective of this research is thus to understand the identity, legal

competenciesandprofessionalandinformalpracticesofpublicprosecutorsinPortugal

asimportantactorsinthepromotionanddefenceofcitizensbetteraccesstolawand

justice intheareaswheretheyareactively involved.Theaim istoanalysehowthey

develop multiple competences in their functions in dealing with citizens, and the

interfaceroletheyplaybetweenthecourtsandthevariousprofessionsandentities,

publicandprivate,thatactonthesystemofaccessofcitizenstolawandjustice.

Theaimisnottoseektheperfectmodelorattemptanyidealsynthesis,butrather

tohighlightthemainfeaturesthatcancontributeforpublicprosecutorsinPortugalto

fulfilanessentialroleinthedefenceoflegalityandinpromotingcitizensaccesstolaw

and justice, contributing to the improvement of the current democratic system in

timesofgreatpressureontherightshistoricallywonandbuilt.

Keywords:AccesstoLawandJustice,PublicProsecutors,Citizenship,Interface.

Introduo

Temos uma tradio judiciria muito marcada por dois pilaresfundamentais: o positivismo jurdico na interpretao da lei e dodireito;eumcorporativismoinstitucional(nonosentidopejorativo)que leva a que o sistema se feche sobre si prprio e procure umdiscursodeautolegitimao.[]Nacentralidadedosistematemdeestarocidadoenoissoqueacontecenumsistematributriodeumavisopositivistaeautoritria,emquequemestnocentrootribunaleojuiz,eocidadosurgecomoalgumacoisaexternaquevistocomobeneficiria.Aindependnciadostribunais,quesagradanum EstadodeDireito, umdireitodos cidados eumdeverdostribunais(LaborinhoLcio,Pblico,29/01/2007).

Aexpansoglobaldopoderjudicial,comoreferiramTateeVallinder(1995),foiomote

quepermitiuiniciarumanovafasedeatenoereflexosobreopapelqueajustia

corporizada pelos tribunais e, dentro destes, pelos juzes, e agora tambm pelos

magistradosdoMinistrioPblicoocupanaredefiniodosequilbriosdospoderes

dos Estados e na relevncia da sua atuao para a consolidao dos sistemas

democrticos.JohnT.Ishiyama(2012)analisaasmltiplasdimensesconstitutivasde

um sistema democrtico, considerando que o desenho e conformao do poder

judicialextremamenteimportantenoequilbrionecessrionadistribuioterritorial

dospoderes,oucomorefere,

aescolhadas instituiesterritoriaise judiciaisumadecisocrucialparaodesenvolvimentodequalquersistemapoltico.Omodocomoospoderesexecutivoelegislativosofiscalizadostemuma importnciaconsidervelnodesenhoconstitucional.Ossistemas judiciaisso tidoscomoosmelhoresmecanismosdefiscalizaocontraosexcessospolticosdosoutrospoderesgovernamentais,aindaquepermaneaconsideravelmenteemabertoodebatesobreoquoindependentee/ouativopodeserumrgodegovernaocomumcorponoeleito(e,paraalgunscrticos,no responsabilizvel)naconformaodaspolticasedas legislaes.Outros,como vamos observando, argumentam que apenas com um empowered judicial que ademocraciapodeserpromovidaeconsolidada1(2012:217).

1Traduolivredoautor.

2

A independnciada justia,exercidapelos seusprofissionais, sejaqual foromodelode

integraonascarreiras,umprincpiofundamentalparagarantirque,nocomplexojogo

deequilbrioentreostrspoderesestataisdavelhaconceodeMontesquieu,osdireitos

de cidadania so cabalmente respeitados e os princpios basilares de um sistema

democrtico so assegurados. Contudo, a aplicao e sustentao deste princpio no

dependeapenasdopoderjudicial,dadoqueoseudesempenhoseencontralimitadopelos

meios e leis que os outros poderes do Estado colocam sua disposio. Esta uma

limitao histrica, da qual no se antev qualquermodelo alternativo que a permita

superar. E como avolumardas crises financeiras e econmicasdos Estadosocidentais,

entreosquaisosintegrantesdaUnioEuropeiacomoocasodePortugal,perspetivaseo

recrudescimentodetensesentreosdiversostitularesdosdiferentesrgosdesoberania.

Adesejadaestabilidadedopoderjudicialtornasemaisdifcildeatingir,aindamaisquando

ostribunaiseosseusprotagonistasdeixaramdeestar isoladosdequalquer interaoou

afastadodosperigosdos jogosde influncia,emparticularquandoa sua relevnciaera

historicamente reduzida por no interferir, em regra, com os interesses e poderes

instaladosnasociedadeenoEstado.Somentequandooseuraiodeaosealargouque

as tensesentreopoder judicialeospoderesexecutivoe legislativo assumiramnveis

preocupantes,comosprimeirossinaisaemergirnadcadade1980.Destemodo,opoder

judicialpassoudeumarelevnciasimblicaparaumaprepondernciaefetivanoescrutnio

dospoderespblicosedalegalidadedemocrtica.Eestamudanatrouxeumaturbulncia

einstabilidadeaofuncionamentodostribunais,obrigandoaumamudanadoparadigma

judicial para o qual os seus profissionais no estavam, nem parecem ainda estar,

preparados.Porconseguinte,contribuirparaareflexoglobalsobreastransformaesna

readajustia,apartirdopropsitodeapoiaraelaboraodepolticaspblicasdajustia

anvellocal,umaobrigaoparaqueminvestigaemsociologiadodireitoedajustia.

No contexto da reflexo sobre o papel e protagonismo do poder judicial, existe a

necessidadedeareflexoirmaisalmdaanlisedosmodelosexistentesoudoestudoda

profisso que, historicamente,mais tem sido focada pelo seu lugar fulcral no seio do

poder judicial:os juzes.Por conseguinte,oMinistrioPblico,nosdiasque correm,

igualmenteumatorincontornveldentrodossistemasjudiciais.Independentementedas

diferenasdemodelooudascompetnciasqueexerce,oMinistrioPblicotemvindoa

INTRODUO

3

ganharumprotagonismo crescenteno seiodopoder judicialdosmaisdiversospases.

Apesardocrescentepapelquedetm,emespecialnareapenal,oMinistrioPblicono

atingiuaindaumestatuto consensual,quer sejanas funesounas competnciasque

detm,aocontrriodoqueaolongodostemposseverificoucomosjuzesoumesmocom

osadvogados.OMinistrioPblico,apesardomaiorprotagonismoassumidonosltimos

anos,umator judicialaindarelativamentedesconhecidodamaioriadoscidados,em

particularsemprequeassumefunesquevoalmdasuaaopenal,comoacontece

emmuitospasese,tambm,emPortugal.

AindaqueatendnciainternacionalvnosentidodedotaroMinistrioPblicocomuma

maiorautonomiadeatuao,persistemmuitosmodelosondeadependnciahierrquica

oufuncionalperantegovernosumaprticacorrente,commaioroumenortransparncia

oupolmica.Noutros,aautonomiaeasgarantiasdeimparcialidadenoseudesempenho

conferemumamaiorcapacidadedeatuao,mastambmumamaiorresponsabilizao

interna,porviadaavaliaoefiscalizao,eexterna,decorrentedeumamaiorexposio

pblica.OMinistrio Pblico, como ator integrante do poder judicial, est igualmente

envolvidonosprocessosdeglobalizaodasreformas judiciais,quevoocorrendo,com

maioroumenorintensidade,poraodasinstnciasinternacionais,sejamelascompostas

porEstados,comoaOrganizaodasNaesUnidos,aUnioEuropeia,oConselhoda

Europa,oMERCOSUL,entreoutros,ouporassociaes,comoaUnio Internacionalde

Magistrados,aAssociaodeMagistradosEuropeusparaaDemocraciaeaLiberdadeoua

Associao InternacionaldeProcuradores.Os efeitosdosprocessosde globalizaona

rea da justia registam, contudo, uma discrepncia entre a rpida harmonizao de

legislao relativa, principalmente, s reas econmicas e comerciais e a difcil

consensualizaonoque respeitaaosmodelosdeorganizao judiciriaexistentesnos

distintos pases. Enquanto a primeira vertente poder constituir um efeito de uma

globalizaodealtaintensidade,provenientedasinstnciassupranacionais,comoasque

se acabaram de referir, a segunda revertese de caractersticas que configuram uma

globalizaodebaixaintensidade,resultantedaaodevriosatoresnacionais,aindaque

integradosemorganizaesinternacionais(Santos,1997;2001:90ss.).

OMinistrioPblicono tem sido alvode grandes atenesporpartedas instncias

internacionais,supraestataiseassociativasemtermosdeprocurarinfluenciaraadoo

4

deummodeloorgnicocomumporpartedosmaisdiversospases.Verificase,sim,a

aprovao, em diferentesmomentos, de princpios orientadores para o exerccio de

funes,principalmentedos juzes,mastambm,desdeofinaldadcadade1980,do

MinistrioPblico,comespecialdestaqueparaasquestes referentesautonomiae

imparcialidadedascompetnciasque lhesestoatribudasescondiesdeexerccio

daaopenal.Noentanto,empasescomoPortugal,oMinistrioPblicoexerceum

conjunto alargado de competncias nas vrias reas jurdicas que o tornam um ator

incontornvelquandoseavaliaaperformancedosistemajudicialeseprocuraintroduzir

melhorias no seu funcionamento,mesmo em tempo de limitaes financeiras para

implementarreformasjudiciais,que,pelasuanatureza,implicaminvestimentosparaos

quaisagoranoexistecoberturaestatal.

nestecontextoquesurgeapropostadeefetuarestetrabalhopragmticomasambicioso.

Isto,dasentidanecessidadeemavanarcomestudossociojurdicosparamelhorconhecer

o funcionamento doMinistrio Pblico e das suas prticas profissionais, potenciando a

circulao de ideias e solues para eventuais reformas judicirias no modelo que

atualmentevigoraemPortugal.Nosetratadeprocuraromodeloperfeitooudetentar

efetuar qualquer sntese ideal,mas antes de destacar as principais caractersticas que

podemcontribuirparaqueoMinistrioPblicoemPortugalcumpraumafunoessencial

nadefesadalegalidadeenapromoodoacessoaodireitoejustiadoscidados.

AopoporcentraropresenteestudonomodeloportugusdoMinistrioPblicodeve

seatrsrazesprincipais.Aprimeira,porquesentidaaausnciadeestudossobreeste

ator fundamental para a defesa e promoo do acesso dos cidados ao direito e

justia.De facto, ao contrrio do que se verifica para os juzes ou advogados, existe

muito pouca informao relativamente s caractersticas, funes e competncias do

MinistrioPblicoemPortugal.Constatase,assim,umadescoincidnciaentreamaior

visibilidade doMinistrio Pblico e o conhecimento sobre a sua prpria atividade.A

bibliografiatemsidomaioritariamenteproduzidapelosseusprofissionais,nombitodas

suasestruturasassociativas,comalgumasexceesrecentes.Estepanoramanodifere

muito do observado a nvel internacional, onde a bibliografia relativa aoMinistrio

Pbico aparece apenas de forma residual e limitada principalmente a duas reas: a

INTRODUO

5

discussodas competncias legaisnareapenale/oudomodelodeorganizaoea

evoluohistricadaprofisso.

Uma segunda razoprendesecomanecessidadede teremconsideraoocontexto

social e histrico do Ministrio Pblico em Portugal para se atingir uma melhor

compreensodoseu lugareespaonoseiodopoder judicial. Istonosignificaqueas

mudanas possam estar limitadas pela evoluo histrica,mas qualquer alterao s

poderserbemsucedidasecompreendereatuarnombitodocontextosciohistrico

emqueomodelodoMinistrioPblicoemergiue,posteriormente,foievoluindo.

Por fim, uma terceira razo, que se relaciona com a necessidade de aprofundar a

informao existente para estimular uma maior reflexo sobre o modelo e as

competnciasquesepretendemparaoMinistrioPblico,numcontextoondeseobserva

uma grande complexidade dos litgios e uma crescente conflitualidade social, que tem

exigidodopoderjudicialumamaiorintervenoecapacidadederesposta.Nestesentido,

oMinistrioPblicoadquiriuumaimportnciaacrescidaqueotranspeparaumpatamar

deexignciamuitosuperioraoqueestavahistoricamentehabituado.Assim,edadoque

este um processo que ocorre com distintas intensidades, tornase determinante

estruturarumconjuntodepropostasealternativaspararesponder,emtempodefortes

restriesfinanceiras,sfragilidadescrescentesdoscidados.

O objetivo principal desta investigao passa, assim, por compreender a identidade, as

competnciaseaprticaprofissionaldosmagistradosdoMinistrioPblicoemPortugal,

numcontextodegrandestransformaesnossistemasjudiciaisenasprpriasprofisses

jurdicas,comoator,defensorepromotordeummelhoracessodoscidadosaodireitoe

justianasvriasreasjurdicasondeintervmativamente.Procurarseanalisarcomose

desenvolveoexercciodasmltiplascompetnciasdoMinistrioPbliconarelaocomos

cidadosenopapelde interfacequeocupaentreostribunaiseasdistintasentidadese

profisses,pblicaseprivadas,queatuamnadefesadosdireitosdoscidados.

Apluralidadedeformasdeacessodoscidadosaodireitoejustiaatravsdeentidades,

pblicaseprivadas,queatuamdentroe foradosistema judicialportugushojeuma

realidade.Aexistnciadeumaquase redede servios jurdicoscomplementares,em

regra desvalorizados ou ignorados, permite estabelecer uma conceo de acesso dos

6

cidadosaodireitoe justiaondeopapeldeumconjuntodiversificadodeentidades

pblicas e privadas bastante importante no reforo e aprofundamento do sistema

democrticoe,emconcreto,noacesso informao jurdicaeresoluodeconflitos

atravsdosmeiosjudiciaisenojudiciais,pblicoseprivados,formaiseinformais.

OMinistrio Pblico exerce, neste mbito, um papel preponderante, ocupando uma

posiocentral,complementarouexclusivaconsoanteasua intervenonasdiferentes

reas jurdicas e omomento em que essa interveno ocorre junto do cidado que

procuraatutelajudicial.Oestudodestarealidadeimplicaareflexosobreaconstruoe

transformaodasuaidentidadeprofissional,emparticularnograudeconsciencializao

e importncia atribuda ao relacionamento com os cidados como estratgia de

(re)valorizaoprofissional.Porconseguinte,a investigao irorientarsepelaseguinte

questo de partida: Qual a identidade, o estatuto, as competncias, as prticas

profissionais(formaiseinformais)eopapelqueoMinistrioPblicodesempenha,epode

desempenhar,comoinstrumentopromotordoacessodoscidadosaodireitoejustiae

natransformao(democratizao)dosistemajudicial?

Ahiptesedetrabalhoquenortearestainvestigao,faceperguntaformulada,permite

afirmarque:OMinistrioPblico,facesua identidadeedesempenhoprofissionalqueo

caracterizaatualmente,funcionacomovaliosoinstrumentofacilitadordoacessoaodireito

e justia epromotordosdireitosdos cidados,assumindoumpapelde interfacenas

diversasreasdasuainterveno,facesatuaisdebilidadesqueosdiferentesinstrumentos

de acesso ao direito e justia apresentam e s recentes tendncias das reformas no

sistema judicial, sendo, no entanto, necessrio introduzirmelhorias nas competncias e

prticas profissionais (formais e informais) tendentes sua institucionalizao,

reconstruodasuaidentidadeprofissionaletransformaodarelevnciaenaturezada

suaparticipaoativanumsistemaintegradodeacessoaodireitoejustia.

Aapresentaodesta tese foiestruturadaemnovecaptulosqueprocuraramorganizar

todaainformaodeformacoerente,progressiva(dogeralparaoparticular)edinmica.

Apresentasedeseguida,resumidamente,aestruturadateserefletidanoscaptulosquea

compem.Noprimeirocaptulodiscutemseascondiessubjacentesexistnciadeuma

verdadeira independnciada justia,que irseranalisadade formaexterna,narelao

INTRODUO

7

com os outros poderes estatais, e interna, assinalando as condies organizacionais

existentes no interior do poder judicial que podem limitar ou potenciar uma justia

independente.Destemodo,etendoocasoportuguscomopanodefundo,procurarse

articularumconjuntode fatoresquepodem influenciaroexerccioda justiade forma

independente, algo fundamental para compreender, mais frente, as condies do

exercciodefunesdeumdosatoresprincipaisdopoder judicial,oMinistrioPblico,

queconstituiofocodestetrabalho.

No segundo captulo refletese sobre a relevncia dos estudos socioprofissionais nas

profisses jurdicas e, dentro destas, em particular, nos juzes e magistrados do

MinistrioPblico.Estaabordagempoderser importanteno sparaamelhoriado

conhecimento geral,mas tambm da necessidade que este tenha impacto visvel na

capacidadederespostadosistemajudicialsnecessidadeseexpectativasdoscidados.

Nelesoanalisadasastemticasquemaistmsobressadorelativamenteaopapeleao

desempenho das profisses jurdicas no seu todo como forma de perceber de que

modosastransformaesquenelasocorrem,emresultadodastransformaessociais

maisgerais,podemter impactoou influncianareconfiguraodossistemas judiciais,

queseencontram,umpoucoportodoolado,emgrandesprocessosdereforma.

Noterceirocaptulopartesedaideiadequeprecisoteremconsideraoquenadafere

maisosvaloresdecidadaniadoqueaincapacidadederespostadainstituiocomamisso

degarantiroexercciodosprpriosdireitosdecidadania:os tribunais.Porconseguinte,

questionarostribunaisquestionarigualmenteoexerccioprofissionaldosseusprincipais

atores: os juzes emagistrados doMinistrio Pblico. E dentro desta necessidade de

problematizar, surgiu o objetivo deste captulo, em que se analisam diversas temticas

atinentesemparticularsprincipaisprofissesjudiciais:juzesemagistradosdoMinistrio

Pblico.Efetuaroescrutniodasduasmagistraturaspassapor incluirdiversasdimenses

sobreasquestesdaformaojurdica,daorganizaoprofissionaledarespetivacarreira,

datica judicial,daregulaoprofissionaledafeminizaodasprofisses jurdicascomo

elementoscruciaisparaseperspetivarqualquermudana,internaouexterna.

No quarto captulo debatemse os efeitos da globalizao do direito e da justia em

Portugal,atravsdoestudodosdiferentes impactosqueenvolvemumamultiplicidade

8

deatoressupraestatais,estatais, intraestataisenoestatais,adquirindocaractersticas

ambguas e, por vezes, antagnicas. A ideia que se explora neste captulo que a

harmonizaodosprincpios fundamentaisedosmodelosdeorganizao judicialcom

impactoemPortugalocorrenumtempodiferentedaharmonizaodosordenamentos

jurdicos e judiciais. Para estudar o seu efeito sobre a estruturao do modelo de

MinistrioPblicoportugusimportaanalisarascartas,tratadosououtrosdocumentos

emanadosde instncias internacionaisque,derivandoda influnciadosprocessosde

globalizao, acabam por ter algum impacto na conformao do sistema judicial

portuguse,emparticular,nomodelodeorganizaodoMinistrioPblico.

NoquintocaptuloanalisaseaevoluodaarquiteturajudicialelegalemPortugalpara

determinar seoprocessode transiodemocrtica foi completamente terminadona

readajustiaouse,pelocontrrio,aindanosencontramosnumprocessodejustiaem

transio.Numa anlise crtica, traase o percurso histricojudicial atravs de cinco

momentos identificados,ondeseprocedeaoconfrontocomasperplexidades,perigos,

desafios e potencialidades para a consolidao de uma justia efetivamente

democrtica.Estecaptuloessencialparaabrircaminhoparaoseguinte,ondeseentra

definitivamentenaespecificidadedoMinistrioPblico.

OsextocaptuloincideparticularmentesobreacaracterizaoeevoluodoMinistrio

PblicoemPortugaldesdeademocratizaodosistema judicialportugusocorridano

ps25 de Abril de 1974, onde emergiu como ator preponderante do poder judicial,

tendo conseguido consolidarummodeloorganizacionaleum lequede competncias

que o catapultaram para um patamar de importncia at a indito. Procurouse,

assim, contribuir para uma contextualizao da arquitetura do Ministrio Pblico,

caracterizandoonoseupercursohistricoemtermosdecompetnciasefunesedo

papelqueatualmenteocupa,dadoquequalquermudanasdeverocorrertendoem

considerao a sua trajetria histrica, o equilbrio constitucional e jurdico com os

outrosatoresjudiciaiseafunosocialquedetm.

O stimocaptulo focaadiversidadedeatuaesdoMinistrioPblicoque levantam

diversas dvidas e questes e que so alvo de diferentes opinies, nem sempre

consensuais. Por conseguinte, o objetivo neste captulo abordar as formas de

INTRODUO

9

relacionamentoqueoscidadoseinstituiesestabelecemcomoMinistrioPblico,no

seu papel de interface nas diversas reas jurdicas, quer no mbito das suas

competnciaslegais,queratravsdasuaprticainformal,procurandoretirarasdevidas

ilaessobreasmudanasquepodersernecessrio introduzirparaquedesempenhe

umpapelpreponderantenapromoodoacessodoscidadosaodireitoejustia.

Ooitavocaptulocentrasenaelaboraodeumaradiografiadosistemajudicial,comum

enfoqueparticularnaatividadedesenvolvidapeloMinistrioPblico, incluindoaparca

informaodisponvelsobreaprestaodoserviodeatendimentoaopblico.Aanlise

temcomointuitoretirarumconjuntodeilaesquepossamcontribuirparaavaliarse,no

atualcontextoounoqueseperspetivacomasreformasprevistaspeloatualgoverno,o

MinistrioPblicopoderassumirumamaiorpreponderncianapromoodosdireitos

decidadania,nasequnciadeumamaiorprofissionalizaodoseupapeldeinterface.

No nono e ltimo captulo apresentamse e analisamse os resultados do inqurito

online aplicado aos magistrados do Ministrio Pblico sobre o funcionamento,

organizao, desempenho e possvel reconfigurao do papel de interface do

MinistrioPblico,particularmente centradono serviode atendimento aopblico,

queconstitui,emcomplementoaotrabalhoapresentadonoscaptulosanteriores,um

elemento preponderante para perspetivar um conjunto de reflexes e concluses

geraisqueajudemamelhorarofuncionamentoeodesempenhodoMinistrioPblico

em nome do interesse dos cidados. A aferio domodo como estes profissionais

avaliamoseupapeldeinterfaceextremamenteimportanteparaa(re)definiodas

suascompetnciaseparaaconstruodeumanovaidentidadeprofissional.

Apsosnovecaptulosdescritos,apresentamseasconclusesgeraisdestetrabalhoe,de

seguida,um conjuntode recomendaesqueprocuramestabelecermedidasde curto,

mdioe longoprazoquepossam animarodebatepblicoe integrarosprocessosde

reformas judiciais atualmente em curso. Procurar um impacto pblico dos resultados

obtidos , nos dias que correm, uma obrigao da cincia, seja em que rea for. Por

conseguinte,noserdescuradanemacomponentededisseminaojuntodediferentes

atorespolticosejudiciaisnemapublicaoemlivrodoresultadofinal,apsadiscussoa

efetuaremsedeprpriaparaestetipodetrabalho:oescrutniodojridedoutoramento.

10

Sempassaressecrivo,nadaseralcanvel.comaambiohumildedequemacataas

crticasconstrutivaseastransformaem instrumentodemelhoriasnostrabalhosfuturos

quesesubmeteestatesededoutoramento.

OMinistrioPblico, sejaemquepas for,umator fundamentalnapromooda

democracia e dos direitos dos cidados, que ganha uma particular relevncia num

momentodegrandeerosodasconquistasdecidadaniadamodernidade.Peranteum

crescente aumento das desigualdades sociais, em que os direitos so desafiados

constantemente, a existncia de um protagonista com as caractersticas que se

detetam nomodelo portugus um elemento potencialmente transformador para

aprofundamentoeconsolidaodosistemademocrticoportugus.

Notametodolgica

na sequncia do exposto na Introduo que se insere o estudo das prticas

profissionaisdoMinistrioPblico (formaise informais)comomecanismo facilitador

doacessodoscidadosaodireitoejustia.Etendoemconsideraoestaexigncia

de enquadramento global que se definiram, desde 2004, aquando do incio desta

aventura, trsgrandesestratgiasde investigao,quedeseguidasoapresentadas

deformadetalhada.

Aprimeiraestratgiadelineadadesdeoincioreferesearticulaoentreapresente

investigaoeasque foram sendodesenvolvidasnosltimos10anosnoCentrode

EstudosSociais (incluindoatravsdoObservatrioPermanenteda Justia),emreas

complementares,funcionando,naprtica,comoamontagemdeumpuzzlealargado.

Estaestratgia,quesaltouoparadigmaisolacionistaquevigoranaelaboraodeteses

dedoutoramento,demonstrou serumamaisvalia considervel aopermitir:1)uma

anlisemais complexaemultidimensionalao teracesso,participandoativamente,a

umconjuntoalargadodeinformaesederesultadosdeprojetosdeinvestigaoque

ampliaouniversodeestudoeofereceumavisoglobaldo sistema judicialonde se

integra oMinistrio Pblico; 2) um efeito de economia de escala, ao integrar os

objetivos da presente investigao nas metodologias de recolha e tratamento de

informaes de outros projetos de investigao, contribuindo para o acumular e

consolidarderesultados,quesoigualmenteteisnosdiversospatamaresdereflexo

temticos;3)testarainformaoquefoirecolhidaaolongodosanossobreopapeldo

Ministrio Pblico no acesso ao direito e justia, ao introduzir esta temtica em

distintosprojetosdeinvestigao,mesmoqueestessedesenvolvessemcomobjetivos

diferenciados; 4) ter um acessomais fcil e consistente aos atores judiciais, o que

facilitou a recolha de informaes e opinies, por vezes de cartermais informal,

sobre o objetivo desta dissertao; e 5) colaborar de forma intensa com diversos

12

investigadoresatrabalharnosdiversosprojetosde investigaocomqueesteestudo

seinterligoudeformaintegradaequeconstituiuumaexperinciaenriquecedora.

Aarticulaofoidesenvolvida,comosereferiu,comumconjuntodediferentesprojetos

deinvestigaoaolongodosltimosanos.Entreosquaishquerealarosseguintes:

Quem so os nossos magistrados? Caracterizao profissional dos juzes e

magistrados doMinistrio Pblico em Portugal coordenado por Antnio

CasimiroFerreiraecomaparticipaodeJooPauloDias,ConceioGomes,

MadalenaDuarte,PaulaFernandoeAlfredoCampos,com financiamentoda

FundaoparaaCinciaeaTecnologia (PTDC/CPJJUR/100390/2008),eque

decorre desde 2010 e at 2013. A articulao com este projeto foi

fundamentalparaafasefinaldainvestigao,aopermitirrecolherinformao

estatsticamaisrecentee integrara temticadopapeldoMinistrioPblico

no acesso dos cidados ao direito e justia, como um dosmdulos do

inquritoonlineaplicadoaosjuzesemagistradosdoMinistrioPblico.

Organizao judiciria e a evoluo do autogoverno de juzes e de

magistrados doMinistrio Pblico coordenado porBoaventura de Sousa

Santos e que contou com a participao de Joo Paulo Dias, Conceio

Gomes,PedroAbreueFtimaSantos,comfinanciamentodaFundaopara

a Cincia e a Tecnologia (POCTI/36480/SOC/2000), e que decorreu entre

2002e2004.Desteprojetoresultou,entreoutraspublicaes,adissertao

demestradoOMundo dosMagistrados. A evoluo da organizao e do

autogovernojudicirio,deJooPauloDias,publicadanasEdiesAlmedina.

AacodoMinistrioPbliconoacessodoscidadosaodireitoe justia

nos conflitosde famliaedo trabalho:umestudode casonosTribunaisde

CoimbracoordenadoporAntnioCasimiroFerreiraecomaparticipaode

JooPauloDias, JooPedroso,TeresaManecaLimaePatrciaBranco,com

financiamentodo Instituto Interdisciplinarde InvestigaodaUniversidade

deCoimbra,equedecorreuentre2005e2007.Esteprojeto,quepartilhoua

mesmabasedapresenteinvestigao,constituiuaprimeiraexperincia,com

naturezaexploratria,da temtica aqui aprofundada.Procurouse, apartir

NOTAMETODOLGICA

13

de estudos de caso, elencar as problemticas e testarmetodologias que

viriam a ajudar sobremaneira a atingir os objetivos delineados para a

elaboraodatesededoutoramento.

O acesso ao direito e justia: um direito fundamental em questo

coordenadoporJooPedrosoequecontoucomaparticipaodeJooPaulo

DiaseCatarinaTrinco,com financiamentodoMinistrioda Justia,eque

decorreu entre 2000 e 2002. A entrada na problemtica do acesso dos

cidadosaodireitoejustia,nasmltiplasdimensesecomplexidadesque

integra, permitiu ganhar conscincia da sua preponderncia, assim como

identificaratores,obstculos,solues,numaperspetivacomparadaanvel

internacional,e,porestavia,entrarnesteespaoderealizaodecidadania.

Foi igualmentecomesteprojetoqueaatenosobreaaodoMinistrio

Pblico foi despertada, na preparao do que viria a ser, mais tarde, a

propostadeprojetodeinvestigaoconducenteelaboraodestatese.

OMinistrioPblicoeoacessoaodireitoe justia:entreascompetncias

legaiseasprticasinformaisprojetodedoutoramentoqualfoiatribuda

inicialmente, pela Fundao para a Cincia e a Tecnologia, Bolsa de

Doutoramento (SFRH/BD/17851/2004), que decorreu entre novembro de

2004e junhode2006.Posteriormente,apartirdo inciode funes como

Gestor de Projetos (julho de 2006) no Centro de Estudos Sociais e,mais

recentemente, como DiretorExecutivo (desde janeiro de 2011), foi

necessrio cancelar a Bolsa deDoutoramento por incompatibilidade legal,

passandoainvestigaoaserefetuadaemregimedeparttime.

A segunda estratgia de investigao assente desde o incio deste processo consistiu

numa disseminao gradual do trabalho realizado. A disseminao repartiuse entre

publicaese apresentaesde comunicaesemeventos cientficos,por conviteou

por submisso de proposta, e em eventos profissionais, em particular ligados s

profissesjurdicas.Opropsitoassumidocomestaestratgiaconsistiunaexecuode

umaopodeexposiopblicadosresultadosereflexesqueforamsendoconstrudos

desde 2004, com o objetivo de os confrontar, debater e, por essa via, consolidar a

14

informaorecolhidasobreasdiversastemticasincludasnestatese.Porconseguinte,

nasatividadesdesenvolvidasforamadotadastrsnaturezasdistintas:1)apublicaode

artigos em revistas cientficas e profissionais e de captulos em livros, alguns em

colaborao comoutros investigadoresa trabalharem temas complementares,eque

foramtranspostosparaestatesetalcomoenunciadonoinciodecadacaptuloonde

isso se verifica (as verses nesta tese foram completamente revistas, atualizadas,

aumentadase integradasnosobjetivosgeraisdestetrabalho)apartirde2005foram

publicados15artigosemrevistas,captulosemlivro,relatriosdeinvestigaoe/ouatas

emcongressos;2)aapresentaodecomunicaesemeventoscientficos,porconvite

ouporsubmissodeproposta,paraapresentaoderesultadosparcelares,algumasem

colaboraocomoutros investigadorese integradasnosprojetosde investigaoatrs

elencadosdesde2005foramapresentadas21comunicaes,dasquais11emeventos

internacionais;3)eaapresentaodecomunicaesemeventosprofissionaisecursos

de formao/especializao, por convite, tal como as anteriores, por vezes em

colaborao com outros investigadores e em articulao com outros projetos de

investigao,eaorganizaodeworkshops(emcolaboraocomatoresjudiciais)sobre

temasrelacionadoscomesteprojetodeinvestigaodesde2005foramapresentadas

cinco comunicaesemeventosprofissionaisou cursosde formao (dasquais,duas

nosltimos congressosdoMinistrioPblico)eorganizadosdoisworkshopsdirigidos

principalmenteajuzesemagistradosoMinistrioPblico.

Esta estratgia de disseminao comportou riscos de divulgao precoce de

resultados, havendo disso perfeita conscincia e tendo sido tomadas medidas

preventivas,mas acabou por conduzir a grandes benefcios por ter permitido que

houvesse uma consolidao dos temas, dificuldades, opes e complexidades

envolvidas na ao do Ministrio Pblico, assumindose, novamente, como uma

estratgia colaborativa alargada, forados cnonesnormaisdos tpicosprocessosde

elaborao de teses, mas cuja avaliao final largamente positiva. Realce, em

particular, para as discusses pblicas em eventos profissionais, onde foi possvel

dialogar de formamuito construtiva com os prprios atores judiciais. A exposio

internacionalpermitiu,porseulado,adiscussodenaturezamaistericaeemtermos

NOTAMETODOLGICA

15

comparativoscomasexperinciasexistentesnoutrospases,oquereforoubastantea

componentedelevantamentobibliogrficonaelaboraodoscaptulosmaistericos.

Aterceiraeltimaestratgiadeinvestigaorefereseaoestudocomparadointernacional

comoutrosmodelosdeMinistrioPblicoexistentes,principalmente,noutrospasesda

Europa do Sul e da Amrica do Sul, atravs da coordenao, conjuntamente com o

investigadorbrasileiroRodrigoGhiringhelliAzevedo,deum livrocompostoporcaptulos

relativosanoveestudosdecaso(DiaseAzevedo,2008),dequatropasesdaEuropadoSul

(Portugal,Espanha,FranaeItlia),trsdaAmricadoSul(Brasil,ArgentinaeVenezuela)

eumdefrica(Moambique),paraoqualforamconvidadosinvestigadoresreconhecidos

destes pases. O propsito deste livro consistiu na compreenso das semelhanas e

diferenas existentes em pases do sul, de tradio latina. Esta preferncia deveuse,

igualmente,aumconjuntodetrsrazesimportantes:1)porque,apesardeserempases

comumpercursohistricocomum,resultantedas interaesgeradasapartirdapoca

dos Descobrimentos/Colonizao, cujas dependncias apenas terminaram com os

processos de independncia do sculo passado, osmodelos de organizao judiciria

apresentamdiferenas significativasque importava compreendere contextualizar;2) a

necessidadedeestudar,dentrodamesmatradiojurdica,assoluesencontradaspara

opapeladesempenharpeloMinistrioPblico,nas suas semelhanasediferenas,no

seiodopoderjudicial;3)eaimportnciadeprimeiroconhecer,commaiorprofundidade,

asdiferenasexistentesnosmodelosdeMinistrioPblicodepasescomcaractersticas

histricojurdicas comuns, em comparao com pases onde predominammodelos de

origemanglosaxnicaoumodeloshbridos.

Estas trs estratgias de investigao, transversais execuo desta dissertao,

constituram umamaisvalia fundamental para atingir os resultados consolidados que

agoraseapresentam.Naturalmente,estesapenasforampossveisdealcanartendopor

baseadefiniodeumplanode trabalhosque,apesardas limitaesdecorrentesdas

obrigaes profissionais, delineasse as vrias etapas metodolgicas necessrias para

cumprir o objetivo geral estipulado. A investigao foi organizada em sete etapas

metodolgicas que se apresentam de seguida. Estas etapas no seguiram uma

planificaotemporalrgidaesequencial,antesseforamcruzandoeinteragindoentresi,

de modo a serem permanentemente testadas e validadas. Contudo, permitiram

16

organizarecalendarizar,aolongodaduraodestetrabalho,asvriastarefasnecessrias

suaprossecuo.Oapontamentodasinformaesrecolhidas(umaespciedeDiriode

Bordo),muitasvezesde forma informal,ao longodasdiferentesetapas constituiuum

manancialvaliosopara ir construindoosdiferentes captulosaquiapresentados,assim

comoosdiversosartigosecaptulosemlivrosentretantopublicados.

Aprimeiraetapaconsistiunumapesquisabibliogrficaaprofundada,queremtermos

nacionais, quer internacionais, em diferentes reas cientficas, numa perspetiva

multidisciplinar,desdeasociologia,aantropologia,ascinciaspolticas,apsicologiaou

odireito,entreoutras,procurandorecolhertrabalhoscientficosrelacionadoscomas

diversas temticas abordadas, desde o acesso ao direito e justia, s profisses

jurdicasenojurdicaseorganizaesatpolticadejustiae/oudireitojudicirio.

Numa segunda etapa, a pesquisa incidiu sobre os documentos (legislao e debates

parlamentares, relatrios, convenes, cartas, entre outros) produzidos pelos

organismos oficiais, nacionais (Governo,Ministrio da Justia, ProcuradoriaGeral da

Repblica, Conselho Superior da Magistratura, Ordem dos Advogados, etc.) e

internacionais(OrganizaodasNaesUnidades,UnioEuropeia,ConselhodaEuropa,

Unio Internacional de Magistrados, Associao Europeia de Magistrados para a

Democracia e as Liberdades,Associao Internacional de Procuradores, etc.), e pelas

organizaes associativosindicais (Sindicato dosMagistrados doMinistrio Pblico e

AssociaoSindicaldosJuzesPortugueses).Efetuouseaanlisedasestatsticasjudiciais

(domovimentoprocessualdostribunaisedoMinistrioPblico,dosrecursoshumanos

edosrecursosfinanceiros),emtermosglobaisedecompostasporvriasdimenses,at

sechegaraonvelda intervenodoMinistrioPblico, foioutravertente importante

destaetapa,queimplicouatualizaessucessivas.

A terceiraetapa,desenvolvidaparalelamente comaanterior, consistiuna recolhae

anlisedosprogramaseleitoraisdospartidospolticosedosProgramasdeGoverno,

desde 1974, na rea da justia, identificando o aparecimento e a evoluo das

preocupaes referentes s temticas necessrias e aos seus protagonistas. Esta

anlisepermitiuaindaavaliaraevoluodaspolticasnombitodoacessoaodireitoe

NOTAMETODOLGICA

17

justia e a evoluo das competncias do Ministrio Pblico, bem como a

discrepnciaentreavelhadistinolawinbooks/lawinaction.

Aquartaetaparecaiunarealizaodeduasformasdeobservao:noparticipante

emeventosorganizadosporalgumasdasdiferentesentidades referidasna segunda

etapa (congressos, colquios ou aes de formao, entre outros), atravs de uma

presenanoativacomoobjetivodemera recolhade informaespertinentes;e

participanteatravsdecomunicaeseaesde formaoonde seapresentaram

resultados preliminares e outras informaes, que permitiram interagir com os

diferentes atores judiciais, possibilitando a identificao das preocupaes com o

acessoaodireitoe justiadoscidadosecomopapelquedesempenha,oupode

desempenhar,nestecampooMinistrioPblico.Nestaetapafoipossvelefetuarum

conjunto alargado de entrevistas exploratrias,muitas delas sem recurso a registo

sonoropor teremsurgidodas interaes frequentesque foramsendoestabelecidas,

emparticularcomosmagistradosdoMinistrioPblico.

Umaquintaetapaconsistiunolevantamentoeestudodosserviosdeatendimentodo

MinistrioPblico,primeiramenteefetuadonalgunsTribunaisdeFamliaeMenorese

deTrabalho,nombitodoprojetode investigao j referido,eposteriormentena

recolhadedadosestatsticosequalitativossobreesteservioprestadoaoscidados

em mltiplos outros tribunais e servios do Ministrio Pblico. Esta fase da

investigao permitiu recolher informaes que possibilitaram a identificao de

prticasquotidianasdosmagistradosdoMinistrioPblico,dadimensodo servio

prestado,datipologiadeatendimentosmaisfrequentesemcadareadeinterveno

e das aes desenvolvidas ao longo do atendimento ao cidado. Esta recolha foi

muitas vezes efetuada com base em conversas e discusses com magistrados do

MinistrioPblicoaexerceremfunesemdistintostribunaiseservios,emtodosos

eventos, reunies, cursosde formaoe/ouworkshops,bem comonos vrios focus

groups realizadosnodecursodosdiversosprojetosde investigao.De realarque,

paraalmdas25entrevistasfeitasespecificamentenodecursodestainvestigaosem

recursoagravao(semiestruturadasaplicadasamagistradosdoMinistrioPblico,

registadasemDiriodeBordo), foram analisadaspartesdeumenormenmerode

entrevistas efetuadas a diferentes atores judiciais e polticos, muitas delas

18

participandoativamente,concretizadasnombitodosprojetosde investigaoatrs

mencionados. Sem dvida que o efeito multiplicador, possibilitado por um efeito

domindecorrentedaintegraodestatemticanoutrosprojetosdeinvestigao,foi

essencialparaqueas fontesde informaodiretae indireta fossem toalargadase

complementares, permitindo integrar os dados recolhidos em contextos mais

abrangenteseprepararasquestesaintroduzirnaetapaseguinte.Esteprojeto,porsi

s, no poderia arrolar um leque to abrangente e diversificado de contributos de

atoresjudiciaisepolticos,peloqueemmuitobeneficioudesteefeitodeescala.

Asextaetapa foirealizadaemarticulaocomoprojetode investigaoQuemsoos

nossosmagistrados?,atravsdaaplicaodeum inquritoaos juzesemagistradosdo

MinistrioPblico.Nestesentido, foi introduzidoummduloespecfico,dirigidoapenas

aouniversodemagistradosdoMinistrioPblico,ondeseintroduziramquestessobre:a

perceo no desempenho das suas competncias legais; as diferenas de opinies e

prticasprofissionais,de acordo como sexo, a idade,o localde trabalho e asopes

polticas;arelaodoexerccioprofissionalcomosmecanismosderesoluoalternativa

de litgios;a consciencializaoexistente sobreopapel (formale informal)exercidono

acesso dos cidados ao direito e justia; e as principais perspetivas de valorizao

profissional a partir do desempenho da interao com os cidados. A aplicao deste

inquritodecorreuentrejunhoejulhode2012eobteveumataxaderespostasde15,8%,

sendo,portanto,estatisticamentevlidoparaefeitosderepresentatividade.

A stima e ltima etapa culminou na anlise de toda a informao recolhida, no

tratamentoestatsticodosdadosquantitativosatualizados,utilizandooprogramaSPSS

(comoapoiodeAlfredoCamposePedroAbreu),enaredaofinaldatese,que,como

sedescreveuatrs,foitendovriasfasesaolongodosanosdeduraodesteprojeto.

Aconsolidaoeorganizaoda informao, resultantedasdiferentesmetodologias

utilizadas,tornouseumatarefarduaporque:implicouaseleodeinformaoentre

ovolumeconsidervelrecolhido, tendo forosamenteoriginadoaexclusodedados

pertinentes; obrigou a uma sobreposio de nveis de anlise que tornavam os

objetivosde cada temtica abordadanumemaranhado complexodepossibilidades,

queeranecessrioreduziraumadimenso legvelecompreensvel;eacarretouuma

validao constante da informao, efetuada no s atravs de publicaes e

NOTAMETODOLGICA

19

apresentaespblicasregulares,mastambmpelaauscultao,porvezes informal,

demuitosprofissionaisdoMinistrioPblicoeinvestigadoresnosdiferentesprojetos

enunciadosparaconfirmaodoqueseiaescrevendoemdiversoscaptulos.

No correspondendo a uma estratgia de investigao frequente em teses de

doutoramento,asopestomadassustentaramsenaexperinciaacumuladadesde1996,

aoiniciarfunesnoObservatrioPermanentedaJustia,criadonessemesmoano,ondea

necessria confrontao e validao sucessiva de resultados preliminares foi uma

metodologiaimplementadacomgrandesucessodesdeoinciopeloseuDiretorCientfico,

BoaventuradeSousaSantos,que igualmenteoorientadorcientficodeste trabalho.As

estratgias de articulao com outros projetos de investigao e investigadores, de

disseminao progressiva dos resultados parcelares, em estreita colaborao com o

MinistrioPblico,earealizaoemparalelodeestudoscomparadosforamextremamente

importantesparaaconsolidaocrticadateseaquiapresentada.Esperasequeoresultado

finalnofiqueaqumdoqueselheexigido.

20

Captulo1

Independnciae/ouautonomiadopoderjudicial

Condiesexternaseinternasparaasuaefetivao2

1.Introduo

Amaiorvisibilidadesocialdostribunaiscatapultounasduasltimasdcadastodosos

seus atores internos para um novo patamar de importncia. Este protagonismo

mediticodajustiaumfenmenorecente,quesurgiunadcadade1980eganhou

uma maior intensidade no incio do presente sculo. Mesmo no sendo um

protagonismoprocurado,principalmentepelosmagistrados,a importnciacrescente

dos tribunais torna incontornvel a sua adaptao s novas exigncias e s novas

expectativasentretantoconstrudasnoimaginriodoscidados.

Aerosodos sistemasdemocrticosmodernos edoprestgiodos seusprotagonistas

tem,destemodo,vindoatransferironusdadefesadalegitimidadedemocrticapara

os tribunais, dado que estes baseiam a sua legitimidade na Constituio, segundo

premissas de imparcialidade e independncia, assegurada quer por mecanismos de

recrutamentoe formaobaseadosnomrito,quernodesempenhoprofissionaldos

seus protagonistas. O facto de os poderes executivo e legislativo privilegiarem

estratgiaseleitoralistasdecurtoprazo,emdetrimentodepolticascoerentesdemdio

e longoprazo,dadaadependnciaemrelaoaosresultadoseleitoraiseadificuldade

deconceptualizaodealternativasaosatuaismodelosdegovernao,temcontribudo,

entreoutrosmotivos,paraumacrescenteperdadecredibilidadedosatorespolticos.

Nopolooposto,aaparenteestabilidadedopoder judicial,baseadamaisemprincpios

2EstecaptulotemporbaseoquefoiinicialmentepublicadoemcoautoriacomJorgeAlmeida,em2010,sobottuloTheexternalandinternalconditionsfortheindependenceofthejudiciaryinPortugal,inLenyDeGrooteWannesRombouts(eds.),Separationofpowersintheoryandpractice:aninternationalperspective,Nijmegen:WolfLegalPublishers,225252,tendosidoagoraobjetodereviso,atualizao,ampliaoecontextualizao.

22

doque empessoas, concorrepara consolidar uma credibilidadepblica fundamental

parafuncionarcomopoderfiscalizadordosrestantespoderesestataise,assim,reforar

asuaprpriacredibilidadenoseiodossistemasdemocrticos.

No incio deste sculo, os cidados depositam nos tribunais as suas expectativas de

readquiriruma certaestabilidade social, laboraleeconmica,emparticularquando se

assiste,comoocasodePortugal,auma instabilidadecrescenteequasepermanente

devido grave crise financeira e econmica do Estado, com as suas imediatas

repercussesnosvriosdomniosdasociedade.3sintomticodostemposconturbados

queatualmentesevivemofactodeestasinstituiesantigas,quesempreforamdasque

maisseopuseram transformaosocial,4seremhojevistaspeloscidadoscomouma

daspoucasquesocapazesdeadotarumaatitudeprogressista,nosentidodecontrariaro

apetitevorazdaeconomiacapitalistaedegarantirosdireitosdecidadaniaconquistados

nosltimossculos,aindaquecontraatradioanteriordesempenhadapelostribunais

deento(Santosetal.,1996:19).Mas,poroutro lado,asimplesdefesadosdireitosde

cidadania incorpora elementos conservadores se no for efetuada segundo novos

princpiose,essencialmente,comumarenovadaatitudeperanteosnovospoderesquese

instalaramnaorganizaodassociedadesmodernas.5nessesentidoquehojeemdia,

perante presses constantes para avanar para uma justia aominuto, que apresente

resultados imediatos, se discute a importncia do chamado tempo da justia como

condiosinequanonparaseconseguirumajustiajustaeequilibrada,algoque,muitas

vezes,sadistnciatemporalpermitealcanar.

A independnciada justia,nestecontexto,umprincpiocadavezmais importante

paragarantiraefetivaodosdireitosdoscidados6eoequilbrioentreospoderesdo

Estado. Esta garantia depende, emmuito, da sua capacidade para desempenhar as3ParaanalisarascausaseconsequnciasdacrisefinanceiraeeconmicaemPortugal,ver,entreoutros,Estanque(2011)Santos(2011)eFerreira(2012).4CarlosMariaCrcovareferequeodireitotemsancionadoformasdedistribuiodesigualdebensedepoder,formasestasquecostumamaparecernaturalizadasnodiscursosocialhegemnico(1998:9).5 Os tribunais so, nos nossos dias, elementos essenciais para acompanhar e garantir o equilbrioresultantedareflexofeitaacercadacidadaniadosculoXXI.Nestesentido,verYegen(2008).6Oconceitodeindependnciaaquiutilizadonumsentido lato, isto,comoos fatores internoseexternosquecontribuem,porumlado,parainfluenciarasdecisesjudiciais(quersejaumasentenaouumadecisodeinvestigarouacusarumcrime,etc.)e,poroutro,paralimitarodesempenhodosistemajudicial em termos de recursos (humanos, financeiros ou materiais), evitando que se atinjam osresultadosesperados.Paraumadiscussomaisprofundadestaquesto,ver,entreoutros,BurbankeFriedman(2002),HelmkeeRosenbluth(2009)eGrootvanLeeuweneRombouts(2010).

INDEPENDNCIAE/OUAUTONOMIADOPODERJUDICIALCondiesexternaseinternasparaasuaefetivao

23

funes que legalmente lhe esto cometidas.Mas no se pode esquecer que esta

capacidadedependebastantedosmeiospostossuadisposiopelopoderexecutivo

edas leis,aprovadaspelopoder legislativo,queostribunaispodemedevemaplicar.

Assim,a independnciada justianodependeapenasdopoder judicial, in se,mas

tambm,eemlargamedida,dosoutrospoderesdoEstado.Peloquesepodeantever

dasevoluesrecentesverificadasna(re)organizaodospoderesestataismodernos,

estaumalimitaoquesemanterintocvel.

Opropsitodestecaptulo,ento,procurardiscutirascondiessubjacentesexistncia

deuma verdadeira independnciada justia.Esta independnciapode seranalisadade

forma externa, na relao com os outros poderes estatais, e interna, ao considerar as

condiesorganizacionaisexistentesno interiordopoder judicialquepodem limitarou

potenciarumajustiaindependente.Destemodo,etendoocasoportuguscomopanode

fundo,procurarsearticularumconjuntodefatoresquepodeminfluenciaroexerccioda

justia de forma independente. Esta anlise fundamental para compreender,mais

frente,ascondiesdoexercciodefunesdeumdosatoresprincipaisdopoderjudicial,

oMinistrioPblico,queconstituiofocodestetrabalho.

A independnciada justia, comogeralmenteaceite,dependeemgrandemedida

dascondiesemqueexercida,combasenaaceitaodo(s)tempo(s)dajustia,nos

recursos disponveis, como prcondio para a sua legitimidade. Partese assim da

ideia de que, apesar da constante afirmao pblica e da sua consagrao legal,

existem fortes limitaes fsicas, materiais, humanas, financeiras, corporativas e

legislativasque influenciamascondiesnecessrias independnciada justia.Por

isso, e tendo em conta alguns dos mais recentes contributos cientficos, iro

analisarse luzdastransformaesrecenteseturbulentasqueosistemajudicial

portugustemvindoasofrer,bemcomodaspolmicasqueasrodeiamascondies

tericaseprticasnecessriasparasealcanarumajustiaindependente,enquanto

pilar bsico dos sistemas democrticos, elemento estrutural na afirmao de uma

sociedadequegaranteverdadeiramenteosdireitosdecidadania.

24

2.O(s)tempo(s)dajustia:ummundoparteouumaparteda

realidade

Otempodajustianoumtempoconsensualnemumtempoautnomo.Otempo

dajustianoconstantenemestvel.Otempodajustiadependedadiversidadede

tempos internos, protagonizados pelos vrios atores envolvidos, bem como dos

restantes tempos sociais. Contudo, o tempo jurdico aspira intemporalidade e

estabilidade,assimcomoregulaoeharmoniasocial,oqueimplicaumaautonomia

nasuacriaoeaplicao.nessesentidoqueCommailesereferevisodotempo

porpartedojuristacomosendoparadoxal(1998:321).Porumlado,anecessidadede

que o tempo da justia acompanhe a mudana social. Por outro, a ambio de

inscrevera lei jurdicanotempo longodahistriaenonotempocurtodaspaixes

humanasedassuascegueirasperanteoimediato7(Commaille,1998:321).

Otempodajustia,seguindoestalinhadereflexo,caracterizaseporumapluralidade

de sentidos, que dependem do contexto da sua aplicabilidade. Existe o tempo do

legislador jurdico que procura responder s contingncias damudana social,mas

buscando igualmente uma soluo que persista no tempo e garanta alguma

estabilidade. Impese assim que o legislador seja suficientemente abstrato, para

contemplar asmudanas sociais futuras, eminimamente concreto, para definir as

situaesecasosemquealegislaoseaplica.Avertenteintemporaldasleisprocura

conferir uma determinada identidade e estatuto ao legislado, enquanto a vertente

mais imediata procura responder s solicitaes da sociedade. Estas diferenas so

visveis,porexemplo,quandonosreferimosaodireitoconstitucional,comoreferncia

intemporal,ouaodireitosocial,sujeitoevoluodasociedade.Asdiferentesreas

do direito indiciam, na ideia dos juristas, igualmente uma distino entre

temporalidades, fruto da hierarquizao a que procedem. Assim, o direito social ,

tradicionalmente,menosnobredoqueodireitocivil,porqueoprimeiroimpeuma

submisso s temporalidades da contingncia, enquanto o segundo se rege por

princpiosmaisintemporais,logosuperiores(Commaille,1998:321322).

7Traduolivredoautor.

INDEPENDNCIAE/OUAUTONOMIADOPODERJUDICIALCondiesexternaseinternasparaasuaefetivao

25

O tempoda justia tambmumadimenso importantequando se falade segurana

jurdica,ouseja,otemponecessrioparaquehajaumaconstruodeumaculturajurdica,

necessariamenteadaptadasociedadequeprocuraregulareconsolidaodoprprio

direito,nomeadamentenosseusprincpios(Commaille,1998:320).Otempodasegurana

jurdica,destemodo,umtempolongo,caractersticaessencialparaaafirmaodeuma

cultura jurdica que no seja influenciada por fatoresmeramente conjunturais.Mas o

desfasamento entre os princpios do direito e as necessidades da sociedade podem

provocar instabilidades,casoas leisnosejamsuficientementeflexveisouadaptveiss

novas circunstncias.Neste caso,exignciasde curtoprazopodemobrigar a alteraes

legislativasparaqueosprpriosprincpiosgeraisnosejam,emltimocaso,postosem

causaesepossa,destemodo,alargarombitodeatuaododireito.

Otempodaadministraoda justiaoutrodostemposda justiaque inclui,emsi

mesmo,algumascontradies.Namaioriadasvezes,este tempoconotadocomo

problemadamorosidade,nassuasdiversascaractersticas.ComoalertamSantosetal.,

todosestaremosde acordoque aduraoexcessivadeumprocesso judicialprovoca,entreoutrasconsequncias ...odesincentivodo recursoao tribunal.Por issoaabordagemdestaquestonopodedeixardeconsideraraceleridadeprocessualcomoumavertenteimportantedodireitofundamentaldoacessojustia.Mas,poroutrolado,aeficinciaeaceleridadedostribunaisnopodempremcausaaseguranaeaprotecodosdireitosdoscidados(Santosetal.,1996:387388).

queestasltimas,aseguranaeaproteodosdireitosdoscidados,configuram

umdireitoconstitucional.Anoodetempodependeassimdosinteressesemjogoe

dosprocessosemcausa.

Senodiscurso ... todosestodeacordocomosmalefciosda lentidoprocessual,quandoanalisamososdiferentes interessesdosoperadores verificamosqueeles so conflituantesepodem ser satisfeitos, quer com amaior, quer com amenor rapidez da resoluo do caso(Santosetal.,1996:388).

Jacques Commaille refere que a prtica judicial feita de uma confrontao de

temporalidadesoudetemposestratgicos,bemilustradapelaaodosmagistrados

que,peranteumaexignciadeinstantaneidade,acabamporvalorizarumritmo lento

como atributo inerente ao prprio desempenho da sua funo at cultivar um

sentidodeintemporalidadeedeelogioaosmritosdostatuquo,osnicoscapazesde

26

assegurar o respeito em relao Justia8 (Commaille, 1998: 320). Marc Bessin

reforaestaposio,afirmandoque

oexerccioda funode justia inscrevesenumapolaridade temporal fundamental,entreotempolongododireitoeotemposegundoascontingnciasdasuainterpretao,quepermiteumamelhorcompreensodaprestaodosmagistradosao longodos tempos.Apluralidadedos atores desenvolve estratgias contraditrias que se justapem num mesmo dossierestabelecendoumaligaoestreitaentretempoepoder(Bessin,1998:332).

Estatensoentretempolongoetempocurtoouimediatoumaconstantedaprtica

judicial,contribuindo,sobremaneira,paraqueseverifiqueumdeterminadoequilbrio

entreosvriospolosemconfronto,emborahistoricamenteseverifiquemoscilaes.A

tenso,emsi, insupervel,masasopesdecurtoprazopara resolverproblemas

acumuladospodemimplicaraoscilao,mesmotemporria,paraumdostempos.

Opolodo tempo longoaqueaspiraomundo judicirioopeseauma temporalidademaiscurta e frgil, ligada ao ou deciso, por vezes pressionada pela urgncia e sujeita areversibilidades.otempodarealidadesocialedassuascontingncias,apartirdasquaissedeve interpretar o direito.A prtica judicial no faz sentido a no ser dentro deste quadrotemporal, afastandose de facto deste tempo estvel da lei ... nas suas reversibilidades eincertezas(Bessin,1998:333).

Estesdoispolosou ladosopostosdamesmamoeda tm sidoanalisados teoricamente,

procurando alguns autores adotar uma perspetiva de reciprocidade entre os sistemas

simblicos e as prticasmateriais (Ribeiro, 1999: 698699), ou, como refere Anthony

Giddens (1984), estes dois aspetos so dualisticamente estruturados. Este conceito

permite efetuar uma reflexo sobre a estratgia dos atores envolvidos na adoo das

diferentes temporalidadesquemaisseadequamsuaestratgiaprofissional,porvezes

imbuda de um esprito reproducionista da ordem institucional como forma de

manutenodostatuquoedeprestgiosocial.nessesentidoqueGiddensanalisaum

debate judicial, em que os atores judiciais fazem uso do seu conhecimento da ordem

institucionalondeseinseremcomoformadeconferirumdeterminadosignificadossuas

posies, sendo que, ao invocarem a ordem institucional ..., contribuem para a

reproduzir (Giddens, 1984: 331). Carlos Ribeiro, na utilizao da teoria deGiddens na

reflexosobreosignificadodaatividadejudicial,consideraque,quandoosatoresjudiciais,

portadoresde informaoeconhecimentoprivilegiado,procurampremacoassuas8Traduolivredoautor.Omesmosucederelativamentesrestantescitaesnestapgina.

INDEPENDNCIAE/OUAUTONOMIADOPODERJUDICIALCondiesexternaseinternasparaasuaefetivao

27

capacidadesconstitudaspelasestruturasnosparareproduzir,mastambmparacriare

inovar,possveltransformarasprpriasestruturasque lhesderamcapacidadespara

agir (Ribeiro, 1999: 699). Pierre Bourdieu (1986), na sua anlise do campo jurdico,9

entendequeacompreensodasprticasjudiciaisfundamentalparaestudarasdiferentes

estratgias profissionais em conflito, que irremediavelmente acarretam uma noo de

tempodistinta,senomesmoantagnica.CarlosRibeiroafirmaque,emboradiferentesna

abordagemenosconceitosutilizados,GiddenseBourdieupartilhamalgumassemelhanas,

nomeadamentenos conceitosde ator informadoe habitus,bem comona visode

estrutura,entendidaporamboscomsendodual10(Ribeiro,1999:701).

O tempoda justiadepende igualmentedos vriosordenamentos jurdicosanalisados,

variando consoante a cultura jurdica em que se inserem.Neste sentido, podemonos

referirnoapenasaodireitooficial,mastambmaodireitopopular,11comunitrioou

alternativo, retomando o conceito de pluralismo jurdico.12,13 Segundo este conceito,

podem coexistir no mesmo espao geogrfico e temporal diferentes ordenamentos

jurdicos,sejameleshierarquicamentesubordinadosouestandonumplanodeigualdade

ouhorizontalidade.BoaventuradeSousaSantos(1998:24) introduz,mesmo,oconceito

depluralidadedeordenamentos jurdicoscomo formadedemonstrarque, tambmao

nvel supranacional, existem formas jurdicas que se sobrepem ao direito estatal,

procurando assim superar algumas limitaes que o conceito de pluralismo jurdico

comeouasentir,como,porexemplo,ocasoda legislaonomundodefutebol,como

refereNolasco(1999:126).Emconsequncia,asconceesdetempopodemassumir,no

mesmoespaoeperodotemporal,perspetivasdiametralmenteopostasou,pelomenos,

descoincidentes.GiovaniSartori(1995)afirmaqueopluralismonoresidenopluralmas,

sim, na forma de relacionamento que os elementos que dessa pluralidade assumem,

9Pornoodecampojurdico,PierreBourdieuentendeumuniversosocialautnomo,capazportantodeproduzirede reproduzir,pela lgicado seu funcionamentoespecfico,umcorpo jurdico relativamenteindependentedosconstrangimentosexternos(Bourdieu,1986apudDevill,1993:62).10Atravsdeconceitoscomoregraserecursosoupredisposiesmentaisemundosdosobjetos.11Tambmdesignadoporfolklaw(Woodman,1993).12Sobreopluralismojurdico,ver,entreoutros:Griffiths(1986),Merry(1988),Wolkmer(1994),Santos(1995,2002a)eNelken(2004).13Outrosautoresutilizamaindaoutros conceitos,embora,por vezes,possuamoutras caractersticasquenoaquelasaquenosreferimosquandoutilizamosoconceitodepluralismojurdico,masquesoigualmente importantes para compreender esta problemtica das temporalidades jurdicas.Ver, porexemplo, Le Roy (1998) sobre omultilegalismo, Santos (1988) sobre a interlegalidade ou Eberhard(2001)sobreainterculturalidadejurdica.

28

nomeadamentenadiferena,namudana,mastambmnasemelhanae imutabilidade

comqueadiversidadeacontece.Assim,seporpluralismoentendemosaexistnciade

maisdeumarealidade,entoporpluralismojurdicoentendemosaexistnciademaisdo

que uma realidade jurdica (Nolasco, 1999: 123). Logo, pressupomos a existncia de

diferentesconceestemporaisnaavaliaodasmesmasrealidades,quernombitodos

tempossociais,quernosvriostemposdajustiaquepossvelidentificar.14

Existemvrias formasdeperiodizaoeaproximao,querdostempossociais,quer

dos tempos jurdicos (Ost, 1993, 2001;Ost eHoecke, 1998; Kerchove et al., 2000).

Umadasabordagensmaiscomplexasimplica,segundoOst(1993:609),acombinao

dasanlisespropostasporDworkin (1977)distinguindo,porum lado,entresistemas

prjurdicos comportando apenas regras primrias e, por outro, sistemas jurdicos

incorporando,aomesmotempo,regrasprimriasesecundrias,quepodemajudara

sustentarqueexistnciadediversosnveisdecomplexidadedaorganizaojurdica

correspondem temporalidades especficas (Ost, 1993: 609). Franois Ost parte do

pressupostodequeossistemasjurdicoscontemporneossocomplexoseenvolvem

diferentesconceesde tempo,queraonvelexterno (relaocomoutros tempos),

queraonvelinterno(vriostemposjurdicos),paraafirmarqueseverificaatualmente

uma degradao da forma jurdica em consequncia do desequilbrio entre a

intervenodasnormasprimriasedasnormassecundrias(estasltimasasofrerem

umagrandeinflaoqueacabapororiginarumainefetividadedasprimeiras).

Esteprocesso,decoexistnciadediversastemporalidadesnossistemasjudiciais,origina

umaemergnciadeumatemporalidadealeatriaquesetraduznamultiplicaodeatos

jurdicos prospetivos (Ost, 1993: 609). Jacques Commaille sintetiza esta reflexo

afirmandoque,

mais do que pensar em termos de sequncias temporais perfeitamente identificadas esucessivas, devese conceber as temporalidades jurdicas como um continuum em que sesobreponhampermanentementeaediodaregra,assuas interpretaespeladoutrinaeassuas mltiplas apropriaes pelos atores sociais e como resultado de compromissosconstantemente construdos e reconstrudos numa espcie de embate temporal produzindoumaindiferenciaodesequncias,umasupressodelimites(Commalle,1998:325).

14Anoodetemponaculturajurdicamuulmana,porexemplo,baseiasenoutrosprincpios,distintosdaconceo europeia ocidental, originando, deste modo, uma definio de tempo justo mais imediato(Botiveau,1993;Khadduri,1993),atpelamaiorproximidadedodireitomuulmanoreligioislmica.

INDEPENDNCIAE/OUAUTONOMIADOPODERJUDICIALCondiesexternaseinternasparaasuaefetivao

29

Estaquesto,porseulado,colocadaporBelleBrownnaformadeumparadoxo:

Temosexpectativasdecontinuidade,mastambmsentimosqueaspreocupaescomopassadonodevemdominaroordenamentojurdicocontemporneo.Assim,odireito,nosentidodeumatradiojurdica,fazpartedacomunidadejurdicaqueasseguraasuasobrevivncia.Poroutrolado,o direito como normas justificativas radicalmente contemporneo e est destinado a nosobrevivernassuascaractersticasatuais.comesteparadoxoqueodireitopodeolharnoapenasparaopassadoepresente,mastambmparaumfuturosaudvel(BelleBrown,1998:5253).15

AvisoclssicaesimplistadeGeorgeHusserl(1955),dasdiversastemporalidadesquese

podemobservarnasrealidadesjurdicas,naopiniodeFranoisOst(1993),atribui,acada

umdostrspoderesconstitutivosdoEstadomoderno