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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ ELISA RAFAELA RODRIGUES FERREIRA DE LIMA O USO ANORMAL DA PROPRIEDADE CURITIBA 2015

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

ELISA RAFAELA RODRIGUES FERREIRA DE LIMA

O USO ANORMAL DA PROPRIEDADE

CURITIBA

2015

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ELISA RAFAELA RODRIGUES FERREIRA DE LIMA

O USO ANORMAL DA PROPRIEDADE

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Marcelo Nogueira Artigas

CURITIBA

2015

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TERMO DE APROVAÇÃO

Elisa Rafaela Rodrigues Ferreira de Lima

O USO ANORMAL DA PROPRIEDADE

Este Trabalho de Conclusão de Curso foi julgado e aprovado para a obtenção do grau de Bacharel no Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas

da Universidade Tuiuti do Paraná.

Curitiba, ____ de _________________ de 2015.

____________________________________ Prof. Dr. PHD Eduardo de Oliveira Leite

Coordenador do Núcleo de Pesquisa

Banca Examinadora:

Orientador Prof. Dr. Marcelo Nogueira Artigas ____________________

Membro da Banca: Prof. Dr.__________________________________

Membro da Banca: Prof. Dr.__________________________________

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho à minha família,

Meu namorado,

Meus amigos,

Aos meus professores,

E à todos que contribuíram

para que eu pudesse realizá-lo.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço, primeiramente à Deus, por ter chegado até aqui.

Agradeço, aos meus pais, Nelli e Arnaldo, à minha irmã, Ana Leticia, pelo

apoio e pelo suporte, e, em especial à minha mãe, pela atenção e preocupação.

Agradeço, ao meu namorado, Rafael, pelo amor, carinho e incentivo durante

todo esse período.

Agradeço, aos meus amigos e colegas, pela amizade e companheirismo.

Agradeço, ao meu orientador, Prof. Marcelo Artigas, pela atenção e

dedicação.

E, agradeço à todos os meus professores, por seus ensinamentos.

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EPÍGRAFE

“Teu dever é lutar pelo Direito. Mas no dia em que encontrares o Direito em conflito com a Justiça, luta pela Justiça."

Eduardo Juan Couture

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RESUMO

O direito é propriedade fora concebido como uma relação entre o individuo e o seu bem, de modo que este pudesse usá-lo conforme a sua vontade. Ocorre que, ao longo dos anos, a autonomia da vontade perdeu seu caráter absoluto, diante das interferências incômodas que acarretavam ao prédio vizinho. Assim, para evitar conflitos entre os proprietários vizinhos, nasceu o direito de vizinhança composto por limitações aos direitos inerentes dos proprietários e interesse social. A necessidade de uso e gozo por parte de proprietários, faz que as práticas ao exercício do direito de propriedade seja extrapolada, gerando no uso anormal da propriedade, e consequentemente conflitos de vizinhança. O presente trabalho consistirá na conceituação, e caracterização do mau uso, assim como a descrição de algumas situações que caracterizam perturbação ao sossego, risco a saúde e a segurança dos proprietários vizinhos, assim como a análise acerca do posicionamento doutrinário e jurisprudencial nos casos concretos.

Palavras-chave: Uso anormal da propriedade; uso nocivo da propriedade; direito de vizinhança; responsabilidade civil.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 9

2. DIREITOS DE VIZINHANÇA ................................................................................ 10

2.1 NOÇÕES INTRODUTÓRIAS .............................................................................. 10

2.2 CLASSIFICAÇÃO DO DIREITO DE VIZINHANÇA ............................................. 11

2.3 DISTINÇÃO ENTRE DIREITO DE VIZINHANÇA E SERVIDÃO ......................... 12

2.4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 13

3. USO ANORMAL DA PROPRIEDADE .................................................................. 14

3.1 ESFERAS JURÍDICAS TUTELADAS PELO ARTIGO 1.277 DO CÓDIGO CIVIL .................................................................................................................................. 15

3.1.1 OFENSAS À SEGURANÇA ............................................................................. 16

3.1.2 OFENSAS AO SOSSEGO ............................................................................... 17

3.1.3 OFENSAS À SAÚDE........................................................................................ 19

3.2 ELEMENTOS DO USO NOCIVO DA PROPRIEDADE ....................................... 21

3.3 DISTINÇÃO ENTRE ATOS ILEGAIS, ABUSIVOS E EXCESSIVOS .................. 23

3.4 HIPÓTESES DE CONFLITO DE VIZINHANÇA .................................................. 25

3.4.1 Uso normal, causando incômodos normais. Solução: Nenhum direito para o

prejudicado ................................................................................................................ 26

3.4.2 Uso normal, causando incômodos anormais, mas socialmente necessários.

Solução: Direito do prejudicado à indenização.......................................................... 26

3.4.3 Uso anormal, causando danos anormais, sem justificação social por inexistir

interesse coletivo na atividade. Solução: o prejudicado pode exigir a cessação do

uso. ........................................................................................................................... 28

4. AÇÕES DECORRENTES DO USO NOCIVO DA PROPRIEDADE ...................... 29

4.1 AÇÃO INDENIZATÓRIA...................................................................................... 29

4.2 AÇÃO COMINATÓRIA ........................................................................................ 31

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4.3 AÇÃO DE DANO INFECTO ................................................................................ 33

4.4 AÇÃO DEMOLITÓRIA......................................................................................... 34

4.5 AÇÃO DE NUNCIAÇÃO DE OBRA NOVA .......................................................... 35

5. CONCLUSÃO ....................................................................................................... 37

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 38

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1. INTRODUÇÃO

O direito de propriedade está garantido pela Constituição Federal, em seu

artigo 5°, XXII, e no Código Civil, a partir do artigo 1.228. Porém, o exercício da

propriedade não pode ser usado de forma ilimitada, de acordo com a vontade de seu

titular, uma vez que o exercício pleno por um proprietário aniquilaria o direito do

outro.

O proprietário não poderá utilizar de sua propriedade, de modo a causar

incômodos aos seus vizinhos. Quando isso ocorre, nasce o conflito de vizinhança.

Foi dessa necessidade de estabelecer limites que nasceram os direitos de

vizinhança, com o intuito de evitar e solucionar os problemas entre os vizinhos

conflitantes.

Assim como a sociedade, os direitos de vizinhança estão em corrente

transformação, devendo ser aperfeiçoados, dado a necessidade de atender aos

interesses individuais e coletivos que mudam constantemente.

Diante do aumento de pessoas, principalmente nos centros urbanos, também

cresceu o número de conflitos entre os vizinhos, dado a proximidade geográfica das

propriedades, principalmente nos condomínios verticais e horizontais, onde se torna

impossível o isolamento dos imóveis.

O presente trabalho tem por intuito o estudo e pesquisa orientada acerca do

uso anormal da propriedade, segundo o qual o proprietário ou possuidor não pode

exercer seu direito sobre o seu bem de modo a prejudicar a segurança, o sossego e

a saúde daqueles que habitam os prédios vizinhos.

O presente estudo ainda busca esclarecer o que pode ser caracterizado como

uso normal ou anormal da propriedade e de que forma pode acarretar prejuízo ou

incômodo aos vizinhos, o entendimento jurisprudencial e doutrinário sobre o tema e

suas divergências, e como o judiciário tem agido para cessar ou responsabilizar

aqueles que abusam do direito de usar da propriedade.

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2. DIREITOS DE VIZINHANÇA

2.1 NOÇÕES INTRODUTÓRIAS

O Direito de Propriedade presente em nosso ordenamento jurídico, dispõe

que o proprietário tem o direito de usar, gozar, usufruir e dispor daquilo que lhe

pertence. Porém, o direito de propriedade não pode ser exercido em sua plenitude,

dadas as restrições e limitações fundadas em interesse de ordem pública e privada,

devendo assim, prevalecer o bem e o interesse social dos proprietários vizinhos e da

coletividade, a fim de que todos possam conviver em harmonia.

Os direitos de vizinhança são baseados em princípios da boa convivência, por

isso, o proprietário tem o direito de usar e gozar da propriedade limitado por uma

norma jurídica vigente, a fim de que as relações de vizinhança possam se tornar

menos conflituosas, atendendo tanto a função social da propriedade quanto o bem-

estar individual. Dessa forma, os autores Cristiano Chaves de Farias e Nelson

Rosenvald, ensinam

Nos direitos de vizinhança a norma jurídica limita a extensão das faculdades de usar e gozar por parte dos proprietários e possuidores de prédios vizinhos impondo-lhes um sacrifício que precisa ser suportado para que a convivência social seja possível e para que a propriedade de cada um seja respeitada. Cada proprietário compensa seu sacrifício com a vantagem que lhe advém do correspondente sacrifício do vizinho. Se assim não fosse, se os proprietários pudessem invocar reciprocamente o seu direito absoluto, na colisão de direitos todos estariam impossibilitados de exercer suas faculdades, pois as propriedades aniquilar-se-iam. Aplica-se a máxima: Nosso direito vai até aonde começa o de nosso semelhante. (FARIAS; ROSENVALD, 2009, p. 435)

Nesse sentido, faz-se referência ao comentário da jurista Maria Helena Diniz,

que diz: “os direitos de um proprietário vão até o limite onde têm início os de seu

vizinho e vice-versa”. (DINIZ, 2011, p. 265)

As restrições existentes no exercício da propriedade nasceram da

necessidade de adequar as condutas dos proprietários confinantes, uma vez que a

vizinhança por si só, já gera conflitos. Sendo assim, os atos praticados pelos

proprietários ou possuidores que afetem o prédio vizinho ou o morador, causando

dano ou incômodo, faz surgir o conflito de vizinhança.

Ensina o autor Aldemiro Rezende Dantas Júnior, que o direito de vizinhança

“nada mais é do que um conjunto de direitos e deveres impostos aos vizinhos pelo

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simples fato de serem vizinhos.” (FARIAS; ROSENVALD, 2009, p. 435 apud

DANTAS JUNIOR).

As normas que tutelam os direitos de vizinhança têm por objeto proteger os

interesses privativos dos proprietários, de modo que eles possam usar e fruir da

forma mais ampla de sua propriedade, mas assegurando que o façam dentro do

limite para manter a harmonia entre os vizinhos confinantes, atingindo assim, a

função social da propriedade e preservando os interesses sociais.

A expressão propriedade vizinha não se refere apenas aos prédios

confinantes, mas todos aqueles que possam vir a sofrer interferências ou serem

alcançados pelos atos praticados por aquele proprietário. Assim, explica Marco

Aurelio Viana

“o barulho provocado por um bar, boate, qualquer atividade desse gênero, o perigo de uma explosão, fumaça decorrente da queima de detritos, badalar de um sino, gases expelidos por postos de gasolina, entre vários outros casos, em que se apresenta uma interferência de prédio a prédio, sem importar a distância, desembocam em conflito de vizinhança”. (FARIAS; ROSENVALD, 2009, p. 435 apud VIANA).

Sobre a palavra prédio, ressalta-se que não há distinção entre imóvel rural ou

urbano; residencial, comercial ou industrial, devendo apenas ser uma edificação

dentro de um condomínio. Mesmo um terreno que não possui uma edificação é

considerado imóvel em sentido amplo. Dessa forma, necessita apenas que um

imóvel faça interferência no outro.

Doutrinadores como San Tiago Dantas, Antonio Chaves e Silvio Rodrigues,

admitem que a natureza jurídica dos direitos de vizinhança, são obrigações propter

rem, ou seja, surge junto com a propriedade e a acompanha, atingindo todos

aqueles que possuam “uma situação jurídica de titularidade de direito real ou

parcelas dominiais (usufrutuário) ou mesmo, a quem exerça um poder fático sobre a

coisa (possuidor)”. Assim, mesmo se houver uma mudança na titularidade, as

obrigações seguem a propriedade, como é o caso dos sucessores que tem as

mesmas obrigações do sucedido com os vizinhos. (FARIAS; ROSENVALD, 2009, p.

437).

2.2 CLASSIFICAÇÃO DO DIREITO DE VIZINHANÇA

Os direitos de Vizinhança podem ser classificados em onerosos ou gratuitos.

Será oneroso quando a interferência causada ao prédio vizinho necessitar de

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indenização e gratuito, quando da interferência, não ser preciso indenização.

O doutrinador Silvio Rodrigues, explica que no âmbito oneroso “ao mesmo

tempo em que a lei impõe restrição ao domínio do vizinho, concede-lhe direito à

indenização”. O autor cita como exemplo a passagem forçada. (RODRIGUES, 2009,

p. 121)

Os artigos 1.285 e 1.304 do Código Civil de 2.002, dispõe que:

Art. 1.285. O dono do prédio que não tiver a via pública, nascente ou porto, pode, mediante pagamento de indenização cabal, constranger o vizinho a lhe dar passagem, cujo rumo será judicialmente fixado, se necessário. Art. 1.304. Nas cidades, vilas e povoados cuja edificação estiver adstrita a alinhamento, o dono de um terreno pode nele edificar, madeirando na parede divisória do prédio contíguo, se ela suportar a nova construção; mas terá de embolsar ao vizinho metade do valor parede e do chão correspondentes.

.

Em relação aos direitos de vizinhança gratuitos, a restrição à propriedade virá

desacompanhada de indenização:

Assim, o proprietário que recebe as águas que fluem do prédio superior, ou, o que permitir em seu prédio ingresso do vizinho que vem reparar o próprio; ou, o que se apresenta impedido de construir janela a menos de meio metro da linha lindeira. Nenhum destes proprietários tem direito a qualquer indenização. Estas limitações não são passiveis de indenização porque já, por si só, criam restrições reciprocas e presumidas entre os vizinhos. (RODRIGUES, 2009, p. 121)

2.3 DISTINÇÃO ENTRE DIREITO DE VIZINHANÇA E SERVIDÃO

Por mais que ambos tenham surgido de uma relação que liga dois prédios, o

direito de vizinhança não pode ser confundido com o direito real de servidão, pois

apesar de aspectos semelhantes apresentam distinções, como:

1 – O direito de vizinhança decorre da lei, já a servidão advém da vontade

das partes que assim convencionam.

2 – O direito de vizinhança é um conjunto de direitos e deveres que o

legislador criou a fim manter a harmonia e o interesse individual e coletivo de cada

proprietário com seus vizinhos. A servidão “é um direito real sobre a coisa alheia,

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estabelecido no interesse do proprietário do prédio dominante, este desfruta de uma

prerrogativa sobre o prédio serviente, sem que a recíproca seja verdadeira”.

(RODRIGUES, 2009, p. 116)

Ainda, de acordo com San Tiago Dantas, o Direito Civil, disciplinou as

relações de vizinhança de duas formas: pela convenção entre eles e pelas normas

de direitos de vizinhança. A servidão seria a disciplina voluntária do conflito de

vizinhança e, em sua falta, prevaleceriam as norma supletivas referentes a

vizinhança. (FARIAS; ROSENVALD, 2009, p. 437 apud DANTAS)

3 – O direito de vizinhança advém do simples fato das propriedades serem

imóveis próximos, não há registro. Já a servidão, é direito real sobre a coisa e móvel,

e precisa estar registrada no cartório de imóveis competente para se constituir ou se

transmitir por atos entre vivos.

2.4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os conflitos que já possuem uma relação jurídica entre as partes, por

exemplo, locador e locatário e condomínios edilícios, a principio não estão

protegidos pelo direito de vizinhança, pois devem resolver suas pendências através

de normas especiais, como o contrato de locação e condomínio edilício e

incorporação imobiliária. Porém, poderá ser aplicada a elas, se forem afetados pelo

uso anormal da propriedade.

Assim, quando as condutas de um proprietário causar ou estarem na

iminência de causar interferência ou prejuízo à outro, no que tange a saúde, ao

sossego e a segurança, constituindo o mau uso da propriedade, poderão se valer

dos direitos de vizinhança.

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3. USO ANORMAL DA PROPRIEDADE

O princípio geral que norteia os direitos e as relações de vizinhança, é de que

o proprietário ou possuidor, não pode usar de seu direito de propriedade, de modo à

prejudicar a saúde, a segurança e o sossego de seus vizinhos.

Portanto, os proprietários devem exercer seus direitos sobre a sua

propriedade de forma moderada, observando as regras de convívio social e moral,

mantendo, portanto, o respeito com os demais vizinhos, de forma que todos

convivam em harmonia.

O uso anormal da propriedade decorre do ato que ocasiona prejuízo, dano,

transtorno ao proprietário vizinho, de forma intencional ou não, descaracterizando a

finalidade da vizinhança e a função social da propriedade. Assim, “a obrigação não

de usar mal a propriedade corresponde o direito do vizinho de promover a

interrupção do incômodo”. (RODRIGUES, 2009, p. 122)

O uso anormal da propriedade vem disciplinado nos Direitos de Vizinhança,

nos artigos 1.277 a 1.281 do Código Civil de 2.002. A redação do novo Código Civil

incluiu também a titularidade do possuidor (direto ou indireto), o que não era

observado no Código Civil de 1.916. Eis a redação do artigo:

Art. 1.277. O proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha. Parágrafo único. Proíbem-se as interferências considerando-se a natureza da utilização, a localização do prédio, atendidas as normas que distribuem as edificações em zonas, e os limites ordinários de tolerância dos moradores da vizinhança.

Silvio de Salvo Venosa informa que os artigos 554 e 555 do Código Civil de

1.916, possuíam forma genérica e serviam de base para os conflitos de vizinhança,

que não estavam descritos em casos particulares. (VENOSA, 2010, p. 289)

Art. 554. O proprietário ou inquilino de um prédio tem o direito de impedir que o mau uso da propriedade vizinha possa prejudicar a segurança, o sossego e a saúde dos que habitam. Art. 555. O proprietário tem direito de exigir do dono do prédio vizinho a demolição, ou reparação necessária, quando este ameace ruína, bem como que preste caução pelo dano iminente.

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Além dos proprietários, podem-se valer dos dispositivos jurídicos que regem

os direitos de vizinhança, os chamados proprietários aparentes, que abrangem os

“titulares de direito reais (usufrutuário, superficiário) e obrigacionais (locatário,

comodatário), que exercitem ingerência socioeconômica sobre o bem móvel na

qualidade de possuidores, sem qualquer relação com o proprietário”. (FARIAS;

ROSENVALD, 2009, p. 437)

Importante ressaltar que para se caracterizar o uso nocivo, não há

necessidade que as propriedades sejam contíguas, bastando que haja proximidade

e as interferências repercutam de uma sobre a outra.

Dessa forma, o mau uso da propriedade é entendido quando aquela conduta

do proprietário ou possuidor é exagerado, e excede o limite do tolerável,

prejudicando assim, a segurança, saúde e sossego dos vizinhos.

Com referência ao disposto acima, o autor Arnaldo Rizzardo, ensina que

“várias formas representam o mau uso: as ofensas à segurança pessoal ou dos bens, como se o prédio vizinho apresenta sintomas de que vai cair; os detritos que dele emanam; as ofensas ao sossego, como ruídos, gritaria, música, diversões e arruaças – tudo de molde a trazer intranquilidade e incômodos aos moradores de prédios próximos; o perigo ou ameaça de ofensa à saúde, como a emanação de gases tóxicos de constante fumaça, e de odores desagradáveis.” (RIZZARDO, 2009, p. 491)

A Teoria do Uso Normal da Propriedade, desenvolvida pelo jurista alemão

Rudolf von Ihering, é adotada pela doutrina nacional majoritária, em que proíbe-se a

a utilização da propriedade quando esta incomodar ou prejudicar seus vizinhos,

extrapolando o nível do normal e aceitável e causando portanto, uma imissão nociva

na posse ou na propriedade alheia.

Isto posto, o uso normal da propriedade é aquele em que o exercício dos

direitos da propriedade atentam-se para a preservação da segurança, sossego e

saúde dos moradores vizinhos daquela localidade.

3.1 ESFERAS JURÍDICAS TUTELADAS PELO ARTIGO 1.277 DO CÓDIGO

CIVIL

O uso nocivo da propriedade, de acordo com o disposto no artigo 1.277 do

Código Civil, se dá através da ofensa à segurança, ao sossego e à saúde dos

habitantes do prédio vizinho. A seguir, veremos como se caracterizam as ofensas a

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estas esferas jurídicas tuteladas pelo referido dispositivo.

3.1.1 Ofensas à segurança

Os atos praticados pelo proprietário ou possuidor não poderão comprometer a

segurança de seus vizinhos, tanto a integridade física do indivíduo quanto a

segurança material do imóvel. “São ofensas à segurança pessoal ou dos bens todos

os atos que comprometerem a estabilidade de um prédio e a incolumidade de seus

moradores.” (FARIAS; ROSENVALD, 2009, p. 440)

No que diz respeito à segurança, podemos citar um rol de condutas que

atentam contra a segurança: a indústria que produz trepidações danosas,

acarretando fendas em prédios ao redor; edifício vizinho que ameaça ruína, cujos

destroços acarretam a destruição de plantações, animais ou imóveis; existência de

árvores que ameaçam tombar no prédio contíguo; existência de poço em terreno

aberto que pode dar lugar a queda de transeunte; construção de açude ou

congênero junto ao limite com o prédio vizinho, sujeitando-o a infiltrações.

A ofensa à segurança da pessoal do vizinha pode se dar de duas formas:

direta e indireta. A direta, como uma indústria vizinha expelindo gases letais no ar

(mas que não causa efeito diretamente no imóvel). E a indireta, coloca em risco a

segurança do imóvel, e consequentemente ameaça a incolumidade pessoal do

vizinho, como exemplo, a escavação ao redor de imóvel, que compromete a solidez

da estrutura predial.

Ressalta-se ainda, que o direito protege tanto o imóvel quanto os bens móveis

(plantações) e semoventes (animais). Se o indivíduo não estiver no imóvel, o que

será protegido é a integridade do bem em si, pois a segurança pessoal do vizinho

não está em perigo.

Consta no artigo 1.280 do Código Civil de 2002, que a proteção material do

imóvel também está incluída na ameaça de ruína, perigo de incêndio, rachaduras,

infiltrações, fazendo com que o proprietário que der causa, tenha que demolir,

reparar ou prestar caução pelo dano iminente. Eis a redação:

Art. 1.280. O proprietário ou o possuidor tem o direito a exigir do dono do prédio vizinho a demolição, ou a reparação deste, quando ameace ruína, bem como que lhe preste caução pelo dano iminente.

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No que concerne ofensa à segurança, decidiu o Tribunal de São Paulo:

DIREITO DE VIZINHANÇA. Cerceamento de defesa Inocorrência. Plantação de eucaliptos na divisa das propriedades. Alegação de interferência prejudicial à segurança, sossego e saúde dos autores. Prova pericial que conclui pelo plantio sem observância de um limite de segurança, evidenciando o risco aos autores. Uso abusivo da propriedade reconhecido. Dano moral caracterizado. Fixação da indenização. Valor indenizatório compatível com os fatos. Sentença parcialmente reformada para julgar integralmente procedente a ação. Agravo retido dos autores não provido. Apelação do réu não provida e apelação dos autores provida. (TJ-SP - APL: 00008972720098260159 SP 0000897-27.2009.8.26.0159, Relator: Sá Moreira de Oliveira, Data de Julgamento: 28/07/2014, 10ª Câmara Extraordinária de Direito Privado, Data de Publicação: 28/07/2014)

3.1.2 Ofensas ao Sossego

A ofensa ao sossego é a perturbação da tranquilidade, da paz do indivíduo.

Atualmente, a principal causa dos conflitos de vizinhança é a perturbação sonora,

que pode ser exemplificada através do trânsito, festas noturnas espalhafatosas em

residências, música alta, rádio e televisão, boates, bares, algazarras, animais,

badalar dos sinos da igreja, cultos em templos religiosos, atividades de construção,

indústria, serrarilha, instrumentos musicais, dentre muitos outros ruídos intensos que

acarretam enormes desgastes ao bem-estar do ser humano.

Para verificar se houve prejuízo ou lesão causado pelo barulho ao vizinho, é

preciso analisar a intensidade, a frequência e o tempo de duração.

É possível perceber se a ofensa ao sossego caracteriza uso nocivo da

propriedade, se um vizinho, por exemplo, faz festa todo o sábado e domingo,

adentrando a madrugada, com som, música, conversa e risada alta.

No caso acima, fica evidenciado à ofensa ao sossego, uma vez que a

perturbação se repete reiteradas vezes, além de comprometer a tranquilidade dos

residentes próximos em um período que se tem para descanso.

Importante salientar, que além da perturbação ao sossego, o incômodo

sonoro, interfere no campo mental e físico do indivíduo, acarretando stress,

alteração do ritmo cardíaco, tensão arterial, problemas respiratórios, fadiga, angústia

outras alterações psicológicas.

Nas palavras de Francisco Loreiro “o sossego deve ser encarado como

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tranquilidade e, maiormente, paz de espírito, valores de cunho essencialmente

subjetivo, logo, a sua violação atenta contra o equipamento psíquico do indivíduo e,

a partir de tal viés, merece ser encarado como um dos direitos à integridade moral

do homem, tangendo, por vezes, os direitos à intimidade, à imagem e à

incolumidade da mente. (FARIAS; ROSENVALD, 2009, p. 440, apud San Tiago

Dantas)

Nesse sentido, os cantores Sá, Rodrix & Guarabyra1, compuseram

“Ama teu vizinho como a ti mesmo,

Mesmo que ele faça barulho,

Mesmo que ele acorde as crianças de madrugada,

Ele também gosta de silêncio,

Mas ele também quer sossego,

Mas acontece que ele vive num horário diferente do teu!”

Por outro lado, diante das necessidades da vida moderna, é inviável a

ausência completa de ruídos. Dessa forma, essas atividades que emanam barulho e

perturbam o sossego da vizinhança, não precisam ser totalmente cessadas,

bastando que a diminuição seja suficiente para que se evite conflitos e incômodos.

O doutrinador Nelson Nery Junior, ao comentar o artigo 1.277 do Código Civil

de 2.002, aduz que:

O Direito do Vizinho, exigindo que não seja molestado em seu sossego, não vai ao ponto de obrigar a paralização de todas as atividades ou a sua segurança; basta que os inconvenientes da vizinhança se reduzam ao mínimo, de forma tal que possam ser razoavelmente suportados. (NERY JUNIOR, 2009, p. 92)

A jurisprudência tem se pronunciado no seguinte sentido:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA PRODUÇÃO DE RUÍDOS ACIMA DOS LIMITES ESTABELECIDOS EM LEI NECESSÁRIA ADEQUAÇÃO ÀS NORMAS PERTINENTES SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA QUE DEVE SER MANTIDA RECURSO NÃO PROVIDO. Constitui-se ato ilícito a produção de

1 Sá, Rodrix & Guarabyra, foi um trio musical brasileiro, formado por Luiz Carlos Sá, Zé Rodrix e

Guttemberg Guarabyra, surgido no início da década de 1970.

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ruídos na área privativa da propriedade quando a sua emissão acarreta perturbação inaceitável para o vizinho, por ser prejudicial ao sossego, à segurança ou à saúde, traduzido no exercício irregular do direito de propriedade. Resta disso que, por meio de normais legais, destinadas à proteção do meio ambiente, foram estabelecidos limites às emissões de ruídos, aos quais o transgressor deve se adequar. Assim, resta mantida a condenação do apelante para que cesse a poluição sonora, bem como promova as adequações de seu estabelecimento para que os ruídos produzidos não ultrapassem o limite permitido, sob pena de multa diária. (TJ-SP, Relator: Paulo Ayrosa. Data de Julgamento: 11/12/2014, 2ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente) Apelação Cível. Ação de indenização por dano moral. Direitos de vizinhança. Uso nocivo do direito de propriedade. Poluição sonora. Situação que se manteve por aproximadamente três anos. Perturbação do sossego. Dever de indenizar. Quantum mantido. Negaram provimento ao apelo. (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Décima Sétima Câmara Cível/ Apelação Cível Nº. 70033119892/ Relatora: Desembargadora Elaine Harzheim Macedo/ Julgado em 25.02.2010).

3.1.3 Ofensas à saúde

No que tange à saúde, compreende o funcionamento tranquilo e normal do

organismo. Deste modo, lecionam Farias e Rosenvald, que “a salubridade física ou

psíquica pode ser afetada por moléstia à integridade de vizinhos, mediante agentes

físicos, químicos e biológicos, como na emissão de gases tóxicos, poluição de águas

e matadouros.” (FARIAS; ROSENVALD, 2009, p. 441)

Toda atividade da propriedade vizinha que afetar o estado e as funções

normais do organismo, caracterizam uso nocivo. Desse modo, o barulho que

provoca uma ofensa ao sossego, pode provocar uma ofensa à saúde, quando o

stress afetar a saúde física e mental do indivíduo. O mesmo ocorre com a

segurança.

A ofensa à saúde pode se revelar de duas formas: direta e indireta. A direta,

ocorre quando a fumaça tóxica de uma indústria é lançada diretamente ao ar e

penetra as propriedades adjacentes, provocando um mal-estar ou até mesmo a

morte do indivíduo, dependendo da quantidade. E a indireta, quando da manutenção

de um aterro sanitário ou lixão, fazendo multiplicar o número de ratos, baratas e

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outros tipo de animais, nas propriedades próximas, e consequentemente aumentar o

risco de contaminação dos moradores por conta disso.

Podemos citar como exemplo de ofensas à saúde: fumaça ou fuligem, a

criação de animais que exalem mau cheiro e o escoamento de suas fezes no prédio

inferior, os gases tóxicos, a queima de detritos com penetração de fumaça ou

odores, a presença de substâncias putrescíveis ou de águas estagnadas, a

descarga de esgoto sobre outros prédios ou ainda o recebimento de pessoas com

moléstias contagiosas ou repugnantes. (DINIZ, 2011, p. 268)

A jurisprudência abaixo citada, fortalece o que fora descrito sobre as condutas

que prejudicam a saúde:

JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS. DIREITO DE VIZINHANÇA. INTERFERÊNCIAS PREJUDICIAIS À SEGURANÇA, AO SOSSEGO E À SAÚDE. FUGAS DE CACHORRO, BARULHOS PERTURBADORES DE LATIDOS CONSTANTES E REPRODUÇÃO DE SOM ALTO DEVIDAMENTE COMPROVADOS. INCIDÊNCIA DIRETA DO ART. 1.277 DO CÓDIGO CIVIL. OBRIGAÇÃO DE FAZER ADEQUADAMENTE ESTIPULADA PELO JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU. PERTURBAÇÕES REITERADAS QUE OFENDERAM A TRANQUILIDADE E A PAZ DA AUTORA. DANOS MORAIS CARACTERIZADOS. VALOR DE R$ 3.000,00 FIXADO EM CONSONÂNCIA AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA PELOS SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. A Súmula de julgamento servirá de acórdão, conforme art. 46 da Lei n. 9.099/95. Condenado o recorrente vencido ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios que fixo em 10% (dez por cento) do valor da condenação. (TJ-DF - ACJ: 20130610163647 DF 0016364-09.2013.8.07.0006, Relator: FLÁVIO FERNANDO ALMEIDA DA FONSECA, Data de Julgamento: 12/08/2014, 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do DF, Data de Publicação: Publicado no DJE : 21/08/2014 . Pág.: 226)

Ação Cominatória - Direito de vizinhança. Obrigação de fazer e de não fazer - Retirada de cães, galinhas e galinheiro de residência vizinha dos autores - Remoção de água empoçada de piscina - Abstenção de uso nocivo da propriedade. [...] Dou parcial provimento ao recurso e julgo

procedente o pedido de obrigação de não fazer, impondo ao réu a abstenção de manter em seu imóvel criação de galináceos ou outros animais da fauna, com finalidades comerciais, ou de proteção, exceto os dois cachorros já existentes; manter água empoçada na piscina e quintal, sem limpeza e higiene compatíveis por mais de um dia. Imponho a multa diária de R$200,00, nos termos acima, para a hipótese de descumprimento de qualquer das obrigações. [...] os dados dos autos indicam a recalcitrância do réu no uso nocivo da propriedade e justificam o prognóstico de que se manter a sentença, o acionado, agora calcado em decisão judicial, dará de ombros para a saúde e o sossego da vizinhança e voltará a adotar o comportamento verberado, com riscos para a saúde e sossego dos vizinhos.

(TJ-SP, Relator: Reinaldo Caldas, Data de Julgamento: 02/02/2011, 29ª Câmara de Direito Privado)

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Todavia, há uma dificuldade para determinar quando há o uso nocivo da coisa

imóvel, cabendo muitas vezes ao magistrado decidir se está caracterizado lesão ao

direito daquele vizinho. Nesse sentido, explica o professor Silvio de Salvo Venosa

Odores insuportáveis, gases perigosos, ruídos excessivos, comportamentos que atentem contra a moral e os bons costumes, manutenção de animais em local impróprio ou inadequado, construções perigosas ou perniciosas à vizinhança e à coletividade, atividades inconvenientes ou insalubres na região, poluição de águas, etc., apenas a riqueza casuística e o bom-seno do juiz podem concluir. Eis a preocupação dos direitos de vizinhança: distinguir os limites do bom e do mau direito de vizinhança do tolerável e do intolerável, por vezes separados por linha demais tênue. (VENOSA, 2010, p. 294)

As jurisprudências apresentadas ilustram exemplos de como os Tribunais

vêm decidindo:

DIREITO DE VIZINHANÇA. AÇÃO COMINATORIA. USO ILEGAL E NOCIVO DA PROPRIEDADE. ARMAZENAMENTO DE RESÍDUOS SEM LICENÇA AMBIENTAL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PROVA IN RE IPSA. QUANTUM RAZOÁVEL E PROPORCIONALMENTE FIXADO. 1. No caso concreto, a autora se desincumbiu do ônus probatório que lhe impõe o art. 333, I, do CPC, demonstrando via prova documental, fotográfica e oral que a empresa vizinha faz uso ilegal e nocivo da propriedade ao armazenar resíduos sem licença ambiental e cuidados necessários. Assim sendo, resta configurado o espezinhamento e agressão ao direito à moradia, saúde, isonomia e demais representações da autora, situação que desafia a atenção e proteção do Poder Judiciário, via indenização por dano moral. 2. Quantificação do dano moral que atende as especificidades do caso concreto. APELAÇÃO DESPROVIDA. (Apelação Cível Nº 70051266716, Vigésima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Glênio José Wasserstein Hekman, Julgado em 02/07/2014) APELAÇÃO. DIREITO DE VIZINHANÇA. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. CONSTRUÇÃO COM INOBSERVÂNCIA DAS REGRAS DE SEGURANÇA PRÓPRIAS DO DIREITO DE VIZINHANÇA. DANOS NO IMÓVEL DOS AUTORES. NEXO DE CAUSALIDADE. DEMONSTRAÇÃO. LAUDO PERICIAL IRREFUTÁVEL. IRREGULARIDADES NAS OBRAS DOS RÉUS. DEMONSTRAÇÃO. APELO DOS RÉUS IMPROVIDO. O acervo probatório coligido nos autos confirma as irregularidades nas obras dos réus, configurando, por isso, uso nocivo de sua propriedade. O laudo pericial de engenharia e arquitetura, confirmado pelos esclarecimentos posteriores, é de solar clareza em confirmar o inadequado uso da propriedade decorrente das obras realizadas que deram origem ao conflito de vizinhança. (TJ-SP - APL: 00291767520108260001 SP 0029176-75.2010.8.26.0001, Relator: Adilson de Araujo, Data de Julgamento: 02/09/2014, 31ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 03/09/2014)

3.2 ELEMENTOS DO USO NOCIVO DA PROPRIEDADE

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O mau uso da propriedade é determinado conforme elementos analisados em

cada caso, dentre eles o grau de tolerabilidade e os uso e costumes de cada local. O

entendimento da jurisprudência fixa alguns elementos para a distinção no mau uso

da propriedade e do uso normal. Os elementos determinantes a serem considerados

para aferição do uso nocivo da propriedade, são:

1) Grau de tolerabilidade

O grau de tolerabilidade que se refere aos efeitos do uso anormal da

propriedade varia de acordo com o local e o tempo em que se encontra a relação de

vizinhança. Assim, a vida principalmente nas grandes cidades onde as propriedades

estão localizadas mais próximas uma das outras, não se pode ali pretender ter o

mesmo sossego que a vida no campo oferece. Por outro lado, “as exigências

edilícias urbanas serão muito maiores que as rurais.” (VENOSA, 2010, p. 294)

Quanto ao grau de tolerabilidade, é o juiz quem vai decidir se aquele

incômodo é intolerável ou não, pois se assim não o for, o juiz vai desprezar aquela

reclamação, pois a convivência social com os vizinhos, já faz com que cada um

tenha que ceder um pouco de seus direitos.

Para que o uso nocivo da propriedade seja caracterizado, se faz necessário

que o grau de tolerabilidade seja extrapolado causando prejuízos àquele vizinho,

sendo que este grau de tolerabilidade parte da análise do indivíduo normal ou

homem médio (nem muito tolerável, nem muito intolerável). Não pode se levar em

conta as particularidades de cada vizinho, mas deve valer-se de um modelo

genérico, em que o individuo médio toleraria naquele momento e naquele local.

Porém, se por outro lado, o incômodo passar dos limites do tolerável, ou a

lesão ao vizinho se revelar enorme, o juiz deverá considerar essas circunstâncias e

decidir de forma a proteger o proprietário prejudicado.

Nossos Tribunais vêm entendendo desta forma:

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITOS DE VIZINHANÇA. AÇÃO DE NUNCIAÇÃO DE OBRA NOVA. ILEGITMIDADE PASSIVA. RAZÕES DO RECURSO DE APELAÇÃO DISSOCIADAS. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. - A preliminar do recurso de apelação, cujas razões não atacam o que fora decidido pela sentença monocrática hostilizada é inepta e, portanto, não pode ser conhecido em Segundo Grau de Jurisdição. - O dano moral é a lesão/violação de um direito personalíssimo que cause na vítima sensações negativas ou desprazerosas, que transborda a normalidade e a tolerabilidade do homem médio. É o rompimento do equilíbrio psicológico, é

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a violação da dignidade da pessoa humana. - Não comprovada a violação de direito personalíssimo, indevido o reconhecimento de dano moral. APELO CONHECIDO EM PARTE, NA PARTE CONHECIDA, DESPROVIDO. (Apelação Cível Nº 70058312570, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Gelson Rolim Stocker, Julgado em 20/03/2014) (TJ-RS - AC: 70058312570 RS , Relator: Gelson Rolim Stocker, Data de Julgamento: 20/03/2014, Décima Sétima Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 25/03/2014)

Apelação Cível. Direitos de Vizinhança. Ação de Indenização por Danos Materiais e Morais. Danos provocados por obra. Prova pericial conclusiva. 1. A prova constante nos autos é farta a demonstrar que a obra promovida pela apelante causou um recalque diferencial no terreno dos autores, danificando-os. 2. Evidente a angústia e sofrimento dos autores, diante do medo de que as fissuras se agravassem, além do risco de prejuízos à saúde em razão das infiltrações. Logicamente, tal situação não se enquadra em ‘meros dissabores do dia-a-dia’, restando caracterizado o dano moral. 3. Valor da indenização fixado abaixo do parâmetro adotado por esta Câmara, descabendo a redução pretendida pela recorrente. Apelo Desprovido. (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Décima Nona Câmara Cível/ Apelação Cível Nº 70048089882/ Relator: Desembargador Eugênio Facchini Neto/ Julgado em 22.05.2012)

2) A localização do prédio

A localização do prédio é fundamental para a análise dos critérios de

identificação da normalidade ou anormalidade decorrentes do uso da propriedade,

uma vez que o ambiente urbano não pode ser comparado com ambiente rural, e da

mesma forma, a área residencial exige menos limites de tolerância em comparação

a área industrial.

3.3 DISTINÇÃO ENTRE ATOS ILEGAIS, ABUSIVOS E EXCESSIVOS

Nasce o conflito de vizinhança, quando a prática de um ato acarreta ao prédio

vizinho dano ou incômodo anormal excessivo, consistindo no mau uso da

propriedade. Porém, esses atos devem ser analisados se estão dentro do âmbito do

direito.

“Os atos ilegais consistem na conduta voluntária lesiva aos interesses de

vizinhos. O proprietário viola um dever legal de cuidado, intencionalmente ou por

inobservância da cautela devida. São atos ilícitos subjetivos, tutelados

genericamente pelo art. 186 do Código Civil.” (FARIAS; ROSENVALD, 2009, p. 442)

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Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

O exemplo que se aplica à situação acima citada, é do proprietário que joga

lixo no imóvel vizinho. Nesse caso, a sanção a ser aplicada a este morador, será o

da responsabilidade civil, não precisando se valer de normas que regem o direito de

propriedade.

O critério verificado no mau uso da propriedade é objetivo, sem que seja

analisado a vontade do causador do dano. Assim, o vizinho lesado pode fazer uso

de suas pretensões, sem importar se o causador teve a intenção de prejudicar ou

lesar, pois a responsabilidade é objetiva e independe de culpa.

Os atos abusivos, são aqueles atos que estão de acordo com o exercício

normal da propriedade, porém, com desvio de finalidade. “Apesar do ato não violar

formalmente os limites da lei, desvia-se dos limites materiais do ordenamento

jurídico, posto que exercitando sem função social ou contrariamente a boa-fé

objetiva (art. 187 do Código Civil)”. (FARIAS; ROSENVALD, 2009, p. 442)

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um prédio que, ao exercê-lo excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

O abuso de direito no novo código civil, é trazido como um ato ilícito em

sentido objetivo. Assim, o prédio que é construído, em conformidade com as leis

municipais e legislação pertinente, porém, devido à sua altura, acaba por encobrir a

iluminação das casas adjacentes. Outro exemplo, é o volume de decibéis das casas

noturnas permitidos, mas que acabam por perturbar os moradores vizinhos.

E por fim, os atos excessivos, “têm-se em mira o limite de exercício e a

finalidade da propriedade fixado pelo ordenamento. Excedido esse limite, o agente

está obrigado a reparar os danos, cessar a moléstia ou repor a situação no estado

anterior. Se o extrapolamento do exercício é imbuído de má-fe, a conceituação

passa a ser a de ato ilícito.” (VENOSA, 2010, p. 296)

Os atos excessivos, mesmo legítimos, geram consequências anormais e

injustas, e por isso são passiveis de indenização por responsabilidade objetiva.

Exemplificando, a indústria que atende a todas as normas concernentes a

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segurança e saúde do trabalho, mas que a imissão dos gases prejudica os animais

da propriedade vizinha.

APELAÇÕES CÍVEIS - AÇAO DE INDENIZAÇAO POR DANOS MORAIS C/C OBRIGAÇAO DE FAZER - MEIO AMBIENTE - SIDERÚRGICA PRODUTORA DE FERRO GUSA - RUÍDO EXCESSIVO E LIBERAÇAO DE FULIGEM NA ATMOSFERA – Moradores dos bairros vizinhos a Indústria, que aproximadamente durante 2 anos, respiraram efluentes de fumaça e conviveram com os resíduos que se assentavam em suas roupas, móveis e residência . Configurada Poluição ambiental e sonora. Dano Moral Puro. Ausência de provas quanto à adequação das atividades da Indústria. (TJ-MS, Relator: Des. João Maria Lós, Data de Julgamento: 30/05/2012, 1ª Câmara Cível)

Enfim, a distinção entre o ilícito, abusivo e excessivo, é simplesmente

acadêmica, em direito de vizinhança, mesmo os atos normais que acarretarem

interferência no prédio contíguo, será equiparado ao mau uso. Assim, em termos

práticos, o que produzir ruídos excessivos ou moderados acarretará incômodo ao

vizinho, e é neste ponto que entra o limite do tolerável.

3.4 HIPÓTESES DE CONFLITO DE VIZINHANÇA

Foi a partir da notável doutrina de San Tiago Dantas, em sua obra

consolidada O Conflito de Vizinhança e Sua Composição, o autor brasileiro conciliou

duas teorias, diferenciando inicialmente o uso normal e anormal da propriedade.

(WALD, 2009, p. 174 apud DANTAS).

Destas teorias, surgiram três hipóteses de conflito de vizinhança. São elas:

1. Uso normal, causando incômodos normais. Solução: nenhum direito

para o prejudicado.

2. Uso normal, causando incômodos anormais, mas socialmente

necessários. Solução: Direito do prejudicado à indenização.

3. Uso anormal, causando danos anormais, sem justificação social por

inexistir interesse coletivo na atividade. Solução: o prejudicado pode exigir a

cessação do uso.

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Percebe-se que o Código Civil de 2002 utilizou-se da trilha do grande autor, e

estas hipóteses também foram adotadas em nossa jurisprudência.

3.4.1 Uso normal, causando incômodos normais. Solução: Nenhum direito

para o prejudicado

A interferência nociva que um vizinho produz sobre ao outro, varia de acordo

com aquele que sofreu o incômodo, ou seja, um aceita mais e outro aceita menos.

Nesse sentido, a nocividade do ato não deve levar a suscetibilidade particular de

cada indivíduo, mas sim um padrão de receptividade abstrata.

Destarte, leva-se em consideração três requisitos:

1 – Homem médio: é considerada uma pessoa mediana, que sempre está no

meio dos dois opostos, máximo e mínimo. É uma pessoa moderada em tudo, cujas

características são todas razoáveis.

2 – zona de conflito: é levado em consideração a localização, usos e

costumes de diversas regiões, não considerando a normalidade entre uma área

residencial e uma área industrial.

3 – pré-ocupação: é aquela em que morador se instala na localidade por

primeiro e determina a destinação do local e serve de parâmetro para aferir a

normalidade da atuação do grau de tolerância em razão da perturbação pela qual o

vizinho está reclamando, não podendo ser absoluta. A destinação fixada pela pré-

ocupação pode ser posteriormente alterada ou ratificada pela legislação municipal.

O autor Arnold Wald, explica que “o uso normal não dá ao prejudicando

qualquer ação, pois há um mínimo de tolerância ao qual a lei obriga.” Quanto ao uso

anormal, devemos distinguir entre o uso anormal socialmente necessário e o que

não é. (WALD, 2006, p.174)

3.4.2 Uso normal, causando incômodos anormais, mas socialmente

necessários. Solução: Direito do prejudicado à indenização

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Algumas atividades praticadas dentro de uma propriedade, são de

necessidade e relevância social e não podem ser paralisadas. É caso de uma

indústria que emprega milhares de funcionários, mas onde a produção faz barulho.

Porém, esse barulho não é excessivo, mas ainda é barulho, interferindo nos

interesses privados dos vizinhos.

A redação do artigo 1.278 do Código Civil, traz que o proprietário não poderá

fazer cessas as interferências previstas no artigo 1.277, CC, quando estas forem

necessárias ou justificadas pelo interesse público. Temos como exemplo, o barulho

produzido pelas sirenes das ambulâncias que atendem à um hospital, ou o ruído

produzido pelos aviões que tem rota em cima de área residencial, que é o caso do

Aeroporto Internacional de Guarulhos, no estado de São Paulo, os quais tiram o

sossego da vizinhança ali residente.

Maria Helena Diniz, explica que se as interferências que não puderem ser

cessadas em decorrência do interesse público poderão ser indenizadas.

“o proprietário não terá direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, à saúde e ao sossego se elas forem justificadas por interesse público que prevalece sobre o particular (por exemplo, abertura de poço artesiano ou construção de açude que acaba provocando umidade ou infiltrações em prédios vizinhos), caso em que o proprietário lesante pagará ao vizinho indenização cabal (CC, art. 1.278), que cubra integralmente os prejuízos sofridos”. (DINIZ, 2011, p. 270)

O artigo 1.279 do Código Civil, preceitua que se por decisão judicial, as

interferências devam ser suportadas, pode o vizinho reivindicar e exigir que os

incômodos sejam reduzidos aos limites da normalidade por meios de obras

(instalação de filtros nas fábricas, isolamento acústico em casas noturnas).

O magistrado ao analisar o conflito com o vizinho prejudicado, deverá levar

em consideração os princípios, principalmente, os da razoabilidade e a

proporcionalidade, e, em caso de choque de princípios, deverá optar por aquele que

tenha maior peso ou dimensão.

Assim, verifica-se que o legislador concedeu uma proteção alternativa quando

as interferências forem excessivas, sendo que, quando não puderem ser cessadas

em função do interesse público, o magistrado pode determinar medidas alternativas

que façam atenuar aquele incômodo, “ponderando a máxima satisfação de uma das

partes com a mínima onerosidade da outra” (FARIAS; ROSENVALD, 2009, p. 448)

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Haverá, por outro lado, a necessidade de indenização, caso as alternativas

apresentadas não forem viáveis e continuarem os incômodos, à saúde, à segurança

e ao sossego, devendo para tanto, o vizinho prejudicado comprovar os danos

materiais (depreciação da propriedade imobiliária), juntamente com danos e

emergentes e lucros cessantes, e danos morais (perturbação do sossego e da

tranquilidade fisiopsíquica) inerentes ao direito de personalidade.

Nos casos de danos muito intensos, o magistrado poderá estabelecer uma

indenização de cunho expropriatório, para que o vizinho prejudicado possa mudar o

próprio domicílio.

3.4.3 Uso anormal, causando danos anormais, sem justificação social por

inexistir interesse coletivo na atividade. Solução: o prejudicado pode exigir a

cessação do uso.

Quando os incômodos anormais afetarem os vizinhos próximos

geograficamente, sem que haja qualquer tipo de interesse social, e não puderem ser

feitas reduções da atividade perturbadora, a única medida a ser adotada será a

cessação desse uso anormal. Explica, Farias e Rosenvald, “caberá a cessação do

alvará2, ao proprietário do bar ou boate, que não eliminar a poluição sonora

decorrente de sua atividade.” (FARIAS; ROSENVALD, 2009, p. 448)

Nas relações de vizinhança não são impostas só limitações ao direito de

propriedade. Mas o que se exige e o que impõe é que todos os indivíduos utilizem

de seus direitos de proprietário dentro do limite do tolerável, do exercício normal da

propriedade.

E, quando o mau uso ou uso anormal da propriedade ficar concretizado, os

direitos de vizinhança poderão ser pleiteados perante o judiciário.

2 Alvará é uma autorização expedida por autoridade administrativa, que permite o exercício ou a

prática de certas atividades, como o comércio, sem que lesione o direito de terceiros.

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4. AÇÕES DECORRENTES DO USO NOCIVO DA PROPRIEDADE

O proprietário lesado ou incomodado poderá recorrer aos meios judiciais

para obrigar o vizinho a cessar as interferências à saúde, à segurança e ao sossego,

através de ação indenizatória, para indenizar o dano causado; ação cominatória com

tutelas específicas de fazer ou não fazer, para cessar os efeitos do uso nocivo da

propriedade e ação de dano infecto e ação de nunciação de obra nova, quando tiver

justo receio de vir a ser prejudicado.

4.1 AÇÃO INDENIZATÓRIA

Quando os atos de perturbação à saúde, à segurança e ao sossego, já

estiverem cessados, mas houve dano decorrente desse incômodo, o morador

atingido poderá se utilizar da ação indenizatória, que busca o restabelecimento da

situação fática anterior ao ato ilícito.

Em nosso Código Civil foram adotados dois sistemas de responsabilidade

civil: responsabilidade civil subjetiva e responsabilidade civil objetiva. O sistema

geral do Código Civil é o da responsabilidade subjetiva (art. 186, CC), fundada na

teoria da culpa, que tem como pressupostos para indenizar:

1. conduta (comissiva ou omissiva)

2. a ocorrência de um dano; material (diminuição patrimonial) ou moral

(ofensa aos direitos da personalidade)

3. o nexo de causalidade, que é a vinculação entre determinada ação ou

omissão e o dano experimentado;

4. a culpa latu sensu, (culpa - negligência, imprudência ou imperícia; ou

dolo - intencionalidade)

O sistema subsidiário do Código Civil é o da responsabilidade civil objetiva

(art. 927, parágrafo único, CC), fundado na teoria do risco. Nelson Nery Junior

comenta

Para que haja o dever de indenizar é irrelevante a conduta (dolo ou culpa) do agente, pois basta a existência do dano e do nexo de causalidade entre o fato e o dano. Haverá responsabilidade civil objetiva quando a lei assim o determinar (v.g., CC 933) ou quando a atividade habitual do agente, por sua natureza, implicar risco para o direito de outrem (v.g., atividades perigosas). (NERY JUNIOR; NERY, 2013, p. 92)

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A indenização por dano moral e indenização por dano material, podem ser

cumuladas (pois tratam de bens jurídicos diferentes e tem fundamentos distintos),

assim como podem ser cumuladas com outras demandas, como ação cominatória,

ação de dano infecto, ação de nunciação de obra nova, ação demolitória.

Na indenização por dano patrimonial, a demonstração da extensão do dano

material deve ser precisa quanto ao valor da indenização pretendida, pois o que se

visa através da ação judicial é a recomposição da efetiva situação patrimonial que se

tinha antes da ocorrência do dano.

Na indenização por dano moral, o que se repara é a dignidade da pessoa

ofendida, e o valor será arbitrado pelo juiz no exame de cada caso concreto.

Sobre o dano moral, leciona Silvio de Salvo Venosa:

[...] a indenização pelo dano exclusivamente moral não possui o acanhado aspecto de reparar unicamente o pretium doloris, mas busca restaurar a dignidade do ofendido. Por isso não há que se dizer que a indenização por dano moral é um preço que se paga pela dor sofrida. É claro que é isso e muito mais. Indeniza-se pela dor da morte de alguém querido, mas indeniza-se também quando a dignidade do ser humano é aviltada com incômodos anormais na vida em sociedade. [...] (VENOSA, 2012, p. 296)

No que tange à indenização por danos morais e materiais os tribunais

firmaram entendimento nesse sentido:

APELAÇÃO. DIREITO DE VIZINHANÇA. FUMAÇA EXCESSIVA EXPELIDA POR PADARIA. DANO MORAL CONFIGURADO. VALOR REPARATÓRIO MANTIDO. O dano moral, à luz da Constituição atual, nada mais é do que a violação do direito à dignidade. O direito à honra, à imagem, ao nome, à intimidade, à privacidade, bem como qualquer outro direito da personalidade, estão englobados no direito à dignidade da pessoa humana, princípio consagrado pela nossa Carta Magna. O dano moral configura-se in re ipsa, derivando, inexoravelmente, do próprio fato ofensivo, de tal modo que, provado este fato, ipso facto, está demonstrado o dano moral, numa típica presunção natural, uma presunção hominis ou facti, que decorre das regras da experiência comum. Na hipótese dos autos, é razoável e justo supor que a quantidade de fumaça expelida pelo forno da empresa apelante tenha causado sentimentos de surpresa, perplexidade e angústia. A incerteza que pairava sobre os reais riscos à saúde certamente inclui-se no terreno dos danos morais. POR TAIS FUNDAMENTOS, nego seguimento ao recurso, na forma do art. 557, caput, do CPC, mantendo a sentença recorrida.

TJ-RJ – Apelação nº 0002441-12.2006.8.19.0204 Relatora: RENATA MACHADO COTTA, Data de Julgamento: 18/07/2011 - 3ª Câmara Cível, Data de Publicação: 19/08/2011).

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DIREITO DE VIZINHANÇA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. FUMAÇA PROVENIENTE DO ESTABELECIMENTO DA EMPRESA-RÉ QUE DANIFICOU A ESTRUTURA METÁLICA INSTALADA NO IMÓVEL DA AUTORA. ELEMENTOS PROBATÓRIOS QUE EVIDENCIAM O NEXO CAUSAL ENTRE OS DANOS E A EMISSÃO DE GASES POLUENTES. DEVER DE INDENIZAR. RECONHECIMENTO. Constatada a emissão de gases poluentes decorrentes da atividade desempenhada pela ré de re-refino de óleos lubrificantes usados e a corrosão da estrutura metálica instalada no imóvel da autora, causadas em virtude do depósito de substâncias corrosivas contidas na fumaça, é devida a indenização pelos danos materiais (art. 927 do Código Civil).

TJ-SP(Relator: Gilberto Leme; Comarca: Piracicaba; Órgão julgador: 27ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 27/05/2014; Data de registro: 29/05/2014.

A ação indenizatória, trata-se de ação condenatória e tem como objetivo a

formação de um título executivo judicial. O rito sumário será utilizado para o

ressarcimento pelos danos causados às propriedades urbanas e rurais (art. 275, II,

c, do Código de Processo Civil). Poderá a ação indenizatória tramitar no Juizado

Especial, se o valor da indenização, for de acordo com o teto aceito no rito

sumaríssimo. E conforme a complexidade da matéria objeto do litígio (se exigir

trabalho técnico de especialistas), o processo tramitará no rito ordinário, conforme

art. 277, parágrafo 4°, do Código de Processo Civil.

4.2 AÇÃO COMINATÓRIA

A ação cominatória, disposta no artigo 287, do Código de Processo Civil, é

utilizada para obrigar o causador da interferência, cessar o uso nocivo de tal ato.

O demandante poderá requerer cominação de multa diária, caso o causador

abstenha-se de fazê-lo; cumprimento das obrigações de fazer ou não fazer algum

ato, sendo possível a antecipação de tutela; com os elementos previstos nos arts.

632 a 645, no capítulo de Execuções do Código de Processo Civil. A ação

cominatória pode ser cumulada com indenização por danos morais e materiais até a

efetuação da medida coercitiva.

Os autores Rosenvald e Farias, esclarecem que

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[...]viabiliza-se a tutela inibitória (tutela especifica e inespecífica) das obrigações de fazer e não fazer, com a possibilidade de antecipação de tutela, quando os elementos carreados aos autos demonstrarem verossimilhança das assertivas do autor (art. 461, CPC). Assim, o autor cumulará a pretensão inibitória, pleito de danos materiais e morais verificados até a efetivação da medida coercitiva. (FARIAS; ROSENVALD, 2009, p. 449)

O rito a ser adotado será o ordinário, pois terá maior abrangência probatória.

É possível ainda, a concessão de liminar em medida cautelar pelo juiz, quando

estiverem presentes o fumus boni iuris e periculum in mora.

O autor Silvio de Salvo Venosa conclui que

a lesividade e o uso nocivo da propriedade são apurados no processo de conhecimento, com base no art. 1.277, do Código Civil. O pedido na petição inicial é para a execução obedecer aos princípios da obrigação de fazer e não fazer. Além da pretensão de multa diária, que é fator constritivo para a cessação do distúrbio, pode ser cumulado com pedido indenizatório. (VENOSA, 2010, p. 296)

Quando as interferências do prédio vizinho não puderem ser cessadas

coercitivamente, pois atentariam contra a própria liberdade individual, será adotado a

multa diária, que tem caráter diverso da indenização, ou seja, tem caráter constritivo,

para forçar o demandado a continuar com a conduta de atos lesivos. Ressalta-se

ainda, que a multa diária poderá ser cumulada com indenização por perdas e danos.

Nesse sentido, decidiu o Tribunal de Minas Gerais:

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO COMINATÓRIA. ANTECIPAÇÃO DA TUTELA. REQUISITOS. DIREITO DE VIZINHANÇA. CESSAÇÃO DE ATIVIDADE NOCIVA À SAÚDE, SOSSEGO E SEGURANÇA DE VIZINHO. DIREITO DE PROPRIEDADE. CONFLITO E PONDERAÇÃO DE INTERESSES. LIMITAÇÃO. POSSIBILIDADE. 1. São premissas genéricas da antecipação da tutela prevista no artigo 273 do CPC: i) prova inequívoca que convença quanto à verossimilhança da alegação; ii) fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação e iii) reversibilidade do provimento antecipado. 2. No modelo jurídico mais vanguardista, o paradigma absoluto do direito ao domínio vai sendo superado, em crescente medida, pela sua relativização e valorização da sua função social. Vale dizer, o conceito de propriedade, eminentemente privatístico, quase egoístico, não pode mais ser admitido, reservando-se ao direito respectivo um viés coletivo que não pode e não deve ser ignorado. 3. As regras de direito de vizinhança traduzem situações típicas em que há conflito e relativização de interesses dominiais, merecendo destaque o disposto no artigo 1.277, § único do Código Civil, segundo o qual o proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de

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propriedade vizinha. 4. A ponderação de interesses ou princípios jurídicos conflitantes, a resolução da questão desafia a utilização da razoabilidade e da proporcionalidade, a fim de harmonizar a beligerância verificada, exprimindo, dentro desse limite, a máxima efetividade de cada um deles. 5. Hipótese em que, com base nestas premissas, limita-se o horário da ruidosa atividade de depósito de construção, contíguo a imóvel residencial, visando compatibilizar o direito de propriedade com o direito à intimidade, a saúde e o sossego do proprietário vizinho. (TJ-MG - AI: 10081120001342001 MG, Relator: Otávio Portes, Data de Julgamento: 07/08/2013, Câmaras Cíveis / 16ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 19/08/2013)

4.3 AÇÃO DE DANO INFECTO

A ação de dano infecto, aplicada desde o direito romano, encontra sua

estrutura no art. 1.277 do Código Civil, porém, este artigo é genérico e diz respeito a

qualquer nocividade que ocasionar ao proprietário vizinho. Já o artigo 1.280 do

Código Civil, refere-se exclusivamente à relação edilícia, e pressupõe a futuridade

de um dano.

Portanto, quando um proprietário tiver justo receio de vir a ser prejudicado

pela ruína do prédio vizinho, poderá se utilizar da ação de dano infecto, que possui

caráter de prevenção, quando um morador provavelmente venha a sofrer um dano,

decorrente da atividade nociva e perigosa de seu vizinho.

Silvio de Salvo Venosa, explica que “o estaqueamento em prédio vizinho, o

uso de maquinaria pesadas nas proximidades, a abertura das salas, a explosão de

pedreira, por exemplo, podem colocar em risco o prédio do autor da ação.”

(VENOSA, 2009, p. 300)

Dessa forma, de acordo com o estado de ruína do prédio vizinho, poderão ser

aplicadas, as seguintes medidas judiciais: ação reparatória (realização de obras que

evitem a ruína), a ação de demolição (ruína imediata), ou prestação de caução, nos

ditames do art. 826, CPC, (em dinheiro ou em espécie), que serve como garantia

para uma futura reparação de um dano (início de uma obra que poderá se tornar

perigosa ao prédio contíguo).

Em relação a futuridade do dano e possível demolição, decidiu o Tribunal do

Rio Grande do Sul:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITOS DE VIZINHANÇA. AÇÃO ORDINÁRIA DE DANO INFECTO. TUTELA ANTECIPADA INDEFERIDA.

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PRESENÇA DOS REQUISITOS DO ARTIGO 273 DO CPC. DECISÃO AGRAVADA REFORMADA. Diante da comprovação da verossimilhança das alegações relativamente às condições do muro lindeiro, bem como do fundado receio de dano irreparável, em razão do risco de colapso de tal muro, de se deferir o pedido de tutela antecipada para autorizar sua demolição e execução de um novo muro, com acompanhamento de profissional habilitado. AGRAVO PROVIDO POR DECISÃO MONOCRÁTICA. (Agravo de Instrumento Nº 70054478565, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liege Puricelli Pires, Julgado em 07/05/2013) (TJ-RS - AI: 70054478565 RS, Relator: Liege Puricelli Pires, Data de Julgamento: 07/05/2013, Décima Sétima Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 20/05/2013)

4.4 AÇÃO DEMOLITÓRIA

A ação demolitória assemelha-se a ação de nunciação de obra nova, tendo a

função de se obter a demolição de obra construída sem observância dos direitos de

vizinhança, das leis e posturas municipais, de normas legais estaduais e federais.

A natureza da tutela da ação demolitória é repressiva, em vista que a obra já

se concluiu (ou falta apenas trabalho secundários, como exemplo: pintura do prédio),

enquanto na ação de nunciação de obra nova, a tutela é preventiva, pois a pleiteia-

se o prosseguimento ou impedimento de obra nova. Porém, ambas ações visam

tutela contra o ilícito.

O demandante é assegurado pelo artigo 1.280 do Código Civil, em que o

proprietário ou possuidor pode exigir a demolição ou reparação quando o prédio

vizinho apresentar risco de ruir, bem como prestar caução pelo risco iminente. Eis a

redação do artigo:

Art. 1.280. O proprietário ou o possuidor tem direito a exigir do dono do prédio vizinho a demolição, ou a reparação deste, quando ameace ruína, bem como que lhe preste caução pelo dano iminente.

A ação demolitória dever subsidiária da medida reparatória, pois primeiro

deve-se reparar os danos por completo, de modo a fazer desaparecer prejuízos ao

vizinho, se não for possível, ou a ruína é iminente, então utiliza-se a demolitória.

Nesse sentido, jurisprudência de São Paulo:

DIREITO DE VIZINHANÇA AÇÃO DEMOLITÓRIA INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS - Construção irregular de muro - Para caracterizar-se o dever de indenizar devem estar presentes todos os pressupostos necessários previstos no artigo 186 do Código Civil LAUDO PERICIAL

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Perigo de desabamento Danos causados ao imóvel do autor decorrentes da obra irregular Indenização devida Determinação de demolição. Sentença mantida. RECURSO não provido. (TJ-SP - APL: 00143959520078260278 SP 0014395-95.2007.8.26.0278, Relator: Luis Fernando Nishi, Data de Julgamento: 28/08/2014, 32ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 28/08/2014)

A ação demolitória pode ser cumulada com pedido de indenização, a qual

tramitará pelo rito sumário, observando o valor dado à causa, como dispõe o art.

275, I, CPC. Precisará comprovar os requisitos em que ensejam a responsabilidade

civil, prova do ilícito, dano, nexo causal, acrescentando a culpa ou dolo do agente,

se subjetiva.

4.5 AÇÃO DE NUNCIAÇÃO DE OBRA NOVA

A ação de nunciação de obra nova está prevista nos procedimentos especiais

do Código de Processo Civil (arts. 934 a 940) e tem como “função criar um remédio

processual específico para solucionar os conflitos surgidos no confronto do direito de

construir com o direito de vizinhança.” (THEODORO JUNIOR, 2009, p. 141)

Portanto, quando uma nova obra for realizada em uma propriedade e

prejudicar o prédio vizinho (não precisa ser necessariamente prédio contíguo), o

proprietário atingido pode ajuizar ação de nunciação de obra nova com o escopo de

impedir o prosseguimento desta nova construção, consistente na prática de um ato

ilícito, pois viola leis e convenções, tais como a legislação sobre o direito de

vizinhança (arts. 934, I e II, CPC, e 1.277 a 1.313, CC).

A tutela que se busca com a nunciação de obra nova é a tutela inibitória

contra a ilícita construção em andamento, pois se já estiver concluída a obra, a ação

cabível é a demolitória.

O demandante poderá cumular a ação de nunciação de obra nova com

indenização de perdas e danos, apresentado a prova do ilícito, do nexo de

causalidade, do dano, do dolo ou da culpa do demandado, no caso de

responsabilidade subjetiva, sendo dispensando na responsabilidade objetiva a prova

do dolo ou culpa. A sentença será condenatória devendo ser executada no mesmo

processo com base no art. 475-J, CPC.

Quando da urgência do caso, o demandante poderá propor o embargo

extrajudicial particular, notificando o proprietário ou construtor da obra a suspender a

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obra, diante da presença de duas testemunhas, e no prazo de 3 (três) dias, propor

ação de nunciação de obra nova, conforme dispõe o art. 935 do CPC:

Art. 935. Ao prejudicado também é lícito, se o caso for urgente, fazer o embargo extrajudicial, notificando verbalmente, perante duas testemunhas, o proprietário ou, em sua falta, o construtor, para não continuar a obra. Parágrafo único. Dentro de 3 (três) dias requererá o nunciante a ratificação em juízo, sob pena de cessar o efeito do embargo.

De acordo com o doutrinador Humberto Theodoro Junior, a ação de

nunciação de obra nova poderá ser demanda quando:

A agressão ao prédio alheio deriva da ameaça de a construção nova invadir a área do vizinho, de deitar goteiras sobre ela ou devassa-la irregularmente por meio de janelas, eirados, terraços ou varandas, ou de comprometer, de qualquer forma, a segurança das edificações nela erguidas, ou ainda, de inutilizar ou reduzir as servidões existentes, [...], por meio de edificações que desrespeitem zoneamento traçado pela administração ou fixado em condições de loteamento aprovados administrativamente, [...], quando a construção no prédio comum, causar alteração de finalidade ou estrutura. (THEODORO JUNIOR, 2009, p. 142)

Nesse sentido, o entendimento jurisprudencial do Tribunal de São Paulo:

APELAÇÃO. DIREITO DE VIZINHANÇA. AÇÃO DE NUNCIAÇÃO DE OBRA NOVA. CONSTRUÇÃO DE MURO DIVISÓRIO COM SIGNIFICATIVA INVASÃO DO TERRENO DO AUTOR. NEXO DE CAUSALIDADE. DEMONSTRAÇÃO. APELO DO RÉU IMPROVIDO. O acervo probatório coligido nos autos confirma as irregularidades na obra do réu, configurando, por isso, uso nocivo de sua propriedade. Logo, revelou-se legítima a pretensão do autor em ver paralisadas as obras de construção do muro, como também de demolição da porção já edificada.

(TJ-SP - APL: 30010920720138260648 SP 3001092-07.2013.8.26.0648, Relator: Adilson de Araujo. Data de Julgamento: 27/05/2014, 31ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 27/05/2014)

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5. CONCLUSÃO

A escolha do presente tema se fundamentou principalmente nos conflitos de

vizinhança gerados a partir das condutas dos proprietários, que muitas vezes

utilizam da prática dos exercícios do direito de propriedade ilimitadamente, sem

respeitar ou se preocupar com o bem-estar dos demais proprietários vizinhos.

Os direitos de vizinhança nasceram da necessidade de limitar e proteger o

uso e o exercício dos direitos de propriedade, para que todos pudessem conviver de

forma harmônica, pois o proprietário não pode utilizar de seus direitos de forma

egoística e assim, prejudicar a saúde, a segurança e o sossego de seus vizinhos.

Barulho excessivo, construção perigosa, fumaça tóxica expelida, são

exemplos do uso anormal da propriedade. Portanto, todo o ato do proprietário que

acarretar incômodo ou prejuízo na propriedade alheia, incorre no uso anormal da

propriedade.

Porém, nem todo ato será reprimido, pois o proprietário tem direito de usar,

gozar e fruir de sua propriedade. A conduta a ser reprimida será que aquela que

acarreta de fato um dano ao proprietário vizinho, que extrapola o nível do tolerável

sem analisar a vontade do agente. Nesse sentido, nossa jurisprudência tem decidido

de forma a reprimir a condutas que extrapolam o normal, devendo o dano ou

prejuízo ser comprovado.

Entretanto, algumas interferências na propriedade vizinha, deverão ser

suportadas dada a justificação e interesse social, como, por exemplo, o

funcionamento das ambulâncias de um hospital. Podendo, aqueles proprietários

lesados serem indenizados.

Ainda, o proprietário incomodado ou prejudicado, poderá recorrer ao

judiciário, se valendo das ações de indenização, ação de demolição, ação de

reparação, ação cominatória de forma a ter os seus direitos respeitados. Essas

medidas terão natureza repressiva, preventiva e indenizatória.

Essas ações necessitam que os danos e incômodos sejam comprovados e

que ultrapassam os limites do suportável, de modo a acarretar prejuízos a sua

saúde, a sua segurança e a sua saúde.

Por fim, o uso anormal da propriedade será analisado em cada caso concreto,

cabendo ao magistrado a decidir da melhor forma, com o intuito de proteger tanto os

direitos de vizinhança quanto os da propriedade.

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REFERÊNCIAS

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FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Direitos Reais. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009. MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. NERY JUNIOR, Nelson. Novo Código Civil e legislação extravagante anotado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. RIO GRANDE DO SUL, Tribunal de Justiça. Jurisprudência. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br/busca/?tb=jurisnova&partialfields=tribunal%3ATribunal#main_res_juris> Acesso em: 28 mar. 2015. RIZZARDO, Arnaldo. Direito das Coisas. São Paulo: Editora Forense, 2009. RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Direito das Coisas. São Paulo: Editora Saraiva, 2003. SÃO PAULO, Tribunal de Justiça. Jurisprudência. Disponível em: https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/consultaCompleta.do?f=1> Acesso em: 27 mar. 2015. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Procedimentos Especiais. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009. VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direitos Reais. Editora Atlas, 2010. VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Responsabilidade Civil. Editora Atlas, 2012. WALD, Arnold. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito das Coisas. São Paulo: Editora Saraiva, 2006.