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18 | REVISTA ABCFARMA | JANEIRO / 2012 TEXTO: CELSO ARNALDO FOTOS: DIVULGAÇÃO Medicina M aior órgão interno do corpo humano, o fígado é uma espécie de superlaboratório metabólico, com dezenas de funções. Alguns especialistas o chamam de “o gigante incansável”. Mas, apesar de ultrarresistente, o fígado tem dois inimigos mortais – a hepatite (do tipo B e sobretudo C) e a cirrose, que pode ser consequência daquela. Pessoas com diagnóstico ou suspeita de lesões de fígado por cirrose ou acúmulo de gordura precisam ser acompanhadas de perto – para evitar um comprometimento ainda maior do órgão. Entre as tecnologias de acompanhamento está agora o FibroScan, um ultrassom ultraespecial que analisa a saúde do fígado – como explicam especialistas do Hospital Sírio-Libanês São tantas as missões delegadas ao fígado que é difícil enumerá-las. Os hepatologistas estimam que sejam 220. Mas, entre as principais – cada uma delas vital para nossa saúde – estão: o controle do metabolismo de gordu- ras e proteínas, estoque e liberação de glicose, síntese da maioria das proteínas do plasma sanguineo, bem O novo espião do Como explica o hepatologista Mário Guimarães Pessoa, do Nú- cleo Avançado de Fígado do Sírio- Libanês, quando o fígado “endurece” pelo efeito da cirrose, a fibrose resul- tante passa a produzir efeitos cada vez mais graves. A formação de uma barreira natural à passagem do san- gue que vem do baço e dos intesti- nos represa o fluxo e o sangue, que procura outros caminhos, vai “retor- nando” e produzindo a chamada hi- pertensão portal. Os vasos em torno do esôfago, por exemplo, se dilatam, formando varizes. Hemorragias não são incomuns – foi o que aconteceu com o ex-craque Sócrates, motivo de duas internações recentes. Mais: a amônia não se transforma em ureia para ser eliminada pelos rins – e com isso o cérebro pode ser “intoxicado” pela substância. Enfim, a barriga se enche de água – é a ascite. Hepatite: um drama nacional Estima-se que haja cerca de dois milhões de brasileiros aco- metidos pela hepatite B e cer- ca de três milhões pelo tipo C da doença. A grande maioria, porém, não sabe que está infec- tada, pois nada sente. Explica o Dr. Mário: “O fígado não tem nervos. Por isso, a doença crô- nica evolui silenciosamente– seja de origem viral, medicamentosa, gordurosa – por 20 ou 30 anos, Fígado como a regulagem do volume san- guineo, processamento de drogas e hormônios, armazenamento de vitami- nas e minerais, destruição de células desgastadas do sangue, produção de ureia. Ou seja: o fígado é uma verda- deira usina de processamento. Pode- se imaginar as consequências de um fígado doente. Dr. Mario Guimarães Pessoa e Dr. Antônio Sérgio Marcelino, do Sírio-Libanês

O novo espião do Fígado

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Matéria da Revista ABCFARMA: O novo espião do Fígado

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Page 1: O novo espião do Fígado

18 | Revista ABCFARMA | JaNeiRO / 2012

textO: celsO aRNaldOfOtOs: divulgaçãO

Medicina

Maior órgão interno do corpo humano, o fígado é uma espécie de superlaboratório metabólico, com dezenas de funções. Alguns especialistas o chamam de “o gigante incansável”. Mas, apesar de

ultrarresistente, o fígado tem dois inimigos mortais – a hepatite (do tipo B e sobretudo C) e a cirrose, que pode ser consequência daquela. Pessoas com diagnóstico ou suspeita de lesões de fígado por cirrose ou acúmulo de gordura precisam ser acompanhadas de perto – para evitar um comprometimento ainda maior do órgão. Entre as tecnologias de acompanhamento está agora o FibroScan, um ultrassom ultraespecial que analisa a saúde do fígado – como explicam especialistas do Hospital Sírio-Libanês

São tantas as missões delegadas ao fígado que é difícil enumerá-las. Os hepatologistas estimam que sejam 220. Mas, entre as principais – cada uma delas vital para nossa saúde – estão: o controle do metabolismo de gordu-ras e proteínas, estoque e liberação de glicose, síntese da maioria das proteínas do plasma sanguineo, bem

O novo espião do

Como explica o hepatologista Mário Guimarães Pessoa, do Nú-cleo Avançado de Fígado do Sírio-Libanês, quando o fígado “endurece” pelo efeito da cirrose, a fibrose resul-tante passa a produzir efeitos cada vez mais graves. A formação de uma barreira natural à passagem do san-gue que vem do baço e dos intesti-nos represa o fluxo e o sangue, que procura outros caminhos, vai “retor-nando” e produzindo a chamada hi-pertensão portal. Os vasos em torno do esôfago, por exemplo, se dilatam, formando varizes. Hemorragias não são incomuns – foi o que aconteceu com o ex-craque Sócrates, motivo de duas internações recentes. Mais: a amônia não se transforma em ureia para ser eliminada pelos rins – e com isso o cérebro pode ser “intoxicado” pela substância. Enfim, a barriga se enche de água – é a ascite.

Hepatite: um drama nacional

Estima-se que haja cerca de dois milhões de brasileiros aco-metidos pela hepatite B e cer-ca de três milhões pelo tipo C da doença. A grande maioria, porém, não sabe que está infec-tada, pois nada sente. Explica o Dr. Mário: “O fígado não tem nervos. Por isso, a doença crô-nica evolui silenciosamente– seja de origem viral, medicamentosa, gordurosa – por 20 ou 30 anos,

Fígado

como a regulagem do volume san-guineo, processamento de drogas e hormônios, armazenamento de vitami-nas e minerais, destruição de células desgastadas do sangue, produção de ureia. Ou seja: o fígado é uma verda-deira usina de processamento. Pode-se imaginar as consequências de um fígado doente.

Dr. Mario Guimarães Pessoa e Dr. Antônio Sérgio Marcelino, do Sírio-Libanês

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esôfago. E o vilão nem sempre é o vírus da hepatite. Outra fonte de sofrimento para o fígado é a chamada esteatose hepática, uma espécie de cirrose gordurosa – tam-bém insidiosa e gradativa, pelo acúmulo de gorduras no órgão. Finalmente, há ou-tra forma de cirrose – a alcoólica, bastante frequente no Brasil.

Do fígado normal ao cirrótico, uma evolução silenciosa

até a descoberta de uma cirrose, o as-pecto mais avançado da hepatite crônica”. Há pacientes que, ignorando completa-mente a existência da doença hepática, fazem um ultrassom e descobrem uma cirrose, mesmo sem sintomas. Numa fase mais avançada, sim, ocorrem os sintomas – como a barriga d´água e as varizes do

E por que o fígado chega a esse estágio de destruição?

Um fígado doente precisa ser “vigiado” para que não entre em falên-cia. E a vigilância pode ser feita por vários agentes – como o velho e bom ultrassom, ainda muito eficiente, e a bi-ópsia hepática, uma técnica invasiva e mais agressiva. Agora surge outro – o FibroScan, nome da nova tecnologia, recém-chegada ao Brasil, é uma ul-trassonografia que avalia o grau de elasticidade das células hepáticas, através da detecção de fibroses – ci-catrizes decorrentes das agressões do fígado pelas doenças crônicas. Quanto mais endurecido está o fígado, mais ve-loz é a propagação da onda. O resulta-do sai em cinco minutos. Como explica o Dr. Antônio Sérgio Zafred Marcelino, médico radiologista e especialista em ultrassonografia do Hospital Sírio-Liba-nês, o FibroScan permite aos especia-listas não só medir a progressão da do-ença como a resposta aos tratamentos – num primeiro momento, medicamen-tos e rigorosas dietas. A biópsia ainda é o exame padrão-ouro para o diag-nóstico diferencial da cirrose. Mas o FibroScan, indolor e não-invasivo, pode ser o exame inicial se o paciente não quiser fazer a biópsia – técnica que exi-ge hospitalização – e é muito eficiente

no acompanhamento do paciente. Ava-liar o grau de fibrose é crucial no trata-mento de doenças do fígado. É isso o que vai determinar uso de um ou outro medicamento. Como explica o Dr. Má-rio, o comprometimento inicial das fun-ções hepáticas ainda pode ser maneja-do clinicamente. “A partir do momento em que a sobrevida do paciente sem o transplante se torna menor do que com o transplante, esse indivíduo passa a ter indicação de cirurgia.”

Um drama que pode ser evitado, prevenindo-se as doenças que destro-em o fígado. Para a hepatite B já existe vacina e vigora também a mesma reco-mendação válida para a prevenção das doenças sexualmente transmissíveis, já que uma das formas mais comuns de

contágio do vírus B é por relação se-xual. Já na hepatite C, que se transmi-te por contato percutâneo, como ins-trumentos perfurantes compartilhados (agulhas de tatuadores, instrumental de manicure), a prevenção exige me-didas de assepsia rigorosas.

E todas as demais causas de doença hepática podem ser preve-nidas. Não abusar do álcool é uma medida vital e óbvia para o fígado. Excessos alimentares e sedenta-rismo estão na raiz das hepatites gordurosas. Dietas balanceadas e rotina de exercícios físicos são essenciais para o organismo como um todo – e para o fígado, em par-ticular. Check-ups regulares, final-mente, podem surpreender uma hepatite bem no seu início. n

FibroScan o novo aliado