33
de Janeiro - RJ - IMPA/UFRJ - VIII Bienal da Sociedade Brasileira de Mateamática - Rio de Janeiro - RJ - IMPA/UFRJ - VIII Bienal da Sociedade B O problema da trissecção do ângulo F RANCISCO MEDEIROS 1 LUCAS GUANABARA 2 20 de abril de 2017 1 IFRN Campus Natal-Central, docente.ifrn.edu.br/franciscomedeiros 2 IFRN Campus Natal-Central, bolsista do Programa de Educação Tutorial (PET)

O problema da trissecção - UFRJim.ufrj.br/walcy/Bienal/textos/trisseccao.pdf · O problema da trissecção-do ângulo FRANCISCO MEDEIROS1 LUCAS GUANABARA2 20 de abril de 2017

  • Upload
    vodieu

  • View
    220

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: O problema da trissecção - UFRJim.ufrj.br/walcy/Bienal/textos/trisseccao.pdf · O problema da trissecção-do ângulo FRANCISCO MEDEIROS1 LUCAS GUANABARA2 20 de abril de 2017

VII

IBie

nald

aSo

cied

ade

Bra

sile

ira

deM

atea

mát

ica

-Rio

deJa

neir

o-R

J-I

MPA

/UFR

J-V

IIIB

iena

lda

Soci

edad

eB

rasi

leir

ade

Mat

eam

átic

a-R

iode

Jane

iro

-RJ

-IM

PA/U

FRJ

-VII

IBie

nald

aSo

cied

ade

Bra

sile

ira

deM

atem

átic

aR

iode

Jane

iro-

RJ

-IM

PA/U

FRJ

-

O problema da trissecçãodo ângulo

FRANCISCO MEDEIROS1

LUCAS GUANABARA2

20 de abril de 2017

1IFRN Campus Natal-Central, docente.ifrn.edu.br/franciscomedeiros2IFRN Campus Natal-Central, bolsista do Programa de Educação Tutorial (PET)

Page 2: O problema da trissecção - UFRJim.ufrj.br/walcy/Bienal/textos/trisseccao.pdf · O problema da trissecção-do ângulo FRANCISCO MEDEIROS1 LUCAS GUANABARA2 20 de abril de 2017

VII

IBie

nald

aSo

cied

ade

Bra

sile

ira

deM

atea

mát

ica

-Rio

deJa

neir

o-R

J-I

MPA

/UFR

J-V

IIIB

iena

lda

Soci

edad

eB

rasi

leir

ade

Mat

eam

átic

a-R

iode

Jane

iro

-RJ

-IM

PA/U

FRJ

-VII

IBie

nald

aSo

cied

ade

Bra

sile

ira

deM

atem

átic

aR

iode

Jane

iro-

RJ

-IM

PA/U

FRJ

-

2

Page 3: O problema da trissecção - UFRJim.ufrj.br/walcy/Bienal/textos/trisseccao.pdf · O problema da trissecção-do ângulo FRANCISCO MEDEIROS1 LUCAS GUANABARA2 20 de abril de 2017

VII

IBie

nald

aSo

cied

ade

Bra

sile

ira

deM

atea

mát

ica

-Rio

deJa

neir

o-R

J-I

MPA

/UFR

J-V

IIIB

iena

lda

Soci

edad

eB

rasi

leir

ade

Mat

eam

átic

a-R

iode

Jane

iro

-RJ

-IM

PA/U

FRJ

-VII

IBie

nald

aSo

cied

ade

Bra

sile

ira

deM

atem

átic

aR

iode

Jane

iro-

RJ

-IM

PA/U

FRJ

-

Sumário

1 Introdução 51.1 Contextualização . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51.2 Um pouco mais de história . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6

2 Construção por meio de régua e compasso 112.1 Os Instrumentos e as Regras . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 112.2 Construções básicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 122.3 Linguagem algébrica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15

3 Solução do problema 233.1 Algumas ferramentas do Cálculo . . . . . . . . . . . . . . . . . . 233.2 cos 20◦ não é construtível . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26

3

Page 4: O problema da trissecção - UFRJim.ufrj.br/walcy/Bienal/textos/trisseccao.pdf · O problema da trissecção-do ângulo FRANCISCO MEDEIROS1 LUCAS GUANABARA2 20 de abril de 2017

VII

IBie

nald

aSo

cied

ade

Bra

sile

ira

deM

atea

mát

ica

-Rio

deJa

neir

o-R

J-I

MPA

/UFR

J-V

IIIB

iena

lda

Soci

edad

eB

rasi

leir

ade

Mat

eam

átic

a-R

iode

Jane

iro

-RJ

-IM

PA/U

FRJ

-VII

IBie

nald

aSo

cied

ade

Bra

sile

ira

deM

atem

átic

aR

iode

Jane

iro-

RJ

-IM

PA/U

FRJ

-

4 SUMÁRIO

Page 5: O problema da trissecção - UFRJim.ufrj.br/walcy/Bienal/textos/trisseccao.pdf · O problema da trissecção-do ângulo FRANCISCO MEDEIROS1 LUCAS GUANABARA2 20 de abril de 2017

VII

IBie

nald

aSo

cied

ade

Bra

sile

ira

deM

atea

mát

ica

-Rio

deJa

neir

o-R

J-I

MPA

/UFR

J-V

IIIB

iena

lda

Soci

edad

eB

rasi

leir

ade

Mat

eam

átic

a-R

iode

Jane

iro

-RJ

-IM

PA/U

FRJ

-VII

IBie

nald

aSo

cied

ade

Bra

sile

ira

deM

atem

átic

aR

iode

Jane

iro-

RJ

-IM

PA/U

FRJ

-

Lista de Figuras

1.1 Solução de Arquimedes para a trissecção do ângulo AOB. . . . . 8

2.1 Construção de um ponto C fora da reta r. . . . . . . . . . . . . . 122.2 Construção de uma reta paralela a r passando por P /∈ r. . . . . . 132.3 Losango APSQ. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 132.4 Construção de uma reta perpendicular a r passando por P /∈ r. . . 142.5 Construção da mediatriz de um segmento AB. . . . . . . . . . . . 142.6 Construção da bissetriz do ângulo AOB. . . . . . . . . . . . . . . 152.7 Construção de Z a partir de 0 e 1. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 162.8 semirreta de origem em 0 passando por C. . . . . . . . . . . . . . 172.9 Construção do número 1/a. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 182.10 Ângulo α. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 192.11 Construção do ângulo de 60 graus. . . . . . . . . . . . . . . . . . 202.12 Relação entre a construção de α e a do cosα. . . . . . . . . . . . 202.13 Trissecção do ângulo de 90◦. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21

3.1 TVI: dado f(a) < d < f(b), existe c ∈ (a, b) tal que f(c) = d. . . 24

5

Page 6: O problema da trissecção - UFRJim.ufrj.br/walcy/Bienal/textos/trisseccao.pdf · O problema da trissecção-do ângulo FRANCISCO MEDEIROS1 LUCAS GUANABARA2 20 de abril de 2017

VII

IBie

nald

aSo

cied

ade

Bra

sile

ira

deM

atea

mát

ica

-Rio

deJa

neir

o-R

J-I

MPA

/UFR

J-V

IIIB

iena

lda

Soci

edad

eB

rasi

leir

ade

Mat

eam

átic

a-R

iode

Jane

iro

-RJ

-IM

PA/U

FRJ

-VII

IBie

nald

aSo

cied

ade

Bra

sile

ira

deM

atem

átic

aR

iode

Jane

iro-

RJ

-IM

PA/U

FRJ

-

6 LISTA DE FIGURAS

Page 7: O problema da trissecção - UFRJim.ufrj.br/walcy/Bienal/textos/trisseccao.pdf · O problema da trissecção-do ângulo FRANCISCO MEDEIROS1 LUCAS GUANABARA2 20 de abril de 2017

VII

IBie

nald

aSo

cied

ade

Bra

sile

ira

deM

atea

mát

ica

-Rio

deJa

neir

o-R

J-I

MPA

/UFR

J-V

IIIB

iena

lda

Soci

edad

eB

rasi

leir

ade

Mat

eam

átic

a-R

iode

Jane

iro

-RJ

-IM

PA/U

FRJ

-VII

IBie

nald

aSo

cied

ade

Bra

sile

ira

deM

atem

átic

aR

iode

Jane

iro-

RJ

-IM

PA/U

FRJ

-

Prefácio

Essas notas são parte de um trabalho de Iniciação Científica do estudante LucasMatheus Augusto Olimpio Guanabara, graduando do curso de Licenciatura emMatemática do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grandedo Norte, Campus Natal-Central (IFRN-CNAT).

O trabalho se resumia em uma pesquisa sobre (i) a história da geometria naGrécia Antiga, especialmente sobre os três problemas clássicos; (ii) a vida e a obrade matemáticos como Gauss e Abel; (iii) as diferenças entre a régua e o compassoeuclidianos com os instrumentos de mesmo nome usados atualmente; e (iv) a histó-ria da solução do problema da trissecção do ângulo. Com base na leitura de [3], vique poderia acrescentar à pesquisa alguns tópicos de Cálculo Diferencial para queo estudante pudesse usá-los no entendimento de algumas partes da solução clássicado problema da trissecção. Daí a ideia de se preparar um minicurso com essa abor-dagem do Cálculo Diferencial na solução de um problema clássico da Geometria,cuja solução se deu, concomitantemente, com o desenvolvimento da Álgebra.

Portanto, o trabalho aqui apresentado é uma exposição elementar, sem muitasformalidades, sobre a solução de um dos mais famosos problemas da Grécia An-tiga, com algumas pitadas de Cálculo Diferencial. O conhecimento do CálculoDiferencial de uma variável e noções básicas de Geometria Euclidiana Plana sãosuficientes para o entendimento dessas notas.

Quanto à confecção das notas em si, o estudante Lucas Guanabara contribuiucom a construção do Capítulo 1, que conta um pouco da história do problema datrissecção, e elaborou boa parte das figuras espalhadas ao longo do texto, todas elasgeradas no GeoGebra1. No Capítulo 2, apresentamos os instrumentos euclidianos,a noção de números construtíveis e algumas de suas propriedades, necessárias àsolução do problema da trissecção. Deixamos para o Capítulo 3 o arcabouço daprova da impossibilidade de trissecção de um ângulo arbitrário com o uso de apenasrégua e compasso, além de uma breve explanação dos principais resultados deCálculo Diferencial que utilizamos na solução do problema.

Natal, abril de 2017Francisco Batista de Medeiros

1https://www.geogebra.org/about

1

Page 8: O problema da trissecção - UFRJim.ufrj.br/walcy/Bienal/textos/trisseccao.pdf · O problema da trissecção-do ângulo FRANCISCO MEDEIROS1 LUCAS GUANABARA2 20 de abril de 2017

VII

IBie

nald

aSo

cied

ade

Bra

sile

ira

deM

atea

mát

ica

-Rio

deJa

neir

o-R

J-I

MPA

/UFR

J-V

IIIB

iena

lda

Soci

edad

eB

rasi

leir

ade

Mat

eam

átic

a-R

iode

Jane

iro

-RJ

-IM

PA/U

FRJ

-VII

IBie

nald

aSo

cied

ade

Bra

sile

ira

deM

atem

átic

aR

iode

Jane

iro-

RJ

-IM

PA/U

FRJ

-

2 LISTA DE FIGURAS

Page 9: O problema da trissecção - UFRJim.ufrj.br/walcy/Bienal/textos/trisseccao.pdf · O problema da trissecção-do ângulo FRANCISCO MEDEIROS1 LUCAS GUANABARA2 20 de abril de 2017

VII

IBie

nald

aSo

cied

ade

Bra

sile

ira

deM

atea

mát

ica

-Rio

deJa

neir

o-R

J-I

MPA

/UFR

J-V

IIIB

iena

lda

Soci

edad

eB

rasi

leir

ade

Mat

eam

átic

a-R

iode

Jane

iro

-RJ

-IM

PA/U

FRJ

-VII

IBie

nald

aSo

cied

ade

Bra

sile

ira

deM

atem

átic

aR

iode

Jane

iro-

RJ

-IM

PA/U

FRJ

-

Agradecimentos

Agradecemos o apoio do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologiado Rio Grande do Norte, Campus Natal-Central (IFRN-CNAT), em especial, às di-retorias de Pesquisa (DIPEQ/CNAT) e de Atividades Estudantis (DIAES/CNAT),que por meio de auxílio financeiro, tornaram possível nossa participação na VIIIBienal da Sociedade Brasileira de Matemática. O segundo autor também gostariade deixar registrado seu agradecimento ao Programa de Educação Tutorial (PET)da Física. É com satisfação que agradecemos também ao nosso colega Ailton Dan-tas de Lima, professor de Língua Portuguesa, pela leitura e pelas diversas corre-ções.

3

Page 10: O problema da trissecção - UFRJim.ufrj.br/walcy/Bienal/textos/trisseccao.pdf · O problema da trissecção-do ângulo FRANCISCO MEDEIROS1 LUCAS GUANABARA2 20 de abril de 2017

VII

IBie

nald

aSo

cied

ade

Bra

sile

ira

deM

atea

mát

ica

-Rio

deJa

neir

o-R

J-I

MPA

/UFR

J-V

IIIB

iena

lda

Soci

edad

eB

rasi

leir

ade

Mat

eam

átic

a-R

iode

Jane

iro

-RJ

-IM

PA/U

FRJ

-VII

IBie

nald

aSo

cied

ade

Bra

sile

ira

deM

atem

átic

aR

iode

Jane

iro-

RJ

-IM

PA/U

FRJ

-

4 LISTA DE FIGURAS

Page 11: O problema da trissecção - UFRJim.ufrj.br/walcy/Bienal/textos/trisseccao.pdf · O problema da trissecção-do ângulo FRANCISCO MEDEIROS1 LUCAS GUANABARA2 20 de abril de 2017

VII

IBie

nald

aSo

cied

ade

Bra

sile

ira

deM

atea

mát

ica

-Rio

deJa

neir

o-R

J-I

MPA

/UFR

J-V

IIIB

iena

lda

Soci

edad

eB

rasi

leir

ade

Mat

eam

átic

a-R

iode

Jane

iro

-RJ

-IM

PA/U

FRJ

-VII

IBie

nald

aSo

cied

ade

Bra

sile

ira

deM

atem

átic

aR

iode

Jane

iro-

RJ

-IM

PA/U

FRJ

-

Capítulo 1

Introdução

“No processo mecânico se perde irremediavelmente o melhor da ge-ometria.”

– Platão (427 – 347 a.C.), p. 200 de [5]

1.1 Contextualização

Os problemas matemáticos da Grécia Antiga formavam um conjunto de pro-blemas geométricos em que se procuravam as soluções usando apenas régua ecompasso, ou seja, problemas de construções geométricas, para usar um termomais moderno. Para os gregos, construir significava construir apenas com régua ecompasso. Esses problemas surgiam quando os gregos esbarravam na dificuldadede, apenas com régua e compasso, realizar algumas construções, como a de umheptágono regular.

Podemos dizer que há três desses problemas muito famosos e já bem estudadospela comunidade matemática: o problema da Quadratura do Círculo, em que sebuscava construir um quadrado cuja área fosse igual à área de um círculo dado;o problema da Duplicação do Cubo, em que se tentava construir um cubo cujovolume fosse o dobro do volume de um cubo dado; e o problema da Trissecçãodo Ângulo, em que se buscava construir o ângulo α/3 a partir de um dado ânguloα. Porém, os gregos não tinham ainda o instrumental matemático necessário paramostrar que tais construções eram, na verdade, impossíveis, o que viria ocorrersomente nos tempos modernos, mais de 2.000 anos após suas formulações. Deveser ressaltado que os instrumentos utilizados pelos gregos eram diferentes daque-les com mesmo nome dos dias de hoje. Por exemplo, diferentemente das réguasatuais, a régua utilizada por eles não possuía marcações e servia apenas como uminstrumento que permitia ligar dois pontos de um plano. Já o compasso, quando éretirado do plano, se fecha (vide Seção 2.1 para os detalhes sobre os instrumentose as regras).

Apesar de a história do completo esclarecimento deste problema ser uma das

5

Page 12: O problema da trissecção - UFRJim.ufrj.br/walcy/Bienal/textos/trisseccao.pdf · O problema da trissecção-do ângulo FRANCISCO MEDEIROS1 LUCAS GUANABARA2 20 de abril de 2017

VII

IBie

nald

aSo

cied

ade

Bra

sile

ira

deM

atea

mát

ica

-Rio

deJa

neir

o-R

J-I

MPA

/UFR

J-V

IIIB

iena

lda

Soci

edad

eB

rasi

leir

ade

Mat

eam

átic

a-R

iode

Jane

iro

-RJ

-IM

PA/U

FRJ

-VII

IBie

nald

aSo

cied

ade

Bra

sile

ira

deM

atem

átic

aR

iode

Jane

iro-

RJ

-IM

PA/U

FRJ

-

6 CAPÍTULO 1. INTRODUÇÃO

mais interessantes e instrutivas da história da Matemática (J. P. Q. Carneiro em[10]), vamos nos ater aqui a apenas uma pequena parte da viagem no tempo sobreo problema da Trissecção do Ângulo. Escolhemos esse problema devido a umapeculiaridade dele em relação aos problemas da Quadratura do Círculo e da Du-plicação do Cubo. A saber, além da origem do problema da trissecção ser poucoclara, temos também o fato de alguns ângulos admitirem trissecção, como o ân-gulo de 90◦ (vide Exemplo 3), enquanto não podemos quadrar um círculo nemduplicar um cubo, usando apenas régua e compasso, quaisquer que sejam seu raioe sua aresta, respectivamente. Esses fatos, de certa forma, tornam o problema datrissecção um pouco mais instigante em relação aos demais.

Não poderíamos terminar essa pequena introdução sem antes dizer que um dosnossos objetivos é mostrar como podemos usar algumas ferramentas do CálculoDiferencial, como o Teorema do Valor Intermediário, na resolução do problemada trissecção do ângulo. Talvez seja esse o único tratamento pouco usual (para asolução desse problema) apresentado nessas notas. Para isso, usamos [3], comoprincipal referência, além dos livros [2, 7, 10].

1.2 Um pouco mais de história

Algumas teorias sobre o surgimento do problema

Os problemas da quadratura do círculo e da duplicação do cubo possuem suaslendas, e até mesmo origens (veja, por exemplo, Cap. 4 de [4] ou [9]), bem aceitaspelos historiadores. Porém, as origens do problema da trissecção do ângulo sãoobscuras. Acredita-se que ele tenha surgido no contexto de problemas de cons-trução de polígonos regulares, tendo em vista que a construção de um polígonode nove lados envolve a trissecção do ângulo de 60◦ e que há evidências na lite-ratura que levam a supor que a construção de polígonos regulares foi um assuntobastante estudado pelos matemáticos da Grécia Antiga, talvez incentivados peladescoberta da construção do pentágono regular pelos Pitagóricos. Por exemplo, osantigos gregos achavam que podiam dividir ângulos em qualquer número de partesiguais por acharem ser possível construir um polígono regular com qualquer nú-mero de lados, por meio da divisão de um círculo em n lados iguais (problema deconstrução do n-ágono). Os gregos antigos conseguiram construir n-ágonos paran = 3, 4, 5, 6, 8, 10, 12, 15, 16 . . . . Note que tanto o heptágono (n = 7) quantoo eneágono (n = 9) não aparecem na lista. Isso porque, muito tempo depois, jáno século XIX, o matemático alemão Johann Carl Friedrich Gauss (1777 – 1855)mostrou que alguns polígonos regulares não eram construtíveis por meio de apenasrégua e compasso, através da publicação do seguinte teorema:

O n-ágono regular pode ser construído por meio de régua e compassose e somente se

n = 2rp1p2 · · · ps,

Page 13: O problema da trissecção - UFRJim.ufrj.br/walcy/Bienal/textos/trisseccao.pdf · O problema da trissecção-do ângulo FRANCISCO MEDEIROS1 LUCAS GUANABARA2 20 de abril de 2017

VII

IBie

nald

aSo

cied

ade

Bra

sile

ira

deM

atea

mát

ica

-Rio

deJa

neir

o-R

J-I

MPA

/UFR

J-V

IIIB

iena

lda

Soci

edad

eB

rasi

leir

ade

Mat

eam

átic

a-R

iode

Jane

iro

-RJ

-IM

PA/U

FRJ

-VII

IBie

nald

aSo

cied

ade

Bra

sile

ira

deM

atem

átic

aR

iode

Jane

iro-

RJ

-IM

PA/U

FRJ

-

1.2. UM POUCO MAIS DE HISTÓRIA 7

onde r ≥ 0 e p1 < p2 < · · · < ps são números primos da forma22m + 1. (Gauss, 1801)

Assim, por exemplo, não era possível construir polígonos regulares com 7, 9, 11,13, 14 e 18 lados.

Há também suspeitas que o problema da trissecção do ângulo tenha ocupadoos matemáticos no período do problema da duplicação do cubo:

É provável que o terceiro problema célebre, a trissecção do ângulo,tenha também ocupado a atenção dos geômetras no período do pro-blema da duplicação do cubo. Não há dúvida que os egípcios conhe-ciam como dividir um ângulo ou o arco de um círculo, em duas partesiguais; assim eles também deviam saber como dividir um ângulo retoem três partes iguais. Nós já vimos, além do mais, que a construçãodo pentágono regular era conhecida de Pitágoras e podemos inferirque ele podia dividir um ângulo reto em cinco partes. Deste modo,nessa altura, o problema da trissecção de um ângulo, ou o de dividirum ângulo num número qualquer de partes iguais, podia surgir natu-ralmente. (ALLMAN, 2005)1

No entanto, não podemos excluir a hipótese de esse problema ter nascido comouma extensão natural da bissecção de um ângulo, tarefa extremamente fácil e pos-sível de executar com régua e compasso (vide Problema 5). A divisão de um seg-mento de reta em várias partes iguais com esses instrumentos é simples (vide Exer-cício 5) e poderia, também, ter levado ao problema da trissecção do ângulo, numesforço de transpor para ângulos o que era possível efetuar em segmentos de reta.

Algumas “soluções” do problema

Tendo em vista o simples enunciado dos três problemas, parecia que suas solu-ções seriam uma tarefa trivial. Talvez por esse fato tenha sido difícil os gregos daantiguidade aceitarem que não era possível encontrar soluções usando aqueles ins-trumentos. Então, é natural que se encontrem, ao longo do tempo, várias tentativaspara resolver o problema. Por exemplo, parece ter sido Hipócrates (por volta de430 a.C.) quem fez a primeira contribuição aos problemas clássicos da Grécia An-tiga, inclusive apresentando uma solução para o problema da trissecção do ângulo,porém com uma construção impossível de se realizar por meio das ferramentas dosgregos antigos. No entanto, há autores que defendem ser Nicomedes, matemáticogrego do século II a.C., o primeiro matemático a apresentar uma solução para ostrês problemas. Para isso, construiu uma curva mecânica que ficou conhecida comoConchoide de Nicomedes, tornando sua solução fora do universo das construçõesgeométricas permitidas pelos gregos antigos. A construção dessa curva e a soluçãode cada um dos três problemas (por Nicomedes) estão bem detalhadas em [5].

1Tradução livre.

Page 14: O problema da trissecção - UFRJim.ufrj.br/walcy/Bienal/textos/trisseccao.pdf · O problema da trissecção-do ângulo FRANCISCO MEDEIROS1 LUCAS GUANABARA2 20 de abril de 2017

VII

IBie

nald

aSo

cied

ade

Bra

sile

ira

deM

atea

mát

ica

-Rio

deJa

neir

o-R

J-I

MPA

/UFR

J-V

IIIB

iena

lda

Soci

edad

eB

rasi

leir

ade

Mat

eam

átic

a-R

iode

Jane

iro

-RJ

-IM

PA/U

FRJ

-VII

IBie

nald

aSo

cied

ade

Bra

sile

ira

deM

atem

átic

aR

iode

Jane

iro-

RJ

-IM

PA/U

FRJ

-

8 CAPÍTULO 1. INTRODUÇÃO

Existe também uma solução para o problema da trissecção do ângulo dada porArquimedes (287 – 212 a.C.), fazendo uso de uma régua com marcações (inexis-tente no problema original): seja AOB o ângulo a ser trisseccionado usando umarégua com marcas (indicando segmentos de comprimento igual a r). Primeiro, tra-çamos um círculo de raio r e centro O, com OA = OB = r. Vejamos comomarcar os pontos C e D, como na Figura 1.1, de modo que CD = r. Para tanto,observe que, mantendo uma extremidade da régua no ponto B, temos que a distân-cia entre pontos alinhados com B, um sobre o círculo e o outro sobre a reta OA,varia de zero (quando ambas coincidem com o ponto de interseção do círculo coma reta OA) até o infinito (no caso em que a régua passando por B está pararela aOA). Assim, existem pontos C e D tais que CD = r. Não é difícil mostrar queCDO = COD = 1

3AOB (deixamos a cargo do leitor a verificação desse fato,assim como a determinação do terço do ângulo no próprio ângulo).

Figura 1.1: Solução de Arquimedes para a trissecção do ângulo AOB.

Na prática, Arquimedes toma uma reta que passa porB e, tendo o cuidado paraque ela passe sempre por esse ponto, movimenta-a para que o segmento CD sejaigual ao raio r do círculo. Isso é exatamente o que se chama de construção neusis:ajusta-se um segmento (o raio r) entre o círculo e a linha reta que passa por B epor D.

Apesar da comunidade matemática se debruçar durante um longo tempo (cercade dois mil anos) na tentativa de resolver o problema da trissecção, não se conse-guiu encontrar uma solução apenas com o uso da régua e do compasso. O pro-blema só foi resolvido no final do século XIX, depois dos trabalhos de Gauss e domatemático norueguês Niels Henrik Abel (1802 – 1829) relativos à resolução deequações algébricas por meio de radicais. Mais especificamente, ao se traduzir oproblema da trissecção para o universo algébrico, notou-se que a solução dependeda teoria das equações cúbicas, i.e., de conceitos algébricos que foram sendo de-senvolvidos ao longo do tempo. O primeiro avanço considerável na solução doproblema foi o teorema de Gauss, publicado em 1801, que caracteriza os n-ágonosregulares construtíveis (vide início dessa seção). Contudo, Gauss apenas mostrouque se n é um número da forma 2rp1p2 · · · ps, com r ≥ 0 e p1 < p2 < · · · < ps

Page 15: O problema da trissecção - UFRJim.ufrj.br/walcy/Bienal/textos/trisseccao.pdf · O problema da trissecção-do ângulo FRANCISCO MEDEIROS1 LUCAS GUANABARA2 20 de abril de 2017

VII

IBie

nald

aSo

cied

ade

Bra

sile

ira

deM

atea

mát

ica

-Rio

deJa

neir

o-R

J-I

MPA

/UFR

J-V

IIIB

iena

lda

Soci

edad

eB

rasi

leir

ade

Mat

eam

átic

a-R

iode

Jane

iro

-RJ

-IM

PA/U

FRJ

-VII

IBie

nald

aSo

cied

ade

Bra

sile

ira

deM

atem

átic

aR

iode

Jane

iro-

RJ

-IM

PA/U

FRJ

-

1.2. UM POUCO MAIS DE HISTÓRIA 9

primos de Fermat, então o n-ágono regular é construtível por régua e compasso,i.e., não mostrou que essa condição também é necessária.

A primeira demonstração efetiva da impossibilidade da trissecção do ângulofoi apresentada pelo matemático francês Pierre Laurent Wantzel (1814 – 1848) noartigo [11], publicado em 1837. Neste trabalho seu principal objetivo era mostrarporque algumas construções podem ser efetuadas com régua e compasso, enquantooutras não. O caminho seguido por Wantzel foi, em primeiro lugar, traduzir o pro-blema geométrico para uma linguagem algébrica, i.e., como sair de um problemade construção geométrica para um problema sobre número construtível (vide Se-ção 2.3). Em seguida, ele determinou que as construções com régua e compassosão efetivamente aquelas tais que os números que as compõem possam ser obtidospor meio de uma quantidade finita de operações de soma, subtração, multiplicação,divisão e extração de raízes quadradas. Isso porque com régua e compasso é possí-vel efetuar, finitamente, todas essas operações (vide Exercícios 2 e 3 da Seção 2.3).É justamente esse o caminho que seguimos nessas notas.

Page 16: O problema da trissecção - UFRJim.ufrj.br/walcy/Bienal/textos/trisseccao.pdf · O problema da trissecção-do ângulo FRANCISCO MEDEIROS1 LUCAS GUANABARA2 20 de abril de 2017

VII

IBie

nald

aSo

cied

ade

Bra

sile

ira

deM

atea

mát

ica

-Rio

deJa

neir

o-R

J-I

MPA

/UFR

J-V

IIIB

iena

lda

Soci

edad

eB

rasi

leir

ade

Mat

eam

átic

a-R

iode

Jane

iro

-RJ

-IM

PA/U

FRJ

-VII

IBie

nald

aSo

cied

ade

Bra

sile

ira

deM

atem

átic

aR

iode

Jane

iro-

RJ

-IM

PA/U

FRJ

-

10 CAPÍTULO 1. INTRODUÇÃO

Page 17: O problema da trissecção - UFRJim.ufrj.br/walcy/Bienal/textos/trisseccao.pdf · O problema da trissecção-do ângulo FRANCISCO MEDEIROS1 LUCAS GUANABARA2 20 de abril de 2017

VII

IBie

nald

aSo

cied

ade

Bra

sile

ira

deM

atea

mát

ica

-Rio

deJa

neir

o-R

J-I

MPA

/UFR

J-V

IIIB

iena

lda

Soci

edad

eB

rasi

leir

ade

Mat

eam

átic

a-R

iode

Jane

iro

-RJ

-IM

PA/U

FRJ

-VII

IBie

nald

aSo

cied

ade

Bra

sile

ira

deM

atem

átic

aR

iode

Jane

iro-

RJ

-IM

PA/U

FRJ

-

Capítulo 2

Construção por meio de régua ecompasso

Neste capítulo apresentamos os instrumentos, as construções permitidas comeles e alguns exemplos, como a construção da mediatriz de um segmento e da bis-setriz de um ângulo. Apresentamos também a noção de números construtíveis, jun-tamente com a tradução de alguns problemas de construção geométrica para pro-blemas de natureza algébrica, assim como alguns resultados sobre números cons-trutíveis (úteis para a resolução do problema da trissecção). Para sua elaboração,usamos [10] como referência principal.

2.1 Os Instrumentos e as Regras

A régua é um objeto reto sem qualquer marcação, que serve apenas para ligardois pontos de um plano, mas não para medir ou marcar distâncias. Isto é, seconhecemos dois pontos distintos de um plano, então a régua nos permite (apenas!)traçar uma reta passando por esses pontos. Já o compasso, podemos dizer que éum objeto sem rigidez (i.e., não preserva sua abertura quando alguma de suasextremidades é retirada do plano) que nos permite traçar um círculo a partir dedois pontos distintos, sendo um deles o centro e o outro um ponto do círculo. Essesinstrumentos são comumente chamados de instrumentos euclidianos.

Com base nesses instrumentos e regras, diremos que um pontoA é construtívelse podemos determinarA através da interseção de duas retas, da interseção de umareta com um círculo ou da interseção de dois círculos, tendo as retas e/ou círculospreviamente construídos. Estas são o que chamamos de construções elementares.Cabe ainda resaltar aqui alguns tipos de construções não permitidas:

• traçar um círculo de raio ou centro arbitrários;

• usar uma graduação previamente preparada da régua ou do compasso1;1Como, por exemplo, usou Arquimedes na sua solução (vide construção da Figura 1.1 na Seção

1.2).

11

Page 18: O problema da trissecção - UFRJim.ufrj.br/walcy/Bienal/textos/trisseccao.pdf · O problema da trissecção-do ângulo FRANCISCO MEDEIROS1 LUCAS GUANABARA2 20 de abril de 2017

VII

IBie

nald

aSo

cied

ade

Bra

sile

ira

deM

atea

mát

ica

-Rio

deJa

neir

o-R

J-I

MPA

/UFR

J-V

IIIB

iena

lda

Soci

edad

eB

rasi

leir

ade

Mat

eam

átic

a-R

iode

Jane

iro

-RJ

-IM

PA/U

FRJ

-VII

IBie

nald

aSo

cied

ade

Bra

sile

ira

deM

atem

átic

aR

iode

Jane

iro-

RJ

-IM

PA/U

FRJ

-

12 CAPÍTULO 2. CONSTRUÇÃO POR MEIO DE RÉGUA E COMPASSO

• tomar sobre uma reta um ponto arbitrário;

• deslizar a régua até uma certa posição; etc.

2.2 Construções básicas

Vejamos abaixo alguns exemplos de construções possíveis, todas elas bem co-nhecidas pelos gregos antigos (há mais de 2000 anos). Para facilitar o entendi-mento, sugerimos ao leitor acompanhar os passos da solução na respectiva ima-gem.

Construção de um ponto fora de uma reta

Problema 1. Construa um ponto fora da reta r determinada por A e B.

Solução. Trace os círculos de centro A passando por B2 e de centro B passandopor A3 (Figura 2.1). A interseção desses dois círculos determina um ponto C (nãoarbitrário!) fora da reta r. �

Figura 2.1: Construção de um ponto C fora da reta r.

Construção de uma reta paralela

Problema 2. Seja P um ponto fora de uma reta r, determinada por A e B, cons-trua uma reta que passe por P e seja paralela a r.

Solução. Construa os seguintes círculos de mesmo raio: (i) o círculo de centro Apassando por P (raio AP ), que determina um ponto Q sobre r; e (ii) o círculo decentro Q passando por A (raio QA) – Figura 2.2. Com a interseção desses doiscírculos no semiplano que contém P , contrói-se um ponto S que, juntamente como ponto P , determina uma reta paralela a r.

2Isto é, o círculo de centro A e raio AB.3Isto é, o círculo de centro B e raio BA.

Page 19: O problema da trissecção - UFRJim.ufrj.br/walcy/Bienal/textos/trisseccao.pdf · O problema da trissecção-do ângulo FRANCISCO MEDEIROS1 LUCAS GUANABARA2 20 de abril de 2017

VII

IBie

nald

aSo

cied

ade

Bra

sile

ira

deM

atea

mát

ica

-Rio

deJa

neir

o-R

J-I

MPA

/UF

RJ

-VII

IBie

nald

aSo

cied

ade

Bra

sile

ira

deM

atea

mát

ica

-Rio

deJa

neir

o-R

J-I

MPA

/UF

RJ

-VII

IBie

nald

aSo

cied

ade

Bra

sile

ira

deM

atem

átic

aR

iode

Jane

iro-

RJ

-IM

PA/U

FR

J-

2.2. CONSTRUÇÕES BÁSICAS 13

Figura 2.2: Construção de uma reta paralela a r passando por P /∈ r.

De fato, como os dois círculos têm o mesmo raio, por construção, então o quadri-látero APSQ é um losango e, portanto, seus lados PS e AQ são paralelos (Figura2.3). �

Figura 2.3: Losango APSQ.

Construção de uma reta perpendicular

Problema 3. Seja P um ponto fora de uma reta r, determinada por A e B, cons-trua uma reta que passe por P e seja perpendicular a r.

Solução. Trace o círculo de centro P e raio PA para construir um ponto C (dife-rente de A) na interseção desse círculo com r. Em seguida, construa dois círculosde centros A e C, ambos passando por P , para determinar um ponto Q (diferentede P ) na interseção desses círculos (Figura 2.4). Então, a reta que liga os pontosP e Q é perpendicular a r.De fato, basta notar que o quadrilátero CPAQ da Figura 2.4 é um losango comdiagonais PQ e AC, as quais são perpendiculares entre si. �

Page 20: O problema da trissecção - UFRJim.ufrj.br/walcy/Bienal/textos/trisseccao.pdf · O problema da trissecção-do ângulo FRANCISCO MEDEIROS1 LUCAS GUANABARA2 20 de abril de 2017

VII

IBie

nald

aSo

cied

ade

Bra

sile

ira

deM

atea

mát

ica

-Rio

deJa

neir

o-R

J-I

MPA

/UFR

J-V

IIIB

iena

lda

Soci

edad

eB

rasi

leir

ade

Mat

eam

átic

a-R

iode

Jane

iro

-RJ

-IM

PA/U

FRJ

-VII

IBie

nald

aSo

cied

ade

Bra

sile

ira

deM

atem

átic

aR

iode

Jane

iro-

RJ

-IM

PA/U

FRJ

-

14 CAPÍTULO 2. CONSTRUÇÃO POR MEIO DE RÉGUA E COMPASSO

Figura 2.4: Construção de uma reta perpendicular a r passando por P /∈ r.

Construção da mediatriz de um segmento

A mediatriz de um segmento AB é a reta perpendicular a AB que contém seuponto médio.

Problema 4. Construa a mediatriz do segmento AB.

Solução. Basta traçar a reta determinada pelos pontos da interseção dos dois círcu-los construídos na solução do Problema 1 (por quê?) – Figura 2.5. �

Figura 2.5: Construção da mediatriz de um segmento AB.

Construção da bissetriz de um ângulo

A bissetriz de um ângulo AOB é a semirreta OC que divide o ângulo em doisoutros iguais, isto é, tal que AOC = COB. Esse processo é chamado também debissecção do ângulo AOB.

Page 21: O problema da trissecção - UFRJim.ufrj.br/walcy/Bienal/textos/trisseccao.pdf · O problema da trissecção-do ângulo FRANCISCO MEDEIROS1 LUCAS GUANABARA2 20 de abril de 2017

VII

IBie

nald

aSo

cied

ade

Bra

sile

ira

deM

atea

mát

ica

-Rio

deJa

neir

o-R

J-I

MPA

/UFR

J-V

IIIB

iena

lda

Soci

edad

eB

rasi

leir

ade

Mat

eam

átic

a-R

iode

Jane

iro

-RJ

-IM

PA/U

FRJ

-VII

IBie

nald

aSo

cied

ade

Bra

sile

ira

deM

atem

átic

aR

iode

Jane

iro-

RJ

-IM

PA/U

FRJ

-

2.3. LINGUAGEM ALGÉBRICA 15

Problema 5. Construa a bissetriz do ângulo AOB.

Solução. Trace um círculo de centroO passando por um pontoX sobre a semirretaOB e considere Y como sendo o ponto da interseção desse círculo com o outro ladodo ângulo AOB, como indicado na Figura 2.6. Em seguida, trace dois círculos demesmo raio com centros em X e Y e ambos passando por O4. A interseção dessescírculos determinam um ponto C para a construção da bissetriz OC (Figura 2.6).

Figura 2.6: Construção da bissetriz do ângulo AOB.

De fato, basta observar que a construção acima determina dois triângulos congru-entes (pelo caso LLL): OXC e OY C. �

Divisão de um segmento em partes iguais

Exercício 1. Divida um segmento AB em três partes iguais. Generalize sua cons-trução para n partes iguais.

A partir de agora, quando e se necessário, podemos utilizar livremente essasconstruções apenas mencionando-as, como, por exemplo, “trace uma paralela areta r passando pelo ponto P ”.

2.3 Linguagem algébrica

A formulação algébrica de um problema de construção geométrica é especi-almente útil quando não conseguimos resolvê-lo a partir das construções básicas

4Note que é “necessário” indicar o centro e outro ponto, pois não podemos simplesmente dizer“trace dois círculos de mesmo raio com centros em X e Y ” tendo em vista que os instrumentos eucli-dianos não nos permitem transportar medidas usando marcações na régua e/ou abertura do compasso.Colocamos aspas na palavra necessário porque é sabido que qualquer construção realizada com umcompasso moderno também pode ser feita com o compasso euclidiano (vide, por exemplo, Exercício4.1 de [4], p. 149, ou Exercício 10 de [8], p. 84), mesmo que para isso seja necessário dar um númeromaior de passos.

Page 22: O problema da trissecção - UFRJim.ufrj.br/walcy/Bienal/textos/trisseccao.pdf · O problema da trissecção-do ângulo FRANCISCO MEDEIROS1 LUCAS GUANABARA2 20 de abril de 2017

VII

IBie

nald

aSo

cied

ade

Bra

sile

ira

deM

atea

mát

ica

-Rio

deJa

neir

o-R

J-I

MPA

/UF

RJ

-VII

IBie

nald

aSo

cied

ade

Bra

sile

ira

deM

atea

mát

ica

-Rio

deJa

neir

o-R

J-I

MPA

/UF

RJ

-VII

IBie

nald

aSo

cied

ade

Bra

sile

ira

deM

atem

átic

aR

iode

Jane

iro-

RJ

-IM

PA/U

FR

J-

16 CAPÍTULO 2. CONSTRUÇÃO POR MEIO DE RÉGUA E COMPASSO

apresentadas. Queremos dizer com isso que podemos adotar, como incógnita, al-gum segmento desconhecido e tentar obtê-lo em função dos dados conhecidos noproblema, para então efetuar manipulações algébricas na fórmula obtida. Umaconsequência interessante desse tipo de abordagem é a possibilidade de trabalhar-mos com números construtíveis em vez de segmentos construtíveis, como veremosa seguir.

Números construtíveis

Antes de iniciar o tópico em si, é bom ressaltar que o exposto a seguir é apenasum resumo superficial da teoria dos números construtíveis. Isso porque um estudodetalhado dessa teoria nos tomaria muito tempo e espaço, além de fugir dos obje-tivos destas notas. Para quem quiser se aprofundar e tiver algum conhecimento deÁlgebra Moderna, sugerimos a leitura de [8]. Se ainda não fez um curso de Álge-bra, sugerimos a leitura do Apêndice de [10], que aborda o assunto de forma clarae, ao mesmo tempo, sem formalismos algébricos. Além disso, essas duas obrastrazem as justificativas dos resultados citados abaixo.

Vamos começar fixando uma reta r determinada pelos pontosA(0, 0) eB(1, 0)(eixo das abscissas do plano cartesiano), de modo que cada ponto de r determinaum único número real, e vice-versa. Assim, diremos que um número real x éconstrutível quando o ponto P (x, 0) sobre r for construtível (a partir de AB). Porexemplo, o número racional 1

2 é construtível porque o ponto médio do segmentoAB tem coordenadas (1

2 , 0). É dessa forma que podemos substituir segmentosconstutíveis por números construtíveis.

A partir de agora, a menos que haja menção em contrário, estamos assumindor como sendo a reta determinada pelos pontos A(0, 0) e B(1, 0).

Exemplo 1. É fácil ver que os inteiros são construtíveis, como mostra a Figura2.7.

Figura 2.7: Construção de Z a partir de 0 e 1.

Exercício 2. Generalize o Exemplo 1 mostrando que se a e b são números cons-trutíveis (a partir de 0 e 1), então também o serão −a e a+ b.

Page 23: O problema da trissecção - UFRJim.ufrj.br/walcy/Bienal/textos/trisseccao.pdf · O problema da trissecção-do ângulo FRANCISCO MEDEIROS1 LUCAS GUANABARA2 20 de abril de 2017

VII

IBie

nald

aSo

cied

ade

Bra

sile

ira

deM

atea

mát

ica

-Rio

deJa

neir

o-R

J-I

MPA

/UF

RJ

-VII

IBie

nald

aSo

cied

ade

Bra

sile

ira

deM

atea

mát

ica

-Rio

deJa

neir

o-R

J-I

MPA

/UF

RJ

-VII

IBie

nald

aSo

cied

ade

Bra

sile

ira

deM

atem

átic

aR

iode

Jane

iro-

RJ

-IM

PA/U

FR

J-

2.3. LINGUAGEM ALGÉBRICA 17

Exercício 3. Sejam a 6= 0 e b dois números construtíveis, mostre que:

(a) 1/a é construtível; e

(b) a · b é construtível.

Solução. Faremos (a) e deixamos (b) como exercício. Suponha, sem perda degeneralidade, que a > 1 e considere a seguinte sequência de passos:

• construa uma semirreta com origem em A(0, 0) passando por um ponto Cfora da reta r (Figura 2.8);

Figura 2.8: semirreta de origem em 0 passando por C.

• com o compasso centrado em A e abertura AB, onde B é o ponto (1, 0),construa um ponto A′ sobre a semirreta AC de modo que AC ′ = AB = 1;faça o mesmo para determinar sobre AC um ponto D cujo segmento deorigem em A tem comprimento a (Figura 2.9);

• ligue o ponto B ao ponto D (Figura 2.9); e

• trace uma paralela a BD passando por A′ (Figura 2.9).

Então, a interseção da última reta construída com r produz um ponto de abscissax = 1/a. De fato, como os dois triângulos da Figura 2.9 são semelhantes, temosque x/1 = 1/a. �

Disso podemos concluir que todos os números racionais são construtíveis5.Porém não são os únicos, como mostra o exercício abaixo.

Exercício 4. Mostre que se a > 0 é número construtível, então√a também será

construtível. Use isso para mostrar que√

1 +√

2 é construtível.

5Na verdade, costumamos dizer que as propriedades obtidas nos Exercícios 2 e 3 dão uma estru-tura algébrica de corpo para o conjunto do números construtíveis.

Page 24: O problema da trissecção - UFRJim.ufrj.br/walcy/Bienal/textos/trisseccao.pdf · O problema da trissecção-do ângulo FRANCISCO MEDEIROS1 LUCAS GUANABARA2 20 de abril de 2017

VII

IBie

nald

aSo

cied

ade

Bra

sile

ira

deM

atea

mát

ica

-Rio

deJa

neir

o-R

J-I

MPA

/UFR

J-V

IIIB

iena

lda

Soci

edad

eB

rasi

leir

ade

Mat

eam

átic

a-R

iode

Jane

iro

-RJ

-IM

PA/U

FRJ

-VII

IBie

nald

aSo

cied

ade

Bra

sile

ira

deM

atem

átic

aR

iode

Jane

iro-

RJ

-IM

PA/U

FRJ

-

18 CAPÍTULO 2. CONSTRUÇÃO POR MEIO DE RÉGUA E COMPASSO

Figura 2.9: Construção do número 1/a.

Note que se a = p/q é um racional positivo, então√p/q é um número cons-

trutível dado por uma das raízes da equação do segundo grau qx2 − p = 0, com

coeficientes inteiros. Já√

1 +√

2 é um número construtível que é uma das raízesda equação polinomial x4− 2x2− 1 = 0, também com coeficientes inteiros. Essesdois casos não são fatos isolados, mas casos particulares do resultado abaixo.

Teorema 1. Todo número construtível é raiz de uma equação polinomial de coefi-cientes inteiros.

O leitor mais experiente deve lembrar que números (reais ou complexos) quesão raízes de polinômios com coeficientes inteiros são chamados de algébricos,enquanto os outros são ditos transcendentes6. Então, do teorema anterior, podemosconcluir que todo número construtível é algébrico e que todo número transcendentenão é construtível. Por exemplo, π é transcendente (vide, por exemplo, [6]) e,portanto, não é construtível. Mas será que é verdadeira a recíproca do Teorema 1,isto é, será que todo número algébrico é construtível? A resposta é não, conformeindica o resultado abaixo.

Teorema 2. Um número algébrico e irracional será construtível somente se elefor raiz de um polinômio irredutível cujo grau é uma potência de 2.

Antes dos comentários sobre o teorema, lembremos o significado de polinômioirredutível: um polinômio com coeficientes inteiros é dito irredutível quando nãopode ser escrito como produto de dois outros polinômios (com coeficientes intei-ros) de graus positivos menores. Por exemplo, x2− 2 é irredutível (por quê?), masx4 − 2x2 não o é, pois x4 − 2x2 = x2 · (x2 − 2).

6A obra [6] contém uma exposição interessante sobre a teoria dos números algébricos e transcen-dentes. Cabe ressaltar que, para um bom entendimento do texto, é necessário que o estudante tenhaconhecimento do Cálculo Diferencial e Integral de uma variável.

Page 25: O problema da trissecção - UFRJim.ufrj.br/walcy/Bienal/textos/trisseccao.pdf · O problema da trissecção-do ângulo FRANCISCO MEDEIROS1 LUCAS GUANABARA2 20 de abril de 2017

VII

IBie

nald

aSo

cied

ade

Bra

sile

ira

deM

atea

mát

ica

-Rio

deJa

neir

o-R

J-I

MPA

/UFR

J-V

IIIB

iena

lda

Soci

edad

eB

rasi

leir

ade

Mat

eam

átic

a-R

iode

Jane

iro

-RJ

-IM

PA/U

FRJ

-VII

IBie

nald

aSo

cied

ade

Bra

sile

ira

deM

atem

átic

aR

iode

Jane

iro-

RJ

-IM

PA/U

FRJ

-

2.3. LINGUAGEM ALGÉBRICA 19

Sobre o Teorema 2, note que o resultado em si não garante a existência denúmeros algébricos que não são construtiveis, pois precisamos mostrar que existealgum irracional que é raiz de um polinômio irredutível (com coeficientes inteiros)com grau diferente de uma potência de 2 (vide Exercício 5 abaixo). Note tambémque 3 deve ser o menor grau de um polinômio nestas condições.

Exercício 5. Mostre que x3 − 2 é irredutível e conclua que 3√2 é um irracionalalgébrico não construtível.

Ângulos construtíveis

Vimos, na seção anterior, como construir, usando apenas régua e compasso, abissetriz de um ângulo arbitrário. Porém, até o momento, não falamos nada sobre“ângulo construtível”.

Inicialmente, lembremos que, naquele momento, a construção da bissetriz doângulo AOB se deu através da construção de um ponto C, fora de OA e OB,necessário para a determinação da semirreta OC (vide Figura 2.6). Na prática, oque fizemos foi resolver o seguinte problema: a partir de duas semirretas de mesmaorigem, construímos uma nova semirreta que dividiu na metade o ângulo formadopelas duas semirretas dadas. Logo, temos a seguinte definição: dizemos que umângulo α é construtível quando, a partir de uma dada semirreta OA, de origemO, é possível construir uma semirreta OB, de mesma origem, tal que AOB = α(Figura 2.10).

Figura 2.10: Ângulo α.

Exemplo 2. Vejamos como construir um ângulo de 60 graus a partir de uma se-mirreta OA. Trace dois círculos de mesmo raio, um centrado em O passando porA e o outro de centro A e passando por O. Eles se interceptam num ponto Bfora da semirreta OA (Figura 2.11). Como o ∆AOB é equilátero, então o ânguloAOB = 60◦, como queríamos construir.

Note que a construção acima é praticamente a mesma dada para a determinaçãodo ponto médio de OA, i.e., análoga à construção do número 1

2 se considerarmos

Page 26: O problema da trissecção - UFRJim.ufrj.br/walcy/Bienal/textos/trisseccao.pdf · O problema da trissecção-do ângulo FRANCISCO MEDEIROS1 LUCAS GUANABARA2 20 de abril de 2017

VII

IBie

nald

aSo

cied

ade

Bra

sile

ira

deM

atea

mát

ica

-Rio

deJa

neir

o-R

J-I

MPA

/UFR

J-V

IIIB

iena

lda

Soci

edad

eB

rasi

leir

ade

Mat

eam

átic

a-R

iode

Jane

iro

-RJ

-IM

PA/U

FRJ

-VII

IBie

nald

aSo

cied

ade

Bra

sile

ira

deM

atem

átic

aR

iode

Jane

iro-

RJ

-IM

PA/U

FRJ

-

20 CAPÍTULO 2. CONSTRUÇÃO POR MEIO DE RÉGUA E COMPASSO

Figura 2.11: Construção do ângulo de 60 graus.

OA como unidade. Queremos dizer com isso que a construção do ângulo de 60graus é equivalente à construção do seu cosseno (cos 60◦ = 1

2 ). De forma geral,um ângulo α será construtível se e somente se cosα for um número construtível(vide Figura 2.12).

Figura 2.12: Relação entre a construção de α e a do cosα.

Note que, com isso, estamos transportando um problema geométrico para ouniverso algébrico.

Page 27: O problema da trissecção - UFRJim.ufrj.br/walcy/Bienal/textos/trisseccao.pdf · O problema da trissecção-do ângulo FRANCISCO MEDEIROS1 LUCAS GUANABARA2 20 de abril de 2017

VII

IBie

nald

aSo

cied

ade

Bra

sile

ira

deM

atea

mát

ica

-Rio

deJa

neir

o-R

J-I

MPA

/UFR

J-V

IIIB

iena

lda

Soci

edad

eB

rasi

leir

ade

Mat

eam

átic

a-R

iode

Jane

iro

-RJ

-IM

PA/U

FRJ

-VII

IBie

nald

aSo

cied

ade

Bra

sile

ira

deM

atem

átic

aR

iode

Jane

iro-

RJ

-IM

PA/U

FRJ

-

2.3. LINGUAGEM ALGÉBRICA 21

Exemplo 3. Vamos usar isto para mostrar que o ângulo de 90 gruas pode sertrisseccionado. Primeiro, note que dividir o ângulo de 90◦ em três ângulos demesma medida é o mesmo que construir o ângulo de 30◦ a partir de uma semirretaou de duas semirretas de mesma origem que formam um ângulo reto, que podeser feito usando a linguagem algébrica (porque seu cosseno, cos 30◦ =

√3

2 , é umnúmero construtível pelos Exercícios 2 e 3) ou usando, efetivamente, a régua eo compasso, como ilustrado na Figura 2.13 (deixamos para o leitor a tarefa deentender e explicar a construção). Cabe ressaltar novamente que a trissecção doângulo de 90◦, por meio de régua e compasso, era conhecida pelos gregos antigos.

Figura 2.13: Trissecção do ângulo de 90◦.

Exercício 6. Mostre que o ângulo de 45◦ pode ser trisseccionado.

Page 28: O problema da trissecção - UFRJim.ufrj.br/walcy/Bienal/textos/trisseccao.pdf · O problema da trissecção-do ângulo FRANCISCO MEDEIROS1 LUCAS GUANABARA2 20 de abril de 2017

VII

IBie

nald

aSo

cied

ade

Bra

sile

ira

deM

atea

mát

ica

-Rio

deJa

neir

o-R

J-I

MPA

/UFR

J-V

IIIB

iena

lda

Soci

edad

eB

rasi

leir

ade

Mat

eam

átic

a-R

iode

Jane

iro

-RJ

-IM

PA/U

FRJ

-VII

IBie

nald

aSo

cied

ade

Bra

sile

ira

deM

atem

átic

aR

iode

Jane

iro-

RJ

-IM

PA/U

FRJ

-

22 CAPÍTULO 2. CONSTRUÇÃO POR MEIO DE RÉGUA E COMPASSO

Page 29: O problema da trissecção - UFRJim.ufrj.br/walcy/Bienal/textos/trisseccao.pdf · O problema da trissecção-do ângulo FRANCISCO MEDEIROS1 LUCAS GUANABARA2 20 de abril de 2017

VII

IBie

nald

aSo

cied

ade

Bra

sile

ira

deM

atea

mát

ica

-Rio

deJa

neir

o-R

J-I

MPA

/UFR

J-V

IIIB

iena

lda

Soci

edad

eB

rasi

leir

ade

Mat

eam

átic

a-R

iode

Jane

iro

-RJ

-IM

PA/U

FRJ

-VII

IBie

nald

aSo

cied

ade

Bra

sile

ira

deM

atem

átic

aR

iode

Jane

iro-

RJ

-IM

PA/U

FRJ

-

Capítulo 3

Solução do problema

Apresentamos neste capítulo um esboço da prova da impossibilidade de tris-secção de um ângulo arbitrário com o uso de apenas régua e compasso. Mais espe-cificamente, veremos que, por meio desses instrumentos, o ângulo de 60◦ não podeser dividido em três ângulos iguais, i.e., que 20◦ não é um ângulo construtível. Paraque possamos fazer isso e, ao mesmo tempo, cumprir um dos nossos objetivos, va-mos começar o capítulo com uma explanação dos principais resultados de CálculoDiferencial que utilizamos na solução do problema. Por exemplo, comentamossobre o Teorema do Valor Intermediário e usamos a Série de Taylor de algumasfunções elementares, a fim de estudar os zeros de uma função polinomial e de de-duzir uma identidade trigonométrica do cosseno do arco triplo, respectivamente.Para o leitor familiarizado com estes conceitos, a Seção 3.1 pode ser evitada semmaiores prejuízos.

3.1 Algumas ferramentas do Cálculo

Todas as definições e propriedades dos objetos apresentados podem ser encon-tradas em [2].

Teorema do Valor Intermediário (TVI)

O TVI trata de uma propriedade importante das funções contínuas estudadasem cursos de Cálculo Diferencial e de Análise Matemática, sendo neste últimocom o rigor matemático necessário.

Teorema 3 (TVI). Seja f uma função contínua num intervalo fechado [a, b], comf(a) 6= f(b). Então, dado qualquer número d compreendido entre f(a) e f(b),existe c ∈ (a, b) tal que f(c) = d.

Em outras palavras, o TVI garante que para uma função contínua f : [a, b] →R, f(x) assume todos os valores compreendidos entre f(a) e f(b), com x variandoem (a, b) – vide Figura 3.1.

23

Page 30: O problema da trissecção - UFRJim.ufrj.br/walcy/Bienal/textos/trisseccao.pdf · O problema da trissecção-do ângulo FRANCISCO MEDEIROS1 LUCAS GUANABARA2 20 de abril de 2017

VII

IBie

nald

aSo

cied

ade

Bra

sile

ira

deM

atea

mát

ica

-Rio

deJa

neir

o-R

J-I

MPA

/UFR

J-V

IIIB

iena

lda

Soci

edad

eB

rasi

leir

ade

Mat

eam

átic

a-R

iode

Jane

iro

-RJ

-IM

PA/U

FRJ

-VII

IBie

nald

aSo

cied

ade

Bra

sile

ira

deM

atem

átic

aR

iode

Jane

iro-

RJ

-IM

PA/U

FRJ

-

24 CAPÍTULO 3. SOLUÇÃO DO PROBLEMA

Figura 3.1: TVI: dado f(a) < d < f(b), existe c ∈ (a, b) tal que f(c) = d.

Esse resultado tem importantes aplicações, tanto teórica quanto prática. Por exem-plo, ele pode ser aplicado para estudar os zeros de uma função contínua e, emparticular, as raízes de uma função polinomial. De fato, se p é uma função polino-mial tal que p(x0) e p(x1) tem sinais opostos, então o TVI garante (e não é difícilacreditar1) que o gráfico de p, ao passar de um lado para o outro do eixo dos x,necessariamente tem de cortar esse eixo, i.e., existe uma raiz de p compreendidaentre x0 e x1. Esse procedimento pode ser aplicado quantas vezes for necessáriopara determinar todas as raízes (ou raízes aproximadas) de uma dada função poli-nomial – como propomos no exercício abaixo, útil numa das etapas da solução doproblema da trissecção.

Exercício 7. Seja p : R→ R a função polinomial dada por p(x) = 8x3 − 6x− 1.

(a) Use o TVI para mostrar que p(x) possui três raízes reais distintas, uma emcada um dos intervalos (−1,−1/2), (−1/2, 0) e (1/2, 1).

(b) Mostre que se b/a é uma raiz racional de p(x), então a é um divisor de 8 e bum divisor de −1. Use isso para concluir que as possíveis raízes racionaisde p(x) são ±1,±1

2 ,±14 ,±

18 .

(c) Use (a) e (b) para mostrar que p(x) tem três raízes irracionais e que, emparticular, é irredutível2.

1Segundo ÁVILA (2004), “até o final do século XVIII esse resultado foi aceito como evidente,sem que ninguém pensasse em demonstrá-lo e foi Bolzano o primeiro matemático a fazer uma ten-tativa séria de demonstrar esse teorema, num trabalho de 1817”.

2Se necessário, reveja a definição de polinômio irredutível dada logo após o Teorema 2.

Page 31: O problema da trissecção - UFRJim.ufrj.br/walcy/Bienal/textos/trisseccao.pdf · O problema da trissecção-do ângulo FRANCISCO MEDEIROS1 LUCAS GUANABARA2 20 de abril de 2017

VII

IBie

nald

aSo

cied

ade

Bra

sile

ira

deM

atea

mát

ica

-Rio

deJa

neir

o-R

J-I

MPA

/UFR

J-V

IIIB

iena

lda

Soci

edad

eB

rasi

leir

ade

Mat

eam

átic

a-R

iode

Jane

iro

-RJ

-IM

PA/U

FRJ

-VII

IBie

nald

aSo

cied

ade

Bra

sile

ira

deM

atem

átic

aR

iode

Jane

iro-

RJ

-IM

PA/U

FRJ

-

3.1. ALGUMAS FERRAMENTAS DO CÁLCULO 25

Série de Taylor & Identidades Trigonométricas

Como já adiantamos, vamos deduzir a fórmula de Euler a partir da Série deTaylor das funções seno, cosseno e exponencial, a partir das quais obteremos umaexpressão algébrica para o cosseno do arco triplo, necessária à resolução do pro-blema. Para tanto, primeiro lembremos dessas séries (em torno da origem). Paracada x ∈ R,

ex =∞∑n=0

xn

n! = 1 + x+ x2

2 + x3

3! + · · · (3.1)

cos(x) =∞∑n=0

(−1)n · x2n

(2n)! = 1− x2

2! + x4

4! −x6

6! + · · · (3.2)

sen(x) =∞∑n=0

(−1)n · x2n+1

(2n+ 1)! = x− x3

3! + x5

5! −x7

7! + · · · (3.3)

Então, podemos considerar i =√−1 como uma constante para encontrar a série

de Taylor de eix a partir de (3.1), reduzindo todas as potências de i a ±i ou ±1.Vejamos:

eix = 1 + ix+ i2x2

2! + i3x3

3! + i4x4

4! + i5x5

5! + i6x6

6! + i7x7

7! + · · · (3.4)

= 1 + ix− x2

2! −ix3

3! + x4

4! + ix5

5! −x6

6! −ix7

7! + · · · (3.5)

Como a série de eix é absolutamente convergente, então é comutativamenteconvergente (vide [2], por exemplo) e, portanto, podemos rearranjar os termos de(3.5) da forma

eix = (1− x2

2! + x4

4! −x6

6! + · · · ) + i · (x− x3

3! + x5

5! −x7

7! + · · · ), (3.6)

da qual, juntamente com as séries (3.2) e (3.3), obtemos a fórmula de Euler

eix = cosx+ i · senx. (3.7)

Exercício 8. Use a igualdade (3.7) para deduzir a equação matemática eiπ+1 = 0(considerada por muitos como a mais bela identidade matemática).

Finalmente, usaremos a fórmula de Euler para deduzir identidades trigonomé-tricas envolvendo o cosseno e o seno do arco triplo. Para tanto, basta observar queei(3x) = (eix)3 e desenvolver os dois lados dessa igualdade usando (3.7):

ei(3x) = cos 3x+ i · sen3x (3.8)

(eix)3 = (cosx+ i · senx)3 (3.9)

= (cos3 x− 3 sen2x · cosx) + i · (3 senx · cos2 x− sen3x) (3.10)

Page 32: O problema da trissecção - UFRJim.ufrj.br/walcy/Bienal/textos/trisseccao.pdf · O problema da trissecção-do ângulo FRANCISCO MEDEIROS1 LUCAS GUANABARA2 20 de abril de 2017

VII

IBie

nald

aSo

cied

ade

Bra

sile

ira

deM

atea

mát

ica

-Rio

deJa

neir

o-R

J-I

MPA

/UFR

J-V

IIIB

iena

lda

Soci

edad

eB

rasi

leir

ade

Mat

eam

átic

a-R

iode

Jane

iro

-RJ

-IM

PA/U

FRJ

-VII

IBie

nald

aSo

cied

ade

Bra

sile

ira

deM

atem

átic

aR

iode

Jane

iro-

RJ

-IM

PA/U

FRJ

-

26 CAPÍTULO 3. SOLUÇÃO DO PROBLEMA

Igualando o segundo membro das igualdades (3.8) e (3.10), obtemos as seguintesidentidades trigonométricas:

cos 3x = cos3 x− 3 sen2x · cosx (3.11)

sen3x = 3 senx · cos2 x− sen3x. (3.12)

Note que podemos usar identidade trigonométrica fundamental, sen2x+cos2 x =1, para reescrever as identidades (3.11) e (3.12) da seguinte forma:

cos 3x = 4 cos3 x− 3 cosx (3.13)

sen3x = 3 senx− 4 sen3x. (3.14)

3.2 cos 20◦ não é construtível

Finalmente, apresentaremos uma prova da impossibilidade da trissecção doângulo de 60◦ com o uso de apenas régua e compasso (instrumentos euclidianos).Como indicado no próprio título da seção, faremos isso traduzindo o problema parao universo algébrico.

Se fosse possível trisseccionar o ângulo de 60◦, então o ângulo de 20◦ seriaconstrutível e, portanto, cos 20◦ seria um número construtível. No entanto, fa-zendo a = cos 20◦ e θ = 20◦ na fórmula trigonométrica do cosseno do arco triplocos 3θ = 4 cos3 θ − 3 cos θ (vide (3.13), por exemplo), temos que

12 = cos 60◦

= cos 3θ= 4 cos3 θ − 3 cos θ= 4 cos3 20◦ − 3 cos 20◦

= 4a3 − 3a,

isto é, a = cos 20◦ é uma raiz da equação do terceiro grau 8x3−6x−1 = 0. Logo,cos 20◦ é número algébrico irracional de uma função polinomial cúbica 8x3−6x−1irredutível – a irracionalidade de cos 20◦ e a irredutibilidade de 8x3 − 6x − 1seguem do Exercício 7 – e, portanto, temos do Teorema 2 que cos 20◦ não é umnúmero construtível. De onde podemos concluir que o ângulo de 60◦ não pode sertrisseccionado por meio de apenas régua e compasso.

Page 33: O problema da trissecção - UFRJim.ufrj.br/walcy/Bienal/textos/trisseccao.pdf · O problema da trissecção-do ângulo FRANCISCO MEDEIROS1 LUCAS GUANABARA2 20 de abril de 2017

VII

IBie

nald

aSo

cied

ade

Bra

sile

ira

deM

atea

mát

ica

-Rio

deJa

neir

o-R

J-I

MPA

/UFR

J-V

IIIB

iena

lda

Soci

edad

eB

rasi

leir

ade

Mat

eam

átic

a-R

iode

Jane

iro

-RJ

-IM

PA/U

FRJ

-VII

IBie

nald

aSo

cied

ade

Bra

sile

ira

deM

atem

átic

aR

iode

Jane

iro-

RJ

-IM

PA/U

FRJ

-

Referências Bibliográficas

[1] ALLMAN, George J. Greek Geometry from Thales to Euclid. New York:Kessinger Publishing, 2005.

[2] ÁVILA, Geraldo. Cáculo das funções de uma variável, v.1 & v.2. Rio deJaneiro: LTC, 2004.

[3] AWTREY, Chad. Impossible Geometric Constructions: A Calculus WritingProject. PRIMUS: Problems, Resources, and Issues in Mathematics Under-graduate Studies, v. 23, n. 2, p. 141-149, 2013.

[4] EVES, Howard. Introdução à história da matemática. Campinas, SP: Editorada Unicamp, 2004.

[5] FERREIRA, Eduardo S. Nicomede e os três Problemas Cássicos Gregos. Re-vista Brasileira de História da Matemática, v. 10, n. 20, p. 197-216, 2010.

[6] FIGUEIREDO, Djairo G. de. Números Irracionais e Transcendentes. Rio deJaneiro: SBM, 2011.

[7] GONÇALVES, Adilson. Introdução à Álgebra. Rio de Janeiro: IMPA, 2013.

[8] JONES, A., MORRIS, S. e PEARSON, K. Abstract Algebra and FamousImpossibilties. New York: Springer-Verlag, 1991.

[9] The MacTutor History of Mathematics archive. Ancient Greek mathematics.http://www-history.mcs.st-and.ac.uk/Indexes/Greeks.html

[10] WAGNER, Eduardo. Construções Geométricas. Rio de Janeiro: SBM, 2007.

[11] WANTZEL, Pierre L. Recherches sur les moyens de reconnaître si un Pro-blème de Géométrie peut se résoudre avec la règle et le compas. Journal deMathématiques pures et appliquées, v. 2, p. 366-372, 1837.

27