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O processo de treino em Voleibol de alto nível – relatório de atividade de treinador da equipa sénior masculina do Leixões Sport Club Relatório Profissional apresentado à Faculdade de Desporto da Universidade do Porto, no âmbito do 2º Ciclo de Estudos conducente ao grau de Mestre em Desporto de Alto Rendimento, ao abrigo do Decreto - Lei 74/2006, de 24 de março. Orientadora: Prof.ª Doutora Isabel Mesquita Autor: Mário Artur Martins Fernandes Porto, junho de 2013

O Processo de Treino Em Voleibol de Alto Nivel

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voleibol

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  • O processo de treino em Voleibol de alto nvel relatrio de atividade de

    treinador da equipa snior masculina do Leixes Sport Club

    Relatrio Profissional apresentado

    Faculdade de Desporto da Universidade

    do Porto, no mbito do 2 Ciclo de

    Estudos conducente ao grau de Mestre

    em Desporto de Alto Rendimento, ao

    abrigo do Decreto-Lei 74/2006, de 24

    de maro.

    Orientadora: Prof. Doutora Isabel Mesquita

    Autor: Mrio Artur Martins Fernandes

    Porto, junho de 2013

  • II

    Ficha de catalogao

    Martins, M. (2013). Treino de Alto Rendimento, Voleibol. A preparao do

    processo de treino da equipa snior masculina de Voleibol do Leixes Sport

    Club. Porto: M. Martins. Relatrio Profissional com vista obteno do grau de

    Mestre de Desporto de Alto Rendimento apresentado Faculdade de Desporto

    da Universidade do Porto.

    PALAVRAS-CHAVE: VOLEIBOL, DESPORTO DE ALTO RENDIMENTO, TREINO, EXERCCIO.

  • III

    NDICE GERAL

    ndice de Quadros e Figuras . V

    ndice de Anexos . VI

    Introduo/Estrutura do Relatrio.. 1

    1. O treinador 5

    1.1. O meu percurso .............. 7

    1.2. Enquadramento da minha prtica profissional ... 12

    1.3. Treinador de Alto rendimento .... 20

    1.4. A formao para se ser treinador de alto rendimento ... 24

    2. Estruturao do processo de treino .. 27

    2.1. O Modelo de Jogo ....... 29

    2.2. Planeamento .......................... 31

    2.3. A Unidade de Treino e o exerccio como centro do processo ... 32

    2.3.1. O Treino: ingredientes para uma boa prtica . 34

    2.3.2. Elaborao das sesses de treino ..... 36

    2.3.3. Treino integrado/global . 37

    2.3.4. O treino decisional .... 40

    2.3.5. A criatividade e a inovao no treino e no exerccio ... 41

    2.3.6. A unidade de treino no Momento da poca desportiva .. 43

    2.3.6.1. Preocupaes especficas na construo do

    treino/exerccio no Perodo Inicial/preparatrio....... 44

    2.3.6.2. Preocupaes especficas na construo do

    treino/exerccio no Perodo Pr Competitivo........... 48

    2.3.6.3. Preocupaes especficas na construo do treino/exerccio no Perodo Competitivo..............

    53

  • IV

    2.3.6.4. Preocupaes especficas na construo do treino/exerccio no perodo de Play-off .

    56

    2.4. Treino fsico .. 58

    2.4.1. Circuito Funcional ..... 60

    2.4.2. Circuito de preveno/propriocetivo .................... 60

    2.4.3. Circuito de fora perodo competitivo . 60

    2.5. Microciclo semanal no Perodo competitivo um exemplo .. 61

    2.6. Exemplo de Unidades de treino de uma semana em Perodo Competitivo ...

    65

    2.7. Avaliao/ Scouting de um adversrio . 74

    2.8. O dia do jogo .... 78

    3. Consideraes Finais . 79

    4. Bibliografia 85

    5. Anexos .. VII

  • V

    ndice de Quadros e Figuras

    Quadro 1: Principais ttulos da seco de Voleibol do Leixes SC 13

    Quadro 2: Estrutura de competncias do treinador definidas com base nas atividades desenvolvidas e nas tarefas necessrias ao desempenho

    26

    Quadro 3: Microciclo semanal no perodo competitivo - um exemplo ... 62

    Figura 1 : Organizao geral do departamento de Voleibol 17

    Figura 2: Funes primordiais do treinador ... 21

    Figura 3: Exemplo de exerccio no Perodo Preparatrio/Inicial .... 47

    Figura 4: Exemplo de exerccio no Perodo Pr-competitivo .. ... 51

    Figura 5: Exemplo de exerccio no Perodo Competitivo .. ..... 55

    Figura 6: Exemplo de exerccio no Perodo de Play-offs .. ..... 58

    Figura 7: Ficha de observao do adversrio/Scouting ... 75

  • VI

    ndice de Anexos

    Anexo I: Planeamento fsico .......... IX

    Anexo II: Microciclo ......... XIII

    Anexo III: Plano Semanal XVII

    Anexo IV: Plano de Treino ............. XXI

    Anexo V: Ficha de Jogo ......... XXV

    Anexo VI: Ficha de Scouting ......... XXIX

  • 1. Introduo/Estrutura do Relatrio

  • 3

    O presente relatrio consiste no Relatrio Profissional apresentado Faculdade

    de Desporto da Universidade do Porto, no mbito do 2 Ciclo de Estudos conducente ao

    grau de Mestre em Desporto de Alto Rendimento. A sua elaborao levou-me a uma

    viagem ao meu percurso profissional enquanto Treinador de Voleibol, viagem essa que

    conta j com vinte e um anos ininterruptos e sempre ao servio do clube que me formou

    enquanto atleta e que me ajudou a crescer e a desenvolver valores humanos, o Leixes

    SC.

    Com este documento pretendemos transmitir a experincia enquanto treinador

    de Voleibol de 1 diviso, funo desempenhada durante doze anos no Leixes SC.

    Sendo adeptos incondicionais do treino, do treino pensado, organizado, planeado,

    estruturado, e acreditando que s assim se conseguem resultados com consistncia e

    que perdurem no tempo, o relatrio foca-se nas tarefas do Treinador, no seu trabalho,

    na sua importncia no processo desportivo e competitivo e acima de tudo na forma

    como ele (neste caso ns) constri todo o processo de treino, como pensa e constri o

    exerccio e qual a importncia do mesmo no sucesso desportivo do atleta e da equipa.

    Desta forma dividimos o relatrio em dois grandes itens. O primeiro, intitulado O

    Treinador, onde abordamos o Meu percurso enquanto treinador, a forma como fui

    crescendo e evoluindo ao longo dos anos e as experincias mais marcantes deste

    fabuloso trajeto; aborda ainda o meu enquadramento profissional no mbito do treino de

    alto rendimento, viajando um pouco pela caraterizao do Treinador de Alto

    Rendimento, as suas competncias e formao (cada vez mais exigente luz das

    novas diretrizes patentes no Programa Nacional de Formao de Treinadores). O

    segundo item, intitulado A estruturao do processo de treino, divide-se pela

    caraterizao e escolha do Modelo de Jogo e a influncia da cultura do clube no

    desenvolvimento do mesmo; o Planeamento, a definio do microciclo em funo de

    cada momento da poca e das necessidades individuais e coletivas e a passagem para

    o treino e o exerccio so os passos seguintes deste item, que procura ser o espelho do

    nosso dia-a-dia no treino, das nossas preocupaes, crenas, dvidas, certezas e

    emoes. Aborda todo o processo de treino da forma como ns o preconizamos e como

    o temos vindo a desenvolver, focando-nos nas questes do treino integrado (com

    preocupaes fsicas, tcnicas, tticas, emocionais e decisionais), na forma como o

    preparamos, como criamos o exerccio em funo do momento da poca, do dia da

    semana, do adversrio que temos, das necessidades e funes do atleta! A importncia

  • 4

    que damos ao processo de treino de facto muito grande, pelo que dedicamos grande

    parte do nosso tempo explorao deste tema. Acreditamos que aqui que a funo

    do treinador mais se evidencia, sendo o local de eleio para mostrar as suas

    competncias tcnicas, tticas e de liderana, sendo o ponto de partida para

    conquistar o atleta, a sua ateno, predisposio e levar a acreditar no processo de

    treino e no sucesso do trabalho que desenvolve diariamente.

    A terminar deixamos algumas consideraes gerais sobre o relatrio e esta

    longo caminhada, deixando algumas reflexes sobre o passado, o presente e o futuro

    da nossa modalidade e do nosso processo de treino.

  • Captulo 1. O Treinador

  • 7

    1.1. O meu percurso

    Como muitos outros jovens, a prtica desportiva sempre foi uma paixo; a

    disciplina de Educao Fsica a favorita, os jogos de futebol com os amigos uma

    rotina, a corda da roupa a fazer de rede de voleibol uma conhecida estratgia!

    Enfim, o tradicional mido irrequieto e extremamente ativo! Durante toda a minha

    infncia, as muitas brincadeiras e jogos de rua na minha terra natal, Vila Real, onde

    o trnsito era uma miragem, at prtica do desporto federado com nove anos

    (pratiquei futebol no histrico guias da Areosa) foi um avolumar de experincias

    motoras no guiadas mas simultaneamente enriquecedoras. Aos 11 anos, a

    entrada no mundo do Voleibol, para iniciar aquilo que nunca imaginava, uma

    viagem sem retorno! Recordo-me que pelos meus dez, onze anos, passava parte

    das minhas frias de Vero na praia, com mltiplas brincadeiras na areia, sendo

    que uma delas sempre me atraiu, o famoso bate bola de voleibol. Para ajudar, um

    dos meus companheiros de praia, meu tio, era treinador de voleibol. Aps um

    desses veres, e morando eu prximo do ento Estdio das Antas, esse tio foi

    convidado para treinar os escales jovens do Futebol Clube do Porto, surgindo

    assim a possibilidade de juntar o til ao agradvel, ou seja, praticar uma

    modalidade que gostava e ainda por cima no meu clube! Aps os normais anos de

    formao enquanto atleta dos escales Iniciado, Juvenil e Jnior (sendo a maior

    parte deles j ao servio do Leixes Sport Club fruto da alterao de residncia

    para Matosinhos) cumpre-se o desejo de entrar na Faculdade de Cincias do

    Desporto e Educao Fsica, FCDEF, na Universidade do Porto. Durante os anos

    do curso mantive a prtica desportiva no Leixes Sport Club, onde iniciei a minha

    atividade como treinador, sendo adjunto na equipa de juvenis, em 1993. Aqui tive a

    felicidade de comear a trabalhar com algum que me marcou positiva e

    definitivamente no meu trajeto desportivo e humano, o meu grande amigo Professor

    Carlos Maia. Um referencial de competncia, dedicao, organizao, e vontade de

    vencer, associado a caractersticas humanas que muito aprecio, uma enorme

    humildade e companheirismo. Rapidamente o Carlos me passou muito da sua

    experincia, formao e princpios, ensinando-me os primeiros passos (e talvez os

    mais decisivos) desta carreira. Recordo-me que continuava a gostar de jogar e

    tinha muitas dvidas se queria seguir a carreira de treinador, mas por insistncia do

  • 8

    Carlos associado motivao dos primeiros sucessos que juntos obtivemos

    (Campees Regionais e Nacionais associado a presenas constantes dos nossos

    atletas nas selees nacionais jovens) aqui cheguei! Aps alguns anos como seu

    adjunto, sempre nas camadas jovens do Leixes SC, e com a mudana de clube

    por parte do Carlos, surge a possibilidade de ser treinador principal de uma equipa

    da formao do LSC, e aqui o clique que faltava: continuar a jogar ou assumir de

    vez a carreira de treinador? A escolha acabou por ser mais fcil do que inicialmente

    podia pensar! No querer desiludir quem em mim apostou, o desafio de saber se

    seria capaz, o estmulo de querer repetir as alegrias dos bons resultados, de querer

    evoluir nas dinmicas criadas no treino, a sede de aplicar os primeiros

    ensinamentos acadmicos associados ao facto de no ter grandes expectativas

    enquanto atleta, abriram uma perspetiva de futuro mais motivadora enquanto

    treinador do que como atleta. A deciso estava tomada!

    Enquanto aluno da opo de Voleibol na FCDEF, e inserido na disciplina de

    quarto ano Centro de Treino opo de rendimento, no ano letivo noventa e

    quatro/noventa e cinco fui um dos treinadores responsveis pelo Centro de

    Formao de Jovens Praticantes da Federao Portuguesa de Voleibol. Todo o

    processo foi orientado pela Professora Isabel Mesquita, docente da disciplina. Esta

    experincia foi desportivamente das mais valiosas onde estive inserido; um ano de

    grande upgrade tcnico, onde todo o trabalho assentava no desenvolvimento

    tcnico de base, dividido em trs grandes blocos, a saber: Bloco I:

    servio/receo/passe; bloco II: passe/ataque/bloco e bloco III, ataque/bloco e

    defesa. A metodologia de treino desportivo aliada a um acompanhamento dirio de

    grande rigor cientfico pela mo da coordenadora do projeto fizeram desta poca

    uma decisiva base para o meu futuro enquanto treinador. Aqui surge a minha

    grande referncia cientfica, acadmica e pedaggica, onde aprendi a importncia

    de ser rigoroso, organizado e extremamente metdico na procura das melhores

    solues de trabalho e de progresso. Este ano letivo/poca possibilitou-me a

    aplicao de vastos conhecimentos acadmicos ao nvel da Pedagogia e da Teoria

    e Metodologia do Treino, ao mesmo tempo que me obrigou a refletir e a criar

    estratgias que possibilitassem a evoluo positiva de um grupo alargado de

    atletas, vindos dos mais variados clubes, trs vezes por semana. As primeiras

    inseguranas apareceram: ser que estou a fazer o exerccio certo, estarei a

  • 9

    corrigir corretamente, isto que se pretende, serei um bom lder do processo;

    sem grande dificuldade estas inseguranas foram rapidamente ultrapassadas,

    graas presena constante, confiana e ajuda da professora, associado a alguma

    pouca experincia enquanto treinador de clube e tambm ao facto de ser atleta da

    modalidade. Julgo que estas inseguranas sero as primeiras grandes dificuldades

    dos jovens treinadores, pelo que s me posso considerar um felizardo pelas ajudas

    das duas grandes referncias com que me iniciei na minha ainda jovem carreira.

    Daqui para a frente, um trajeto fantstico nas equipas de formao do LSC,

    escola de reconhecido sucesso no panorama voleibolstico portugus, que me

    possibilitou trabalhar com alguns dos melhores atletas e treinadores (ao mesmo

    tempo que me trazia grandes desafios), evoluir enquanto treinador, experimentar o

    sabor doce das grandes vitrias e o amargo das grandes derrotas. As grandes

    lies do desporto s a derrota ensina, Resende (2006).

    O salto

    Daqui at equipa snior do clube foi um salto muito rpido, talvez

    demasiado rpido, onde julgo que entrei demasiadamente jovem, muito fruto das

    necessidades do clube. Numa poca de grandes dificuldades era necessrio um

    plantel snior do clube sem grande investimento, assente na prata da casa.

    Facilmente se percebia que o ideal seria um treinador barato, e se possvel da

    casa, que conhecesse as necessidades e dificuldades do clube, a sua cultura, e

    com esprito de misso! Recordo-me ainda hoje da reunio no velhinho Pavilho

    Siza Vieira com uma das figuras mais emblemticas do clube e da modalidade em

    Portugal, o Sr. Antnio Rijo. Com a sua voz rouca chamou-me e disse-me, Mrio,

    vou assumir o comando da equipa snior e quero que sejas meu adjunto. Temos

    poucas capacidades financeiras, o objetivo a manuteno e, como sabes, devido

    minha vida profissional vou ter pouca disponibilidade para estar sempre presente,

    pelo que tens que me ajudar e ao clube para ultrapassarmos esta fase! Vais ser tu

    a orientar todo o processo! Comecei logo por perceber que a resposta positiva ao

    convite estava implcita no mesmo! Fui para casa assimilar e tentar perceber o que

    se estava a passar, e de facto as perspetivas e o enquadramento financeiro e

  • 10

    desportivo do clube no eram os melhores. Recordo-me dos medos que tinha em

    assumir tal liderana, no s pela minha inexperincia como principalmente por

    muitos dos atletas terem sido meus companheiros de equipa e meus amigos do

    dia-a-dia. Pensei ento o que tenho que fazer para me defender, para defender a

    minha posio enquanto treinador deles e conquistar o seu respeito? O que fazer

    para evitar os conflitos na gesto do processo de treino e de competio?. O que

    fazer para que este salto na minha carreira no acabe numa queda com leses?

    Aps muitos cenrios surgiu uma soluo; telefonei ao Sr. Antnio Rijo e a nica

    exigncia (quem era eu para exigir alguma coisa e ainda para mais a uma

    referncia histrica do voleibol do clube e do pas) que fiz foi que ele teria que

    estar, no mnimo, em dois treinos da semana e seria ele a escolher o seis base

    para o jogo bem como a responsabilidade de orientao da equipa. Obviamente

    que tal implicava ser dele a comunicao aos atletas sobre as opes. Todas as

    decises tomadas eram conversadas entre os dois, a preparao da equipa era

    feita por mim (com toda a motivao e entusiasmo) mas quem as assumia seria

    sempre o treinador principal. Como se percebe, para mim sobrava apenas a

    preparao, orientao e avaliao do treino, sendo que quem assumia todas e

    quaisquer consequncias desportivas bem como as questes mais complexas da

    relao com os atletas e gesto de personalidades seria sempre o treinador

    principal. E assim consegui uma estratgia que me permitia pensar muito mais no

    treino e na sua conduo, sem necessidade de ter que gerir algo em que no me

    sentia ainda preparado, como os normais conflitos treinador/atleta sobre as opes

    tomadas e a complexidade das relaes humanas. Assim consegui dois objetivos:

    evitar conflitos que me poderiam trazer prejuzos nas amizades extra-voleibol (algo

    que sempre prezei) e centrar-me apenas na rea de performance desportiva da

    equipa. Desta forma comecei este percurso no nosso Alto Nvel! Da para c a

    evoluo foi normal, a segurana em todo o processo foi crescendo, e aps

    algumas pocas como adjunto (sendo a ltima com o Professor Carlos Maia)

    assumi a posio de treinador principal que continua at hoje. Sem dvida alguma

    sinto que as dificuldades destes primeiros anos me obrigaram a grandes reflexes,

    preparando-me para hoje ser um melhor treinador, melhor preparado, mais

    completo e acima de tudo mais seguro. As primeiras grandes dvidas e

    inseguranas foram diminuindo, a firmeza e segurana em passar a mensagem

  • 11

    foram evoluindo. Atualmente ainda tenho muitas dvidas mas provavelmente mais

    segurana e, acima de tudo, melhor capacidade em fazer perceber a mensagem e

    qual o rumo para atingir o objetivo, bem como ultrapassar obstculos que surgem

    no processo.

    Paralelamente a este trabalho na equipa snior estive durante alguns anos

    como Coordenador Tcnico da formao do clube, rea que me traz especial

    sensibilidade (da uma ps-graduao nesta rea) pois o trabalho com os jovens, a

    sua evoluo e o prazer de os ver representar as principais equipas e selees

    sempre me motivou. Tem sido um trajeto traado com empenho, dedicao e acima

    de tudo um grande amor profisso, ao treino, ao voleibol e ao clube que sempre

    representei como treinador. Tenho tentado ser o agente de mudana que se pede a

    quem ensina.

    Pelo meio ficam alguns, no muitos, sucessos desportivos como a presena

    numa final da supertaa em 1999/2000, a presena na final da Taa de Portugal em

    2002 e consequente apuramento direto para a competio europeia Top Teams Cup

    (que o clube prescindiu por incapacidade financeira), uma meia final de Play-off em

    2008/2009, a conquista da manuteno em 2009/2010 com uma equipa composta

    praticamente por atletas da formao e, acima de tudo, os objetivos de clube

    sempre atingidos poca aps poca. Na formao ficam alguns campeonatos

    regionais e nacionais juvenis e juniores e acima de tudo a evoluo dos nossos

    atletas (que permitiu que muitos deles representassem o clube nas selees

    nacionais, o que sempre considerei motivo de orgulho e de reconhecimento pelo

    trabalho desenvolvido por eles no clube) e as amizades criadas. No esqueo

    tambm as muitas derrotas, umas mais sofridas que outras, que me fizeram refletir,

    reestruturar e planear o trabalho, evoluindo assim no plano desportivo, profissional

    e humano. Graas ao meu clube passei de um jovem e desconhecido treinador a

    treinador de uma equipa do Alto Rendimento, com trabalho e mrito reconhecido na

    modalidade a nvel nacional. Por tudo o que proporcionou e continua a

    proporcionar, Obrigado Leixes!

    Aproveito tambm para destacar uma passagem pela seleo nacional

    snior enquanto adjunto de um dos melhores treinadores do mundo, Juan Diaz,

    onde tive o privilgio de realizar uma Liga Mundial e experimentar um novo

    contexto desportivo e uma vivncia tcnica ao lado de um treinador de nvel

  • 12

    mundial. Entre as muitas qualidades tcnicas que lhe so reconhecidas destaque

    para as suas qualidades humanas expressas numa grande humildade,

    solidariedade e respeito por todos que com ele trabalham.

    1.2. Enquadramento da minha prtica profissional

    A seco de Voleibol do Leixes SC surge em plena poca balnear de 1945

    na Praia de Banhos de Matosinhos, por iniciativa de um grupo de rapazes. Orlando

    Ramos e Henrique Moreira so dois dos principais responsveis pela criao da

    seco no Leixes Sport Clube. A 4 de setembro arranca oficialmente o Voleibol do

    Leixes Sport Clube, com a participao no Campeonato Popular. Inicialmente os

    jogos disputavam-se ao ar livre no conhecido Campo do Santana, passando mais

    tarde para o mtico pavilho Siza Vieira (Galego, 2009). Atualmente o clube utiliza

    uma instalao municipal, moderna e com todas as condies exigveis ao alto

    nvel, o Pavilho Ildio Ramos, nome atribudo em homenagem a um dos mais

    importantes atletas e treinadores do clube e filho de um dos fundadores da seco,

    Sr. Orlando Ramos. Em fevereiro de 1947 o Leixes Sport Clube fez a sua filiao

    na Associao de Voleibol do Porto (AVP), sendo Orlando Ramos eleito Presidente

    do Conselho Fiscal. Em 1962 conquista o primeiro ttulo nacional da sua histria, na

    2 diviso. A 2 de agosto de 1964 sagra-se Campeo Nacional da 1 diviso ao

    bater o Lisboa Ginsio por 3-1. A 6 de dezembro do mesmo ano, participa pela

    primeira vez em competies europeias, mais concretamente na Taa dos

    Campees Europeus, tendo batido em Barcelos o Clube Desportivo Hispano-

    Francs por 3-2(Galego, 2009).

    Daqui e at aos nossos dias a seco de Voleibol conquistou inmeros

    ttulos regionais e nacionais, tanto nos escales de formao como a nvel snior,

    cedendo regularmente atletas da sua formao s diferentes selees nacionais,

    fazendo do clube uma referncia no panorama nacional. Destaque tambm para os

    inmeros tcnicos do clube que tiveram a sua formao enquanto atletas no

    Leixes SC, sendo tambm neste ponto um clube formador e de grande

    enriquecimento para a modalidade. No quadro 1 podemos ver o destacado

    palmars da seco. So 48 ttulos nacionais na formao, 26 ttulos nacionais no

  • 13

    escalo snior, 14 Taas de Portugal e 3 Supertaas, num total de 76 ttulos em 64

    anos de existncia so uma demonstrao do que este clube representa no

    panorama desportivo e voleibolstico do pas!

    Quadro 1: Principais ttulos da seco de Voleibol do Leixes SC

    N de ttulos nacionais

    Escalo

    Masculino

    Feminino

    Snior

    9

    17

    Jnior 9

    4

    Juvenil

    9

    4

    Iniciado

    1

    6

    Infantil

    1

    0

    Taas de Portugal

    6

    8

    Supertaas

    1

    2

    Total de Trofus

    35

    41

    A sede do clube situa-se no corao de Matosinhos, cidade piscatria no Norte

    do pas e beira-mar plantada. Os adeptos, scios e simpatizantes do clube

    sempre demonstraram grande afinidade pelo clube, pelas suas modalidades, em

    especial pelo futebol e voleibol, sendo a sua presena uma constante, mantendo as

    bancadas do pavilho praticamente repletas. Destaque para a claque do clube

    (Mfia Vermelha) que acompanha e apoia ruidosamente e com enorme paixo a

    modalidade e todo o clube. O Leixes SC um daqueles clubes em que os seus

    adeptos (especialmente os mais velhos) so em primeiro lugar leixonenses e s

    depois de um dos ditos clubes grandes. O Leixes de facto motivo de orgulho, de

    sentimento de pertena, de paixo, de referncia para a cidade e que desperta as

    mais variadas emoes. Como refere Stendhal, citado por Margarida Gano (2011),

    os homens s se compreendem uns aos outros na medida em que os animam as

    mesmas paixes! E paixo o que no falta nos adeptos, atletas e todos os que

    trabalham neste clube!

    Desportivamente um clube com mais de cem anos (surge em 1907), com

    grande destaque no futebol, natao e voleibol, sendo frequentes os ttulos

  • 14

    alcanados, o elevado nmero de praticantes e a presena dos seus atletas nas

    selees nacionais, motivo de orgulho para o clube! frequente, em Matosinhos,

    vermos os jovens de bola na mo (e no p), na praia, na rua, na escola, o que se

    constitui como um fator determinante no desenvolvimento de competncias

    motoras, desportivas e at culturais na formao dos jovens. Julgamos que esta

    ser uma das grandes riquezas do clube e corresponsvel pelo sucesso da nossa

    formao e da cultura desportiva dos nossos praticantes e dos seus pais, pois

    desde muito novos entendem a prtica desportiva como algo inerente e importante

    para a sua formao. O trabalho no clube fica desde logo facilitado, com jovens

    atletas com bom desempenho motor, a que se lhe juntarmos competncia na

    organizao da seco e no processo de treino e competitivo teremos uma boa

    frmula para o sucesso.

    Financeiramente o clube apresenta nos ltimos anos dificuldades financeiras e

    consequentemente estruturais, muito provavelmente devido ao contexto

    socioeconmico em que est inserido, numa cidade que viveu muitas dcadas

    custa do trabalho rduo de pescadores e de todo o setor das pescas. Estas

    dificuldades agravaram-se medida que a indstria conserveira (que muito apoiou

    o clube) foi desaparecendo, sendo hoje apenas uma pequena amostra residual.

    A seco de voleibol no alheia a esta realidade, sendo o desinvestimento

    financeiro cada vez maior (transversal a todas as reas do pas), mas conseguindo

    manter o nvel da sua formao. A grande mais-valia da seco sempre foi a paixo

    e o ambiente positivo e profissional que ns, equipa tcnica, atletas e diretores

    sempre dedicamos causa, associado a uma energia positiva de quem nos

    acompanha, os adeptos, os leixonenses, os pais, familiares e amigos. de facto

    um clube de um meio com forte cultura desportiva e voleibolstica, a que no so

    alheios os mais de cem anos de histria do clube, do meio em que se insere e dos

    sucessos alcanados.

    A constante aposta na formao juntamente com o ambiente vivido desde o

    balnerio at ao treino e ligao com a massa associativa tm sido uma arma

    determinante no sucesso das consecutivas pocas. Na leitura do livro Sucesso

    segundo Nlson vora. Exemplos de um campeo que pode seguir no dia a dia,

    aprendi algo sobre a cultura Bahis que se aplica bem ao nosso dia-a-dia neste

    clube. Os Bahs atribuem grande importncia educao moral e espiritual de

  • 15

    crianas e jovens e revelam quatro facetas humanas que distinguem de forma

    positiva as pessoas: entusiasmo e coragem; rosto adornado com um sorriso e

    semblante radiante; ver as coisas com os seus prprios olhos e no atravs dos

    olhos dos outros; capacidade de levar uma tarefa, uma vez iniciada, at ao fim.

    Ao ler este livro e em especfico esta abordagem aos Bahis estava a rever-me no

    trabalho dirio com os atletas, pois perante tantas dificuldades estruturais,

    oramentais, competitivas etc. S mesmo um grupo de trabalho entusiasmado e

    corajoso, com uma alegria contagiante e motivante e completamente focados na

    tarefa e no objetivo de a levar at ao fim conseguia ultrapassar as adversidades

    semana aps semana, jogo aps jogo, poca aps poca e sempre a trabalhar no

    limite da dedicao para atingirmos os objetivos definidos, que felizmente sempre

    foram alcanados pelos nossos grupo de trabalho.

    Olhando para trs percebemos que as dificuldades e debilidades do clube se

    tornaram num fator positivo, tendo-nos conduzido criao de estratgias para as

    resolver ou minimizar. Neste contexto sempre nos sentimos uns privilegiados pois

    fomos estimulados a desenvolver novas competncias, estratgias e

    conhecimentos para conseguirmos atingir os objetivos a que nos propusemos,

    tornando-nos mais completos, mais competentes e melhor preparados.

    Acreditamos que os mais experientes no so os que mais tempo viveram mas sim

    os que mais experincias vivenciaram e mais dificuldades enfrentaram, e nesse

    captulo o clube proporcionou-nos muita experincia!

    A seco de Voleibol sempre foi financeira e administrativamente dependente do

    clube. No entanto, e fruto das necessidades e dificuldades do clube e da prpria

    seco, desde a poca 2012/2013 que a seco de Voleibol se tornou financeira e

    logisticamente independente do clube, criando uma Academia (Academia de

    Voleibol LSC), com uma gesto financeira e logstica autnoma, utilizando apenas

    os direitos de imagem do clube. O momento decisivo desta alterao surge quando

    o clube, fruto das suas constantes dificuldades econmicas em cumprir as suas

    obrigaes fiscais e financeiras (reflexo das sucessivas ms gestes do

    departamento de futebol do clube), se v inibido de receber subsdios e patrocnios,

    o que teve uma implicao direta na sobrevivncia da seco de voleibol. Desta

    forma toda a gesto da seco de voleibol passa para esta academia, liderada por

  • 16

    um diretor com assento no clube, ladeado por um grupo de pais de atletas do

    voleibol e que so os corpos gerentes desta academia. Para o dirio funcionamento

    desportivo os espaos de treino e competio so cedidos pela autarquia Nave

    Ildio Ramos, e conta com 2 campos de treino, um campo de competio, uma sala

    de musculao/treino funcional, um posto mdico e uma sala de reunies. Para

    treinos dos escales de formao o clube dispe ainda do Pavilho Siza Vieira,

    cedendo a autarquia o Pavilho da Escola EB 2, 3 de Matosinhos, diariamente

    entre as 19h00 e as 22h00. Estruturalmente o departamento organiza-se com um

    diretor geral de todo o Voleibol e uma auxiliar administrativa. Cada equipa snior

    (masculina e feminina) tem um diretor desportivo cada, sendo as equipas tcnicas

    compostas por um treinador principal e um adjunto e um fisioterapeuta. Destaque

    aqui para a colaborao dos treinadores da formao junto das equipas seniores,

    tanto ao nvel do treino como na anlise do jogo, sendo uma importante troca de

    conhecimentos e estreitar de metodologias. A formao do clube gerida por um

    grupo de pais de atletas que se organizaram no sentido de formar uma Associao

    (Academia de Voleibol do Leixes SC) que permite gerir toda a formao do

    Voleibol leixonense. Debaixo da coordenao do Diretor Geral toda a estrutura se

    organiza com um diretor responsvel pela logstica de cada equipa e pela ligao

    com a referida Associao. Do ponto de vista tcnico existe um Coordenador para

    todo o voleibol; o treinador da equipa jnior feminina apoia mais diretamente os

    escales femininos e faz a ligao com o Coordenador Geral; o Coordenador Geral

    apoia diretamente a formao masculina; no Minivoleibol um dos treinadores

    diretamente responsvel pela coordenao deste escalo, reportando tambm ao

    Coordenador Geral. A estrutura geral apresentada na Figura 1.

    No que concerne ao nosso trabalho com a equipa snior, o Departamento

    organizou-se ao longo dos anos com um Diretor Geral, responsvel pela macro-

    organizao do departamento, mas com responsabilidades partilhadas. Como

    principais responsabilidades destaca-se a definio do oramento da equipa, a

    contratao dos atletas (em conjunto com o diretor da equipa e o treinador

    principal), a gesto financeira (elaborao e cumprimento do oramento,

    angariao de patrocnios, representao institucional, ligao Federao

    Portuguesa de Voleibol). A Secretaria tem como principais responsabilidades a

  • 17

    gesto logstica do departamento, nomeadamente as inscries da equipa e dos

    seus atletas e corpo tcnico, divulgao de informao diversa (redes sociais,

    cartazes de divulgao dos jogos, etc.), marcao/organizao dos jogos (espaos,

    horrios, viagens, refeies, transportes, etc.) e toda a rea administrativa

    relacionada com a equipa. O diretor da equipa tem como principais

    Figura 1 - Organizao geral do departamento de Voleibol

    responsabilidades a ligao com a direo (diretor e secretaria), organizao dos

    jogos (cumprimento do protocolo, nomeadamente apanha-bolas, speaker,

    responsabilidades com a equipa de arbitragem, boletim de jogo, refeies,

    transportes), necessidades dirias gua, bolas, materiais, alojamento e refeies

    dos atletas deslocados, e toda a logstica diversa. Quanto equipa tcnica,

    constituda por dois treinadores e um fisioterapeuta. Obviamente que as principais

    responsabilidades dos treinadores so a programao e planificao de todo o

    trabalho tcnico e fsico, a definio de objetivos, a liderana e conduo do

    Diretor Geral

    Secretaria

    Departamento snior

    Equipas Masculinas

    Equipa tcnica: Treinador

    Treinador Adjunto Fisioterapeuta

    Diretor

    Departamento formao Associao Academia Voleibol do LSC

    Coordenador Tcnico Geral

    Por equipa: Diretor

    Treinador Treinador Adjunto

    Mini-Voleibol - Minis A e B:

    Diretor Treinador

    Treinador Adjunto

    Coordenador Tcnico

    Feminino Coordenador tcnico do Mini-Voleibol

    Por equipa: Diretor

    Treinador Treinador Adjunto

    Equipas Femininas

    Departamento Mdico

    Marketing e Ev

    entos

    Departamento Finance

    iro

    Atletas

  • 18

    processo desportivo e consequente avaliao, O fisioterapeuta, em articulao com

    o departamento mdico e tcnico, tem como funes bvias a preveno do

    aparecimento de leses e o tratamento das mesmas, tendo uma presena ativa no

    trabalho de campo, com o objetivo de definir/aplicar programas de preveno e

    reforo muscular, definindo exerccios propriocetivos para o atleta, e avaliar a

    evoluo na recuperao de leses, ao mesmo tempo que participa na recuperao

    ativa dos mesmos em conjunto com o treinador. Enquanto equipa tcnica sempre

    tivemos a preocupao de articular as competncias de cada um e rentabilizar os

    seus conhecimentos em prol do crescimento coletivo. O envolvimento do

    fisioterapeuta no trabalho de campo a prova disso mesmo. Como diz Katzenback

    e Smith, citado por Gano (2011) uma equipa um pequeno nmero de pessoas

    com aptides complementares, comprometidas com um propsito comum, com

    objetivos de desempenho e formas de trabalhar em conjunto, e pelos quais se

    responsabilizam mutuamente.

    O momento atual

    Aps mais de dez anos frente da equipa snior do Leixes SC, e fruto do

    elevado desinvestimento desportivo (consequncia natural da crise econmica

    nacional), o projeto apresentado para continuar a trabalhar com este escalo foi

    muito pouco motivante. Uma equipa maioritariamente constituda por atletas ainda

    juniores, um plantel de apenas oito/nove jogadores, que em simultneo teriam que

    competir no escalo jnior e snior. Algo pouco organizado, nada competitivo,

    com debilidades financeiras, logsticas, desportivas e sem objetivos ambiciosos!

    Entendi que seria o fim de um longo e enriquecedor ciclo e que precisava de

    novos desafios desportivos. Assim, surge a possibilidade de coordenar um projeto

    de formao intitulado Academia de Voleibol do Leixes SC, financeira e

    organizativamente independente do clube, mas com a ligao histrica e cultural

    quase obrigatria. Um projeto com cerca de 300 atletas, dos seis aos dezoito

    anos, divididos pelos diversos escales (Minis A, B, Infantis, Iniciados, cadetes,

    Juvenis e Juniores, de ambos os gneros), com uma equipa de trabalho de

  • 19

    aproximadamente vinte treinadores. Como base deste projeto est a formao de

    atletas que a curto/mdio prazo tenham condies para integrar a equipa snior,

    fazendo com que a base da mesma seja constituda por atletas da nossa

    formao, tornando-se o clube o principal local de recrutamento dos atletas

    seniores e praticamente auto-sustentvel no que diz respeito mo-de-obra

    desportiva (atletas).

    Surge assim um novo desafio, muito ligado s minhas origens, enquadrado

    num novo tempo, novo cenrio e com novas ideias.

    Esta uma excelente oportunidade de trabalhar com treinadores jovens e de

    lhes passar alguns dos meus conhecimentos e experincia (o mesmo que fizeram

    comigo no meu processo de formao), ao mesmo tempo que me poderia

    enriquecer com a troca de conhecimentos e novidades que os mais jovens

    sempre carregam na sua bagagem acadmica. Uma das primeiras medidas

    implementadas foi criar um corpo tcnico que se identificasse com o clube

    (treinadores que foram nossos praticantes), com a sua histria e cultura, com

    formao acadmica, tcnica e desportiva na rea, ambicioso e com vontade,

    muita vontade, de treinar.

    Nesta fase a Academia est a crescer e a desenvolver-se, tanto no seu plano

    tcnico, onde estamos a trabalhar para um nvel de treino cada vez mais

    competente, mais comprometido, mais integrado e interligado, como no plano

    desportivo, onde estamos a marcar presena em vrias fases finais, com

    inmeros atletas nas selees nacionais. Paralelamente temos vindo a crescer na

    organizao de eventos (Torneios, festas, encontros de treinadores) e na criao

    de parcerias com as escolas da freguesia com o objetivo de aumentar a nossa

    base de recrutamento de atletas e de promover a modalidade. O nosso objetivo

    claramente crescer quantitativa e qualitativamente, marcar presena nos

    momentos de deciso e de maior presso competitiva finais (acreditamos que

    aqui que os atletas mais crescem) e alimentar as equipas snior com os atletas

    que aqui treinam diariamente. Acreditamos que este o rumo certo!

  • 20

    1.3. Treinador de Alto Rendimento

    Segundo Arajo, 1992, o treinador de alta competio deve relacionar-se de

    modo equilibrado com a realidade em que se integra, pois daquilo que ele

    representa e do que produz em termos scio-desportivos resultam sempre

    evidentes reflexos, no s para o desenvolvimento desportivo em geral como para

    a respetiva modalidade e para a sua profisso. Ser treinador de alta competio

    pressupe uma cultura geral e uma experincia profissional que esto muito para

    alm das aquisies de uma carreira de atleta, por mais destacado que ele tenha

    sido.

    Na mesma linha, e segundo o PNFT, pg. 66, ao treinador de grau III (de

    alta competio) que compete planear o exerccio e avaliar o desempenho de um

    colectivo de profissionais com qualificao igual ou inferior, coordenando,

    supervisionando, integrando e harmonizando as diferentes tarefas associadas ao

    treino e participao competitiva, especialmente de praticantes de alto nvel de

    rendimento. Neste mbito, requer-se para este nvel de formao o domnio de um

    conjunto de competncias profissionais simultaneamente eclticas, em referncia

    pluralidade de domnios onde intervm, e especfica, tendo por referncia o nvel de

    prtica onde preferencialmente atua: o alto rendimento desportivo. Marques (2001)

    complementa esta ideia quando refere que quem quer ter sucesso como treinador

    no desporto de alto rendimento tem que ser dono de um conjunto vasto de recursos

    em conhecimentos e competncias. Numa s frase este autor espelha bem o seu

    ponto de vista quando refere que s com intuio e inspirao no se obtm

    resultados. O PNFT (p.67) refere ainda que a elevada exposio pblica a que

    est sujeito, as prerrogativas de rendimento que lhe so impostas no mbito dos

    quadros competitivos onde participa, a necessidade de ser capaz de liderar,

    catalisar a dinmica de grupo e otimizar climas de participao plural nas equipas

    tcnicas que coordena, so exigncias que requerem do treinador de Grau III uma

    formao fundada em bases slidas, tanto no domnio especifico da modalidade

    como no conhecimento plural e sistemtico oriundo das Cincias do Desporto.

    de facto muito importante o treinador perceber o seu papel, as suas

    responsabilidades, funes e tica, pois s assim poder contribuir para o

    desenvolvimento da modalidade em geral bem como para melhorar o contributo no

  • 21

    desenvolvimento ttico-tcnico dos atletas e os seus resultados individuais e de

    equipa (Yuri Chesnokov, 2011, pp. 26).

    Ao mais alto nvel desportivo, o alto rendimento, o treinador o profissional

    lder de uma equipa responsvel pela preparao e performance do atleta e da

    equipa em geral. O treinador o responsvel mximo pelo resultado.

    Chesnokov (2011) apresenta atravs da Figura 2 as funes primordiais do

    treinador, em diferentes momentos:

    Funes desportivas do treinador

    Determinar: objetivo; resultados intermdios; prazos para alcanar os objetivos

    Escolha do staff

    Seleo dos jogadores

    Plano de preparao

    Processo de treino: ensinar, aperfeioar, conduzir e controlar materiais e equipamentos de treino

    Competio: coordena scouting, estatstica e vdeo; preparao especfica; plano de jogo; coordena a equipa durante o jogo

    Anlise da performance e respetivas correes

    Figura 2: funes primordiais do treinador (Chesnokov, 2011, pp. 26)

    No nosso trabalho explicaremos como desenvolvemos o Processo de Treino e

    competio, uma das principais funes desportivas do treinador, referida na figura

    2.

  • 22

    O reputado treinador japons, Yasutaka Matsudaira (2011, pp. 27), deixa-nos

    algumas dicas para o nosso trabalho enquanto treinadores, das quais destacamos:

    1. Antes de treinar atletas o treinador tem de ter uma doutrina, uma filosofia

    prpria de treinar

    2. Um treinador no deve colocar objetivos e habilidades impossveis de

    atingir

    3. Independentemente da dificuldade da tarefa, quando o objetivo alcanado

    deve ser aplaudido, valorizado

    4. importante adotar um princpio de competitividade para que os atletas

    aprendam e evoluam nas suas prticas

    5. Relativamente aos mtodos de treino importante que o treinador respeite

    os mtodos tradicionais mas ao mesmo tempo consiga criar uma forma

    original e nica de treinar, que no so cpia de ningum. Isto ajudar a que

    o atleta respeite e acredite no treinador.

    Neville (2011, pp. 119) refere que a atitude da equipa comea com o treinador.

    Uma expresso muito curiosa deste autor que uma grande vantagem de um

    treinador a capacidade de olhar para o espelho e ver a mesma pessoa que os

    outros vm! A este respeito, Adolph Rupp, citado pelo mesmo autor, refere que

    ns nunca somos to bons como pensamos nem to maus como julgamos que

    somos O treinador, atravs do seu comportamento, das suas atitudes, define

    como os seus atletas vo acreditar nele, como vo ver as situaes, como o vo

    ver a ele. Se o treinador discute com o rbitro, se reclama com as condies de

    trabalho, de jogo, os atletas vo segui-lo. Se o treinador entusiasta, acredita nele

    prprio, v uma oportunidade de crescimento em diversas direes, a equipa e os

    seus atletas vo segui-lo. Sem dvida que, sendo o treinador a pessoa com mais

    influncia no grupo, que mais lidera, as suas boas prticas, os bons jogos, os bons

    treinos e uma boa programao dependero da atitude exibida pelo treinador.

    Tambm nesta linha de pensamento, Lana, R. (2012) refere que a Atitude do

    Treinador se baseia em seis pontos: escuta ativa (verbal e no verbal, explcito e

    implcito); assertividade: sinceridade e simplicidade (aberto, autntico, partilha

    emoes, feelings e opinies); respeito (pelas suas ideias e do outro); objetividade;

  • 23

    processo construtivo; empatia (identificao das emoes prprias e alheias);

    gesto das emoes (identificar estados, identificar e analisar as causas, controlar

    e expressar).

    Na prtica diria e no ensino dos fundamentos e habilidades muito importante

    que os treinadores se foquem na criao de tarefas que coloquem o atleta prova

    e os guie a descobrir as respostas para os diferentes problemas.

    Segundo Neville (2011, pp. 119), essencial que os treinadores se foquem

    essencialmente naquilo que conseguem controlar, continuando a procurar melhorar

    as suas condies de treino; no entanto muita preocupao sobre o que est

    errado nunca ir valorizar o trabalho positivo que o treinador est a tentar criar.

    ento no treino, na prtica, que se pode abranger todos os elementos de evoluo

    da equipa. uma quantidade de oportunidades para se desenvolver a atitude, os

    padres comportamentais, a cooperao, o comprometimento, a disciplina, a

    condio fsica, as tcnicas e as tticas. Todos estes elementos esto interligados;

    todos estes ingredientes juntos formam aquilo que vulgarmente se chama de

    Equipa.

    Num contexto mais especfico, Woodman (1993) considera que a arte do

    treinador ou a conjugao dos seus saberes e conhecimentos, assenta fortemente

    no conhecimento, experincia, intuio e na sua filosofia pessoal, bem como no

    conhecimento das cincias aplicadas ao desporto. O julgamento pessoal do

    treinador, a opinio, a antecipao, a autoridade e o entusiasmo fazem parte da

    arte do treino, que por sua vez assenta fortemente no conhecimento, intuio e

    filosofia pessoal dos treinadores (Crisfield et al. 1966).

    Crisfield et al. (1966), ao referirem-se aos conhecimentos que os treinadores

    necessitam, indicam que os treinadores eficientes e de sucesso tm uma mente

    aberta e inquiridora acerca do desporto que treinam. As suas qualidades de

    reflexo, combinadas com a vontade de desafiar as vias tradicionais, so

    importantes. No entanto, afirmam que para o exerccio cabal da sua atividade no

    h substituto para ter um conhecimento firme nas especificidades do Desporto em

    causa, nas necessidades especficas dos atletas, nos fatores que influenciam a

    performance e a efetividade do treino.

  • 24

    4. A formao para se ser treinador de alto rendimento

    Para J. E. Kane, psiclogo ingls citado por Arajo (1992), o ato de treinar tem

    de conduzir independncia futura dos atletas, mesmo por absurdo, conseguir que

    estes precisem cada vez menos dos treinadores. Os atletas tm de ser preparados

    para tomar as suas prprias decises, utilizando a sua perceo e anlise das

    situaes e no a dos treinadores. Neste propsito, Mesquita (2009, pp. 5), aborda

    a questo da formao do treinador com grande clarividncia e paixo, referindo

    que treinar deve ser entendido como o processo intencional e deliberado de fazer

    aprender e desenvolver capacidades, ou seja, como um conjunto de aces

    organizadas, dirigidas finalidade especfica de promover intencionalmente a

    aprendizagem, com os meios adequados natureza dessa aprendizagem. Neste

    contexto, o treinador deve ser visto como o profissional que tem a funo especfica

    de conduzir esse processo, o treino desportivo, fazendo-o no quadro de um

    conjunto de saberes prprios, saberes esses que sustentam a capacidade de

    desempenho profissional. As funes do treinador definem-se, assim, com base

    num conjunto de competncias resultantes da mobilizao, produo e uso de

    diversos saberes pertinentes (cientficos, pedaggicos, organizacionais, terico-

    prticos, etc.), organizados e integrados adequadamente, em funo da

    complexidade da aco concreta, a desenvolver em cada situao de prtica

    profissional. Arajo (1992), complementa esta posio abordando a importncia da

    necessidade de o treinador pode ser (ou no) um bom executante, afirmando que

    um bom executante ser sempre um excelente demonstrador das tcnicas, mas

    no garante a capacidade de as ensinar ou a necessria criao de climas de

    trabalho adequadas obteno de cada vez maior rendimento.

    Arajo (1992) vai mais longe ao definir uma metodologia para a formao dos

    treinadores, implicando preocupaes como: aquisio de conhecimentos (saber);

    domnio das tcnicas (saber fazer); transformao positiva e continuada das

    atitudes (saber estar).

    Estas preocupaes aparecem-nos tambm no Programa Nacional de

    Formao de Treinadores (2010) (adiante designado por PNFT). Segundo esse

    mesmo programa, o treinador snior, de alta competio, deve reunir competncias

  • 25

    na rea do planeamento, implementao, reviso e avaliao das sesses de

    treino, bem como demonstrar competncias avanadas de treino. Para sermos

    mais precisos destacamos o quadro 2, retirado desse mesmo programa.

    Segundo o PNFT fica claro que o treinador de alta competio (de grau III), o

    tal Expert, dever dispr j das competncias necessrias resoluo dos mais

    complexos problemas que se deparam na profisso, com especial referncia para

    os suscitados pelo alto nvel. Acima disso ficaro os treinadores de grau IV,

    formados em referncia s exigncias da prtica profissional relativas

    coordenao e direo de equipas tcnicas plurais, inovao, investigao,

    formao profissional e ao empreendedorismo.

    Por curiosidade, no mbito da implementao do novo sistema de formao

    de treinadores destacam-se alguns pontos que se julgam relevantes: um aumento

    da exigncia da carga horria; a obrigatoriedade da formao em exerccio; a

    obrigatoriedade da existncia de estgio tutorado. Estas especificaes encontram-

    se bem definidas no PNFT. Da nossa parte, e enquanto treinadores de alto nvel em

    Portugal durante dez anos consecutivos, no temos dvidas que o desafio impe

    um grande domnio de vrias competncias, sejam tcnicas, tticas, metodolgicas,

    de liderana, entre outras, sendo que, de forma alguma, estaremos sempre

    munidos das solues para os desafios que a tarefa nos coloca. Importante

    estarmos preparados para refletir e ouvir os que nos rodeiam, no sentido de

    encontrar solues para resolver os desafios colocados, tendo por dado adquirido

    que a deciso e as consequncias que da advm sero sempre da

    responsabilidade do treinador, do lder do grupo de trabalho. Este um processo

    sempre em crescimento, que nos vai enriquecendo diariamente e que nunca est

    completo, devendo o treinador estar aberto a escutar opinies, analisar

    comportamentos e emoes, antes de assumir uma posio. Este o pressuposto

    para que estejamos sempre atualizados, preparados para aprender e evoluir. O

    processo de aprendizagem nunca termina, muito menos quando estamos numa

    posio de liderana.

  • 26

    Quadro 2: Estrutura de competncias do treinador definidas com base nas atividades desenvolvidas e nas tarefas necessrias ao desempenho. PNFT (2010 - pp. 30)

    Atividades Tarefas Competncias As principais atividades do

    treinador so: Em cada atividade as principais

    tarefas do treinador so: As competncias necessrias para

    realizar com sucesso as tarefas relacionadas com cada atividade

    so: Ao nvel do treino:

    Preparar desportistas para a competio, atravs do

    planeamento, organizao e

    conduo e avaliao do programa

    e sesses de treino.

    Planear: Tarefa de definir um programa passo a passo para atingir um objetivo num exerccio, numa

    sesso, srie de sesses, poca, ou

    srie de pocas.

    No domnio do conhecimento: Uso da teoria e dos conceitos, bem como do conhecimento informal e tcito ganho com a experincia.

    Ao nvel da competio: Planear, organizar, avaliar e conduzir a participao

    competitiva dos desportistas.

    Organizar: Tarefa de coordenar e diligenciar no sentido de assegurar que o

    objetivos ser atingido de forma eficiente e efetiva.

    No domnio das aptides: Desempenho das funes

    (saber fazer) que uma pessoa deve ser capaz de fazer quando

    desempenha uma actividade numa dada rea de trabalho,

    educao, ou social. Ao nvel da gesto:

    Liderar, dirigir, ou controlar pessoas

    relacionadas com o desporto.

    Conduzir: Tarefa de executar uma tarefa

    planeada e organizada.

    No domnio da tica pessoal e profissional:

    Comportar-se com propriedade numa situao especfica e

    possuir certos valores pessoais e profissionais.

    Ao nvel da educao / formao:

    Ensinar, instruir ou tutorar pessoas

    relacionadas com o desporto.

    Avaliar: Tarefa de estudar, analisar e

    decidir acerca da utilidade, valor e

    significado ou qualidade de todo o processo.

    Genricas / basilares / chave: Comunicao na lngua

    materna, comunicao noutra lngua, competncias bsicas

    em matemtica, cincia e tecnologia, competncia digital, competncia de aprendizagem

    autnoma, competncias cvicas e interpessoais, empreendedorismo

    e expresso cultural.

    Investigar e refletir.

  • Captulo 2. Estruturao do Processo de Treino

  • 29

    2.1. O Modelo de Jogo

    Antes de mais interessa perceber o que o Modelo de Jogo; segundo Frade

    (2003, pp. 97), "o Modelo de Jogo consiste na aquisio de determinadas

    regularidades no "jogar" da equipa atravs da operacionalizao de determinados

    princpios". Para Guilherme, citado por Frade (2003), o Modelo de Jogo so as

    ideias que o treinador tem para transmitir aos jogadores, devendo estar relacionado

    com os jogadores que tem pela frente, com o que entendem do jogo. Segundo o

    mesmo autor, deve tambm estar relacionado com a cultura do clube onde est.

    Imaginemos, com um simples exerccio mental, e reportando-nos ao "nosso"

    voleibol, o treinador do S. C. Espinho (equipa comandada em grupo pelo

    distribuidor Miguel Maia) a tentar implementar um Modelo de Jogo sem

    combinaes de ataque, sem variao constante de opes, com predominncia de

    passes de terceiro tempo, lento e sem dinmicas ofensivas! Facilmente se

    conclui que, por um lado, corramos o risco de deixar de ter adeptos, pois no se

    identificariam com esta forma de jogar (a tal cultura de clube), por outro lado

    estaramos a retirar ao seu distribuidor, Miguel Maia, algumas das suas principais

    caractersticas, como a criatividade e a velocidade (a necessidade de o Modelo de

    Jogo ir de encontro s caractersticas dos jogadores).

    Da mesma forma, e reportando-nos nossa experincia de clube,

    imaginemos que no Leixes S. C. optamos, por exemplo, por no ter atletas da

    formao na equipa principal, recaindo a nossa escolha sobre estrangeiros ou

    jogadores de outros clubes! Os nossos adeptos iriam cobrar-nos isso, pois

    valorizam e foram habituados a ver vrios atletas da formao do clube a jogar pela

    equipa principal, correndo ns o risco de perder uma das maiores foras do clube, o

    apoio dos seus adeptos. Na mesma linha de raciocnio, as caractersticas destes

    atletas (elevada disponibilidade motora e volitiva, elevada capacidade de superao

    na defesa dos objetivos do clube) continua a influenciar a nossa forma de jogar, o

    nosso Modelo de Jogo, que ao longo dos anos se foi enraizando no clube e criando

    o que atrs referimos de "cultura de clube". Da ser importante que o treinador,

  • 30

    antes de definir o Modelo que quer adotar, conhea a cultura do clube onde est e

    os seus jogadores.

    No nosso desempenho enquanto treinadores do Leixes SC, o Modelo que

    preconizamos para as nossas equipas resulta, em primeiro lugar, das

    caractersticas dos jogadores que temos connosco, fruto da nossa realidade

    econmica e cultural, verificando-se que ao longo dos anos tm sido atletas com

    caractersticas fsicas e motivacionais muito semelhantes: maioritariamente

    formados no Leixes SC, jogadores de estatura mais baixa que as principais

    equipas (equipas essas que fruto de uma maior capacidade de investimento

    privilegiaram a opo por atletas de qualidade tcnica e com elevada estatura,

    caracterstica importante no voleibol), versteis na movimentao e ocupao de

    diferentes posies, voluntariosos, com boa entrega ao processo de treino e

    competio, que formam uma boa dinmica de grupo e fazem do clube e da equipa

    uma causa a defender, aliado ao facto de quererem conquistar um espao no

    panorama voleibolstico portugus. Isso condicionou-nos a desenvolver um modelo

    de jogo que, na nossa opinio, deveria ter as seguintes caractersticas:

    nomeadamente em situao de Side-out 1, em Bola "A"2 , construo ofensiva sem

    grandes rotinas (a maior rotina mesmo jogar sem rotinas, etc.), com jogo

    combinado (com e sem cruzamento de jogadores), com opes de dois tempos

    diferentes de batimento, assente em trajetrias de passe rpidas, sem dependncia

    de individualidades, utilizando combinaes ofensivas a um ritmo previamente

    definido.

    Em situao de contra-ataque/transio, procuramos um jogo com grande

    volume defensivo e diferentes zonas de ataque de segunda linha, inclusive zona

    cinco; grande capacidade tcnica e ttica de bloco coletivo e sempre em elevada

    velocidade de execuo e movimentao, em virtude da nossa baixa estatura;

    elevado risco de servio para equilibrar a relao do nosso bloco com o ataque

    adversrio; investimento no bloco triplo. Que fique claro que, para ns, este Modelo

    ser sempre um ponto de partida para um Modelo que queremos cada vez mais

    completo, com mais variveis, com mais opes/alternativas e, acima de tudo, com

    1 Organizao do ataque aps receo ao servio adversrio 2;Situao em que o distribudo tem condies para solicitar todos os atacantes

  • 31

    capacidade para se adaptar a diferentes momentos e ritmos de jogo, bem como ao

    adversrio com quem jogamos. Ou seja, queremos que o Modelo

    esteja sempre aberto introduo de novas opes (consoante a evoluo que

    vamos apresentando e consoante o nvel do campeonato, do adversrio e o

    momento da poca).

    2.2. Planeamento

    O tradicional planeamento anual, com diferentes "picos de forma" em funo

    de determinados momentos da poca, deixou para ns, de fazer sentido.

    Acreditamos que com um esquema de provas em que se joga todas as semanas,

    algumas delas duas e trs vezes na mesma semana, o "pico de forma" sempre o

    jogo seguinte.

    Esta opinio partilhada por Garganta (1993), quando refere que "os

    denominados "picos de forma" so substitudos por "patamares de rentabilidade",

    nos quais relevada a lgica e as rotinas de treino". A classificao final do

    campeonato no mais do que o somatrio dos pontos conquistados em cada

    jornada, pelo que o Planeamento mais no poderia ser do que um somatrio de

    necessidades e objetivos semanais da equipa. Um dos princpios competitivos e

    emocionais que tentamos passar aos nossos atletas que com qualidade de treino

    e boa preparao ttica e mental, podemos vencer todos os jogos; se assim ,

    temos que estar no nosso melhor momento em cada jornada, queremos estar

    "funcionais" e disponveis ao mximo em cada jogo. De uma forma geral, a nica

    diviso que preconizamos definir dois momentos na poca, o Momento I., Perodo

    Inicial, sem jogos oficiais (apenas de preparao, avaliao e controlo), e o

    Momento II., perodo competitivo, com jogos oficiais (incio do campeonato). Aqui,

    dividimos em primeira e segunda fase e definimos os objetivos do trabalho para

    cada um desses momentos e os conceitos a desenvolver em cada um deles.

    Assim, o nosso Planeamento constitudo por um conjunto de microciclos

    semanais em que o jogo seguinte a referncia mxima para a definio dos

    objetivos do Plano de Trabalho. Neste microciclo temos sempre em linha de conta

  • 32

    objetivos fsicos, tticos, ttico-tcnicos, coletivos, individuais e emocionais. Cada

    jornada preparada ao pormenor, desde o plano de recuperao e fisioteraputico

    individual, ao trabalho coletivo da dinmica da equipa, anlise do adversrio e

    consequente Plano de Jogo, bem como componente emocional e motivacional da

    equipa. A partir do momento em que as linhas gerais do trabalho esto definidas,

    passamos para a prtica, para a planificao da Unidade de Treino.

    2.3. A unidade de treino e o exerccio como centro do processo

    Os exerccios exercem um papel determinante no processo de ensino-

    aprendizagem, na medida em que constituem o principal meio de formao do

    jogador e da equipa. Neles o treinador materializa as suas intenes e atravs da

    sua prtica os atletas aprendem os contedos de treino. J Matveiev (1977) dizia

    que "a unidade elementar do processo de treino o exerccio. Este est destinado

    ao desenvolvimento de uma ou mais qualidades. a relao entre os diferentes

    exerccios que constituem a estrutura da sesso". Segundo Wrisberg (2007), "para

    mantermos os atletas motivados durante o treino temos tambm que lhes dar a

    oportunidade de experimentar o sucesso e de se divertirem, desenvolvendo um

    plano de treino o mais eficaz possvel e seguindo os seguintes passos: identificar

    as habilidades que os atletas precisam de aprender/desenvolver, definir as

    capacidades dos atletas, definir prioridades, determinar os melhores mtodos de

    treino e elaborar o plano de treino.

    Atendendo s caractersticas do Voleibol e natureza aberta das suas

    habilidades tcnicas os exerccios por ns construdos vo de encontro aos

    problemas colocados pelo jogo, sendo estruturados em funo do comportamento

    motor que se deseja que o jogador domine em situao de jogo (apelo tomada de

    deciso em funo de determinados indicadores); por outro lado pretende-se que o

    exerccio garanta ao jogador um elevado nmero de oportunidades de resposta e

    com um nvel de dificuldade adequado. Acreditamos que o sucesso se constri

    volta de uma consistente abordagem metodolgica ao treino, porquanto este o

    motor central de toda uma complexa engrenagem que o rendimento desportivo. O

  • 33

    Treino , para ns, o espao onde o treinador melhor se dever exprimir e

    evidenciar, pois nesse contexto que aplica o que pretende para a equipa e

    constri todos os processos tticos e emocionais do jogo, desenvolve o Modelo de

    Jogo, a capacidade fsica, mental e ttico-tcnica do atleta e da equipa. Um dos

    melhores treinadores de futebol do mundo, Jos Mourinho, citado por Rodrigues

    (2000), evidencia bem a importncia do treino ao referir-se ao trabalho que teria

    pela frente com uma determinada equipa: "os nveis de confiana esto muito

    baixos. Mais do que uma chicotada psicolgica, esta equipa precisa de uma

    chicotada Metodolgica". Aqui est bem patente que o treino, e acima de tudo a

    metodologia que nele se aplica, importante e decisiva para o sucesso de uma

    equipa no processo competitivo! Segundo o mesmo Mourinho, citado por Jim Keat

    (2004), "uma equipa tem de ser ensinada de forma correta pelo treinador Trata-se

    de o treinador fazer as coisas certas, de trabalhar arduamente e de as sesses de

    treino serem proveitosas." Citado por News of the world (2004), Mourinho refere

    que "quanto melhor o treinador realizar este trabalho mais forte ser a equipa e

    melhores sero os resultados, facilitando a obteno dos objetivos propostos".

    Tambm Mesquita (1991) refere a complexidade e importncia do treino na

    obteno de elevada capacidade de rendimento quando diz que "o treino constitui

    um processo complexo, na medida em que formado por elementos em interao

    constante e dinmica. A perfeita conjugao desses elementos leva otimizao da

    capacidade de rendimento, meta final do treino desportivo". Para alm de tudo isto

    temos sempre presente a convico de que a atitude perante o treino, o jogo, o

    trabalho, determinante para o sucesso. Como diria Nlson vora, campeo

    olmpico de triplo salto, citado por Gano (2011), "o resultado ser tanto melhor

    quanto maior for a paixo com que nos envolvemos na execuo da tarefa!" Sem

    dvida que acreditamos na atitude, acreditamos nesta paixo!

    Na elaborao da Unidade de Treino temos inmeras preocupaes.

    Salientamos o nvel do(s) atleta(s), o que nos faz preparar o treino de acordo com

    as suas necessidades e capacidade de execuo, definindo critrios de xito reais,

    atingveis, e com uma perspetiva evolutiva ao longo do processo; procuramos que o

    treino seja o mais integrado possvel, desenvolvendo as capacidades fsicas,

  • 34

    mentais e ttico-tcnicas (ver ponto 2.3.3.); orientamos o exerccio criando

    situaes que "obriguem" o atleta a decidir em vez de estereotipar a resposta (ver

    ponto 2.3.4. - treino decisional); na procura de manter ndices de motivao e de

    desenvolvimento emocional constante, vamos criando diferentes formas de abordar

    o treino, utilizando a competio no treino e criatividade (ver ponto 2.3.5.) como

    cerne desta premissa; procuramos que o treino seja o mais competitivo possvel,

    criando dinmicas de procura de vitria, de conquista, de perseguio de objetivos,

    de critrios de xito, sendo o treino um somatrio de tarefas bem sucedidas mais

    que um somatrio de exerccios; por fim, e consoante o momento da poca,

    programamos o treino de diferentes formas e com diferentes objetivos (ver ponto

    2.3.6.) O peso atribudo a cada item ser sempre de acordo com o momento da

    poca, com o nvel de prestao e dinmica coletiva que a equipa apresenta e que

    se pretende que venha a apresentar, com os resultados da anlise estatstica e

    com a preparao para o adversrio seguinte.

    2.3.1. O treino - ingredientes para uma boa prtica

    Este o momento em que ns, treinadores, colocamos em prtica os nossos

    conhecimentos e implementamos o nosso plano de ao. Segundo Mesquita (1991,

    pp.65) "o treino desportivo constitui uma atividade que tem por objetivo fundamental

    a otimizao das capacidades dos atletas, tendo em vista o melhor desempenho

    competitivo."

    Para que o treino seja efetivo e eficiente, o treinador dever dominar certos

    elementos (Bill Neville, 2011, pp. 122): um alto conhecimento dos movimentos e

    habilidades; uma lista de princpios para ensino das tcnicas e das respetivas

    aplicaes tticas; um profundo conhecimento de condio fsica e princpios de

    treino; criatividade; capacidade de organizao; capacidade comunicativa.

    Relativamente aos equipamentos e materiais, o treinador dever procurar ter: um

    mnimo de duas bolas por jogador; medidas oficiais do espao de jogo;

    possibilidade de treinar no campo de jogo; dois carrinhos de bolas; boa

    luminosidade; bons materiais de treino (material de salto, fsico, tcnico, etc.)

  • 35

    O mesmo autor refere ainda que uma preocupao do treinador dever ser

    nunca ensinar taticamente aquilo que o atleta no consegue realizar tecnicamente.

    Assim sendo, cada treino dever ter: um tema principal (processo ofensivo,

    defensivo, plano de jogo, etc.); um ritmo prprio (velocidade de jogo intensa,

    aprendizagem mais lenta de determinado fundamento, etc.); uma progresso lgica

    (por ex., habilidades individuais e movimentos tticos de aplicao em competio).

    De uma forma geral o mesmo autor prope a seguinte estrutura de

    organizao do treino de alto nvel: ativao geral: aumentar a temperatura do

    corpo e trabalho tcnico; trabalho dos fundamentos: progresso dos fundamentos

    individuais especficos; trabalho combinado: habilidades utilizando fundamentos

    individuais com dois ou mais jogadores; trabalho de equipa: trabalho com toda a

    equipa utilizando as habilidades das fases dois e trs; trabalho em stress: trabalho

    individual e/ou coletivo em crise de tempo; condio fsica: trabalho de salto;

    retorno calma.

    A nossa experincia de alto nvel difere um pouco da aqui apresentada visto

    estarmos num contexto diferente do que o autor carateriza. O nosso alto nvel

    caraterizado por atletas e treinadores que tm outras funes/profisses durante o

    dia e que se renem duas a trs horas ao final do dia para treinar. Com certeza que

    as indicaes que Bill Neville aqui nos deixa sero em condies timas de

    trabalho e que gostaramos de as poder seguir. No entanto, e dado as nossas

    condies e possibilidades de trabalho, tentamos enquadrar estas importantes

    indicaes no nosso processo de treino, utilizando as mais diversas estratgias.

    Comeando logo pela Ativao Geral, o nosso treino inicia com movimentaes

    tticas coletivas e individuais, com e sem bola, e trabalho dos fundamentos

    tcnicos. Assim, rentabilizamos esta fase do treino, permitindo-nos progredir mais

    rapidamente para a parte principal. Em determinados momentos da poca, este

    incio do treino inclui um circuito fsico funcional e/ou preventivo. Em grande parte

    da poca o Trabalho Fsico realizado durante o dia, em horrios que cada atleta

    pode cumprir, sendo este um trabalho prescrito pela equipa tcnica mas de controlo

    e gesto individual do atleta, que ser responsvel pelo cumprimento do plano.

    Obviamente que nestas condies perdemos um pouco o controlo sobre o trabalho

    realizado pelo atleta, mas por outro lado podemos ganhar em responsabilidade de

  • 36

    cada um e comprometimento perante a equipa, ao mesmo tempo que

    rentabilizamos o tempo de treino.

    2.3.2. Elaborao das sesses de treino

    Os bons treinadores tm abordagens sistemticas para preparar o treino.

    Eles maximizam a eficcia de cada treino definindo os objetivos e colocando nfase

    no comportamento que os atletas tm que trabalhar com o intuito de atingirem o

    seu melhor (Wrisberg, C., 2007).

    Tendo em vista uma elevada rentabilidade do tempo de treino (escasso

    numa equipa amadora ou semi-profissional) e para ir de encontro aos objetivos

    definidos, entendemos que toda a sesso de treino ter de ser previamente

    organizada, planeada, com os exerccios muito bem definidos, com objetivos claros,

    critrios de xito atingveis e com elevada organizao. De uma forma geral

    estruturamos a sesso da seguinte forma:

    - No incio da sesso de treino procuramos que a capacidade de trabalho

    aumente progressivamente, sendo um perodo para o atleta se colocar em

    condies. A coordenao vai melhorando - assim como o rendimento energtico

    do trabalho muscular, ao mesmo tempo que a atividade das funes vegetativas

    (sistema respiratrio e circulatrio) se adapta ao trabalho. Nesta fase utilizamos

    Circuitos de preveno, circuitos fsicos funcionais e/ou exerccios orientados para

    movimentaes tticas a adotar no prximo jogo (muito utilizado em perodos

    competitivos, em especial nos Play-off).

    - Perodo de introduo e preparao: compreende em primeiro lugar uma

    fase de organizao e depois de preparao do atleta para a realizao do trabalho

    que est definido. Deve ter o efeito de disciplinar e coordenar as suas

    atividades/tarefas e concentrar a sua ateno sobre o trabalho futuro. Assegura

    tambm um aumento da atividade dos diferentes sistemas funcionais, que

    preparam o organismo para o trabalho seguinte. A escolha dos exerccios e a sua

    organizao dependem do atleta em causa, da sua funo e do trabalho a realizar

    no treino.

  • 37

    - Parte principal: quando se efetua a maior parte do trabalho

    correspondente ao objetivo da sesso. Aqui desenvolvemos o trabalho ttico-

    tcnico definido.

    - Parte final: assegura uma reduo progressiva da intensidade do trabalho

    de forma a que reconduza o organismo a um estado o mais prximo possvel do

    inicial, o qual cria as condies propcias ao desenvolvimento do processo de

    recuperao. Em muitos momentos destinamos esta fase para um trabalho

    individual de tcnica do servio (nunca mais de duas a trs sries de 3 servios) ,

    aproveitando algum desgaste do treino para obrigar o atleta a desenvolver uma

    forte capacidade mental e de concentrao para atingir bons nveis de prestao

    (muito necessria em jogo para este gesto tcnico).

    2.3.3. Treino Integrado/Global

    Por Treino Integrado entendemos a perfeita conjugao das componentes

    fsica, ttica, tcnica e emocional no treino. Para Joo Gano (reconhecido

    treinador de atletismo do Campeo Olmpico Nlson vora), citado por Margarida

    Gano, o Treino Global mais no que o "concentrar de esforos em torno de um

    objetivo, sempre de uma forma globalizante na forma como se aborda o treino,

    atentos a todos os fatores que possam influenciar o rendimento do atleta." Esta

    definio facilmente nos leva aos contedos de treino que tambm ns, no Voleibol,

    queremos abordar e integrar. A interligao entre o trabalho fsico, tcnico, ttico e

    emocional possvel e por ns procurada com o intuito de tornar o treino o mais

    prximo possvel do jogo, o exerccio o mais rico e completo possvel, permitindo-

    nos rentabilizar ao mximo o (pouco) tempo de treino disponvel (atletas, tcnicos e

    estrutura do clube no profissionais; dificuldade de espaos de treino disponveis;

    um s treino por dia) e tornar o atleta mais completo e autnomo. Acreditamos que

    a conjugao de todas estas vertentes no treino vai dotar a nossa equipa de uma

    maior e melhor capacidade de resposta aos desafios da competio.

    Segundo Wrisberg, C. (2007), "ao planear o treino devemos considerar

    inmeros fatores que incluem: a capacidade dos atletas; as exigncias tcnicas,

    tcticas e mentais do desporto em causa; o grau de semelhana entre a

  • 38

    pratica/treino e a competio." O mesmo autor complementa esta linha de

    raciocnio dizendo que para atingirem os seus objetivos os atletas tm que

    experimentar sesses de treino que os ajude a desenvolver todas as habilidades e

    capacidades e que as consigam aplicar em competio.

    Para Platonov (2001), o objetivo da preparao tcnica de criar habilidades

    que permitam ao atleta utilizar eficazmente o seu potencial funcional durante as

    aes de competio, devendo as habilidades tcnicas ser treinadas de forma

    consciente e nas condies o mais prximas possvel da competio. O processo

    de aperfeioamento tcnico passa pela prtica de exerccios muito variados, cuja

    aquisio reclama qualidades de perceo, anlise e reflexo dos atletas, assim

    como a sua capacidade para combinar movimentos simples em aes motoras

    muito mais complexas. A aquisio dos hbitos motores manifesta-se pela eficcia

    e facilidade do movimento, traduzindo-se pela fiabilidade da ao motora.

    No processo de treino o desenvolvimento tcnico ter sempre que aparecer

    associado estrutura ttica da equipa, devendo o exerccio ser construdo

    interligando as duas componentes.

    Associado ao desenvolvimento tcnico e ttico do atleta durante o processo

    de treino est a preparao mental. Desde o comeo da preparao de base ate

    final da carreira do atleta indispensvel consagrar uma parte do aperfeioamento

    desportivo ao desenvolvimento das qualidades mentais e formao da vontade. O

    nvel atual dos resultados desportivos est to ligado s qualidades do carter e da

    vontade como ao nvel de preparao tcnico e ttico.

    Segundo Matveiev (1977), "o processo de educao da vontade faz intervir

    numerosos meios: persuaso, crescimento gradual das dificuldades e competio.

    O bom uso destes mtodos faz com que o atleta adquira progressivamente a

    disciplina, a exigncia com ele mesmo, a perseverana, a capacidade de superar

    as dificuldades e o sentimento de segurana associado. Uma preparao

    especfica educar a firmeza, a vontade de vencer e sobretudo a capacidade de

    mobilizar todos os seus recursos no decorrer do treino e das competies. Na

    prtica, esta educao da vontade passa pela execuo obrigatria dos exerccios

    propostos, pela introduo sistemtica de dificuldades suplementares nas sesses

    de treino e pelo mantimento constante de uma atmosfera de competio entre os

  • 39

    atletas". Neste captulo, Matveiev (1977) define alguns procedimentos teis para o

    treino que ajudam os treinadores a criar dificuldades suplementares no processo de

    preparao mental do atleta: introduo de um objetivo suplementar (no

    anunciado antecipadamente ao atleta), destinado a aumentar a durao do trabalho

    em condies de fadiga. Treina-se a perseverana e a estabilidade psquica para

    vencer situaes desagradveis, bem como a fadiga; desenvolvimento de situaes

    de treino em condies mais complexas ou com uma equipa mais evoluda. O

    objetivo aumentar a solidez dos hbitos e educar a segurana/confiana em si

    mesmo; alterao das condies de execuo dos exerccios com o objetivo de

    criar dificuldades suplementares, introduzindo estimulaes sensoriais

    perturbadoras; o objetivo educar o sangue frio, a firmeza e a tomada de deciso;

    complicar as interaes de treino e competio bem como das condies de

    avaliao dos movimentos - torneios com equipas muito fortes. O objetivo a

    formao da capacidade de luta e de vontade de vencer.

    O Treino Fsico outra componente sempre presente no treino. Neste mbito

    orientamos o nosso trabalho em diferentes direes:

    - Treino fsico preventivo, propriocetivo e de recuperao: muito a cargo do

    fisioterapeuta, destina-se a prevenir o aparecimento de leses, a diminuir a sua

    possvel gravidade e a reforar e estimular as estruturas musculares, articulares e

    tendinosas mais solicitadas e a desenvolver posturas mais adequadas aos

    movimentos tcnicos (SGA - strenghth global active/reeducao postural global,

    importante na preveno e correo postural; CORE - estabilizao da bacia;

    ncleo central do sistema muscular; msculos posteriores da coxa; SMFR - Self

    Miofascial Release, muito importante na recuperao dos tecidos).

    - Treino fsico funcional: vai de encontro s caractersticas dos movimentos

    de jogo (movimentos que solicitam mais de um segmento ao mesmo tempo, que

    que pode ser realizado em diferentes planos e que envolve diferentes aes

    musculares - Clark, 2001), em que o objetivo apresentarmo-nos com qualidade

    em todos os jogos e em toda a poca, perspetivando um lugar nos seis primeiros

    classificados da 1 fase. No h um momento alto da poca mas sim vrios

    momentos. Com o treino funcional o principal objetivo estar Funcional em vez de

  • 40

    estar em Forma. O treino funcional proporciona um elevado grau de transferncia

    para o objetivo que esteve na sua origem e tanto mais funcional quanto mais se

    aproximar do perfil biomotor da tarefa para a qual se est a ser treinado.

    - Treino de fora (com carga): desenvolvimento da fora excntrica

    (capacidade de recrutar Unidades Motoras para o desenvolvimento da fora

    concntrica); desenvolvimento da fora explosiva determinante no Voleibol. A

    carga definida conforme momento da poca e individualizada capacidade e

    funo do atleta;

    - Saltabilidade: a carga do salto por ns tratada como uma das principais

    cargas a que o atleta est sujeito. Procuramos desenvolver uma boa resistncia de

    salto e enorme explosividade/potncia. No planeamento semanal temos a

    preocupao de no realizar treinos consecutivos com elevada carga de salto (ex:

    se num dia treinamos muito ataque e bloco no dia seguinte o treino ser mais

    direcionado para receo e defesa ou aspetos organizativos com menor carga de

    treino); de acordo com o momento da poca o treino ter tambm diferente volume

    de salto (incio de poca sem salto, aumentando progressivamente (ver captulo

    2.3. "A Unidade de Treino no momento da poca desportiva").

    2.3.4. Treino Decisional

    O Treino Decisional, ou melhor, o exerccio decisional aquele que faz com

    que o atleta seja obrigado a tomar decises ttico-tcnicas em funo de

    determinados estmulos ou indicadores presentes no mesmo, e que normalmente

    no se repetem, ou seja, no tm uma sequncia mecnica, sempre igual, que

    permita ao atleta uma resposta previamente definida; o atleta ter que analisar

    diversos fatores e optar pela melhor resposta possvel, sendo certo que os atletas

    com melhor capacidade de deciso sero tambm os mais eficazes (Afonso et al.,

    2011 ). Segundo Grhaigne J-F, Godbout P, Bouthier D. (2001), citados por Arajo,

    Neves e Mesquita (2012, pp. 167), no contexto dos desportos de equipa, um

    jogador de alto nvel aquele capaz de escolher a ao apropriada em cada

    momento do jogo. Para Platonov (2001) , uma das funes essenciais de criar

  • 41

    hbitos motores o de permitir o controlo plstico dos movimentos. Esta

    caracterstica plstica do controlo permite assegurar nas melhores condies a

    adaptao das tcnicas motoras situao e escolher as solues timas para os

    problemas que se colocam execuo do movimento. Da ser muito importante a

    repetio, em diferentes contextos, com diferentes estmulos e obstculos. O que

    se pretende criar um atleta autnomo, com capacidade de "ler o jogo" e tomar as

    melhores decises, sendo certo que os melhores so os que tomam as melhores

    decises. o que tentamos fazer no treino.

    Neste mbito, e fora da nossa rea de interveno, pertinente a frase num

    artigo de Miguel Esteves Cardoso (2013), conhecido escritor e jornalista, quando

    refere que "o crebro conservador e habitua-se s melhores e piores coisas. Mas

    por isso mesmo que tambm se consegue dar-lhe a volta, desabituando-se

    tambm do que lhe faz mal e habituando-se devagar ao que faz bem. O vcio ou a

    virtude dependem desse gosto pela repetio. Para mais, o crebro no aceita

    estimulaes tardias, nem aceita batotas. A preguia tambm uma repetio -

    perigosa!".

    Para Wrisberg, 2007, "os bons treinadores abordam as situaes de treino

    muito prximas do jogo, tanto do ponto de vista fsico como mental, incorporando

    uma variedade de instrues tcnicas que promovam a aprendizagem das

    habilidades. Eles sabem como e quando aplicar o feedback mas tambm como

    desafiar os atletas a serem eles prprios a solucionar os seus problemas - tomadas

    de deciso.

    2.3.5. A criatividade e inovao no treino e no exerccio

    O que nos leva a abordar este ponto , em primeiro lugar, fruto de uma

    necessidade que fomos sentindo ao longo das ltimas pocas em no repetir o

    trabalho, muito porque os nossos grupos/planteis se mantiveram muito estveis,

    fazendo com que surgisse a necessidade de criar novos desafios aos atletas e a

    ns prprios enquanto treinadores. Como refere Einstein, a imaginao uma

    viso prvia de todas as atraces futuras da vida; pois ns sempre quisemos

    manter esta ideia bem viva no processo de treino. Decididamente no queramos

  • 42

    repetir a abordagem ao treino; pelo contrrio, sempre quisemos "surpreender" os

    atletas e obrig-los a pensar o treino/exerccio, nunca sabendo o que iriam ter pela

    frente, de forma a estimular o seu raciocnio, a sua concentrao e o seu

    envolvimento no treino. Por outro lado, ao sermos criativos estamos tambm a

    motivar os atletas a participar de uma forma diferente da que eles j

    experimentaram, procurando que o atleta sinta prazer e curiosidade no seu dia-a-

    dia. Salientamos o facto de sempre termos tentado criar/inovar em todas as

    vertentes do treino (fsico, ttico-tcnico, emocional e na ligao entre eles) e

    tambm na abordagem ao jogo, na elaborao do seu plano e na prpria

    orientao do jogo. Ou seja, nunca quisemos que uma poca fosse "mais do

    mesmo", uma repetio da anterior, apesar de sempre termos tido um sucesso

    relativo! Sabemos que os atletas so tambm cada vez mais exigentes, com

    acesso a informao vria, o que obriga a uma necessidade grande de nos

    mantermos atualizados com as novas metodologias e meios de treino, com a

    tecnologia, mas sempre com a nossa identidade presente. Cada vez mais

    acreditamos que s inovando que conseguimos manter os atletas focados no

    trabalho e na competio, conseguindo assim melhores progressos e resultados. A

    ttulo de curiosidade, desenvolvemos alguns materiais dos quais destacamos o

    Tubo de gua, que consiste num tubo de canalizao com cerca de trs metros de

    comprimento e dez centmetros de dimetro, vedado em ambas as extremidades,

    em que metade do seu interior est coberto com gua. Com este material

    conseguimos realizar um trabalho fsico em situao de elevada instabilidade, que

    requer um alto grau de controlo corporal, aproximando o trabalho s necessidades

    do atleta do ponto de vista competitivo. Este trabalho teve muita recetividade por

    parte dos atletas, que entenderam a sua lgica e assimilaram o conceito do

    mesmo. No trabalho com bola fomos sempre criando variantes aos exerccios que

    amos aplicando, com novas pontuaes, critrios de xito, trabalhando com duas

    bolas em simultneo, com superioridade/inferioridade numrica, etc. A prpria

    abordagem e lgica do treino foi sendo alterada, trocando determinados circuitos de

    incio de treino por movimentaes tticas, com novas exigncias coletivas, a

    implementar no jogo seguinte.

  • 43

    2.3.6. A Unidade de Treino no momento da poca desportiva

    Na elaborao do exerccio e da Unidade de treino temos preocupaes

    distintas consoante o momento da poca. Em primeiro lugar definimos no nosso

    planeamento quatro momentos:

    - o primeiro, a chamada "Pr-poca" (termo que por norma no utilizamos

    pois se a equipa j se reuniu e est a treinar j est em "poca"), que

    preferimos designar por Perodo Inicial ou Preparatrio, em que

    comeamos a criar as nossas rotinas, a definir as nossas regras, a conhecer

    o grupo e a adapt-lo carga, sem competies formais e a introduzir as

    primeiras noes tticas individuais e coletivas;

    - o segundo, o Perodo Pr-competitivo (em que estamos a definir o nosso

    Modelo de Jogo e a desenvolver a relao ttica entre os atletas e os

    setores, bem como a aumentar a carga de treino, tanto em volume como em

    intensidade);

    - o terceiro, o mais longo da poca, o Perodo Competitivo, quando

    aprimoramos o nosso Modelo de Jogo e nos preparamos em funo do

    adversrio seguinte (desenvolvimento do Plano de Jogo). Aqui procuramos

    uma intensidade mxima de treino e diminuio do volume, procurando

    tambm aumentar o trabalho especfico de cada atleta e momento de jogo.

    - um quarto, mais especfico, o momento dos