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MÁRCIA AIKO TSUNODA
O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DO
PROFISSIONAL PERITO CRIMINAL FEDERAL
Dissertação para obtenção do grau
de mestre apresentada à Escola
Brasileira de Administração Pública
e de Empresas (EBAPE/FGV)
Orientador:
Prof.Dr.Ricardo Lopes Cardoso
Co-Orientador:
Prof. Dr. Vicente Riccio
RIO DE JANEIRO
2011
Tsunoda, Márcia Aiko O processo de construção da identidade do profissional perito criminal federal / Márcia Aiko Tsunoda. - 2011. 83 f.
Dissertação (mestrado) - Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas, Centro de Formação Acadêmica e Pesquisa. Orientador: Ricardo Lopes Cardoso. Co-orientador: Vicente Riccio. Inclui bibliografia. 1. Identidade. 2. Ambiente de trabalho. 3. Peritos. 4. Perícia
(Exame técnico). 5. Segurança pública. I. Cardoso, Ricardo Lopes. II. Riccio, Vicente. III. Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas. Centro de Formação Acadêmica e Pesquisa. IV. Título. CDD – 658.38
MÁRCIA AlI(O TSUNODA
F UNO A ç Ã O GETULIO VARGAS
o PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA IJ)I�NTIJ)ADI<: 1)0 I'ROFISSIONAL Plml'I'O CHlMINAL FlmlmAI..
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Administração Pllblica da Escola
Brasileira de Administração I>ública c ele Empresas para obtenção do grau de Mestre em Administração Pública.
I)ata da delesa: 29/12/20 II
Aprovada cm: 29/12/20 II
ASSINATURA DOS MI�MBR()S IM HANCA I�XAMINAI)ORA
",
Ricardo Lopcs Cardoso Orientador (a)
Dedico esta dissertação aos meus pais,
Franklim e Rosa, minha base e exemplo
de honestidade, paciência, dedicação e
esforço, responsáveis por todas minhas
conquistas, que me fizeram acreditar
sempre na capacidade do ser humano de
fazer a diferença e construir um mundo
melhor.
AGRADECIMENTOS
Pela presença de Deus em meu coração, acalentando-me nos
momentos mais difíceis.
Aos meus pais, pelo amor, força e incentivo incondicionais, e pelo
ensinamento primordial, de que a educação, o conhecimento, é a maior herança que
poderiam me deixar.
Ao Perito Criminal Federal Dr. Hélvio Pereira Peixoto, visionário e
desbravador, que vislumbrou para os Peritos Criminais a oportunidade, e incentivou-
nos à realização desta empreitada acadêmica.
Ao Professor Dr. Vicente Riccio, pela sábia orientação, atuando com
toda sua capacidade e visão para viabilizar esta pesquisa. Sem a sua orientação e
otimismo, este trabalho não teria sido concluído.
Ao Perito Criminal Federal Felipe Gonçalves Murga, pelo apoio e pela
contribuição extremamente agregadora.
Aos meus irmãos e a todos meus amigos e amigas mais próximos, pelo
apoio psicológico, logístico, pelas sugestões, e principalmente pelo companheirismo
e amor.
Aos meus amigos de curso, pelas tão divertidas aulas, eventos,
corridas de kart e emails, cujo carinho e alegria dispensados foram imensamente
importantes na superação das adversidades do mestrado.
A todo o corpo docente, por toda paciência e pelos ensinamentos
transmitidos, que contribuíram para o nosso enriquecimento intelectual e
profissional.
A todos os funcionários da EBAPE/FGV, que cuidadosamente nos
apoiaram.
Por fim, peço desculpas pelo esquecimento de quaisquer nomes de
pessoas merecedoras de citação. Agradeço profundamente a todos pelo apoio e por
serem minha fonte de motivação.
RESUMO
Segundo o Código de Processo Penal brasileiro, a Perícia é imprescindível, e não
pode ser substituída pela confissão do acusado, nos crimes que deixem vestígios.
Esta pesquisa inicia um estudo acerca da construção da identidade profissional do
Perito Criminal Federal, o Perito que atua no âmbito da Polícia Federal no Brasil. A
abordagem acadêmica foi adotada no sentido de serem identificadas as principais
questões que contribuem na construção da identidade desse profissional. O objetivo
principal do trabalho é o reconhecimento pelo Perito Criminal Federal do seu papel
para a sociedade, de modo que se vislumbrem iniciativas que possam incentivar a
busca de melhorias, de aprimoramento na formação e evolução dos profissionais,
beneficiando não apenas a motivação e satisfação profissional, mas, sobretudo, a
resposta que este produz para a sociedade. O resultado da pesquisa revelou que
sua identidade, como a de qualquer profissional, está em constante metamorfose, e
sofre a influência de sua história e verdades individuais e das influências do
ambiente social e profissional. O estudo demonstrou que existem lacunas a serem
preenchidas na visão do próprio profissional com relação ao retorno quanto ao
resultado efetivo do seu trabalho, além da preocupação com o equilíbrio entre
quantidade e qualidade na produção de Laudos Periciais Criminais. Observou-se
ainda a existência de um ambiente organizacional desfavorável quanto ao
cumprimento de leis e recomendações, internacionais e nacionais, que preconizam a
necessidade de autonomia para a realização do trabalho pericial, de forma a garantir
a prova isenta e neutra em busca da justiça. Também ficou nítida a necessidade de
maior comunicação e discussão interna acerca da visão de futuro da profissão. É
primordial para a efetivação de uma sociedade democrática, que respeita os direitos
humanos e zela pela segurança pública, uma Perícia Criminal Federal consciente de
sua identidade, efetiva, que possa atuar com motivação, celeridade e qualidade em
prol da justiça para os cidadãos brasileiros.
PALAVRAS-CHAVE: Identidade. Perícia. Perito. Justiça. Segurança Pública. Polícia Federal. Direitos Humanos. Ciência Forense. Prova Material.
ABSTRACT
According to the Criminal Processual Code of Brazil, the crime scene investigation is
essential, and can not be replaced by the confession of the accused in the crimes
that leave evidences. This research begins a study on the construction of
professional identity of the Perito Criminal Federal, the expert that acts within the
Federal Police in Brazil. The academic approach was adopted in order to identify the
main issues that contribute to building this professional identity. The main objective of
this work is the recognition of their own role in society, and based on this information,
to find initiatives that could encourage the search for improvement, better training
and development of the professionals, benefiting not only the motivation and job
satisfaction of the Perito Criminal Federal, but mainly, the improvement in the
response it produces for society. The study results revealed that his identity, like any
professional, is in constant metamorphosis, and is influenced by his individual history
and realities, and by environmental social and professional influences. The study
showed that there are gaps to be filled in the view of the professional related to the
feedback of his work, beyond the concern with the quantity versus quality in the
production of his Reports. We also observed the existence of an organizational
environment disfavorable for the enforcement of international and national law and
recommendations, that stipulates the need for autonomy in forensic scientists job, to
ensure impartial and neutral evidence examination in search of justice. It also
became clear the need for greater communication and internal discussion about the
vision of the future. It is essential for the realization of a democratic society that
respects human rights and ensure the public safety, a Perito Criminal Federal that is
aware of his identity, that can act effectively, with motivation, agility and quality, for
the justice for Brazilian citizens.
KEYWORDS: Identity. Crime Scene Investigation. Crime Scene Investigator. Justice. Public Security. Federal Police. Human Rights. Forensic Science. Evidence.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 – Organograma simplificado – órgãos centrais. Em Destaque, a DITEC. ................. 19
Figura 2 – Organograma simplificado – unidades descentralizadas. Em destaque, o SETEC. 19
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Distinção entre níveis de estudo da identidade ......................................................... 7
Tabela 2 – Dados dos entrevistados ......................................................................................... 30
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABC – Associação Brasileira de Criminalística
AMB – Associação dos Magistrados Brasileiros
CIGE – Centro Integrado de Gestão Estratégica
COF – Coordenação de Orçamento e Finanças
COGER – Corregedoria-Geral de Polícia Federal
CONSEG – Conferência Nacional de Segurança Pública
CSI – Crime Scene Investigation
DITEC – Diretoria Técnico-Científica
DNA – Ácido Desoxirribonucleico (ADN)
IBOPE – Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística
INC – Instituto Nacional de Criminalística
NUTEC – Núcleo Técnico-Científico
ONU – Organização das Nações Unidas
PAD – Processo Administrativo Disciplinar
PCF – Perito Criminal Federal
SETEC – Setor Técnico-Científico
UTEC – Unidade Técnico-científica
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .................................................................................. 1
2 CONTEXTUALIZAÇÃO: A PERÍCIA NA POLÍCIA FEDERAL .............. 12
3 A PESQUISA .................................................................................... 25
4 CONCLUSÃO ................................................................................... 61
APÊNDICES ..................................................................................................... 71
APÊNDICE A – ROTEIRO DAS ENTREVISTAS ......................................................... 72
1
INTRODUÇÃO
1.1 A PERÍCIA E A SEGURANÇA PÚBLICA
Onde quer que pise, tudo que toque, tudo que deixe, até mesmo inconscientemente, servirá como evidência silenciosa contra ele. Não só suas impressões digitais ou pegadas, mas também o seu cabelo, as fibras das roupas, o copo que ele quebra, a marca de ferramenta que ele deixa, a pintura que ele arranha, o sangue ou sêmen que ele deposita ou coleta - todos estes e outros são testemunhas ocultas contra ele. Esta é a evidência que não se esquece. Não fica confusa pela excitação do momento. Não é ausente, porque testemunhas humanas são. É a evidência efetiva. Evidência física não pode estar equivocada; não pode se perjurar; não pode estar completamente ausente. Só a sua interpretação poderia estar errada. Só o fracasso humano em encontrá-la, estudá-la e entendê-la pode diminuir o seu valor (PAUL KIRK).
Em caso amplamente divulgado na mídia nacional e internacional (a
morte de uma menina de 5 anos de idade, jogada pela janela do apartamento pelo
próprio pai), o pai e a madastra de Isabella Oliveira Nardoni foram considerados, por
júri popular, na madrugada do dia 27 de março de 2010, culpados por homicídio
triplamente qualificado: pelo fato de a menina ter sido asfixiada (meio considerado
cruel), por estar inconsciente ao cair da janela sem chance de defesa, e por
alteração do local do crime, ou seja, fraude processual.
Cerca de dois anos antes, na noite do dia 29 de março de 2008,
Isabella Nardoni foi encontrada ferida, após ter sido jogada do sexto andar do
edifício London, prédio residencial da Zona Norte de São Paulo. A menina morava
com a mãe e passava alguns dias com o pai, dono do apartamento, que ali vivia com
a madrasta e dois filhos do casal.
O crime aconteceu à noite, após o casal, os filhos e Isabella retornarem
de um supermercado. O casal Nardoni e Jatobá afirmava que uma terceira pessoa,
nunca identificada, teria invadido o local e jogado a menina pela janela. Nardoni
teria, nesta versão, deixado a garota no quarto do apartamento e retornado ao carro
para ajudar a mulher a levar os dois filhos pequenos do casal.
A acusação defendeu durante o julgamento que eles estavam no
apartamento na hora do crime, demonstrando, com provas periciais, que a menina
havia sido espancada e esganada dentro do apartamento, antes de ser jogada pela
2
janela do sexto andar. Provou ainda que não houve a presença da tal terceira
pessoa no apartamento, na noite da morte de Isabella1.
O exame minucioso do local de crime trouxe à tona, por exemplo,
manchas de sangue que haviam sido limpas e marcas da tela de proteção da janela,
imperceptíveis a olho nu, na camiseta do pai da menina. Também os exames
necroscópicos no corpo de Isabella e a reprodução simulada dos fatos colaboraram
na montagem do quebra-cabeça da cena do crime.
O caso, que causou grande comoção e repercussão, demonstrou a
importância do trabalho pericial no levantamento de provas e na elucidação de um
crime.
O resultado do julgamento pelo júri popular foi a prisão de Alexandre e
Anna. Em quase dois anos presos, eles nunca confessaram ter matado Isabella e
nem se acusaram mutuamente pelo crime.
Alexandre Nardoni foi condenado a 31 anos, 1 mês e 10 dias, pelo
agravante de ser pai de Isabella, e Anna Carolina Jatobá, a 26 anos e 8 meses,
ambos em regime fechado. Pela fraude processual, devem cumprir 8 meses e 24
dias, em regime semi-aberto. Por decisão do juiz, eles não poderão recorrer da
sentença em liberdade, para garantia da ordem pública.
No mês de junho de 2010, foi divulgada pesquisa do Instituto Brasileiro
de Opinião Pública e Estatística (IBOPE) sobre os problemas sociais que mais
preocupam os brasileiros. Os dados mostram que a segurança pública aparece em
segundo lugar, com 42 % das opiniões, perdendo apenas para a saúde pública, que
aparece com 66 %.
Em outra pesquisa, de 2008, do mesmo Instituto, os resultados
mostram um quadro bem crítico, uma vez que a situação da segurança pública é
avaliada como ruim ou péssima por 53 % da população (tendo sido considerada
ótima ou boa por 18 %, e regular por 29 %).
Na mesma pesquisa, o aspecto apontado como mais importante pela
população para melhorar a segurança foi o combate ao tráfico de drogas (46 %),
1 Informações extraídas de diversos jornais: Rigi, Camilla; Silvia Ribeiro. "Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá são condenados pela morte de Isabella" (html). R7. Rede Record. 27 de março de 2010. (página da notícia visitada em 08/09/2011). “Entenda o caso da morte da menina Isabella Oliveira Nardoni” (html). Folha. 03 de abril de 2008. (página da notícia visitada em 08/09/2011). D'Agostino, Rosanne (22-03-2010). “Em júri, Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá se encontram pela 1ª vez em quase dois anos”. UOL. (página visitada em 08/09/2011).
3
seguido pelo combate à corrupção na polícia (34 %), pelo reforço do policiamento
(33 %) e pela adoção de leis mais rigorosas para punir os infratores (35 %).
No período de 27 a 30 de agosto de 2009, em Brasília, ocorreu a 1ª
Conferência Nacional de Segurança Pública (CONSEG), evento que objetivou definir
princípios e diretrizes orientadoras da Política Nacional de Segurança Pública, com
participação da sociedade civil, trabalhadores da área de segurança pública e poder
público, visando efetivar a segurança como direito fundamental, como preceitua a
Constituição Federal, consolidando instrumentos de participação social no âmbito da
segurança pública.
Segundo a análise realizada na 1ª CONSEG, que contou com a
participação de aproximadamente três mil pessoas, representando as 27 Unidades
da Federação, a segunda diretriz mais votada, de um total de 40 diretrizes
prioritárias, foi:
Promover a autonomia e a modernização dos órgãos periciais criminais, por meio de orçamento próprio, como forma de incrementar sua estruturação, assegurando a produção isenta e qualificada da prova material, bem como o princípio da ampla defesa e do contraditório e o respeito aos direitos humanos <http://www.conseg.gov.br>.
Esta diretriz comprova a preocupação da sociedade brasileira acerca
da garantia de neutralidade na realização dos exames e a garantia de boas
condições de trabalho para que a perícia produza prova material de qualidade e
comprometida com a verdade.
Cabe ressaltar que, com relação ao quantitativo de Peritos Criminais,
atualmente, o Brasil tem, ao todo, 6,5 mil peritos, segundo a Associação Brasileira
de Criminalística (ABC). Na Polícia Federal, são 1.109 Peritos Criminais Federais na
ativa. Para seguir as determinações da Organização das Nações Unidas (ONU), que
prevê a proporção de 1 perito para cada 5 mil habitantes, seria necessário
quintuplicar o número desses profissionais no país2.
Neste contexto da importância dos órgãos periciais criminais no âmbito
da segurança pública nacional, este trabalho inicia uma reflexão acerca deste
2 Fonte: Estado de S. Paulo, quinta-feira, 29 de setembro de 2011.
4
profissional atuante no processo de persecução penal criminal, o Perito Criminal
Federal.
Neste capítulo será realizada a introdução ao tema deste trabalho, “O
processo de construção da identidade do profissional Perito Criminal Federal”, a
explicação de seus objetivos, sua delimitação e a relevância do estudo proposto.
1.2 CONCEITUANDO A IDENTIDADE
O cerne deste estudo trata da identidade. Originária do latim identitate,
a palavra possui, na língua portuguesa, diversos significados, conforme listado pelo
Dicionário de Língua Portuguesa Michaelis:
1. Qualidade daquilo que é idêntico. 2. Paridade absoluta. 3. Álgebra - Espécie de equação ou de igualdade cujos membros são identicamente os mesmos, ou igualdade que se verifica para todos os valores da incógnita. 4. Direito - Conjunto dos caracteres próprios de uma pessoa, tais como nome, profissão, sexo, impressões digitais, defeitos físicos etc., o qual é considerado exclusivo dela e, consequentemente, considerado, quando ela precisa ser reconhecida. I. pessoal: consciência que uma pessoa tem de si mesma.
O estudo da identidade envolve várias vias teóricas e epistemológicas,
havendo uma multiplicidade de caminhos possíveis para seu aprofundamento.
Conforme afirmam Carrieri, Paula e Davel (2008) em estudo referente à dimensão
do estudo da identidade organizacional, “nosso propósito é captar e chamar a
atenção para a complexidade, multidimensionalidade e pluridisciplinaridade inerente
a esse campo de pesquisa”.
A identidade pode ser tratada sob o ponto de vista de identidade
pessoal, onde estudos como os de Kraus (2000), no campo da psicologia, definem a
identidade como um quebra-cabeça montado com peças das diversas realidades
vividas por cada pessoa, ou seja, sua identidade seria o reflexo de toda a sua
história e aprendizados individuais.
Outra forma de análise da identidade trata da identidade social, onde
Hogg e Terry (2001), em uma concepção sociológica, relacionam a identidade ao
resultado de uma interação entre as pessoas, ao comportamento do indivíduo em
5
cada um dos ambientes em que convive, permitindo assim seu posicionamento e
visão de si mesmo como parte do universo social. Este conceito de identidade é,
portanto, relacional.
Segundo Tajfel (1978) a identidade é “o reconhecimento individual de
que se pertence a certos grupos sociais, juntamente com o significado emocional e
de valor, para si, de filiação a um grupo”. Da mesma forma, Silva e Nogueira (2000)
afirmam que as pessoas captam suas similaridades e discrepâncias com relação aos
outros, e encontram a identidade quando se percebem pertencentes a um grupo.
Assim, considerando o ser humano como um indivíduo único
(identidade pessoal), que necessariamente convive com outros de sua espécie
(abordagem social), a identidade de cada pessoa poderia ser entendida como a
soma de toda a sua vivência, história e aprendizados com a visão de si como parte
de um universo social.
O presente estudo, porém, aborda a identidade sob mais um prisma: o
do indivíduo, que convive com outros, em seu meio de trabalho, profissionalmente.
Em estudo que discute a identidade profissional de médicos, Lima,
Hopfer e Souza-Lima (2004) sugerem que a profissão, o ato de trabalhar, é uma das
formas de relação do homem com o meio no qual está inserido, sendo que, através
dela, o homem pode modificar seu meio e também modificar a si mesmo. O trabalho
pode ser, para cada indivíduo, uma forma de realização pessoal, ou uma fonte de
disciplina, ou uma forma de garantir sua sobrevivência.
Esta visão de interação entre o ambiente de trabalho e o indivíduo é
corroborada por autores como Faria:
[...] a vida organizacional somente pode ser apreendida e analisada de forma interacionista: não é o ambiente que determina o ser da organização e tampouco é o ser da organização que determina o ambiente, mas a relação entre ambos é que determina o que são, como são e por que são (FARIA, 2000).
Em geral, a forma relacional é associada aos estudos da identidade
referente às organizações (ALMEIDA, 2005). Segundo este autor, a interação de
cada indivíduo com seus pares, dentro da organização, estabelece sua identidade.
Identidade é como nós reconhecemos a nós mesmos e uns aos outros. É a composição de todas múltiplas e interseccionadas
6
posições pessoais que um ator ocupa, tanto por necessidade como por escolha (OBERWEIS e MUSHENO, 1999).
Reforçando este mesmo conceito, observa-se que o ambiente de
trabalho é, segundo Sainsanlieu (1995), “uma verdadeira instituição secundária de
socialização, a qual, após a escola e a família, modela atitudes, comportamentos, a
ponto de produzir uma identidade profissional e social”.
Todas estas visões da identidade possuem o elo em comum da análise
do comportamento do indivíduo ou de um grupo específico. A própria identidade
organizacional, como visto, é explicada a partir do comportamento do ser humano
dentro da organização. Desta forma, conforme Sainsaulieu (2001), a identidade
profissional passa a ser mais representativa do que a identidade organizacional: o
indivíduo se baseia no resultado de seu trabalho, nos serviços prestados, focando-
se mais em sua carreira do que na relação com a organização. Esta realidade torna-
se ainda mais visível quando se leva em consideração a estabilidade no serviço
público, que praticamente elimina a preocupação com a perda do emprego.
Como afirmam Codo, Sampaio e Hitomi (1998), atualmente são
valorizadas nas organizações a competitividade constante e o atendimento a
padrões de qualidade e produtividade, dando-se mais importância ao lado
instrumental, racional, do que ao substantivo, emocional. Esta visão do homem
como “máquina de produção” provoca uma série de sofrimentos, levando muitos
trabalhadores a doenças como o stress, a depressão, o desequilíbrio emocional, o
alcoolismo. Em ambientes policiais, estas manifestações ocorrem com maior
frequência, devido à própria natureza do trabalho.
Outra reflexão importante é trazida por Bock (1999), quando lembra
que a identidade deve ser sempre vista como metamorfose e como movimento
permanente de transformação.
Assim, a identidade do profissional Perito Criminal Federal constitui-se,
em cada indivíduo, de sua identidade pessoal somada à visão de si no ambiente
profissional, não sendo, portanto, estática, mas sim um complexo em constante
mudança.
A multiplicidade de níveis de estudo da identidade é representada na
Tabela 1 a seguir.
7
Tabela 1 – Distinção entre níveis de estudo da identidade
Tipo de identidade
Objeto de estudo
Meios de construção
Período de ocorrência
Espaços de construção
Finalidades
Pessoal A construção do auto-conceito ao longo da vida do indivíduo.
Diversos relacionamentos sociais, em diferentes esferas, bem como desempenho de papéis.
Permanente, ocorrendo em todas as fases da vida.
Múltiplos relacinamentos e papéis.
Conformação do eu, em direção ao processo de individualização.
Social A construção do auto-conceito pela vinculação a grupos sociais.
Integração a grupos sociais com finalidades diversas.
Permanente na vida do indivíduo.
Múltiplos grupos.
Orientar e legitimar a ação, por meio do reconhecimento e da vinculação social.
Identidade no trabalho
A construção do eu pela atividade que realiza e pelas pessoas com as quais tem contato no trabalho.
Interação com a atividade e com as pessoas no trabalho.
Na juventude, na idade adulta até a aposentadoria.
Múltiplas atividades e grupos profissionais.
Contribuir para a formação da identidade pessoal e atuar como fator motivacional.
Identidade Organizacional
A construção do conceito de si vinculado à organização na qual trabalha.
Interação com uma instituição (com seus valores, objetivos, missão e práticas).
A partir da juventude, enquanto estiver vinculado a alguma instituição.
Pode ocorrer em uma ou em múltiplas organizações.
Incorporar as instituições no imaginário, de forma a orientar a ação nessas organizações.
Fonte: Machado (2003)
Neste estudo, busca-se a compreensão da identidade profissional dos
Peritos Criminais Federais. É necessário considerar com grande relevância a
influência da estrutura hierárquica rígida e das relações de poder existentes na
Polícia Federal. Tais fatores, segundo estudo mais antigo de Sainsanlieu (1977), têm
grande influência na construção de identidades.
[...] nas circunstâncias de total dependência e de incapacidade de se opor aos outros, colegas ou chefes, os indivíduos não podem senão interpretar sua experiência de trabalho de maneira imaginária, alucinatória e fantasmagórica (SAINSANLIEU, 1977).
Organizações policiais, como a Polícia Federal, têm como
característica uma estrutura baseada em moldes militares, sendo, portanto, uma
organização com princípios rígidos de comando, disciplina e hierarquia baseada na
antiguidade no cargo. Além deste fato, outros fatores, como disputas internas pelo
poder e as poucas possibilidades de ascensão na hierarquia do órgão, por um lado,
8
e a segurança da estabilidade no serviço público, por outro, criam um ambiente
organizacional singular, que é um dos componentes na formação da identidade dos
profissionais que atuam na Polícia Federal.
A definição de identidade do Perito Criminal Federal, em uma
concepção mais sociológica, envolve questões como a normatização de seu
trabalho e o seu poder de polícia, envolvendo, portanto, enfoques jurídicos e sociais.
[...] os principais problemas em matéria policial referem-se aos objetivos do serviço, a sua organização, as suas relações com a comunidade, a profissão, as funções, o poder discricionário e o controle sobre as suas atividades (RICO, 1992).
Por esta visão, a profissão do Perito Criminal Federal é visivelmente
pautada pelas normas, explicitadas principalmente no Código de Processo Penal;
por regras e procedimentos científicos; pela necessidade de conduta formal e
impessoal, sujeitando os Peritos Criminais à disciplina judiciária e às hipóteses de
suspeição e impedimento similares aos magistrados; pela especialização do trabalho
e de responsabilidades; pela separação entre os interesses da organização e os
interesses dos servidores, com relações embasadas na autoridade e arbitrariedade.
Todo indivíduo, quando ingressa em determinada organização, seja ela
empresa, órgão público ou associação, procura reconhecimento. Ele não constrói
sua própria identidade somente a partir de si, ele necessita do julgamento e parecer
do outro (DEJOURS, 1999). O Perito Criminal, pelo tipo de trabalho que exerce,
necessita adequar-se a determinados padrões de rigidez e disciplina, algo que, a
princípio, já traz consigo, devido à sua formação e cultura acadêmica.
Sendo uma das principais missões da Perícia garantir os direitos
humanos, é necessário valorizar, portanto, o fator humano do profissional,
ressaltando, além dos conhecimentos técnicos e científicos, os subjetivos, críticos-
reflexivos.
A sensibilidade, a interdisciplinariedade, a necessidade de flexibilidade
e a absorção ágil do progresso técnico-científico são características da racionalidade
substantiva que faz parte da formação da identidade profissional do Perito Criminal
Federal.
Ao exercer uma profissão e trabalhar em uma organização, o indivíduo
necessita compreender, assimilar e aceitar a ideologia daquela profissão como
9
sendo sua própria, e agregá-la às suas crenças pessoais. Assim, se unificariam as
diversidades e contradições existentes (ALTHUSSER, 1999).
Os Peritos Criminais Federais passam por processo de seleção através
de concurso público, no qual são exigidos conhecimentos diversos, como, por
exemplo, língua portuguesa, direito, atualidades, raciocínio lógico, assim como
conhecimentos específicos em cada área de atuação. Passam também por etapas
de testes físicos, médicos e psicotécnicos.
Posteriormente, após aprovados em concurso, os candidatos a Peritos
Criminais Federais passam por um período de treinamento intensivo, na Academia
Nacional de Polícia, na cidade de Brasília, no Distrito Federal. Neste período,
recebem instruções e treinamentos jurídicos, técnicos e operacionais para a
realização do trabalho policial e pericial.
Ocorre que, neste importante período de aprendizado para o futuro
Perito Criminal Federal, muito pouco tempo é dedicado à questão filosófica,
subjetiva, do que é ser um Perito Criminal Federal. Empenha-se praticamente toda a
dedicação em assuntos instrumentais, da forma técnica e científica dos exames,
deixando-se de lado a questão primordial da formação da identidade do profissional
como Perito Criminal Federal.
Em estudo relativo à formação da identidade do médico, Ramos-
Cerqueira e Lima citam Violante (1986), refletindo acerca da importância da
formação do profissional, no sentido de ajudar a esclarecer seus alunos sobre a
imensidade de questões que estão envolvidas em sua formação, uma vez que só se
pode apreender e interferir no processo de formação da identidade profissional,
analisando a correlação de forças atuantes no processo de socialização dentro da
instituição.
Uma formação que se baseasse em uma filosofia na qual o policial é,
primeiramente, um servidor público, que tem obrigações para com a sociedade, e
que dentre as suas atividades também está inserida a repressão criminal, teria como
objetivo formar servidores mais conscientes da realidade em que estão inseridos,
formando uma base de conhecimento para suas tomadas de decisões (RICCIO e
BASILIO, 2006).
Assim reflete Kratcoski sobre o processo de seleção de profissionais
policiais: “características pessoais como integridade e fortes valores morais podem
10
ser mais importantes na seleção de oficiais que atributos físicos, por causa da
natureza única do papel do oficial de polícia” (KRATCOSKI, 2004).
Uma educação relacionada à ética pode reforçar os valores e ajudar a
reduzir os possíveis efeitos de exposição a comportamentos inapropriados, dentro
da cultura policial. O treinamento de polícias em todos os países inclui treinamento
básico para novos policiais, treinamentos para melhorar conhecimentos dos policiais
na ativa e treinamentos avançados para aqueles que necessitam desenvolver
conhecimentos mais especializados. Um dos grandes problemas das organizações
policiais é que os administradores de alto nível geralmente não recebem educação e
treinamento contínuo em administração e gestão, ou seja, não é dada à função de
gestor a devida atenção: um bom policial não será um bom gestor se não tiver
experiência anterior ou receber informações e capacitação para tal.
A importância de se comunicar e encontrar uma identidade, associar tal
identidade a uma marca ou imagem, e divulgá-la, interna e externamente, é
confirmada frequentemente em situações como a sanção de leis e normativos
regulamentando o trabalho pericial criminal, sem a devida participação da categoria,
ou em publicações de notícias em que informações errôneas sobre os Peritos ou
seu trabalho são divulgadas, ou ainda, notícias em que trabalhos realizados por
Peritos são atribuídos a outros cargos.
Podemos considerar a cultura como sendo a realidade normativa (incluindo valores, normas, suposições, orientações, etc) comum a duas ou mais pessoas e que, desse modo, facilita a comunicação entre elas (THAYER, 1979).
Em um mundo globalizado como o que vivemos atualmente, a mídia e
a aprovação pública fortalecem toda e qualquer instituição, o que implica, no âmbito
do poder público, em maior reconhecimento e força política, afetando aspectos
administrativos e gerenciais, como a prospecção de orçamento, melhoria nos
salários e aceitação na comunidade de pesquisa e desenvolvimento nacional e
internacional.
Corroborando com a importância da identidade e comunicação, com
relação aos efeitos internos na organização, Bekin afirma:
Funcionário motivado e mobilizado tem motivos de sobra para entrar em ação, e a comunicação é justamente o que o abastece e o
11
mantém jogando ‘com amor à camisa’, para usar uma expressão do futebol. Assim, o Endomarketing é um coadjuvante com intensa participação na motivação do público interno (BEKIN, 2004).
A construção da identidade é um processo de comunicação de duas
vias, na qual um age sobre a identidade do outro, mas também na qual outros
respondem e agem sobre aquela identidade. O processo de consolidar uma
identidade é infinito, uma reformulação em constante mudança, que é
simultaneamente produto de normas culturais, ações pessoais e relações
interpessoais.
No contexto da identidade profissional, pode-se compreendê-la então
como o conjunto de características próprias do grupo de profissionais, no caso, os
Peritos Criminais Federais, que os fazem ser reconhecidos por outros, e ainda, a
consciência que este profissional tem de si mesmo, e de seu próprio trabalho. A
identidade não pode ser analisada somente sob o aspecto cientifico ou acadêmico.
Deve, principalmente, ser vista como uma questão social e política. Assim,
identidade será referenciada neste estudo como a composição de diversos fatores,
que unem a história pessoal de cada indivíduo, as suas crenças e convicções morais
e a influência sofrida pelo ambiente em que atua. Tal identidade é, portanto, uma
metamorfose, uma constante transformação, visto que depende da interação entre
os Peritos Criminais Federais e o meio em que atuam.
A identidade do Perito Criminal Federal poderia ser traduzida nas
respostas às seguintes perguntas: Quem é? Como vê seu trabalho? Que reflexos
quer que seu trabalho tenha na sociedade? Que reconhecimento quer ter na
sociedade? Quanto está motivado e comprometido com o trabalho?
Mas afinal, qual a importância do estudo da identidade do Perito
Criminal Federal? Retornando ao anseio da sociedade brasileira por justiça, estudar
a identidade do Perito Criminal Federal significa compreender o quanto o trabalho
deste profissional tem respondido às expectativas dessa sociedade, possibilitando
refletir acerca dos problemas e possíveis soluções para tornar o resultado de seu
trabalho mais efetivo, eficiente e eficaz.
12
2 CONTEXTUALIZAÇÃO: A PERÍCIA NA POLÍCIA FEDERAL
2.1 A POLÍCIA FEDERAL
A segurança pública é dever do Estado, direito e responsabilidade de
todos, e é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das
pessoas e do patrimônio.
Um dos órgãos responsáveis pela segurança pública brasileira é a
Polícia Federal. Conforme preceitua a Constituição Federal de 1988, as
competências da Polícia Federal são apresentadas no § 1º do Art. 144, envolvendo
a apuração de infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de
bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas
públicas, prevenção e repressão do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o
contrabando e o descaminho, atuar como polícia marítima, aeroportuária e de
fronteiras e exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.
Vale ressaltar ainda a definição de Missão da Polícia Federal do Brasil:
Exercer as atribuições de polícia judiciária e administrativa da União, a fim de contribuir na manutenção da lei e da ordem, preservando o Estado Democrático de Direito. Mapa Estratégico (Portaria nº 1735/2010 – DG/DPF, de 3 de novembro de 2010).
Segundo Dussault (1992), no serviço público, a dependência do
ambiente sociopolítico é maior que em organizações da iniciativa privada, pois o seu
quadro de funcionamento é regulado externamente à organização. Os objetivos das
organizações públicas são inicialmente fixados por uma autoridade externa, apesar
da autonomia na direção dos seus serviços ou negócios.
No caso da Polícia Federal, vale ressaltar que o seu objetivo visa à
proteção e à segurança de vidas humanas e do patrimônio público. Também a
cultura própria das instituições militares e policiais é diferencial, pois é baseada na
hierarquia e disciplina, associando o poder à antiguidade (maior tempo de serviço).
Outra característica da Polícia Federal é a estruturação em carreiras
com limitadas e não-regulamentadas possibilidades de ascensão, além da
13
impossibilidade intrínseca ao serviço público de oferecimento de bônus financeiro ou
algum benefício que possa ser associado à eficiência e eficácia dos servidores.
A estrutura organizacional da Polícia Federal com relação aos cargos
ocupados por seus servidores consiste de: Peritos Criminais Federais, Delegados de
Polícia Federal, Agentes de Polícia Federal, Escrivães de Polícia Federal e
Papiloscopistas de Polícia Federal. O ingresso nas carreiras é feito exclusivamente
mediante aprovação em concurso público.
A Polícia Federal constitui-se de órgãos centrais localizados na cidade
de Brasília, e de outras unidades, que consistem em Superintendências Regionais
da Polícia Federal em todas as capitais dos estados da federação, e de Delegacias
de Polícia Federal em outros noventa e cinco municípios.
As chefias de todas as citadas unidades são exercidas por servidores
do cargo de Delegado de Polícia Federal, com exceção da Diretoria Técnico-
Científica, na qual o diretor é um Perito Criminal Federal.
2.2 O TRABALHO DO PERITO CRIMINAL FEDERAL
A palavra perito vem do latim peritus, que significa “aquele que sabe
por experiência, que tem prática”.
O Perito Criminal Federal é o profissional responsável pela
materialização da prova do crime, na estrutura da Polícia Federal. O campo de
atuação do Perito Criminal é usualmente denominado Criminalística, derivado de
kriminalistik, palavra utilizada pelo austríaco Hans Gross, um pioneiro na área, para
descrever a aplicação das ciências naturais para fins jurídicos e de elucidação, para
a lei (BELL, 2004).
Pelo conceito de Rabello (1996), a criminalística é uma “disciplina
técnico-científica por natureza e jurídico-penal por destinação, a qual concorre para
a elucidação e a prova das infrações penais e da identidade dos autores respectivos,
através da pesquisa, do adequado exame e da interpretação correta dos vestígios
materiais dessas infrações”.
Magalhães (2001) explica: “entende-se por perícia o trabalho de notória
especialização feito com o objetivo de obter prova ou opinião para orientar uma
14
autoridade foral no julgamento de um fato, ou desfazer conflito em interesses de
pessoas”.
Reforçando o mesmo conceito, Ornellas (2003) menciona que “A
função primordial da prova pericial é transformar os fatos relativos à lide, se natureza
técnica ou científica, em verdade formal, em certeza jurídica”.
A imprescindibilidade da Perícia está inscrita no artigo 158 do Código
Processual Penal brasileiro, que determina que não pode ser substituída pela
confissão do acusado, nos crimes que deixem vestígios. Em outras palavras,
segundo o Código Processual Penal, quando o crime deixa vestígios, mesmo que
haja confissão por parte do suposto autor, é obrigatória a realização de perícia. A
solicitação de perícia é, portanto, um ato vinculado, não discricionário. Um ato
vinculado é aquele em que a lei estabelece todos os requisitos e condições de sua
realização, sem deixar qualquer margem de liberdade àquele que o pratica, ou seja,
todos os elementos do ato estão vinculados ao disposto na lei. Portanto, a ele, não
cabe apreciar a oportunidade ou a conveniência administrativa da prática do ato.
O mesmo Código frisa, em seu artigo 6º e no artigo 169, a necessidade
da preservação dos locais de crimes pela autoridade policial, tão logo tenha
conhecimento da prática de infração penal, providenciando para que não se altere o
estado das coisas, até a chegada dos Peritos Criminais.
A responsabilidade do Perito Criminal no processo penal inicia-se com
o exame do local de crime, passa pelo exame de vestígios em laboratório e a
elaboração do laudo pericial, e permanece, fazendo parte do processo criminal,
transcendendo, inclusive, o momento em que a sentença é transitada em julgado.
Prova disso é a recorrente reabertura de casos, com novos elementos e exames
periciais realizados, principalmente de DNA, que acabam por absolver pessoas que
foram condenadas e cumpriam pena injustamente.
Desta forma, o Perito Criminal Federal é um servidor que trabalha
como parte da Polícia Judiciária, para uma melhor e mais correta aplicação da
Justiça, servindo o Laudo Pericial Criminal a Delegados de Polícia, Juízes,
Procuradores e Promotores, Defensores Públicos, Advogados Criminais e
profissionais especializados no Direto Penal, tanto para a formação de culpa, quanto
para se evitar que um inocente venha a ser injustamente condenado.
15
No âmbito da Perícia Criminal Federal, as atribuições dos Peritos são
atividades técnico-científicas de nível superior em procedimentos pré-processuais e
judiciários, dentre elas:
• Examinar os vestígios deixados quando da infração penal, com a
finalidade de buscar, de forma imparcial, a dinâmica, a materialização e
a autoria do evento criminoso. No local de crime, descobrir, proteger e
recolher os vestígios;
• Fornecer elementos para a qualificação da infração penal;
• Estabelecer a dinâmica do fato e, sempre que possível, atribuir-lhe
a autoria.
Em outras palavras, trata-se do profissional responsável por encontrar
e esclarecer a prova, visando estabelecer a materialidade, a dinâmica e a autoria do
crime.
Bell (2004) afirma ainda que, desde os primórdios da ciência forense,
existe uma questão que envolve a natureza da profissão de Perito. Este autor
discute em sua obra, se um Perito deveria ser um generalista bem versado em
muitos aspectos do conhecimento ou um especialista dedicado profundamente a
uma disciplina. Em um extremo, estão aqueles que argumentam que a disciplina tem
avançado a um estágio tal que a especialização é requerida dada a profundidade e
complexidade técnica de cada área (como por exemplo, armas de fogo, crimes
cibernéticos, análise de DNA). O ponto de vista oposto sustenta que os cientistas
forenses deveriam deter conhecimento sobre um espectro amplo de áreas, mesmo
que eles não trabalhem em todas estas áreas no seu dia-a-dia. Pioneiros como
Hans Gross (1893) e Paul Kirk (1953) adotam esta opinião, e foi Kirk quem
expressou a visão de que a Criminalística é de fato uma expert em comparação e
individualização, ao invés de uma especialista em alguma área forense específica.
Atualmente, é cada vez mais exigida uma maior especialização dos
Peritos, devido à globalização e velocidade de evolução tecnológica, que fazem com
que os criminosos estejam sempre evoluindo na busca pela prática do ‘crime
perfeito’. Porém, o conhecimento referente a diversas áreas também é necessário,
principalmente em função da imprevisibilidade do que será encontrado em cada
local de crime, e também do quantitativo de Peritos, insuficiente para o atendimento
da demanda.
16
No contexto das análises forenses, o método científico é usado para
garantir que os melhores resultados possíveis são obtidos: as teorias correntes
estão constantemente abertas a estudo, revisão e crítica. Também é governado por
um processo chamado revisão por pares, no qual descobertas científicas são
revisadas por cientistas especializados no assunto, antes da publicação.
O Consórcio de Organizações de Ciência Forense (Consortium of Forensic Science Organizations – CFSO) representa mais de 11 mil organismos que trabalham com ciência forense ao redor do mundo. Estas organizações e seus membros endossam a teoria de que seu trabalho necessita ser fundamentado em princípios científicos (POLSKI, 2004).
Conforme justifica Silva (2009), total deve ser a autonomia do Perito
Criminal Federal no desempenho de suas funções, quanto ao levantamento, ao
estudo e à pesquisa do material em exame, e especialmente, quanto às conclusões
emitidas no Laudo Pericial Criminal, que deve ser totalmente neutro e ter
embasamento exclusivamente científico, comprovável a qualquer tempo e em
qualquer instância do Poder Judiciário.
O trabalho do Perito Criminal Federal não se restringe ao exame
pericial realizado em laboratórios. Suas atribuições em locais de crime são
explicitadas no artigo 6º do Código de Processo Penal, que disciplina que todos os
vestígios existentes no local de crime sejam coletados e interpretados por apenas
um profissional, o Perito Criminal. Estas ações somente são possíveis através do
poder de polícia que o Perito possui sobre aquele local. A apreensão e guarda sob
sua custódia de objetos encontrados na cena do crime, como armas, munições,
drogas e vestígios biológicos, são formas do exercer desse poder de polícia.
Segundo Caio Tácito (1952), o conceito “poder de polícia” é o conjunto
de atribuições concedidas à Administração Pública para disciplinar e restringir, em
favor do interesse público adequado, direitos e liberdades individuais. Celso Antonio
Bandeira de Melo, em seu Curso de Direito Administrativo, o define como a atividade
estatal de condicionar a liberdade e a propriedade, ajustando-as aos interesses
coletivos (MELO, 1998).
Devido à responsabilidade e riscos consequentes da atuação em
exames de locais de crime e do referido poder de polícia, os Peritos Criminais
Federais da Polícia Federal possuem porte de arma, sendo devidamente treinados
17
para o manuseio e manutenção desta. Da mesma forma que os demais ocupantes
dos cargos policiais, o Perito Criminal Federal está constantemente exposto a
situações de risco, além de possibilidade de ameaças, desejos de vingança ou
intimidação.
Quanto à formação acadêmica, os Peritos Criminais Federais são
servidores concursados, formados nas mais diversas áreas das ciências:
1. Contabilidade / Economia
2. Engenharia Elétrica
3. Informática
4. Engenharia Agronômica
5. Geologia
6. Química / Engenharia Química
7. Engenharia Civil
8. Biologia
9. Engenharia Florestal
10. Veterinária
11. Engenharia Cartográfica
12. Medicina
13. Odontologia
14. Farmácia
15. Engenharia Mecânica
16. Física
17. Engenharia de Minas
Apesar da formação específica, com base na qual as solicitações
periciais são distribuídas entre os Peritos, existem alguns tipos de exames periciais
nos quais todos os Peritos Criminais são capacitados para atuar: grafotecnia (exame
de autoria da escrita), exame de local de crime, exame de moeda falsa, exame de
autenticidade de documentos, balística.
Nas unidades de Perícia dos estados da federação brasileira, fora dos
órgãos centrais, apesar de também existirem áreas de especialização, devido à
quantidade de demandas alta em relação à quantidade de Peritos, em geral, os
profissionais realizam um espectro mais amplo de tipos de exame, sendo, portanto,
por necessidade, mais generalistas que especialistas.
18
Devido à multidisciplinariedade de conhecimento do Perito Criminal
Federal, além dos exames periciais em laboratório para elaboração do Laudo
Pericial Criminal, da atuação em exame de locais de crime e das pesquisas e
capacitações para atualização científica, este profissional muitas vezes é
requisitado, na Polícia Federal, para colaborar em outras atividades de apoio
gerencial, especializado e administrativo, com maior ou menor grau de desvio da
sua função precípua: atuação em áreas de gestão e estratégia, como o Centro
Integrado de Gestão Estratégica (CIGE) e a Coordenação de Orçamento e Finanças
(COF), atuação em grupos de prevenção e exames relativos a bombas e explosivos,
elaboração de projetos, controle de produtos químicos, conformidade fiscal das
unidades da Polícia Federal, gestão e fiscalização de obras de engenharia nas
unidades da Polícia Federal, fiscalização de contratos, desenvolvimento e suporte
técnico de informática, entre diversos outros.
A participação comprometida dos Peritos Criminais Federais nestas
diversas áreas, apoiando a administração e visando à evolução da Polícia Federal,
pode ser comprovada em números: no CIGE, por exemplo, quatro dos seis
componentes da equipe são Peritos Criminais. Mais da metade do total de Peritos
Criminais Federais da área de Engenharia Civil encontram-se atuando na gestão,
execução e fiscalização de obras da Polícia Federal. Porém, com raríssimas
exceções, um Perito Criminal Federal é galgado ao cargo de chefia em qualquer
dessas áreas.
2.3 A PERÍCIA CRIMINAL FEDERAL NA POLÍCIA FEDERAL
Na Polícia Federal, o órgão central da criminalística é a Diretoria
Técnico-Científica (DITEC), sob a qual se encontra o Instituto Nacional de
Criminalística (INC). As unidades estaduais, situadas nas capitais dos estados da
federação são denominadas Setor Técnico-Científico (SETEC) e encontram-se
organizacionalmente em Superintendências de Polícia Federal. Outras unidades
regionais são denominadas Núcleo ou Unidade Técnico-Científica (NUTEC/UTEC), e
encontram-se organizacionalmente em Delegacias de Polícia Federal.
No organograma da Polícia Federal, as unidades de perícia aparecem
da forma apresentada nas figuras 2 e 3 a seguir.
19
Figura 1 – Organograma simplificado – órgãos centrais. Em Destaque, a DITEC.
Figura 2 – Organograma simplificado – unidades descentralizadas. Em destaque, o SETEC.
A necessidade de imparcialidade e comprometimento com a verdade
do trabalho pericial é empiricamente deduzível, na medida em que pode trazer a
justiça na forma de uma condenação fundamentada e também o alívio de uma
absolvição em uma situação de falsa acusação.
Recomendações internacionais, como as da Academia Americana de
Ciências, consubstanciadas no Relatório Strengthening Forensic Sciences in the
United States: A Path Forward (2009), apontam no sentido de que os laboratórios de
ciências forenses devem ser autônomos quando dentro dos órgãos de segurança
pública, ou que deles devem ser independentes.
A Organização das Nações Unidas (ONU) vai além, manifestando-se
reiteradamente no sentido de que as investigações da perícia criminal não devem
ocorrer sob a autoridade da polícia, devendo haver um corpo científico investigativo
independente, com recursos materiais e humanos próprios, conforme o Relatório
Civil and Political Rights, Including the Questions of Torture and Detention,
elaborado por sua Comissão de Direitos Humanos (2003). O argumento principal é
de que a atuação pericial não deve ser vista somente como ferramenta de punição:
“Punish the guilty; release the innocent”, ou seja, “Punir o culpado; libertar o
inocente”.
20
Silva (2009) relembra as justificativas que levaram à sanção da Lei
nº 12.030/2009, que assegurou formalmente no Brasil a autonomia funcional, técnica
e científica à perícia oficial de natureza criminal:
A perícia oficial compreende uma série de atividades indispensáveis para a investigação de práticas ilícitas. Para ser eficiente essa perícia deve ser praticada num ambiente que assegure a imparcialidade, estimule a competência profissional e o trabalho de precisão (SILVA, 2009).
A nomenclatura ‘perícia oficial’ é diferente da encontrada no Código de
Processo Penal de 1941, onde os Peritos que atuam no poder judiciário são
denominados Peritos Criminais. Na Lei nº 12.030/2009, a ‘perícia criminal’ do Código
de Processo Penal é referida como ‘perícia oficial de natureza criminal’, desde logo
os Peritos Criminais denominados nesta lei são Peritos oficiais de natureza criminal.
Neste estudo, o termo utilizado será o de Perito Criminal.
Feita esta elucidação acerca da nomenclatura, no mesmo estudo, Silva
conclui que a lei supracitada assegura a autonomia funcional ao profissional Perito
Criminal, devendo proporcionar, para as atividades de natureza pericial, total
ausência de ingerências, seja de outros órgãos, seja de outros servidores da própria
instituição a que o perito ou o órgão pericial esteja inserido.
Apesar de o órgão central (DITEC) possuir orçamento e corpo
administrativo próprio, a maioria dos Peritos Criminais Federais encontra-se atuando
nas Superintendências Regionais e nas Delegacias de Polícia Federal, onde se
encontram sob a administração e regras de alocação de recursos do chefe da
Superintendência ou da Delegacia. Existe, nesta situação, a vinculação hierárquica
do Perito Criminal Federal ao chefe da Unidade em que atua.
Deve-se esclarecer, porém, que a vinculação que existe entre
Delegado de Polícia Federal e Perito Criminal Federal é, e deve ser, unicamente a
hierárquica. Ao realizar a solicitação de um Laudo Pericial Criminal ao Perito
Criminal Federal, o Delegado de Polícia Federal não está agindo de forma
discricionária, mas sim vinculada, agindo de acordo com o que normatiza o Código
de Processo Penal, que no artigo 158, obriga a realização de Perícia, não podendo
ser substituída pela confissão do acusado nos crimes que deixem vestígios.
Para a efetiva atuação autônoma da DITEC com relação ao trabalho
pericial, deveria ser possível a indicação e substituição dos chefes dos SETECs,
21
NUTECs e UTECs, baseado em dados e argumentos técnicos e de gestão, sempre
que necessário. Também deveria ser possível que a própria DITEC tomasse
decisões quanto à alocação de seus recursos humanos, de forma a priorizar
determinadas áreas ou localidades em detrimento de outras, principalmente tendo
em vista a insuficiência de pessoal. O que ocorre, porém, é que remoções de Peritos
são realizadas sem o consentimento, e não raras vezes, sem sequer o
conhecimento do Diretor Técnico-Científico.
Para assegurar a autonomia técnica, científica e funcional de um
profissional, é preciso assegurar que este não poderá sofrer nenhum tipo de pressão
ou coerção com relação ao seu trabalho, assim como não poderá sofrer ameaças ou
acusações infundadas. No serviço público brasileiro, todo e qualquer servidor está
sujeito a responder a Processo Administrativo Disciplinar (PAD), instrumento
destinado a apurar responsabilidade de servidor por infração praticada no exercício
de suas atribuições, ou que tenha relação com as atribuições do cargo em que se
encontre investido.
No âmbito da Polícia Federal, existe uma Diretoria específica para
tratar de PAD, denominada Corregedoria-Geral. A Lei nº 8.112/90, em seu artigo
149, exige que o processo disciplinar seja conduzido por comissão composta por
três integrantes, exigindo, porém, somente a estabilidade destes, e que o seu
presidente seja ocupante de cargo efetivo superior ou de mesmo nível, ou ter nível
de escolaridade igual ou superior ao do indiciado.
Com relação efetivamente à execução de seu trabalho, o Perito
Criminal Federal costumava possuir, na Polícia Federal, a autonomia técnico-
científica necessária para decidir a forma, o método de realização dos exames,
assim como a necessidade ou não do auxílio de outros Peritos, de outras áreas
específicas do conhecimento, em determinada análise. No ano de 2010, porém, um
normativo interno3 de uma das unidades descentralizadas da Polícia Federal feriu
gravemente esta autonomia, não permitindo, por exemplo, que o próprio Perito
decidisse sobre a necessidade de convocação de outro Perito, com especialização
diversa da sua, para auxiliá-lo em um local de crime, passando esta análise e
decisão a ser de responsabilidade de um Delegado de Polícia Federal. Este
3 Instrução de Serviço nº 2/2010 – SR/DPF/MG, que Regulamenta o Sistema de Segurança Geral – SSG, reestrutura o serviço de plantão permanente e altera as atribuições das equipes de sobreaviso.
22
normativo interno feriu o próprio Código de Processo Penal, que indica claramente
que o local de crime é de responsabilidade do Perito Criminal.
Em 1º de agosto de 2011, o Decreto Presidencial nº 7.538/2011 retirou,
dentre as atribuições da Diretoria Técnico-Científica, a relativa à realização de
pesquisas, que anteriormente aparecia explicitamente no rol de atribuições da
Diretoria à qual pertencem os Peritos Criminais Federais. Trata-se de outro sério
golpe, relativo à autonomia técnico-científica dos Peritos Criminais Federais. Como
pode haver uma perícia eficiente se não houver pesquisa, para que o Perito esteja
tecnologicamente à frente do criminoso?
Conforme destacado anteriormente, os Peritos Criminais Federais
buscam colaborar em todas as áreas da Polícia Federal, com seus conhecimentos,
habilidades e atitudes. Os fatores citados, que impossibilitam a atuação da Perícia
Criminal Federal de forma autônoma, trazem consequências negativas na qualidade
e celeridade do resultado de seu trabalho.
2.4 O RECONHECIMENTO DA PERÍCIA CRIMINAL FEDERAL
Em pesquisa divulgada pela Associação dos Magistrados Brasileiros
(AMB)4 em 2007, a Polícia Federal aparecia como uma das instituições mais
confiáveis do ponto de vista dos brasileiros, com a aprovação de 74,7 % dos
entrevistados, perdendo apenas para o Exército. Apesar desta popularidade da
Polícia Federal, decorrente principalmente de operações policiais de abrangência
nacional envolvendo personalidades e políticos do país, empiricamente é sentido
que pouco se conhece ainda a respeito do trabalho dos Peritos Criminais Federais.
A atuação dos Peritos Criminais tem se tornado mais divulgada e
reconhecida no Brasil, principalmente devido à participação na elucidação de alguns
crimes que causaram comoção nacional, como por exemplo, a morte da menina
Isabella Nardoni. Neste caso, a condenação do pai e da madastra da menina foi
fortemente baseada nas provas periciais coletadas, examinadas e claramente
demonstradas. Conforme afirmam Filho e Antedomenico em estudo relativo a uma
proposta para o ensino de ciências naturais por meio da perícia criminal:
4 Disponível em <http://www.amb.com.br/index.asp?secao=mostranoticia&mat_id=10324>. Acesso em: 26 out. 2011.
23
Crimes de repercussão ou acidentes trágicos, que de imediato se tornam casos de comoção geral, seja pelos meios insidiosos empregados, seja pela fatalidade ocorrida, proporcionam temas instigantes para despertar o interesse dos alunos sobre a matéria (FILHO e ANTEDOMENICO, 2010).
Também colabora na compreensão das atribuições do Perito, a
popularização de séries televisivas similares às norte-americanas CSI (Crime Scene
Investigation) e Law and Order, causando o denominado ‘efeito CSI’, embora nos
episódios destes seriados haja diferenças significativas com relação às atribuições
legalmente estabelecidas aos Peritos Criminais no Brasil. Esses programas também
podem criar expectativas irreais com relação à perícia, visto que nos episódios dos
seriados sempre é possível a resolução dos casos, sempre há disponibilidade de
equipamentos e de Peritos para o pronto exame no local de crime, e a elucidação
dos crimes ocorre em poucos minutos. A realidade brasileira, conforme demonstra
pesquisa realizada em 2010 pela R7 notícias5, é de que apenas 37 % das unidades
de perícia possuem ao menos os itens essenciais para a realização de perícias
criminais: maleta com kit de varredura de locais de crime (notebook, GPS, trena a
laser, máquina fotográfica digital etc.), exame de DNA, exame de balística (com
microcomparador), câmaras frias (para preservação de corpos), cromatógrafos
gasosos, luz forense, laboratório de fonética, reagente químico e luminol. Sem eles,
é impossível produzir prova científica cabal para esclarecimento de crimes.
Tyler (2006) define o chamado “efeito CSI” como um termo que as
autoridades do judiciário e a mídia de massa têm utilizado para descrever uma
suposta influência que o ato de assistir ao seriado CSI: Crime Scene Investigation
tem sobre o comportamento dos jurados, que compõem júris populares, e sobre a
população em geral. Tyler realiza um estudo referente a este possível efeito.
Neste estudo, Tyler defende que, assim como é possível que o
aumento nas absolvições, nos EUA, pode decorrer do fato de os jurados estarem
influenciados de tal forma a não acharem as evidências reais fortes o suficiente, por
confundirem a ficção com a realidade, é igualmente plausível que o efeito CSI, pelo
contrário, mistifique a evidência científica. Devido à vontade de fazer justiça pelas
vítimas, os jurados seriam levados a ignorar ou minimizar os limites nos dados que
5 Disponível em <http://noticias.r7.com/cidades/noticias/pericia-criminal-no-brasil-e-extremamente-precaria-aponta-levantamento-20100815.html>. Acesso em: 4 dez. 2011.
24
eles vêem. Neste caso, o CSI poderia encorajar os jurados a considerarem
conclusivas evidências que não o são.
No Brasil, uma consequência positiva do efeito CSI é a maior
conscientização da população com relação à importância da preservação do local de
crime para a resolução deste.
Porém, mesmo com esta recente popularização, a sociedade em geral
parece desconhecer o papel do Perito Criminal e sua importância no contexto do
processo penal.
Cabe, neste contexto, uma reflexão: seria esta falta de reconhecimento
da profissão proveniente da própria falta de consolidação da identidade do
profissional, ou seja, de o próprio Perito não reconhecer sua identidade profissional
e a forma como esta se manifesta?
No Brasil, com relação às unidades dedicadas à criminalística
existentes nos estados da federação, existem órgãos periciais ligados diretamente à
Secretaria de Segurança Pública de seu estado, assim como existem ainda
unidades ligadas às Polícias Civis.
Um fato que ilustra a aparente falta de identidade do profissional Perito
Criminal (não somente do Perito Criminal Federal), é a diversidade existente na
nomenclatura dos órgãos nos quais os Peritos encontram-se atuando nos estados
da federação. Inexiste até hoje uma legislação ou norma que defina onde devem
estar e como devem ser denominados os órgãos de Perícia Criminal. Não havendo
uma denominação em comum, se verifica que hoje existem unidades denominadas
como Centros, como Superintendências, Departamentos, Coordenadorias, Institutos
de Perícia, ou ainda como Polícia Científica ou Polícia Técnico-Científica.
Em outros países, são utilizadas, para os órgãos Periciais,
nomenclaturas como “Servicio de Criminalística de la Guardia Civil”, na Espanha,
“Institut de Recherche Criminelle de la Gendarmerie Nationale” e “Institut National de
Police Scientifique”, na França, “Laboratório de Polícia Científica”, em Portugal,
“Direzione Centrale Anticrimine della di Stato, Servizio Polizia Scientifica“, na Itália,
“Kriminaltechnisches Institut des Bunderkriminalamtes”, na Alemanha e, na Bélgica,
a “Nationaal Instituut voor Criminalistiek em Criminologie”.
Por ser o trabalho pericial voltado por natureza à especialização e
meticulosidade, em geral os Peritos Criminais não possuem a cultura de divulgação
dos trabalhos fora do meio acadêmico, nem mesmo de descobertas e
25
desenvolvimentos científicos que, por muitas vezes, são de grande relevância para a
segurança em nível nacional e até mundial.
Os Peritos não recebem a informação acerca do resultado final de seu
trabalho e não sabem a medida do reconhecimento de seu trabalho pela sociedade.
Considerando-se, portanto, todo o contexto da realidade da Perícia
Criminal Federal, o efeito de seu trabalho no processo criminal, na busca da
verdade, de forma a possibilitar a justiça e a segurança, deseja-se com este estudo
compreender a identidade da Perícia Criminal Federal, e a forma como esta
identidade, ou a necessidade de consolidação desta, se reflete no resultado de seu
trabalho para a sociedade.
3 A PESQUISA
3.1 OBJETIVO
O principal objetivo deste trabalho é iniciar uma reflexão acerca da
identidade do profissional Perito Criminal Federal, compreendendo a formação de tal
identidade, e ainda, estudar as implicações para o resultado do trabalho esperado
pela sociedade.
Sabe-se que são diversas as teorias e conhecimentos relacionados ao
conceito de identidade profissional, sendo necessário avaliar quais se aplicam e
como seria possível atuar na consolidação da identidade profissional do Perito
Criminal Federal, de forma a melhorar seu desempenho no papel de fazer a justiça
através da ciência.
Este estudo buscará, portanto, as bases para o reconhecimento da
construção da identidade da Perícia Criminal Federal, e as formas de consolidação
desta identidade, tanto internamente, entre os próprios Peritos, como junto aos seus
principais clientes.
Urge frisar que este estudo não objetiva criticar ou questionar os
motivos históricos, sociais e culturais que levaram à atual situação organizacional
em que a identidade da Perícia Criminal Federal aparenta não se encontrar
consolidada.
26
Pelo contrário, busca-se com este estudo iniciar uma reflexão visando,
primeiro, reconhecer a situação atual da identidade da Perícia Criminal Federal, seu
papel para com a Polícia Federal e para com a sociedade, e seu reconhecimento por
eles, para então, vislumbrar formas de aprimoramento e iniciativas de gestão que
possam incentivar a busca de melhorias, de aprimoramento na formação e evolução
dos profissionais, beneficiando não apenas a motivação e satisfação profissional do
Perito Criminal Federal, mas principalmente, a melhoria no resultado que este
produz para a sociedade.
Certamente, não se tem a pretensão, neste estudo, de abordar o
assunto em seu todo, nem de encerrá-lo. Pelo contrário, se enseja abrir portas para
que novas frentes de estudo e novas formas de visão do trabalho pericial surjam.
3.2 METODOLOGIA
3.2.1 Delimitação do Estudo
A delimitação neste tópico apresentada é subdividida na delimitação
com relação ao trabalho pericial sobre o qual se questionará o conhecimento da
profissão e na delimitação com relação às pesquisas a serem realizadas, com
relação à abordagem de identidade no trabalho pericial.
Conforme descrito anteriormente, a responsabilidade técnica do Perito
Criminal Federal se inicia com a elaboração do Laudo Pericial e permanece, fazendo
parte do processo criminal, ultrapassando inclusive o momento em que a sentença é
transitada em julgado. Também foi citada a participação dos Peritos Criminais
Federais nas mais diversas áreas dentro da Polícia Federal, além das atribuições
precípuas relativas a exames periciais.
Os Peritos Criminais Federais estão distribuídos geograficamente por
todos os estados do Brasil, e possuem formação acadêmica nas mais diversas
áreas das ciências.
Para este estudo, será considerado o trabalho do Perito Criminal
Federal de forma genérica, não detalhando áreas específicas do conhecimento,
atentando principalmente para seu trabalho efetivo no processo penal.
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A forma como cada Perito Criminal Federal entende sua identidade
profissional pode tanto criar uma vinculação entre os mesmos, como também pode
dividi-los, criar subgrupos. Como afirma Butler (1990), “O território da identidade não
é neutro, mas sim político”.
A dimensão política da profissão Perito Criminal Federal deve ser
analisada, de forma a se compreender qual o seu compromisso como classe. Para
construir identidades, é indispensável participar ativamente da teia de relações
sociais em que se está inserido.
A identidade profissional emerge da interação da consciência de si
próprio, como ser humano, com a consciência de seu papel no ambiente em que
atua. O profissional Perito Criminal Federal é então o resultado de sua identidade
pessoal, influenciada pelo, e influenciadora do, meio em que atua. Busca-se,
portanto, a resposta para os questionamentos: quem é o Perito Criminal Federal? O
que quer o Perito Criminal Federal? Onde está e onde quer chegar o Perito Criminal
Federal?
Considerando que o Perito Criminal Federal é um profissional atuante
na área de segurança pública, diretamente responsável por realizar exames que
afetarão o futuro e a liberdade das pessoas, sua postura e atitude certamente devem
ser condizentes com determinados valores e virtudes.
Essa visão de identidade profissional será abordada neste estudo,
focando na visão interna, do próprio Perito Criminal Federal. Um estudo posterior
sobre a visão externa, dos principais clientes do Laudo Pericial, seria de grande
importância para complementar este trabalho.
Devido à conhecida influência que o ambiente em que atua exerce
sobre a construção da identidade, a pesquisa será realizada com Peritos de todas as
regiões do Brasil. Nas unidades menores e de mais difícil provimento, apesar das
menores condições de infra-estrutura e trabalho mais perigoso, em geral, as
pessoas costumam se unir mais, tornando o ambiente de trabalho mais prazeroso,
no sentido de companheirismo e auxílio mútuo. Este fenômeno pode ser explicado
pela teoria do custo de oportunidade, de Coase (1960), que faz referência
à relação básica entre escassez e escolha.
É importante registrar que as circunstâncias relacionadas a atos
administrativos, normatizações e clima organizacional relatados no estudo referem-
se ao contexto atual do país e da organização. Eventos futuros, com efeitos sobre a
28
Perícia Criminal Federal, ou a ocorrência de fatos que possam levar a mudanças
significativas na relação entre a Perícia Criminal Federal e seus clientes, ou a
sociedade, afetarão a identidade estudada, visto que o ambiente influencia
sobremaneira sua construção.
3.2.2 Método de Pesquisa
Foi escolhida a entrevista como método de coleta de dados, pois a
pesquisa é de base qualitativa, e exige um mergulho em profundidade no
pensamento dos Peritos Criminais Federais. É necessário coletar indícios dos
modos como cada Perito percebe e significa sua realidade, levantando informações
consistentes que permitam descrever e compreender a lógica que preside as
relações que se estabelecem no grupo. Seria difícil obter este tipo de informação
com outros instrumentos de coleta de dados.
Ao estudar o tema identidade utilizando como método de coleta de
informações a entrevista, obtém-se um conjunto de informações que ilustram as
experiências dos entrevistados. A experiência vivenciada por cada entrevistado é
norteadora das respostas apresentadas. Segundo Oberweis e Musheno (2001), o
relato de uma experiência não é nem a simples impressão individual sobre um fato,
nem uma conexão exata com a realidade. Qualquer relato de uma experiência é
feito politicamente, para enfatizar um ou outro aspecto do ponto de vista de quem
relata.
[...] histórias que as pessoas contam sobre si mesmas e sobre suas vidas ambos constituem e interpretam essas vidas; as histórias descrevem o mundo como ele é vivido e entendido pelo contador da história (EWICK and SILBEY, 1995).
Neste estudo foi realizada análise de conteúdo, sobre dados coletados
mediante pesquisa, baseada em entrevistas, com relação ao entendimento da
identidade do Perito Criminal Federal.
As entrevistas qualitativas foram realizadas com Peritos Criminais
Federais, de forma a captar indicadores que influenciam na construção da
identidade deste profissional, sejam estes de natureza instrumental, como imposição
29
de normas, hierarquias e fragmentação do conhecimento, ou ainda, de natureza
substantiva, como a ideologia no trabalho ou a auto-realização em busca da
emancipação e satisfação social.
3.3 ENTREVISTAS COM OS PERITOS
Foram realizadas entrevistas com Peritos Criminais Federais de
diversas localidades, tempo de serviço e experiências profissionais anteriores. As
perguntas realizadas encontram-se no Apêndice A.
3.3.1 Análise Qualitativa – Método
Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com Peritos Criminais
Federais de diversas regiões do Brasil.
Pretendeu-se, com as entrevistas, realizar uma pesquisa qualitativa
que permitisse retratar como os Peritos Criminais Federais se percebem, como
profissionais, elencando as categorias a partir das quais organizam o discurso sobre
sua atividade profissional.
O número de entrevistados não foi determinado a priori. Buscou-se por
novos entrevistados enquanto houve respostas que poderiam indicar novas
perspectivas e pontos de vista, levando-se em consideração a qualidade das
informações obtidas em cada depoimento, assim como a profundidade e o grau de
recorrência e divergência destas informações.
3.3.2 Participantes
O estudo envolveu um grupo de treze (13) Peritos Criminais Federais,
com diferentes tempos de serviço atuando como Perito Criminal Federal,
provenientes de diversas localidades (diversos estados do país), com e sem
experiências em outros órgãos. O tempo de atuação dos profissionais como Peritos
Criminais Federais variou de 3 a mais de 40 anos.
30
A amostra dos entrevistados não foi aleatória, pois essa não seria
eficiente, devido à ampla maioria dos Peritos serem relativamente jovens na Polícia
Federal, razão pela qual se buscou entrevistar Peritos Criminais Federais com
conhecimento do histórico da Perícia na Polícia Federal. Também foram levadas em
consideração, na escolha dos entrevistados, a área de atuação e a lotação,
procurando entrevistar Peritos com e sem passagem pelos órgãos centrais, além de
Peritos atuando em áreas fora da criminalística. Foi dada preferência à seleção de
Peritos que possuem algumas ideias já reconhecidas, principalmente divergentes,
quanto à visão da atuação e do futuro do cargo de Perito Criminal Federal dentro da
Polícia Federal.
Tabela 2 – Dados dos entrevistados
Codinome Tempo como
PCF Estado
Duração da entrevista
A 15 RJ 10 min. 07 seg.
B 8 SP 13 min. 14 seg.
C 5 MT 8 min. 53 seg.
D 4 DF 18 min. 10 seg.
E 13 RJ 11 min. 06 seg.
F 4 SP 12 min. 30 seg.
G 16 MG 17 min. 48 seg.
H 8 DF 11 min. 49 seg.
I 15 BA 9 min. 14 seg.
J 16 SP 9 min. 38 seg.
K 49 DF 18 min. 22 seg.
L 8 MG 15 min. 41 seg.
M 5 DF 10 min. 14 seg.
31
3.3.3 Material e Procedimentos
Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas, todas gravadas e
transcritas, nas quais se abordou a visão do trabalho do Perito Criminal Federal pelo
próprio Perito Criminal Federal: auto-reconhecimento, satisfação, anseios, momento
atual, objetivos e a projeção de futuro. Todos os entrevistados foram
conscientizados da sigilosidade com a qual seria tratado o seu depoimento (GARCIA
e TASSARA, 2001).
As entrevistas, presenciais, foram realizadas na cidade de Maceió-AL,
em dezembro de 2010, em evento de 5 (cinco) dias que reuniu Peritos Criminais
Federais de todo o Brasil. Os entrevistados foram convidados, um a um, para
responderem à entrevista, buscando-se para isso um local mais reservado no Hotel
Radisson, onde ocorreu o evento.
O fato de a pesquisadora pertencer ao universo estudado traz,
segundo Velho (1986) e Durham (1986), armadilhas embutidas na coleta de dados,
na medida em que entre os entrevistados havia peritos anteriormente conhecidos da
pesquisadora, sendo também de conhecimento prévio os pontos de vista de alguns
deles com relação a assuntos correlatos ao objeto de pesquisa. No entanto, este
mesmo conhecimento prévio de posições e preocupações pôde colaborar na busca
de entrevistados com opiniões firmes que representassem, em grande parte, os
grupos de pensamentos da classe, também previamente conhecidos da
pesquisadora. Vale ressaltar que não existe relação de hierarquia da pesquisadora
com nenhum dos entrevistados, sendo este mais um fator de garantia de
neutralidade.
Velho (1986) observa que, nessa situação, em que o pesquisador
estuda seu próprio habitat, é necessário buscar a forma mais adequada de lidar com
o objeto de pesquisa, fazendo com que sua subjetividade (do pesquisador) seja
incorporada ao que denomina de processo de conhecimento desencadeado,
evitando-se que se transmita a realidade exclusivamente pela ótica do interlocutor.
É importante ressaltar que toda experiência contada por um
entrevistado tem um cunho político, para enfatizar um aspecto ou outro de acordo
com seu ponto de vista, sua forma de ver o mundo. A matéria-prima do trabalho é a
fala do entrevistado. Desta forma, o método de entrevista que envolve o estudo da
32
experiência deve reconciliar o vão entre o que está sendo analizado (a experiência
individual) e o que está sendo revelado na análise (algo sobre a experiência
individual, mas também algo sobre o contexto cultural e social daquela experiência)
(OBERWEIS e MUSHENO, 2001).
3.3.4 Resultados e Discussão
A partir das entrevistas, buscou-se apreender, utilizando a análise de
conteúdo, o que significa ‘ser um Perito Criminal Federal’ para esses profissionais,
quais significados eles se auto-atribuem, partindo do pressuposto de que as opiniões
emitidas nas entrevistas foram sinceras e expressaram a verdade daquele indivíduo.
A partir das respostas apresentadas pelos Peritos Criminais Federais,
foram destacados no material das entrevistas aspectos relacionados à profissão que
foram considerados indicadores de construção da identidade desses profissionais.
Estes indicadores, ou categorias, foram definidos por meio do critério de
categorização semântico, onde cada categoria consiste em um tema que agrupa
elementos de análise sob títulos que representam determinada ideia, a partir das
perguntas presentes no roteiro inicial das entrevistas (BARDIN, 2004).
Assim, foram destacadas as seguintes categorias:
I. A Justiça e o papel do Perito Criminal Federal;
II. O Perito Criminal Federal na Polícia Federal;
III. A autonomia necessária ao Perito Criminal Federal;
IV. A efetividade do resultado final do trabalho do Perito Criminal
Federal;
V. A preocupação da qualidade versus quantidade de Laudos
Periciais Criminais produzidos;
VI. Como atuar no sentido de consolidar a identidade, sob a ótica do
próprio Perito Criminal Federal.
Por meio de procedimentos qualitativos, os dados coletados e
categorizados foram analisados, interpretados e consolidados, sendo os resultados
expostos nas seções seguintes, com os principais pensamentos e alguns trechos de
33
declarações que ilustram as opiniões predominantes referentes a cada um dos
temas elencados.
3.3.4.1 A Justiça e o papel do Perito Criminal Federal
O acesso ao direito e à justiça é um direito do ser humano, consagrado
na Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada em 1948, pela
Organização das Nações Unidas (PEDROSO, 2002). O acesso à justiça é o
requisito fundamental de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda
garantir, e não apenas proclamar, os direitos de todos (CAPPELLETTI, 1998).
No Brasil, a Constituição Federal estabelece, no art. 3º e no art. 5º, que
constitui objetivo fundamental da República Federativa do Brasil a construção de
uma sociedade livre, justa e solidária, erradicando a pobreza e a marginalização e
promovendo o bem de todos, que são iguais perante a lei.
Em busca da justiça, no Estado Democrático de Direito, é preciso
conciliar o respeito aos direitos humanos com uma investigação eficaz dos crimes,
de forma a condenar os criminosos e libertar os inocentes. A perícia criminal, neste
contexto, sendo a responsável pela produção da prova material do ato e da
identificação de sua autoria, assume papel de extrema importância, utilizando-se do
conhecimento científico e das inovações tecnológicas aplicadas à elucidação dos
casos.
Nesta categoria, a análise de conteúdo das declarações revelou que os
Peritos Criminais Federais entrevistados são uníssonos quanto ao entendimento que
possuem sobre seu papel no processo criminal. Em todas as entrevistas, tanto de
Peritos com pouco tempo de atuação como dos mais antigos, quer sejam os que
atuam em órgãos centrais quanto os que trabalham nos estados, identificou-se o
profissional Perito Criminal Federal como um cientista trabalhando em prol da
justiça, em busca da verdade, por meio da materialização e busca de autoria de um
crime.
Por definição, a gente busca uma verdade fundamentada, né? E pra isso, usando um método científico (Entrevistado E).
34
Ser perito é o profissional que, ele... utiliza da ciência pra desvendar um crime, então ele é o... como se fosse os olhos do juiz, né, ele tenta reproduzir aquilo que aconteceu baseado no método científico, na ciência. Então, ele é um profissional que tá em busca da verdade para solucionar os crimes (Entrevistado C). [...] é você ser um pesquisador, ser um cientista, mas com uma atividade essencialmente prática, não fica só na pesquisa, no mundo acadêmico, no estudo. Você precisa colocar em prática seu conhecimento, para poder, de alguma forma, contribuir para que a justiça seja feita (Entrevistado A). É uma forma de você colocar em prática seu conhecimento científico, seu conhecimento teórico, em prol da sociedade. Eu acho que é uma relação direta, do que você aprendeu na faculdade, no curso de formação que você fez, você consegue de alguma maneira auxiliar a sociedade através da justiça (Entrevistado A).
Também foi destacada pela maioria dos entrevistados a satisfação que
a missão precípua do trabalho traz, como bem caracterizado nos depoimentos a
seguir:
[...] ser PCF é ter essa sensação de estar contribuindo com a sociedade, estar contribuindo por um mundo mais justo (Entrevistado M). Eu vou responder o que me motivou a ser perita, né, além de outras coisas, mas assim, é, essa questão, quando você faz um laudo e consegue ver que efetivamente ele é conclusivo, que você tá contribuindo, eu acho que ser PCF é isso, se sentir muito importante pra sociedade, porque você vai contribuir para aquilo que falei no início, para que a justiça seja feita e para que menos corrupção haja, menos tráfico haja, e esses crimes assim e todos os outros, então eu acho que é ser alguém muito importante pra sociedade (Entrevistado D).
Vale ressaltar ainda a preocupação dos Peritos com relação ao real
significado de se buscar a verdade. Ocorre que, frequentemente, confunde-se a
atuação pericial com a investigação policial, imaginando-se a perícia em busca do
dolo ou da culpa. O trabalho pericial, ao buscar tão-somente a verdade, não só pode
trazer as consequências para um criminoso, ao se comprovar com provas materiais
a ocorrência de um crime, como pode também trazer o alívio a um inocente
acusado.
[...] a verdade, a gente tem que descobrir a verdade, né, ou pra inocentar, ou pra acusar, mas você sente a satisfação né, grande, de
35
estar contribuindo nesse processo todo de justiça, né (Entrevistado I).
Neste contexto, considerando a realidade econômica, política e social
do Brasil, a busca pela verdade absoluta6, e a consequente justiça, nem sempre é
de interesse das pessoas. Como bem comentou o entrevistado H, a verdade deveria
interessar a toda a sociedade, mas não interessa aos envolvidos em algum crime.
Então, acho que é gratificante porque você consegue entregar um produto pra sociedade, que interessa a todo mundo, menos a quem tem algo a esconder (Entrevistado H).
Percebe-se, portanto, nesta categoria, pela fala dos entrevistados, que
existe um entendimento de consenso a respeito do papel do trabalho do Perito
Criminal Federal no processo criminal, como especialista que utiliza a ciência em
prol da justiça. Contudo, alguns entrevistados trazem a reflexão quanto ao interesse
real da sociedade e dos governantes pela busca da verdade, e as consequências da
razão de ser do Perito no contexto sócio-político e econômico do país.
Uma reflexão e discussão mais profunda acerca de toda
responsabilidade do trabalho deste profissional é válida e sadia para a sociedade.
3.3.4.2 O Perito Criminal Federal na Polícia Federal
Com relação ao trabalho na Polícia Federal, alguns entrevistados
citaram alguns aspectos negativos característicos, como a excessiva personalização
e arbitrariedade de ações gerenciais.
Historicamente, o DPF sempre sofreu muito com problemas de gestão, problemas de modelo organizacional, problemas de institucionalização das ações, as ações são muito pessoalizadas (Entrevistado G).
6 É importante ressaltar, com relação ao termo ‘busca pela verdade absoluta’, que tal afirmação é
totalmente possível em exames laboratoriais, como a identificação de um entorpecente, ou a busca
de uma imagem em um computador. Porém, no caso de exames em locais de crime, a busca pela
verdade absoluta é, de fato, a busca pelas evidências e provas que materializem o crime e que
possam, com a maior probabilidade possível, validar uma hipótese de dinâmica dos fatos e autoria.
36
O principal aspecto negativo são esses que hoje impedem a aplicação livre de toda e qualquer metodologia necessária para alcançar a verdade. Limitação de ações, né, do perito, seja por questões administrativas, ou de comando. Então, todos elementos que cerceiam o livre emprego da ciência na sua função (Entrevistado E).
Em algumas entrevistas, ficou também evidenciada a atuação do Perito
Criminal Federal em diversas áreas, além da atribuição precípua de realização de
exames periciais:
[...] resgatar o fato passado, que aconteceu. Só que o Perito Criminal Federal é mais que isso. Ele também é um policial, então ele realiza atividades policiais, e ele também realiza atividades técnicas que ele detém aquele conhecimento específico, que outro profissional não vai conseguir realizar da maneira como o PCF realiza. Os melhores exemplos que eu tenho disso é a parte de Controle de produtos químicos, a parte do GBE, bombas e explosivos (Entrevistado B). Eu acho que a gente extrapola o papel da perícia, e muito. Eu acho que nós contribuímos demais pra toda parte, principalmente assim, técnica, na administração. Olha só, na COF7, por exemplo, né, na parte de Orçamento Financeiro, [...] lá do Escritório de Projetos, Planejamento Estratégico e Gestão de Processos, assim, a parte técnica de organizar, de dar contribuição, pesquisar, pra implantar melhores formas de gestão, em tudo isso tem peritos envolvidos e que não estão na área fim [...]. Então a gente contribui demais pra Polícia Federal. [...] Eu acho que a gente contribui muito além do que é realmente assim, a nossa função (Entrevistado D).
Com relação à participação em outras atividades, efetivamente como
servidor policial, como a efetiva atuação em operações policiais, foram identificadas
basicamente duas visões: a de que os Peritos Criminais Federais devem atuar
colaborando no planejamento e execução de operações policiais e a de que os
Peritos, nessas atividades, estão sendo desviados de sua função principal, atuando
em atividades inerentes a outros cargos policiais. A seguir alguns trechos que
mostram o anseio de alguns Peritos em colaborarem em todo o processo
investigatório:
Os delegados em geral procuram a gente antes de formular quesitos, algumas operações que são mais críticas, e tudo, então nos procuram pra elaboração de quesitos, participação em operações, mas ainda é um pouco embrionário, acho que deveria ser mais. Acho
7 Coordenação de Orçamento e Finanças
37
que nossa participação deveria ser inclusive no planejamento das operações (Entrevistado M). [...] porque eu não vejo, assim, a perícia separada da investigação. Eu vejo cada vez mais a importância da investigação, da gente estar mais próximo da investigação (Entrevistado I). Eu gosto muito dessa proximidade com os outros cargos, de acompanhar um pouco do trabalho do delegado, do escrivão, do agente, de poder estar participando de operações, então eu acho que tudo tem que funcionar integrado (Entrevistado M).
Neste contexto, é necessário esclarecer que a atividade de perícia
criminal destina-se não apenas à fase pré-processual (inquérito policial), como
também, e primordialmente, à fase processual (judiciária) da persecução penal, o
que faz exigir, sobretudo, atributos de isenção e imparcialidade do profissional
responsável por sua realização. Prova disso é o fato de o Código de Processo Penal
definir a Perícia Criminal como meio de prova e função auxiliar da justiça, sujeitando
os Peritos Criminais à disciplina judiciária e às hipóteses de suspeição e
impedimento próprias dos magistrados, sendo, portanto, necessário muito cuidado
ao se contextualizar o Perito Criminal Federal nas fases de investigação, busca e
apreensão.
Por outro lado, também há depoimentos de insatisfação com a
arbitrariedade e incongruência na forma de gestão, como o destacado a seguir:
Estão sempre tentando colocar a gente em operações pra fazer trabalho de agente, colocar em plantão pra fazer trabalho de agente, é... então... sendo que a gente tem uma carga de trabalho que é muito grande e que é muito importante, eles estão sempre tentando colocar a gente pra fazer outras coisas, né. Então isso é muito ruim (Entrevistado L).
Um exemplo de inconsistência na gestão que recentemente afetou
vários Peritos Criminais Federais foi a instauração de Processos Administrativos
Disciplinares relativos à suposta demora na realização de exames e elaboração de
Laudo Pericial Criminal, ocasião em que não foi demonstrada a fundamentação
sobre a qual se estipulou o prazo máximo determinado para tal execução. Em várias
situações, o servidor havia passado a maior parte do tempo, naquele período,
atuando na gestão e execução de obras da própria Polícia Federal, ou ainda, em
viagens em missões do próprio órgão.
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Ao serem questionados sobre as vantagens de se pertencer à Polícia
Federal, os entrevistados citaram algumas características próprias do ambiente
policial, como o porte de arma e a aposentadoria especial, e outros anseios comuns
a qualquer trabalhador, como o bom salário e a aceitação pela sociedade.
Eu acho que a profissão ela tem uma aceitação boa na sociedade, né? porque a gente faz um trabalho que tem um resultado muito importante... e o salário (Entrevistado C). [...] que o nosso salário graças a Deus é muito bom. [...] A outra coisa é o seguinte, porque, por exemplo, nós temos aposentadoria especial, né, [...] (Entrevistado K). [...] prerrogativas funcionais que só são garantidas por sermos policiais, é... previdenciária, aposentadoria especial, eu acho que tudo isso traz um rol de vantagens [...] (Entrevistado H). Eu acho que a vantagem que a gente tem, de estar no DPF é você ter porte de arma (Entrevistado C).
É importante aqui ressaltar alguns pontos sobre o aspecto do porte de
arma e da aposentadoria especial. O porte de arma é necessário ao profissional
Perito Criminal Federal, devido à sua atuação em locais de crime e pela própria
natureza de seu trabalho, sujeita a possíveis ameaças e situações de perigo de vida.
Similarmente, a aposentadoria especial é um benefício ao qual o Perito Criminal
Federal faz jus, pois está relacionado ao cumprimento ao disposto no art.40, § 4º, I
da Constituição Federal, que atribui a aposentadoria especial a servidores públicos
que exercem atividades de risco.
Foi citado também o problema da falta de reconhecimento do trabalho
realizado, tanto interna como externamente:
[...] é que muitas vezes com esse problema que se tem da questão dos delegados, e tudo, muitas vezes você acaba não sendo reconhecido, né, você é, por exemplo, o pessoal, elogia o trabalho, mas,... isso não tem o reconhecimento na hora certa (Entrevistado D). Falta de reconhecimento fora da própria criminalística, né, falta de visibilidade fora do nosso trabalho (Entrevistado L).
39
Os Peritos Criminais Federais demonstraram que consideram, em
geral, um orgulho pertencer ao quadro de servidores públicos do Departamento de
Polícia Federal, conforme ilustrado nos trechos de entrevistas a seguir.
O prestígio do DPF. O DPF é uma instituição forte, com visibilidade na sociedade, uma instituição respeitada, é [...] nós todos, do DPF, contribuímos para que chegássemos a esse estágio atual (Entrevistado A). [...] é que a gente tem muita, muita força, mesmo, poder. [...] as portas se abrem, você é da PF, [...] Então a gente tem esse nome forte nos ajudando a entrar nos lugares, a buscar provas, documentos, e tudo (Entrevistado D). A Polícia Federal ela é uma marca extremamente valiosa (Entrevistado G). É a imagem, né,o nome, a blindagem que você tem hoje com a Polícia Federal (Entrevistado H). No DPF ninguém fala “eu sou Perito Criminal Federal”, todo mundo fala “eu sou da Polícia Federal”. Então, o nome da Polícia Federal é muito forte mesmo, né, é muito marcado, muito forte, e todo mundo tem orgulho de falar, eu sou Policial Federal. Mas eu acho que pode começar a pensar, né, que eu sou Perito Criminal Federal é... deve ser a primeira, né [...] o primeiro nome tem que ser perito criminal federal (Entrevistado J).
Nota-se, nesses trechos, a importância da marca, da imagem da
Polícia Federal no contexto da identidade do Perito Criminal Federal. A consciência
de que os próprios Peritos contribuíram muito para a construção dessa imagem e
desse reconhecimento pela sociedade é destacada pelo entrevistado identificado
pela letra ‘E’:
Olha, o departamento, mal ou bem, ele tem hoje uma aceitação muito grande na sociedade, que mal ou bem também, a gente construiu junto, não... achar que só uma carreira construiu isso, não é verdade... Eu acho que a gente é muito tímido, não... em fazer o nosso trabalho aparecer, a gente tem que levar mais o nosso trabalho aos juízes, conversar mais, aos promotores, todos nossos clientes, nossos clientes não só os delegados (Entrevistado E).
Apesar do orgulho de pertencer à Polícia Federal, foram destacados
problemas relativos à disputa pelo poder entre os cargos, a desmotivação perante a
falta de uma real gestão por competências e a ingerência sobre o trabalho.
40
Existem alguns loca( ) alguns pontos, alguns problemas pontuais, e aí é o problema que eu digo, nós não podemos estar à mercê de humores. Nós não podemos estar à mercê de determinado responsável por uma Superintendência que ache que o trabalho do Perito tem que ser feito de uma forma diversa do que preceitua a lei, e por isso começa a realizar atitudes... coagindo, quase, o profissional a trabalhar de uma forma inadequada. Isso são problemas pontuais, mas de uma forma geral, o Departamento de Polícia Federal tem um bom ambiente institucional (Entrevistado B). É... atualmente nós estamos vivendo um momento muito difícil, muito complicado, porque... é... antes, quando havia a distinção entre cargos de nível superior e nível médio, existia um equilíbrio, porque eram três cargos de nível superior: o sensor, o delegado e o perito, e os demais cargos, de nível médio. A partir do momento em que todos tiveram como forma de ingresso ao DPF o nível superior, você desequilibrou essas forças e a partir desse instante uma categoria quer se sobrepor às outras, que é a dos delegados. Então, há uma briga interna muito grande e as demais categorias, que antigamente eram de nível médio, elas querem também ter o cargo único, então, esse tipo de briga não leva a nada, o DPF só tem a perder e a gente tem que rever todos esses conceitos (Entrevistado A). Desde que eu entrei, assim, eu sabia que o perito, ele assumia alguns cargos por exemplo, alguns cargos de chefia, e que além disso, não seria. [...] esse ambiente, ele não, ele não motiva tanto. Porque se sabe que por mais que você fizer e tiver elogios e tudo mais, na hora, por exemplo, de assumir às vezes uma coordenação, ter um DAS ((gratificação salarial por cargo comissionado)), que seja, né, você não... dificilmente vai acontecer, né. ((do perito ser indicado para chefia)) (Entrevistado D).
Ao se analisar as reflexões dessa categoria, observa-se que em geral,
existe um sentimento de orgulho dos Peritos Criminais Federais por trabalhar na
Polícia Federal. Fica clara a existência de pensamentos diversos com relação aos
limites da atuação dos Peritos Criminais Federais em operações policiais. Também
se evidencia o problema de concentração do poder em apenas um cargo, o de
Delegado de Polícia Federal, sendo irreal a propagandeada ‘gestão por
competências’, o que atrapalha o desenvolvimento pleno e competente das
atividades da Polícia Federal como um todo.
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3.3.4.3 A autonomia necessária ao Perito Criminal Federal
A Lei nº 12.030/2009, que trata da qualificação e autonomia
necessárias ao cargo de perito oficial, explicitou a necessidade de autonomia para o
profissional Perito Criminal, afirmando em seu artigo 2º, “no exercício da atividade de
perícia oficial de natureza criminal, é assegurado autonomia técnica, científica e
funcional, exigido concurso público, com formação acadêmica específica, para o
provimento do cargo de perito oficial”. No âmbito da Polícia Federal, porém, existe
grande resistência da administração em promover a efetiva implantação da
autonomia pericial no órgão8, havendo diversos documentos oficiais afirmando que a
Lei já estaria sendo atendida no âmbito da Polícia Federal. Tal afirmação, porém, é
questionada em todas as entrevistas, sob algum aspecto.
Nas entrevistas realizadas, por várias vezes foi citada a falta de
liberdade de ações e de discricionariedade administrativa, no âmbito da
criminalística, como destacado a seguir:
O trabalho em si é muito bom, mas os aspectos negativos às vezes aparecem mais na parte do órgão, né, às vezes a gente não tem o apoio do órgão, né, pra fazer cursos, por exemplo, a gente tem que mendigar algumas vezes as autorizações para viagem, né, então tem algumas coisinhas, mas não ligadas ao trabalho em si (Entrevistado F). O principal ponto negativo é esse, que você, a estrutura, do jeito que ela está hoje, ela não te dá autonomia (Entrevistado C). Ponto negativo da perícia não ter financeiramente um sistema de logística em condições de trabalho ideais (Entrevistado H). A burocracia, e os problemas de gestão, que aí não são específicos da perícia, mas são relacionados ao serviço público e ao DPF (Entrevistado G).
Outros aspectos citados pontualmente foram a dificuldade de se chegar
ao vestígio no tempo adequado, e a tentativa de interferência de outros cargos e da
imprensa:
8 Como exemplo, temos o Despacho nº 226/2010 – SELP/CGCOR/COGER, o Despacho s/nº ANP, o Parecer nº 10/2011 – DELP/CRH/DGP e o Ofício nº 8/2011 – GAB/DG/DPF.
42
Você sempre tá trabalhando com um figurão, alguma coisa assim então você está sempre sendo observado, e até há uma tentativa muito mais forte de uma interferência, né. Interferência de, mesmo... de outras carreiras dentro da Polícia Federal, e muita interferência de imprensa (Entrevistado J).
Com relação ao ambiente institucional, sendo formado pelas relações e
a forma de trabalho entre os cargos, foram levantados alguns problemas
relacionados à necessidade de neutralidade no trabalho pericial e à preocupação
com relação à sua credibilidade:
Não, com certeza não, e nós estamos vivenciando uma época que a Direção Geral do Departamento não só o DG, tudo mais, como os grandes, os diretores, todos eles, são favoráveis a um projeto de submissão da perícia criminal. Então, isso é extremamente desfavorável pra perícia, extremamente desfavorável pra sociedade, né, porque você vai levar a credibilidade que a gente tem hoje é basicamente porque nós não temos medo de às vezes dar pau, né, de enfrentar porrada de delegado, de agente, e tudo mais, né, e se a gente começar a ficar cada vez mais subjugado à investigação, ao delegado, e tudo mais, nossa credibilidade vai cair bastante, e é possível até que nosso laudo não seja mais aquele... a única peça que vai para a justiça, a peça... que vai passar a ser uma prova produzida pela parte, e não mais uma prova independente (Entrevistado L).
Praticamente todos os entrevistados citaram ainda a falta de autonomia
administrativa dos Peritos. Destaca-se a fala do entrevistado B, que lembra da
necessidade de autonomia, sempre com seus limites, para todos os cargos:
Bom, a autonomia, ela é necessária e, de uma forma ampla, a autonomia ela é necessária pra todos os cargos, todos os cargos dentro do DPF precisam de autonomia. Até mesmo os cargos que não são policiais. Todos eles precisam. E todos eles já têm embutido um quê de autonomia. O seu trabalho, você faz, daquele jeito, seguindo [...] você faz do jeito que a lei fala para você fazer. Isso é ser autônomo. Agora, a autonomia da perícia ela é muito importante. Em função do nosso trabalho, nós já temos autonomia implicitamente consagrada em uma série de normativos, mas ela foi explicitada na Lei 12030. E aí a gente chega assim em que termos: para mim os termos que é o que eu chamo de... é o piso vital mínimo, [...], fazendo analogia para a autonomia da perícia, o mínimo necessário da perícia são as três autonomias que foram conferidas por essa lei: a funcional, a técnica e a científica (Entrevistado B). Acho que a gente tenta dar o máximo para que seja, mas podia ser melhor, né, se a gente tivesse uma estrutura ligada à DITEC,
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subordinada à DITEC e não à Superintendência, estou dizendo, no caso da Superintendência, já facilitaria bastante (Entrevistado C). Autonomia é essencial. Mas autonomia não significa necessariamente você ter um departamento próprio. Desde que você tenha as suas atribuições, as suas competências bem definidas, a autonomia, ela pode existir dentro do DPF, fora do DPF, em outro órgão, no Ministério da Justiça... O importante é que o Perito, ele, enquanto intérprete da prova material, ele possa fazer seu trabalho totalmente isento, totalmente imparcial, com autonomia total. Se ele vai estar vinculado ao Ministério da Justiça, ao MPF, ao DPF, isso é uma questão menor (Entrevistado A). Totalmente, eu acho que a gente tem que ter autonomia sim. Autonomia funcional, autonomia científica (Entrevistado C). Eu acho que essa autonomia ela tem que ser conquistada, é difícil, né. Principalmente por causa dessa intriga cultural que tem desde que criaram esse departamento, né, que os delegados que são os chefes e nós não vamos chegar a ser, só em algumas áreas, né, principalmente na DITEC. [...] eu acho que precisa de conversa, porque é inconcebível assim, que tenha esse tipo de situação, porque por exemplo, você é reconhecido por um chefe, por exemplo, né, e na hora, você sabe que ele não vai te indicar, por mais que ele saiba que ele precisa de você, ele não vai (Entrevistado D). Tecnicamente eu acho que já existe uma grande autonomia, ela já existe, né, só... é nessa parte técnica só... mas existem muitas outras coisinhas, né, acho que a parte... é... não sei, a gente depende muito, né, da boa vontade, às vezes, né, do chefe da delegacia, de aprovar uma viagem, né, ou mesmo, a gente tem muita dificuldade em relação à SR, né, que... Administrativamente acho que tem muito que se fazer ainda, né. Esta parte administrativa é totalmente é... dependente, né (Entrevistado F). É... a autonomia do perito é fundamental. Ele tem que ter plenas condições de agir na busca da verdade, no levantamento dos vestígios, no tratamento, no cuidado, e nos exames destes vestígios, e na sua é... conclusão em cima desses exames (Entrevistado G). Eu acho... concordo, eu acho que nós já temos autonomia. É... a forma como está hoje, inclusive, pelo advento da Lei 12030, garante ainda mais a autonomia, que eu acho que nunca esteve ameaçada, e eventuais casos de ameaça à autonomia, tem um meio próprio, que é a corregedoria, internamente, e o ministério público e o judiciário, externamente, portanto acho que não tem problemas com a autonomia, né, tem ela garantida, já (Entrevistado H). Eu sinto falta da autonomia é... financeira, né, administrativa. Ali, que a gente às vezes fica tolhido porque é... às vezes não... é... quem tem a prerrogativa de distribuir, por exemplo, um dinheiro, né, então, não sabe, não dá a devida importância, né, a gente não tem o que fazer, a gente fica, às vezes, é... à mercê de pessoa que não sabe, né, a importância da perícia, né. Acha que polícia é viatura, é arma, né, então às vezes tem isso aí e a gente tem que brigar, né, pra ter
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isso aí. Se a gente tivesse uma autonomia financeira, né, ficaria bem melhor. Não sei, o que eu sinto muito falta é isso. Porque a técnica, a gente tem, a gente não... eu nunca senti esse problema da técnica lá, né (Entrevistado I). Eu sempre defendi no estado, eu lutei no estado de São Paulo pra vir a independência, né, a autonomia, independência do perito, porque o perito serve a justiça e não a polícia. E sou totalmente favorável mesmo, sei que vai ter retaliação, como teve lá, mas você tem que achar sua identidade (Entrevistado J). Bom, a autonomia é muito importante, principalmente na parte técnica, né, que, aliás, ninguém pode influenciar nada no exame pericial, né, na boa vontade do perito em resolver o problema. Agora, hierarquicamente, eu acho que pode até ter hierarquicamente ter uma diferença entre o cara que ocupa um cargo, depende de qual cargo o cara ocupa, né. Se você é... é uma delegada e eu sou um perito, no mesmo nível, ali tem que haver um respeito um com o outro, ninguém é mais nem melhor que o outro. Agora, se você é diretora de algum lugar e eu não sou, eu tenho que respeitar você pelo cargo que você ocupa. Então, eu acho que essa hierarquia ela tem que existir dessa maneira. Não querer um passar... é... fiscalizar o outro (Entrevistado K). É, eu concordo com a autonomia, com certeza, né, e acho que a autonomia tem que ser um processo de verticalização mesmo, nós temos que ser... é... subjugados, né, não só funcionalmente, técnico-científicamente à DITEC, né, mas também administrativamente [...] O cara vai olhar lá, tem que comprar pneu pra viatura, tem que fazer alguma coisa pra criminalística, é óbvio que o cara vai optar por pneu. Só que isso tem sérias conseqüências na criminalística, né, de queda da qualidade de produção de laudos, de até às vezes inviabilizar a produção de alguns laudos, né. Então, isso eu acho muito complicado (Entrevistado L).
As reflexões acerca desta categoria levam à conclusão de que, para
atingir o objetivo do seu trabalho, o Perito Criminal Federal precisa, dentro da Polícia
Federal, de autonomia efetiva e não apenas técnico-científica, com relação à
elaboração de Laudos Periciais Criminais. Necessita de alterações nos normativos
sobre a forma de gestão de seus recursos humanos, materiais e financeiros, de
forma a permitir à Diretoria Técnico-Científica a priorização de projetos, a melhor
distribuição de recursos humanos e financeiros nas unidades, a garantia de meios
que permitam realização de pesquisas, capacitação e a execução do trabalho com
qualidade e produtividade, zelando, principalmente, pela realização de exames de
forma neutra e isenta de pressões ou coerções.
Conforme será comentado na categoria ‘A preocupação da qualidade
versus quantidade de Laudos Periciais Criminais produzidos’, a Perícia Criminal
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Federal necessita ter seu trabalho avaliado e julgado com base em premissas reais
e científicas, sempre em busca da efetividade, eficiência e eficácia em prol da
justiça.
3.3.4.4 A efetividade do resultado final do trabalho do Perito Criminal Federal
Ao se escolher uma profissão, busca-se, principalmente no idealismo
da juventude, aquela que poderá aliar a satisfação de se realizar algo que se gosta,
se admira, com a realização pessoal e financeira. Porém, ao se ingressar em uma
determinada profissão, com o passar do tempo e após a empolgação inicial, passa-
se a questionar o quanto aquilo que deveria ser, realmente o é.
Quando o trabalho realizado afeta diretamente a vida e a liberdade de
outras pessoas, seu resultado final passa a ter maior importância na forma como o
profissional é visto, pois o resultado do seu trabalho será o responsável por criar a
imagem de confiança e credibilidade daquela profissão.
Ao se estudar a construção da identidade do Perito Criminal Federal,
pôde-se perceber que o desconhecimento da efetividade do resultado final de seu
trabalho, ou seja, o quanto o Laudo Pericial Criminal elaborado foi importante ou não
em uma decisão judicial de um processo criminal, é um fator que influencia
fortemente a forma como o profissional se vê, trazendo dúvidas acerca de como é
visto, tanto pelos clientes de seus Laudos, como pela sociedade.
Assim afirmaram os Peritos Criminais Federais:
É que nós não sabemos o desfecho do nosso trabalho. Por exemplo, a gente faz os laudos, né, e não sabe se o juiz considerou ou não, se ele foi... teve realmente um peso na hora da decisão, isso seria importante pra gente ter feedback, até pra melhorar ou redirecionar às vezes uma forma que a gente faz algum exame ou, né, escreve um laudo (Entrevistado D). O problema maior que eu vejo, assim, é você não ter o retorno do seu trabalho, [...] um ou outro caso em anos, que você tem um retorno, do que vai pra mídia. [...] foi útil pra condenação, não foi útil pra condenação, tudo isso acho que é um pouco frustrante nesse ponto, né. Não tem um retorno. Se o seu trabalho está sendo bem feito, mal feito, essas coisas assim (Entrevistado L). Eu nunca fiz um acompanhamento de um... do resultado, mas o que a gente sempre ouve dos juízes, promotores, mesmo da população é
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que a resposta que a gente dá é a que mais fundamenta, né, no processo, então é a que mais se leva em conta, então acredito que seja um trabalho que a sociedade, que os juízes e promotores dão uma grande importância (Entrevistado C). Não sei, infelizmente não participei de nenhum julgamento, não sei até que ponto eles utilizam o laudo pra formar o convencimento, mas acredito que pra ele e pro promotor tenha uma importância muito relevante (Entrevistado M). Olha, pela sociedade, quando a gente é... faz publicidade, vamos dizer, assim, né, quando a gente informa do trabalho que fez, eu acho que a gente é super reconhecido, né? Agora, falar da justiça e etc., existe isso, que a gente não tem aquele retorno que eu falei (Entrevistado D). Eu acho que não somos valorizados como deveríamos ser, né. Infelizmente a sociedade não reconhece muito nosso trabalho, não sabe o que é que a gente faz, né, acho que falta muito aí a divulgação do trabalho da perícia, né, falta muito esse conhecimento do que é a perícia, do que os Peritos fazem (Entrevistado M).
Ao mesmo tempo, porém, vários entrevistados afirmam acreditar que a
prova material é, como afirmam estudiosos do Direito Penal9, a nova “rainha das
provas” (anteriormente, a confissão era considerada como a rainha das provas).
[...] porque os laudos são mais isentos, né, do que os processos testemunhais, e tudo mais (Entrevistado L). [...] porque é a prova, né, é a prova incontestável e objetiva, [...] (Entrevistado D). Eu vejo como, dos meios de prova existentes, aquele que, com a maior probabilidade, a maior das probabilidades das vezes, consegue-se resgatar o passado de uma forma mais próxima possível da realidade (Entrevistado B). [...] você sabe que a prova testemunhal é um pouco falha, né, de modo que é aquele prazer de conseguir apurar a verdade, né, a pesquisar e apurar a verdade para resolver os problemas criminais, [...] (Entrevistado K). Eu brinco falando o seguinte: no caso da testemunha, é... a testemunha pra mim, ela é uma peça do quebra-cabeça que pode nem pertencer àquele quebra-cabeça, que ela fala. Então, você tem
9 Ao proferir a palestra de abertura do Congresso Extraordinário da Unión Panamericana de Associaciones de Valuación (UPAV), ocorrido em São Paulo, no ano de 1997, concomitantemente ao IX Congresso Brasileiro de Engenharia de Avaliações e Perícias (COBREAP), o então ministro Carlos Mário da Silva Velloso, do Supremo Tribunal Federal, classificou a perícia como a "rainha das provas", o que demonstra sua importância como instrumento probatório. (Disponível em: <http://www.precisao.eng.br/artigos/provanoCPC.htm>. Acesso em: 4 dez. 2011.)
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um monte de peças, e você tem um agravante, algumas delas não fazem parte daquele quebra-cabeça. A prova pericial ela faz parte daquele quebra-cabeça, sempre. Isso é uma coisa que diferencia. Por causa disso, essas pessoas, e aí eu digo, Ministério Público, e magistratura, eles vêem com muito bons olhos. Uma crítica que existe, muitas vezes, é referente a tempo. Tempo de realização de laudos (Entrevistado B).
Alguns entrevistados possuíam maior conhecimento com relação à
visão de alguns clientes dos Laudos Periciais Criminais, quanto à sua efetividade. A
visão é otimista, conforme ilustram os depoimentos destacados a seguir, que têm
em comum o fato de que todos que assim afirmaram possuem mais de oito (8) anos
atuando como Perito Criminal Federal.
Eu posso falar assim em relação aos juízes, né, que são nossos clientes externos, né, e a gente fez uma pesquisa até lá na Bahia, então eles, o nosso laudo assim, eles acham muito importante, assim, como vou dizer, essencial, né, pra embasar eles nas decisões, então eles elogiam bastante. Dentro da polícia também, a gente ouve muitos elogios, só que assim, elogia, e tal mas na hora, né, eu sinto falta assim, na hora de reconhecer mesmo, perante outras categorias, às vezes, não acontece. É difícil, citar nomes de peritos, né, mas assim, particularmente, “não, porque o trabalho é essencial, é isso, é aquilo”, né, mas na hora do elogio em público, é difícil falar de perito. Da sociedade, o que eu vejo é que a sociedade conhece pouco ainda, o nosso trabalho. Mas quando tem conhecimento, elogia bastante, né. Eu acho que sente que a importância é grande. Acho que ainda conhece pouco (Entrevistado I). Nosso cliente principal, nosso cliente final, quem é? É o juiz, é a justiça. Agora, nós temos outros clientes, um deles, é, vem a ser, o responsável pela investigação, o realizar o inquérito policial, que no caso, atualmente, é o delegado de polícia. O promotor também é outro cliente nosso. A parte ré, também é outro cliente. Então, como nós produzimos uma prova que vai é, trazer grandes elementos para identificação de indícios de materialidade e autoria, que é o que importa, no caso do inquérito, pela experiência que eu tenho, várias vezes eu vi delegados comentando que o laudo acaba sendo a coisa mais importante para você poder relatar aquele inquérito e mandar para o Ministério Público (Entrevistado B). O que eu ouço é que é muito bom. O pessoal elogia muito a perícia da Polícia Federal. Os juízes, promotores que eu vejo, elogiam o trabalho da perícia federal. A sociedade tem... eu acredito que tem desconhecimento do nosso trabalho. Desconhecimento (Entrevistado E). Olha, eu tenho a impressão de que nosso trabalho é um trabalho muito valorizado, não só por todas autoridades judiciais e policiais,
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como também pelo próprio público. Eu acho que não tem como não ser reconhecido. Eu acho que sempre será reconhecido e eu acho que o valor é muito grande, que a sociedade aceita e respeita esse serviço (Entrevistado K). Se você vai e pergunta pra qualquer operador do direito, ele vai ter uma resposta pronta: “não, a perícia é muito importante, a perícia é fundamental, e que ninguém decide sem a perícia”. Na prática, isso nem sempre é verdade. Na prática, existem outras soluções, muitas vezes o juiz realmente não concorda com a perícia, não aceita a perícia, [...] é muito comum não ter perícia, eu acompanhei casos de refazer perícias que não tinham sido feitas adequadamente quando da ocorrência do crime, ou por razões de desinteresse da investigação criminal que era tocada pela polícia civil em que fossem realizadas as perícias, ou por outros motivos. [...] entretanto, a realidade, principalmente nos rincões do país, é de que ela ainda não é considerada um elemento tão essencial quanto se diz, é... dentro dos centros urbanos ou nos meios acadêmicos ou mesmo dentro dos tribunais. Ah, sim, a percepção da sociedade. É... a sociedade urbana, medianamente esclarecida, é claro que é importante, é claro que é uma ferramenta importante não só pra subsidiar a decisão de juízes e magistrados, mas também pra subsidiar a investigação criminal. Mas eu volto a dizer, nos rincões, o Brasil é um país é extremamente desigual, extremamente... e quando digo desigual não só em termos de recursos financeiros, mas em termos de cultura, e acesso à informação, aí nós vamos ter dificuldade, nós vamos enfrentar grande dificuldade no reconhecimento da perícia como um elemento importante também pela sociedade. (Entrevistado G).
Observa-se na fala do entrevistado G, que já está na Perícia Criminal
há 16 anos, que a teoria é diferente da prática, ou seja, mesmo os operadores do
direito abrem mão da realização de perícia por diversas vezes e por diversos
motivos, apesar do Código de Processo Penal ser bem claro e preciso quando
impõe a realização de perícia em crime que deixe vestígio. O descumprimento da
norma, nessa situação, não é apenas um problema jurídico. Trata-se, em última
instância, de deixar de ser acionado um ator do processo penal que poderia
encontrar os vestígios, materializar a prova, de forma a elucidar o crime. O problema
afeta, portanto, a sensação de justiça que a sociedade tanto almeja.
No final de sua fala, o entrevistado também reflete sobre a dificuldade
de fazer com que a sociedade compreenda o papel da perícia no contexto do
processo penal.
Já o entrevistado L vai além, quando afirma que por diversas vezes
atribui-se a outros profissionais, o trabalho pericial. Esta é, sem dúvida, uma prova
de falta de consolidação da identidade do profissional Perito Criminal Federal.
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Eu acho que a sociedade não tem muito conhecimento, assim, tá tendo um pouco mais de conhecimento através desses seriados norte-americanos, mas eles não têm conhecimento da realidade brasileira, então eu acho que falta um pouco esse link entre como é que funciona lá fora e como é que funciona aqui dentro, né, eles não sabem que quem faz o trabalho de perícia é o perito, né, e não um investigador, um agente ou um delegado (Entrevistado L).
O entrevistado B destacou a importância do trabalho pericial sob a
ótica dos Direitos Humanos. Prova de que procede tal informação é a existência do
Decreto Presidencial nº 7.037/2009, que aprovou o Plano Nacional de Direitos
Humanos PNDH-310. Esse plano definiu, dentre as ações programáticas do governo
federal, assegurar a autonomia funcional dos peritos e a modernização dos órgãos
periciais oficiais, como forma de incrementar sua estruturação, assegurando a
produção isenta e qualificada da prova material, bem como o princípio da ampla
defesa e do contraditório e o respeito aos Direitos Humanos.
Agora, outras pessoas que gostam muito do nosso trabalho,e aí por um motivo, não que o juiz, o magistrado e o MP não vejam isso, mas a sociedade civil, e aí mais diretamente a parte referente aos direitos humanos, vê no nosso trabalho quase que o único ponto onde eles podem se agarrar pra conseguir provas de eventual tortura e outras violações dos direitos humanos. Muitas vezes porque, quem comete essas violações são órgãos do Estado, órgãos repressores do Estado. Quando isso acontece, as pessoas que fazem alguma coisa errada, os violadores dos direitos humanos, ela consegue fazer sem testemunha, ela acaba com seus documentos, então o que que sobra? É a perícia. Então a perícia acaba sendo a única coisa que eles conseguem ter um mínimo de elementos para poder dizer que houve uma violação dos direitos humanos. Então a sociedade civil, especificamente, os organismos voltados aos direitos humanos, eles têm o nosso trabalho em muito alta conta. Agora, o restante da sociedade civil, a sociedade como um todo, vê o nosso trabalho um pouco como uma caixinha preta, uma coisa meio mágica, aquele efeito CSI que todo mundo fica falando. É visto com um certo glamour, que,na realidade não existe, porque vários peritos... o trabalho de fazer perícia é uma coisa maçante. Não é uma coisa chata, eu gosto disso, mas é uma coisa maçante. Como eu falei logo no início, é uma coisa que é meticulosa, exige muita paciência. Não é aquele negócio todo ostentativo, como fica passando em Hollywood (Entrevistado B).
10 PNDH-3 (Disponível em: <http://portal.mj.gov.br/sedh/pndh3/pndh3.pdf>. Acesso em: 4 dez. 2011.)
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Com o estudo desta categoria, observou-se, pelos discursos dos
entrevistados, que existe a necessidade de se confirmar, com dados, o que alguns
Peritos Criminais Federais acreditam, por experiências próprias vividas: que o Laudo
Pericial Criminal é importante para o resultado final do processo penal. Esta
confirmação reforçaria o entendimento consensual de que a prova material,
incontestável, é, portanto, a única que pode garantir a verdade e a justiça, sem a
violação dos direitos humanos. Tal confirmação é de suma importância na
construção da identidade do Perito Criminal Federal.
3.3.4.5 A preocupação da qualidade versus quantidade de Laudos Periciais
Criminais produzidos
Esta categoria relaciona-se com a anterior, na medida em que a
referida preocupação deve estar sintonizada com o objetivo final dos Laudos
Periciais Criminais produzidos, ou seja, uma prova material com qualidade.
Ao se estudar a constante luta, a nível gerencial, entre quantidade e
qualidade de produção, buscou-se em primeiro lugar, nas teorias organizacionais, o
entendimento sobre a gestão da produção, que é definida como “toda ação social
que visa alcançar objetivos prefixados através da organização da produção e do
trabalho”, conforme Tenório (2000).
Nas unidades técnico-científicas, onde atuam os Peritos Criminais
Federais da Polícia Federal, observam-se características, na gestão da produção,
atreladas ao modelo fordista. Segundo Tenório (2000), Henry Ford elaborou três
princípios básicos sobre a gestão da produção, que são encontrados na gestão
dessas unidades:
• Princípio da intensificação: diminuição do tempo de produção,
com o emprego imediato de equipamentos e de matéria-prima, visando
à rápida disponibilidade do produto no mercado;
• Princípio da economicidade: máximo de redução no volume de
estoque da matéria-prima em transformação;
• Princípio da produtividade: aumento da capacidade de produção
do homem no mesmo período através da especialização e da linha de
montagem.
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Observa-se, porém, decorrente da própria definição de suas atribuições
e da evolução constante das ciências e tecnologias, que as ações dos Peritos
Criminais Federais possuem, em sua essência, critérios que classificam seu trabalho
como pertencentes ao pós-fordismo, ou modelo flexível de gestão organizacional.
O pós-fordismo [...] caracteriza-se pela diferenciação integrada da organização da produção e do trabalho sob a trajetória de inovações tecnológicas em direção à democratização das relações sociais nos sistemas-empresa. (TENÓRIO, 2000).
A interdisciplinariedade, a necessidade de flexibilidade e a absorção
ágil do progresso técnico-científico são fortes características do conceito pós-
fordista, ou do modelo flexível de gestão organizacional, que a Perícia Criminal
Federal possui.
Cabe enumerar ainda os novos padrões de trabalho emergentes com o
pós-fordismo, conforme enumera Castro et alii (1996):
• esforço permanente para a melhoria simultânea da qualidade, dos
custos e dos serviços de entrega;
• manter-se muito próximo dos clientes, para entender suas
necessidades e ser capaz de se adaptar para satisfazê-las;
• busca de uma maior aproximação com os fornecedores;
• utilização estratégica da tecnologia, visando à obtenção de
vantagens competitivas;
• utilização de estruturas organizacionais mais horizontalizadas e
menos compartimentadas;
• utilização de políticas inovadoras de recursos humanos.
Atualmente estão sendo estudadas formas e processos a serem
adotados objetivando maior aderência à modelagem dialética de gestão.
Com relação à qualidade dos Laudos emitidos, foram formados grupos
de avaliação para avaliarem os Laudos elaborados em todas as unidades e
determinarem modelos com um padrão mínimo de qualidade a serem seguidos. Vale
ressaltar que, com a tendência ao aumento de casos em que a parte acusada
solicitará a contestação do Laudo Pericial Criminal por um Assistente Técnico,
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conforme permitido em lei, a necessidade de primar pela qualidade dos Laudos
produzidos passa a ser cada vez mais importante, para a Perícia Criminal Federal e
para a Polícia Federal.
Relativo aos custos e prazos de entrega, que acarreta em
produtividade, há uma grande dificuldade em realizar medidas que traduzam
efetivamente a realidade, já que, por exemplo, um Laudo de Informática pode ser tão
simples quanto a busca de apenas um arquivo específico, explicitado nos quesitos
da solicitação, como tão complexo quanto a necessidade de decodificação em todo
um disco rígido. Em geral, ainda são feitos levantamentos estatísticos de
produtividade dos Peritos de forma totalmente fordista, considerando-se apenas a
quantidade de Laudos, independente de sua complexidade e qualidade.
Um padrão polêmico da gestão dialética é o “Manter-se muito próximo
dos clientes, para entender suas necessidades e ser capaz de se adaptar para
satisfazê-las”, pois ocorre com frequência, por exemplo, a situação em que a
quesitação enviada não é tecnicamente correta, ou poderia ser feita de outra forma,
que geraria um resultado mais eficaz. Por falta de tempo ou abertura para diálogo de
quem requisitou a perícia, e/ou por falta de tempo ou iniciativa do Perito em discutir
a quesitação com o demandante, muitas vezes este padrão não é atendido.
Os relatos dos entrevistados demonstram uma preocupação com a
necessidade de os Peritos terem disponibilidade e recursos para realizar pesquisas,
de forma a manterem-se atualizados, utilizando as mais modernas técnicas e
metodologias científicas, para manterem-se à frente das organizações criminosas.
[...] temos que pesquisar mais, criar ferramentas [...] (Entrevistado M). [...] porque a gente está lidando com a tecnologia de ponta, sempre tá, né, pensando no que vem pela frente, né, na tecnologia que vai vir, e também é um trabalho que não é aquele trabalho de rotina, né, sempre tem alguma coisa diferente, todo caso tem alguma coisa diferente, então é um trabalho bastante agradável (Entrevistado F). A falta de reconhecimento, a falta de estrutura, é... você não encontrar apoio pra que essa pesquisa, que ela tem que ser de alguma forma acadêmica, também, não se desenvolva (Entrevistado A).
Foi citado nas entrevistas que ainda existem diversas unidades
periciais no país em que a estrutura física e de equipamentos está aquém da
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necessidade para um atendimento eficiente, o que afeta tanto na quantidade como
na qualidade dos Laudos produzidos.
Existe muita variabilidade na Polícia em relação a isso, então eu viajo bastante e conheço algumas unidades remotas, tem uns lugares que são ideais, como o INC, é ideal, não tenho o que reclamar, e tem lugares que são completamente inadequados para o trabalho, então há uma variabilidade, na média a gente pode considerar razoável, até porque nós temos mobilidade, se você não consegue fazer um exame em algum lugar, você pode fazer em outro, então na média eu acho que é razoável pra bom, as condições de trabalho (Entrevistado H). É... realidades em que são plenamente suficientes e realidades que são completamente inadequadas. Então, é preciso reavaliar inclusive qual a estrutura mínima que tem que ter para uma unidade (Entrevistado H).
Foram elencados ainda outros problemas, referentes a pressões com
relação ao resultado do Laudo, e à falta de padronização de procedimentos.
[...] um deles é a falta de liberdade em definir suas próprias ações, né, o que leva a sofrer pressões, no seu momento de atuação, isso seria um fator, e o outro fator que acho muito importante, que acho que às vezes a gente se esquece, é que a gente não tem um conjunto de normas bem definidas, estabelecidas por nós mesmos, para nos defender de nós mesmos, né? Porque a gente acha sempre que o inimigo é outro só que chega lá e um colega tem por bem fazer uma coisa de um jeito, o outro entende por fazer de outro, e isso aí enfraquece a gente também, e a gente às vezes não enxerga isso (Entrevistado E). Mas é aquilo que eu falo que deve ficar claro, né, [...] a autonomia ela é como um... como categoria, e não como... não uma autonomia individual. O perito não faz laudo em casa, então ele tem que seguir os parâmetros definidos pela categoria dentro da instituição, então acho que isso falta e enfraquece muito a nossa situação [...] (Entrevistado E).
Aliado a este fator, foi lembrado que outras instituições e órgãos
também se interessam pela ciência forense, pelas atribuições do Perito Criminal
Federal, ou seja, convênios e trabalhos em parceria podem colaborar na evolução
tecnológica e na qualidade dos exames realizados.
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[...] a gente tem a concorrência direta de universidades, de institutos de pesquisa que estão trabalhando com a questão forense (Entrevistado H).
Porém, como bem lembrou o entrevistado K, o mais antigo entre os
entrevistados, o principal componente para um trabalho bem feito é o fator humano,
a competência e o comprometimento do próprio Perito Criminal Federal.
Eu acho que é. Desde o meu tempo, né, em que não existia praticamente, a não ser uma lente na mão e a boa vontade do perito, entendeu, já era adequado porque o cara vestia a camisa para resolver, e resolvia, né. Então eu tenho uma frase que pra nós serviu muito lá no passado, na perícia vale o perito. Não adianta você ter, por exemplo, um maquinário importantíssimo, sem ter a boa vontade e o conhecimento para movimentar aquilo ali (Entrevistado K).
Ressalta-se ainda a situação, que vinha ocorrendo à época das
entrevistas, de abertura de Processos Administrativos Disciplinares contra Peritos,
em que o objeto de investigação era relacionado ao trabalho técnico-científico, mas
que estavam sendo julgados por Comissões em que não havia nenhum Perito
Criminal Federal11, além de terem como base para as acusações, estabelecimento
de prazos para realização de exames, sem nenhuma fundamentação científica.
Bom, eu acho que tem que ter autonomia, né, é... Mesmo porque, é... por exemplo, se colocar um órgão fiscalizador, delimitar prazo, essas coisas que estão hoje ocorrendo, né, que a COGER está tentando fazer, e tudo, cada laudo é um laudo, é diferente, varia por área, varia por caso, então a perícia tem que ter autonomia. Tem que ter (Entrevistado M). Existe uma confusão muito grande, porque como os delegados são as autoridades policiais, que presidem os inquéritos, cria-se a imagem de que dentro da corregedoria você tem que ter somente delegados, ou eles que teriam que presidir as comissões de disciplina, mas na verdade não é isso, a corregedoria é um setor necessário a qualquer órgão público, mas por ser no DPF, cria-se essa confusão. Na verdade, o que tem que existir, é uma corregedoria com a participação de todos os cargos, todas pessoas com experiência, pessoas com uma credibilidade, é que vão fazer parte dessas comissões e vão, sim, investigar, apurar dentro da ampla defesa, do contraditório, qualquer tipo de deslize ou possível transgressão de algum funcionário, e conduzir normalmente. Então, é essencial que tenha peritos, escrivão, delegado, e na verdade, se um
11 Conforme afirma o Parecer-AGU nº GQ-12, vinculante, com relação à constituição das comissões para PAD: “São os cuidados recomendados no sentido de que sejam as comissões constituídas de servidores com nível de conhecimento razoável do assunto inerente às faltas disciplinares [...]”.
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perito provoca ou causa algum tipo de transgressão, provavelmente, por ser dentro da sua seara, é interessante que uma comissão formada por peritos possa analisar, a menos que seja uma transgressão que não tenha nada a ver com a perícia, em si, aí sim qualquer outra comissão poderia fazer, mas se é a questão de laudo, atraso de laudo, ou algum tipo de situação técnica, científica, quem é que pode julgar isso? Quem é que pode ter a capacidade de levantar as provas necessárias? É alguém que tenha conhecimento da área. Então, não há nenhum tipo de impedimento, eu acho que é só lutar para que o perito participe, e dependendo do caso, é vantajoso que o perito seja julgado por uma comissão de peritos. Sem dúvida, deveria ser julgado por seus pares, pois se estiver sendo julgado por alguém diferente, está arriscado a não entender exatamente o que aconteceu. Então, é fundamental que você, nesse processo das comissões de disciplina, você forme comissões mistas, ou comissões só de peritos, para analisar os casos que envolvam os peritos dentro das suas atribuições (Entrevistado A).
As reflexões acerca desta categoria levam à conclusão de que, para
atingir o objetivo do seu trabalho, o Perito Criminal Federal precisa não apenas de
recursos humanos, físicos e financeiros. Precisa da tranquilidade de seu trabalho ser
julgado com base em premissas reais e científicas, e também de uma diretriz que
estimule a pesquisa e aperfeiçoamento constante, além da busca pelo equilíbrio
entre a quantidade e a qualidade, de forma a atingir a excelência que sua profissão
exige.
3.3.4.6 Como atuar no sentido de consolidar a identidade, sob a ótica do
próprio Perito Criminal Federal
Esta categoria é estritamente ligada à categoria ‘A efetividade do
resultado final do trabalho do Perito Criminal Federal’, pois o reconhecimento da real
efetividade do resultado do trabalho de qualquer profissional é primordial para a
consolidação de sua identidade.
Nesta categoria, observa-se que vários Peritos Criminais Federais
exteriorizam sua expectativa de unir forças com os outros cargos da Polícia Federal,
em busca de uma melhor forma de atender a sociedade. Observa-se que a
identidade do profissional Perito Criminal Federal, no âmbito do ambiente de
trabalho da Polícia Federal, varia de acordo com a localidade onde o Perito
encontra-se atuando. Há em alguns a expectativa de maior reconhecimento e de
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uma real gestão por competências, como demonstram os trechos de entrevista a
seguir:
É continuar trabalhando no Departamento de Polícia Federal, né, de uma forma, claro, independente, e que a gente possa ser respeitado, dentro do nosso trabalho, e atingir todos cargos de comando que o departamento possua, de igual para igual com todo mundo, sem essa timidez que a gente vê aí, de achar que somos um cargo à parte, um cargo abaixo, nós temos que estar de igual pra igual com todos os mandatários atuais (Entrevistado E). É a demonstração, às demais categorias, que nós temos, embora tenhamos pontos de distensão, nós temos pontos que são comuns, interesses comuns, à nossa categoria. Então, a união naquilo que for comum e a busca de uma Polícia Federal mais forte com tudo isso, é... é o melhor caminho. Ou seja, união naquilo que a gente puder se unir, e a busca natural das prerrogativas que quer alcançar, mas acho que a união é o caminho. Juntos somos mais fortes (Entrevistado H).
Com relação às dificuldades internas de relacionamento, os Peritos
Criminais Federais reforçam a tentativa de contribuir com dedicação no dia-a-dia da
Polícia Federal:
[...] eu ainda acredito num caminho que eu tenho tentado, com todas as dificuldades que a gente tem tido lá em Minas, mas onde existe um relacionamento mais próximo, principalmente com os delegados, muitos delegados no interior de Minas, é... é um trabalho de integração com a investigação, não do perito trabalhar dentro da investigação, mas do perito estar sempre disponível, a ouvir os questionamentos da investigação criminal e a propor caminhos e soluções que melhor se adequem à necessidade que a investigação tem de informações. Investigar é voltar no tempo, reconstruindo os caminhos pelos quais o criminoso é... realizou o crime, isso é investigar, e justamente, é, principalmente em investigações muito técnicas, tipo, crimes financeiros, crimes de informática, crimes de meio ambiente, é fundamental que o investigador que não conhece daquela área técnica tenha próximo dele um consultor técnico, que possa orientá-lo, que possa é... apoiá-lo nos caminhos a serem seguidos, a serem traçados para que aquela investigação criminal se desenvolva da melhor forma possível. Então, eu ainda defendo que a gente crie esse espaço dentro da PF, com respeito mútuo, respeito pelo trabalho dos delegados e que eles respeitem o nosso trabalho, e eu não tenho dúvida de que pra sociedade isso é uma, se não a melhor, mas uma ótima solução. Podem até propor uma melhor, mas a proposta da divisão da polícia, e eu friso isso, não uso o termo saída da polícia, mas divisão da polícia, ela pode distanciar, como eu já disse antes, a perícia do crime, e isso pode não ser bom para o resultado da investigação (Entrevistado G).
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Acho que é continuar trabalhando honestamente, esforçando pra fazer o melhor possível, né, e contando sempre com o apoio das autoridades, não só dentro do departamento, como fora dele, né, os políticos, de modo geral, reconhecer o valor que a função e o DPF de modo geral tem na sociedade. Acho que é isso aí, cada vez fazendo melhor. Então, a tendência é essa, pra não parar. E sempre que tiver alguma novidade técnica, a gente poder conseguir esse instrumental para poder continuar fazendo o serviço o mais bem feito possível (Entrevistado K).
Alguns Peritos Criminais Federais entrevistados entendem que a
situação de convivência interna na Polícia Federal encontra-se desfavorável, e
sugerem o fortalecimento e divulgação maior da Perícia Criminal Federal:
Pra mim, o melhor caminho é a divulgação dos trabalhos, é mais trabalho de pesquisa, né, porque eu acho que já temos vários colegas aí hoje que partiram pra essa área, eu acho que temos que pesquisar mais, criar ferramentas, integrar mais, com outras polícias, de outros países, é... a polícia civil, todas as polícias, então eu acho que o caminho é integrar, não separar (Entrevistado M). É... as pessoas falam que existem dois caminhos, seguir autônomo fora da Polícia, ou seguir sem autonomia dentro da polícia. Para mim, existe a terceira via: seguir com autonomia, dentro da Polícia. Não vejo nenhum óbice intransponível ao fato de nós sermos da polícia e ao mesmo tempo termos autonomia. É... acaba sendo mais uma briga de egos e de manutenção do poder, de determinadas pessoas que se argoram por ter um conhecimento jurídico e acham que por isso elas são donas do lugar, e querem impor o poder a todos, mas não existe nenhum problema de você compartilhar o poder, cada um na sua esfera de atribuição (Entrevistado B). É ser cada vez mais profissional, né, e buscar, assim melhorar as técnicas, dos equipamentos, tudo, então investir mesmo nessa ciência e aí provar com os trabalhos que a gente é imprescindível, e... tanto fora como dentro da polícia, né, [...] porque eu prefiro que a gente não tenha que dividir, mas assim, eu acho que esse é o caminho, é conseguir cada vez mais atribuir mais objetividade ao nosso trabalho, porque é a prova, né, é a prova incontestável e objetiva, então quanto mais ela for objetiva, melhor (Entrevistado D). É, então, como eu disse, eu acho que vai ser praticamente inevitável um dia a gente transformar numa instituição independente, né. Eu acho que esse talvez seja um caminho, mas esse caminho ainda tem que ser bem preparado, eu acho que não é uma coisa que se deva fazer assim, pá, vamos separar, pá. Não, acho que tem que preparar o terreno, a gente tem que ganhar força aqui dentro primeiro, né. A gente não pode sair fraco, né, o pessoal quer sair porque tá enfraquecendo, mas acho que tem que sair quando estiver fortalecendo, né, quando, de repente, aquela parte da visão que a população tem, visão da perícia, visão que a justiça tem sobre a perícia, melhorar, né, nesse momento, assim, quando o pessoal
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notar que é uma coisa muito importante, aí sim, tá na hora de formar um outro órgão, né (Entrevistado F). Eu acho que o melhor caminho é acho que é esse que a diretoria atualmente tá tentando seguir, né, que é nos fortalecer politicamente, nos fortalecer junto é... à legislação, né, junto ao legislativo, de forma a conseguir é… leis que nos fortaleçam e nos engrandeça, né, e nos blinde, né, nos blinde contra esses abusos que a gente fica sempre tentando, é, sofrendo dos delegados, né, para que, num futuro, independente da gente estar dentro ou fora da polícia, esteja numa categoria valorizada, com recursos, e com bons salários. Então é isso que eu vejo assim que é o importante para o futuro (Entrevistado L). Eu acho que a gente é muito tímido, não... em fazer o nosso trabalho aparecer, a gente tem que levar mais o nosso trabalho aos juízes, conversar mais, aos promotores, todos nossos clientes, nossos clientes não só os delegados, isso tem que ficar claro pra nós mesmos, eu acho que a gente tem que fazer isso, traçar um norte como categoria, falar a mesma língua, né, normatizar tecnicamente, que a gente não aproveita é... a gente tem autonomia técnica e não aproveita pra tecnicamente uniformizar os nossos procedimentos, que dá segurança pra cada um é... realizar seu trabalho, e dar visibilidade para esse trabalho, acho que isso aí é importante (Entrevistado E).
Um dos entrevistados enfatiza a necessidade de comunicação, de
maior discussão e reflexão entre os próprios Peritos, quanto à visão de futuro da
Perícia Criminal Federal, conforme destacado a seguir:
Discutir com todos colegas, com as suas diversas visões, os mais antigos, os mais novos, a multidisciplinariedade de informações, é importante que a gente discuta... consenso eu não diria que a gente vai chegar, mas pelo menos que a gente consiga traçar algumas diretrizes para serem seguidas, estão falando muito hoje em planejamento estratégico, mas na verdade é você discutir, debater, e não simplesmente deixar que a coisa aconteça (Entrevistado A).
Por outro lado, alguns entrevistados possuem uma visão mais direta
com relação à necessidade de efetivar uma autonomia plena da Perícia Criminal
Federal:
Acho que o melhor caminho é ter um órgão autônomo, independente (Entrevistado C). Independência, sempre, né. Tem que ter independência, como já tem autonomia de trabalho, mas mesmo assim você é muito pressionado, e essa pressão interna só vai conseguir lutando pela sua identidade
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externa. Você luta e cresce, mesmo a duras penas, como eu assisti e acompanho, porque eu vou sempre na ABC, estou sempre em contato com as perícias estaduais, mas esse orgulho de superar e, superar qualquer tipo de pressão, fase, encrenca, é só na guerra que você consegue né (Entrevistado J).
Existe ainda a posição de dúvida, especificamente com relação ao fato
de a Perícia Criminal Federal fazer parte da Polícia Federal:
Eu não tenho uma ideia formada não. Eu, antes, achava que a gente tinha que lutar, né, dentro da Polícia. Mas eu hoje eu tenho dúvida, eu tenho dúvida assim, se o caminho seria esse, se a gente estaria perdendo espaço, né, e fico com muito receio de sair sem uma coisa bem programada, de prerrogativa de polícia, né, e do nome, da formação do nome, né, que hoje é a Polícia Federal. Então eu realmente não tenho muita certeza (Entrevistado I).
Uma constatação feita por um dos entrevistados, referente à
remuneração atual do profissional Perito Criminal Federal, é bem pertinente quanto
à comparação com outras possibilidades que os servidores teriam, em outros órgãos
ou na iniciativa privada:
E aí tem uma coisa que é complicada, com respeito a salário, que é o seguinte: a maioria dos nossos... das nossas áreas, as pessoas que estão, o quanto nós ganhamos no DPF acaba sendo quase que o patamar final, é... é maior do que o que as pessoas ganhariam em outros lugares, então, não tem mais pra onde a pessoa subir. Diferente dos outros cargos. Os outros cargos, principalmente os delegados e os outros cargos de quem faz a área jurídica, a área jurídica te dá uma quantidade muito grande de possibilidades com uma remuneração boa no serviço público, essas pessoas têm outros caminhos a trilhar. Então, pra eles, a vantagem financeira, ela não... se estiver ruim, vai pra outro melhor. Agora, no nosso caso, muitas pessoas já estão no máximo. Então, causa uma angústia muito grande para elas, saber que aquilo pode diminuir, porque ela não tem pra onde ir, a não ser que ela tente uma iniciativa privada, alguma coisa diferente (Entrevistado B).
Nessa categoria pôde-se inferir que, na percepção dos entrevistados,
existe a necessidade de maior compreensão do próprio profissional Perito Criminal
Federal quanto ao alcance de seu trabalho, maior comunicação interna e discussões
acerca de sua visão de futuro, fortalecimento da categoria por meio de constante
aperfeiçoamento científico e metodológico, além de maior exposição do resultado de
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seu trabalho, tanto para os clientes dos Laudos Periciais Criminais como para a
sociedade.
Há necessidade de constantes investimentos em capacitação,
pesquisa, equipamentos, além de uma mudança no método de formação dos
profissionais, de forma a abordar assuntos relacionados com a complexidade do
serviço pericial, a integração com a polícia e a justiça.
Através da análise de conteúdo das entrevistas realizadas, revelou-se
um cenário que corrobora com as inferências feitas com base nas documentações e
recomendações estudadas. O resultado foi agrupado em seis categorias, podendo-
se depreender que a construção da identidade do profissional Perito Criminal
Federal está em constante evolução, existindo atualmente problemas relacionados à
forma de trabalho, que impede por vezes a neutralidade e excelência do trabalho
pericial, lacunas como o feedback a respeito da efetividade do Laudo Pericial
Criminal produzido, a necessidade de autonomia científica, administrativa, financeira
e de auditoria, e a indefinição sobre a adequada participação do Perito como policial,
no nível pré-processual, do inquérito policial. Tais lacunas demonstram que há
problemas a serem resolvidos para que o Perito Criminal Federal atue efetivamente
com enfoque na justiça e segurança do cidadão.
Pode-se destacar, entre os pontos apresentados, que os Peritos
Criminais Federais realizam tarefas que vão além de sua atribuição precípua, seja
na atuação como fiscais ou responsáveis por obras de engenharia, seja como
responsável pela conformidade fiscal, ou ainda pelo gerenciamento de projetos e
planejamento estratégico nas unidades.
Outro aspecto percebido diz respeito à gestão por competências, que,
de acordo com as entrevistas e documentações, inexiste na prática na Polícia
Federal. Nesse ponto se observou que não há uma preocupação em selecionar um
profissional que detenha os conhecimentos, habilidades e atitudes específicos para
a gestão, ou que a instituição proporcione a capacitação adequada para a atuação
como gestor, ou ainda que haja algum tipo de avaliação da atuação do gestor. As
chefias, em geral, são indicadas pela antiguidade e pelo relacionamento pré-
existente com o superior.
Urge ressaltar também a necessidade de feedback a respeito da
efetividade e qualidade dos Laudos Periciais Criminais produzidos, informação
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crucial para a compreensão de sua importância e das necessidades de melhorias
para que atinja seu objetivo de ser.
Destaca-se ainda outro ponto observado, que está relacionado à falta
de autonomia com relação aos recursos humanos e financeiros. Na fala dos
entrevistados ficou claro que muitas vezes o investimento na perícia é negligenciado
pelos dirigentes da corporação, tanto no tocante a equipamentos e meios, como em
pesquisas, muito provavelmente pela própria dificuldade de compreensão e visão de
todo o complexo multidisciplinar que representa a perícia, além da concorrência de
inúmeros outros investimentos necessários no âmbito policial.
Com relação à visão de futuro, as falas dos entrevistados revelam que
há uma variação de expectativas, porém havendo em comum uma insegurança com
relação ao espaço reconhecido e ocupado pela Perícia Criminal Federal dentro da
Polícia Federal.
4 CONCLUSÃO
O trabalho de pesquisa realizado objetivou iniciar um estudo no sentido
de identificar algumas categorias estruturantes da construção da identidade do
profissional Perito Criminal Federal.
Em primeiro lugar, realizou-se uma pesquisa bibliográfica e
documental, abordando leis em vigor no Brasil, normativos internos da Polícia
Federal, além de relatórios e pareceres nacionais, internacionais e de organismos
relacionados à justiça e à segurança pública, de forma a compreender as
normatizações relativas às atribuições do Perito Criminal Federal (não existe ainda
no país lei que as explicite, especificamente para o Perito Criminal Federal), e a
visão com que outros países e instituições estariam abordando a temática da ciência
forense e da perícia criminal.
Assim, pôde-se identificar que a sociedade brasileira, seguindo a
tendência mundial, vem exigindo que se assegure a produção isenta e qualificada da
prova material, bem como o princípio da ampla defesa e do contraditório e o respeito
aos direitos humanos, através da autonomia e da modernização dos órgãos periciais
criminais, conforme a segunda diretriz mais votada da CONSEG.
O Perito Criminal, no contexto da justiça, deve compreender o nível de
responsabilidade de seu trabalho, no papel de ator no processo penal, não devendo
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ser preparado somente para a repressão criminal, mas, acima de tudo, para a busca
da verdade que condenará o criminoso e libertará o inocente. O principal cliente de
seu trabalho, portanto, é a própria sociedade, que reiteradamente demonstra em
pesquisas seu anseio por justiça.
Também foram estudadas bibliografias referentes às teorias sobre a
identidade, a construção da identidade de profissionais e outras abordagens
relacionadas à justiça, à segurança pública e à perícia.
De forma a consolidar as informações constatadas nas pesquisas
bibliográfica e documental, e a fim de coletar dados efetivos para detecção das
categorias estruturantes da construção da identidade do Perito Criminal Federal, foi
realizada uma pesquisa de campo, onde foram entrevistados treze profissionais,
conforme metodologia descrita anteriormente.
A identidade do Perito Criminal Federal, assim como a de qualquer
profissional, está em constante metamorfose, e sofre a influência de sua história e
verdades individuais e do ambiente social e profissional em que vive. Desta forma,
além da satisfação em sua vida pessoal, a localidade onde o profissional encontra-
se atuando, suas condições de trabalho, de infraestrutura e seu relacionamento com
os outros Peritos e com os colegas dos outros cargos da Polícia Federal fazem
extrema diferença na visão que o profissional tem de sua profissão e do
reconhecimento de seu trabalho.
Existem lacunas a serem preenchidas na visão do próprio profissional
com relação ao retorno quanto ao resultado efetivo do seu trabalho, além da
preocupação com o equilíbrio entre a quantidade e a qualidade na produção de
Laudos Periciais Criminais. Nesse aspecto, abrem-se diversas portas para o estudo
mais aprofundado acerca do feedback dos operadores de direito com relação à
medida em que o Laudo Pericial Criminal tem colaborado com a justiça, a qualidade
necessária a esse Laudo, as formas de melhoria do processo, dos indicadores de
qualidade possíveis e da avaliação dos resultados obtidos.
O ambiente organizacional existente na Polícia Federal é desfavorável
quanto ao cumprimento de leis e recomendações, internacionais e nacionais, que
preconizam a necessidade de autonomia para a realização do trabalho pericial, de
forma a garantir a prova isenta e neutra em busca da justiça. Atualizações de
normas e procedimentos e mudança de cultura e comportamento, visando uma real
gestão por competências, são necessárias para que o clima organizacional favoreça
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uma maior motivação e um maior aproveitamento do grande potencial de todos os
servidores do órgão.
É necessário haver maior comunicação e discussão interna acerca da
visão de futuro da profissão. Cabe ao Perito Criminal Federal, portanto, vencer os
desafios com que se depara no dia-a-dia, de exames, sobreavisos e pesquisas, não
deixando de lado um dos principais desafios, que é a busca incessante por sua
identidade profissional, acompanhando as mudanças no contexto da Polícia Federal,
e também da realidade social de nosso país. É preciso a definição clara, norteadora,
de visão, valores e missão, e de um planejamento para a Perícia Criminal Federal.
Não se pode querer uma Perícia Criminal Federal que seja o espelho e
a cristalização de cada Perito. Para tanto, será necessário dedicar, em primeiro
lugar, algum de seu escasso tempo em busca de maior comunicação e discussão,
saudável e produtiva, a fim de gerar e alimentar reflexões e possibilidades de
soluções para os problemas vivenciados.
É necessária a sabedoria para gerenciar o constante conflito entre o
real e o possível, de forma a conquistar seu espaço, sua autonomia e a valorização
do seu trabalho no ambiente da Polícia Federal, sendo um profissional apto a
colaborar, integrar pessoas e resolver problemas em beneficio da justiça e da
segurança pública.
Para tanto, o Perito Criminal Federal deve recapitular um dos
motivadores da escolha de sua profissão, identificando-se, como servidor público,
com as necessidades do povo brasileiro, sendo capaz de construir, sempre e
permanentemente, respostas técnicas e científicas em busca da justiça.
Deve ainda assumir o compromisso político e profissional de buscar
constantemente sua capacitação continuada, e de desenvolver, inclusive nos futuros
concursados, uma consciência crítica e política sobre sua função, de forma que,
tendo a visão clara, necessária, sobre o seu papel no processo penal, na busca da
verdade e da justiça, valorize sua profissão, levando-a a ser também valorizada e
reconhecida pelos clientes de seus Laudos Periciais Criminais e pela sociedade
como um todo.
É primordial para a efetivação de uma sociedade democrática, que
respeita os direitos humanos e zela pela segurança pública, uma Perícia Criminal
Federal consciente de sua identidade, efetiva, que possa atuar com motivação,
celeridade e qualidade em prol da justiça para os cidadãos brasileiros.
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APÊNDICE A – Roteiro das entrevistas
Perguntas gerais:
a) Há quanto tempo atua como Perito Criminal Federal?
b) Você já era do DPF antes de ser Perito?
c) Qual seu histórico de lotações?
d) Sua experiência antes de ser PCF?
Perguntas específicas sobre a identidade do Perito Criminal Federal:
1 – Qual é a principal característica do trabalho do Perito Criminal Federal?
2 – Quais são os aspectos positivos do trabalho do PCF?
3 – Quais são os seus aspectos negativos?
4 – Como você analisa o papel do Perito Criminal Federal no âmbito do
Departamento de Polícia Federal?
5 – O atual ambiente institucional é adequado à prestação de serviços de qualidade
por parte do Perito Criminal Federal?
6 – Como é a relação entre o Perito Criminal Federal e o Delegado de Polícia
Federal?
7 – Você concorda com a idéia de autonomia da Perícia Criminal Federal? Em quais
termos você acha que deve existir essa autonomia?
8 – Os recursos técnicos postos à disposição do Perito Criminal Federal para
executar o seu trabalho são suficientes ou não?
9 – A autonomia institucional, se ocorresse, da Perícia Criminal Federal garantiria
um número maior de recursos financeiros e humanos?
10 – Como o trabalho do Perito Criminal Federal é avaliado pelos demais integrantes
do sistema de justiça criminal (juízes, promotores, advogados, delegados de polícia)
e pela sociedade civil?
11 – O que é ser Perito Criminal Federal?
12 – Você vê vantagens de ser do DPF, das quais você não gostaria de abrir mão?
13 – Para você, qual o melhor caminho para o futuro da Criminalística, da Perícia
Criminal Federal?