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FERNANDO DE OLIVEIRA SIKORSKI OS ATOS INSTITUCIONAIS COMO INSTRUMENTOS DE RECRUDESCIMENTO DA DITADURA MILITAR BRASILEIRA ENTRE 1964 E 1968 CURITIBA 2010

OS ATOS INSTITUCIONAIS COMO INSTRUMENTOS DE ... · poder o Presidente da República legal e constitucionalmente nele ... que foi o Editorial do Jornal “O ... guerra fria pós Segunda

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Page 1: OS ATOS INSTITUCIONAIS COMO INSTRUMENTOS DE ... · poder o Presidente da República legal e constitucionalmente nele ... que foi o Editorial do Jornal “O ... guerra fria pós Segunda

FERNANDO DE OLIVEIRA SIKORSKI

OS ATOS INSTITUCIONAIS COMO INSTRUMENTOS DE

RECRUDESCIMENTO DA DITADURA MILITAR BRASILEIRA ENTRE 1964 E

1968

CURITIBA

2010

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FERNANDO DE OLIVEIRA SIKORSKI

OS ATOS INSTITUCIONAIS COMO INSTRUMENTOS DE

RECRUDESCIMENTO DA DITADURA MILITAR BRASILEIRA ENTRE 1964 E

1968

Monografia apresentada à disciplina de Estágio Supervisionado em Pesquisa Histórica- HH0067, pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes. Departamento de Historia.Orientador: Prof. Dr. Dennison de Oliveira

CURITIBA

2010

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À minha mãe, Maria da Graça de

Oliveira Sikorski, pelo amor sempre

demonstrado,

e ao meu pai, João Francisco Sikorski,

in memorian, pela enorme dedicação

devotada a mim e à esta Universidade.

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SUMÁRIO

RESUMO 05

INTRODUÇÃO 06

Capítulo I O Golpe de 1964 e o Ato Institucional original (“AI-1”) 09

Capítulo II O governo Castelo Branco e o Ato Institucional nº 2 22

Capítulo III O governo Costa e Silva e o Ato Institucional nº 5 33

CONSIDERAÇÕES FINAIS 43

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 45

ANEXOS 47

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RESUMO

A pesquisa aqui apresentada pretende analisar o recrudescimento do regime militar brasileiro, desde o golpe civil-militar que tomou o poder em 31 de março/1º de abril de 1964, com a derrubada do governo constitucionalmente investido no poder, representado pelo Presidente da República João Goulart, até a edição do Ato Institucional nº 5, em 13 de dezembro de 1968, estudando especialmente os Atos Institucionais de números 01 a 05 (seus preâmbulos e seus artigos), representativos que foram de momentos de limitação de garantias políticas e individuais, quando os mandatários do regime militar procuraram fortalecer a sua posição no poder, diminuindo a possibilidade da participação política de setores contrários ao governo, além de ampliar os instrumentos coercitivos para perseguição e punição aos adversários do regime. Outro ponto a ser estudado para a compreensão do objeto pesquisado é o reflexo das medidas tomadas pelo regime na sociedade civil e a sua reação por parte desta, pois a partir desta dialética será possível observar e analisar muitos fenômenos históricos relativos ao período estudado.

Palavras-chave: Golpe de 1964- ditadura militar- Atos Institucionais.

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INTRODUÇÃO

Quase meio século após o movimento golpista civil-militar que apeou do

poder o Presidente da República legal e constitucionalmente nele investido, os

debates acerca daquele momento histórico vêm sendo tratados com interesse

e atenção, em teses acadêmicas, discussões políticas, e mesmo em

programas de televisão e matérias da imprensa escrita.

O interesse pelo tema, que em verdade nunca deixou de suscitar defesas

apaixonadas, tanto por parte daqueles diretamente envolvidos nos

acontecimentos, como por observadores atentos às disputas envolvendo a

conquista do poder político, pode ser também compreendido num momento em

que as eleições para a presidência da República são disputadas por dois

personagens históricos que, de modos diferentes, foram contestadores da

ditadura militar, tendo, ambos, sofrido graves conseqüências pelas suas

posições escolhidas.

Esse fenômeno já havia sido observado quando da efeméride dos

quarenta anos do Golpe de 1964, onde Carlos Fico apontava algumas razões

para o aumento de interesse do tema, como a superação de velhos mitos e

estereótipos ligados à memória histórica do golpe graças a uma

profissionalização das pesquisas históricas referentes ao assunto, bem como a

um desprendimento político possível graças ao distanciamento histórico da

época dos acontecimentos para os dias de hoje.1

Portanto, o estudo de temas relativos ao golpe militar de 1964 reveste-se

de grande importância acadêmica, pois possibilita um prolífico estudo histórico

(e historiográfico), com uma pesquisa acerca de um tema complexo em que há

inúmeras questões controversas, algumas as quais serão abordadas

diretamente no presente trabalho, enquanto outras serão contempladas no

sentido de conferir inteligibilidade às idéias propostas.

Nesse sentido, serão analisados os textos de fontes primárias (Os Atos

Institucionais de nº.s 01, 02 e 05, especialmente, seus preâmbulos e seus

artigos), fazendo a crítica destas fontes, relacionando-as aos momentos de sua

1 FICO, Carlos. Versões e controvérsias sobre 1964 e a ditadura militar. In: Revista Brasileira de História, vol. 24, nº 47. São Paulo, 2004, p.02.

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produção e a conjuntura histórica em que foram produzidas e em que haveriam

de se fazer sentir seus efeitos, bem como às posições já defendidas pela

historiografia referente ao tema, no que se refere aos significados político-

institucionais desta produção normativa.

A definição do recorte temporal escolhido baseia-se na percepção de

muitos autores que tratam do período, de que esta primeira fase da ditadura

militar representou um processo gradual do seu “endurecimento”, afastando o

que seria o objetivo inicial do movimento que derrubara o governo João

Goulart, em constituir somente um governo de transição, devolvendo o país à

ordem democrática, inclusive com realização de eleições, uma vez apeados do

poder os elementos subversivos, vistos como ameaças à segurança nacional.

Neste sentido, aponta Nilson Borges que

há um certo consenso entre os analistas políticos de que o período pós-1964 pode ser dividido em três fases. A primeira se inicia com o golpe militar e vai até a publicação do Ato Institucional nº 5. Durante esse interregno eram discutidas, ainda, as tendências do regime militar, isto é, se as Forças Armadas assumiriam a postura de devolver e limitar, ou avançariam em direção ao papel dirigente, dando origem ao processo revolucionário. De início, o General Castelo Branco estava convencido de que a “revolução” deveria ser uma intervenção transitória, mas foi atropelado pela corrente dos chamados “duros”, que exigia um processo revolucionário permanente. Com a posse de Costa e Silva e a publicação do AI-5, não havia mais dúvidas de que a revolução seria permanente. A segunda fase compreende o período que vai do AI-5, até a liberalização política, iniciada no governo Geisel, com a revogação deste Ato. A terceira tem início com o projeto de liberalização política, inaugurado por Geisel, e levado adiante por Figueiredo.

De todo modo, é importante ressaltar que esse “gradualismo” do

endurecimento do regime entre 1964 e 1968 não pode ser considerado como

um movimento linear, pois mesmo durante esse período inicial do regime

militar, é possível observar oscilações na severidade da repressão (legal e

factual), com momentos em que se parecia estar havendo um retorno (ainda

que incipiente) à normalidade democrática e institucional (exemplo disso é o

respeito aos prazos estabelecidos em alguns dos artigos constantes dos dois

primeiros Atos Institucionais).

Outra questão importante a ser tratada na pesquisa diz respeito às

intenções dos golpistas, sobretudo dos militares que se arvoraram em classe

dirigente.

Aqui, uma análise atenta do conteúdo dos Atos Institucionais objetos

deste trabalho, bem como a sua aproximação com a historiografia existente

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sobre o tema, pode indicar algumas possibilidades acerca das hipóteses já

formuladas em relação ao assunto, procurando evidências de que os atos

legislativos e administrativos tomados pelos governos militares do período já

apontavam para a sua intenção de continuidade no poder desde os primeiros

momentos da sua instalação, podendo aí se falar de um projeto pela opção de

um governo militar mais duradouro2, ou se os militares foram paulatinamente

observando, segundo sua própria análise subjetiva, a necessidade de tomar as

medidas que garantissem a segurança nacional (com a sua continuidade no

poder), não permitindo a utilização do espaço político pelos elementos e

setores que haviam sido derrubados pelo golpe de 1964, tampouco pelos

novos atores políticos que questionavam a ordem estabelecida (estudantes,

grupos de luta armada).3

Outro ponto a ser estudado para a compreensão do objeto pesquisado é o

reflexo das medidas tomadas pelo regime na sociedade civil e a sua reação por

parte desta, pois a partir desta dialética será possível observar e interpretar

muitos fenômenos históricos relativos ao período estudado.

2 SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Castelo a Tancredo. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1988, p.11: “A raison d´être do meu novo livro remonta também a 1964, só que o que procuro descrever e explicar é o processo político criado pela determinação dos militares de não devolver imediatamente o poder aos civis, como o fizeram após todas as outras intervenções que realizaram a partir de 1945.”3 CRUZ, Sebastião Velasco; MARTINS, Carlos Estevam. De Castelo a Figueiredo: uma incursão na pré-história da “abertura”. In: SORJ, Bernardo; ALMEIDA, Maria Hermínia Tavares de (orgs.). Sociedade e política no Brasil pós-64. São Paulo: Brasiliense, 1983, pp.14/15: “Os momentos de intensificação do autoritarismo como, por exemplo, a edição do AI-2, em 65, ou a do AI-5, em 68, não decorrem em linha direta do golpe de 64. Apesar de sua inegável importância, o movimento de março não pode ser erigido em principal fator explicativo das eclosões autoritárias posteriores, como se, no interior daquele, estas já estivessem dadas, tal qual bombas de ação retardada.”

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CAPÍTULO I

O GOLPE DE 1964 E O ATO INSTITUCIONAL ORIGINAL (“AI-1”)

O Golpe de 1964

"Ressurge a Democracia! Vive a Nação dias gloriosos. Porque souberam unir-se todos os patriotas, independentemente das vinculações políticas simpáticas ou opinião sobre problemas isolados, para salvar o que é de essencial: a democracia, a lei e a ordem. Graças à decisão e ao heroísmo das Forças Armadas que, obedientes a seus chefes, demonstraram a falta de visão dos que tentavam destruir a hierarquia e a disciplina, o Brasil livrou-se do governo irresponsável, que insistia em arrastá-lo para rumos contrários à sua vocação e tradições.Como dizíamos, no editorial de anteontem, a legalidade não poderia ter a garantia da subversão, a ancora dos agitadores, o anteparo da desordem. Em nome da legalidade não seria legítimo admitir o assassínio das instituições, como se vinha fazendo, diante da Nação horrorizada.”4

O texto acima reproduzido, que foi o Editorial do Jornal “O Globo”, do Rio

de Janeiro, em quatro de abril de 1964, retrata bem o clima existente no Brasil

durante os dias em que se deu o Golpe de 1964: uma sociedade dividida, em

que muitos setores exigiam a derrubada do Presidente João Goulart, e,

efetivamente, se empenharam para a consecução de tal objetivo, além de

terem se regozijado com a sua realização.

Assim, o Golpe de 1964, que derrubou o governo constitucionalmente

instalado no poder por meio das eleições de 1960, representa o resultado de

um processo histórico complexo, havendo considerável número de trabalhos e

análises sobre as razões que levaram amplos setores (civis e militares) da

sociedade brasileira a desejarem e a diretamente se engajarem na derrubada

do Presidente João Goulart.

Deste modo, é possível enumerar na historiografia acerca do tema, várias

hipóteses que, por vezes contraditórias, por outras passíveis de serem

complementares, podem auxiliar a compreensão das motivações golpistas, as

suas perspectivas de poder (e de projeto de poder, inclusive quanto à sua

longevidade), cujos reflexos se farão observar nos Atos Institucionais, cujas

análises constituem o objeto principal do presente trabalho.

4 Jornal O Globo - Rio de Janeiro - 04 de Abril de 1964.

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Daniel Aarão Reis parte de análises estruturais externas (o contexto da

guerra fria pós Segunda Guerra Mundial, especialmente na conjuntura

americana após a eclosão da Revolução Cubana)5 e internas (a crise do

projeto político nacional-estatista em oposição à proposta de um

desenvolvimento dependente e associado aos capitais internacionais)6, para

em seguida observar as posições antagônicas que já haviam se defrontado

quando do impasse da posse do Vice-Presidente João Goulart, em razão da

renúncia do Presidente Jânio Quadros (em agosto de 1961), e iriam

recrudescer a partir do Programa das Reformas de Base propostos por Jango

(reformas agrária, urbana, bancária, universitária, tributária, eleitoral e do

estatuto do capital estrangeiro), com maior ênfase e crescente radicalização, a

partir de 1963.

Em fins do primeiro semestre de 1963, o programa reformista, que

redesenhava a perspectiva nacional-estatista em um novo patamar de

incorporação popular, aprofundando uma proposta de inserção autônoma nas

relações internacionais, estava atolado em um impasse histórico. A sociedade

dividira-se. De um lado, amplos contingentes de trabalhadores urbanos e

rurais, setores estudantis de algumas grandes universidades públicas, além de

muitos graduados das forças armadas. O movimento pelas reformas lhes

conferira uma importância política considerável, e percebiam, com razão, que a

concretização delas haveria de consolidar uma repartição de poder e de

riqueza que certamente lhes traria grandes benefícios, materiais e simbólicos.

Por isso mesmo, acionavam os mecanismos do pacto nacional - estatista,

tensionando-os ao máximo, exigindo as reformas. Contudo, na medida em que

estas não se concretizavam, desiludiam-se com a lei e passavam,

crescentemente, a defender o recurso à força, sintetizado na agressiva palavra

de ordem: reforma agrária na lei ou na marra. De outro lado, um processo de

condensação de várias correntes de oposição às reformas: das elites

tradicionais a grupos empresariais favoráveis a projetos modernizantes... e

algumas profissões e atividades beneficiadas pelo dinamismo da economia

brasileira... Nesse conjunto extremamente heterogêneo, muitos haviam

acumulado riquezas, privilégios e favores no interior do nacional-estatismo.

5 REIS, Daniel Aarão. Ditadura militar, esquerdas e sociedade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000, pp.27/28.6 idem, pp. 14/17.

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Não desejavam destruí-lo, mas não suportavam a irrupção das lideranças

populares que se faziam cada vez mais atuantes. Todos sentiam obscuramente

que um processo radical de redistribuição de riqueza e poder na sociedade

brasileira, em cuja direção apontava o movimento reformista, iria atingir suas

posições, rebaixando-as. E nutriam um grande medo de que viria um tempo de

desordem e de caos, marcado pela subversão dos princípios e dos valores,

inclusive dos religiosos. A idéia de que a civilização ocidental e cristã estava

ameaçada no Brasil pelo espectro do comunismo ateu invadiu o processo

político, assombrando as consciências.7

E, conclui Reis que

os movimentos e lideranças partidários das reformas, que haviam originalmente construído sua força na luta pela posse de Jango e, em seguida, pelo restabelecimento dos plenos poderes presidenciais – em outras palavras, na defesa da ordem constituída e da legalidade – tinham evoluído, progressivamente, para uma linha ofensiva em que inclusive se contemplava o recurso à violência “revolucionária”... Enquanto isso, do outro lado, notórios conspiradores de todos os golpes... encontravam-se defendendo a Constituição e a legalidade da ordem vigente.8

A questão da radicalização também foi observada pelo jornalista Elio

Gaspari em sua obra sobre o regime militar, em que defende a tese golpista de

João Goulart, cuja primeira tentativa havia acontecido quando da solicitação ao

Congresso Nacional da decretação do Estado de Sítio no país, e que fora

rechaçada, inclusive por setores da esquerda9, seguida do abandono do tom

conciliatório e das articulações políticas para um alinhamento com os setores

reformistas radicais de esquerda, cuja agenda incluía, se necessário, a

desobediência às normas constitucionais vigentes10.

A tese de golpe preventiva também é analisada em um dos estudos

pioneiros sobre o golpe, de autoria de Hélio Silva, em que se esmiúçam vários

acontecimentos preparatórios para a derrubada de João Goulart e que pode

ser classificado como um trabalho de História Política tradicional (factual), em

que pese haver as condicionantes de lutas de classes (estruturais), também

abordadas pelo autor.11

7 REIS, op. cit., pp.26/288 Idem p.29.9 GASPARI, Elio. A ditadura envergonhada. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, p. 47.10 GASPARI, op. cit., p. 48.11 SILVA, Hélio. 1964: Golpe ou Contragolpe? Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1975.

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A sociedade estava dividida: enquanto os defensores das reformas

pretendiam organizar uma série de comícios para sua divulgação e aceleração,

como, por exemplo, o Comício da Central do Brasil, realizado a 13 de março de

1964, os setores da sociedade civil contrários a Jango responderam

imediatamente com outra ruidosa manifestação, a Marcha da Família com

Deus pela Liberdade, acontecida em São Paulo, seis dias depois.

Além disso, tanto Reis como Gaspari ressaltam a importância que

sucessivas crises na área militar como o episódio de insubordinação na

Marinha e o discurso no Automóvel Clube no Rio contribuíram decisivamente

para aglutinar as forças contrárias a Jango, especificamente os militares

receosos da corrosão da hierarquia e, consequentemente, da unidade das

Forças Armadas.12

Com efeito, formara-se para derrubar o governo Jango, uma ampla e

diferenciada frente, cujos propósitos (ao menos, os declarados) eram salvar o

país da subversão e do comunismo, da corrupção e do populismo. E

restabelecer a democracia.13

Ligada por tais objetivos e motivações, e escaldados pelo fracasso

golpista de 1961, essa frente era formada por uma base social abrangente e

heterogênea, tanto em seu meio civil, contando com apoio de facções

significativas das classes dominantes, juntamente com parcelas da pequena-

burguesia, da classe média, profissionais liberais e a maioria da imprensa, e

também em seu seio militar, onde agregava legalistas históricos, como o

marechal Humberto de Alencar Castelo Branco, com conspiradores históricos

como os generais Albuquerque Lima e Cizeno Sarmento.14

Em artigo sobre a historiografia relativa ao Golpe de 1964, Carlos Fico

propõe três correntes explicativas principais: as tentativas de teorização da

Ciência Política, as análises marxistas e a valorização do papel dos militares.15

Como será possível observar pelo breve resumo que será apresentado

em seguida, as três correntes explicativas, em que pese a existência de

diferenças importantes entre si, contribuem, cada qual à sua maneira, para a

compreensão do triunfo do movimento golpista.

12 GASPARI, op. cit., p. 91 e REIS, op. cit., pp. 31/32.13 REIS, op. cit., p 33.14 CRUZ e MARTINS, op.cit., p.16.15 FICO, op.cit., p.08.

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A primeira delas pode ser caracterizada pelo esforço da Ciência Política

em apontar uma “mudança de padrão” no comportamento do setor militar em

relação às suas intervenções na vida institucional do país16, especificamente na

conjuntura da crise de 1964: se até ela, os militares eram chamados para depor

algum governo e depois devolver o poder aos civis, a partir dela, a classe

castrense (não interessa, neste momento, as divisões nela existentes), irá

julgar-se apta não só a derrubar o regime legalmente instituído, como irá se

investir da prerrogativa de efetivamente governar, acreditando-se apta ao

desempenho de tal função, especialmente pelos fundamentos teóricos e

doutrinários desenvolvidos na, e pela, Escola Superior de Guerra (ESG).17

Essa mudança de padrão terá reflexos importantes na discussão acerca

do papel reservado às Forças Armadas após a vitória do golpe e será retomada

quando da análise dos textos dos Atos Institucionais.

Nessa mesma vertente se enquadram os trabalhos de Wanderley

Guilherme dos Santos18, que sugere a necessidade de se introduzirem

variáveis políticas específicas para a compreensão da conjuntura da crise,

apontando, em sua tese, a radicalização política do Congresso Nacional

brasileiro e a sua quase paralisia na tomada de decisões e votação de projetos

de governo.

Desta forma, a degradação de tão importante instituição política também

deve necessariamente ser considerada na conjuntura que levou ao

desmoronamento do regime constitucional vigente no país, ao denotar uma

situação de “falência” do sistema político brasileiro, que deveria ser combatida

através de uma intervenção direta.

Na visão de Carlos Fico:

A melhor contribuição do trabalho é chamar a atenção para a importância das questões parlamentares, do Congresso, dos partidos políticos. Tal foco foi sistematicamente desprezado pela maioria dos analistas do regime militar. De fato, a literatura especializada, tendo enfatizado o papel dos empresários ou dos militares no golpe de 64, tendeu, salvo raras exceções, a não considerar a dimensão político-institucional das crises do período no plano parlamentar.19

16 STEPAN, A.C. Os militares na política: as mudanças de padrões na vida brasileira. Rio de Janeiro: Artenova, 1975, p.140.17 SKIDMORE, op.cit., p.22.18 SANTOS, W.G. Paralisia da decisão e comportamento legislativo: a experiência brasileira, 1959-1966. In: Revista de Administração de Empresas, v.13, n.2, abr/jun 1973, e SANTOS W.G. O cálculo do conflito: estabilidade e crise na política brasileira. Belo Horizonte, Rio de Janeiro: Ed.UFMG, Iuperj, 2003.19 FICO, op.cit., p.10.

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As análises marxistas enfatizavam as determinações econômico-

estruturais e os condicionamentos de classe como explicativos do golpe,20

destacando-se, por mais conhecida, a análise de Jacob Gorender21, em que

propugna como determinantes para a eclosão do golpe o estágio em que se

encontrava o capitalismo brasileiro e a relação com a necessidade da

existência de um governo forte que pudesse controlar e garantir a sua inserção

no capitalismo internacional, e também a necessidade de se evitar a subida ao

poder de setores populares e radicais de esquerda, impulsionados pelo

programa de reformas pretendido pelo Presidente João Goulart.

Também a essa corrente, Carlos Fico irá incluir o prestigiado trabalho de

René Dreifuss22, onde o autor parte do pressuposto de que o domínio do capital

multinacional na economia brasileira não encontrava uma correspondente

liderança política23, sendo a busca por esta proeminência no campo das

decisões de governo o que irá impulsionar a luta e a pressão que estes setores

irão empreender para a consecução de seu projeto, que incluiria, sem

nenhuma objeção ética, política ou jurídica, a derrubada do governo legalmente

constituído, uma vez que a falta de apoio popular tornava inviável a sua

chegada ao poder pela via eleitoral.

A esse grupo também poderíamos incluir o já citado autor Daniel Aarão

Reis, que, conforme já exposto, observa claramente uma divisão de classes e

projetos políticos, e a luta pela hegemonia política, como estrutura

determinante do golpe de 1964, com a vitória dos setores associados ao capital

internacional, apoiados, sem dúvida alguma, por amplos setores (civis e

militares) da sociedade brasileira.

E, ainda, Caio Navarro de Toledo:

O movimento político-militar de abril de 1964 representou, de um lado, um golpe contra as reformas sociais que eram defendidas por setores progressistas da sociedade brasileira e, de outro, um golpe contra a incipiente democracia política nascida em 1945.24

20 Idem.21 GORENDER, Jacob. Combate nas Trevas - A Esquerda Brasileira: das Ilusões Perdidas à Luta Armada. São Paulo: Editora Ática, 1987.22 DREIFUSS, René Armand. 1964, a Conquista do Estado – Ação Política, Poder e Golpe de Classe. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1981.23 FICO, op.cit., p.11.24 TOLEDO, Caio Navarro de. “1964: o golpe contra as reformas e a democracia”. In: Revista Brasileira de História, São Paulo, v.24, nº 47, 2004, p.13.

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A terceira e última corrente historiográfica analisada por Carlos Fico

defende a ideia de que não seria possível a realização do golpe de estado

contra Jango sem a participação dos militares, e, além disso, desde os

primórdios do governo golpista, observa a preponderância das lideranças

militares sobre os golpistas civis proeminentes.

Se a preparação do golpe foi de fato civil-militar, no golpe, propriamente,

no momento da consumação da derrubada do governo de João Goulart,

sobressaiu o papel dos militares. Assim, se é possível afirmar que o golpe foi

civil-militar, parece muito mais apropriado falar-se que o regime implantado foi

um regime militar25, que haveria de encaminhar-se para uma ditadura militar.

Também nesse sentido, Gláucio Ary Dillon Soares, em seu artigo em obra

sobre a memória militar do golpe, afirma, em oposição às análises que

privilegiam as explicações estruturalistas, especialmente as econômicas:

O golpe, porém, foi essencialmente militar: não foi dado pela burguesia ou pela classe média, independentemente do apoio que estas lhes prestavam.26

O citado autor enumera, inclusive, as razões dos militares para

derrubarem Jango: o caos administrativo e a desordem política, o perigo

comunista e esquerdista em geral e os ataques à hierarquia e à disciplina

militares.27

Também é essa a percepção de Thomas Skidmore, para quem a

destituição de Jango foi primeiro, e, sobretudo, uma operação militar,

vislumbrando ainda que, ante a fraqueza das lideranças civis de oposição ao

governo trabalhista, somente a sua intervenção, e via de conseqüência, o

comando das instituições políticas, poderia corrigir os rumos desviados pelo

governo deposto, unindo novamente o país e o guiando para o

desenvolvimento.28

A decisiva importância dos militares para o golpe de 1964, onde, como já

demonstrado, incorreram condicionantes estruturais, processos conjunturais e

episódios imediatos (factuais)29, é ponto fundamental para a compreensão das

medidas normativas que serão tomadas para a consolidação do projeto

25 FICO, op.cit.,, p.13.26 SOARES, G.A.D. O Golpe de 64. In: D´ARAUJO, M.C. et alli (Org.). Visões do golpe: a memória militar sobre 1964. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994, p.27.27 Idem, p.32.28 SKIDMORE, op.cit., p.44.29 FICO, op.cit., p.15.

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golpista uma vez consolidada a chegada ao poder, e a redação do preâmbulo e

dos artigos do primeiro Ato Institucional podem indicar algumas hipóteses

relacionadas àquele projeto.

O Ato Institucional Original (“AI-1”)30

Uma questão relevante e que ainda hoje divide a historiografia sobre o

golpe de 1964 diz respeito às intenções e projetos efetivos de governo (se é

que eles haviam) dos líderes do movimento golpista.

Afinal, obtida a vitória, o que fazer?

Uns desejavam simplesmente remover Jango, legitimar o golpe por meio

de expediente jurídico qualquer, aprovado pelo Parlamento, com o retorno das

Forças Armadas aos quartéis e a volta da vida institucional nos padrões

anteriores; alguns queriam uma Operação Limpeza mais profunda, enquanto

outros (especialmente pessoal ligado ao IPES31) imaginavam possuir um

projeto alternativo global à situação existente.32

As controvérsias dizem respeito maior ainda aos militares, que, conforme

já visto, foram os que diretamente, pelo uso da força, derrubaram o Presidente

João Goulart, declarando-se desde logo os líderes da revolução vitoriosa

empreendida.

De todo modo, o objetivo principal e imediato de todos os setores

contrários ao governo era tirar Jango, para, em seguida, fazer uma “limpeza”

nas instituições.33

Uma vez vitorioso o golpe, fazia-se necessária, portanto, a tomada de

medidas que desmantelassem o aparato governamental deposto, justificando a

posição adotada, bem como indicando minimamente a direção política

desejada para a nação, pelo grupo agora investido no poder, especialmente o

setor militar, que direta e efetivamente depusera o Presidente da República.

30Nota do Autor: Todos os textos legais, a não ser que haja indicação em contrário, foram extraídos de CAMPANHOLE, Adriano e CAMPANHOLE, Hílton Lobo. Atos Institucionais, Atos Complementares, Leis Complementares. São Paulo: Editora Atlas, 1971.31 Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais.32 REIS, op. cit., p 34.33 D´ARAUJO, M.C. et alli (Org.). Visões do golpe: a memória militar sobre 1964. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994, p.18.

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A legislação de emergência que deveria conferir legalidade e legitimidade

ao novo regime apresentou como marco inicial, um “Ato Institucional”, sem

numeração, mas que, em função da edição posterior de novos Atos similares,

acabaria se tornando conhecido pela historiografia como “Ato Institucional nº

01”, ou, simplesmente “AI-1”.

O Ato Institucional nº 01 foi assinado no dia nove de abril de 1964 pelo

general Arthur da Costa e Silva, o tenente-brigadeiro Francisco de Assis

Correia e Melo e o vice-almirante Augusto Hamann Rademaker Grunewald,34

que constituíam a liderança do Comando Supremo Revolucionário, anunciado

como o novo poder de facto no país após a queda de Jango, e que foram

efetivamente nomeados como os três novos ministros militares pelo Presidente

da Câmara Ranieri Mazzili, que era o substituto legal de João Goulart, nos

termos da Constituição vigente, datada de1946.

A sua elaboração é atribuída ao jurista Francisco Campos, que havia sido

autor da Constituição de 1937, na consolidação ditatorial do Estado Novo de

Getúlio Vargas, e cuja experiência legislativa e autoritária se faria novamente

presente35, e por Carlos Medeiros da Silva, um advogado de posições

extremamente conservadoras.36

Em seu preâmbulo, o AI-1 afirmava que o movimento civil e militar que

derrubara o governo João Goulart era uma autêntica revolução e que

representava o interesse e a vontade de toda a nação brasileira e que se

destinava a assegurar ao novo governo os meios indispensáveis à obra de

reconstrução econômica, financeira, política e moral do Brasil.37

Além disso, segundo os autores do Ato, a nova legislação era necessária

porque os processos constitucionais vigentes até então não foram funcionais o

suficiente para derrubar um governo que se dispunha a bolchevizar o país.38

Em relação à legalidade do Ato, que se constituía em preocupação dos

novos dirigentes, receosos de parecerem estar utilizando de instrumentos não

previstos no ordenamento jurídico brasileiro, e que seriam, portanto, ilegais, a

solução encontrada foi no sentido de que a revolução vitoriosa se investia no

34 ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e oposição no Brasil (1964-1984). Editora Vozes: Petrópolis, 1984, p..53.35 GASPARI, op. cit., p.123.36 SKIDMORE, op.cit., p.48.37 CAMPANHOLE, op.cit., p.09.38 Idem, p.10.

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exercício do Poder Constituinte e, assim, detinha a força normativa inerente

àquele poder, podendo editar normas jurídicas, sem que nisto estivesse

limitada pela normatividade anterior à sua vitória.39

Uma vez legitimado, o Ato exprimia seu conteúdo através de artigos que,

em síntese, podem ser resumidos por meio das seguintes medidas40:

- Ficava mantida a Constituição de 1946, com as modificações feitas pelo

Ato (artigo 1º);

- O Congresso permaneceria em funcionamento, com as limitações

elencadas no Ato (artigo 1º);

- Ficariam suspensas as garantias de estabilidade e vitaliciedade (artigo

7º, que teria validade pelo período de seis meses, contados da publicação do

Ato), artigo que serviu de base aos expurgos de funcionários públicos civis e de

pessoal militar identificados com o regime deposto;

- Seriam instaurados inquéritos e processos visando à apuração da

prática de crimes contra o Estado (artigo 8º - na prática, esse artigo originou os

IPMs - Inquéritos Policiais-Militares, utilizados, sobretudo, contra pessoas

ligadas ao governo João Goulart e aos movimentos sociais a ele ligados);

- A previsão da possibilidade de suspensão de direitos políticos e

cassação de mandatos a nível federal, estadual e municipal (artigo 10º, válido

pelo período de sessenta dias, contados da publicação do Ato).

Uma vez vistos o preâmbulo do Ato Institucional, que continha as suas

justificativas e diretrizes, e também parte substancial de seus artigos, faz-se

importante listar algumas observações já feitas pela historiografia estudiosa do

tema, a fim de se procurar alguns indícios de projeto de poder nele contidos,

inclusive quanto à longevidade do grupo militar ora no poder.

Para Adriano Codato, as Forças Armadas, ao tomarem o poder, não

possuíam um projeto de governo para o país, mas simplesmente tomaram as

medidas excepcionais necessárias para a destruição do populismo,

representado pelo governo de João Goulart.41

Assim, em tese, e em princípio, a tarefa dos militares deveria limitar-se a

promover a exclusão política das classes populares, desarticulando, pela

39 Ibidem p.09.40 Ibidem, pp.10-1241 CODATO, Adriano N. O golpe de 1964 e o regime de 1968: Aspectos conjunturais e variáveis históricas. In: História: Questões & Debates, ano 21, n.40, Editora UFPR: Curitiba, 2004, pp. 17-18.

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repressão, suas instituições de organização sindical (o CGT, principalmente) e

participação autônoma (como foi o caso das “Ligas Camponesas”), além do

partido de sua base de sustentação parlamentar (o PTB).42

Assim também pensam Sebastião Velasco e Cruz e Carlos Estevam

Martins, para quem o Ato Institucional, apesar de conter medidas destinadas a

“drenar o bolsão comunista”43, e com isso ter promovido expurgos no

Congresso, Poder Judiciário, funcionalismo público civil e nas Forças Armadas,

além de intervir em sindicatos, não representou uma medida legislativa

fundamentadora de um Estado de exceção total, mas sim um decreto de

emergência necessário para a situação excepcional que ali se apresentava, e

que, vislumbrava a possibilidade de um retorno a médio prazo da normalidade

democrática no país.

Em defesa desta posição, que preconiza não ter havido uma ruptura

completa com o ordenamento jurídico anterior, que era reconhecidamente

democrático, os autores enumeram alguns pontos do “AI-1” que supostamente

iriam nessa direção44:

- Foi mantida a Constituição de 1946;

- O Congresso Nacional permaneceu em funcionamento (embora

depurado);

- Enquanto instituições, a liberdade de imprensa, as associações

representativas e os partidos políticos não foram diretamente atingidos;

- O calendário eleitoral não foi alterado;

- Não se alterou a Lei de Segurança Nacional, elaborada pelo Congresso

em 1953;

- Os artigos mais draconianos, o sétimo e o décimo (já citados) expirariam

em seis meses e sessenta dias, respectivamente;

- O Ato foi editado sem numeração, o que indicaria que não se cogitava

de uma série legislativa com atos similares, mas, ao contrário, que ele fosse

único. Além disso, ele tinha vigência limitada, expirando em menos de dois

anos (em 31 de janeiro de 1966), juntamente com o mandato presidencial.

Há autores, entretanto, que reputam já haver no Ato Institucional, indícios

da intenção dos militares em continuar no poder por um período maior do que o

42 Idem, pp. 18-19.43 CAMPANHOLE, op.cit., p.10.44 CRUZ e MARTINS, op.cit., p.18.

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estritamente necessário para expurgar da vida pública os setores ligados a

Jango, denotando a existência de um projeto de poder longevo.

Neste sentido, a afirmação de Aarão Reis acerca do preâmbulo do Ato:

Os homens do Comando Supremo falavam em nome de uma revolução, querendo explicitar a perspectiva de que não tinham promovido uma intervenção de caráter passageiro, mas algo mais profundo.45

Do mesmo modo, Maria Helena Moreira Alves, para quem a decretação

do Ato Institucional, com o objetivo de uma busca da segurança interna pela

eliminação do “inimigo interno”, nos moldes estabelecidos pelas doutrinas da

Escola Superior de Guerra, entrou em conflito com os objetivos declarados de

restabelecimento da legalidade e fortalecimento das instituições democráticas

anunciados pelos golpistas. Em seu lugar, com as medidas adotadas para

expurgar os que estavam associados a movimentos sociais e ao governo

anterior, o que houve foi a institucionalização do Estado de Segurança

Nacional com a necessidade de um novo aparato que apoiasse a

“Revolução”46, o que implicaria, necessariamente, em um governo duradouro, e

não transitório, para a efetivação de seu projeto.

E prossegue a autora, ressaltando que o conteúdo do Ato foi, desde logo,

o início de um processo de insatisfação e questionamento por parte da

sociedade civil que apoiara o golpe, pois

como a doutrina (de Segurança Nacional) não era amplamente conhecida do público na época, o Ato Institucional surpreendeu os que haviam apoiado a intervenção dos militares na crença de que sua intenção era restaurar a democracia. A reação da imprensa foi quase unanimemente negativa. E, com efeito, o Ato Institucional nº 1 rompeu o apoio tácito à coalizão civil-militar, dando origem à dialética Estado/oposição.47

Por fim, mas de grande relevância, releva Alves que o “AI-1” já

apresentava uma característica que seria comum aos outros Atos

Institucionais, qual seja, a de institucionalizar o mecanismo de transferência do

Poder Executivo (por meio de eleições indiretas)48 e, ainda, de hipertrofiá-lo,

usurpando funções dos outros poderes da república (Legislativo e Judiciário).

Ela aponta que, o Ato Institucional, em seu artigo 2º, marcava a eleição

para Presidente da República (e do Vice-Presidente), cujos mandatos

terminariam em 31 de janeiro de 1966, seria decidida pela maioria absoluta dos

45 REIS, op. cit., p 36.46 ALVES, op. cit., pp.52-54.47 ALVES, op. cit., p.54.48 Idem, p.55.

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membros do Congresso Nacional, dentro de apenas dois dias da publicação do

Ato.

Como observa Thomas Skidmore, com essa manobra, e a exigüidade de

prazo para a formação de qualquer candidatura oposicionista, o Ato do

Comando Supremo Revolucionário tornou inevitável a eleição do candidato de

consenso dos militares e dos governadores anti-Goulart.49

À guisa de conclusão, e apontando para indícios da existência de um

projeto de governo, com a intenção de continuidade no poder dos militares nele

investido, vale lembrar a declaração do próprio autor do Ato Institucional,

Carlos Medeiros, para quem a importância fundamental do Ato se dava em

razão de que

sem ele, o movimento civil e militar de março se confundiria com um golpe de Estado ou uma revolta destinada apenas a substituir ou afastar pessoas dos postos de comando e influência do governo (deposto).50

Para uma análise dos efeitos práticos do Ato Institucional original, onde as

suas medidas efetivamente atingiram a sociedade e se fizeram sentir, é

necessário abordarmos o governo de Castelo Branco, seus desdobramentos

políticos e institucionais, que é o que se passa a fazer.

49 SKIDMORE, op. cit., p.50.50 VIANA FILHO, Luis. O Governo Castelo Branco. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1976, p. 58.

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CAPÍTULO II

O GOVERNO CASTELO BRANCO E O ATO INSTITUCIONAL Nº 2 (AI-2)

O general Castelo Branco foi eleito indiretamente pelo Congresso

Nacional, em 11 de abril de 1964, nos termos publicados dois dias antes, pelo

“AI-1”, em seu artigo 2º. Ele obteve 361 votos, contra 72 abstenções e 5 votos

destinados a outros militares participantes do golpe.51

O começo de seu governo foi caracterizado pelos expurgos nos setores

políticos, com cassações de parlamentares ligados ao janguismo e

aposentadorias compulsórias e depurações nas Forças Armadas, no Judiciário

e no funcionalismo público, utilizando os instrumentos constantes do “AI-1”, e

que ficaram conhecidos como “Operação Limpeza”, tendo por base doutrinária

a Doutrina de Segurança Nacional.52

Essa fase de eliminação de figuras ligadas ao governo deposto

representa, no plano prático, o objetivo primordial declarado no Ato

Institucional, que se propunha a alijar da vida pública, os elementos ligados ao

comunismo, à subversão e à corrupção, segundo os golpistas.

Nas semanas seguintes à deposição de João Goulart, prenderam-se

cerca de cinco mil pessoas. Nas Forças Armadas, 421 oficiais foram punidos

com a passagem para a reserva. 53 Até o final de 1964, cerca de 1200 militares

de diversas patentes, das três armas haviam sido retirados da ativa.54

No funcionalismo público, no mesmo ano, houve 1408 casos de

afastamento, a maior parte nos três primeiros meses do novo governo.55

Com fundamento no artigo 10º do “AI-1”, que previa a possibilidade de

cassações de mandatos de parlamentares, 40 membros do Congresso

Nacional e 43 deputados estaduais foram atingidos na publicação do Ato

Institucional.56

51 SKIDMORE, op. cit., p.50.52 ALVES, op.cit., p. 56.53 GASPARI, op. cit., p.130. 54 ALVES, op.cit., p. 65.55 Idem, p. 63.56 Ibidem, pp. 61-62

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Outro instrumento importante para a perseguição aos integrantes ou

simpatizantes do regime deposto foram os Inquéritos Policial – Militares (IPMs).

Com sua base legal no artigo 8º do “AI-1”, que visava à apuração da

prática de crimes contra o Estado, eles se tornaram uma espécie de poder

paralelo para o grupo de coronéis designados para coordenar ou chefiar as

investigações57, dada a possibilidade de inobservância das leis durante a sua

condução, motivada, muitas vezes, pela intenção de vendetas pessoais.

Segundo Gaspari, sua base espalhava-se pelos quartéis, e sua

articulação agrupava os descontentes à direita do regime,58 desejosos de

mecanismos mais duros e duradouros de repressão, e que haveriam de se

opor tenazmente contra qualquer projeto de retorno, a curto prazo, à

normalidade democrática.

E ainda:

A vitória de 1º de abril canalizou para outra direção os planos e fantasias do radicalismo da direita militar. Alguns oficiais foram para comandos prestigiosos, outros meteram-se nos labirintos dos IPMs, e quase todos passaram-se a sentir-se parte daquele ente vago que se denominava “linha dura”. Quem queria caçar esquerdistas podia agora fazê-lo dentro da máquina do Estado.59

Em relação à sua relação com a sociedade que em sua grande maioria

apoiara o golpe, analisa Aarão Reis o governo Castelo Branco:

Do ponto de vista do ideário liberal, o governo ia muito mal das pernas... A repressão desatada punha em frangalhos os valores liberais e democráticos com os quais o governo dizia-se comprometido. As centenas de cassações e as operações desastradas de censura causavam escândalo e desgaste, sem falar no cortejo de Inquéritos Policial-Militares (IPMs), completamente inócuos do ponto de vista da eliminação das raízes do regime anterior.60

Da perspectiva da economia, o governo Castelo Branco pode ser

classificado como revelador de um modelo de programa internacionalista-

liberal, influenciado pelos políticos e tecnocratas ligados à UDN (União

Democrática Nacional), que participaram ativamente do golpe contra Jango e

agora desejavam modificar as bases econômicas brasileiras, inserindo o país

no modelo econômico associado ao grande capital internacional.

Nos planos dos grupos instalados no poder por meio do golpe, se essa

inserção fosse bem sucedida, estaria dado um golpe mortal às estruturas do

57 ALVES, op.cit., p. 57.58 GASPARI, op. cit., p.135.59 Idem, pp. 252-253.60 REIS, op. cit., pp. 39-40.

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nacional- populismo e do clientelismo, enterrando de vez o modelo político-

econômico de que sempre foram adversários, e que não lhes dava a

oportunidade de conquista do poder.

É importante destacar que o programa de política econômica que o novo

governo pretendia implantar, com a adoção de medidas antiinflacionárias e de

controle fiscal, foi facilitado pelos artigos 3º, 4º e 5º do Ato Institucional.

Estes artigos, além de conferir poderes ao Presidente da República para

enviar projetos de lei sobre qualquer matéria ao Congresso Nacional (e

também estipular prazos curtos para suas votações), previa que caberia

exclusivamente ao Executivo federal a iniciativa legislativa acerca de aumento

de despesas e de emissão de títulos da dívida pública.

O programa econômico do governo, baseado na redução do déficit

público, no controle do crédito e no arrocho dos salários, embora tenha

alcançado êxito em parte de suas expectativas, demonstrou-se extremamente

recessivo, o que trouxe insatisfação popular, e mesmo entre setores

econômicos e políticos que haviam apoiado o golpe.

Além disso, poucas semanas após o início da implementação do

programa, a equipe econômica do novo governo concluiu que não seria

possível atingir as metas programadas nos exíguos dezoito meses de que

dispunha até o final do mandato de Castelo Branco. Pior, a impopularidade das

medidas poderia ter influência decisiva nas eleições marcadas para novembro

de 1965, com a derrota do candidato governista, e, em última análise, da

própria “Revolução”.61

Assim, em julho de 1964, o Congresso Nacional aprovou uma emenda à

Constituição de 1946 (Emenda Constitucional nº 09), prorrogando o mandato

de Castelo Branco até março de 1967, com as eleições que haveriam de eleger

seu sucessor sendo marcadas para novembro de 1966.

A emenda também continha um dispositivo que exigia maioria absoluta

dos votos dos eleitores para a eleição presidencial. Essa fora uma sugestão

oriunda da UDN62, que vira muitos de seus adversários vencerem eleições

presidenciais, obtendo, apenas, a maioria simples dos votos (fora assim com

Getúlio Vargas, em 1950, e Juscelino Kubitschek, em 1955).

61 SKIDMORE, op. cit., p.90.62 Idem, p. 91.

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De todo modo, Castelo Branco, mesmo enfrentando severa resistência

pelos setores militares desejosos da ampliação, ou, ao menos, a manutenção

dos poderes mais draconianos do Ato Institucional (contidos em seus artigos 7º

e 10º), respeitou os prazos neles estabelecidos, gerando grande insatisfação

entre os membros daquela corrente das Forças Armadas, que acreditavam não

ter sido suficiente o expurgo até então realizado.

Ao final do ano de 1964, portanto, a situação política do Presidente da

República enfrentava dificuldades internas e externas, mas o pior já parecia ter

passado.63

Castelo Branco procurava conciliar interesses opostos, na expectativa de

um cenário político e institucional que se aproximasse gradualmente da

normalidade constitucional, desde que atendidas as reformas estruturais por

ele planejadas.

Ele estava, inclusive, respeitando o calendário eleitoral, com a

manutenção da realização de eleições diretas para a escolha de 11

governadores, entre eles os dos estados da Guanabara e de Minas Gerais, em

outubro de 1965.64

Para Sebastião Cruz e Carlos Martins

o grande passo seguinte, no caminho da recuperação da normalidade, seria dado se a sociedade civil, organizada nos diversos partidos políticos, conseguisse atravessar as eleições de outubro de 65 sem se chocar contra a resistência das forças radicais.65

Os estrategistas políticos do governo sabiam que a repressão política e a

recessão econômica seriam fatores de descontentamento para muitos

eleitores, que provavelmente votariam nos candidatos da oposição.

As eleições de outubro começaram a assumir um caráter de plebiscito

sobre as diretrizes econômicas, sociais e políticas do novo governo.66

Para alguns setores militares, a solução era suspender as eleições diretas

para evitar a derrota do governo.67

Na tentativa de aumentar as chances dos candidatos governistas, o

governo alterou o sistema eleitoral, aprovando no Congresso uma emenda

constitucional relativa ao domicílio eleitoral dos futuros candidatos, em que se

63 CRUZ e MARTINS, op.cit., p.22.64 ALVES, op.cit., p. 80.65 CRUZ e MARTINS, op.cit., p.22.66 ALVES, op.cit., p. 81.67 SKIDMORE, op. cit., p.93.

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exigia domicílio eleitoral de quatro anos nos estados onde pretendessem

concorrer.

Além disso, aprovou uma “Lei de Inexigibilidade” que dispunha, dentre

outras coisas, sobre a impossibilidade de concorrer ao pleito, a qualquer

político que tivesse servido ao governo deposto, depois de dezembro de

1963.68

A campanha explícita de apoio aos candidatos oposicionistas, feita pelo

ex-Presidente Juscelino Kubitschek, irritou profundamente os militares mais

conservadores, que julgaram o ato como uma afronta aos ideais

revolucionários,69 dada a grande exposição pública obtida por um político que

fora cassado pela “Revolução”, que havia sido necessária justamente por haver

políticos como Juscelino.

O resultado das urnas, com a derrota do governo para políticos

identificados com o projeto político derrubado em 1964 nos estados mais

importantes, especialmente Guanabara e Minas Gerais, levou os militares da

linha dura a apresentarem um ultimato ao presidente: Só poderia continuar

como chefe de governo se vetasse a posse dos dois governadores pessedistas

eleitos.70

O ultimato dado, aliado às derrotas governistas no Congresso Nacional e

a elevação do tom das críticas da oposição, além da pressão de setores

militares pela volta dos poderes de exceção previstos no “AI-1” e já extintos,

com a finalidade de “garantir o êxito da Revolução”71, levaram o General

Castelo Branco a decretar o Ato Institucional nº 2, em 27 de outubro de 1965. 72

O Ato Institucional nº 2 (AI-2)

68 SKIDMORE, op.cit., p. 94.69 CRUZ e MARTINS, op.cit., p.24.70 SKIDMORE, op. cit., p.99.71 Idem, p. 96: Afinal, As medidas políticas radicais não conseguiram impedir a volta de políticos do PSD do tipo que tornaram a Revolução necessária.72 CODATO, op. cit., p.19: A causa direta para a edição do Ato 2 foi a vitória de políticos tradicionais do PSD nas eleições para os governos da Guanabara e Minas Gerais, e representou, para os “revolucionários” mais radicais, a rearticulação das forças políticas populistas recém-derrotadas em abril de 1964.

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O preâmbulo do Ato Institucional nº 2 procurava justificar a necessidade

das medidas dele constantes, como a ameaça e o desafio à ordem

revolucionária conduzida por “agitadores de vários matizes e elementos da

situação eliminada”, que se aproveitavam do fato de a “Revolução” ter reduzido

a apenas um curto espaço de tempo as limitações a certas garantias

constitucionais.73

Quanto à preocupação ao aspecto legal deste segundo Ato

Constitucional, faz-se a afirmação de que

não se disse que a Revolução foi, mas que é e continuará. Assim, o seu poder Constituinte não se exauriu, tanto é ele próprio do processo revolucionário que tem de ser dinâmico para atingir os seus objetivos.74

E ainda, a consideração de que

o poder Constituinte da Revolução lhe é intrínseco, não apenas para institucionalizá-la, mas para assegurar a continuidade da obra a que se propôs.75

Assim, a “Revolução” é considerada como um processo contínuo, estando

investida, desde a sua institucionalização, do Poder Constituinte que lhe

permite editar normas a qualquer tempo, sobre qualquer matéria e sem

obediência ao ordenamento jurídico já existente.

Não se cogita mais da defesa da excepcionalidade da situação para a

tomada de medidas excepcionais. Estas podem e devem ser utilizadas sempre

que houver a necessidade de proteger os ideais “revolucionários”, vale dizer,

toda alteração normativa seria passível de ser editada pelo Poder Executivo

quando este pura e simplesmente achasse adequado.

Longe de haver regras e condições preestabelecidas, a legislação

brasileira ficou à mercê do arbítrio e da discricionariedade dos mandatários de

plantão, não havendo sequer a necessidade de submeter as leis ao Congresso

Nacional, tampouco ser possível o seu questionamento junto ao Poder

Judiciário.

Registre-se, entretanto, como um sinal de reconhecimento da

excepcionalidade normativa representada pelo AI-2, que ele, a exemplo do Ato

73 CAMPANHOLE, op.cit., pp. 14.74 Idem, p. 13.75 CAMPANHOLE, op.cit., pp. 14.

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anterior, não se pretendia infindável. Sua vigência expiraria em 15 de março de

1967, juntamente com a posse do novo presidente.76

As medidas adotadas no AI-2 podem dividir-se em três categorias:

aquelas destinadas a controlar o Congresso Nacional, com o conseqüente

fortalecimento do Poder Executivo, as que visavam especialmente o Judiciário,

e as que deveriam controlar a representação política.77

No primeiro caso, podemos citar o artigo 2º, que reduzia de dois terços

para maioria simples, a aprovação de emenda constitucional enviada ao

Congresso pelo Poder Executivo; o artigo 5º, que reduzia os prazos de

discussão de projetos de lei de iniciativa da presidência da república; o artigo

13º, que transferia ao Executivo a prerrogativa para decretação ou prorrogação

do “estado de sítio”; o artigo 30 que concedida competência ao Executivo para

editar atos complementares e decretos-leis; e o artigo 31, no qual se dispunha

que o Executivo poderia decretar o recesso do Congresso Nacional, período no

qual aquele Poder poderia legislar sobre qualquer matéria, através de decretos-

leis.78

As principais medidas que visavam especialmente o controle do Poder

Judiciário estão contidas no artigo 6º, que, emendando a Constituição de 1946,

aumentava o número de ministros do Supremo Tribunal Federal, cujas

indicações eram de competência do Presidente da República, além de estipular

que a este também caberiam as nomeações dos juízes federais; o artigo 8º,

que dispunha acerca da a extensão do foro militar aos civis nos crimes contra a

segurança pública;

o artigo 14º, que suspendendo as garantias de estabilidade e inamovibilidade

dos juízes permitiu um novo expurgo no Poder Judiciário; além da previsão

(artigo 19), copiada do primeiro Ato Institucional, que determinava que não

seriam passíveis de apreciação judicial as medidas baseadas no Ato

Institucional nº 2.

Em relação ao controle da representação política constantes do AI-2,

destacam-se o artigo 9º, que previa a adoção de eleições indiretas para a

Presidência da República; o artigo 15 que possibilitou o retorno do poder de

76 CRUZ e MARTINS, op.cit., p.23.77 ALVES, op.cit., p.91.78 Idem, pp.91-92

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cassar mandatos e suspender direitos políticos e o artigo 18, que extinguiu os

partidos políticos existentes no país.79

Qualquer análise, ainda que superficial, do conteúdo normativo do Ato

Institucional nº 2 chega à inevitável conclusão do aumento repressivo do

aparato estatal sobre a vida institucional da nação e cotidiana de seus

cidadãos, e a hipertrofia do Poder Executivo federal e de sua máquina de

repressão.

Se em relação ao primeiro Ato Institucional, há uma certa discussão na

historiografia acerca da natureza das medidas tomadas, e do caráter de

excepcionalidade que “justificaria” a necessidade daquela legislação de

emergência para preencher o vácuo de poder após a derrubada do governo

constitucional de João Goulart, em relação ao AI-2, os autores estudiosos do

tema parecem apresentar poucas divergências e uma conclusão quase

unânime: o sistema encaminhara-se para uma efetiva ditadura, com a

inviabilização de qualquer projeto político que não se coadunasse com a

proposta do governo.

Assim, na visão de Sebastião Cruz e Carlos Martins, sobre a inflexão do

regime:

Instigada além dos limites, a direita fortaleceu-se a ponto de impor a edição do Ato Institucional nº 2. Só então, e não antes, o regime mudou no sentido do autoritarismo recrudescido. A ditadura, que parecia caminhar para o recesso, estava de volta mais forte do que antes.80

No mesmo sentido, Aarão Reis:

Com o novo Ato (AI-2), reinstaurou-se o estado de exceção, a ditadura aberta. O governo aparentava um ar de fracasso. Associado à repressão e à recessão, tornara impopular, sobretudo nos grandes centros urbanos, um movimento, que, no nascedouro, dispunha de substancial apoio, embora heterogêneo.81

Para Maria Helena Moreira Alves, o ano de 1965 que começara com uma

tentativa de volta à normalidade democrática e um relativo afrouxamento da

repressão estatal, uma vez findado o prazo de vigência do primeiro Ato

Institucional, e que por ela é chamado de primeiro ciclo de liberalização,82

79 CAMPANHOLE, op.cit., pp. 14-22, e ALVES, op.cit., pp. 92-93.80 CRUZ e MARTINS, op.cit., p.22.81 REIS, op. cit., pp. 43-44.82 ALVES, op.cit., pp. 94-95.

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termina com uma vitória dos setores militares para quem a busca da segurança

nacional era incompatível com o retorno à legalidade.

Com a edição do Ato Institucional nº 2, foi possível dar prosseguimento à

eliminação das antigas estruturas de poder dentro do Estado, para a

construção de novas, inclusive com a desarticulação da oposição política, por

meio da extinção dos partidos determinada pelo AI-2.83

Thomas Skidmore e Elio Gaspari enaltecem a importância da vitória da

oposição nas eleições da Guanabara e Minas Gerais como fator decisivo para

a edição do AI-2.

Para o primeiro, o principal propósito do Ato era tornar mais difícil

qualquer vitória eleitoral da oposição.84

Para o segundo, o sucesso dos candidatos oposicionistas nos pleitos

estaduais indicava que o regime, em eleição direta, não elegeria seu candidato

à Presidência da República.85 Por isso, a necessidade de mutilar o alcance do

voto popular86, transferindo ao Congresso Nacional, o poder de escolher o

próximo presidente.

Mesmo a historiografia produzida por militares (a grande maioria partícipe

direta do regime militar) concorda com o endurecimento representado pelo AI-

2, ainda que, por óbvio, procure justificar a necessidade da sua edição.

Assim, para Adolpho João de Paula Couto

o prazo das punições estabelecidas pelo AI-1 - seis meses – que terminava em outubro de 1964, revelou-se logo insuficiente para coibir a ação desagregadora (dos inimigos da Revolução), cuja desenvoltura era crescente. Assim, impôs-se a edição do AI-2, que reafirmava a vitalidade da Revolução, cuja tolerância vinha sendo confundida com fraqueza.87

Para o citado autor, não fora possível conciliar, em curto espaço de

tempo, a Revolução e a legalidade formal, cabendo ao governo (por meio do

Ato Institucional nº 2), garantir a conquista de seus objetivos, sobretudo por

estes serem coincidentes com os da nação.88

83 Idem.84 SKIDMORE, op. cit., p.10185 GASPARI, op. cit., p.239.86 Idem, p.259.87 COUTO, Adolpho João de Paula. Revolução de 1964: a versão e o fato. Porto Alegre: Editora Gente do livro, 1999, p. 194.88 COUTO, op. cit., p. 197.

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O Ato Institucional nº 2, além de representar por si só um retorno à

violência e à repressão política, policial e institucional, ainda apresentou o início

de um período em que o regime militar produziu uma série de normas com o

intuito da criação de um ordenamento jurídico que correspondesse ao seu

projeto de governo.

Assim, não tardariam a vir novos Atos Institucionais, agora

acompanhados de outra figura jurídica, os Atos Complementares, que davam a

regulamentação aos Atos Institucionais, detalhando-os e indicando o seu modo

de execução e operação (durante o período de vigência do Ato Institucional nº

2, o Presidente da República baixou 36 Atos Complementares).89

Em fevereiro de 1966, em nome dos “superiores objetivos da Revolução”,

foi editado o Ato Institucional nº 3, que previa a eleição indireta também para os

governadores de estado e nomeação dos prefeitos das capitais por aqueles.90

Antes do término do seu governo, Castelo Branco, através do Ato

Institucional nº 4, convocou o Congresso Nacional devidamente depurado, a

votar seu projeto constitucional, que originou a Constituição de 1967.

As justificativas para a necessidade de uma nova Constituição estão

expostas no preâmbulo do AI-4, como o fato da Constituição antiga já ter

sofrido numerosas emendas e não atender às exigências nacionais, além de

ser imperioso dar ao país uma Constituição que representasse a

institucionalização dos ideais e princípios da Revolução, e que pudesse

assegurar a continuidade da obra revolucionária.91

Em essência, a nova Constituição era uma síntese dos três Atos

Institucionais e leis correlatas.92

Também foram elaboradas durante esse período as novas Lei de

Imprensa e de Segurança Nacional.

Ao final de seu mandato, o presidente Castelo Branco, que prometera

entregar a presidência a um candidato democraticamente eleito, legou ao seu

sucessor um conjunto de normas voltado cada vez mais ao aparelhamento

repressivo do Estado, e muito distante do esperado retorno à normalidade

democrática.

89 ALVES, op.cit., p. 101.90 CODATO, op. cit., p.19.91 CAMPANHOLE, op.cit., pp. 25.92 SKIDMORE, op. cit., p.119.

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De todo modo, a análise do seu governo, o primeiro do regime militar que

se efetivou durante vinte e um anos no poder, é fundamental para a

compreensão de todo o processo que lhe sucedeu, especialmente o governo

seguinte, presidido por seu Ministro do Exército, general Arthur da Costa e

Silva, que sempre se identificou com os setores nacionalistas da força

castrense, e, muitas vezes, alinhou-se às facções mais radicais do regime, e

será objeto de análise do capítulo seguinte.

Na acurada conclusão de Sebastião Cruz e Carlos Martins,

a consideração do período Castelo Branco é crucial para a análise do regime autoritário no Brasil, não só porque nele estão postos quase todos os elementos que, exacerbados em seu grau máximo nos anos seguintes, conformariam a conjuntura que veio a desaguar na crise de 68 e na edição do AI-5, mas também porque nele já está claramente colocado o dilema que perpassa toda a história desse regime: a disputa pela definição do rumo a ser imprimido ao processo político.93

93 CRUZ e MARTINS, op.cit., p.23.

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CAPÍTUL0 III

O GOVERNO COSTA E SILVA E O ATO INSTITUCIONAL Nº 5 (AI-5)

O general Arthur da Costa e Silva tomou posse em 15 de março de 1967

(havia sido eleito por um colégio eleitoral em 3 de outubro de 1966),

prometendo um governo de restabelecimento dos processos político-

representativos normais.94

Poderiam ser feitas concessões limitadas à classe política, desde que se

conseguisse apoio para “reconstitucionalizar” o regime e ampliar sua

legitimidade.95

Em verdade, os dispositivos da Carta Magna de 1967, adicionados à

legislação editada desde 1964, conferiam enorme poder ao Presidente da

República, tanto para repressão política e garantia da segurança pública, como

para tratar de matéria econômica (a política econômica de Costa e Silva seria

conhecida como modernização conservadora96, retomando o

desenvolvimentismo, junto a metas de integração nacional e promoção social).

Apesar da presença do extenso e severo aparato normativo, o período

que então começava caracterizava-se por uma tênue abertura política.97

O partido único de oposição, MDB, se baterá, até a crise que irá irromper

no AI-5, pela revogação da legislação de segurança nacional, pelo

restabelecimento das eleições diretas e pela concessão da anistia aos presos

políticos e aos políticos cassados.98

Além disso, a oposição procurava instrumentos de aumentar sua

participação política, resistindo a votar incondicionalmente a todos os projetos

de lei oriundos do governo.

A marginalização política que o golpe impusera a antigos rivais - Carlos

Lacerda, Juscelino Kubitschek, João Goulart (este, no exílio), tivera o efeito de

associá-los, ainda em 1967, na Frente Ampla, cujas atividades somente seriam

94 CODATO, op. cit., p. 20.95 Idem.96 REIS, op. cit., p. 45.97 CRUZ e MARTINS, op.cit., p.31.98 CODATO, op. cit., p. 21.

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suspensas pelo ministro da Justiça, Luís Antônio da Gama e Silva, em abril de

1968.

Também já é possível acompanhar o ressurgimento do movimento

estudantil, com suas reivindicações políticas, que não encontraram respaldo na

propalada abertura do início do governo Costa e Silva.

Nesse sentido, afirma Aarão Reis, que

já em 1967, primeiro ano do governo Costa e Silva, o diálogo prometido não funcionou face às pressões do único movimento social ativo – o estudantil. Sucederam-se as manifestações reivindicatórias, de modo geral acompanhadas por uma repressão desproporcional. Parecia, às vezes, haver uma espécie de emulação entre, de um lado, a grande imprensa liberal, que passara a fazer oposição ao governo, e a polícia, de outro, no sentido de exagerar a força do movimento estudantil, uns querendo enfraquecer o governo, outros, provar que eram indispensáveis99.

Nessa conjuntura confusa e tumultuada se inicia o ano de 1968, em que

se definiriam os rumos da política do regime militar, sendo uma data

fundamental na evolução política do regime ditatorial-militar brasileiro.100

O ano de 1968, "o ano que não terminou",101 ficou marcado na história

mundial, e na do Brasil, como um momento de grande contestação da política e

dos costumes.

O movimento estudantil celebrizou-se como protesto dos jovens contra a

política tradicional, mas principalmente como demanda por novas liberdades. O

radicalismo jovem pode ser bem expresso no lema "é proibido proibir".

Esse movimento, no Brasil, associou-se a um combate mais organizado

contra o regime: intensificaram-se os protestos mais radicais, especialmente o

dos universitários, contra a ditadura.

O enfrentamento entre estudantes e forças da repressão se intensificou

após a morte do estudante secundarista Edson Luis de Lima Souto, em uma

reivindicação pela melhoria das condições de alimentação no restaurante do

Calabouço, na cidade do Rio de Janeiro, onde se alimentavam estudantes

universitários e secundaristas.

Ele foi morto em 28 de março de 1968, por um tiro disparado por um

policial militar, que supostamente reagia a pedras atiradas pelos estudantes

contra a Polícia Militar.102

99 REIS, op. cit., pp. 48-49.100 CODATO, op. cit., p. 15.101 VENTURA, Zuenir. 1968 – O ano que não terminou. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988.102 GASPARI, op. cit., p.278.

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A partir da morte de Edson Luis as dissidências do regime e da oposição

foram às ruas. 103

O conflito entre estudantes e outros setores descontentes com o regime e

as forças de repressão foi inevitável e manifestações de rua deixaram saldos

de presos, mortos e feridos.

Não é possível relatar em poucas palavras a variedade, a quantidade e a

intensidade das lutas travadas entre março e dezembro de 1968 nos principais

centros urbanos do país.104

Também no decorrer de 1968, alguns setores progressistas da Igreja

começavam a apresentar uma ação mais expressiva na defesa dos direitos

humanos, e também lideranças políticas cassadas continuavam a se associar,

visando a um retorno à política nacional e ao combate à ditadura.

Uma greve dos metalúrgicos em Osasco, em meados do ano, a primeira

greve operária desde o início do regime militar, também sinalizava para a "linha

dura" que medidas mais enérgicas deveriam ser tomadas para controlar as

manifestações de descontentamento de qualquer ordem.

Pouco depois, o ministro do Trabalho, Jarbas Passarinho, reintroduziu o

atestado de ideologia como requisito para a escolha dos dirigentes sindicais.

Por outro lado, a "linha dura" providenciava instrumentos mais

sofisticados e planejava ações mais rigorosas contra a oposição.

Nas palavras do ministro do Exército, Aurélio de Lira Tavares, o governo

precisava ser mais enérgico no combate a idéias subversivas. O diagnóstico

militar era o de que havia um processo bem adiantado de guerra revolucionária

liderado pelos comunistas.

O fato considerado motivador para a promulgação do AI-5 foi o

pronunciamento do deputado Márcio Moreira Alves, do MDB, na Câmara, nos

dias 2 e 3 de setembro, num momento em que havia acontecido vários

episódios de dura repressão dos militares contra manifestações estudantis,

lançando um apelo para que o povo não participasse dos desfiles militares do 7

de Setembro e para que as moças, "ardentes de liberdade", se recusassem a

sair com oficiais.105

103 Idem.104 CRUZ e MARTINS, op.cit., p.33.105 SKIDMORE, op. cit., p.162.

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Na mesma ocasião outro deputado do MDB, Hermano Alves, escreveu

uma série de artigos no Correio da Manhã, considerados provocações. O

ministro do Exército, Lyra Tavares, atendendo ao apelo de seus colegas

militares e do Conselho de Segurança Nacional, declarou que esses

pronunciamentos eram ofensas e provocações irresponsáveis e intoleráveis.

O governo solicitou então ao Congresso a cassação dos dois deputados.

Seguiram-se dias tensos no cenário político, entrecortados pela visita da rainha

da Inglaterra ao Brasil, e, no dia 12 de dezembro, a Câmara recusou, por uma

diferença de 75 votos (e com a colaboração da própria Arena, o partido

governista), o pedido de licença para processar Márcio Moreira Alves.

O Ato Institucional de nº 5 foi decretado pelo Presidente da República,

general Arthur da Costa e Silva, após reunir-se com os membros do Conselho

de Segurança Nacional, que era formado pelo próprio Presidente da República,

pelo Vice-Presidente da República, pelos ministros de Estado e pelo chefe do

Serviço Nacional de Informações (SNI).

O Conselho de Segurança Nacional era, nos termos do Decreto-Lei

000.200/1967, o órgão de mais alto nível no assessoramento direto do

Presidente da República, na formulação e na execução da Política de

Segurança Nacional106.

No mesmo dia foi decretado o recesso do Congresso Nacional por tempo

indeterminado. Só em outubro de 1969 o Congresso seria reaberto, para

referendar a escolha do general Emílio Garrastazu Médici para a Presidência

da República.

O seu conteúdo, como será melhor detalhado adiante, representou um

recrudescimento do regime militar instituído após o golpe de 31 de março/ 1º

de abril de 1964, pois os seus autores acreditavam, ou queriam fazer acreditar,

que os ideais e objetivos da “Revolução de 64” estavam ameaçados pela

subversão política e cultural existente no país naquele período, e que deveriam

ser objeto de uma legislação mais dura, que pudesse ser eficaz contra tais

ameaças.

A mensagem do documento, uma vez que emanada do mandatário

principal da nação, dirigia-se a toda a população brasileira, mas é possível

destacar algumas audiências a quem ele se referia em particular:

106 www.dji.com.br/decretos_leis/1967-000200/1967-000200-040-043.htm. Acessado em 26-11-2010.

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- Aos militares da chamada “linha-dura” do governo, que há tempo vinham

reclamando de medidas mais severas para combater os adversários do

governo, fossem eles políticos de oposição, estudantes envolvidos em

questões políticas, opositores ao regime lançados a ações armadas contra

órgãos e pessoas do governo, ou mesmo artistas com suas manifestações

consideradas subversivas e avessas aos costumes do país;

- Aos opositores do regime, para indicar-lhes que medidas mais graves

seriam tomadas nas questões relacionadas à segurança nacional;

- À população como um todo, demonstrando que o governo detinha o

controle da situação política no país, e que a ordem institucional originada da

“revolução de 1964” seria mantida pelo aparato governamental.

Assim, uma vez que observada a conjuntura histórica a qual o documento

está ligado, isto é, a sua contextualização, se procurará analisar as razões que

justificaram a sua produção, segundo seus signatários, as medidas que

objetivamente foram implementadas com a sua instituição, e também algumas

conseqüências práticas levadas a efeito a partir da sua vigência.

O preâmbulo do Ato Institucional nº 05 procurava enumerar os motivos

pelos quais ele foi produzido e outorgado, servindo assim para justificar a

tomada das medidas que constituíam o seu texto legal.

O início do texto firmava ser essa uma necessidade para atingir os

objetivos da revolução

com vistas a encontrar os meios indispensáveis para a obra de reconstrução econômica, financeira e moral do país.107

Desta forma, observamos em primeiro lugar, o objetivo de não se perder

de vista os objetivos da “Revolução de 64”, que impôs ordem à nação, no

combate à subversão e às ideologias contrárias às tradições do povo

brasileiro108, afirmando, ainda, o caráter permanente daquele movimento

revolucionário, cujo desenvolvimento não poderia ser detido por forças contra-

revolucionárias.

Fazia-se necessária, portanto, a adoção de medidas que impedissem que

fossem frustrados os ideais superiores da Revolução, preservando a ordem, a

segurança, a tranqüilidade, o desenvolvimento econômico e cultural e a

107 CAMPANHOLE, op.cit., p. 28.108 Idem.

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harmonia política e social do País comprometidos por processos subversivos e

de guerra revolucionária109.

Após as considerações acerca dos fatos motivadores do Ato, seguem os

seus artigos, cujos pontos principais são os seguintes110:

O artigo 1º mantinha a Constituição de 1967, com as alterações

constantes do Ato.

Em seu artigo 2º, o AI-5 previa a possibilidade do Presidente da República

decretar o recesso do Congresso Nacional, das Assembléias Legislativas dos

Estados e das Câmaras de Vereadores Municipais, cujos funcionamentos

dependeriam de autorização do próprio chefe do Executivo.

No caso do Congresso Nacional, o Ato Complementar de nº 38, publicado

no mesmo dia do AI-05, decretava o imediato recesso daquele poder

legislativo.

Ainda neste artigo, em seu parágrafo primeiro, decretava-se que durante

o recesso parlamentar, o Poder Executivo estava autorizado a legislar sobre

qualquer matéria.

Este artigo, por si só, com a possibilidade de hipertrofia do Poder

Executivo e ausência de uma casa legislativa já denota características

ditatoriais do regime, afinal não haveria necessidade de nenhuma negociação

ou discussão entre os poderes republicanos, uma vez que às decisões

emanadas do Presidente da República não caberia nenhum tipo de

questionamento.

O artigo 3º, que previa a possibilidade de intervenção nos Estados e

Municípios representa uma clara agressão aos princípios federativos, pois o

texto legal justifica a tomada da medida intervencionista dando como motivo o

“interesse nacional”, sem maiores explicações acerca de como isso se

caracterizaria, deixando a exclusivo critério do Presidente da República em

decidir quando tal hipótese se verificaria no caso concreto, o que implica

novamente numa extensão indevida de seu poder, novamente a representar

um recrudescimento do regime em vigor.

O artigo 4º previa a possibilidade de suspensão dos direitos políticos de

quaisquer cidadãos pelo prazo de 10 anos e cassação de mandatos eletivos

109 CAMPANHOLE, op.cit., p. 28.110 Idem, pp. 29-31.

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federais, estaduais e municipais, além de impor uma série de proibições e

sanções acessórias aplicáveis simultaneamente conforme o caso concreto

exigisse (artigo 5º). Mais uma prova do endurecimento do regime objetivando

um controle total da sociedade, que motivou uma nova série de expurgos e

perseguições, com a prisão e a fuga para o estrangeiro de centenas de

cidadãos.

O artigo 6º previa a suspensão de garantias funcionais de servidores

públicos como a vitaliciedade, a inamovibilidade e a estabilidade, numa clara

tentativa de intimidação a aqueles que pertenciam ao aparato governamental

para que se comportassem exatamente como pretendia o governo.

O artigo 10º previa a suspensão de habeas corpus nos casos de crimes

contra a segurança nacional. Essa medida, isoladamente, já representa um

descalabro jurídico contra a presunção de inocência e a liberdade do exercício

do direito de ir e vir, que são garantias mínimas de um estado democrático de

direito.

Como bem observou Elio Gaspari:

Estava atendida a reivindicação da máquina repressiva. O habeas corpus é um inocente princípio do direito, pelo qual desde o alvorecer do segundo milênio se reconhecia ao indivíduo a capacidade de livrar-se da coação ilegal do Estado. Toda vez que a justiça concedia o habeas corpus a um suspeito, isso significava apenas que ele era vítima de perseguição inepta, mas desde os primeiros dias de 1964 esse instituto foi visto como um túnel por onde escapavam os inimigos do regime. Três meses depois da edição do AI-5, estabeleceu-se que os encarregados de inquéritos policiais podiam prender quaisquer cidadãos por sessenta dias, dez dos quais em regime de incomunicabilidade. Em termos práticos esses prazos destinavam-se a favorecer o trabalho dos torturadores111.

O artigo 11º, que finaliza o Ato Institucional nº 5, demonstra o caráter

totalitário que caracterizou a sua instituição no sistema legal brasileiro ao,

repetindo o que já acontecera nos Atos Institucionais “1” e 2, pura e

simplesmente proibir a apreciação dos atos praticados de acordo com seus

dispositivos pelo Poder Judiciário.

Desta forma, além de legislar e executar as leis por ele outorgadas, o

Poder Executivo não poderia ter seus atos questionados pela justiça.

Além de tudo isso, ao contrário dos outros Atos Institucionais, o AI-5 não

tinha prazo de vigência definido, o que fazia com que sua eficácia seria extinta

apenas segundo as conveniências dos mandatários do regime.

111 GASPARI, Elio. op. cit., p.341.

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Nas palavras do ministro da Justiça, Gama e Silva, a defesa do Ato sem

prazo de duração:

A experiência demonstra como foi errado ter fixado prazo no Ato Institucional nº 1. Penso que isto é motivo mais que suficiente para justificar que esse Ato, outorgado como foi, possa até mesmo ser revogado a curto ou longo prazo, mas limitá-lo, seria incidir no mesmo erro do AI-1, quando a Revolução se autolimitou.112

O Ato Institucional nº 5 vigoraria por mais de dez anos, sendo revogado

apenas em 31 de dezembro de 1978.

Fica impossível não qualificar como ditadura um regime político com

características tão separadas dos mais basilares princípios republicanos e

umas das hipóteses que se pretende demonstrar por meio deste trabalho é a

de que o AI-5 representa o momento efetivo de recrudescimento do regime

militar iniciado em 1964 em direção à ditadura, ao Estado de exceção totalitário

Nesse sentido, da própria ata do Conselho de Segurança Nacional datada

de 13 de dezembro de 1968, é possível colher opiniões de que a efetivação

daquele Ato Institucional seria a deflagração nítida de uma ditadura.

Nesse sentido, as palavras do vice-presidente Pedro Aleixo, proferidas

naquela reunião:

Da Constituição, que é antes de tudo um instrumento de garantia dos direitos da pessoa humana, e da garantia dos direitos políticos, não sobra absolutamente nada. Estaremos instituindo um processo equivalente a uma própria ditadura113.

Ou as palavras do então ministro do Trabalho, Jarbas Passarinho, na

mesma reunião:

Sei que a Vossa Excelência repugna, como a mim e a todos os membros deste Conselho, enveredar pelo caminho da ditadura pura e simples, mas me parece que claramente é esta que está diante de nós. Às favas, senhor presidente, neste momento, todos os escrúpulos de consciência114.

Essa também é a percepção de Jacob Gorender, no que diz respeito ao

AI-5:

A ditadura militar alcançou o ápice do fechamento, o que trouxe conseqüências imediatas. A censura inflexível impôs o controle total da imprensa. Deixaram de circular publicações de oposição, artistas foram presos e forçados a sair do país e se asfixiou a vida cultural. Professores

112 GASPARI, op. cit., p.338.113 Ata da Quadragésima Terceira Reunião do Conselho de Segurança Nacional. In: GASPARI, Elio. op. cit., p. 334.114 Idem, p.337.

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universitários sofreram a punição da aposentadoria compulsória e emigraram para ensinar no exterior115.

Assim, os efeitos pretendidos pelo Presidente da República com a edição

do AI-5 não tardaram a ocorrer: censura, cassações, fechamento do

Congresso, prisões arbitrárias e aumento do número de casos de tortura são

fatos que irão acompanhar a escalada do regime em direção ao

recrudescimento desejado pela “linha-dura” do regime, que mais tarde viria

justificar a ditadura como condição necessária para o desenvolvimento do país.

Nesse sentido, observa Codato, que

o AI-5 simboliza o ponto decisivo de inflexão do regime e o momento paradigmático do processo de reforço da centralização militar do poder de Estado.116

E ainda, que o AI-5 representava o

aprofundamento da ditadura, com limites severos fixados à atividade política e aos direitos civis revelavam a disposição em continuar, agora em estágio superior, o “movimento de 31 de março de 1964 “e restringiam bruscamente a possibilidade de retomada do controle civil sobre a “Revolução”.117

A inflexão representada pelo AI-5 tratava de debelar a contestação difusa,

domesticar vastos setores da sociedade e neutralizar áreas nevrálgicas da

opinião pública. Com o AI-5, instaurou-se o controle absoluto.118

O regime mudara de novo para ser então o que não havia sido até então:

uma Ditadura com “D” maiúsculo.119

A partir daí, se inicia o processo mais radical de endurecimento do

regime, do qual o AI-5 assinala apenas o começo. Novos instrumentos foram

sendo criados para aumentar ainda mais o conjunto de poderes autocráticos do

governo militar,120 como Atos Institucionais subseqüentes, emendas

constitucionais e legislação ordinária.

Além disso, as forças repressivas atuavam em total desrespeito às leis,

por mais severas que estas fossem, não sendo responsabilizadas pelos seus

excessos, se constituindo praticamente em uma “força autônoma”.121

115 GORENDER, op. cit., p.150.116 CODATO, op. cit., p. 15.117 Idem, pp. 15-16.118 CRUZ e MARTINS, op.cit., p.36.119 Idem.120 CRUZ e MARTINS, op.cit., p. 37.121 Idem, p.39.

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O período seguinte à promulgação do AI-5 veio a ser caracterizado por

uma dinâmica da violência, com a implantação de um formidável aparato de

repressão e a institucionalização da estratégia de controle pelo terror.122

Além disso, com o AI-5, resolvia-se também o impasse sobre o caráter

político-institucional que deveria ser adotado pelo regime militar, bem como a

sua longevidade no poder: os militares se arvoraram definitivamente na classe

dirigente do país.

Nas palavras de René Dreifuss e Otávio Dulci, em um posicionamento

elucidativo sobre a questão:

Uma primeira etapa iria de 1964 ao Ato Institucional nº 5, de dezembro de 1968. Nela se observa um enfrentamento de tendências dentro da “área revolucionária”. O foco principal de divergência era representado pelo caráter atribuído à “revolução”. Seria ela uma intervenção transitória, cirúrgica, por assim dizer, do tipo “devolver e limitar”, para uns restauradora da ordem constitucional, para outros reformadora dessa ordem, mas destinada a refluir como processo? Ou essa intervenção seria o início de um processo revolucionário permanente, que não deveria ser enquadrado nos limites da legalidade convencional? O Ato Institucional nº 5, ao cabo do período assinalou a vitória da segunda opção. Com o AI-5, as Forças Armadas se tornaram o Poder Dirigente sobre a nação.”123

122 ALVES, op.cit., pp. 136-137.123 DREIFUSS, René e DULCI, Otávio. As forças armadas e a política. In: SORJ, Bernardo; ALMEIDA, Maria Hermínia Tavares de (orgs.). Sociedade e política no Brasil pós-64. São Paulo: Editora Brasiliense, 1983, pp. 93-94.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo do texto dos Atos Institucionais, e a sua aproximação com a

historiografia existente sobre o período estudado, nos indicam, em um primeiro

momento, a preocupação dos militares investidos no poder em assegurar o

afastamento dos grupos políticos afastados pelo Golpe de 1964, e, em seguida,

assegurar a manutenção do projeto revolucionário, fundamentado

especialmente na Doutrina de Segurança Nacional e que, demandaria,

portanto, a continuidade do grupo castrense no poder.

Não é possível, entretanto, afirmar que essa opção de manutenção do

poder político já estivesse presente desde os primórdios do movimento que

derrubou Jango, ao menos para todas as diversas correntes militares, que,

longe de representarem um todo homogêneo, possuíam formas diferentes de

abordagem acerca do projeto político desejado para o país.

Entretanto, é necessário reconhecer que, embora não seja possível traçar

uma linha direta entre o golpe de 1964 e o primeiro Ato Institucional, com os

outros Atos Institucionais similares que levaram a momentos de

recrudescimento do regime militar, com características cada vez mais próximas

a das ditaduras, é preciso relembrar que a legislação de emergência de abril de

1964 serviu como modelo jurídico sempre que houve a necessidade de se

reduzir o espaço político e institucional.

Havia um conflito entre o ordenamento jurídico existente antes do golpe e

a “normatividade revolucionária”, e a preocupação com a legalidade formal das

normas a serem editadas pelo novo regime.

Assim, os Atos Institucionais (e outras modalidades normativas) editados

pelo governo, uma vez que investidos do Poder Constituinte revolucionário, não

necessitariam estar vinculados ou respeitar qualquer norma que lhes fosse

anterior, e isto está muito claro já no preâmbulo do AI-1, que foi o paradigma de

todos os outros Atos Institucionais

Portanto, e como a análise das fontes primárias aproximada à

historiografia existente sobre o tema tratou de demonstrar, é inegável que os

Atos Institucionais de nºs 1, 2 e 5 representaram momentos de

recrudescimento do regime.

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A partir das edições dos Atos Institucionais, foram tomadas medidas

severas para controle e repressão política e social, e o AI-5, por sua vez, longe

de representar o ápice ditatorial do período militar, significa, efetivamente, o

começo do período de violência (institucional, política, social e policial) mais

exacerbada, com um aumento significativo de casos de censura, cassações,

perseguições políticas, tortura e morte nos aparelhos de repressão, além do

aperfeiçoamento cada vez maior dos mecanismos e da estrutura do terrorismo

de Estado.

Faz-se também importante frisar que para a formação das conjunturas de

crise que desembocaram nos Atos Institucionais, incorreram não só as

questões e disputas internas no seio das Forças Armadas, mas também a

participação efetiva da oposição política e de setores da sociedade civil.

E isso porque, o conflito interno, por si só, não pode ser considerado

como o principal fator explicativo para a edição dos Atos Institucionais, pois

como bem observou João Roberto Martins Filho:

A presença de divisões dentro do campo militar é secundária em relação à reiterada união dessas forças na defesa da “Revolução de 1964” e no ataque a qualquer tentativa de rearticulação autônoma do campo “político”.124

Assim, o aprofundamento do autoritarismo foi resultado de embates

internos do regime, e deste com os atores dele excluídos.

Os Atos Institucionais simbolizaram a face mais emblemática destas

disputas e contradições.

124 MARTINS FILHO, J.R. O palácio e a caserna: a dinâmica militar das crises políticas da ditadura (1964-1969). São Carlos: Editora UFSCar, 1995, p. 115, apud CODATO, op. cit., pp. 28-29.

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ANEXOS

ATO INSTITUCIONAL (Nº 1)

À NAÇAO

É indispensável fixar o conceito do movimento civil e militar que acaba de abrir ao Brasil uma nova perspectiva sobre o seu futuro. O que houve e continuará a haver neste momento, não só no espírito e no comportamento das classes armadas, como na opinião pública nacional, é uma autêntica revolução. A revolução se distingue de outros movimentos armados pelo fato de que nela se traduz, não o interesse e a vontade de um grupo, mas o interesse e a vontade da Nação. A revolução vitoriosa se investe no exercício do Poder Constituinte. Este se manifesta pela eleição popular ou pela revolução. Esta é a forma mais expressiva e mais radical do Poder Constituinte. Assim, a revolução vitoriosa, como Poder Constituinte, se legitima por si mesma. Ela destitui o governo anterior e tem a capacidade de constituir o novo governo. Nela se contém a força normativa, inerente ao Poder Constituinte. Ela edita normas jurídicas sem que nisto seja limitada pela normatividade anterior à sua vitória. Os Chefes da revolução vitoriosa, graças à ação das Forças Armadas e ao apoio inequívoco da Nação, representam o Povo e em seu nome exercem o Poder Constituinte, de que o Povo é o único titular. O Ato Institucional que é hoje editado pelos Comandantes-em-Chefe do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, em nome da revolução que se tornou vitoriosa com o apoio da Nação na sua quase totalidade, se destina a assegurar ao novo governo a ser instituído, os meios indispensáveis à obra de reconstrução econômica, financeira, política e moral do Brasil, de maneira a poder enfrentar, de modo direto e imediato, os graves e urgentes problemas de que depende a restauração da ordem interna e do prestígio internacional da nossa Pátria. A revolução vitoriosa necessita de se institucionalizar e se apressa pela sua institucionalização a limitar os plenos poderes de que efetivamente dispõe. O presente Ato institucional só poderia ser editado pela revolução vitoriosa, representada pelos Comandos em Chefe das três Armas que respondem, no momento, pela realização dos objetivos revolucionários, cuja frustração estão decididas a impedir. Os processos constitucionais não funcionaram para destituir o governo, que deliberadamente se dispunha a bolchevizar o País. Destituído pela revolução, só a esta cabe ditar as normas e os processos de constituição do novo governo e atribuir-lhe os poderes ou os instrumentos jurídicos que lhe assegurem o exercício do Poder no exclusivo interesse do Pais. Para demonstrar que não pretendemos radicalizar o processo revolucionário, decidimos manter a Constituição de 1946, limitando-nos a modificá-la, apenas, na parte relativa aos poderes do Presidente da República, a fim de que este possa cumprir a missão de restaurar no Brasil a ordem econômica e financeira e tomar as urgentes medidas destinadas a drenar o bolsão comunista, cuja purulência já se havia infiltrado não só na cúpula do governo como nas suas dependências administrativas. Para reduzir ainda mais os plenos poderes de que se acha investida a revolução vitoriosa, resolvemos,

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igualmente, manter o Congresso Nacional, com as reservas relativas aos seus poderes, constantes do presente Ato Institucional. Fica, assim, bem claro que a revolução não procura legitimar-se através do Congresso. Este é que recebe deste Ato Institucional, resultante do exercício do Poder Constituinte, inerente a todas as revoluções, a sua legitimação. Em nome da revolução vitoriosa, e no intuito de consolidar a sua vitória, de maneira a assegurar a realização dos seus objetivos e garantir ao País um governo capaz de atender aos anseios do povo brasileiro, o Comando Supremo da Revolução, representado pelos Comandantes-em-Chefe do Exército, da Marinha e da Aeronáutica resolve editar o seguinte. ATO INSTITUCIONAL Art 1º - São mantidas a Constituição de 1946 e as Constituições estaduais e respectivas Emendas, com as modificações constantes deste Ato. Art 2º - A eleição do Presidente e do Vice-Presidente da República, cujos mandatos terminarão em 31 (trinta e um) de janeiro de 1966, será realizada pela maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional, dentro de 2 (dois) dias, a contar deste Ato, em sessão pública e votação nominal. § 1º - Se não for obtido o quorum na primeira votação, outra realizar-se-á no mesmo dia, sendo considerado eleito quem obtiver maioria simples de votos; no caso de empate, prosseguir-se-á na votação até que um dos candidatos obtenha essa maioria. § 2º - Para a eleição regulada neste artigo, não haverá inelegibilidades. Art 3º - O Presidente da República poderá remeter ao Congresso Nacional projetos de emenda da Constituição. Parágrafo único - Os projetos de emenda constitucional, enviados pelo Presidente da República, serão apreciados em reunião do Congresso Nacional, dentro de 30 (trinta) dias, a contar do seu recebimento, em duas sessões, com o intervalo máximo de 10 (dez) dias, e serão considerados aprovados quando obtiverem, em ambas as votações, a maioria absoluta dos membros das duas Casas do Congresso. Art 4º - O Presidente da República poderá enviar ao Congresso Nacional projetos de lei sobre qualquer matéria, os quais deverão ser apreciados dentro de 30 (trinta) dias, a contar do seu recebimento na Câmara dos Deputados, e de igual prazo no Senado Federal; caso contrário, serão tidos como aprovados. Parágrafo único - O Presidente da República, se julgar urgente a medida, poderá solicitar que a apreciação do projeto se faça, em 30 (trinta) dias, em sessão conjunta do Congresso Nacional, na forma prevista neste artigo. Art 5º - Caberá, privativamente, ao Presidente da República a iniciativa dos projetos de lei que criem ou aumentem a despesa pública; não serão admitidas, a esses projetos, em qualquer das Casas do Congresso Nacional, emendas que aumentem a despesa proposta pelo Presidente da República. Art 6º - O Presidente da República, em qualquer dos casos previstos na Constituição, poderá decretar o estado de sítio, ou prorrogá-lo, pelo prazo máximo de 30 (trinta) dias; o seu ato será submetido ao Congresso Nacional, acompanhado de justificação, dentro de 48 (quarenta e oito) horas. Art 7º - Ficam suspensas, por 6 (seis) meses, as garantias constitucionais ou legais de vitaliciedade e estabilidade. § 1º - Mediante investigação sumária, no prazo fixado neste artigo, os titulares dessas garantias poderão ser demitidos ou dispensados, ou ainda, com vencimentos e as vantagens proporcionais ao tempo de serviço, postos em

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disponibilidade, aposentados, transferidos para a reserva ou reformados, mediante atos do Comando Supremo da Revolução até a posse do Presidente da República e, depois da sua posse, por decreto presidencial ou, em se tratando de servidores estaduais, por decreto do governo do Estado, desde que tenham tentado contra a segurança do Pais, o regime democrático e a probidade da administração pública, sem prejuízo das sanções penais a que estejam sujeitos. § 2º - Ficam sujeitos às mesmas sanções os servidores municipais. Neste caso, a sanção prevista no § 1º lhes será aplicada por decreto do Governador do Estado, mediante proposta do Prefeito municipal. § 3º - Do ato que atingir servidor estadual ou municipal vitalício, caberá recurso para o Presidente da República. § 4º - O controle jurisdicional desses atos limitar-se-á ao exame de formalidades extrínsecas, vedada a apreciação dos fatos que o motivaram, bem como da sua conveniência ou oportunidade. Art 8º - Os inquéritos e processos visando à apuração da responsabilidade pela prática de crime contra o Estado ou seu patrimônio e a ordem política e social ou de atos de guerra revolucionária poderão ser instaurados individual ou coletivamente. Art 9º - A eleição do Presidente e do Vice-Presidente da República, que tomarão posse em 31 de janeiro de 1966, será realizada em 3 de outubro de 1965. Art 10 - No interesse da paz e da honra nacional, e sem as limitações previstas na Constituição, os Comandantes-em-Chefe, que editam o presente Ato, poderão suspender os direitos políticos pelo prazo de 10 (dez) anos e cassar mandatos legislativos federais, estaduais e municipais, excluída a apreciação judicial desses atos. Parágrafo único - Empossado o Presidente da República, este, por indicação do Conselho de Segurança Nacional, dentro de 60 (sessenta) dias, poderá praticar os atos previstos neste artigo. Art 11 - O presente Ato vigora desde a sua data até 31 de janeiro de 1966; revogadas as disposições em contrário.

Rio de Janeiro-GB, 9 de abril de 1964.

ARTHUR DA COSTA E SILVA Gen.-Ex. FRANCISCO DE ASSIS CORREIA DE MELLO Ten.-Brig. AUGUSTO HAMANN RADEMAKER GRUNEWALD Vice-Alm.

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ATO INSTITUCIONAL Nº 2

À NAÇÃO

A Revolução é um movimento que veio da inspiração do povo brasileiro para atender às suas aspirações mais legítimas: erradicar uma situação e uni Governo que afundavam o País na corrupção e na subversão. No preâmbulo do Ato que iniciou a institucionalização, do movimento de 31 de março de 1964 foi dito que o que houve e continuará a haver, não só no espírito e no comportamento das classes armadas, mas também na opinião pública nacional, é uma autêntica revolução. E frisou-se que: a) ela se distingue de outros movimentos armados pelo fato de que traduz, não o interesse e a vontade de um grupo, mas o interesse e a vontade da Nação; b) a revolução investe-se, por isso, no exercício do Poder Constituinte, legitimando-se por si mesma; c) edita normas jurídicas sem que nisto seja limitada pela normatividade anterior à sua vitória, pois graças à ação das forças armadas e ao apoio inequívoco da Nação, representa o povo e em seu nome exerce o Poder Constituinte de que o povo é o único titular. Não se disse que a revolução foi, mas que é e continuará. Assim o seu Poder Constituinte não se exauriu, tanto é ele próprio do processo revolucionário, que tem de ser dinâmico para atingir os seus objetivos. Acentuou-se, por isso, no esquema daqueles conceitos, traduzindo uma realidade incontestável de Direito Público, o poder institucionalizante de que a revolução é dotada para fazer vingar os princípios em nome dos quais a Nação se levantou contra a situação anterior. A autolimitação que a revolução se impôs no Ato institucional, de 9 de abril de 1964 não significa, portanto, que tendo poderes para limitar-se, se tenha negado a si mesma por essa limitação, ou se tenha despojado da carga de poder que lhe é inerente como movimento. Por isso se declarou, textualmente, que "os processos constitucionais não funcionaram para destituir o Governo que deliberadamente se dispunha a bolchevizar o País", mas se acrescentou, desde logo, que "destituído pela revolução, só a esta cabe ditar as normas e os processos de constituição do novo Governo e atribuir-lhe os poderes ou os instrumentos jurídicos que lhe assegurem o exercício do poder no exclusivo interesse do País". A revolução está viva e não retrocede. Tem promovido reformas e vai continuar a empreendê-las, insistindo patrioticamente em seus propósitos de recuperação econômica, financeira, política e moral do Brasil. Para isto precisa de tranqüilidade. Agitadores de vários matizes e elementos da situação eliminada teimam, entretanto, em se valer do fato de haver ela reduzido a curto tempo o seu período de indispensável restrição a certas garantias constitucionais, e já ameaçam e desafiam a própria ordem revolucionária, precisamente no momento em que esta, atenta aos problemas administrativos, procura colocar o povo na prática e na disciplina do exercício democrático. Democracia supõe liberdade, mas não exclui responsabilidade nem importa em licença para contrariar a própria vocação política da Nação. Não se pode desconstituir a revolução, implantada para restabelecer a paz, promover o bem-estar do povo e preservar a honra nacional.

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Assim, o Presidente da República, na condição de Chefe do Governo revolucionário e comandante supremo das forças armadas, coesas na manutenção dos ideais revolucionários, CONSIDERANDO que o País precisa de tranqüilidade para o trabalho em prol do seu desenvolvimento econômico e do bem-estar do povo, e que não pode haver paz sem autoridade, que é também condição essencial da ordem; CONSIDERANDO que o Poder Constituinte da Revolução lhe é intrínseco, não apenas para institucionalizá-la, mas para assegurar a continuidade da obra a que se propôs, Resolve editar o seguinte: ATO INSTITUCIONAL Nº 2 Art 1º - A Constituição de 1946 e as Constituições estaduais e respectivas emendas são mantidas com as modificações constantes deste Ato. Art 2º - A Constituição poderá ser emendada por iniciativa: I - dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal; II - do Presidente da República; III - das Assembléias Legislativas dos Estados. § 1º - Considerar-se-á proposta a emenda se for apresentada pela quarta parte, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, por mensagem do Presidente da República, ou por mais da metade das Assembléias Legislativas dos Estados, manifestando-se cada uma delas pela maioria dos seus membros. § 2º - Dar-se-á por aceita a emenda que for aprovada em dois turnos na mesma sessão legislativa, por maioria absoluta da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. § 3º - Aprovada numa, a emenda será logo enviada à outra Câmara, para sua deliberação. Art 3º - Cabe, à Câmara dos Deputados e ao Presidente da República a iniciativa dos projetos de lei sobre matéria financeira. Art 4º - Ressalvada a competência da Câmara dos Deputados e do Senado e dos Tribunais Federais, no que concerne aos respectivos serviços administrativos, compete exclusivamente ao Presidente da República a iniciativa das leis que criem cargos, funções ou empregos públicos, aumentem vencimentos ou a despesa pública e disponham sobre a fixação das forças armadas. Parágrafo único - Aos projetos oriundos dessa, competência exclusiva do Presidente da República não serão admitidas emendas que aumentem a despesa prevista. Art 5º - A discussão dos projetos de lei de iniciativa do Presidente da República começará na Câmara dos Deputados e sua votação deve estar concluída dentro de 45 dias, a contar do seu recebimento. § 1º - Findo esse prazo sem deliberação, o projeto passará ao Senado com a redação originária e a revisão será discutida e votada num só turno, e deverá ser concluída no Senado Federal dentro de 45 dias. Esgotado o prazo sem deliberação, considerar-se-á aprovado o texto como proveio da Câmara dos Deputados. § 2º - A apreciação das emendas do Senado Federal pela Câmara dos Deputados se processará no prazo de dez dias, decorrido o qual serão tidas como aprovadas.

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§ 3º - O Presidente da República, se julgar urgente a medida, poderá solicitar que a apreciação do projeto se faça em 30 dias, em sessão conjunta do Congresso Nacional, na forma prevista neste artigo. § 4º - Se julgar, por outro lado, que o projeto, não sendo urgente, merece maior debate pela extensão do seu texto, solicitará que a sua apreciação se faça em prazo maior, para as duas casas do Congresso. Art 6º - Os arts. 94, 98, 103 e 105 da Constituição passam a vigorar com a seguinte redação: "Art. 94 - O Poder Judiciário é exercido pelos seguintes órgãos: I - Supremo Tribunal Federal; II - Tribunal Federal de Recursos e Juízes Federais; III - Tribunais e Juízes Militares; IV - Tribunais e Juízes Eleitorais; V - Tribunais e Juízes do Trabalho." "Art. 98 - O Supremo Tribunal Federal, com sede na Capital da República e jurisdição em todo o território nacional, compor-se-á de dezesseis Ministros. Parágrafo único - O Tribunal funcionará em Plenário e dividido em três Turmas de cinco Ministros cada uma." "Art. 103 - O Tribunal Federal de Recursos, com sede na Capital Federal, compor-se-á de treze Juízes nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pelo Senado Federal, oito entre magistrados e cinco entre advogados e membros do Ministério Público, todos com os requisitos do art. 99. Parágrafo único - O Tribunal poderá dividir-se em Câmaras ou Turmas." "Art. 105 - Os Juízes Federais serão nomeados pelo Presidente da República dentre cinco cidadãos indicados na forma da lei pelo Supremo Tribunal Federal. § 1º - Cada Estado ou Território e bem assim o Distrito Federal constituirão de per si uma Seção judicial, que terá por sede a Capital respectiva. § 2º - A lei fixará o número de Juízes de cada Seção bem como regulará o provimento dos cargos de Juízes substitutos, serventuários e funcionários da Justiça. § 3º - Aos Juízes Federais compete processar e julgar em primeira instância. a) as causas em que a União ou entidade autárquica federal for interessada como autora, ré, assistente ou opoente, exceto as de falência e acidentes de trabalho; b) as causas entre Estados estrangeiros e pessoa domiciliada no Brasil; c) as causas fundadas em tratado ou em contrato da União com Estado estrangeiro ou com organismo internacional; d) as questões de direito marítimo e de navegação, inclusive a aérea; e) os crimes políticos e os praticados em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas, ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral; f )os crimes que constituem objeto de tratado ou de convenção internacional e os praticados a bordo de navios ou aeronaves, ressalvada a competência da Justiça Militar; g) os crimes contra a organização do trabalho e o exercício do direito de greve; h) os habeas corpus em matéria criminal de sua competência ou quando a coação provier de autoridade federal não subordinada a órgão superior da Justiça da União;

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i) os mandados de segurança contra ato de autoridade federal, excetuados, os casos do art. 101, I, i, e do art. 104, I, b." Art 7º - O Superior Tribunal Militar compor-se-á de quinze Juízes vitalícios com a denominação de Ministros, nomeados pelo Presidente da República, dos quais quatro escolhidos dentre os Generais efetivos do Exército, três dentre os Oficiais Generais efetivos da Armada, três dentre os Oficiais Generais efetivos da Aeronáutica e cinco civis. Parágrafo único - As vagas de Ministros togados serão preenchidas por brasileiros natos, maiores de 35 anos de idade, da forma seguinte: I - três por cidadãos de notório saber jurídico e reputação ilibada, com prática forense de mais de dez anos, da livre escolha do Presidente da República; II - duas por Auditores e Procurador- Geral da Justiça Militar. Art 8º - O § 1º do art. 108 da Constituição passa a vigorar com a seguinte redação: "§ 1º - Esse foro especial poderá estender-se aos civis, nos casos expressos em lei para repressão de crimes contra a segurança nacional ou as instituições militares." § 1º - Competem à Justiça Militar, na forma da legislação processual, o processo e julgamento dos crimes previstos na Lei nº 1.802, de 5 de janeiro de 1963. § 2º - A competência da Justiça Militar nos crimes referidos no parágrafo anterior com as penas aos mesmos atribuídas, prevalecerá sobre qualquer outra estabelecida em leis ordinárias, ainda que tais crimes tenham igual definição nestas leis. § 3º - Compete originariamente ao Superior Tribunal Militar processar e julgar os Governadores de Estado e seus Secretários, nos crimes referido no § 1º, e aos Conselhos de Justiça nos demais casos. Art 9º - A eleição do Presidente e do Vice-Presidente, da República será realizada pela maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional, em sessão pública e votação nominal. § 1º - Os Partidos inscreverão os candidatos até 5 dias, antes do pleito e, em caso de morte ou impedimento insuperável de qualquer deles, poderão substituí-los até 24 horas antes da eleição. § 2º - Se não for obtido o quorum na primeira votação, repetir-se-ão os escrutínios até que seja atingido, eliminando-se, sucessivamente, do rol dos candidatos, o que obtiver menor número de votos. § 3º - Limitados a dois os candidatos, a eleição se dará mesmo por maioria simples. Art 10 - Os Vereadores não perceberão remuneração, seja a que título for. Art 11 - Os Deputados às Assembléias Legislativas não podem perceber, a qualquer título, remuneração superior a dois terços da que percebem os Deputados federais. Art 12 - A última alínea do § 5º do art. 141 da Constituição passa a vigorar com a seguinte redação: "Não será, porém, tolerada propaganda de guerra, de subversão, da ordem ou de preconceitos de raça ou de classe." Art 13 - O Presidente da República poderá decretar o estado de sítio ou prorrogá-lo pelo prazo máximo de cento e oitenta dias, para prevenir ou reprimir a subversão da ordem interna.

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Parágrafo único - O ato que decretar o estado de sítio estabelecerá as normas a que deverá obedecer a sua execução e indicará as garantias constitucionais que continuarão em vigor. Art 14 - Ficam suspensas as garantias constitucionais ou legais de vitaliciedade, inamovibilidade e estabilidade, bem como a de exercício em funções por tempo certo. Parágrafo único - Ouvido o Conselho de Segurança Nacional, os titulares dessas garantias poderão ser demitidos, removidos ou dispensados, ou, ainda, com os vencimentos e as vantagens proporcionais ao tempo de serviço, postos em disponibilidade, aposentados, transferidos para a reserva ou reformados, desde que demonstrem incompatibilidade com os objetivos da Revolução. Art 15 - No interesse de preservar e consolidar a Revolução, o Presidente da República, ouvido o Conselho de Segurança Nacional, e sem as limitações previstas na Constituição, poderá suspender os direitos políticos de quaisquer cidadãos pelo prazo de 10 (dez) anos e cassar mandatos legislativos federais, estaduais e municipais. Parágrafo único - Aos membros dos Legislativos federal, estaduais e municipais, que tiverem seus mandatos cassados não serão dados substitutos, determinando-se o quorum parlamentar em função dos lugares efetivamente preenchidos. Art 16 - A suspensão de direitos políticos, com base neste Ato e no, art. 10 e seu parágrafo único do Ato institucional, de 9 de abril de 1964, além do disposto no art. 337 do Código Eleitoral e no art. 6º da Lei Orgânica dos Partidos Políticos, acarreta simultaneamente: I - a cessação de privilégio de foro por prerrogativa de função; II - a suspensão do direito de votar e de ser votado nas eleições sindicais; III - a proibição de atividade ou manifestação sobre assunto de natureza política; IV - a aplicação, quando necessária à preservação da ordem política e social, das seguintes medidas de segurança: a) liberdade vigiada; b) proibição de freqüentar determinados lugares; c) domicílio determinado. Art 17 - Além dos casos previstos na Constituição federal, o Presidente da República poderá decretar e fazer cumprir a intervenção federal nos Estados, por prazo determinado: I - para assegurar a execução da lei federal; II - para prevenir ou reprimir a subversão da ordem. Parágrafo único - A intervenção decretada nos termos deste artigo será, sem prejuízo da sua execução, submetida à aprovação do Congresso Nacional, Art 18 - Ficam extintos os atuais Partidos Políticos e cancelados os respectivos registros. Parágrafo único - Para a organização dos novos Partidos são mantidas as exigências da Lei nº 4.740, de 15 de julho de 1965, e suas modificações. Art 19 - Ficam excluídos da apreciação judicial: I - os atos praticados pelo Comando Supremo da Revolução e pelo Governo federal, com fundamento no Ato Institucional de 9 de abril de 1964, rio presente Ato Institucional e nos atos complementares deste; II - as resoluções das Assembléias Legislativas e Câmara de Vereadores que hajam cassado mandatos eletivos ou declarado o impedimento de

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Governadores, Deputados, Prefeitos ou Vereadores, a partir de 31 de março de 1964, até a promulgação deste Ato. Art 20. - O provimento inicial dos cargos da Justiça federal far-se-á pelo Presidente da República dentre brasileiros de saber jurídico e reputação ilibada. Art 21 - Os projetos de emenda constitucional, enviados pelo Presidente da República, serão apreciados em reunião do Congresso Nacional, dentro de 30 (trinta) dias, e serão considerados aprovados quando obtiverem em ambas as votações, a maioria absoluta dos membros das duas Casas do Congresso. Art 22 - Somente poderão ser criados Municípios novos depois de feita prova cabal de sua viabilidade econômico-financeira, perante a Assembléia Legislativa. Art 23 - Constitui crime. de responsabilidade contra a probidade na administração, a aplicação irregular pelos Prefeito da cota do imposto de Renda atribuída aos Municípios pela União, cabendo a iniciativa da ação penal ao Ministério Público ou a um terço dos membros da Câmara Municipal. Art 24 - O julgamento nos processos instaurados segundo a Lei nº 2.083, de .12 de novembro de 1953, compete ao Juiz de Direito que houver dirigido a instrução do processo. Parágrafo único - A prescrição da ação penal relativa aos delitos constantes dessa Lei ocorrerá dois anos após a data da publicação incriminada, e a da condenação no dobro do prazo em que for fixada. Art 25 - Fica estabelecido a partir desta data, o princípio da paridade na remuneração dos servidores dos três Poderes da República, não admitida, de forma alguma, a correção monetária como privilégio de qualquer grupo ou categoria. Art 26 - A primeira eleição para Presidente e Vice-Presidente da República será realizada em data a ser fixada pelo Presidente da República e comunicada ao Congresso Nacional, a qual não poderá ultrapassar o dia 3 de outubro de 1966. Parágrafo único - Para essa eleição o atual Presidente da República é inelegível. Art 27 - Ficam sem objeto os projetos de emendas e de lei enviados ao Congresso Nacional que envolvam matéria disciplinada, no todo ou em parte, pelo presente Ato. Art 28 - Os atuais Vereadores podem continuar a perceber remuneração até o fim do mandato, em quantia, porém, nunca superior à metade da que percebem os Deputados do Estado respectivo. Art 29 - Incorpora-se definitivamente à Constituição federal o disposto nos arts. 2º a 12 de presente Ato. Art 30 - O Presidente da República poderá baixar atos complementares do presente, bem como decretos-leis sobre matéria de segurança nacional. Art 31 - A decretação do recesso do Congresso Nacional, das Assembléias Legislativas e das Câmaras de Vereadores pode ser objeto de ato complementar do Presidente da República, em estado de sítio ou fora dele. Parágrafo único - Decretado o recesso parlamentar, o Poder Executivo correspondente, fica autorizado a legislar mediante decretos-leis em todas as matérias previstas na Constituição e na Lei Orgânica. Art 32 - As normas dos arts. 3º, 4º, 5º e 25 deste Ato são extensivas aos Estados da Federação.

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Parágrafo único - Para os fins deste artigo as Assembléias emendarão as respectivas Constituições, no prazo de sessenta dias, findo o qual aquelas normas passarão, no que couber, a vigorar automaticamente nos Estados. Art 33 - O presente Ato institucional vigora desde a sua publicação até 15 de março de 1967, revogadas as disposições constitucionais ou legais em contrário.

Brasília, 27 de outubro de 1965; 144º da Independência e 77º da República. H. CASTELLO BRANCO Juracy Montenegro Magalhães Paulo Bossisio Arthur da Costa e Silva Vasco Leitão da Cunha Eduardo Gomes

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ATO INSTITUCIONAL Nº 5, DE 13 DE DEZEMBRO DE 1968

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, ouvido o Conselho de Segurança Nacional, e CONSIDERANDO que a Revolução brasileira de 31 de março de 1964 teve, conforme decorre dos Atos com os quais se institucionalizou, fundamentos e propósitos que visavam a dar ao País um regime que, atendendo às exigências de um sistema jurídico e político, assegurasse autêntica ordem democrática, baseada na liberdade, no respeito à dignidade da pessoa humana, no combate à subversão e às ideologias contrárias às tradições de nosso povo, na luta contra a corrupção, buscando, deste modo, "os. meios indispensáveis à obra de reconstrução econômica, financeira, política e moral do Brasil, de maneira a poder enfrentar, de modo direito e imediato, os graves e urgentes problemas de que depende a restauração da ordem interna e do prestígio internacional da nossa pátria" (Preâmbulo do Ato Institucional nº 1, de 9 de abril de 1964); CONSIDERANDO que o Governo da República, responsável pela execução daqueles objetivos e pela ordem e segurança internas, não só não pode permitir que pessoas ou grupos anti-revolucionários contra ela trabalhem, tramem ou ajam, sob pena de estar faltando a compromissos que assumiu com o povo brasileiro, bem como porque o Poder Revolucionário, ao editar o Ato Institucional nº 2, afirmou, categoricamente, que "não se disse que a Resolução foi, mas que é e continuará" e, portanto, o processo revolucionário em desenvolvimento não pode ser detido; CONSIDERANDO que esse mesmo Poder Revolucionário, exercido pelo Presidente da República, ao convocar o Congresso Nacional para discutir, votar e promulgar a nova Constituição, estabeleceu que esta, além de representar "a institucionalização dos ideais e princípios da Revolução", deveria "assegurar a continuidade da obra revolucionária" (Ato Institucional nº 4, de 7 de dezembro de 1966); CONSIDERANDO, no entanto, que atos nitidamente subversivos, oriundos dos mais distintos setores políticos e culturais, comprovam que os instrumentos jurídicos, que a Revolução vitoriosa outorgou à Nação para sua defesa, desenvolvimento e bem-estar de seu povo, estão servindo de meios para combatê-la e destruí-la; CONSIDERANDO que, assim, se torna imperiosa a adoção de medidas que impeçam sejam frustrados os ideais superiores da Revolução, preservando a ordem, a segurança, a tranqüilidade, o desenvolvimento econômico e cultural e a harmonia política e social do País comprometidos por processos subversivos e de guerra revolucionária; CONSIDERANDO que todos esses fatos perturbadores, da ordem são contrários aos ideais e à consolidação do Movimento de março de 1964, obrigando os que por ele se responsabilizaram e juraram defendê-lo, a adotarem as providências necessárias, que evitem sua destruição, Resolve editar o seguinte ATO INSTITUCIONAL Art 1º - São mantidas a Constituição de 24 de janeiro de 1967 e as Constituições estaduais, com as modificações constantes deste Ato Institucional. Art 2º - O Presidente da República poderá decretar o recesso do Congresso Nacional, das Assembléias Legislativas e das Câmaras de Vereadores, por Ato

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Complementar, em estado de sitio ou fora dele, só voltando os mesmos a funcionar quando convocados pelo Presidente da República. § 1º - Decretado o recesso parlamentar, o Poder Executivo correspondente fica autorizado a legislar em todas as matérias e exercer as atribuições previstas nas Constituições ou na Lei Orgânica dos Municípios. § 2º - Durante o período de recesso, os Senadores, os Deputados federais, estaduais e os Vereadores só perceberão a parte fixa de seus subsídios. § 3º - Em caso de recesso da Câmara Municipal, a fiscalização financeira e orçamentária dos Municípios que não possuam Tribunal de Contas, será exercida pelo do respectivo Estado, estendendo sua ação às funções de auditoria, julgamento das contas dos administradores e demais responsáveis por bens e valores públicos. Art 3º - O Presidente da República, no interesse nacional, poderá decretar a intervenção nos Estados e Municípios, sem as limitações previstas na Constituição. Parágrafo único - Os interventores nos Estados e Municípios serão nomeados pelo Presidente da República e exercerão todas as funções e atribuições que caibam, respectivamente, aos Governadores ou Prefeitos, e gozarão das prerrogativas, vencimentos e vantagens fixados em lei. Art 4º - No interesse de preservar a Revolução, o Presidente da República, ouvido o Conselho de Segurança Nacional, e sem as limitações previstas na Constituição, poderá suspender os direitos políticos de quaisquer cidadãos pelo prazo de 10 anos e cassar mandatos eletivos federais, estaduais e municipais. Parágrafo único - Aos membros dos Legislativos federal, estaduais e municipais, que tiverem seus mandatos cassados, não serão dados substitutos, determinando-se o quorum parlamentar em função dos lugares efetivamente preenchidos. Art 5º - A suspensão dos direitos políticos, com base neste Ato, importa, simultaneamente, em: I - cessação de privilégio de foro por prerrogativa de função; II - suspensão do direito de votar e de ser votado nas eleições sindicais; III - proibição de atividades ou manifestação sobre assunto de natureza política; IV - aplicação, quando necessária, das seguintes medidas de segurança: a) liberdade vigiada; b) proibição de freqüentar determinados lugares; c) domicílio determinado, § 1º - o ato que decretar a suspensão dos direitos políticos poderá fixar restrições ou proibições relativamente ao exercício de quaisquer outros direitos públicos ou privados. § 2º - As medidas de segurança de que trata o item IV deste artigo serão aplicadas pelo Ministro de Estado da Justiça, defesa a apreciação de seu ato pelo Poder Judiciário. Art 6º - Ficam suspensas as garantias constitucionais ou legais de: vitaliciedade, inamovibilidade e estabilidade, bem como a de exercício em funções por prazo certo. § 1º - O Presidente da República poderá mediante decreto, demitir, remover, aposentar ou pôr em disponibilidade quaisquer titulares das garantias referidas neste artigo, assim como empregado de autarquias, empresas públicas ou sociedades de economia mista, e demitir, transferir para a reserva ou reformar

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militares ou membros das polícias militares, assegurados, quando for o caso, os vencimentos e vantagens proporcionais ao tempo de serviço. § 2º - O disposto neste artigo e seu § 1º aplica-se, também, nos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios. Art 7º - O Presidente da República, em qualquer dos casos previstos na Constituição, poderá decretar o estado de sítio e prorrogá-lo, fixando o respectivo prazo. Art 8º - O Presidente da República poderá, após investigação, decretar o confisco de bens de todos quantos tenham enriquecido, ilicitamente, no exercício de cargo ou função pública, inclusive de autarquias, empresas públicas e sociedades de economia mista, sem prejuízo das sanções penais cabíveis. Parágrafo único - Provada a legitimidade da aquisição dos bens, far-se-á sua restituição. Art 9º - O Presidente da República poderá baixar Atos Complementares para a execução deste Ato Institucional, bem como adotar, se necessário à defesa da Revolução, as medidas previstas nas alíneas d e e do § 2º do art. 152 da Constituição. Art 10 - Fica suspensa a garantia de habeas corpus, nos casos de crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a economia popular. Art 11 - Excluem-se de qualquer apreciação judicial todos os atos praticados de acordo com este Ato institucional e seus Atos Complementares, bem como os respectivos efeitos. Art 12 - O presente Ato Institucional entra em vigor nesta data, revogadas as disposições em contrário.

Brasília, 13 de dezembro de 1968; 147º da Independência e 80º da República.

A. COSTA E SILVA Luís Antônio da Gama e Silva Augusto Hamann Rademaker Grünewald Aurélio de Lyra Tavares José de Magalhães Pinto Antônio Delfim Netto Mário David Andreazza Ivo Arzua Pereira Tarso Dutra Jarbas G. Passarinho Márcio de Souza e Mello Leonel Miranda José Costa Cavalcanti Edmundo de Macedo Soares Hélio Beltrão Afonso A. Lima Carlos F. de Simas