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Artigo - Mestrado - Direito Penal UERJ
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O PROCESSO DE RESSOCIALIZAO E O SEU LOCUS
NO DIREITO PENAL
Werther Ramalho
1. INTRODUO
Ainda que sob diferentes escopos, hoje uma ideia de ressocializao integra um papel
elementar nos diversos discursos da pena, ora como valor integrante de um corpo de fundamentao,
ora como um processo humanitrio incidente em uma eventual execuo. Contudo, no se pode falar
apenas de uma s ideia de ressocializao, na medida em que escolas diversas em momentos distintos
empregaram diferentes discursos, mtodos e pressupostos para se alcanar um determinado fim
envolto a um conjunto de ideias um tanto prximas.
De origem bastante remota, uma primeira ideia, vizinha a um conceito de expiao, pode ser
encontrada nas penas medicinalis presentes tanto na tradio catlica quanto na filosofia clssica
idealista.1 Assim via Plato a aplicao de uma sano justa: a pena justa modera os homens,
tornando-os mais justos, e acaba por tornar-se uma medicina da alma2; Caso algum de ns, ou
mesmo algum que nos seja caro, cometa uma injustia, a coisa mais importante ir, de vontade
prpria, com o mesmo espirito que se vai ao mdico, aonde possamos obter uma experincia de justa
punio, ou seja, ao juiz. procurar ir o mais rpido possvel, evitando assim que o mal da injustia,
permanecendo por muito tempo, no torne nossa alma totalmente estragada e no mais suscetvel de
remdio.3
De forma prxima, So Toms de Aquino, em sua Summa Theologica, dialogava com
Aristteles acerca da natureza do Direito como ut faciat homini bonos, nos passos do que foi defendido
pelo Filsofo em sua tica a Nicmaco: Quem quiser tornar muitas ou poucas pessoas melhores
atravs de sua cura, dever procurar tornar-se legislador, se atravs das leis que podemos nos tornar
1FERRAJOLI, Direito e Razo. Teoria do Garantismo Penal. Editora RT Terceira Edio pg. 247 2PLATO. Grgias. Na traduo de Benjamin Jowett SOCRATES: And suppose the case of two
persons who have some evil in their bodies, and that one of them is healed and delivered from evil, and another is not healed, but retains the evilwhich of them is the most miserable? POLUS: Clearly he who is not healed. SOCRATES: And was not punishment said by us to be a deliverance from the greatest of evils, which is vice? POLUS: True. SOCRATES: And justice punishes us, and makes us more just, and is the medicine of our vice? POLUS: True. SOCRATES: He, then, has the first place in the scale of happiness who has never had vice in his soul; for this has been shown to be the greatest of evils. POLUS: Clearly. SOCRATES: And he has the second place, who is delivered from vice? POLUS: True. SOCRATES: That is to say, he who receives admonition and rebuke and punishment? POLUS: Yes. SOCRATES: Then he lives worst, who, having been unjust, has no deliverance from injustice? POLUS: Certainly.
3PLATO. Grgias. Na traduo de Benjamin Jowett SOCRATES: May not their way of proceeding, my friend, be compared to the conduct of a person who is afflicted with the worst of diseases and yet contrives not to pay the penalty to the physician for his sins against his constitution, and will not be cured, because, like a child, he is afraid of the pain of being burned or cut:Is not that a parallel case?
bons.4
So Toms de Aquino questiona quatro objees a esse pensamento na medida que (1) a
bondade apenas se d atravs da virtude, a (2) lei depende do cumprimento do prprio homem, (3) e
esse pode muito bem se comportar virtuosamente naquilo que diz respeito a comunidade, mas no em
seus afazeres pessoais, e ainda assim (4) as leis podem ser tirnicas.5 Como respostas, logo na
primeira objeo encontramos uma defesa de que a (1) virtude tem duas vias: a aquisio e a infuso,
e aqui encontramos mais um incio de uma ideia de ressocializao, que para So Toms de Aquino,
manifestamente em sua segunda refutao (2) admite uma coao atravs do medo da pena. Essa
ideia prxima do que hoje entendido como uma preveno geral adquire outro sentido se interpretada
conjuntamente com a manifesta referncia de um aspecto medicinal para todos os castigos aplicveis
nesta vida em contraposio feita pelo autor com os pecados mortais.6
Contudo, deve se dizer que no se pretende fazer nesta introduo qualquer meno de
continuidade significativa desses primeiros sentidos de ressocializao, servindo apenas para ilustrar
a multiplicidade de influncias, inclusive de recepo nos direitos romano e cannico.7
Luigi Ferrajoli, ao trilhar o rumo de todas as construes afins a ideia de ressocializao
encontra ainda em Thomas More um projeto penal utpico de privao de liberdade como pena voltada
a reeducao, sob um prisma de indeterminada durao e comutvel em pena de morte se
demonstrada a sua irrecuperabilidade, e em Giambattista Vico uma concepo tica-intelectualista
fundada na capacidade do apenado de adquirir conscincia de suas culpas e sentir vergonha.8 Em
sentido contrrio, tericos contemporneos, do direito natural ou positivistas legais, contratualistas e
utilitaristas, defensores de teorias absolutas ou preventivas, relegaram para um plano menor a ideia de
emenda.
At aqui todos esses discursos comungam com uma ideia de pena mais como um bem do que
um mal para aquele que a suporta. Esta razo encontrou novo folego a partir do sculo XIX no que se
chamou de pedagogismo penal, presente tanto em construes catlicas quanto idealistas,
compartilhando uma finalidade comum da pena como reeducao e recuperao moral do condenado,
partindo do pressuposto que sua imoralidade deva ser redimida. 9
Seguindo, uma abordagem diametralmente diversa foi desenvolvida pela Escola Positiva
Italiana a partir da antropologia criminal, edificada entre a metade do sculo XIX e o incio do sculo
XX, que, por exemplo, na obra de Cesare Lombroso, situava o desvio como produto determinado de
uma patologia, como uma manifestao atvica no presente em ascendentes prximos.10 de se
esperar que uma ideia de ressocializao prxima a essa abordagem identifique a pena como um
processo teraputico de cura do criminoso aliado a ideia de neutralizao.
4ARISTTELES. tica a Nicmaco X 9. 1180b. 5AQUINO, So Toms de. Suma Teolgica, Primeira Parte da Segunda Parte Questo 92. XCII 6 Ibid. Segunda Parte da Segunda Parte Questo 108. Reply to Objection 2: All who sin mortally are deserving of eternal death, as regards future retribution, which is in accordance with the truth of the divine judgment. But the punishments of this life are more of a medicinal character; wherefore the punishment of death is inflicted on those sins alone which conduce to the grave undoing of others. 7Digesto de Paulo, 18, ad plautium, D. 48.19.20: poena constituitur in emendationem hominum 8 FERRAJOLI, Direito e Razo. Teoria do Garantismo Penal. Editora RT Terceira Edio pg. 247 9 Ibid. p. 248. 10 SHECAIRA, Srgio Salomo. Criminologia. Quarta Edio. Editora RT. pg. 82.
Em oposio a Lombroso, Lacassagne identificava no processo criminalizador, elementos
predisponentes (de carter somtico) e determinantes, sendo os ltimos fatores sociais decisivos para
o delito ser praticado.11 Tais fatores sociais igualmente eram vislumbrados por Ferri, em sua sociologia
criminal, como elementos entre outros, antropolgicos e fsicos, essenciais para a compreenso do
fenmeno criminoso. Tanto Ferri quanto seu contemporneo Garofalo, ao categorizar os criminosos em
espcies, entre natos, loucos, ocasionais, habituais e passionais, conceber ideias como temibilidade e
naturalizar o conceito de delito, contriburam para a gnese de um conceito de medida de segurana,
profiltico, com o intuito de unificar a proteo social com o tratamento do criminoso, no sentido de
obstruir novos delitos.1213
Outros projetos preventivos buscaram uma resposta a partir da associao da finalidade
corretiva com a individualizao da pena. Von Liszt em seu Programa de Marburgo concebia um modelo
flexvel que cumpria finalidades diversas para a coletividade, o ofendido e tambm para o ofensor, de
forma que o converta a um membro til sociedade por meio da adaptao.14 Em momento prximo,
a nova penalogia nos Estados Unidos declarava a insensatez das penas previamente fixadas. J a
Nova Defesa Social de Ancel e os estudos de Filippo Gramatica buscaram dar uma nova luz ao
processo de educao, tratamento e a sua relao com a personalidade, para alm dos conceitos
vigentes de pena, delinquente e infrao.
O que se extrai de todas essas consideraes que homens a partir de pressupostos e
metodologias distintas, muitas vezes contraditrias entre si, buscaram razes para compreender o
fenmeno criminoso; ou pelo menos traaram programas para aquilo no que acreditaram ser a forma
adequada de restaurar os homens situados nos conflitos. Assim, partidrios de teorias absolutas e
filiados a ideias consequencialistas da pena, positivistas, partindo de um determinismo sociolgico,
antropolgico ou mesmo liberais, filsofos sob matizes ticos diferentes, entre idealistas e empiristas,
todos pretenderam reorientar esse homem de acordo com as suas respectivas sociedades. Esta tarefa
realmente possvel? Para todos os casos? Atravs de quais formas?
A proposta deste pequeno trabalho traar um panorama expositivo do problema tico do que
consiste a ressocializao do indivduo, quais so os limites e percalos enfrentados neste processo e
como esse problema se relaciona com o Direito Penal considerando sua constelao de sanes e no
apenas as medidas privativas de liberdade.
Neste momento compartilho os problemas colocados por Anthony Burgess em ensaio
comentando a sua obra Laranja Mecnica15 anos aps a adaptao para o cinema nas mos de Stanley
11 Ibid. 12 Ibid. P. 91-93. 13 Ferrajoli descreve a repristinao desse modelo no universo anglo-saxo e sovitico,
respectivamente pelas mos de Barbara Wootton, Vladimir Lnin, Evgenij Pasukanis e Petr. I. Stucka.
14 VON LISZT, Franz. Direito Penal Alemo Trad. Brasileira Obra em Domnio Pblico. p. 100. O legislador deve afeioar a execuo penal diversamente, conforme tiver em vista, no caso dado um ou outro dos effeitos da pena. E sobretudo o effeito intencionado com relao ao delinquente que determina a natureza e a extenso da pena. A exigncia da poltica criminal cifra-se em que se utilise a aptido da pena a ser empregada como meio para fim to completamente quanto fr possivej e que ella se adapte s necessidades do caso concreto.
15 BURGESS, Anthony. A Condio Humana. Reproduzida no Jornal Estado em 9 de Novembro de 2012. Tambm disponvel na edio de 50 anos do Romance Laranja Mecnica
Kubrick. A distopia da obra se passa na experincia de um jovem delinquente que submetido a um
tratamento, sob inspiraes claramente behavioristas, no qual todas suas experincias positivas e
afetos (vistos como outras escolhas) so imediatamente vinculados a nuseas e impresses sensoriais
ruins atribuveis as suas ms escolhas.
Nesse ponto, considerando a perspectiva do livre arbtrio e contrariando o que So Toms de
Aquino defendeu em sua Summa Theologica a respeito da infuso, questiona-se qual o valor do
processo de imposio de virtudes desejadas por uma maioria? Qual a legitimidade dessa relao
vertical de submisso? Poderia o subjugado de forma autnoma fazer escolhas diversas da mesma
forma como o personagem Alex o fez, ao inverter o tratamento e assim por si s cogitar uma vida
diferente sendo um bom marido e bom pai no final da edio britnica do romance?
Livre arbtrio, determinismo, o compatibilismo nascido entre essas teorias, as diversas formas
de situar o homem podem nos fazer chegar a respostas iguais ou diferentes16, da mesma forma como
abolicionistas, minimalistas penais, absolutistas penais entre outros compartilham as mesmas
frustraes de elaborar justificaes pan-penais. Ainda, a forma como qualquer um desses discursos
se apropria dessas questes nos parece desafiadora, na medida em que, no importando o
pressuposto admitido, vivemos muito mais do que um problema tico.17 Seguindo as palavras do ex-
presidente dos Estados Unidos da Amrica Rutherford B.Hayes: um dos testes de uma civilizao est
na forma como ela trata seus prprios criminosos.1819
2. O PROCESSO DE RESSOCIALIZAO
Antes de tudo, deve se ter em mxima considerao que o vocbulo ressocializao, ausente
em muitos dicionrios, um neologismo elaborado a partir de ideias prximas a um conceito de
melhora, aprendizagem e integrao construdas ao longo de experincias muitas vezes desconexas.
16 Vale lembrar que no embate entre idealistas dogmticos (racionalistas) e empiristas muitos
desses homens compartilhavam concepes de estado e crenas comuns, ainda que discordassem no campo epistemolgico e tico.
17 Nas palavras de Burgess: A viso norte-americana e a inglesa se aproximam ao pressupor que os instrumentos aversivos do medo e da tortura so as inevitveis tcnicas do despotismo, que busca controle total sobre o indivduo. Mas, no longnquo ano de 1932, Aldous Huxley, em seu Admirvel mundo novo, demonstrou que a submissa docilidade que poderosos Estados buscam de seus sditos pode ser mais facilmente alcanada por meio de tcnicas no aversivas. (...)"O homem", diz G. K. Chesterton, " uma mulher" - ele no sabe o que quer. H poucos de ns que no rejeitam imediatamente os pesadelos orwelliano e huxleiliano. De certa maneira, preferiramos uma sociedade repressiva, repleta de polcias secretas e arame farpado, em vez de uma condicionada pela cincia, em que ser feliz significa fazer a coisa certa.
18 HAYES, B. Rutherford. Diary and Letters of Rutherford Birchard Hayes. Diary (30 October 1892) Uma variao dessa frase comumente atribuda a DOSTOIEVSKI porm de origem no identificada em sua obra.
19 Em DOSTOIEVSKI, Fyodor. Memrias da Casa dos Mortos encontramos um relato desumano de suas experincias. It is acknowledged that neither convict prisons, nor the hulks, nor any system of hard labour ever cured a criminal. These forms of chastisement only punish him and reassure society against the offences he might commit. Confinement, regulation, and excessive work have no effect but to develop with these men profound hatred, a thirst for forbidden enjoyment, and frightful recalcitrations.
Sob esses termos, reivindicar um passado em sua formao como consequncia necessria para sua
construo poder ser caracterizada como um verdadeiro anacronismo. De toda forma, parte dessas
contribuies quando contrapostas apresentam confluncias com aquilo que parece ser o manifesto
daqueles que acreditaram no programa ressocializador.
Uma ideia de ressocializao nos parece algo como um poo de desejos, uma expectativa
criada a partir de um wishfull thinking lastreada em poucas ou at apenas uma experincia; como um
espelho que desnuda a forma como interpretamos os conflitos mais elementares presentes em nossa
sociedade. Ao longo do tempo foram muitas as lentes que capturaram o fenmeno do para qu punir?
e o desenvolvimento de antigas e novas cincias sociais enriqueceu mais ainda esta anlise, seja na
forma de interpretar a pena e suas caractersticas sobretudo a pena privativa de liberdade , seja na
forma de delimitar novos objetos at ento desprezados pelas teorias tradicionais, como o ambiente no
qual a sano cumprida, as relaes sociais que ali so desenvolvidas e os ritos que so praticados.
Ao colacionar as referncias para a produo desse trabalho pude observar trs tipos de
contribuies para uma ideia de ressocializao e, por bvio, no encontrei alguma com a pretenso
de encerrar um conceito acabado. Uma ideia bem rudimentar, ainda sediada em uma compreenso
tica da virtude, identificaria no problema a questo quem seria um homem virtuoso?, qual homem
seria socialmente til ou desejado?.
Sob essas indagaes, entre os trs grandes tipos de contribuio para o problema da
ressocializao, possvel primeiro vislumbrar um conjunto de reflexes meramente prognsticas da
aplicao da sano, desprovidas de qualquer alterao na forma como a mesma executada. So
propostas eticizantes que mais confiam no mximo tico do apenado de enxergar o castigo da mesma
forma como o legislador que o instituiu. a aparente noo de uma pena como medicina para alma,
sem identificar em nenhum elemento especifico dela o porqu da mesma assumir tal natureza.
O dilogo entre Scrates e o ateniense Polus, pupilo de Grgias, o Niilista, narrado por Plato20
estabelece uma comparao entre dois homens que padecem do mesmo mal, onde apenas um deles
procura uma cura. Scrates, em sua maiutica, entre premissas e inferncias, emprega esta
comparao de forma analgica a condio dos apenados onde apenas um se submete justia. A
submisso justia nesse caso figura uma libertao do maior dos males que o vcio, enquanto a
absteno o aprisiona. Conforme nossa breve introduo, esta ideia de emenda do homem a partir da
aplicao da lei foi igualmente desenvolvida por Aristteles21 e em momento ulterior tambm encontrou
amparo em sistemas jurdicos como o direito romano.22
Ao curso das prticas punitivas, em um sentido bastante largo uma vez que o Direito Penal e
a pena da forma como conhecemos so fenmenos modernos , diversas reflexes acerca dos
castigos existentes nos sistemas jurdicos desenvolvidos ao longo da histria passaram a incorporar
elementos ressocializadores, para alm da mera expectativa de consenso entre o apenado e um
legislador. Estas reflexes e os modelos desenvolvidos por elas compartilham uma caracterstica em
20 PLATO. Grgias. Vide nota 2. 21 ARISTTELES. tica a Nicmaco X 9. 1180b. 22 Digesto de Paulo, 18, ad plautium, D. 48.19.20. Vide nota 8.
comum que a adequao da sano a uma ideia de ressocializao que efetivamente promova no
cumprimento da pena medidas concretas que busquem este objetivo.
Thomas More, por exemplo, em Utopia, no sculo XVI, fazendo dentro de sua fico uma
apologia contra a pena de morte e as demais penas cruis, invoca a sabedoria dos romanos em
conciliar a justia com uma utilidade pblica23, passando a descrever o modelo de uma nao situada
na Prsia onde os condenados so empregados em trabalhos pblicos, havendo uma complexa
estrutura social de aproveitamento desse trabalho, resguardando uma remunerao e um tratamento
mais digno e compatvel s relaes de trabalho.24
Este modelo de ressocializao como utilidade pblica aproveitou-se da estrutura j presente
nas penas aflitivas existentes (como as gals) onde o trabalho era visto sob o prisma retributivo e
ganhou flego com o surgimento das primeiras casas de correo, agora no mais servindo como
lugares de manuteno cautelar dos acusados25. Descrevendo os modelos de casas de trabalho
situadas na Europa, Spierenburg reala elementos de organizao especialmente prximos a uma
estrutura familiar, havendo tanto na Holanda quanto nos estados germnicos uma ideia de pai e me
nos gestores daqueles estabelecimentos.26
Seguindo a elaborao desta proposta, no foram poucos aqueles que buscaram encontrar
uma configurao espacial e organizacional dos estabelecimentos penais. Um destes modelos
buscando conciliar a reforma moral do apenado com um modelo de gesto espacial econmico, por
meio de uma soluo arquitetnica encontrado no panptico de Jeremy Bentham.27
Nos Estados Unidos, diversos modelos prisionais sob inspiraes afins efetivamente foram
colocados em prtica no sculo XIX. O Modelo de Auburn, por exemplo, seguia a ideologia whig de
disciplina e respeito aos valores morais da propriedade e do trabalho, atravs do trabalho comunitrio
ao longo do dia e a manuteno do silncio. O Modelo da Pensilvnia, sob pretenso prxima, era
baseado no total confinamento com o fim de provocar a autorreflexo do apenado em relao as suas
aes passadas.
Nesse momento, a preocupao vigente de estabelecer uma relao de conformao entre
o ato praticado e a pena. Foucault narra esta ideia dominante de reanimar um interesse til e virtuoso,
cujo enfraquecimento provado pelo crime. O sentimento de respeito pela propriedade e de riquezas,
mas tambm a de honra, de liberdade, de vida o malfeitor o perde quando rouba, calunia, sequestra
ou mata. preciso ento que lhe seja reensinado. E comearemos a ensina-lo nele mesmo: ele
23 Neste caso significando o aproveitamento do indivduo como escravo. 24 MORE, Thomas, Utopia. Obra traduzida em domnio pblico. 25 Uma exposio clara desse momento encontrada em RUSCHE, Georg e KIRCHHEIMER,
Otto. Punio e Estrutura Social. 26 SPIERENBURG, Pieter. The Body and the State. p. 62-63. O autor ainda menciona que este
modelo no foi significativamente alterado entre 1600 e a primeira metade do sculo XIX. A ideia de famlia era forte o suficiente a ponto das administraes pblicas buscarem necessariamente casais para exercer tal funo
27 BOWRING, John. The Works of Jeremy Bentham. Vol 4. p. 39.
sentir o que perder a livre disposio de seus bens, de sua honra, de seu tempo e de seu corpo,
para, por sua vez, respeit-lo nos outros.28
Esta transformao da alma atravs do trabalho ou do silncio passou a no s informar a
execuo da pena como tambm fundamentar a prpria para aquelas que foram consideradas as
primeiras concepes mistas modernas da pena. No projeto da reforma de 1779 na Inglaterra,
Blackstone e Howard discorreram sobre o encarceramento individual em sua trplice funo de exemplo
temvel, instrumento de converso e condio para um aprendizado.
Uma sintese adequada para descrever tal pensamento encontrada em duas passagens de
Foucault sobre o trabalho e suas condies: Essa pedagogia to til reconstituir no individuo
preguioso o gosto pelo trabalho, recoloca-lo- por fora num sistema de interesses em que o trabalho
ser mais vantajoso que a preguia, formar em torno dele uma pequena sociedade reduzida,
simplificada e coercitiva onde aparecer claramente a mxima: quem quer viver tem que trabalhar.
Obrigao do trabalho, mas tambm retribuio que permite ao detento melhorar seu destino durante
e depois da deteno.29 J o isolamento constitui um choque terrvel, a partir do qual o condenado,
escapando das ms influncias, pode fazer meia-volta e redescobrir no fundo de sua conscincia a voz
do bem, o trabalho solitrio se tornar ento tanto um exerccio de converso quanto de aprendizado,
no reformar simplesmente o jogo de interesses prprios ao homo oeconomicus, mas tambm os
imperativos do indivduo moral.30
Esses modelos de ressocializao fundados na prospeco de resultados gerados a partir de
prticas tidas como socialmente teis como o trabalho, o isolamento, a autorreflexo, o ensino
religioso e a educao reorientada para um convvio comunitrio possuem duas bases em comum: a
desconsiderao de todos os fatores crimingenos presentes na organizao social do crcere e a
pretenso de se colocar acima do indivduo ao impor um padro comportamental.
neste momento que afirmamos que nenhum estudo criminolgico contemporneo poder
desconsiderar uma ideia de Estado como distncia, permitindo ao indivduo se autodeterminar, trilhar
o seu destino e fazer as suas escolhas morais. Da mesma forma, um estudo que pretenda apresentar
um resultado satisfatrio no poder desprezar tudo aquilo que foi produzido no mbito das cincias
sociais, da psicologia, da pedagogia, sob pena de desprezar fatores evidentes e orientar politicas
penitencirias idealistas, ricas em princpios e pobres em resultados prticos.
nessa medida que a terceira categoria de ideias de ressocializao, crticas ou
fundamentadoras das atuais sanes cominadas, partem da anlise de suas condies materiais de
aplicao, sob as mais diversas lentes ou orientadas por diferentes cosmovises, empreendendo na
tentativa de compreender no to somente o delito ou o delinquente, como tambm o processo
criminalizador e as suas concretizaes. Sob esse espirito, desenvolveremos uma breve exposio.
28 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. 35 Edio. Editora Vozes. p. 89. 29 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. 35 Edio. Editora Vozes. p. 100-101. 30 Ibid. p. 101.
O homem, agora distante dos ideais uniformizadores do positivismo, passar a ser objeto de
apreciao em suas mais diversas dimenses. A psicologia o estudar a partir do seu comportamento
e de seus processos mentais, a sociologia relacionar este comportamento ao meio e formular
modelos de uma compreenso maior, a pedagogia encontrar um foco maior no processo de
aprendizagem e a antropologia buscar integr-lo em todas essas dimenses. Ainda, a criminologia
surgir como um conjunto heterogneo de estudos que ir situar algumas destas contribuies na
perspectiva dos atuais desenhos de foras entre perpetradores, vtimas e os demais agentes presentes
no sistema de criminalizao.
As condies nas quais a pena sobretudo a privativa de liberdade ser cumprida igualmente
sero tomadas em considerao, para alm dos objetivos programticos constitudos. A disposio
espacial, as relaes de poder e sujeio, as prticas despersonalizantes e alternativas mitigadoras
esto necessariamente dentro desse mesmo escopo descrito.
Esta labuta, porm, no seguir um rumo de todo harmnico, uma vez que, ainda que se tenha
abandonado ideias como consenso absoluto, determinismo social, delitos como manifestaes atvicas
ou patolgicas, um estudo etiolgico no foi de todo afastado,31 tornando-se, todavia, ainda mais
complexo sob essas novas leituras.
Enfim, o ponto em comum que todos esses estudos partem no podia deixar de ser o legado
deixado pelas prticas do modelo anterior de ressocializao. A descrio foucaultiana do modelo
auburniano nos oferece uma sntese dessa perspectiva: um microcosmo de uma sociedade perfeita
onde os indivduos esto isolados em sua existncia moral, mas onde sua reunio se efetua num
enquadramento hierrquico estrito, sem relacionamento lateral, s se podendo fazer comunicao no
sentido vertical. (...) A coao assegurada por meios materiais, mas sobretudo por uma regra que se
tem que aprender a respeitar e garantida por uma vigilncia e punies.32
A ressocializao atravs do trabalho, sob a epgrafe de despertar um regime de disciplina,
desnudada por Foucault como o exerccio de submisso, sob um minucioso controle das operaes do
corpo, fabricando corpos exercitados e dceis, aumentando a fora desses corpos sob critrios de
utilidade e diminuindo em termos polticos de obedincia.33 Sua utilizao exaustiva a faz atravs de
um princpio de no-ociosidade, uma tentativa de optimizao econmica do tempo.34 O isolamento
nos modelos nos quais foi caracterstica preponderante se pretendia legitimar como um instrumento
positivo reformador, gerador de remorsos, busca da autoconscincia e desenvolvimento do dio ao seu
crime,35 seu nico companheiro de cela.
Nesse momento fica evidente o desprezo do que se entendia por ressocializao, ao
desconsiderar consubstancialmente a figura do outro. Se na teoria, os modelos que prospectavam uma
31 MARANHO, Odon Ramos Psicologia do Crime. 2 Edio Editora Melhoramentos. p. 12:
No se procure, por inexequivel, a causa primeira ou a causa das causas, pois desse modo abandona-se o campo prtico cientfico e voa-se para as mais tericas especulaes.
32 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. 35 Edio. Editora Vozes. p. 200-201. 33 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. 35 Edio. Editora Vozes. p. 118-119. 34 Ibid. p. 131. 35 Ibid. p.199.
incorporao de valores socialmente teis j desprezavam o homem que encontrava, suas aplicaes,
por muitas razes inclusive estas, no tiveram um destino diverso. Uma triste alegoria encontrada
numa srie de reportagens produzida pelo Jornal da Tarde em 1974, nas palavras do diretor da Casa
de Deteno em So Paulo aquele lugar era o cemitrio de todas as poesias.36 Um lugar onde praticas
institucionalizadas mais corrompiam do que reabilitavam, onde praxes eram aplicadas aos novatos,
como o taxi do malandro, as condies poltico-criminais no contribuam para a criao de postos de
trabalhos, cdigos no escritos apontavam solues violentas para a resoluo dos conflitos entre
presos e prticas de violncia sexual viravam inclusive moeda entre os apenados.
O isolamento, antes de gerar qualquer tipo de reflexo, introspeco, enclausura o homem a
ponto de presos, mesmo em realidades de superlotao e desconforto, terem pavor da hiptese de
serem colocados em uma cela individual. Apesar das celas com mais de 70 presos que existem no
presdio cidade, ningum quer ficar sozinho, numa cela individual. (...) O preso, porm, no pode sair,
e ento grita, urra desesperado, isolado dos demais que o consideram louco. Se o problema grave,
o preso pode ir parar no manicmio judicirio, mas todos ficam mudos, amedrontados quando ouvem
falar do manicmio; temem morrer l dentro.37
Essa incompatibilidade entre o discurso e a ao poltica tambm denunciada em outras
polticas pblicas, como o sanitarismo e a irradicao de epidemias, que orientaram as medidas de
organizao urbana na passagem do sculo XIX para o sculo XX. Brunello Stancioli, seguindo a crtica
foucaultiana da capilarizao dos poderes, identifica uma comunho desses valores existentes tanto
nos decretos que regulamentavam as atividades das colnias agrcolas penais quanto nos cdigos
sanitrios e das cidades que aproximavam ou afastavam as atividades e os hbitos daqueles espaos
considerados nobres para alm daqueles que guardavam alguma relao de higiene.38
Ingressando no sculo XX, as prticas orientadas por uma ideia de ressocializao passaram
a ser objeto do desenvolvimento de uma psicologia cientfica, desapegada da ideia de alma e
trabalhada por diversas teorias neste sculo que oferecero uma nova leitura do homem.
A psicanlise, fundada por Sigmund Freud na ustria, nasce a partir da prtica mdica,
recuperando para a psicologia a importncia da afetividade e postulando a necessidade de se
compreender o homem como uma totalidade.39 Ela pode ser enunciada como um mtodo de
investigao da mente e seu funcionamento; um sistema terico sobre a vivncia e o comportamento
humano; um mtodo de tratamento psicoteraputico.40 A partir do pensamento freudiano, foram
desenvolvidas diversas linhas e novas teorias acerca do desenvolvimento humano, como a psicologia
analtica de Carl Jung em sua busca pela individuao , a psicologia individual de Adler, a psicanlise
36 BARRETO, Djalma L.G. Violncia, Arqutipo e Lei. Editora Vozes. p. 69. 37 Ibid. p. 72. 38 STANCIOLI, Brunello Razo Excludente e Geografia do Poder: O Sanitarismo Brasileiro no
Incio do Sculo XX. Historia do Direito Novos Caminhos e Novas Verses. Cap. 5. p. 165-167. 39 BOCK Ana Mercs Bahia. FURTADO, Odair. TEIXEIRA, Maria de Lourdes Trassi.
Psicologias Uma Introduo ao Estudo de Psicologia. Editora Saraiva. 13 Edio. p. 43. 40 MOORE, BE, FINE, BD (1968), A Glossary of Psychoanalytic Terms and Concepts, Amer
Psychoanalytic Assn, p. 78
ps-estruturalista de Lacan, a psicanlise humanista de Erich Fromm e outras significativas
contribuies como as de Melanie Klein e Winnicott.
Uma teoria behaviorista ou comportamental surgiu buscando definir o fato psicolgico de modo
concreto, a partir da noo de comportamento e fugindo de uma metodologia de introspeco. Os
mtodos para a anlise dessa escola foram desenvolvidos por Skinner a partir da anlise do
comportamento humano na relao individuo/ambiente. Neste cenrio, conceitos como reforamento,
processos como esquiva, fuga, extino e punio apresentam um modelo para a compreenso dos
sistemas punitivos e uma possvel substituio de sistemas que oferecessem a instalao de
comportamentos desejveis.41 Uma resposta a teoria behaviorista surgiu a partir da crtica ausncia
de uma explicao sobre a cognio, fazendo surgir novas teorias cognitivas e cognitivas-
comportamentais.
A Gestalt surge como uma negao da fragmentao das aes e processos humanos,
realizada pelas tendncias cientficas do sculo XIX, postulando a compreenso do homem em sua
totalidade.42 Na viso dos gestaltistas, o comportamento deve ser estudado nos seus aspectos mais
globais, levando em considerao as condies que alteram a percepo do estmulo.43
Ainda, uma psicologia humanista surgiu no meio do sculo XXI em resposta as tradicionais
escolas em voga, como a psicanlise e o behaviorismo trazendo uma nfase maior no direcionamento
do indivduo a satisfao de sua autorrealizao. Tal percepo, proposta por Carl Rogers entre outros,
encontra algumas de suas razes na fenomenologia e no existencialismo. Um desenvolvimento possvel
da psicologia humanista encontrado na teoria da hierarquia das necessidades de Maslow44, que
identifica valores como fisiolgicos, segurana, pertena, estima, autorrealizao em uma escala de
cinco hierarquias. Ainda que a rigidez de tais categorias ponha a teoria em uma situao de
vulnerabilidade s crticas, no deixa de ser uma leitura mais qualificada que aquelas ento praticadas
e infundidas nos estabelecimentos prisionais.
O existencialismo tambm informou a elaborao de uma teoria psicolgica que pretendeu
operar em suas caractersticas essenciais: a inevitabilidade da morte45, a liberdade e a sua respectiva
41 BOCK Ana Mercs Bahia. FURTADO, Odair. TEIXEIRA, Maria de Lourdes Trassi.
Psicologias Uma Introduo ao Estudo de Psicologia. Editora Saraiva. 13 Edio. p. 53. 42 Ibid. p. 59. 43 Ibid. p. 60. 44 MASLOW, A.H. A Theory of Human Motivation. Psychological Review n 50. 45 Em algum canto perdido do universo que se expande no brilho de incontveis sistemas
solares surgiu, certa vez, um astro em que animais espertos inventaram o conhecimento. Esse foi o minuto mais arrogante e mais mentiroso da histria do mundo, mas no passou de um minuto. Aps uns poucos suspiros da natureza, o astro congelou e os animais espertos tiveram de morrer. Foi bem a tempo: pois, se eles vangloriavam-se por terem conhecido muito, concluiriam por fim, para sua grande decepo, que todos os seus conhecimentos eram falsos; morreram e renegaram, ao morrer, a verdade. Esse foi o modo de ser de tais animais desesperados que tinham inventado o conhecimento. - NIETZSCHE, Friedrich. Cinco Prefcios para Cinco Livros No Escritos. 2 Edio Editora 7 Letras. p. 11.
responsabilidade46, o conceito de luto e a ausncia de sentido na vida47. Essa abordagem ento parte
da ideia que o homem essencialmente sozinho no mundo, mas ainda assim tem a pretenso de
adquirir significado na vida das outras pessoas, porm, adquirindo conscincia de que ela no pode
depender das validaes exteriores.48
Todas estas escolas oferecem instrumentos para uma maior percepo do homem que
resultar em leituras mais acuradas de uma realidade que antes era tratada de forma homognea49. A
psicologia social e a pedagogia iro se valer de todas essas ferramentas para estabelecer sinapses
com as demais cincias sociais, como a sociologia e a antropologia; o homem protagonizar seu papel
agora como relao, quebrando a falsa dicotomia homem versus grupo50 e fugindo de uma cosmoviso
exageradamente individualista de um lado e uma totalitarista e automatizadora de outro51, e nessa
dimenso o crcere e suas prticas, como uma parte significativa das atuais prticas penais, sero
objeto de inmeras reflexes.
As relaes sero colocadas em evidncia, sendo fator determinante nessas realidades,
devendo o conceito de determinao ser interpretado de forma distinta de subordinao, como no
exemplo do dentista, que pelo fato de o ser no necessariamente ir gerar um filho dentista, porm,
uma possvel repulsa a esta profisso pelo mesmo pode encontrar um fator de determinao nesta
46 Angstia pode-se comparar com vertigem. Aquele, cujos olhos se debruam a mirar uma
profundeza escancarada, sente tontura. Mas qual a razo? Est tanto no olho quanto no abismo. No tivesse ele encarado a fundura! ... Deste modo, a angstia a vertigem da liberdade, que surge quando o esprito quer estabelecer a sntese, e a liberdade olha para baixo, para sua prpria possibilidade, e ento agarra a finitude para nela firmar-se. KIERKEGAARD, Sren. O Conceito de Angstia. Editora Vozes. p.66. Em Sartre: Dostoievski escreveu: Se Deus no existisse, tudo seria permitido. Eis o ponto de partida do existencialismo. De fato, tudo permitido se Deus no existe, e, por conseguinte, o homem est desamparado porque no encontra nele prprio nem fora dela nada a que se agarrar. Para comear, no encontra desculpas. Com efeito, se a existncia precede a essncia, nada poder jamais ser explicado por referncia a uma natureza humana dada e definitiva; ou seja, no existe determinismo, o homem livre, o homem liberdade. SARTRE, Jean-Paul. O Existencialismo um Humanismo.
47 A terceira objeo a seguinte: vocs recebem com uma mo o que do com a outra; isso significa que, no fundo, os valores no tm seriedade; j que vocs os escolhem. Argumentarei dizendo que lamento muito que assim seja, mas, j que eliminamos Deus Nosso Senhor, algum ter de inventar os valores. Temos que encarar as coisas como elas so. E, alis, dizer que ns inventamos os valores no significa outra coisa seno que a vida no tem sentido a priori. Antes de algum viver, a vida, em si mesma, no nada; quem a vive que deve dar-lhe um sentido; e o valor nada mais do que esse sentido escolhido. Pode constatar-se, assim, que possvel criar uma comunidade humana. SARTRE, Jean-Paul. O Existencialismo um Humanismo.
48 YALOM, I. Existential Psychotherapy. p. 6. 49 Na vida anmica individual, aparece integrado sempre, efetivamente, o outro como modelo,
objeto, auxiliar ou adversrio, e deste modo a psicologia individual ao mesmo tempo, e desde o princpio, psicologia social, em um sentido amplo, mas plenamente justificado. Transcrio freudiana em PICHON-RIVIERE, Enrique. O Processo Grupal. Editora Martins Fontes. pg 27-28.
50 LANE, Silvia T M. A Psicologia Social e uma Nova Concepo do Homem para a Psicologia. Em Psicologia Social O Homem em Movimento. Editora Brasiliense. pg. 16.
51 GUARESCHI, Pedrinho. Psicologia Social Crtica como prtica de libertao. EDPUCRS. Pg. 29 e 51-52.
relao.52 Da mesma forma, fatores sociais e econmicos encontraro amparos em muitas das teorias
sociais que enxergam o sistema prisional determinado com uma funo latente.53
A pedagogia com o seu escopo no ensino e na aprendizagem igualmente ser de valia ao
identificar os mecanismos institucionais de reproduo da violncia, sobretudo pela similitude na
relao entre fortes e fracos encontradas tanto nas relaes familiares quanto em instituies totais
como o crcere. Relaes como desprezo54 e o uso de castigos corporais55 so trabalhados dentro de
uma proposta que pretende identificar essas prticas inclusive nos planos poltico e macrossocial
com o fim de pensar alternativas para a quebra desse sistema reprodutor.56
A individualizao da pena implicar um desafio, uma vez que, mesmo considerando a
seletividade do nosso sistema penal, os apenados so pessoas com as mais distintas trajetrias e
vivendo momentos distintos da vida, tendo incorporado vivncias particulares, para depois serem
tratados de forma genrica no mesmo ambiente. As propostas para atacar tal realidade so aplicaes
de metodologias das mais diversas linhas, envolvendo a atuao em duas frentes: (1) o reconhecimento
das dificuldades promovidas por essas compreenses do homem em sua relao com o ambiente,
implicando a correo de algumas dessas prticas (e aqui entram as alternativas ao crcere ou at
mesmo a pena em um sentido maior), e (2) uma busca pela individuao57 atravs dos mais diversos
tratamentos psicoterpicos para aquelas prticas onde no tenha sido encontrada alternativa.
Contudo, para alm das tradicionais cincias sociais, a relao conflitante entre homem e
sociedade tambm foi objeto do desenvolvimento de um campo especfico de estudos criminolgicos
que tomou forma sobre as mais diversas metodologias, e, em razo dessa diversidade, inmeras foram
as contribuies promovidas por estes estudos para uma compreenso do que poderia significar
ressocializao.
Nesse estgio, dentro da criminologia buscou-se primeiro estabelecer uma etiologia da ao
criminosa, seja ela atravs das pulses do indivduo infrator, seja da sua disposio espacial na
comunidade. Em momento prximo o infrator deixa de ser visto como um ser anrquico e passa a ser
interpretado como um agente inovador na persecuo dos mesmos fins dispostos e desejados. So
tambm descobertos os charmosos criminosos, to estimados nos cadernos de notcias, mas nunca
52 CODO, Wanderley. Relaes de Trabalho e Transformao Social. Em Psicologia Social
O Homem em Movimento. Editora Brasiliense. pg. 141. 53 A exemplo das relaes trazidas por Wacquant, Rusche e Kirchheimer. Tambm BAUMAN,
Zygmund. O Mal Estar da Ps-Modernidade. Jorge Zahar Editor. p. 49. Ainda, os conceitos de estranhos, a pretenso de pureza e s criticas a ideia de dominao em um ambiente multiculturalista em BAUMAN, Zygmund. Modernidade e Ambivalncia. Jorge Zahar Editor. p. 110, BAUMAN, Zygmund. O Mal Estar da Ps-Modernidade. Jorge Zahar Editor. p. 13 e Ibid. p. 27.
54 MILLER, Alice. O Drama da Criana Bem Dotada. 2 Edio. Editora Martins Fontes. p. 73. 55 MILLER, Alice. A Verdade Liberta. Editora Martins Fontes. p. 35-41. 56 O conceito de pedagogia negra de Alice Miller, trabalhado claramente em No Princpio era
a Educao. p. 93-106 edificada em uma leitura da Soluo Final promovida pelo nazismo e a sua relao com a falta de vivncia de seus prprios mpetos sentimentais na infncia, e uma leitura interessante que enriquece o caminho para a busca de solues que no alienem o indivduo e o seu passado do conflito. O Direito Penal Alternativo e construes como o Soft Power de Joseph Nye parecem-me aqui bem dialogar.
57 BARRETO, Djalma L.G. Violncia, Arqutipo e Lei. Editora Vozes. p. 108-109.
vistos nas pginas policiais. Igualmente, o pluralismo cultural apresentado como uma crtica s
pretenses de enfrentar a questo criminal como um ns versus eles, reconhecendo que esse
processo envolve mais do que um s sistema de valor.
Uma ideia de ressocializao como utilidade social, conforme vista em um segundo momento,
passa a sofrer da mesma crtica de dimenso tica j apresentada, uma vez que algumas das teorias
criminolgicas a partir desse momento iro criticar muito mais do que o seu eventual rendimento na
execuo de uma sano, alcanando muitas vezes o prprio contedo ou at mesmo a legitimidade
do processo criminalizador.
Estas teorias, para alm de reconhecer a existncia de uma multiplicidade de arranjos de
valores como as existentes em conceitos como associaes diferenciais e subculturas ,
compreendem existir uma apropriao do poder de determinar quais condutas sero criminalizadas.
Dessa forma, no haveria para os seguidores dessas teorias uma congruncia entre os valores comuns
a sociedade e aqueles efetivamente protegidos por uma sano criminal58.
Por essa lgica, Turk, trabalhando especificamente o conceito de delinquncia juvenil, concluiu
que tal definio no corresponde necessariamente uma classe de comportamentos, mais dependendo
da forma colocada por aqueles que esto em posio de aplicar o Direito.59 Howard Becker, tido como
um dos pais da teoria do labbeling approach, desenvolveu suas pesquisas a partir da mudana de
perspectiva do criminoso para a reao social e assim, ao investigar o impacto de uma condenao
criminal na vida dos consumidores da maconha, descobriu a formao de um processo de
estigmatizao atravs da construo de uma identidade social no qual o indivduo busca
permanecer.60
O que se v em uma apertada concluso que uma noo de ressocializao, distante de um
programa tico autoritrio de utilidade social, depender necessariamente da maneira como ser vista
a sociedade, havendo leituras inconciliveis, mesmo que distantes dos extremos. Uma teoria
funcionalista estrutural ser contraposta a diversas teorias do conflito, passando desde o materialismo
histrico at a Escola de Frankfurt, uma teoria estruturalista ser atacada por diversas frentes, cticas
quanto a possibilidade de assim conceber as relaes sociais. O homem estudado pela psicologia, o
seu aprendizado objeto da pedagogia, suas relaes orientadas pela psicologia social e em um sentido
maior pela prpria sociologia, a realidade e a prxis das instituies penais, prprias da criminologia, o
Direito Penal e sua dogmtica, a politica que infiltra todos esses campos de estudo e os diversos
modelos ticos normativos que a informam, todos esses elementos nos oferecem chaves para edificar
e destruir modelos de compreenso desta realidade que em ultima anlise nos aproximar de uma
sociedade mais prxima de promover a paz e o reconhecimento do outro.61
58 BARATTA, Alessandro. Criminologia Crtica e Crtica do Direito Penal. Editora Revan. p. 117. 59 Ibid. p. 131. 60 Ibid. p. 90. 61 De forma evidente, todos esses campos do conhecimento orientaro programas distantes de
qualquer consenso.
3. O QUE A RESSOCIALIZAO PODE SIGNIFICAR NA EXECUO DA PENA
No Direito Penal o discurso da ressocializao antes de tudo cumpre uma funo latente que
de purificar conscincias em seu caminho pelo sistema penal. Luis Carlos Valois, em entrevista para
o stio Causa Operria Online e fazendo referncia a sua obra Conflito Entre Ressocializao e o
Princpio da Legalidade na Execuo Penal, noticiou que a cada cem acrdos criminais analisados
no seu trabalho que empregavam o vocbulo ressocializao, sessenta o utilizavam para condenar o
ru, aumentar ou agravar a sua pena, mesmo sabendo das notrias condies do nosso sistema
penitencirio.62
Nesse sentido, devemos considerar as precisas palavras de Foucault: E acima dessa
distribuio dos papis se realiza a negao terica: o essencial da pena que ns, juzes, infligimos
no creiais que consista em punir, o essencial procurar corrigir, reeducar, curar, uma tcnica de
aperfeioamento recalca, na pena, a estrita expiao do mal, e liberta os magistrados do vil ofcio de
castigadores.63
Esta funo latente, com toda a razo pessimista, d voz s crticas anteriormente feitas quanto
indefinio e a insegurana trazidas por um conceito de ressocializao em uma sociedade plural,
dinmica, complexa e conflituosa. Porm, o problema se situa a partir do momento que o Direito Penal
incapaz de oferecer alternativas de restaurao para muitos de seus conflitos, suspendendo-os
atravs de sanes, estas compondo uma realidade significativa de pessoas privadas de sua liberdade,
vivendo a parte da sociedade. Nesse caso, podemos questionar se apesar de todos os pesares uma
ideia aproximada de ressocializao capaz de justificar, se no um discurso fundamentador da pena,
pelo menos um princpio informador de valores desejveis ou mitigadores de uma realidade cruel e
despersonalizante.64
Garcia-Pablos de Molina preciso em sua anlise ao identificar que pressupostos ideolgicos
muito distintos, envolvendo programas moralizantes, tericos liberais, agnsticos crticos das ideias
existentes e cticos quanto a viabilidade de um projeto ressocializador se encontram nos mesmos
polos, seja defendendo programas maximalistas de algumas dessas ideias, seja de todo os afastando.65
Uma resposta para esse paradoxo que coloca desafetos lutando sob a mesma bandeira com
seus respectivos afins sugerida pelo prprio autor como uma reao antirretribucionista comum entre
muitos desses tericos. O antirretribucionismo pode ser caracterizado como uma postura dogmtica de
combate s teorias absolutistas da pena, ao defender um Direito Penal prospectivo, preocupado com
62 Entrevista com o Juiz da VEP Luis Carlos Valois, doutorando em Criminologia pela
Universidade de So Paulo. http://www.pco.org.br/nacional/toda-prisao-no-brasil-e-ilegal-porque-se-a-prisao-que-esta-na-lei-nao-existe-a-que-aplicamos-na-realidade-e-ilegal-/epbz,y.html Acesso em 31/10/2014.
63 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. 35 Edio. Editora Vozes. pg. 13. 64 Vale lembrar que o Art. 10 da Lei de Execues Penais assegura ao preso e ao internado,
como dever do Estado, uma assistncia objetivando prevenir o crime e orientar o retorno convivncia em sociedade envolvendo um auxilio material, sade, jurdico, educacional, social e religioso.
65 GARCIA-PABLOS DE MOLINA, Antonio. Supuesta Funcin Resocializadora del Derecho Penal. p. 647-648.
a formao de uma sociedade futura, transformando-o em parte de um projeto social planificador. O
aprofundamento do embate entre defensores de uma teoria absoluta e defensores de teleologias penais
implicaria ingressar em questes que expandiriam desproporcionalmente o objeto desse trabalho.66
Questo essencial e presente no ttulo desse trabalho est na forma como o Direito Penal
enxerga essa to difusa ideia de ressocializao. Garcia-Pablos, em seu trabalho, acompanha o
projeto de atualizao da obra de Von Liszt que ao longo das inmeras revises pstumas, ao dispor
dos fins da pena trouxe em sua 25 edio, pela primeira vez, o vocbulo ressocializao, em oposio
a ideia de melhora trazida originalmente pelo autor.67 De toda forma, o ecletismo encontrado no
Programar de Marburgo, ao conciliar alguns elementos das escolas Clssica e Positivista, ainda que
em constante processo de ressignificao de alguns valores, representou o ponto de partida das atuais
teorias que enxergam na ressocializao um verdadeiro fundamento do Direito Penal. Por outro lado,
partidrios de teorias diversas, compreendendo elementos retributivos ou preventivos gerais, e os
agnsticos penais encontram um escopo muito menor de atuao na execuo da eventual sano.
Deve-se perguntar se possvel conciliar, nesse segundo caso, a inexistncia de uma fundamentao
ressocializadora com o eventual rendimento na execuo da pena.
A primeira alternativa trazida pela figura da ressocializao como fundamento parcial ou integral
da pena apresentar em um primeiro momento um aspecto positivo: nela no haver nenhum
contrassenso, uma vez que sua execuo obedece uma finalidade manifesta. Suas crticas, porm,
so tanto as j trazidas por muitos dos estudos sociais que se prestaram a reinterpretar alguns dos
objetos presentes nessas realidades, deslegitimando alguns desses discursos, quanto as que as
falsificaram a partir dos resultados obtidos pela grande parte de suas experincias.
J a ideia de ressocializao como princpio orientador em uma eventual execuo, este projeto
do qual ela no fundamentaria, revela a princpio uma antinomia, na medida que pretende se colocar
como uma benesse mitigadora em parte de algo que no pretende ser. Estas teorias, cumulando ou
no aspectos retributivos, reconhecem caracteres estigmatizadores em sua sano, so cientes de
seus efeitos deletrios inclusive naquilo que se possa reconhecer como uma integrao social e, ainda
assim, pretendem orientar politicas supostamente vantajosas queles que so objetos de seu sistema.
Colocada dessa forma, no nos parece possvel tais ideias serem conciliveis, ainda mais quando
submetidas s crticas quanto ao suposto contedo da ressocializao. Contudo, ainda que as crticas
de longo alcance guardem muitas razes das quais no se pode perder de vista, existe uma realidade
prtica carente de uma alternativa.68
A questo pode ser situada de forma que uma crtica a uma poltica inspirada sob um ideal de
melhora no implica uma alternativa para a funo da pena, mas sim para o prprio Direito Penal. Este
empreendimento por si s deve ser encorajado na medida que muitas dos conflitos que invocam o
Direito Penal no encontram nada que se possa chamar de resoluo, o que sugere que talvez no
66 GRECO, Lus. A Ilha de Kant. p. 263-269. In: GRECO, Lus; MARTINS, Antnio. Direito Penal
como crtica da Pena. 67 Ibid. p. 649 e VON LISZT, Franz. Direito Penal Alemo Trad. Brasileira 1899 Obra em
Domnio Pblico. p. 100. 68 E aqui penso ser completamente tautolgico pretender que esta seja uma soluo.
estejamos to certos em atribuir apenas uma ou duas funes manifestas resoluo do nmero
significativo de conflitos hoje abarcados pelo Direito Penal. E se a crtica a especificidade aqui feita a
todos esses discursos da pena, possvel tambm reconhecer que alguns desses conflitos possam
no oferecer uma alternativa adequada.
Diante desse quadro, possvel compreender o tratamento cauteloso que as ideias prximas
de melhora recebem dos ordenamentos jurdicos, ora omitindo-as, ora estabelecendo-as como vetores
a serem atendidos pelo poder pblico. Nesse sentido as leis penitenciarias alem e italiana, ambas de
1976, estabelecem o dever de se realizar um tratamento educativo que tenta, atravs tambm de
contatos com o ambiente externo, reinsero social dos condenados e internados (art. 1 da lei
italiana), com o fim de torna-los capazes de conduzir no futuro, com responsabilidade social, uma vida
sem delitos (pargrafo segundo da lei alem).6970No Brasil, enquanto o Art. 59 do Cdigo Penal, in fine,
manifesta a aplicao da pena conforme seja necessrio e suficiente para reprovao e preveno do
crime, o Art. 10 da Lei de Execues Penais, ao dispor da assistncia ao apenado, prev
explicitamente a preveno do crime atravs da orientao que permita o retorno do apenado
convivncia em sociedade.
Parte dominante da doutrina hoje adota este ecletismo, considerando todos esses diferentes
discursos do por qu punir como vises parciais daquilo o que se identifica como fundamento da pena,
devendo ser contrapostos de forma a gerar uma crtica mais sbria da mesma, atravs de uma
ponderao sem perder a concretude de vista.71 Entre estas teorias eclticas possvel encontrar um
conjunto menor que pretenda cumular apenas aspectos preventivos gerais e especiais, deixando de
fora uma finalidade retributiva. Roxin, autor de um modelo ecltico essencialmente preventivo, mesmo
despreza a crtica idealista da no instrumentalizao do homem como incompatvel com qualquer
sistema que se pretenda ser sancionador.72
Figueiredo Dias, seguindo esse modelo, atribui a preveno geral uma funo limitadora da
moldura penal enquanto uma ideia positiva de socializao ou excepcionalmente negativa de
segurana a integraro.73 Mir Puig, ao traar um panorama do caso espanhol74, segue a mesma
orientao de que a preveno especial em sua interao com a preveno geral no poder subsistir
69 BARATTA, Alessandro. Criminologia Crtica e Crtica do Direito Penal. Editora Revan. p. 168. 70 Ainda que o Cdigo Penal alemo, ao dispor da fixao da pena, o faz no sentido em que
deben considerarse las consecuencias que son de esperar de la pena para la vida futura del autor en la sociedade sem fazer juzo dessas consequncias.
71 STRATENWERTH, Gnther. Derecho Penal Parte General I El Hecho Punible. Thomson Civitas. P. 40-41.
72 ROXIN, Claus. Derecho Penal. Parte General. Thomson Civitas. p. 102-13. 73 FIGUEIREDO DIAS, Jorge de. Direito Penal Parte Geral. Tomo I. Editora Coimbra. p. 84. 74 No qual a prpria constituio prev que las penas privativas de libertad y las medidas de
seguridad estarn orientadas hacia la reeducacin y reinsercin social y no podrn consistir en trabajos forzados. El condenado a pena de prisin que estuviere cumpliendo la misma gozar de los derechos fundamentales de este Captulo, a excepcin de los que se vean expresamente limitados por el contenido del fallo condenatorio, el sentido de la pena y la ley penitenciaria. En todo caso, tendr derecho a un trabajo remunerado y a los beneficios correspondientes de la Seguridad Social, as como al acceso a la cultura y al desarrollo integral de su personalidad.
em um primeiro momento de cominao legal, devendo excepcionalmente na fase judicial intervir sob
uma ideia de proporcionalidade, protagonizando na execuo o seu verdadeiro papel.75
Em suma, e aqui remetendo as atuais posturas elencadas por Garcia-Pablos de Molina, a maior
parte das teorias que elencam a preveno especial atravs da ressocializao como funo da pena
fazem de forma a se reconhecer sua implicao em ltimo grau na execuo da pena, como uma
execuo humanitria, ciente de seus aspectos negativos, pretendendo parcialmente mitiga-los.76
Como pode ser vista, tal formulao abarca, inclusive, a grande maioria das teorias eclticas ou mistas
que incluem em sua fundamentao a preveno especial, uma vez que esta, para seus autores, no
cumpre um papel de protagonismo na moldura penal, tornando o conflito colocado no incio meramente
terminolgico. De toda a forma, as crticas quanto a impreciso do contedo desses programas
ressocializadores e o evidente contrassenso quanto a necessidade de imputar um programa de efeitos
comprovadamente antagnicos esta funo manifesta permanecem.
Contudo, as outras posturas colocadas pelo jurista todavia no representam uma alternativa,
uma vez que um programa ressocializador mximo, ressuscitando os valores de um determinado grupo
hegemnico, implicaria o retorno a uma ideia de utilidade social que pretende simplificar o homem e
seus arranjos sociais; tambm, uma postura antirretribucionista, vivamente presente nas teorias da
preveno, por si s no uma postura que resulte uma alternativa, mas sim uma bandeira encontrada
entre todos aqueles que pretendem refutar as teorias absolutas, sobretudo de maneira tautolgica77;
por ltimo, os setores crticos da pena, entre abolicionistas e agnsticos compartilham de muitas das
crticas aqui feitas, porm, sendo a pena uma vedao a autotutela por parte do particular ou, em ltimo
caso, uma total apropriao do conflito, por mais necessrio que seja pensar no rendimento de um
Direito Penal como ultima ratio para a grande maioria desses pragmas78, a realidade prisional vigente
no nos deixa de formular questes de curto alcance.
Por fim, o contedo desse programa ressocializador79, a partir das crticas feitas aos programas
mximos moralizantes, hoje no pode deixar de reconhecer a multiplicidade de desgnios lcitos de
vida, muitos deles bastantes distantes daqueles oriundos de uma concepo segmentria dominante.
Dessa forma, uma poltica penitenciria guardar relao com as demais polticas sociais que tenham
como objetivo a emancipao do homem, que seja o seu prprio vir-a-ser e no um produto desejado
pelo resto da sociedade ou mesmo pelo prprio Estado.
75 MIR PUIG, Santiago. Derecho Penal. Parte General. Editorial Reppertor. p. 98-99. 76 GARCIA-PABLOS DE MOLINA, Antonio. Supuesta Funcin Resocializadora del Derecho
Penal. p. 696-697. 77 A crtica da qual a pena no pode no ter uma funo porque ela tem, sem entrar no mrito
do que fundamenta a prpria punio para seus defensores. 78 Ainda mais considerando a atual realidade penal, distante de um Direito Penal nuclear, onde
a ideia de uma funo homognea da pena encontrava um sentido maior. 79 E aqui, ainda que indesejvel, gostaria de invocar uma ideia de programa temporrio
prximo quela de Ren Descartes de moral temporria em seu Discurso sobre o Mtodo.
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