32
Revista Eletrônica da Faculdade Metodista Granbery http://re.granbery.edu.br - ISSN 1981 0377 Curso de Direito - N. 5, JUL/DEZ 2008 O poder emana do povo? Uma breve reflexão sobre a atual democracia e cidadania Leonardo Alejandro Gomide * Resumo Partindo do apontamento bastante generalizado entre os teóricos, de que a democracia no cenário atual, é um caminho necessário para garantir o pluralismo característico da contemporaneidade, o presente estudo pretende uma análise breve e reflexiva de algumas concepções do sistema democrático. Sem remeter profundamente à história ou buscar abarcar infindáveis teorias, propõe-se uma abordagem crítica do modelo democrático atual confrontando-o com algumas propostas que se mostram mais condizentes com a realidade vivida, numa perspectiva de atender os anseios éticos e políticos da sociedade. Abstract Beginning of annotation quite generalized among the theorists, that the democracy in the present scenery is a necessary way to warrant the characteristic pluralism of contemporary time, the present study intent a brief and reflexive analysis of some conceptions about the democratic system. Without remit deeply to the history or search grasp unending theories, it propose a critical board of present democratic model confront with some proposes that show more suitable with the vivid reality, in a perspective of attend the ethics and political desires of society. 1. Introdução O presente estudo tem como escopo fazer uma abordagem crítica e, em certa medida, ideológica sobre a atual democracia e cidadania no contexto das nações submetidas às estratégias mundiais de hegemonia político-econômica. Busca demonstrar algumas discussões sobre o aprofundamento democrático na sociedade e a sua necessidade em contraposição ao sistema político que existe. Para essa empreitada sustento o presente estudo por três eixos representativos de enfoques da realidade: O Cenário - busca ilustrar o conjunto de vistas nos quais se apresentam a sociedade contemporânea. O contexto do mundo globalizado e suas conseqüências nas estruturas políticas dos Estados e da sociedade; O Enredo - representa a trama da democracia numa breve abordagem histórico- filosófica, os apontamentos da insuficiência do modelo tradicional no contexto de um * Leonardo Alejandro Gomide é mestre em Direito pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e professor de direito na Faculdade Metodista Granbery.

O poder emana do povo? Uma breve reflexão sobre a atual ...re.granbery.edu.br/artigos/Mjg3.pdf · contexto onde atua a cidadania contemporânea e o meio no qual se enreda a democracia,

Embed Size (px)

Citation preview

Revista Eletrônica da Faculdade Metodista Granbery http://re.granbery.edu.br - ISSN 1981 0377 Curso de Direito - N. 5, JUL/DEZ 2008

O poder emana do povo? Uma breve reflexão sobre a atual democracia e cidadania

Leonardo Alejandro Gomide*

Resumo Partindo do apontamento bastante generalizado entre os teóricos, de que a democracia no cenário atual, é um caminho necessário para garantir o pluralismo característico da contemporaneidade, o presente estudo pretende uma análise breve e reflexiva de algumas concepções do sistema democrático. Sem remeter profundamente à história ou buscar abarcar infindáveis teorias, propõe-se uma abordagem crítica do modelo democrático atual confrontando-o com algumas propostas que se mostram mais condizentes com a realidade vivida, numa perspectiva de atender os anseios éticos e políticos da sociedade. Abstract Beginning of annotation quite generalized among the theorists, that the democracy in the present scenery is a necessary way to warrant the characteristic pluralism of contemporary time, the present study intent a brief and reflexive analysis of some conceptions about the democratic system. Without remit deeply to the history or search grasp unending theories, it propose a critical board of present democratic model confront with some proposes that show more suitable with the vivid reality, in a perspective of attend the ethics and political desires of society.

1. Introdução

O presente estudo tem como escopo fazer uma abordagem crítica e, em certa

medida, ideológica sobre a atual democracia e cidadania no contexto das nações

submetidas às estratégias mundiais de hegemonia político-econômica. Busca

demonstrar algumas discussões sobre o aprofundamento democrático na sociedade e a

sua necessidade em contraposição ao sistema político que existe.

Para essa empreitada sustento o presente estudo por três eixos representativos de

enfoques da realidade:

O Cenário - busca ilustrar o conjunto de vistas nos quais se apresentam a

sociedade contemporânea. O contexto do mundo globalizado e suas conseqüências nas

estruturas políticas dos Estados e da sociedade;

O Enredo - representa a trama da democracia numa breve abordagem histórico-

filosófica, os apontamentos da insuficiência do modelo tradicional no contexto de um

* Leonardo Alejandro Gomide é mestre em Direito pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e professor de direito na Faculdade Metodista Granbery.

2

mundo globalizado e as contra-propostas de teóricos que verbalizam o seu

aprofundamento “radical” na sociedade; e,

Os Personagens - são os atores que encenam no cenário da vida real, os

indivíduos que compõe a sociedade e suas condições de participação e atuação: a

cidadania, sob o enfoque tradicional e emancipatório.

A analogia da estrutura de uma peça teatral aspira facilitar o estudo que, embora

fragmente a realidade na forma como se apresenta, permite uma complementaridade e

contextualização na conjunção dos elementos apresentados.

Toda a abordagem converge para perspectivas democráticas mais

descentralizadas, participativas e deliberativas como caminhos necessários para superar

as deficiências do atual modelo representativo. Apesar de dispormos no Brasil de uma

constituição que abarca uma democracia descentralizada e participativa, essa

perspectiva fica apagada diante do modelo tradicional representativo, também

consagrado na Constituição Federal de 1988.

2. O cenário

Partindo da análise crítica de alguns autores, pretendo, de forma sucinta esboçar o

contexto onde atua a cidadania contemporânea e o meio no qual se enreda a democracia,

buscando, ainda que de forma muito incipiente, contemplar elementos que caracterizam

de forma generalizada a sociedade atual.

Dentre as inúmeras questões que assolam a nossa sociedade, podemos dizer que a

incerteza, na nossa condição de seres humanos, é uma das que traz maior angústia. A

transição que permitiu a perda da fé nas instituições de poder quase inabalável, nos

tabus e nas convicções míticas e sacralizadas1, como norte civilizatório, fundador e

legitimador das orientações políticas, morais e normativas, para uma visão secularizada

do mundo, iluminada pela razão, possibilitou novas bases para a “crença” humana.

Desta vez a fé foi depositada na ciência, no progresso, na possibilidade da razão guiar

ininterruptamente o ser humano, através de projetos ideais, para um mundo cada vez

melhor e livre de problemas.

Contudo, a realidade cuida de prostrar cada centímetro das pretensões

idealizadas. Não é mais a razão o determinante que molda o mundo, mas sua própria

1 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre faticidade e validade, vol I Trad. Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. p. 42

3

realidade complexa, mudada a cada instante pelo tempo. A crença no progresso, no

desenvolvimento e nos projetos ideais não vem encontrando meios de se ancorar diante

da realidade, na medida em que esse próprio progresso não está conseguindo sustentar

suas pretensões, principalmente diante da factual crise ecológica e social. As novas

questões que emergem abalam a fé desse modelo de progresso, plantando a semente da

incerteza no mundo atual. Embora a visão de um realismo cético tenha ganhado forças,

as necessárias pretensões racionais continuam agindo como norte e buscando,

sobretudo, se aperfeiçoarem com a realidade.

O contexto histórico dos últimos séculos desembocou em um mundo bipolar (pelo

menos o mundo considerado relevante por uma tradição sempre excludente), guiado por

ideais distintos, ambos com a pretensão de dar conta do mundo e tomados como norte

civilizatório, representados pelo capitalismo/liberalismo e pelo comunismo/socialismo.

Excluindo-se o modelo que sucumbiu, embora deixando vivas muitas de suas

pretensões2, o capitalismo encontrou na realidade um meio propício de se desenvolver,

ainda que de uma forma diferente de seus princípios-base como os ideais do liberalismo

democrático. Esse caminhar da história originou a atual sociedade, complexa, global,

volátil e carregada de novos desafios.

Essa nova realidade, dentre várias conseqüências, desfigurou, de certa forma, a

ordem internacional estabelecida – centrada em princípios como a territorialidade, a

soberania, a autonomia e a legalidade que embasavam a idéia de Estado-Nação3. Devido

a uma competição desenfreada dos mercados por melhores vantagens, houve uma

flexibilização, uma abertura das fronteiras territoriais para possibilitar um maior fluxo

do capital. Isso possibilitou uma nova ordem econômica que se tornou o vetor

determinante da ordem social.

Fixar-se ao solo não é tão importante se o solo pode ser

alcançado e abandonado à vontade, imediatamente e em pouquíssimo tempo. Por outro lado fixar-se muito fortemente, sobrecarregando os laços com compromissos mutuamente vinculantes, pode ser positivamente prejudicial, dadas as novas oportunidades que surgem em outros lugares. 4

2 Onde algumas perspectivas vem sendo ressuscitadas numa nova fenomenologia política latino-americana e outras de certa forma permearam o sistema o que prevaleceu 3 VIEIRA, Liszt. Os Argonautas da Cidadania: A sociedade civil na globalização. 4.ed. São Paulo: Editora Record 2001 4BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Trad. Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1999. p. 21

4

A emergente ordem econômica rompeu, sob vários aspectos, com a lógica

territorialista. Através das condições de internacionalização de mercados, onde não

apenas os produtos circulam de maneira mais flexível, o próprio capital através de

poderosas empresas, se impõe convenientemente onde melhores vantagens são

oferecidas. O domínio político do Estado ficou dissociado do econômico. Desta forma,

muitos Estados ficaram reféns desse modelo econômico, principalmente os menos

desenvolvidos, perdendo significativamente a capacidade de formular políticas

nacionais autônomas e tendo que se submeter às orientações externas para se tornarem

mais atrativos ao capital estrangeiro, do qual se tornaram dependentes. Um rompimento

com a lógica econômica global, cujas regras são ditadas pelas grandes elites, através de

organismos como o Fundo Monetário Internacional (FMI), a Organização Mundial do

Comércio (OMC) e o Banco Mundial, acarretaria uma possível exclusão do Estado

“rebelde” dos mercados dos demais países participantes ou em sansões que

restringiriam a possibilidade de crescimento econômico desse Estado.

Além disso, esse processo de globalização econômica se traduz num jogo

perverso de regras ditadas antidemocraticamente que, não apenas desconsidera as partes

hipossuficientes das relações econômicas, não buscando contrabalançar as

desigualdades, como se aproveita da situação para tirar maiores vantagens. Este jogo

vem exacerbando, como nunca, as desigualdades externas, entre os países, como as

internas, dentro dos próprios países. Ou seja, muitos autores apontam que a globalização

econômica não só acentuou a diferença entre os países pobres e ricos, como acentuou as

diferenças entre os ricos e pobres dentro de um mesmo país.

Muitos teóricos buscam compreender esse fenômeno, delimitar sua real

dimensão e suas conseqüências. Alguns apontam como uma ruptura da história, um

tempo totalmente novo. Outros concebem como uma continuidade já antes precedida,

mas que encontrou meio ideal para desenvolver-se no mundo atual5. Embora haja

nitidamente caminhos divergentes, ambas as propostas se sustentam racionalmente em

muitos dos seus aspectos, o que nos leva não a buscar a definição ideal, mas a buscar

relações de complementaridade entre as muitas definições.

Para compreender o fenômeno “globalização” é necessário elencar os principais

fatores que o caracterizam. Primeiro, sob a perspectiva econômica, como uma nova era

do capitalismo que se expressa de maneira muito distinta de épocas anteriores como o

5 VIEIRA, Liszt. Op. cit.

5

fordismo e o imperialismo colonial onde a figura do Estado era muito forte dentre a

grande burguesia6.

Depois a compreensão de como o meio propiciou esse processo através dos

avanços tecnológicos, sobretudo na telecomunicação, informática, eletrônica, entre

outros que possibilitaram a troca e transmissão de dados em uma velocidade

absurdamente alta.

Outro ponto foi o ressurgimento da ideologia liberal, ou de um novo liberalismo

que guarda certas peculiaridades. Também por motivos geopolíticos, como o fim do

comunismo. Esse “novo liberalismo” corroborou para as decisões governamentais de

liberalização e desregulamentação do mercado, que conjuntamente com o aumento do

número de países industrializados e da competição em escala mundial, tornaram essa

ideologia hegemônica.

Dentre as conseqüências do processo de globalização econômica podemos

destacar que: pela flexibilização das fronteiras nacionais e pelas decisões políticas de

suma importância para um Estado não mais serem tomadas em seu território, a idéia de

soberania – que em países como o Brasil e/ou demais em situação similar ou pior de

desenvolvimento e história, nunca foi muito forte – enfraqueceu significativamente.

O “mercado”, através de poderosos grupos econômicos (elites globais) e seus

mecanismos de governança global que desconsideram a opinião democrática, afetou

profundamente a autonomia dos Estados que tiveram diminuídas a capacidade de

integração social e de identidade nacional7.

Por último, resta compreender que a globalização é um processo que não se

limita à esfera econômica, constituindo um complexo muitas vezes contraditório. Pode-

se destacar conforme atesta o professor Liszt Vieira, um processo que vem “por cima”,

caracterizado pela hegemonia neoliberal e pela política dominante; e um que vem “por

baixo”, representado por uma resistência a essa ideologia que se configura por fortes

traços de uma democracia global, com bases na solidariedade entre povos e nações e na

visão do ser humano como um todo8.

A globalização “de baixo” encontra nas organizações civis, nos diversos

movimentos sociais e nas organizações não governamentais, que se inter-relacionam de

maneira dinâmica, também, graças aos avanços tecnológicos e à internet, seu maior

6 VIEIRA, Liszt. Op. cit. 7 Id. Ibid. 8 VIEIRA, Liszt. Cidadania e Globalização. São Paulo: Ed. Record, 2000

6

expoente. Representados por manifestações democráticas como as ocorridas em Seattle,

na III Conferencia Ministerial da Organização Mundial do Comércio em 1999, ou em

Porto Alegre no Fórum Social Mundial e suas sucessivas edições anuais, sediadas em

diferentes países, sempre com a afronta “um outro mundo é possível”, contrariando as

autoridades que afirmavam o crescimento do hipercapitalismo como algo irredutível.

Essas e outras manifestações constantes pelo mundo reivindicam, entre outras

coisas: perdão da dívida externa dos países pobres, quebra de patentes para remédios

essenciais, inclusão de cláusulas sociais e ambientais, proporcionalidade das normas,

observância ao princípio da precaução no advento de novas tecnologias etc. Inúmeras

reivindicações que muitas vezes se fazem ouvir ainda que através da desobediência

civil.

Vive-se uma desestabilização das identidades nacionais, tradicionalmente

fulcradas no territorialismo, na soberania, na homogeneidade cultural, na autonomia

política, na legalidade e numa identidade territorial e social definida, que representavam

os alicerces da tradicional democracia e cidadania. Esta desestabilização gerou uma

“multiplicidade de novas identidades e solidariedades coletivas sub-nacionais e

supranacionais”9. A sociedade atual se configura como uma sociedade pluralista

(diversidade de orientações e ideologias), multicultural (diversidades de culturas e

etnias) e midiática (a mídia apresenta um importante papel na formação da opinião

pública) 10. Onde a diversidade étnica, religiosa, de estilos de vida e de visão de mundo,

se afloram numa explosão de movimentos, como os ambientalistas, os feministas, os

homossexuais, entre muitos outros que buscam e reivindicam reconhecimento, trazendo

uma gama de propostas que se sustentam pela razão e pela ética. E que, a sociedade

tradicional não concebe por sua moral ou não comporta em sua estrutura política, indo

muito além do ímpeto leigo e laico da república e sua estrutura de governo.

Isso não quer dizer, obviamente, que as identidades nacionais estejam se

extinguindo ou que perderam sua importância no mundo globalizado. Também não quer

dizer que as identidades nacionais não possam ganhar força e emergir novamente na

história, mas que no contexto atual, elas se tornaram mais uma entre as tantas

identidades que são construídas constantemente.

9 VIEIRA, Liszt. Op. cit. 2001 10HABERMAS, Jürgen. O Cisma do Século XXI. Trad. IN Mais! Suplemento da Folha de São Paulo. P. 4-6. Em 24 de abril de 2005

7

Entretanto, mesmo em tempos de globalização, o poder que representa a estrutura

“Estado”, ainda se mostra mais forte do que qualquer possível cúpula de poder global

mais formalizada11. Nos dizeres de Bauman os Estados se tornariam uma espécie de

“delegacias de polícia”12, onde, se essa conotação corresponder à realidade, os Estados

Unidos representam hoje, mais do que a central dessas delegacias, mas um verdadeiro

império nada simpático às causas mais solidárias, sociais e ambientais. Se necessário,

utiliza da força direta para sustentar seus “interesses”, quase sempre convergentes aos

das elites globais. Essa realidade de um mundo sob tensão, pipocando conflitos por

todos os lados e encravado numa guerra anti-terrorismo é também conseqüência do

processo excludente, predatório e impositivo do buraco que o capitalismo cavou durante

sua evolução e que se exacerbou nesse processo de expansão denominado globalização

econômica.

Essa realidade escancarada de um mundo impotente diante do excludente poder

econômico, especulativo e virtual, apresentado pela nova e (in)conveniente liberalização

e desregulamentação econômica por parte dos Estados, da diminuição de sua necessária

interferência e fomento às políticas sociais, da desconsideração de fatores de extrema

importância como o meio ambiente e da sociedade marginalizada, da fragmentação das

identidades e sobretudo de um mundo super-dinâmico, vem acarretando a crítica, a

desconfiança e a apatia da sociedade quanto a estrutura política tradicional.

Boaventura de Souza Santos expõe a crise da contratualização moderna,

baseando-se na metáfora da racionalização social e política do “contrato social”, como

uma predominância dos processos de exclusão sobre os de inclusão, onde essa inclusão

é conferida a grupos restritos, predominando a exclusão. O autor utiliza-se de duas

proposições metafóricas quanto ao contrato social para explicar a realidade social

contemporânea no contexto de exclusão e inclusão no interior do Estado: de um lado o

pós-contratualismo que é o processo pelo qual grupos ou interesses inclusos no contrato

social são excluídos, como os direitos de cidadania garantidos a grupos de cidadãos que

deixam de ser titulares desses direitos e passam a viver à margem; e de outro, o pré-

contratualismo, onde são bloqueados os acessos à cidadania a grupos que se viam como

candidatos a ela13.

11 Vide a decisão dos EUA frente às recomendações da ONU quanto a guerra do Iraque. 12 BAUMAN, Zygmunt. Op. cit. .p. 215 13 SOUZA SANTOS, Boaventura de. Reinventar a democracia: entre o pré-contratualismo e o pós-contratualismo. In: A Crise dos Paradigmas em Ciências Sociais e os Desafios para o Século XXI,[s.n.t.] 1999.

8

Como conseqüência dessas situações sociais de desigualdade interna em um

Estado são verificados diversos “fascismos societais” como o autor os denomina, sendo

estes: o fascismo do apartheid social, representado pelos condomínios fechados por

exemplo; fascismo do Estado paralelo, como ações ilegítimas do Estado em áreas

excluídas; fascismo populista, onde há a promoção de estilos de vida e consumo fora do

alcance da maioria, entre outros, que contribuem para a sensação de incerteza e de

insuficiência da estrutura política contemporânea14.

Nesse esboço, busquei configurar o cenário que se apresenta na atual democracia

e cidadania, logicamente de forma muito limitada, mas estabelecendo como ponto de

partida para a analise da democracia, a sociedade globalizada, multicultural e abalada

por profundas desigualdades, onde a liquidez da modernidade15 se apresenta,

fundamentalmente, pela incerteza.

2 – O Enredo

2.1. A antevisão

Aléxis de Tocqueville (1805-1859), um aristocrata francês de grande atividade

política, desenvolveu em uma viagem para os Estados Unidos, um interessante estudo

sobre a democracia daquele país, publicada em 1835 e 1840 na sua célebre obra “A

Democracia na América”. A perspectiva de Tocqueville sobre democracia traz

elementos importantes para uma análise contemporânea dos princípios democráticos

contextualizados historicamente.

Primeiramente, Tocqueville concebe a história em suas construções, realizações e

“grandes feitos” compelida por uma força oculta, para além da racionalidade e das

decisões humanas, que corresponderia aos “costumes”. Ou seja, as experiências

práticas, os hábitos, as tradições, o que percorre as gerações de um determinado grupo

humano situado espacial e temporalmente. Nessa perspectiva ele projeta que ao se

tornarem mais avançadas culturalmente – cientificamente, tecnicamente, eticamente etc.

– as sociedades tenderiam a uma maior igualdade entre as classes e os indivíduos16.

14 Id. Ibid. 15BAUMAN, Zygmunt. Op. cit. 16 RANCIÈRE, Jacques et al. A Descoberta da Democracia. Trad. Luiz Roberto Mendes Gonçalves. IN Mais! Suplemento da Folha de São Paulo. P. 4-7. Em 31 de julho de 2005

9

Ao analisar as sociedades tradicionais que se baseavam na propriedade da terra e

numa hierarquia forte e bem determinada como nas sociedades feudais, ele observava

que dentro da desigualdade que havia, os direitos e as liberdades eram bem

estabelecidos. Havia um jogo de equilíbrio entre as instituições, clero, nobreza,

tribunais, burgos, que limitavam todos os poderes, inclusive os do rei através do

respeito à tradição.

As opiniões e os costumes erigiam barreiras poderosas

em torno do poder real. A religião, o amor dos súditos, a bondade dos príncipes, a honra, o espírito da família, os preconceitos de província, o costume e a opinião pública limitavam o poder dos reis e encerravam em um círculo invisível sua autoridade. Então as constituições eram despóticas, e os costumes livres. Os príncipes tinham o direito, mas não a faculdade, nem o desejo de tudo fazer.17

Na instauração das democracias, onde havia uma pretensa igualdade, esses

vínculos consagrados entre os indivíduos e as forças secundárias – clero, nobreza etc. –

eram debilitados ou rompidos. A necessidade de se satisfazer a todos de forma

semelhante criava um poder cuja missão era impossível , mas a força irresistível.

Tocqueville previa que se investia numa autoridade despótica, que apenas mudara o

nome – de rei para povo – o poder da maioria frente à minoria é ilimitado, é onipotente,

e configura a tirania moderna a “tirania da maioria”.18

Os príncipes tinham por assim dizer, materializado a

violência; as repúblicas democráticas atuais tornaram-na tão intelectual quanto a vontade humana, que almeja sujeitar. No regime absoluto de um só, o despotismo, para chegar a alma, violentava grosseiramente o corpo; e a alma, escapando aos golpes, elevava-se gloriosa acima dele; mas, nas republicas democráticas, não é assim que procede a tirania; deixa de lado o corpo e vai direto a alma. O mestre não diz mais: ‘Pensarás como eu ou morrerás’; mas diz: “És livre de não pensar como eu; a vida, os bens, tudo te é assegurado, mas deste dia em diante, és um estrangeiro entre nós. Os privilégios da cidadania são mantidos, mas tornar-se-ão inúteis; pois se busca o voto de teus concidadãos não o darão, se só pedes a estima, farão como se recusassem. Restarás entre os homens perdendo o direito a

17 TOCQUEVILLE, Aléxis de. A Democracia na América. In: Os Pensadores. Seleção de Francisco C. Weffort. Trad. Leonidas Gontijo de Carvalho et al. .2.ed . São Paulo: Abril Cultural, 1980 p.247 18RANCIÈRE, Jacques et al. A Descoberta da Democracia. Trad. Luiz Roberto Mendes Gonçalves. IN Mais! Suplemento da Folha de São Paulo. P. 4-7. Em 31 de julho de 2005

10

humanidade... Vai em paz, deixo-te a vida, mas torno-a pior do que a morte” 19

A pertinente análise de Tocqueville quanto ao perigo da “tirania da maioria” nas

democracias modernas, encontrava no caminhante sucesso dos EUA como “sociedade

democrática” da época, três fatores que na sua visão poderiam conter a possibilidade

dessa tirania: O maior obstáculo ao despotismo estaria na democracia comunitária que

se configura no princípio federativo, onde os estados possuem autonomia diante do

poder federal, o que na realidade americana da época era a tradição do auto-governo da

comuna, uma herança inglesa. O segundo ponto se dá através da liberdade de imprensa

“Num país em que reina ostensivamente o dogma da soberania popular, a censura não

é somente um perigo, é um absurdo” , afirmando amar a liberdade de imprensa não

pelos bens que causa, mas pelos males que impede.20O terceiro ponto, também herança

inglesa, é o da livre associação de indivíduos, independente de permissão da autoridade,

que possibilitava a uma minoria constatar sua força, ou suscitar e descobrir os

argumentos mais apropriados a impressionar uma maioria. A livre associação tinha fins

persuasivos e coletivos, sobretudo pacíficos e legais21.

Tocqueville via condições distintas na França da Revolução. Ao contrário da

sociedade americana onde ele constatava uma transição harmoniosa com uma

Constituição para equilibrar os poderes do povo e das elites que já se encontravam em

suas vidas sociais homogeneizados, na França o republicanismo autoritário impunha

pela força uma “sociedade artificial” onde a tradição feudal não fornecia os “costumes”

apropriados22.

Contudo, na analise de seu livro “Antigo Regime e Revolução”, ele aponta que

essa tradição feudal entre os séculos XVI e XVIII se mostrava mais uma fachada onde o

despotismo estava sendo construído pela realeza, que somava cada vez mais os poderes.

Essa constante centralização do poder, na percepção de Tocqueville, é que originou a

Revolução Francesa e não o contrário. Embora a aristocracia, nobres e eclesiásticos

desfrutassem todas as benevolências e honrarias, havia cada vez mais um corpo de

profissionais que exerciam toda a administração sob os olhos do Rei e excluía as forças

secundárias que equilibravam o poder, “o Conselho do Rei”23. Ou seja, o aparelho

19 TOCQUEVILLE, Aléxis de. Op. cit. p.240 20 TOCQUEVILLE, Aléxis de. Op. cit. p.222 21 RANCIÈRE, Jacques. Op. cit. 22 Idem. Ibidem. 23 TOCQUEVILLE, Aléxis de. Op. cit. p.336

11

governamental centralizado já existia e foi transferido do monarca para a “assembléia

soberana”, afirmando que revolução herdou muito de suas formas do “antigo regime”.

Entretanto, a Revolução, por mais radical que tenha sido,

inovou menos em geral do que se supõe...É verdade que ela destruiu inteiramente ou está a caminho de destruir (pois ela dura ainda), tudo da antiga sociedade que decorria das instituições aristocráticas e feudais.... Não se pode dizer de modo algum que a revolução tenha sido de modo fortuito. Embora tenha por certo surpreendido o mundo, foi apenas um complemento de um longo labor, apenas o término repentino e violento de uma obra na qual dez gerações de homens trabalharam. Ainda que a revolução não ocorresse o velho edifício social desmoronaria mais cedo ou mais tarde em toda parte. A única diferença estaria em que teria continuado a cair peça por peça, ao invés de ser derrubado de um só golpe.24

Tocqueville crítica severamente os intelectuais iluministas e seus modelos

geométricos, racionais que aplicados à política se viram violar um a um de seus

princípios – liberdade por opressão e repressão, igualdade por vantagens e privilégios

políticos dos “novos poderosos”, fraternidade por genocídio e terror – ao buscar

“reinventar a humanidade do zero”.25

Mas, o mais importante em Tocqueville para a nossa análise, retornando ao

“Democracia na América”, encontra-se conforme o professor Jacques Rancière, na

dialética de que: “o casamento da liberdade de empreendimento com a liberdade

política” ocasionava o surgimento de um despotismo imperceptível. Enquanto os

homens cuidavam livremente de seus negócios e prazeres privados, tornavam-se alheios

e apáticos aos assuntos do Estado que estavam cada vez mais aos encargos dos “homens

competentes”. Os profissionais cuidam da política e os cidadãos vivem livremente seus

prazeres, sem perceber que o poder lhes esta sendo confiscado.

Se os cidadãos continuam a encerrar-se cada vez mais

estreitamente no pequeno círculo de seus interesses domésticos ...Tremo, confesso, ante a idéia de que se deixem possuir de tal maneira por um amor lasso pelos prazeres presentes, que desapareça o interesse por seu próprio futuro e pelo de seus descendentes e que prefiram seguir molemente o curso do

24 TOCQUEVILLE, Aléxis de. O Antigo Regime e a Revolução . In: Os Pensadores. Seleção de Francisco C. Weffort. Trad. Leonidas Gontijo de Carvalho et al. .2.ed . São Paulo: Abril Cultural, 1980 p.334 e 335 25 RANCIÈRE, Jacques Op. cit.

12

destino a fazer-se necessário um súbito e energético esforço para endireita-lo. 26

Essa breve analise nos fornecerá o alicerce para um estudo das propostas e

modelos de democracia atuais, bem como da crítica à democracia tradicional no mundo

de hoje.

2.2. A tradição

Primeiro, enquanto Karl Marx nos apontava a “História como a História das lutas

de classes”, onde o capitalismo se traduziu numa violenta exploração do homem sobre o

homem e num inafastável conflito entre as classes, Tocqueville, conforme visto,

apontava que com o avanço da sociedade haveria uma tendência à maior igualdade entre

as classes e os indivíduos. De fato isso não ocorreu, prevalecendo a visão marxista,

histórico materialista, da exploração e da guerra de classes.

Marx concebia a relação da produção capitalista, como uma relação de

exploração. De forma breve, os donos dos meios de produção exploravam os

trabalhadores assalariados através da compra de sua força de trabalho por um

determinado tempo, atribuindo a essa “força de trabalho” um valor (salário). Os gastos

da produção (salário, matéria-prima, manutenção das máquinas etc.) seriam muito

menores quando comparados aos valores obtidos na venda dos produtos (lucro) e

corresponderiam a uma parcela ínfima do tempo do trabalhador, que comparado ao

lucro obtido deveria ter um valor muito maior, para que esse trabalhador não trabalhasse

de graça a maior parte de seu tempo.

Essa relação que Marx denominou de “mais valia” estava presente em toda

produção capitalista. Essa condição colocava em cheque a democracia formal para Marx

que não era capaz de sanar esse impasse, legitimado pelo liberalismo. Para que essa

relação se tornasse justa, numa realidade de exploração desumana, ele concluiu que os

meios de produção deveriam ser socializados. O Estado deveria tomá-los e torna-los

comuns, distribuindo o resultado de uma produção cada vez maior para toda sociedade

que poderia desfrutar de mais tempo e menos trabalho, já que todos trabalhariam uma

parcela de tempo mais ou menos equivalente e viveriam em condições semelhantes.

26 TOCQUEVILLE, Aléxis de. Op. Cit. p.300

13

Para esse paraíso social, os trabalhadores deveriam se organizar e tomar o poder do

Estado, através de uma revolução, e implementar o ideal socialista.27

A idéia racionalizada de Marx, de uma sociedade ideal, encontrou tentativa de

materialidade nas revoluções socialistas do século XX. Embora estas tenham se dado

em um “meio” que Marx não considerava o ideal – a revolução ocorreu em países de

industrialização tardia – mais uma vez os “ideais” se viram contrariar um a um de seus

postulados; lançando milhões de pessoas para a morte e se transformando em um

totalitarismo que ostentava inúmeros problemas, dentre eles, a desigualdade, privilégios

e outras formas de exploração. A questão é que a desigualdade não mais estava atrelada

ao capital, mas aos vínculos diretos com o Estado.

Esse modelo sucumbiu com a queda da URSS e o fim da Guerra Fria, enquanto a

realidade dos países que não eram comunistas foi se reconfigurando, modificando

completamente as relações de exploração e condições de vida, demonstrando um

razoável otimismo. A democracia majoritária tradicional passa a ser o modelo político

predominante, a serviço de uma dominação capitalista global, predatória e insustentável,

que exacerbou as condições de desigualdade e colocou em risco o equilíbrio ecológico

do planeta, ameaçando uma gama infindável de seres humanos e outras formas de vida.

Mas essa democracia, no cenário global que se apresenta, do consumismo e do

individualismo, embora não seja condizente com a própria palavra –“falsa democracia

do consumo” – ainda é percebida como menos problemática do que os regimes

totalitários, propriamente ditos.

Mas a crítica e o pensamento marxista continuam, sobretudo na denuncia dessa

sociedade de consumo e no individualismo democrático. E, é nesse ponto que a análise

de Tocqueville se torna mais condizente. Ainda que ele acreditasse numa existência

harmoniosa entre o capitalismo e a democracia e no avanço da sociedade tendendo a

maior igualdade (o que a realidade não confirmou). Por outro lado ele profetizou a

“perversão democrática da sociedade de consumo” e o totalitarismo mascarado que ela

representa – conforme visto também – na medida em que os homens se abstêm da “vida

política” e mergulham com avidez em seus prazeres “sempre novos e destruidores do

bem-comum”.

27 MARX, Karl. ENGELS, Friedrich. O Manifesto Comunista. Trad. Maria Lucia Como. 4.ed Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998.

14

Tocqueville constatou que o mundo igualitário seria necessariamente

individualista. Com o rompimento dos laços aristocráticos de família e de comunidade,

os indivíduos dependiam, mais e mais, para sobreviver do seu esforço individual num

mundo de trabalho e competição que os aprisionava na esfera privada e gerava a apatia

e a alienação na prática da política. Outra constatação de sua interpretação da história

são os traços de continuidade existentes nos períodos pré e pós revoluções, ele percebia

que mudanças efetivas se davam mais por condições do meio, de um leito apropriado,

do que por projetos idealizados, impostos de cima para baixo.

Uma reflexão para o atual sistema político e sua estrutura é motivo para muita

desilusão, o que não é novidade. Toda a estrutura: o Estado-república, os três poderes, a

democracia majoritária, a representatividade, os partidos políticos, o sufrágio universal,

as campanhas eleitorais, os políticos, o parlamento, o senado, a Direita e a Esquerda,

enfim toda a “velha” estrutura, que se diz garantir um regime democrático, parece ser

subserviente aos desmandos da elite que age através do Estado coator. A falsa idéia

propagada de que essa estrutura garante a democracia, já encontrava em Tocqueville

posicionamento contrário; e, confrontada com a realidade do neoliberalismo, conforme

o professor David Graeber, temos o maior sistema totalitário da história que é capaz de

subjugar tudo e qualquer coisa que tocar28.

Quanto à tradição partidária do modelo representativo, seja ela pluripartidarista

ou bipartidarista, observa-se uma verdadeira luta pelo poder e pela sua perpetuação.

Primeiro – de uma forma muito simplista e sem pretensão de abarcar toda a realidade –

para atingir esse poder há uma lógica perversa. Se pegarmos como exemplo o Brasil,

onde o dinheiro para as campanhas pode vir de instituições privadas e há uma evidente

comercialização das campanhas; percebemos para, além disso, e em qualquer outro

lugar, que as alianças são fundamentais para a conquista do poder e para a

governabilidade. Essas alianças se dão não apenas com outros partidos, mas com a elite,

com empresas, bancos etc. Nessas alianças uma pureza ideológica fica comprometida

por si só. Mas, uma vez que um dos determinantes para se atingir o poder está nas

propagandas de campanha, e quem possuir mais dinheiro faz mais propaganda (que é a

alma do negócio). O dinheiro vindo de entidades privadas não há garantias de que não

haverá uma contrapartida, uma espécie de contrato que amarra e direciona (excluindo-se

28 GRAEBER, David. O Carnaval está em Marcha. Trad. Luiz Roberto Mendes Gonçalves IN Mais! Suplemento da Folha de São Paulo. P. 4-6. Em 14 de agosto de 2005

15

aí os favorecimentos pessoais de uma corrupção patológica que assola nosso país,

limitando aos interesses da governabilidade). Dessa forma os princípios que um

possível político altruísta poderia ter como motivo para tentar se eleger seriam

abandonados.

Por outro lado, esse dinheiro de campanha poderia ser público, o mínimo

necessário, mas mesmo assim as alianças deverão existir para a governabilidade. E se

determinado partido contrário aos interesses dos dominantes resolve, na figura de seu

candidato, desafiar o capitalismo e os mandos do mercado internacional, ele terá de

faze-lo presidindo um Estado policial autoritário e conforme a realidade vem

mostrando, esse não é o melhor caminho.

Além do mais, a realidade nos mostra também que tanto a Direita quanto a

Esquerda no poder são a mesma coisa com “roupas” diferentes, são o “poder”. Cada vez

mais se percebe que tomar o poder do Estado não é uma maneira de vencer os males do

capitalismo ou de mudar o mundo. Ambas as versões, seja o poder representado pelo

mercado, seja pelo estatismo de uma classe, atendem seus interesses arrogando o

monopólio do planejamento das ações de interesse público e desconsiderando seus

principais titulares, os cidadãos. “O estatismo tenta impor ao mercado e à sociedade

civil a lógica do Estado. O neoliberalismo tenta impor ao Estado e a sociedade civil a

lógica do mercado”29.

A figura do político profissional, também está desgastada. De um lado, esse é

muitas das vezes um demagogo por vocação, do outro é a pessoa dita “competente” que,

enquanto os cidadãos gozam seus prazeres fúteis privados, ele “confisca” o poder,

através de toda a estrutura legitimadora. E atende aos interesses de seu partido, que por

sua vez atende os de suas alianças, de seus financiadores, seus próprios etc. que se em

última instância atendessem aos interesses da sociedade, não dariam conta da

pluralidade em que ela se apresenta na atualidade.

Por esses e outros motivos que demonstram a insuficiência do modelo

tradicional da democracia representativa, que vem surgindo, cada vez com mais força,

propostas de se reinventar a democracia num contexto de justiça global. Por uma

democracia mais verdadeira em que o cidadão exerça a cidadania muito além do voto –

o que de certa forma está sendo buscado. Por uma democracia que considera a

pluralidade da sociedade atual, aceitando-se como uma construção cotidiana – não como

29 VIEIRA, Liszt. Op. cit. p. 80

16

um projeto ideal acabado que vai dar conta do mundo – mas algo que aceite e conviva

nas diferenças dos humanos e nas mudanças do mundo.

O que estamos presenciando é definitivamente uma

desilusão sobre as possibilidades de mudar o mundo tomando o controle do Estado. Mas parece-me que esse é realmente um sinal positivo, e que de fato estamos vivendo um momento muito esperançoso. Porque a antiga estratégia de mudar o mundo apoderando-se do Estado – que em última análise não passa de um mecanismo de violência – sempre foi criticamente defeituosa. Existem motivos pelos quais um dia ela pode ter parecido realista. Mas nunca poderia funcionar realmente. O fato de os revolucionários e os reformadores sociais a estarem abandonando amplamente abrirá, em ultima instância, um mundo de possibilidades. Ele nos permite, por um lado, repensar completamente o que entendemos pelo termo “democracia”. 30

2.3.Um novo enredo

Conforme ressalta Liszt Vieira “o ponto de partida da prática democrática passa

a ser a própria sociedade, vista como origem do poder”31. O poder deve emanar do

povo. Uma proposta de se modernizar a sociedade civil para combater as tradicionais

estruturas de dominação e exclusão que se apresentam incrustadas na sociedade dentro e

fora do aparelho Estatal.

Essa perspectiva não se distancia do que já é previsto na Constituição da

República Federativa do Brasil de 1988. Além de prever explicitamente o exercício

direto do poder pelo povo (parágrafo único do artigo primeiro), foram criados uma série

de instrumentos de co-gestão e co-participação cidadã no processo decisório de políticas

públicas como educação, saúde, seguridade social entre outras, que coadunam com a

idéia de uma democracia descentralizada, participativa e deliberativa.

Materializar essa perspectiva induz remeter a análise ao movimento cidadão que

retoma as reivindicações dos movimentos sociais como o feminismo, o pacifismo, o

ambientalismo, fundindo-os com as propostas do movimento operário de redistribuição

30 GRAEBER, David. Op. cit. 31 VIEIRA, Liszt. Op. cit. p.78

17

de renda, redução da carga horária de trabalho, direitos sociais. Todos unificados pela

cidadania. Esse movimento não objetiva o afrontamento com o Estado e nem a tomada

de poder do mesmo, reconhecendo o seu poder e o do mercado dentro de uma

legitimidade democrática. Constitui na construção da sociedade civil face ao Estado e

ao Mercado, seu eixo central32.

Para a materialidade de sua proposta, essa democracia cidadã deve ser mais do

que um status legal, mas o elemento central de uma cultura política compartilhada. O

Estado deverá ampliar sua eficácia não apenas de aperfeiçoamentos técnicos e

burocráticos de sua governabilidade, mas principalmente democratizando todas as suas

instituições e abrindo canais permanentes de comunicação e participação da sociedade

civil nas decisões com uma verdadeira descentralização do poder através de espaços-

públicos não estatais como condição para a democracia contemporânea33.

A realização desse modelo, que já se encontra como uma tendência na realidade

social, requer transparência absoluta das atividades do Estado e o seu controle irrestrito

pela sociedade. Para tanto são necessários instrumentos que combinem as instituições

atuais com mecanismos de participação efetiva e deliberativa como: consultas,

referendo, plebiscito e formas de participação paritárias que comportem elementos do

poder público e da sociedade civil, como as instituições conselhistas. 34

O filósofo Jürgen Habermas, herdeiro e expoente da segunda geração da Escola de

Frankfurt, projeta-se em um ideal de democratização da sociedade sob uma ótica

emancipatória e universalizável. Fundamentado por sua teoria do discurso, Habermas

sustenta a idéia da necessidade de espaços públicos independentes onde os cidadãos

ativos, através do discurso argumentativo, produziriam consensualmente as leis que

vigorariam na sociedade.35

A concepção de mundo da vida para Habermas, local de onde emerge a moral, se

traduz por três componentes estruturais, sendo: a cultura como estoque de saber da

comunidade; a sociedade (integração social) como o conjunto de ordenamentos

legítimos pelos quais são reguladas as solidariedades dos membros da comunidade; e, a

personalidade representando as identidades pessoais que qualificam o viver em

sociedade; Habermas propõe que essas relações sociais ocorrem por um processo

mediatizado lingüisticamente, onde os indivíduos interagem organizando suas ligações

32 Idem. Ibidem 33 Idem. Ibidem 34 Idem. Ibidem. 35 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre faticidade e validade, v.I

18

recíprocas e coordenando seus projetos de ação. Para esse fenômeno Habermas

designou o termo “agir comunicativo”.36

Para Habermas existe um nexo interno entre a democracia e o Estado de direito.

Ao considerar a complexidade da sociedade contemporânea – essencialmente pluralista

– Habermas percebe que a legitimação do direito, de uma maneira ideal, só se concebe

através do processo democrático, pois apenas esse garante a autonomia privada e

pública dos sujeitos do direito. Ou seja, o processo democrático, permite que os direitos

sejam formulados de maneira adequada, uma vez que os afetados pela imposição

política desses direitos, foram esclarecidos em discussões públicas sobre a sua

relevância e esses direitos são conseqüência de um consenso mediatizado por discussões

regradas.37

Na proposta habermasiana os participantes do discurso, em um espaço público

autônomo, são conduzidos, na discussão argumentativa, por regras pertinentes a um

discurso prático, devendo ser orientados por princípios. No caso, é imposto um

princípio de universalização que pressupõe que interesses que não são universalizáveis

não podem ser pautados como fundamentação de normas legítimas. Supõe que as

normas são racionalmente validáveis e suscetíveis de serem falsas ou verdadeiras, sendo

frutos de um consenso fundado num discurso conduzido por uma regra de

argumentação prescrita no que Habermas denomina princípio “U”:

“Toda norma válida deve satisfazer a seguinte condição:

as conseqüências e os efeitos secundários que presumivelmente afetarão a satisfação dos interesses de cada um em particular, caso a norma venha a ser obedecida em geral, devem poder ser aceitas, sem constrangimento, por todas as pessoas afetadas”38

Por sua vez, o princípio de universalização justifica o da ética do discurso, ou

princípio “D”, sendo este pressuposto pela escolha de normas fundamentadas, cuja

pressuposição é o princípio “U”, compreendido como “princípio ponte”39. O enunciado

do princípio “D” é: “são válidas as normas de ação com as quais poderiam concordar,

enquanto participantes de discursos racionais, todas as pessoas possivelmente

36 Id. Ibid 37 Id. Ibid 38 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre faticidade e validade, vol II. Trad. Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003.pág.322 39 CASTRO FARIAS, José Fernando de. Ética, Política e Direito. Rio de Janeiro: Lumens Júris, 2004. pág.76

19

afetadas.”40 As condições de validade das normas, são interpretadas por uma

comunidade, cujos membros se entendem entre si no interior de um mundo da vida

compartilhado intersubjetivamente41.

A teoria do discurso de Habermas traz elementos importantes para uma

radicalização da democracia. Tendo o espaço público, como uma arena de discursos,

independente do poder político do Estado, ele parte do pressuposto de que cidadãos

conscientes e civicamente ativos agem pelo entendimento solidário e não pelo interesse

pessoal. Essa reconstrução emancipatória racionalizada do espaço público, que

contempla elementos pluralistas, discursivos, solidários e sobretudo participativos, é

uma proposta condizente com as demandas coletivas das novas democracias, dentro do

aspecto procedimental e ético que ela representa.

No entanto, ela se sustenta por pilares frágeis. Primeiro pela necessidade de uma

“comunicação perfeita” que leva ao entendimento. Ela inclui o dissenso, mas a

discussão regrada extrai os argumentos mais pertinentes que prevalecerão e daí deve

ocorrer a aceitação, pelos participantes, desses preceitos. Segundo, ela pressupõe que os

participantes ajam por interesses universalizáveis e não estritamente individuais, ou

seja, que haja uma convergência de interesses individuais com o bem comum. Terceiro,

que as normas decorrentes sejam obedecidas mais por “respeito à lei”, do que por

coação uma vez que são advenientes de um consenso. Habermas embora seja contrário a

“idealizações excessivas”, parece sustentar sua teoria em “ideais fortes”, que requerem

mais do que uma tradição cultural, costumes estabelecidos, educação fortemente cívica

e meios propícios... Portanto deve ser tomada apenas como um ideal procedimental que

assegura mecanismos de participação de todos, sob igualdade de acesso e condições e

na multiplicidade de conteúdos.

Em direções similares, além da proposta de Habermas que já foi

estudada, se dão os apontamentos de Boaventura de Souza Santos. Primeiro quanto a

um novo contrato social, que deve englobar não apenas o homem e os grupos sociais,

mas também a natureza. Essa inclusão se daria por critérios de igualdade e de diferença

e incluiria o espaço-tempo local, regional e global – um pouco da máxima ambientalista

de pensar globalmente e agir localmente – também não haveria uma sede própria para a

sociedade civil e o estado, o público e o privado; e nem uma materialidade institucional

40 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre faticidade e validade, vol II. Trad. Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003.pág.323. 41 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre faticidade e validade, v.I

20

específica como cultura, política e economia, fundando-se na deliberação democrática

enquanto exigência cosmopolita42.

Na esfera do trabalho, este deveria ser democraticamente compartilhado,

sabendo partilhar da atividade criadora do mundo com o trabalho da natureza. O

trabalho deveria ser redistribuído em nível global através de redução de carga horária e

de uma cidadania global desnacionalizada. Outros pontos que fortaleceriam o trabalho

seriam a separação do trabalho produtivo e economia real de um lado e capitalismo

financeiro (economia de cassino) de outro; a adoção de impostos globais que

desacelerem o espaço-tempo das relações de cambio; perdão da dívida externa dos

países pobres e reinvenção do movimento sindical que se tornou demasiadamente

institucionalizado e deixou de ser movimento.43

Boaventura concebe no seu modelo o Estado como um “novíssimo movimento

social” que se representaria como uma luta pela democratização das tarefas de

coordenação estatal. A perda Estatal do monopólio regulatório da economia seria

compensada pelo fortalecimento da cidadania ativa, sendo que, nesse estado vigoraria

uma democracia redistributiva que se daria por uma complementação da democracia

representativa por uma participativa, de maneira similar à proposta anterior. Para esse

Estado, fundado na solidariedade, deveria haver uma cooperação entre Estados na busca

da redução das desigualdades, onde o espaço-tempo nacional se estenderia ao global.44

Os caminhos sucintamente apontados enredam o direcionamento para uma

democracia contemporânea, conforme dito, mais condizentes com a sociedade atual e

com a acepção da palavra. Contudo, não há como negar que as teorias apontadas aqui se

sustentam por idealizações excessivas e que há uma sobrecarga na capacidade funcional

da sociedade civil, dos movimentos sociais e do associativismo em geral em promover

maior legitimidade democrática e correções institucionais.

Estudos como o de Kerstenetzky, acusam o associativismo de certo conformismo,

gerador de apatia política e às vezes de políticas de facções. Ao longo da existência de

uma associação, há um esvaziamento do discurso político na proporção que se aumenta

a coesão associativa, onde se passa a buscar a provisão de um bem coletivo específico e

produzir ativamente apatia política45. Boschi, por sua vez, diz que, embora os

42 SOUZA SANTOS, Boaventura de. Op. cit. 43 Idem. Ibidem. 44 Idem. Ibidem. 45 KERSTENETZKY, Célia L. Sobre associativismo, desigualdades e democracia. In: Revista Brasileira de Ciências Sociais. v. 18 n. 53. São Paulo, out. 2003.

21

movimentos associativos possam prover e expressar alguma democracia interna, não se

pode negligenciar o aspecto que os próprios movimentos podem “conter as sementes

imperceptíveis da opressão, em vista de sua dinâmica interna e o fato de que podem

reproduzir elementos do ambiente institucional ao seu redor”46.

Nesse sentido é apontado a ação positiva do Estado, através de políticas

redistributivas (como nas perspectivas rawlsianas), como melhor caminho para ampliar

a legitimidade democrática e reduzir as desigualdades políticas. Já que o estímulo ao

associativismo não se traduz necessariamente em maior participação e menor

desigualdade47.

Esse direcionamento, também amplamente discutido academicamente, aposta na

ação estatal e no próprio Estado e suas instituições como veiculo capaz de corrigir as

assimetrias sociais e ampliar a democracia na sociedade, reduzindo a pressão na

participação social, pois aos indivíduos cumpre um papel mais limitado e secundário.

Acredito ser a ação do Estado complementar e necessária, principalmente na

direção de algumas ações que convergem significativamente com o segundo princípio

da justiça de John Rawls. O princípio da diferença, onde: as desigualdades sociais e

econômicas devem ser ordenadas de tal modo que sejam ao mesmo tempo: a)

consideradas vantajosas para todos dentro dos limites do razoável; e b) vinculadas a

posições e cargos acessíveis a todos 48. Nesse sentido, alguns exemplos de ações

positivas governamentais como “o sistema de quotas” e a “bolsa família”, apesar das

fragilidades e distorções, são importantes e podem trazer resultados positivos.

Entretanto, focando os conflitos de interesses que perfazem na realidade social, a

máquina estatal e suas ações vem se mostrando insuficientes e extremamente limitadas

ainda que nas políticas redistributivas. Principalmente se se considera a nossa história

em promover soluções equilibradas (democráticas) para esses conflitos. Ao contrário, a

realidade nos mostra que o Estado trabalha muito mais em prol de grupos

economicamente mais favorecidos ou de as suas alianças do que daqueles que realmente

precisam dele. Nesse viés a fiscalização da sociedade civil e a ampla participação

democrática são inarredáveis como complementares a atuação do Estado na busca de

caminhos para as mudanças sociais.

46 BOSCHI, Renato Raul. A Arte da Associação, Política de Base e Democracia no Brasil. Rio de Janeiro : Vértice, 1987. p. 31 47 KERSTENETZKY, Célia L. Op. cit. 48 RAWLS, John. Uma Teoria da Justiça. Trad. Almiro Pesetta e Lenita M.R. Esteves. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

22

3 – Os personagens

Conforme previsto por Tocqueville, o mundo moderno dentro de suas

perspectivas igualitárias seria necessariamente individualista e tenderia a alienação

política. A análise de Durkheim converge em alguns pontos, mas sustentada por outras

veias da realidade. Segundo ele, se distinguem duas formas de solidariedade social: 1ª -

a mecânica, encontrada nas sociedades anteriores ao capitalismo. Nessa solidariedade,

em que os indivíduos se identificam através da família, da religião, da tradição, dos

costumes, há uma maior coesão social pela pequena diferenciação entre os indivíduos

que reconhecem os mesmos valores e tradições. E, 2ª - a solidariedade orgânica,

presente nas sociedades capitalistas, onde, através da divisão do trabalho social, os

indivíduos tornam-se mais individualizados. A integração social e a solidariedade não

se garantem mais pela tradição. A organicidade está nas distintas funções necessárias

que os indivíduos exercem na sociedade, analogamente aos órgãos de um ser vivo.

Assim a divisão do trabalho compreende mais do que o aumento da produtividade, mas

uma solidariedade gerada entre os homens. Na solidariedade mecânica o direito que

vigoraria seria mais próximo ao penal, já nas orgânicas seria mais próximo ao civil.49

Quando a solidariedade social era mecânica a consciência coletiva atingia a maior

parte dos membros desta sociedade. Nas sociedades dominadas pela solidariedade

orgânica há uma redução desta consciência coletiva pela diferenciação dos indivíduos.

Desta forma, à medida que a solidariedade social mecânica se transformava em

solidariedade orgânica, a consciência coletiva dos indivíduos diminuiria e aumentaria a

consciência individual.50

Não pretendendo confrontar os autores, o que demandaria muito mais

profundidade, apenas adentrar num pormenor quanto algumas formas de se conceber o

mundo. Enquanto Durkheim compreendia a sociedade como um todo, não relevando

muito alguns elementos como os indivíduos, considerando-a como um epifenômeno

pautado numa cultura científica tradicional que o levava a propor modelos mais

“fechados” com leis gerais. Tocqueville percebia uma maior sinergia entre os elementos

do mundo, encontrava traços de continuidade no caminhar da história, além de não se

colocar em uma posição de “imparcial observador”, convergindo ciência e política. Essa

49 DURKHEIM , Emile. A Divisão do Trabalho Social. São Paulo: Martins Fontes, 1999. 50 Id. Ibid.

23

posição parece mais condizente com as orientações mais complexas de se conceber o

mundo, o que se mostra mais afim a perspectiva desse estudo.

Excluindo-se esse pormenor, retornamos ao fato de que o individualismo, para

ambos os autores, é uma característica marcante da sociedade capitalista e a apatia

política impera dentre a maior parte dos cidadãos. Conforme ressalta Zygmunt Balman

“a individualização é uma fatalidade e não uma escolha. Na terra da liberdade

individual de escolher, a opção de escapar à individualização e de se recusar a

participar do jogo da individualização está decididamente fora da jogada”. 51

Não pretendo aqui esgotar os fatores que corroboram o comportamento em

sociedade dos indivíduos e nem pretendo excluir as idiossincrasias pertinentes a cada

um, suas características próprias que somadas à formação determinam a personalidade.

Apenas agrupar alguns elementos mais facilmente identificáveis na busca de

compreender como poderia se dar um exercício mais amplo de cidadania no atual

contexto.

Partindo para uma reflexão sobre como os indivíduos que se encontram no cenário

em que o mundo se configurou, é possível extrair alguns elementos que colaborem

nessa compreensão. Primeiro não existe grandes fomentos para uma educação familiar

ou institucional cívica, de exercício da cidadania. Isso é algo quase inexistente em

países como o Brasil e talvez, indesejada, predominando as orientações no sentido de

agir pelos próprios interesses e não solidariamente. Por outro lado, as orientações

religiosas costumam conduzir o indivíduo à aceitação de sua condição ou missão,

quando não são absorvidas pelo sistema.

Ademais, deve-se reconhecer que a sociedade de consumo: I - alimenta bem os

prazeres narcisísticos mais entranhados nos desejos humanos, os indivíduos são

seduzidos por cores, imagens e propagandas que despertam profundamente suas

necessidades materiais mais fúteis e os compele a consumir. II - Numa inegável e forte

competição individual, o termo “status” atinge ainda uma conotação mais profunda e

“ter” tem muitas vezes ligação direta com sociabilidade e aceitação em grupos. III - A

relação de compra é uma relação de prazer (para alguns, muitas vezes análoga, ou talvez

homóloga, à utilização de um entorpecente). No final das contas a sociedade de

consumo satisfaz bem às tendências à estabilidade, ao acesso fácil, ao conforto etc.

51 BAUMAN, Zygmunt. Op. cit. p.43

24

A estrutura social garante conforto e satisfação em níveis razoáveis para uma

parcela significativa da população, sobretudo os que têm mais consciência e educação.

O dinamismo do mundo atual, fator importante no que diz respeito à participação

política dos indivíduos, obriga que estes estejam sempre se reciclando para entrar e

permanecer no supercompetitivo mercado de trabalho, isso lhes toma tempo e energia

significativos, refletindo na desconsideração de assuntos que não os seus próprios.

Conforme ressalta Richard Sennett, a perda acentuada da “rotina”, outrora

característica marcante da sociedade moderna, reflete na perda da segurança e proteção

que a mesma garantia ao indivíduo, que era guiado por seus hábitos, que por sua vez

davam sentido à sua vida e configuravam o seu caráter52.

Já os que vivem em condições mais precárias, sem emprego ou qualquer tipo de

trabalho formalizado, são os menos educados e muitas vezes a sua própria condição,

lhes impede de se organizarem e reivindicar melhoras. Possuem como seus maiores

educadores a mídia que, quando não os conduz a uma conformação, os alimenta no

sonho de acesso aos bens e produtos das classes mais altas, induzindo-os a acreditar em

uma mobilidade social que não condiz com a realidade, quando não os fascina a tomar

caminhos tortuosos e violentos para atingir esses bens de consumo. De qualquer

maneira encontram seu “ópio” e sua “felicidade” independentemente da precariedade

material e vivem suas vidas.

Para a analise de Bauman, o contexto do mundo atual conflui para uma falsa

sensação de liberdade, onde as pessoas vivem um tipo de “escravidão” e se sentem

livres dentro dela, não necessitando se libertar. Bauman aponta que a liberdade não

pode se dar contra a sociedade, que não obstante o insuperável individualismo e a

liberdade que ele gera, as condições de controlabilidade das relações sociais devem ser

garantidas contra a anomia.

Ele expõe dentro desse contexto duas formas de liberdade que se sucedem em

dois tipos de indivíduos: os de jure que são aqueles cuja liberdade se dá de forma

negativa, legalmente imposta e corresponde a uma alienação da situação real pelo

invólucro da vida privada; e, os de facto onde prevalece a autonomia, a

autodeterminação e uma liberdade genuína, o indivíduo é um cidadão ativo e

participante das questões públicas que lhes são pertinentes.

52 SENNETT, Richard. A Corrosão do Caráter. Tradução de Marcos Santarrita. Rio de Janeiro: Ed. Record, 1999.

25

A constante invasão da esfera publica pelos problemas privados, esse

esvaziamento do espaço público das questões verdadeiramente públicas para “a

confissão dos segredos e intimidades privadas”53, representa um grande e crescente

óbice à transição do indivíduo de jure para o de facto, pois ela despe o indivíduo de sua

cidadania e o expropria de seus “interesses e capacidades de cidadãos” 54. Nesse

sentido, a transição só é possível caso o indivíduo de jure se torne um cidadão, onde a

autonomia individual representa a autonomia da sociedade através de uma constituição

deliberada compartilhadamente pela sociedade e pelo indivíduo55. Dessa forma se

repovoaria o espaço público como um lugar de encontro, debate e negociação entre o

indivíduo e o bem comum; e, só assim dando sentido a qualquer busca emancipatória

para o ser humano.

3.1 -A atuação

O modelo liberal pode ser considerado o precursor da idéia de uma cidadania

universal, estabelecendo garantias contra o poder Estatal e implementando a concepção

de que todos nascem livres e iguais. Esse modelo traz a idéia de liberdade individual,

compreendida como um acervo de garantias legais. Por outro lado, ele não concebe a

necessidade de idéias como consciência pública e cívica que levam a participação ativa

na vida política56.

A inserção do indivíduo numa comunidade política e a valorização de sua

participação, encontrava no modelo republicano maior atenção, constatando que para

verdadeiramente garantir a liberdade, era necessário que se participasse da vida política

e se dedicasse ao bem comum57. A tradição histórica republicana excluía grande parcela

da população dessa participação, sempre limitada aos homens “bons” da sociedade e foi

caminhando para a profissionalização dos políticos. A estrutura em si, conforme afirma

David Graeber, era o modelo da república romana, combinava elementos da monarquia

– um presidente – elementos da aristocracia – o senado – e alguns elementos

53BAUMAN, Zygmunt. Op. cit. p.49 54 Idem. Inidem. p.50 55 Id. Ibid. 56 VIEIRA, Liszt. Op. cit.2001 57 Id. Ibid.

26

democráticos limitados. Mantinha uma estrutura centralizadora e mantenedora do

poder58. As conquistas maiores estão associadas ao modelo representativo,

principalmente quanto ao sufrágio universal, sem prejuízo de instancias outras de

participação.

O voto representa propagadamente o auge da cidadania. A escolha pelos cidadãos

dos seus representantes de forma universalizada, ainda é tido como o fundamento

máximo da democracia. Por outro lado, conforme visto, essa democracia não se mostra

suficientemente democrática, assumindo mais ares de uma oligarquia aristocrática

travestida de democracia, supostamente poliárquica (poliarquia de Dall). O cidadão vota

e como se tirasse um peso dos ombros, deposita sua confiança em seu candidato que

exercerá para ele todos os seus demais deveres cívicos, enquanto vive sua vida privada.

Tomando como exemplo a nação brasileira, como aponta José Murilo de

Carvalho, primeiramente a ascensão do exercício da cidadania na história, ao contrário

de países como a Inglaterra, Alemanha e EUA, se deu por uma ordem inversa na

evolução dos direitos. Primeiro, através do presidente Getúlio Vargas, se deram os

direitos sociais, num contexto de um ditador populista e de forma paternalista; depois

vieram os direitos políticos, num momento de ditadura militar onde os órgãos de

representação política eram meramente decorativos; e, por último vieram os direitos

civis, ainda inacessíveis a grande parte da população59.

Essa inversão na pirâmide ocasionou uma excessiva valorização do Poder

Executivo, onde tradicionalmente a população busca um messias para salvar a nação

dos problemas que a assolam e trazer a felicidade para todos. O que corrobora na

política clientelista, paternalista e corporativista que predomina no país e desemboca nas

crises políticas que cada vez mais calejam a sociedade e lhes planta a incerteza ou o

cinismo quanto ao atual sistema político60.

Por outro lado, a passividade ainda impera para a grande maioria. A sociedade não

se organiza autonomamente e os interesses corporativos sempre prevalecem. Onde o

modelo representativo atende muito mais a interesses de grupos específicos do que ao

verdadeiro interesse da nação, sobretudo quando se considera a situação global, onde

58 GRAEBER, David. Op. cit. 59 CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 2001 60 Id. Ibid.

27

essa representatividade, não apenas no Brasil, mas em grande parte do mundo, atende

aos obscuros interesses do mercado hegemônico.61

Hoje, pode-se destacar a emergência de uma nova perspectiva de cidadania,

diferente do modelo liberal e do republicano, de caráter culturalista, que busca deixar de

ser um processo funcional e passageiro, para se tornar um processo contínuo de

participação e um processo ininterrupto de legitimação e legalidade. Representado pelas

associações que surgem do seio da sociedade, através dessa perspectiva democrática,

demandas públicas coletivas ou difusas podem ser levadas ao debate dentro de espaços

públicos de forma política, ampliando o aspecto da própria política e exercendo um

importante papel na construção desses espaços62.

Objeta-se contra a perspectiva culturalista apontamentos de uma corrente

imobilização das associações civis que se institucionalizam sendo “dominadas” pelo

poder estatal e muitas vezes (conforme visto) a apatia política gerada quando interesses

privados se sobrepõem ou interesses muito específicos se tornam formas de exclusão63.

Entretanto, essas objeções devem ser tomadas como alerta no sentido de se implementar

meios que diminuam ou impeçam essas distorções de forma a garantir que a perspectiva

culturalista continue despontando como melhoras efetivas na estrutura política no

caminho de uma democracia mais verdadeira.

4 - O desfecho

Apesar de uma constatável insuficiência da estrutura democrática tradicional, que

exclui do jogo das decisões os interesses da maior parte dos indivíduos. De uma falsa

democracia a serviço de grupos economicamente favorecidos (elites globais ou locais

dependendo da perspectiva). De um totalitarismo quase imperceptível travestido nos

formalismos e na estrutura legitimadora do Estado. A luta contra os males do “novo

capitalismo” vem encontrando enormes dificuldades e vem se mostrando como algo

muito distante e utópico dentro de um horizonte possível.

Primeiro a estrutura ideológica e de poder global é quase onipotente, podendo

sofrer no máximo pequenas fissuras. Segundo, a sociedade de consumo domestica

muito bem o ser humano, acorrentando-o dentro de sua própria vida individual e o

61 Id. Ibid. 62 VIEIRA, Liszt. Op. cit. 2001 63 Id. Ibid.

28

alimentando com entretenimentos e prazeres que lhes amansa os anseios. Não que não

haja anseios de melhoras ou necessidades reais, ou que todos estejam satisfeitos e não

haja indignação, mas, as condições do mundo atual, de uma grande e voluntária

alienação, não apontam caminhos imediatos de mudanças. Isso acarreta a apatia e a

incerteza generalizada daqueles que se vêm descrentes do sistema, mas o aceitam por

acreditar que as coisas são como são e não vão mudar.

No caso dos que se rebelam, individualmente ou se organizam em movimentos

sociais, ONGs entre outros, vimos – quando não agem em benefício próprio, ou se

tornam partidos políticos ou similares, almejando o poder para se tornarem a “mesma

coisa de outro jeito” – apontar um caminho condizente com o mundo multiculturalista e

com as aspirações mais profundas de democracia. Conforme Tocqueville deve haver um

leito adequado, um “costume”, uma educação profunda que oriente na participação

política efetiva. Mas trata-se de uma educação que se aprende fazendo, que se cria e se

recria além das formas tradicionais, na prática, no dia-a-dia. Deve ser considerada a

condição humana em seus múltiplos aspectos, em sua complexidade conforme Edgar

Morin, para que modelos ideiais sejam tomados como referências a serem seguidas e

não projetos acabados a serem impostos. Observar a história para além da história tida

como importante, que na verdade é excludente, e perceber que as relações de poder,

hierarquização, violência, exploração etc. que acompanham a espécie humana nas

diferentes culturas e meios, são muito mais distintas nos nomes que foram dados para

dadas épocas, do que o são realmente (ainda que existam diferenças).

Alguns potentes argumentos, como os de Joseph Heath e Andrew Potter, em sua

obra conjunta The Rebel Sell, afirmam ser impossível contestar o atual sistema

capitalista, porque qualquer meio que se empregue para contestá-lo – na crença de que

este requer o conformismo de seus consumidores – será absorvido por ele e vendido de

volta para o subversivo. Na realidade se estaria alimentando o sistema partindo da

competição entre os próprios rebeldes, corroborando na lógica funcional do mesmo. Ou

seja, uma subcultura subversiva, as rebeliões do tipo Fórum Social Mundial, um sistema

alternativo de troca, um movimento social revolucionário, tudo isso faz parte da própria

lógica interna do capitalismo e, da mesma forma em que os Hippies, que eram nas

décadas de 60 e 70 o auge da contra-cultura e da contestação do sistema, foram

cooptados pelo sistema e tiveram seus “ideais” revendidos com etiquetas de grife, as

demais formas de contestação tendem a seguir o mesmo destino. Desta forma seria mais

significativo operar dentro do sistema político tradicional do que bater de frente contra

29

ele, abrindo mais canais de participação, gastando energia desnecessária com exigências

radicais, e impossibilitando pequenas mudanças (ou alguma) pela via das políticas

tradicionais64.

Conforme ressalta David Graeber, “... o argumento é perfeitamente circular. Ele

define princípios a partir de sua conclusão...”, mas confrontados com uma perspectiva

histórica maior, perdem completamente o sentido, pelo fato de tenderem a uma

imutabilidade que não existe. Graeber aponta as festas carnavalescas na era medieval,

que zombavam dos senhores, mas que eram amplamente aceitas como forma de se

liberar energia dos camponeses e que na realidade foram os maiores palcos das revoltas

camponesas e contribuíram sobremaneira para produzir o mundo de hoje. O que

Graeber aponta é que não importa o quão forte o capitalismo possa parecer, ele não

pode deter o tempo e mudanças estão vindo e sempre virão, não importam quais sejam

elas.65

A perspectiva de Graeber é de que a percepção dos revolucionários e

reformadores sociais em não mais lutar pelo poder, e buscar radicalizar o processo

democrático, despertam otimismo quanto a mudanças. Para ele, essas estruturas

culturalistas – de auto-organização, de associação voluntária, de autonomia, de

autogestão, de horizontalidade, os associativismos de uma forma geral e suas propostas

subversivas – estão incrustadas nas fissuras do atual sistema e representam para ele a

mais profunda democracia, a democracia sem poder, ou anarquia (conforme o autor, os

rótulos não importam)66.

Para o desfecho desta discussão, cabe explicitar que uma questão central a

permeou em cada um de seus parágrafos: o que é democracia? Navega-se sobre uma

realidade que se impõe, das muitas nações num contexto global que são consideradas

democracias (ao menos um número significativo delas), mas que essencialmente e

historicamente atendem aos interesses de uma parcela restrita de indivíduos, relegando

ao segundo plano um todo global, cultural e etnicamente diverso (caso contrário,

acredito, não haveriam tantas e tão extremas desigualdades).

Por outro lado deposita-se uma credulidade especial na abertura de canais de

participação que permitem a atuação direta da sociedade civil, auxiliando o Estado para

64 BUARQUE, Daniel. O Avesso do Avesso. IN Mais! Suplemento da Folha de São Paulo. P. 4-6. Em 14 de agosto de 2005 65 GRAEBER, David. Op. cit. 66 Id. Ibid.

30

ampliar a legitimidade democrática e reduzir as desigualdades políticas (por vezes

flutuando sobre idealismos e utopias). Uma perspectiva que também não apresenta

garantia nenhuma de que venha a funcionar dentro do que se propõe.

BIBLIOGRAFIA

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Trad. Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1999. BUARQUE, Daniel. O Avesso do Avesso. IN Mais! Suplemento da Folha de São Paulo. P. 4-6. Em 14 de agosto de 2005 BOSCHI, Renato Raul. A Arte da Associação: Política de Base e Democracia no Brasil. Rio de Janeiro : Vértice, 1987. CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 2001. CASTRO FARIAS, José Fernando de. Ética, Política e Direito. Rio de Janeiro: Lumens Júris, 2004. DURKHEIM , Emile. A Divisão do Trabalho Social. São Paulo, 1999, Martins Fontes. GRAEBER, David. O Carnaval está em Marcha. Trad. Luiz Roberto Mendes Gonçalves IN Mais! Suplemento da Folha de São Paulo. P. 4-6. Em 14 de agosto de 2005 HABERMAS, Jürgen. O Cisma do Século XXI. Trad. IN Mais! Suplemento da Folha de São Paulo. P. 4-6. Em 24 de abril de 2005 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre faticidade e validade, vol I e II Trad. Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. KERSTENETZKY, Célia L. Sobre associativismo, desigualdades e democracia. In: Revista Brasileira de Ciências Sociais. v. 18 n. 53. São Paulo, out. 2003. MARX, Karl. ENGELS, Friedrich. O Manifesto Comunista. Trad. Maria Lucia Como. 4.ed Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998 MARX, Karl. Textos Selecionados; Os Pensadores.2.ed. Seleção de Francisco C. Weffort. Trad. Leonidas Gontijo de Carvalho et al. São Paulo: Abril Cultural, 1980. MELLO, Marcelo Pereira de. Justiça e Sociedade: Temas e Perspectivas. São Paulo: LTR, 2001.

31

MORIN, Edgar. Ciência com Consciência; Edição revista e modificada pelo autor. 7.ed. Trad. Maria D. Alexandre e Maria Alice Sampaio Dória. São Paulo: Bertrand Brasil, 2003. PENA-VEGA, Alfredo. O Despertar Ecológico; Edgar Morin e a ecologia complexa. Trad. Renato Carvalheira do Nascimento e Elimar Pinheiro do Nascimento. Rio de Janeiro: Garamond, 2003. RANCIÈRE, Jacques et al. A Descoberta da Democracia. Trad. Luiz Roberto Mendes Gonçalves. IN Mais! Suplemento da Folha de São Paulo. P. 4-7. Em 31 de julho de 2005 SENNETT, Richard. A Corrosão do Caráter. Tradução de Marcos Santarrita. Rio de Janeiro: Ed. Record, 1999. SOUZA SANTOS, Boaventura de. Reinventar a democracia: entre o pré-contratualismo e o pós-contratualismo. In: A Crise dos Paradigmas em Ciências Sociais e os Desafios para o Século XXI, Ed. Contraponto/Corecon, Rio de Janeiro, 1999. TOCQUEVILLE, Aléxis de. A Democracia na América Textos Selecionados; Os Pensadores.2.ed. Seleção de Francisco C. Weffort. Trad. Leonidas Gontijo de Carvalho et al. São Paulo: Abril Cultural, 1980. VIEIRA, Liszt. Cidadania e Globalização. São Paulo: Editora Record, 2000. VIEIRA, Liszt. Os Argonautas da Cidadania; A sociedade civil na globalização. 4.ed. São Paulo: Editora Record, 2001. .

32