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O QUÊ OS MODERADORES DE TRÁFEGO PODEM FAZER PELA SUA CIDADE: CONSTRUINDO ESPAÇOS PARA AS PESSOAS, NÃO PARA OS CARROS, A PARTIR DE DISCUSSÕES COMUNITÁRIAS JUNTO AOS PLANOS DIRETORES Everaldo Valenga Alves 1 ; Monique Peifer 2 ; Carlos Eduardo Medeiros 3 1 Engenheiro Civil, M.Sc., 61-92813533, [email protected] 2 UFSC, Departamento de Engenharia Civil-CTC, Rua João Pio Duarte e Silva, 205, Córrego Grande, Campus Universitário, (48) 32516370, [email protected] 3 IPUF, Praça Getúlio Vargas, 194, Centro CEP 88020-030, 48-32125700, [email protected] RESENHA Pretende-se mostrar a importância da aplicação de técnicas de moderação de tráfego a partir de discussões de Planos Diretores, como forma de difundir a técnica. Palavras-chaves: espaço de circulação, sustentabilidade urbana, moderadores de tráfego, plano diretor. INTRODUÇÃO Os moderadores de tráfego são medidas de engenharia que reduzem a velocidade dos veículos basicamente através de restrições físicas de alteração de traçado, mudança do piso ou de sua altura, entre outros dispositivos que acalmam o tráfego e propiciam maior segurança na circulação de pedestres e ciclistas. Sobre sua origem e o que seriam as primeiras experiências que se conhecem hoje como moderadores de tráfego ocorreram na década de 70, na Alemanha e Holanda, a partir de iniciativa de técnicos que já verificavam a insatisfação dos moradores quanto a forma com que os veículos ocupavam as vias públicas dos bairros e que culminaram em restrições aos veículos a favor dos pedestres e ciclistas. Apesar de não se ter tão claro seus conceitos, muito das idéias do traffic calming utilizadas hoje, traduzidas no Brasil como Moderadores de Tráfego, surgiram a partir de conceitos tratados por BUCHANAN(1963) apud BHTRANS(2009). BUCHANAN(1963) tratou de forma ampla a questão das áreas ambientais. As técnicas, desenvolvidas por técnicos da área naquela época foram aplicadas na Holanda e mostraram a preocupação dos planejadores holandeses em se separar áreas de tráfego com áreas para as pessoas, transformando as áreas de circulação em pátios residenciais (woonerf). No Brasil as principais ações de moderação de tráfego iniciaram nos anos 90 através de projetos executados principalmente nas cidades de São Paulo e Belo Horizonte. Percebe-se a aplicação cada vez mais freqüente de moderação de tráfego em vários municípios tais como Curitiba, Guarulhos, Florianópolis, entre outros. Uma das mais conhecidas é a lombada física ou ondulação transversal cuja regulamentação consta na Resolução 039/2008 do CONTRAN. Mais recentemente a faixa elevada de travessia de pedestres, instalada na altura do passeio, vem sendo aplicada, apesar de estar sem regulamentação 1 . O CONTRAN, a partir da CT de Engenharia de tráfego, da sinalização e da via, possui um GT que trata da questão da aplicação dos moderadores no Brasil, porém o mesmo, até julho de 2009, estava parado devido à prioridade ao Manual Cicloviário, uma vez que muitos técnicos atuam em ambos os grupos. Como os moderadores de tráfego vêm ganhando espaço cada vez mais importante no contexto da segurança viária nacional é importante relatar fatos e dados que contribuam para sua correta e eficiente aplicação no âmbito nacional. Uma questão a ser respondida é como viabilizar suas aplicações, uma vez que o planejamento urbano, de uma forma geral, tem voltadas suas atenções mais no sentido de 1 A Câmara Temática de Engenharia de Tráfego, da Sinalização e da Via, do CONTRAN estava até então elaborando uma Nota Técnica para regulamentar a faixa elevada de travessia de pedestres, .

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O QUÊ OS MODERADORES DE TRÁFEGO PODEM FAZER PELA SUA CIDADE: CONSTRUINDO ESPAÇOS PARA AS PESSOAS, NÃO PARA OS CARROS, A

PARTIR DE DISCUSSÕES COMUNITÁRIAS JUNTO AOS PLANOS DIRETORES

Everaldo Valenga Alves 1 ; Monique Peifer2; Carlos Eduardo Medeiros3

1 Engenheiro Civil, M.Sc., 61-92813533, [email protected] 2 UFSC, Departamento de Engenharia Civil-CTC, Rua João Pio Duarte e Silva, 205, Córrego Grande,

Campus Universitário, (48) 32516370, [email protected] 3 IPUF, Praça Getúlio Vargas, 194, Centro CEP 88020-030, 48-32125700, [email protected]

RESENHA

Pretende-se mostrar a importância da aplicação de técnicas de moderação de tráfego a partir de discussões de Planos Diretores, como forma de difundir a técnica.

Palavras-chaves: espaço de circulação, sustentabilidade urbana, moderadores de tráfego, plano diretor.

INTRODUÇÃO

Os moderadores de tráfego são medidas de engenharia que reduzem a velocidade dos veículos basicamente através de restrições físicas de alteração de traçado, mudança do piso ou de sua altura, entre outros dispositivos que acalmam o tráfego e propiciam maior segurança na circulação de pedestres e ciclistas. Sobre sua origem e o que seriam as primeiras experiências que se conhecem hoje como moderadores de tráfego ocorreram na década de 70, na Alemanha e Holanda, a partir de iniciativa de técnicos que já verificavam a insatisfação dos moradores quanto a forma com que os veículos ocupavam as vias públicas dos bairros e que culminaram em restrições aos veículos a favor dos pedestres e ciclistas. Apesar de não se ter tão claro seus conceitos, muito das idéias do traffic calming utilizadas hoje, traduzidas no Brasil como Moderadores de Tráfego, surgiram a partir de conceitos tratados por BUCHANAN(1963) apud BHTRANS(2009). BUCHANAN(1963) tratou de forma ampla a questão das áreas ambientais. As técnicas, desenvolvidas por técnicos da área naquela época foram aplicadas na Holanda e mostraram a preocupação dos planejadores holandeses em se separar áreas de tráfego com áreas para as pessoas, transformando as áreas de circulação em pátios residenciais (woonerf).

No Brasil as principais ações de moderação de tráfego iniciaram nos anos 90 através de projetos executados principalmente nas cidades de São Paulo e Belo Horizonte. Percebe-se a aplicação cada vez mais freqüente de moderação de tráfego em vários municípios tais como Curitiba, Guarulhos, Florianópolis, entre outros. Uma das mais conhecidas é a lombada física ou ondulação transversal cuja regulamentação consta na Resolução 039/2008 do CONTRAN. Mais recentemente a faixa elevada de travessia de pedestres, instalada na altura do passeio, vem sendo aplicada, apesar de estar sem regulamentação1. O CONTRAN, a partir da CT de Engenharia de tráfego, da sinalização e da via, possui um GT que trata da questão da aplicação dos moderadores no Brasil, porém o mesmo, até julho de 2009, estava parado devido à prioridade ao Manual Cicloviário, uma vez que muitos técnicos atuam em ambos os grupos. Como os moderadores de tráfego vêm ganhando espaço cada vez mais importante no contexto da segurança viária nacional é importante relatar fatos e dados que contribuam para sua correta e eficiente aplicação no âmbito nacional.

Uma questão a ser respondida é como viabilizar suas aplicações, uma vez que o planejamento urbano, de uma forma geral, tem voltadas suas atenções mais no sentido de

1 A Câmara Temática de Engenharia de Tráfego, da Sinalização e da Via, do CONTRAN estava até então elaborando uma Nota Técnica para regulamentar a faixa elevada de travessia de pedestres, .

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se resolver a circulação de veículos automotores do que propriamente a promoção de espaços para as pessoas, de circulação e de convívio, tanto em seu modo à pé quando de bicicleta. Em muitos casos, as políticas públicas não contribuem para equidade espacial tornando a circulação quase insustentável. Além disso, Políticas governamentais vêm contribuindo ainda mais para o “estouro da manada”, ou seja, a produção cada vez mais intensa de veículos automotores, contestada por inúmeros seguidores do princípio de eficiência da circulação de massas e defensores da sustentabilidade ambiental. E mesmo que essas ações se resumam a percentuais relativamente baixos de redução no IPI2, o impacto na venda de veículos é gigantesco. Somente no dia 25 de junho de 2009, foram vendidos 18.662 carros e comerciais leves, atingindo uma média diária de vendas em junho de 13,4 mil carros, recorde histórico, segundo o site AUTOINFORME. A bem de todo o benefício através de geração ou de manutenção de empregos e de todos os benefícios advindos da estratégica cadeia produtiva envolvida, as conseqüências podem, no médio e longo prazo, causar danos irreversíveis, caso medidas que beneficiem a segurança não sejam tomadas.

Em cidades em franco crescimento, como Florianópolis, com quase 400 mil habitantes e uma frota de mais de 226.058 (DENATRAN, 2009), aplicação de recursos na melhoria do sistema viário vem sendo cada vez mais intensa, necessitando para isto recursos financeiros e a aplicação em melhorias que surtam efeito do ponto de vista da segurança, do conforto e da fluidez. Em muitos casos as soluções apontadas não produzem espaços mais equânimes ou mais seguros, fazendo com o que o problema da mobilidade e acessibilidade urbana se mantenha ou até se agravem.

Os Planos Diretores, a partir do Estatuto da Cidade (Lei 10.257/01), promovem a possibilidade de participação da população na formulação de soluções para suas cidades. São notadamente uma das melhores formas de se reverter antigos paradigmas e a possibilidade de mostrar à população as conseqüências de soluções voltadas apenas ao transporte individual.

Num ano em que muitos gestores assumem as Prefeituras, a demanda por obras viárias é significativa. Investimentos em pavimentação urbana, sobretudo em vias locais, são focados na melhoria da qualidade de vida da população lindeira, porém, os aspectos de segurança, de acessibilidade e do convívio ainda merecem maior estudo. Tais obras produzem sim o aumento do conforto, para os carros. Via pavimentada é também sinônimo de aumento de velocidade, de geração de tráfego de veículos, de aumento a insegurança e de segregação.

Este artigo mostra a mudança de paradigmas no âmbito do planejamento urbano, tanto na visão técnica quanto na visão comunitária, servindo como subsídios para outros municípios que estejam buscando a utilização sustentável de seus espaços públicos.

DIAGNÓSTICO – Os problemas no trânsito de Florianópolis comuns a muitos municípios

Florianópolis, Capital de Santa Catarina, possui com 396.723 (IBGE, 2007), uma taxa de crescimento em torno de 3,2%a.a., e uma frota de veículos automotores de 226058 (dez/2008) é a 27° cidade brasileira em frota registrada. É uma cidade com características peculiares como o fato de ter sua maior porção distribuída numa Ilha, de 54 Km de comprimento por 18 Km de largura, uma área territorial de 424,40Km².

2 O Ministério do Planejamento é o órgão Federal responsável pela liberação de incentivos fiscais para as montadoras cuja justificativa está assentada na crise financeira ocorrida, sobretudo nos Estados Unidos e com impactos no mundo todo, tornando o capital escasso.

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Sua topografia alterna entre planícies e montanhas, além da presença de Lagoas, manguezais, sítios arqueológicos e outras características mais que tornam difíceis intervenções do ponto de vista de projetos viários. A entrada da Ilha está concentrada em um ponto da Ilha de Santa Catarina, estreita, ligando o continente ao Centro através de duas pontes voltadas ao tráfego de veículos automotores com passagens de pedestres e ciclistas de forma precária.

A Ponte Hercílio Luz, a primeira das três pontes e cartão postal da cidade, ainda não está reabilitada, mas pretende-se viabilizá-la para travessias futuras.

Além desses fatores, por ser Capital do Estado e pólo Metropolitano, possui inúmeros serviços de Saúde e de Educação e exercem enorme atração turística devido às sua natureza, em especial as praias. Todos esses aspectos influenciam significativamente na circulação urbana, sobretudo no verão e em feriados comemorativos prolongados.

Do ponto de vista do Planejamento Urbano, Florianópolis é uma região poli- nucleada, tendo uma pressão muito intensa na região central. As demais Regiões estão distribuídas ao longo da Ilha, sendo a região Norte mais desenvolvida e mais adensada.

Os problemas de trânsito enfrentados por Florianópolis não diferem de muitos municípios brasileiros. Citando apenas os principais, tem-se que:

• Crescimento populacional acentuado;

• Taxa de motorização elevada (acima dos 2 veículos por habitante);

• Aumento de veículos circulantes em determinadas épocas do ano devido a temporada de verão e feriados prolongados (sua frota circulante aumenta em mais de 40%);

• Dificuldade na viabilização espaços de circulação devido a áreas já ocupadas, de alto valor, e devido também à presença de áreas de proteção ambiental e casarios com valor histórico;

• Fiscalização precária nas últimas décadas facilitando o crescimento desordenado;

• Dificuldade em atender a demanda de circulação devido aos altos investimentos e sua capacidade de investimento;

• Demanda maior que a oferta na alocação de estacionamentos, sobretudo em áreas centrais;

• Tráfego concentrado na região central.

Figura 1: Macro-zoneamento do Município de Florianópolis. FONTE: IPUF

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Se por um lado há necessidade de resolver grandes conflitos de circulação com a construção de viadutos, duplicação de vias, transformação de vias em binários, etc., todas de elevado custo, por outro lado, deve-se prever espaços acessíveis, seguros, confortáveis onde o pedestre e o ciclista possam trafegar com segurança e conforto.

Uma questão fundamental é que o crescimento desordenado acabou criando vias inadequadas do ponto de vista da circulação, da segurança e conforto dos usuários, principalmente para estes últimos citados. Observa-se que muitas Prefeituras, no âmago de resolver esses problemas, acabam pavimentando as vias justamente por não conseguir reverter o quadro de inadequação no uso do solo.

Em Florianópolis, a Prefeitura Municipal elaborou um programa de pavimentação de vias urbanas, conhecido Operação Programa Tapete Preto (PMF, 2009).

O projeto visava a pavimentação de inúmeras ruas e atingiu as dimensões mostradas na Tabela 1, a seguir.

Tabela 1: Resumo de vias pavimentadas pela Operação Tapete Preto I, por região e tipo de pavimento. Fonte: SMO/PMF

REGIÃONÚMERO DE RUAS EXTENSÃO [m]

TOTAL LAJOTA ASFALTO TOTAL LAJOTA ASFALTO

CENTRO 150 77 73 54.787,32 12.467,12 42.320,20

LESTE 29 22 7 8.987,33 3.010,33 5.977,00

NORTE 160 134 26 67.483,56 38.614,14 28.869,42

SUL 109 99 10 47.807,64 30.143,95 17.663,69

CONTINENTE 142 32 110 57.356,23 3.150,93 54.205,30

TOTAIS 590 364 226 236.422,08 87.386,47 149.035,61

Muitas dessas pavimentações cuja consolidação da ocupação inviabilizou a relocação dos moradores.

Em seu Plano Diretor, as ruas devem ter largura mínima de 12,00 (doze) metros (CMF, 2009), porém tendo em vista o crescimento desordenado e os desmembramentos irregulares, principalmente no interior da Ilha, encontra-se várias dessas vias com larguras insuficientes para a circulação de dois veículos por vez. É comum encontrar situações onde determinado veículo precisa dar a marcha à ré para que outro conclua sua travessia. Os pedestres normalmente caminham pelo meio das ruas, pois não existem calçadas ou quando existem, ou não possuem continuidade, ou não possuem largura suficiente para a circulação de pessoas (larguras menores que 1,00 metro). Outra situação é a presença de obstáculos impedindo a passagem. A Figura 2 mostra um exemplo dessa realidade, não muito diferente de muitas cidades brasileiras.

Do ponto de vista da dignidade humana, dotar as vias com algum tipo de pavimentação é importante, porém existem aspectos que merecem aprimoramento.

O principal deles é que as vias, devido a pouca largura, não permitem a construção de calçadas e o que ocorre é que o alinhamento do meio-fio acaba ficando muito próximo dos muros ou cercas existentes, não havendo sequer recuo destes por parte dos moradores. Em Florianópolis, tentativas foram feitas no sentido de conscientizar moradores para o recuo de seus muros, mas tal iniciativa barra em questões culturais, legais, e financeiras.

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Nessas ruas observou-se também que logo após a pavimentação das ruas, algo muito requerido durante as campanhas eleitorais mostrando o anseio da população, a velocidade dos veículos aumentou de forma a criar uma sensação de insegurança por parte dos moradores. Boa parte de casos de velocidade incompatível com a via são de moradores da própria via ou regiões adjacentes. Em média, as velocidades passaram de 30 Km/h para até 60Km/h, em alguns casos. Conseqüência desta melhoria foi o aumento de pedidos por instalação de lombadas físicas nas vias recém pavimentadas. Florianópolis chegou a registrar mais de 10 mil pedidos registrados de lombadas nos últimos dez anos e atualmente conta com mais de 600 lombadas instaladas, muitas delas sendo readequadas aos padrões nacionais ditados pela Res. 039/2008 do CONTRAN.

O diagnóstico feito pela Diretoria de Operações do IPUF, constatou que o número de veículos que trafegavam nas vias locais era muito baixo, menos que 150 veíc./dia, em média, sendo muitos destes moradores da própria localidade. Os demais são veículos comerciais (gás, entregas, vendas) e de serviços (limpeza pública, segurança). O tráfego de veículos de moradores se concentrava nos horários de pico, com aumento de volume pela manhã, no horário do almoço e no final da tarde. Nos demais horários, de entre - picos, o tráfego é esporádico, mas de velocidade incompatível, sou seja, acima de 40 Km/h. Essa conclusão por si só mostra que a aplicação de lombadas físicas não atrapalha a fluidez e garante a manutenção de baixas velocidades. O importante é que, considerando o fato de não se ter calçadas e o tráfego de pedestres e ciclistas serem no meio da rua, garantir a velocidade na faixa de até 40 Km/h, é primordial.

A grande questão levantada é: será que a construção de lombadas físicas nessas vias traria maior segurança para as pessoas e será que melhoraria de alguma forma, a qualidade de vida do ponto de vista da circulação?

Esse questionamento levou os técnicos da Diretoria de Operações, buscarem novas soluções para os antigos problemas. Os moderadores de tráfego mostraram-se, a partir de experiências na Europa e algumas no Brasil, uma grande possibilidade de se dotar as vias públicas de um novo conceito de circulação, focado nos pedestres e ciclistas e não nos carros, desde que aplicado adequadamente.

Na atual lógica de pavimentação de vias locais, por exemplo, o foco é o carro, ou seja, parte-se da largura que dois veículos necessitam para circular, cada qual numa direção, e o que sobra é dos demais usuários.

Considerando ainda que a relocação de muros mostrava-se de difícil aplicação, que solicitações por novas pavimentações eram freqüentes, e que Florianópolis estava vivendo um momento importante na revisão de seu Plano Diretor, entendeu-se que haveria a necessidade de se trabalhar em duas linhas: a primeira era difundir, através das reuniões do Plano Diretor, as técnicas de moderação de tráfego e o uso compartilhado de trânsito; a segunda era aplicar essas técnicas em determinadas obras, como espécie de vitrine, permitindo também um maior reconhecimento por parte dos usuários de suas vantagens.

Figura 2: Servidão Rita Maria Garcia, localizada no bairro Ingleses, Norte da Ilha.

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Mostra-se, portanto, aspectos envolvendo as discussões do Plano Diretor Participativo de Florianópolis, como experiência na difusão das técnicas de moderação de tráfego e também alguns conceitos envolvidos em obras aplicadas no Município.

PROPOSIÇÕES E RESULTADOS

As discussões acerca de seu Plano Diretor, teve seu desdobramento a partir da 2ª Conferência da Cidade (2005) e mais efetivamente após a 3ª (2007), com a criação de Grupos de Trabalho, em destaque o de Acessibilidade (Floripa Acessível) e do Grupo do Plano Diretor Participativo de Florianópolis, coordenados pelo IPUF, com a participação de técnicos da Prefeitura Municipal e diversas entidades representativas da sociedade.

Tendo em vista a distribuição espacial de Florianópolis, e já tendo divisões distritais, optou-se por adotar essa mesma divisão para a eleição das representações comunitárias, que fariam o elo entre a comunidade e os técnicos da Prefeitura Municipal. A Figura 3Erro: Origem da referência não encontrado mostra a divisão desses dos Núcleos Distritais a partir dos Distritos Administrativos.

Do outro lado, havia representantes de segmentos representativos da Sociedade, que permitiam vários pontos de vista sobre a cidade.

Cada representante Distrital promovia, com auxilia da PMF, inúmeras discussões junto à sua comunidade, englobando os temas pertinentes: energia, água, saneamento, segurança pública, trânsito e transporte, entre outros. Foram dadas inúmeras oportunidades para se discutir temas afetos À cidade. Para cada tema debatido extraem-se documentos contendo a visão da comunidade. Estes, após depurados pelos técnicos da PMF e os diversos segmentos representativos, levariam a construção do novo Plano Diretor de Florianópolis.

Um aspecto que se deseja relatar é justamente a possibilidade de se mostrar diversas técnicas de aplicação da engenharia de tráfego e segurança viária, dentre elas a de moderação de tráfego (Figura 4Erro: Origem dareferência não encontrado).

Figura 3: Mapa esquemático do Município de Florianópolis e a distribuição dos Distritos para o PDP.

Figura 4: Reunião organizada pelo Núcleo Distrital dos Ingleses, para discutir aspectos do bairro.

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Na região dos Ingleses e Santinho, no Norte da Ilha, buscou-se realizar esse trabalho piloto, por diversos aspectos: esta região balneária cresceu desordenadamente transformando-se, em menos de duas décadas, de área de exploração rural para urbana, sem que houvesse ações efetivas do ponto de vista do planejamento urbano. Resultou daí ocupações irregulares, tráfego de passagem inadequado e de alta velocidade e vias locais estreitas e longas, algumas com mais de 300 metros de comprimento por 5 m de largura. A Figura 5 mostra como estão colocadas as vias locais que interligam as coletoras.

A pergunta, sempre colocada pelos moradores, era: Como reverter essa condição?

Foi iniciado um trabalho junto aquele Núcleo Distrital, mostrando-se as possibilidades de transformação dos conceitos das vias locais existentes. Os moderadores de tráfego agradaram pelas suas características na mudança do foco: de carro para pedestres e ciclistas. Tornando espaços mais seguros, mais humanos, criaria na população um aspecto que geralmente passa despercebido pelos gestores, ou seja, que os moradores se sintam como donos das ruas, no sentido de que a preservem, limpem-na, enfim, cuide de suas ruas.

Essa abordagem sem dúvida alguma contribuiu para um melhor esclarecimento da população quanto ao uso dessas técnicas.

Considerando que as ruas eram estreitas, que não havia calçadas e os recuos estavam de difícil aceitação uma das propostas para se reabilitar essas vias e dar-lhes mais segurança foi a idéia de uma Rua Jardim, com aplicação de técnicas de moderação de tráfego e em muito lembrando o Shared Space, ou espaço compartilhado.

A idéia ficou ainda mais interessante uma vez que a colocação de lombadas físicas, apesar de trazer relativa segurança, nunca agradou à todos.

Foram mostrados diversos aspectos acerca da aplicação dessas técnicas sendo aprovada por inúmeros moradores.

Foi mostrado de que forma poderiam ser viabilizados espaços compartilhados nas vias locais e aplicação de moderadores de tráfego. Nos eventos foi mostrado também alguns projetos de alteração de piso, aplicação de vias tortuosas (chicanas), criação de pequenos espaços de convívio (bancos, jardins, chafariz), permitindo que as pedestres e ciclistas continuassem a andar pelas vias, porém com a concessão feitas por estes, e não pelos carros. No atual modelo, são os carros que “concedem” passagem aos pedestres, pois obviamente os carros estão no seu habitat e na teoria são os pedestres que adentraram esse espaço. Com a mudança do perfil da rua, alterando-a para o conceito de área ambiental, da uma forma muito parecida com a estudada pela BHTRANS, e com suas devidas adaptações, pode-se mostrar visualmente ao motorista que o espaço é das pessoas e é o carro quem está adentrando em um espaço que não é dele.

Entendia-se que o sentimento de “dono da via” mudaria com essa mudança e que motorista reconheceria, pelos aspectos visuais e físicos, que ali era espaço de circulação de pedestres e ciclistas e que não mais seria espaço de passagem. Esse aspecto ficou

Figura 5: Vias compridas e estreitas ligando coletoras, na região dos Ingleses, Norte da Ilha. Fonte: IPUF

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evidenciado em inúmeras apresentações feitas durante as discussões do Plano Diretor Participativo de Florianópolis.

A primeira parte da idéia inicial era justamente mostrar as possibilidades que seriam complementadas com a aplicação dessas técnicas em projetos pilotos.

OS PROJETOS VITRINES DOS CONCEITOS DE MODERADORES

O IPUF, através da Diretoria de Operações e da Diretoria de Planejamento, trabalha para dotar algumas obras de conceitos relativos aos moderadores de tráfego. Destacam-se dois projetos, dentre os muitos prospectados: a Obra de Revitalização da Av. Hercílio Luz e a Revitalização da Rua Vidal Ramos.

O primeiro, tratava-se de um canal coberto com laje de concreto que, em muitos casos, servia como área de estacionamento (área para carros e motos). Os técnicos do IPUF, com o auxílio da Secretaria de Obras, transformaram-na em via de circulação de pedestres e ciclistas e as travessias com os carros, o piso foi elevado na altura da calçada, beneficiando pessoas com dificuldade de mobilidade e também aos evitando que os ciclistas desmontassem de suas bicicletas.

Como o IPUF já vinha adotando pisos podotáteis, esses continuaram sendo implementados seguindo-se os fundamentos da NBR9050, apesar de ainda merecerem aprimoramento (Figura6).

O segundo projeto foi na Rua Vidal Ramos, uma importante rua do comércio central, com o apoio e idéias dos comerciantes em fazer um Shopping ao ar livre. Foram inseridos importantes aspectos relativos aos moderadores de tráfego e idéias de compartilhamento do tráfego foram lançadas em reuniões com o apoio da ACIF (Associação Comercial e Industrial de Florianópolis), tais como o piso diferenciado, ajardinamentos, melhoramento da iluminação, rebaixos entre calçada e via mais suaves (diferença de altura entre meio-fio e pista de rolamento menor que 10

Figura 6: Avenida Hercílio Luz, Centro, mostrando aspectos do projeto implantados.Fonte: Antônio Miranda, AH-8.

Figura 7: Vista esquemática do Projeto de Revitalização da Rua Vidal Ramos, no Centro de Florianópolis, aplicando-se sobreposição de imagem do projeto acabado.

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cm), faixa elevada de tráfego com a restrições físicas nas laterais (bollards) , ciclovia, etc. Esse projeto, voltado mais ao tráfego de pedestres e ciclistas, manteve o tráfego de passagem de veículos mas garantindo a baixa velocidade e obteve a aprovação dos comerciantes locais (Figura 7).

CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES

As conclusões que foram tiradas é que, com esse cenário crescente de venda de veículos automotores e a dificuldade em se reabilitar espaços públicos, principalmente àquelas vias locais, dispor de mecanismos que permitam aos moradores entenderem mais sobre a dinâmica das cidades, mostrando-lhes aspectos positivos e negativos de “nossas” escolhas, é fundamental para a construção da “cidade ideal e possível”.

A idéia, ainda em fase inicial, de transformar determinadas ruas estreitas com problemas com excesso de velocidade e falta de calçadas, deve ser continuada, ainda mais quando estas se ligam com vias coletoras.

Deve-se tomar o cuidado para não consolidar aspectos que devem ser prioritariamente revertidos. Onde for possível rever a situação, através de relocção de casas, em áreas de proteção ambiental, deve ser tentada, mas quando esta for de difícil aplicação, num caso onde não hajam áreas ou recursos para tal, essas medidas podem contribuir para a melhoria da qualidade de vida.

Quando houver uma configuração do tipo em que vias locais estreitas ligam vias coletoras (primárias ou secundárias), deve-se estudar àquelas possibilidades que permitam tráfego de passagem, controlando-as através de dispositivos de moderação de tráfego. As demais, sem prejuízo da segurança pública e a bem da qualidade de vida, podem ser transformadas em Ruas Jardins, assemelhando-se ao tráfego compartilhado, com restrição de velocidade, construção de elementos físicos que propiciem maior espaço de convívio entre as pessoas, mesmo que se tenha de forma eventual e controlada o tráfego de veículos.

Enfim, Florianópolis é um bom exemplo nesse ponto e a valorosa contribuição dada pelos inúmeros abnegados em discutir sua cidade, de forma voluntária por parte da população, prova que os gestores públicos não devem medir esforços no sentido de possibilitar a discussão quanto aos caminhos das cidades.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

(1) BHTRANS. Manual de moderação de tráfego. Disponível em <www. bhtrans .pbh.gov.br > Acesso em 17/06/2009.

(2) Agência AutoInforme. Disponível em <http://www.autoinforme.com.br> Acesso secundário a http://joelleite.blig.ig.com.br/. Acesso em 27/06/2009.

(3) DENATRAN. Estatística de frota registrada. Disponível em <http://www.denatran.gov.br>. Acesso em 27/06/2009.

(4) FLORIANÓPOLIS (SC). Prefeitura Municipal de Florianópolis. Disponível em <http://www.prm.sc.gov.br>. Acesso em 20/06/2009.

(5) CMF. Lei Complementar 001/1997. Câmara de Vereadores de Florianópolis. Legislação. Disponível em http://www.cmf.sc.gov.br Acesso em 20/06/2009.

AGRADECIMENTOS: Ao IPUF, Diretoria de Planejamento e de Operações, SMO, Arq. Antonio Miranda(AH-8), Representantes Distritais, equipe do PDP, ao Paulo Spinelli(representante do ND Norte da Ilha.