12
O USO DO SOROBAN COMO INSTRUMENTO PARA A APRENDIZAGEM DOS ALUNOS COM DEFICIÊNCIA VISUAL Ana Lucia de Jesus dos Passos Santos 1 Leila Luciara Reis Costa Lima 2 Orientadora: Cátia Paim Cruz 3 Curso de Especialização em Educação Especial / Deficiência Visual Universidade do Estado da Bahia - UNEB RESUMO Este trabalho analisa as relações existentes entre o aprendizado do Soroban e o desempenho em Matemática dos alunos com deficiência visual inclusos em duas escolas estaduais de Feira de Santana e atendidos pelo Centro de Apoio Pedagógico ao Deficiente Visual (CAP-DV) desta mesma cidade. O estudo realiza uma reflexão sobre a inclusão desses educandos nas aulas de matemática por meio do soroban, apresentando-o como um instrumento eficaz no desenvolvimento dos cálculos e apontando as vantagens de sua utilização tanto para o professor quanto para o aluno. Participaram deste estudo professoras de escolas regulares, professoras que atuam no apoio pedagógico e alunos com deficiência visual. A metodologia aplicada foi a pesquisa-ação, pois se trata de uma pesquisa in locus visando a intervenção direta na própria realidade dos envolvidos. Foi possível verificar que o Soroban não faz parte da rotina das aulas de matemática, tanto pelo desconhecimento desse instrumento pelos professores quanto pela resistência dos alunos em usá-lo, embora o desempenho deles nessa disciplina esteja abaixo da média. Esta resistência está vinculada, também, à postura dos professores especializados que possuem aversão ao instrumento e não usam nem incentivam seu uso. Palavras-chave: Deficiente visual. Aprendizagem. Soroban. 1 Licenciada em Matemática UEFS Especialista em Psicopedagogia Clínica, Institucional e Hospitalar FACCEBA Centro de Apoio Pedagógico ao Deficiente Visual de Feira de Santana CAP-DV E-mail: [email protected] 2 Licenciada em Matemática UEFS Especialista em Psicopedagogia Clínica, Institucional e Hospitalar FACINTER Centro de Apoio Pedagógico ao Deficiente Visual de Feira de Santana CAP-DV E-mail: [email protected] 3 Pedagoga, mestre em Educação Especial Centro de Apoio Pedagógico ao Deficiente Visual - CAP- Salvador - Bahia. E-mail: [email protected]

O USO DO SOROBAN COMO INSTRUMENTO PARA A … USO DO SOROBAN COMO INSTRUMENTO... · anormalidade, dentre eles, os deficientes visuais. A deficiência é considerada um desvio do tipo

  • Upload
    others

  • View
    6

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: O USO DO SOROBAN COMO INSTRUMENTO PARA A … USO DO SOROBAN COMO INSTRUMENTO... · anormalidade, dentre eles, os deficientes visuais. A deficiência é considerada um desvio do tipo

O USO DO SOROBAN COMO INSTRUMENTO PARA A

APRENDIZAGEM DOS ALUNOS COM DEFICIÊNCIA VISUAL

Ana Lucia de Jesus dos Passos Santos1

Leila Luciara Reis Costa Lima2

Orientadora: Cátia Paim Cruz3

Curso de Especialização em Educação Especial / Deficiência Visual

Universidade do Estado da Bahia - UNEB

RESUMO

Este trabalho analisa as relações existentes entre o aprendizado do Soroban e o

desempenho em Matemática dos alunos com deficiência visual inclusos em duas

escolas estaduais de Feira de Santana e atendidos pelo Centro de Apoio

Pedagógico ao Deficiente Visual (CAP-DV) desta mesma cidade. O estudo

realiza uma reflexão sobre a inclusão desses educandos nas aulas de matemática

por meio do soroban, apresentando-o como um instrumento eficaz no

desenvolvimento dos cálculos e apontando as vantagens de sua utilização tanto

para o professor quanto para o aluno. Participaram deste estudo professoras de

escolas regulares, professoras que atuam no apoio pedagógico e alunos com

deficiência visual. A metodologia aplicada foi a pesquisa-ação, pois se trata de

uma pesquisa in locus visando a intervenção direta na própria realidade dos

envolvidos. Foi possível verificar que o Soroban não faz parte da rotina das

aulas de matemática, tanto pelo desconhecimento desse instrumento pelos

professores quanto pela resistência dos alunos em usá-lo, embora o desempenho

deles nessa disciplina esteja abaixo da média. Esta resistência está vinculada,

também, à postura dos professores especializados que possuem aversão ao

instrumento e não usam nem incentivam seu uso.

Palavras-chave: Deficiente visual. Aprendizagem. Soroban.

1Licenciada em Matemática – UEFS

Especialista em Psicopedagogia Clínica, Institucional e Hospitalar – FACCEBA

Centro de Apoio Pedagógico ao Deficiente Visual de Feira de Santana – CAP-DV

E-mail: [email protected]

2 Licenciada em Matemática – UEFS

Especialista em Psicopedagogia Clínica, Institucional e Hospitalar – FACINTER

Centro de Apoio Pedagógico ao Deficiente Visual de Feira de Santana – CAP-DV

E-mail: [email protected]

3 Pedagoga, mestre em Educação Especial

Centro de Apoio Pedagógico ao Deficiente Visual - CAP- Salvador - Bahia.

E-mail: [email protected]

Page 2: O USO DO SOROBAN COMO INSTRUMENTO PARA A … USO DO SOROBAN COMO INSTRUMENTO... · anormalidade, dentre eles, os deficientes visuais. A deficiência é considerada um desvio do tipo

2

INTRODUÇÃO

A disciplina Matemática é considerada uma das disciplinas de maior dificuldade

no tocante à abstração de conceitos adquiridos, tais como trigonometria e geometria no

Ensino Fundamental, para videntes, (BRASIL, 1998), também o é para estudantes com

deficiência visual, de acordo com Barbosa apud Brandão (2008, p. 20). Nesse sentido,

as aulas de matemática onde estão inclusos esses alunos necessitam ter um olhar

diferenciado de forma a atender as especificidades dessa clientela.

Na condição de autoras deste trabalho e atuando na instituição de apoio

pedagógico, percebemos que os professores especializados reconhecem a importância

do soroban, mas alegam que os professores do ensino regular não incentivam o uso do

instrumento nos momentos de resolução de cálculos, dessa forma eles ficam limitados a

cobrar sua utilização por parte dos alunos. Esse fato motivou o desenvolvimento desta

pesquisa para verificar se a não utilização desse instrumento interfere na aprendizagem

dos alunos.

O soroban é utilizado para efetivação de todo tipo de cálculo, mas sua utilização

pelo aluno com deficiência visual, fica restrita ao momento em que eles estão nos

Centros de Apoio Pedagógico (CAP) ou nas salas multifuncionais, embora não seja

apenas nestes ambientes que tais alunos precisem usá-lo.

O fato é que, contraditoriamente, o soroban não está presente na rotina da sala de

aula em que está incluso o aluno com deficiência visual. Sendo assim, como esse aluno

pode participar efetivamente das aulas de Matemática?

Esse e outros questionamentos permearam o desenvolvimento desse trabalho,

por meio do qual buscamos soluções para essa questão que há muito tempo vem sendo

elemento de discussão entre os profissionais da área. Para tanto se analisa as relações

existentes entre o aprendizado do soroban e o desempenho em matemática dos alunos

com deficiência visual, através da descrição do (sub)uso do soroban nas aulas de

matemática e da apresentação das vantagens da utilização do soroban nessas aulas.

Nesse sentido, o trabalho justifica-se pelo fato do soroban ser um recurso

pedagógico importante e eficiente para a realização de cálculos pelos deficientes

visuais, permitindo que estes possam participar das atividades propostas em sala de aula

com o mesmo nível de capacidade dos outros alunos.

Vale salientar a dificuldade de se encontrar referencial teórico sobre a temática,

pois as pesquisas na área mostram apenas os aspectos técnicos para a operacionalização

Page 3: O USO DO SOROBAN COMO INSTRUMENTO PARA A … USO DO SOROBAN COMO INSTRUMENTO... · anormalidade, dentre eles, os deficientes visuais. A deficiência é considerada um desvio do tipo

3

do Soroban e/ ou a defesa da sua utilização por todos os alunos, deficientes visuais ou

não. Estudos que façam a relação entre a aprendizagem de Matemática e o uso do

Soroban não foram encontrados, embora se saiba que para o aluno cego o uso desse

instrumento é fundamental.

Nesse sentido, apresentaremos uma pesquisa realizada no município de Feira de

Santana (BA), cujo objetivo principal é analisar as relações existentes entre o

aprendizado do soroban e o desempenho em matemática dos alunos com deficiência

visual. Inicialmente é feita uma abordagem teórica dos aspectos relevantes à educação

especial, refletindo as diversas etapas pelo qual essa modalidade de ensino vem

passando. Em seguida, faremos uma breve reflexão sobre a importância dos recursos

pedagógicos utilizados na aprendizagem dos alunos com deficiência visual. Por fim

apresentaremos a trajetória metodológica e os resultados da pesquisa, bem como a

discussão sobre os dados relacionados às concepções das professoras, alunos,

observações nas escolas e oficinas pedagógicas.

Dessa forma, conseguimos despertar nos envolvidos o interesse em conhecer e

utilizar o soroban no processo de ensino e aprendizagem, principalmente dos conteúdos

relacionados à Matemática.

REFERENCIAL TEÓRICO

Educação Especial: da segregação à inclusão

O final do século XVIII marca os primórdios da Educação Especial. Esta época

é caracterizada pela ignorância e rejeição de todo indivíduo deficiente e com alguma

anormalidade, dentre eles, os deficientes visuais. A deficiência é considerada um desvio

do tipo humano biológico estabelecido (normal). Segundo Vigotsky (1989), ela cria

barreiras diferentes para o desenvolvimento orgânico e para o desenvolvimento cultural.

Durante esse período é que são criadas as escolas especiais e centros de

reabilitação, que tiveram como objetivo principal atender às pessoas com deficiência.

Essas instituições historicamente ofereciam um atendimento educacional com caráter

muitas vezes clínico e assistencialista, “vinculado principalmente à promoção da saúde,

aos cuidados e algumas vezes com propostas pedagógicas voltadas à reeducação, à

compensação de carência ou déficit” (BRUNO, 2000, apud SILVA, 2005, p.1).

Page 4: O USO DO SOROBAN COMO INSTRUMENTO PARA A … USO DO SOROBAN COMO INSTRUMENTO... · anormalidade, dentre eles, os deficientes visuais. A deficiência é considerada um desvio do tipo

4

A transformação do paradigma na educação dos deficientes, do princípio da

exclusão ao princípio da integração, veio apenas com uma progressão na história das

sociedades, caracterizada pela busca cada vez maior da democratização, da garantia dos

direitos humanos e de oportunidades justas às minorias com base em princípios

igualitários.

A possibilidade de educação formal de alunos com deficiência visual inicia-se

em 1779 quando foi fundado, em Paris, o Instituto Real dos Jovens Cegos. Depois, a

educação dada nessa primeira escola especial para o ensino de cegos, fundada na

França, foi sendo, também, proporcionada aos cegos de outros países da Europa,

(Alemanha, Áustria, Rússia, Inglaterra), onde foram sendo criadas escolas semelhantes

à Instituição de Paris.

O atendimento educacional especializado tem como função identificar, elaborar

e organizar recursos pedagógicos e de acessibilidade que eliminem as barreiras para a

plena participação dos alunos, considerando suas necessidades específicas. Esse

atendimento complementa e/ou suplementa a formação dos alunos com vistas à

autonomia e independência na escola e fora dela.

Ainda, acerca da conceituação de educação especial, o termo “especial” vem

carregando, para um número considerável de leigos, uma conotação de anormalidade,

juntando-se a ela as idéias de marginalização, de incapacidade e de imutabilidade desta

condição. Neste contexto, surgem os mais diversos tipos de preconceitos, juntando-se à

Educação Especial uma conotação estigmatizadora, ou seja, ser atendido por ela implica

ser diferente, com toda a gama de significados que o termo “especial” carrega.

Enfim, a educação não se estruturou na perspectiva da inclusão e do atendimento

às necessidades educacionais especiais, limitando o cumprimento da função

constitucional que prevê escola especial e classes comuns de ensino regular. Nesse

sentido, a Convenção da Guatemala (1999), promulgada no Brasil pelo Decreto nº

3.956/2001, afirma que as pessoas com deficiência têm os mesmos direitos humanos e

liberdades fundamentais que as demais pessoas, definindo como discriminação com

base na deficiência toda a diferenciação ou exclusão que possa impedir ou anular o

exercício dos direitos humanos e de suas liberdades fundamentais. Este Decreto tem

importante repercussão na educação, exigindo uma reinterpretação da educação

especial, compreendida no contexto da diferenciação, adotado para promover a

Page 5: O USO DO SOROBAN COMO INSTRUMENTO PARA A … USO DO SOROBAN COMO INSTRUMENTO... · anormalidade, dentre eles, os deficientes visuais. A deficiência é considerada um desvio do tipo

5

eliminação das barreiras que impedem o acesso à escolarização, dando assim os

primeiros passos em direção à inclusão.

Para alguns professores, o cotidiano da educação inclusiva se apresenta, de

forma tão incerta, que gera insegurança e medo de enfrentar situações inesperadas. Isso,

porque dependendo da situação a ser encarada poderá representar uma ameaça a

identidade do professor como sujeito que ensina.

Stainback (1999), deixa claro que a inclusão escolar visa criar um mundo em

que todas as pessoas se reconheçam e se apóiem mutuamente, e esse objetivo não quer

formar uma falsa homogeneidade. Ao contrário, as escolas devem organizar-se em

função das diferenças individuais.

A escola deve fazer intervenções e oferecer desafios adequados ao aluno com

deficiência além de valorizar suas habilidades, trabalhar sua potencialidade intelectual,

reduzir as limitações provocadas pela deficiência, apoiar a inserção familiar, escolar e

social, bem como prepará-lo para uma adequada formação profissional, almejando seu

desenvolvimento integral.

Dessa forma, a verdadeira inclusão deverá ter como alicerce um processo de

construção de mentalidades e práticas, provenientes de uma reflexão plural sobre o que

é a escola, seus problemas e a maneira de solucioná-los.

Aprendizagem dos alunos com deficiência visual: o olhar sobre os recursos

pedagógicos

A aprendizagem, segundo Vygotsky (1989) é o processo pelo qual o indivíduo

adquire informações, habilidades, atitudes, valores, entre outros, a partir do seu contato

com a realidade, o meio ambiente e as outras pessoas.

O meio tem papel fundamental no desenvolvimento da criança com deficiência,

sendo que possibilitará subsídios para compensar suas dificuldades assim como irá

impor limites a serem transpostos. Para tanto, são criados métodos especiais para que

ocorra o desenvolvimento cultural da pessoa com deficiência, como por exemplo, os

cegos que tem um alfabeto e símbolos que são utilizados através do tato.

Page 6: O USO DO SOROBAN COMO INSTRUMENTO PARA A … USO DO SOROBAN COMO INSTRUMENTO... · anormalidade, dentre eles, os deficientes visuais. A deficiência é considerada um desvio do tipo

6

Esses métodos especiais e as políticas de inclusão têm permitido, cada vez mais,

o acesso dos deficientes visuais às escolas regulares. Para os educadores, ao mesmo

tempo em que essa informação é estimulante, também gera preocupações, pois a

ausência da modalidade visual exige experiências alternativas de desenvolvimento, a

fim de cultivar a inteligência e promover capacidades sócio adaptativas. O ambiente

educacional deve ser receptivo e utilizar-se de recursos educacionais adequados para

que os alunos possam assimilar grande parte dos conhecimentos.

Nesse sentido, no processo de desenvolvimento e aprendizagem do educando, as

escolas precisam se adaptar para atender a todas as crianças. Especialmente as pessoas

com deficiência, onde não se pode educar efetivamente sem compreender o papel

indispensável que os professores desempenham ao mediar o mundo para o aluno

incluído, bem como se utilizar recursos apropriados para promover uma aprendizagem

significativa.

Soroban: um importante recurso pedagógico

No processo de aprendizagem dos alunos deficientes visuais os recursos são

fundamentais para um bom desenvolvimento do trabalho, como salientou a Revista

Nova Escola, na matéria publicada com o título Inclusão: é hora de aprender, “a

estrutura adequada é essencial para criar uma escola inclusiva. [...] Um governo ou uma

escola que dizem promover a inclusão e não destinam verba e ajudas técnicas, à compra

de materiais adequados ou alterações arquitetônicas para criar acessibilidade não estão

pensando em inclusão”. (REVISTA NOVA ESCOLA, 2007, p. 39)

Como recursos instrucionais, existem: a máquina braille, reglete de mesa e de

bolso que com auxílio de um perfurador produz a escrita manual em braille, máquina de

escrever com tipos ampliados, o soroban (para cálculos), o uso de gravador para o

registro das aulas, lentes de aumento, livros ampliados, sinais táteis para marcações

numéricas, dentre outros.

O soroban é um instrumento matemático manual que possui contas e eixos nos

quais os alunos podem realizar cálculos desde os mais simples como adição e subtração

até os mais complexos como radiciação, potenciação, dentre outros. Seu uso foi

Page 7: O USO DO SOROBAN COMO INSTRUMENTO PARA A … USO DO SOROBAN COMO INSTRUMENTO... · anormalidade, dentre eles, os deficientes visuais. A deficiência é considerada um desvio do tipo

7

regulamentado pelo Ministério da Educação por meio da Portaria nº. 657, de 07 de

março de 2002, como instrumento facilitador no processo de inclusão de alunos com

deficiência visual nas escolas regulares, bem como instrumento de desenvolvimento

socioeducativo de pessoas deficientes visuais.

Para Azevedo,

O soroban é uma ferramenta para compreensão das quatro operações

básicas dos números naturais, uma vez que faz a transposição do

contexto concreto para a representação com símbolos escritos,

deixando clara a estrutura posicional do sistema de numeração

decimal (pode também ser utilizado para outras bases), e não apenas

por meio de técnicas operatórias decoradas. (AZEVEDO, 2006, p. 12)

Além disso, é extremamente útil, pois é de fácil locomoção e manuseio que

proporciona ao deficiente realizar cálculos com a mesma eficácia dos alunos de visão

normal. O problema é que poucos professores conhecem tal instrumento ou dominam

sua técnica operatória, por isso não estimulam o uso do mesmo, levando os alunos,

muitas vezes, a não fazerem os cálculos, errarem nas contas ou gastarem um tempo

desnecessário tentando realizar cálculos, como multiplicação com dois ou mais

algarismos no multiplicador, mentalmente; acarretando ainda mais dificuldades em

relação à matemática.

METODOLOGIA

Demo (1996, p.34) insere a pesquisa como atividade cotidiana considerando-a

como uma atitude, um “questionamento sistemático crítico e criativo, mais a

intervenção competente na realidade, ou o diálogo crítico permanente com a realidade

em sentido teórico e prático”.

Nesse sentido, a modalidade de pesquisa a ser adotada é a pesquisa-ação por ter

como peculiaridade não estar voltada apenas para as necessidades teóricas, mas também

para a resolução de problemas que enfrentamos no Centro de Apoio Pedagógico ao

Deficiente Visual em que trabalhamos, pois:

A pesquisa-ação é um tipo de pesquisa social com base empírica que é

concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a

resolução de um problema coletivo e no qual os pesquisadores e os

participantes representativos da situação ou do problema estão

envolvidos de modo cooperativo ou participativo. (THIOLLENT,

2007, p.16).

Page 8: O USO DO SOROBAN COMO INSTRUMENTO PARA A … USO DO SOROBAN COMO INSTRUMENTO... · anormalidade, dentre eles, os deficientes visuais. A deficiência é considerada um desvio do tipo

8

Dessa forma, essa abordagem de pesquisa está em consonância com os objetivos

do trabalho por promover uma ação voltada para o grupo social no qual

desempenhamos um papel ativo.

O universo de sujeitos da pesquisa configura-se da seguinte forma: 03

professores regentes, das quais 01 é graduada em Ciências Biológicas e 02 são

Licenciadas em Ciências/ Plena em Matemática, que aqui chamaremos de professoras

A, B e C, respectivamente; 03 professoras do atendimento especializado, graduadas em

Pedagogia, Inglês e Letras, nessa ordem, que chamaremos de professoras D, E e F,

respectivamente; e os alunos com deficiência visual que doravante trataremos por A1 e

A2.

As ações do projeto foram desenvolvidas no ano letivo de 2011, em três espaços

distintos: inicialmente na escola estadual X, que funciona nos turnos matutino e

vespertino, possui 757 alunos, dos quais dois são alunos com deficiência visual. O aluno

A1 é um deles, possui 17 anos, cursa o 9° ano e está incluso numa sala que tem 22

alunos videntes. Seu rendimento escolar nas disciplinas de Matemática e Ciências tem

sido abaixo da média e o mesmo não utiliza o Soroban para realizar as tarefas. Os

professores A e B lecionam essas disciplinas, respectivamente, e por isso compõem o

universo da pesquisa; a outra escola estadual, que chamaremos de Y, funciona nos três

turnos, possui 540 alunos, dos quais dois são deficientes visuais, estudam na mesma

sala, sendo um com baixa visão e outro, A2 com cegueira total. Este aluno que é cego

tem 50 anos e está cursando 7ª/8ª série da turma da EJA. Embora não utilize o Soroban,

A2 apresenta boas notas em Matemática, disciplina lecionada pela professora C.

O outro espaço da pesquisa foi o Centro de Apoio Pedagógico ao Deficiente

Visual de Feira de Santana (CAP-DV), localizado em Feira de Santana-Ba. A escolha

desse espaço foi pelo fato de ser uma Instituição Pública Estadual, constituindo-se em

uma unidade de serviços de apoio pedagógico e suplementação didática ao sistema de

ensino, e que atende pessoas com deficiência visual do município e regiões

circunvizinhas. Dos 194 alunos atendidos no CAP-DV, 32 estão matriculados no ensino

regular da escola pública, como é o caso dos alunos A1 e A2, sujeitos desse trabalho.

Inicialmente realizamos visitas às escolas para apresentação da proposta da

pesquisa e observação da realidade onde os alunos estão inclusos. Nesses momentos,

constatamos que as professoras buscavam envolver os alunos nas aulas e preocupavam-

Page 9: O USO DO SOROBAN COMO INSTRUMENTO PARA A … USO DO SOROBAN COMO INSTRUMENTO... · anormalidade, dentre eles, os deficientes visuais. A deficiência é considerada um desvio do tipo

9

se com a aprendizagem dos mesmos em relação aos conteúdos trabalhados, porém em

nenhum momento tais professoras cobraram o uso do soroban por parte dos alunos ou

mesmo verificaram se eles estavam registrando os conteúdos da aula, como se ao ouvir,

eles estivessem gravando na mente tudo que estava sendo dito.

No caso do aluno A2, que possui um gravador, há uma particularidade, pois a

professora identifica o inicio de cada aula, fala pausadamente e com tranqüilidade, a fim

de que ele possa gravá-las. Ela também se prontifica a copiar a atividade em tinta para o

aluno responder em casa. Aqui, abriremos um parêntese para informar que este aluno

não sabe ler, nem escrever em Braille; além de não fazer uso do soroban. No entanto, ao

ser questionada sobre a participação desse aluno no processo de ensino e aprendizagem,

a professora responde que está feliz com a experiência e que o aluno tem facilidade em

aprender matemática na oralidade.

O aluno A2 responde oralmente as avaliações e apresenta boas notas, contudo,

nos momentos do apoio pedagógico realizados no Centro, não demonstra domínio dos

conteúdos trabalhados nas aulas de matemática, o que contradiz a fala da professora C.

Essa evidência nos leva a fazer o seguinte questionamento: Será que os alunos estão

realmente aprendendo os conteúdos de matemática ou estão sendo aprovados como uma

forma de compensação pela deficiência? A resposta a essa pergunta, não é objeto de

estudo desse trabalho e, portanto, não será discutida aqui, mas fica como sugestão para

estudos futuros.

O ensino deve perpassar pelas diferentes linguagens, tanto orais quanto escritas,

para a aprendizagem da matemática e, no caso do aluno A2, o fato de não ter o domínio

do seu sistema de leitura e escrita (Braille) não tem sido considerado um problema pela

professora.

Outra situação que merece ser relatada é a conversa de sensibilização com a

professora A, que ministra aulas de ciências na escola regular onde o aluno 01 está

incluso, a fim de incentivar a sua participação nesse trabalho, por levarmos em

consideração que na série desse aluno, essa disciplina também requer o uso de cálculos

para o desenvolvimento das atividades. A professora também expressou percepções

contraditórias, desvinculadas de uma proposta que visa atender as necessidades de todos

os alunos, pois, ao mesmo tempo em que acha importante a inclusão dos alunos com

Page 10: O USO DO SOROBAN COMO INSTRUMENTO PARA A … USO DO SOROBAN COMO INSTRUMENTO... · anormalidade, dentre eles, os deficientes visuais. A deficiência é considerada um desvio do tipo

10

deficiência visual para melhorar a auto-estima deles e gerar oportunidades de

conhecimentos, afirma não está preparada para a demanda.

Além das observações acima relatadas, utilizamos como instrumentos de coleta

de dados o questionário para os professores e roteiro de entrevista para os alunos.

Iniciamos a análise de dados agrupando as respostas às questões por categoria de

sujeitos.

A análise dos dados mostrou que os professores entrevistados, das escolas

regulares, desconheciam o Soroban, mas demonstraram interesse em conhecer e

aprender a usá-lo. Em contrapartida, os três professores especializados, do Centro de

Apoio, conheciam o soroban, sabiam a importância de sua utilização, mas apenas um

destes afirmou utilizá-lo com os alunos no momento das atividades. Mas, de acordo

com Sampaio:

A habilidade que mais desperta interesse entre os praticantes é a arte

de calcular mentalmente. Em pouco tempo, um estudante pode

alcançar níveis elevados de operações somente ao olhar os números a

serem efetuados. Treinando as operações no Soroban, vai-se aos

poucos adquirindo as mesmas habilidades para fazer cálculos

mentalmente de algarismos enormes, para os padrões ensinados nas

escolas.(SAMPAIO, 2010, p. 2)

Sendo assim, a utilização do Soroban nas aulas permitirá que os estudantes

realizem os cálculos de forma rápida e eficaz, contribuindo para um bom desempenho

desses estudantes.

A análise das falas dos alunos expõe três aspectos dos seus processos de ensino e

aprendizagem, que merecem destaque: primeiro o temor em relação à matemática,

segundo a falta de formação das professoras para ensinar alunos com deficiência visual

e por fim a não utilização do Soroban por eles. Este último fato, para os alunos, não tem

relação com os seus desempenhos ruins quanto a aprendizagem dos conteúdos de

matemática. No entanto, nas séries desses alunos, há cálculos complexos e quase

impossíveis de fazer mentalmente, que não são feitos por eles durante as aulas,

acarretando atraso, ou mesmo déficit, em relação às atividades.

Diante das análises dessas informações iniciamos as intervenções no CAP-DV,

onde realizamos oficinas pedagógicas em dois momentos distintos:

Primeiro com os professores especializados e professores das escolas

regulares, a fim de demonstrar a importância e a funcionalidade da utilização do

Page 11: O USO DO SOROBAN COMO INSTRUMENTO PARA A … USO DO SOROBAN COMO INSTRUMENTO... · anormalidade, dentre eles, os deficientes visuais. A deficiência é considerada um desvio do tipo

11

soroban nas aulas de matemática; segundo, com os alunos deficientes visuais, para

ensiná-los a usar o soroban para realizar cálculos com mais eficácia e agilidade.

Durante e após a realização das oficinas ficou claro para os participantes a

funcionalidade do soroban. Os professores das escolas regulares aprenderam a

operacionalizar e passaram a incentivar e a cobrar a utilização do aparelho de cálculo

pelos alunos, para realizar as atividades de classe. Os alunos, embora relutantes, já

fazem cálculos mais complexos com o uso do soroban e admitem que alguns cálculos só

podem ser feitos com o auxílio desse instrumento como as multiplicações por dois

números e a fatoração, por exemplo.

CONCLUSÕES

Mesmo com o avanço da tecnologia, com o uso dos computadores e de

calculadoras modernas que facilitam os cálculos, o soroban não pode ser ignorado,

principalmente porque ele auxilia na compreensão de alguns procedimentos utilizados

nas operações do sistema de numeração decimal. Por isso consideramos de grande

importância conscientizar professores e alunos sobre a aplicabilidade do Soroban, as

possibilidades de operacionalização e as vantagens de utilizá-lo nas aulas de

matemática, viabilizando a realização de atividades junto com os colegas videntes.

Trata-se de oportunizar igualdade de condições.

A experiência objetivou avaliar a importância do soroban enquanto recurso

didático-pedagógico para o aluno com deficiência visual em aulas de matemática, bem

como ensinar a operacionalizá-lo. Pudemos observar que os alunos que não utilizam o

soroban têm muita dificuldade em realizar os cálculos e os professores da classe regular

por desconhecerem o instrumento, não cobram sua utilização.

Nesse sentido ficou claro que para promover a inclusão não é suficiente abrir as

escolas e permitir que os alunos ocupem um lugar na sala, essa atitude, muito comum

nas escolas regulares, não garante a participação dos alunos, muito menos que eles

aprendam os conteúdos das aulas que assistem. É necessário promover mais cursos de

capacitação que visem sensibilizar e preparar os professores para trabalharem em prol

da aprendizagem de todos, inclusive dos deficientes visuais.

REFERÊNCIAS

AZEVEDO, Orlando César Siade de. Operações Matemáticas com o Soroban (Ábaco

Japonês). Disponível em: <http://www.ucb. br /sites/100/103 /TCC/22006/ Orlando

CesarSiadedeAzevedo.pdf.> Acesso em: 15 de jun. 2011.

Page 12: O USO DO SOROBAN COMO INSTRUMENTO PARA A … USO DO SOROBAN COMO INSTRUMENTO... · anormalidade, dentre eles, os deficientes visuais. A deficiência é considerada um desvio do tipo

12

BRANDÃO, Jorge Carvalho. Desenho geométrico e deficiência visual. Rio de Janeiro:

Revista Benjamin Constant. Rio de Janeiro: IBCENTRO, ano 14, n. 39, p.20-27, abr.

2008.

BRASIL. Declaração de Salamanca e linha de ação sobre necessidades educativas

especiais. Brasília: CORDE, 1994.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Diretrizes

Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica. Brasília: MEC/SEESP,

2001.

BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Decreto Nº 3.956, de 8 de outubro de

2001. Promulga a Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de

Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência. Brasília: MEC, 2001.

_______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Política nacional

de educação especial. Brasília: MEC/SEESP, 2002.

DEMO, Pedro. Pesquisa e construção de conhecimento: metodologia científica no

caminho de Habermas. 2 ed. Rio de Janeiro : Tempo Brasileiro, 1996. 125 p.

NOVA ESCOLA. Inclusão: é hora de aprender. Revista Nova Escola. São Paulo:

Editora Abril, ano XXI, n. 206, p. 38-45, out. 2007.

SAMPAIO, Marcelo. Soroban: ábaco japonês que desenvolve o raciocínio, memória,

agilidade e cálculo mental. Disponível em: <http://marcelmatematica.com.br/soroban-

abaco-japones-que-desenvolve-o-raciocinio-memoria-agilidade-e-calculo-mental/>

Acesso em: 20 Jul. 2011.

SILVA, Divino José de; LIBÓRIO, Renata Maria Coimbra. Valores, preconceito e

práticas educativas. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2005.

STAINBACK, W. (Org.) Inclusão: um guia para educadores. Porto alegre: Artes

Médicas Sul, 1999. p. 184-199.

THIOLLENT, Michel. Metodologia da pesquisa-ação. 15. ed. São Paulo: Cortez,

2007.

VYGOTSKY, LEV S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos

psicológicos superiores. 3ª.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1989. 168p. (Coleção

Psicologia e Pedagogia. Nova Série).